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Asfixias mecânicas
Literalmente, asfixia significa “sem pulso”. A expressão • Anoxia de ventilação ou anóxica
científica mais correta seria anoxemia (ausência de oxigênio ➢ quando a concentração de oxigênio ↓ no
no sangue) ou hipoxemia (pouco oxigênio no sangue), ar ambiente e a hemoglobina do sangue
porém, se admitirmos em sentido amplo, o termo “asfixia” arterial atinge baixos níveis de
assume igual proporção. concentração;
➢ quando se verifica uma compressão
Asfixia, sob o ponto de vista médico-legal, é a síndrome mecânica das vias respiratórias (são as
caracterizada pelos efeitos da ausência ou baixíssima asfixias de maior interesse médico-legal);
concentração do oxigênio no ar respirável por impedimento ➢ quando há alterações na dinâmica
mecânico de causa fortuita, violenta e externa em respiratória (compressão do tórax,
circunstâncias as mais variadas. Ou a perturbação oriunda da pneumotórax, derrames pleurais,
privação, completa ou incompleta, rápida ou lenta, externa paralisias diafragmáticas, fratura múltipla
ou interna, do oxigênio. de costelas e comprometimento dos
músculos respiratórios → eletricidade,
Assim, na asfixia, consome-se o oxigênio presente nos
drogas, tétano, epilepsia, crucificação)
pulmões e acumula-se o gás carbônico que se vai formando.
➢ quando há dificuldades nas trocas gasosas
Finalmente, fica claro que as expressões hipoxemia e
alveolares (edema agudo do pulmão,
anoxemia seriam mais adequadas; no entanto, a tradição
silicoses e esclerose pulmonar)
consagrou asfixia como o termo mais usado.
• Anoxia anêmica,
FISIOPATOLOGIA E SINTOMATOLOGIA ➢ ↓ da capacidade de oxigenação do sangue
➢ diminuição qualitativa e/ou quantitativa
É necessário entender que, na respiração normal, exige-se da hemoglobina, p.ex.: e intoxicação pelo
um ambiente externo que contenha ar respirável, com CO ou de venenos, anemias crônicas ou nas
oxigênio em quantidade aproximada de 21%. orifícios e vias grandes hemorragias.
respiratórias permeáveis, elasticidade do tórax, expansão • Anoxia de circulação e de estase
pulmonar, circulação sanguínea normal, volume circulatório ➢ ↓Da chega de sangue oxigenado nos
em quantidade e qualidade suficientes para transportar capilares. P. ex.: Insuficiência circulatória
oxigênio aos tecidos e pressão atmosférica compatível com periférica, embolia das artérias
a fisiologia respiratória. pulmonares, coarctação da aorta.
• Anoxia tissular ou hitotóxica
Quando, no ar atmosférico, o oxigênio atinge 7%, surgem
➢ Mecanismos tóxicos que impedem o
distúrbios relativamente graves, sobrevindo a morte, se essa
aproveitamento do oxigênio pelos tecidos.
taxa é em torno de 3 %, ou se esse ar respirável contém
P.ex.: ↓ da tensão diferencial
grande concentração de gases irrespiráveis ou tóxicos.
arteriovenosa de O2 ou inibição de enzimas
• Normal: 21% oxidantes celulares como nos casos de
intoxicação pelo ácido cianídrico e/ou pelo
• Distúrbios graves: 7%
hidrogênio sulfurado.
• Morte 3% ou grande concentração de gases tóxicos.
Hoje já se sabe que na evolução das asfixias podem ocorrer
Desta forma, pode-se afirmar que nas síndromes
dois tipos de anoxias:
hipoxêmicas existem causas externas ou internas. As asfixias
mecânicas têm como causa mais frequente o obstáculo nas 1. Com acapneia (falta O2 sem acúmulo de CO2)
trocas gasosas pulmonares devido a causas externas. Há, no a. ↑FR, sangue +alcalino, transtornos
entanto, situações em que as dificuldades de oxigenação dos psíquicos, sensoriais e motores (marcha
tecidos não estão no aparelho respiratório, mas em outros do ébrio) e hiper-reflexia.
locais do organismo, nos tecidos, sangue ou nervos, sendo b. Depois a respiração vai ↓ até surgirem o
nestes casos uma asfixia de causa interna. ↑ da pressão arterial e a ↓dos batimentos
do pulso. Seguem-se os espasmos
De acordo com a parte do processo respiratório acometida,
musculares, convulsões e inconsciência.
podemos classificar as anoxias em:
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tom carmim, sangue fluido e róseo, putrefação tardia e, →Nos casos de morte por gás lacrimogêneo, o exame
finalmente, os comemorativos da morte. histopatológico pode evidenciar necrose da mucosa
respiratória e edema do pulmão, e, principalmente, o exame
O monóxido de carbono poderá ser pesquisado por meio de toxicológico tem importância considerável pela
reações químicas especiais, permitindo-se a dosagem e possibilidade da evidência do tipo do composto químico
coeficientes de saturação, tendo-se, porém, o cuidado de utilizado nesse tipo de gás.
obter o sangue nas cavidades cardíacas ou em outras
vísceras, pois a morte poderá ter-se verificado em situações SUFOCAÇÃO DIRETA
diferentes e o corpo ter sido colocado em um ambiente em
que exista um gás.
POR OCLUSÃO DA BOCA E DAS FOSSAS NASAIS
• Testes para determinação de CO2: Quase sempre de caráter criminoso e há necessidade de
➢ prova de Katayama acentuada desproporção de forças entre a vítima e o agente.
➢ prova de Liebmann É uma prática muito comum no infanticídio, com a ajuda das
➢ prova de Kunckel e Weltzel mãos que comprimem a face do recém-nascido, ou sob o
➢ prova de Stockis travesseiro, e por meio de uso de papel molhado sobre a
➢ espectroscopia. face.
▪ O processo consiste em levar-se o
sangue ao espectroscópio,
POR OCLUSÃO DAS VIAS RESPIRATÓRIAS
observando-se duas faixas
escuras: carboxihemoglobina e Acontece na obstrução dos condutos aéreos por corpos
hemoglobina oxicarbonada. estranhos, impedindo a passagem do ar até os pulmões. É
mais frequente nos acidentes, mais rara no suicídio e mais
difícil no homicídio.
ABSORÇÃO POST MORTEM DO M ONÓXIDO DE
CARBONO
Existem casos registrados na literatura médico-legal de
O monóxido de carbono pode penetrar no sangue depois da asfixia por obstrução mecânica das vias respiratórias
morte, e isso deverá ser levado em conta para afastar decorrente da aspiração de goma de mascar. Não é rara,
possíveis causas de erro. Para prevenir-se, basta recolher o também, a morte nessa circunstância por aspiração de
sangue do coração, dos grandes vasos ou das vísceras. corpos estranhos os mais variados, até de porções
alimentares que penetram na laringe, matando por asfixia,
ASFIXIA POR OUTROS VÍCIOS DE AMBIENTES principalmente, crianças.
A morte por asfixia também pode advir em ambientes Acrescentem-se ainda a aspiração de vômitos dos
saturados por outros gases, tais como os de iluminação, de debilitados, a obstrução por prótese dentária e a “queda da
esgoto e de fossas, de pântano e, principalmente, por língua” nos vitimados por descarga elétrica, por crises
agentes irritantes, como gás de pimenta e gás lacrimogêneo. epilépticas ou nos comatosos.
AFOGAMENTO
→Os pulmões se mostram distendidos (sinal de Valentin), O termo “submersão”, largamente usado, não é correto, em
congestos, com sufusões hemorrágicas subpleurais. O fígado virtude de fornecer uma ideia de morte por imersão
é congesto e o sangue do coração, escuro e fluido. completa do corpo, sendo que basta que os orifícios
respiratórios estejam em contato com líquido.
SUFOCAÇÃO POSICIONAL
Pode ser acidental, suicida ou homicida.
Alguns autores chamam a atenção para uma forma de asfixia
mecânica produzida pela posição em que o indivíduo se
FISIOPATOLOGIA E MECANISMO DE MORTE
encontra no momento da morte, capaz de impedir ou
dificultar seriamente a ventilação pulmonar, após a A morte por afogamento geralmente passa por três fases ou
instauração da fadiga e da falência muscular respiratória. períodos: fase de defesa, fase de resistência e fase de
Um dos exemplos desse quadro seria a “crucificação” ou o exaustão.
posicionamento demorado do indivíduo de “cabeça para
A primeira fase tem dois períodos: o de surpresa e o de
baixo”.
dispneia. A segunda fase está representada pela parada dos
Diferem-se pela ausência das lesões traumáticas que se movimentos respiratórios como mecanismo de defesa. A
verificam na compressão do tórax ou do abdome. terceira fase é na qual termina a resistência pela exaustão e
começa uma inspiração profunda, iniciando-se o processo de
O mecanismo de morte seria a fadiga aguda dos músculos da asfixia com perda de consciência, insensibilidade (às vezes,
respiração, seguida de apneia e anoxia. Favorecem tais convulsões) e morte.
ocorrências a embriaguez, a debilitação e a idade avançada.
Há, no entanto, casos em que o indivíduo, ao tocar na água,
Para seu diagnóstico, deve-se levar em conta o fato de o morre por inibição, constituindo os afogados brancos de
cadáver ser encontrado em uma posição que dificulte ou Parrot, ou afogados secos, necessitando, para isso, de uma
inviabilize a ventilação pulmonar, de o indivíduo não poder predisposição constitucional, lesões cardiovasculares
livrar-se daquela posição, de serem evidenciados os sinais agravadas pela ação térmica ou nos estados tímico-
gerais de asfixia e, também, de se excluir de outras causas linfáticos. Nessa modalidade de afogamento, não se
de morte violenta ou por antecedentes patológicos. encontra nenhum sinal de asfixia.
Estes últimos sinais perdem seu valor quando existe também natural ou violenta estão presentes e facilmente
traumatismo craniano. reconhecidos.
Em uma primeira fase, em virtude de a densidade do corpo Para chegar-se a tal diagnóstico, é necessário o estudo
ser sempre maior que a do líquido de submersão, a geológico e do plâncton por levantamento microscópico ou
tendência do cadáver é ir para o fundo, contribuindo, ainda, através de cultura, nos diversos locais ou etapas de um lago
a maior ou menor quantidade de líquido ingerida. ou de um rio.
▪ há a sufusão hemorrágica da
túnica externa da carótida
comum – sinal de Friedberg
➢ Lesões do aparelho laríngeo;
➢ Lesões da coluna vertebral
• Sinais dos planos profundos do pescoço (apud
Bonnet)
➢ Musculares
▪ infiltração hemorrágica nos
músculos cervicais (sinal de
Hoffmann-Haberda)
Sinais encontrados nos sulcos de enforcados:
▪ ruptura transversal, e hemorragia
• Sinal de Ponsold: livores cadavéricos, em placas, do músculo tiro-hióideo (sinal de
por cima e por baixo das bordas do sulco Lesser)
➢ Cartilagens e ossos
• Sinal de Thoinot: zona violácea ao nível das bordas
▪ hioide – fratura do corpo (sinal de
do sulco
Morgagni-Valsalva-Orfila-
• Sinal de Azevedo-Neves: livores punctiformes por
Röemmer)
cima e por baixo das bordas do sulco
▪ tireoide – fratura das apófises
• Sinal de Neyding: infiltrações hemorrágicas
superiores (sinal de Hoffmann);
punctiformes no fundo do sulco
▪ fratura do corpo (sinal deHelwig);
• Sinal de Ambroise Paré: pele enrugada e escoriada
▪ cricoide – fratura do corpo (sinal
no fundo do sulco
de Morgagni-Valsalva-Deprez)
• Sinal de Lesser: vesículas sanguinolentas no fundo
➢ ligamentos:
do sulco
▪ rupturas dos ligamentos
• Sinal de Bonnet: marcas de trama do laço
cricóideo e tireóideo (sinal de
• Sinal de Schulz: borda superior do sulco saliente e
Bonnet)
violácea.
➢ Vasculares
▪ carótida comum – ruptura da
SINAIS INTERNOS
túnica íntima em sentido
São em grande número, podendo ser divididos em sinais transversal abaixo da bifurcação
locais e a distância. (sinal de Amussat-Divergie-
Hoffmann);
• Sinais locais
▪ infiltração hemorrágica da túnica
➢ lesões da parte profunda da pele e da tela
adventícia (sinal de Friedberg);
subcutânea do pescoço.
▪ carótidas internas e externas –
▪ Caracterizadas por sufusões
ruptura das túnicas adventícias
hemorrágicas da parte profunda
(sinal de Lesser);
da pele e da tela subcutânea.
▪ jugulares interna e externa –
Podendo surgir, ainda, rupturas e
ruptura da túnica interna (sinal de
infiltrações sanguíneas do tecido
Ziemke)
muscular (sinal de Martin) e
➢ neurológicos:
equimoses retrofaríngeas.
▪ ruptura da bainha mielínica do
➢ lesões dos vasos
nervo pneumogástrico ou vago
▪ Amussat descreveu um sinal, que
(sinal de Dotto)
tem o seu nome, constituído da
• Sinais a distância
secção transversal da túnica
➢ São aqueles encontrados nas asfixias em
íntima da artéria carótida comum
geral, como congestão polivisceral, sangue
nas proximidades de sua
fluido e escuro, pulmões distendidos,
bifurcação
equimoses viscerais e espuma
▪ O desgarramento da túnica
sanguinolenta na traqueia e nos
externa é conhecido pela
brônquios.
denominação de sinal de Étienne
Martin;
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superposição do sulco onde a parte do laço Em geral, a morte se dá por oclusão das vias respiratórias ou
se cruza. da obstrução da circulação das carótidas, por ação da prega
➢ Não é raro se encontrarem nas do cotovelo sobre a face lateral do pescoço. A morte pode
proximidades do sulco do ser também por inibição (reflexo laríngeo-pneumogástrico),
estrangulamento rastros ou estrias síndrome conhecida por “estrangulamento branco de
ungueais. Pode ser notado o sinal de Claude Bernard-Lacassagne”, em que, por vezes, pressões
Lesser (vesículas sanguinolentas no fundo menos significativas do pescoço podem resultar em parada
do sulco) cardíaca e em que não se encontram os sinais clássicos de
asfixia. Em tais ocorrências, o difícil é precisar o diagnóstico,
SINAIS INTERNOS pois os sinais encontrados não são tão evidentes quanto os
• Lesões dos planos profundos do pescoço deixados pelo laço no estrangulamento e no enforcamento
➢ infiltração hemorrágica dos tecidos moles ou pelos dedos na esganadura.
do pescoço
Pode ainda ocorrer a morte por estrangulamento onde se
➢ lesões da laringe → podem acarretar
usa a pressão de um objeto duro, como cassetete, bastão ou
lesões nas cartilagens tireóidea e cricóidea
outro objeto similar, sobre o pescoço, onde a perícia vai
e no osso hioide. Raros no suicídio.
encontrar significativas lesões externas (esquimoses e
➢ Lesões das artérias carótidas → bilateral;
escoriações) e lesões internas (infiltração hemorrágica dos
Sinal de Amussat (rupturas transversais);
tecidos moles e muito comumente fraturas dos anéis da
Friedberg (infiltração hemorrágica) e
traqueia e da laringe), principalmente na sua região anterior.
Étienne Martin (ruptura transversal).
• Lesões a distância → sinais clássicos de asfixia. ESGANADURA
SINAIS
ESTRANGULAMENTO ANTIBRAQUIAL
Sinais externos a distância.
A experiência demonstra que, embora em situações não tão
raras, é possível o estrangulamento através da constrição do • Congestão da face, congestão das conjuntivas,
pescoço pela ação do braço e do antebraço sobre a laringe, equimoses punctiformes da face e do pescoço.
conhecida como “golpe de gravata”.
Sinais externos locais
Sob o ponto de vista médico-legal, além do diagnóstico de
morte por estrangulamento, é muito importante que se • Os mais importantes são as escoriações produzidas
teçam considerações fundamentadas no sentido de se pelas unhas do agressor, teoricamente de forma
estabelecer com critérios bem definidos a causa jurídica de semilunar, apergaminhadas, de tonalidade pardo-
morte: se por homicídio ou acidente. amarelada, conhecidas como estigmas ou marcas
ungueais. Podem também ter a forma de rastros
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FISIOPATO
Na esganadura interferem, principalmente no mecanismo
de morte, a asfixia e os fenômenos decorrentes da
compressão nervosa do pescoço. A obliteração vascular é de
interesse menor. Assim, tudo indica que na asfixia mecânica
do tipo esganadura o mecanismo de morte é sempre por
anoxia-anóxica (falta de oxigênio no sangue que nutre o
tecido cerebral), por inibição reflexa (parada do coração por
inibição devido à pressão dos seios carotidianos) e, em
menor escala, por isquemia encefálica (necrose do tecido
cerebral, por falta de sangue arterial).