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Como atender um Parto Humanizado - passo a passo.

Você, médico ou enfermeira obstetra, está lá de plantão no seu canto. Não aguenta mais
aquele papo de quem vai pro paredão do BBB.

Chega a gestante em trabalho de parto. Vamos supor as seguintes condições:


- Fez pré natal e não há nada de anormal
- Ela está em trabalho de parto (contrações efetivas, 2 a 3 contrações em 10 minutos)

Eis o que fazer:

1) Sorria. Apresente-se com um aperto de mão, diga seu nome e sua função na instituição.
Cumprimente o acompanhante. Parabenize-a pela chegada do bebê. Só faça elogios. Não faça
críticas, nem piadas. Seja simpático e sorridente, sem ser 'engraçadinho'. E definitivamente
essa não é a hora de julgar falta de pré natal, excesso de filhos, de peso ou de pêlos. Nada
disso é da sua conta. Lembre-se que você está sendo pago por esse serviço, que aceitou
voluntariamente. Lembre-se que, em última instância, são elas que pagam o nosso salário.
Dica: se estiver cansado, preocupado, estressado, com um difícil plantão, pare antes de entrar
na sala de admissão ou de receber o casal. Pare. Respire. Lembre-se que para eles, é uma
experiência única e possivelmente a primeira. Eles estão com medo, assustados e ela com dor.

2) Deixe-a à vontade e o mais confortável possível, com liberdade de posição, desde essa fase
de triagem. Explique que ela pode parar de responder se vier contração. Aguarde as
contrações, sempre que vierem, antes de continuar o seu questionário. Pergunte os dados que
você precisa para o preenchimento da ficha da admissão. Ofereça uma camisola da instituição,
sem obrigá-la a usar.

3) Peça que aproveite logo após o final de uma contração para se deitar em maca com encosto
elevado pelo menos 45º. Diga que tentará ser o mais rápido possível. Instale a cardiotocografia
de admissão, explique que é para avaliar os batimentos cardíacos do bebê. Verifique
temperatura, pulso e pressão arterial. Tire termômetro e manguito de pressão tão logo termine
as medidas. Peça licença para examinar a dilatação. Espere ela concordar. Seja delicado. Use
gel lubrificante. Não force o colo. Não tente abrir mais do que já está. Pense em como você
gostaria que um profissional examinasse internamente sua esposa, sua irmã, sua filha. Apenas
avalie rapidamente, dilatação, esvaecimento, posição e altura. Diga a ela com quantos
centímetros ela está de dilatação e dê parabéns, novamente. Diga que ela pode continuar o
exame do coração do bebê em qualquer posição, inclusive de pé. Após os 20 minutos
necessários, desligue imediatamente o aparelho e, caso esteja tudo bem, informe esse dado.
Caso não esteja tudo bem, diga o que o preocupa, sem inflacionar a informação, e explique que
você já vai cuidar disso com a maior rapidez possível.

4) Supondo que ela já esteja com pelo menos 4 cm de dilatação e contrações efetivas, ou seja,
na fase ativa do trabalho de parto, instale-a com o acompanhante, de preferência numa sala
individual (não coletiva). Mostre onde tem banheiro, água, telefone, local para caminhar,
banheiro para o acompanhante, chuveiro, bola, e tudo o que pode ser útil. Se ainda for fase
inicial, explique que é complicado internar assim tão precocemente. Incentive-a a voltar pra
casa por algumas horas (se for perto) ou a dar um passeio a pé, até as contrações ficarem mais
fortes.
5) Não realize lavagem intestinal, nem tricotomia, nem qualquer procedimento de rotina na
internação. Não ligue soro com ocitocina. Deixe o trabalho de parto evoluir normalmente. A
ocitocina só deve ser utilizada em casos de distócia de progressão. Lembre-se que a ocitocina
pode causar anóxia e óbito fetal. Ocitocina não é remédio pra "ajudar". Ocitocina é uma droga
potentísssima e perigosa.

6) Não rompa bolsa, a não ser em caso de distócia de progressão ou de sofrimento fetal (para
verificação de mecônio). Deixe que a natureza se encarregue disso. Se nada for feito, a bolsa
se romperá naturalmente entre 7 e 10 cm de dilatação, ou durante o período expulsivo.
Ruptura artificial da bolsa das água é o maior fator de risco para prolapso de cordão.

7) Examine apenas o necessário. Tirando a ausculta fetal, que é fundamental para sabermos a
vitalidade do bebê, não há porque ficar fazendo toques vaginais de hora em hora. Na fase
ativa, podem haver intervalos de até 4 horas entre um toque e outro. Não deixe que mais de
um profissional realize o toque. Peça licença. Pergunte se ela prefere que seu acompanhante
permaneça ou saia durante o exame. Não assuma que você sabe como ela se sente, nunca!
Sempre elogie o progresso, e como ela é forte, e como ela está lidando bem com o trabalho de
parto. Se a bolsa estiver rompida, especial cuidado! O parto pode demorar quantas horas for
necessário com a bolsa rompida, mas os exames de toque aumentam o risco de infecção.
Quando necessário tocar, use luvas estéreis, principalmente no caso de bolsa rota. Hoje em dia
existem luvas para toque plásticas, estéreis, embaladas individualmente e de baixo custo.

8) Se for realizar cardiotocografia, não deixe o aparelho ligado por mais de 20 minutos,
explique que o alarme não significa problemas, que em geral é porque houve perda do foco
pelo aparelho, desligue imediatamente logo após terminado, e dê liberdade de posição durante
o exame. Não é necessário que a mulher esteja deitada.

9) Incentive a mudança de posição, deambulação, banho de chuveiro e banheira, uso da bola,


descanso em diferentes posições. Não é necessário seguir um circuito pré estabelecido.
Explique apenas que ela não está doente e que deve confiar em seu corpo. Explique sobre a
importância de não ficar numa só posição o tempo todo. Mostre técnicas de massagem para o
acompanhante. Incentive o uso do chuveiro para alívio da dor. Ofereça sucos, água e
alimentos.

10) Conforme chegar mais perto do expulsivo, explique os sintomas e peça ao acompanhante
que chame caso um desses sintomas seja referido. Não faça dilatação manual do colo, pois
esse é o maior fator de risco para laceração de trajeto. Aguarde a evolução natural. Não
coloque a mulher "em posição". Dê liberdade durante o período expulsivo. Dê preferência a
posições verticais, como a banqueta de parto, por exemplo. Não é necessário realizar
antissepsia dos genitais.

11) Deixe a mulher fazer força conforme sente vontade, não fique guiando, gritando ordens ou
pedindo que ela prenda a respiração e faça força comprida. Deixe que ela sabe o que fazer.
Bebês nascidos sob manobra de Valsalva têm notas de Apgar em média menores do que os
nascidos sob puxos espontâneos. Não fique colocando os dedos na vagina dela para "alargar" o
canal. A vagina é tecido mole, não segura o bebê. Se for possível abaixe a luz, deixe alguma
música (se ela gostar da idéia), fale baixo. Evite falar, na verdade. Faça apenas a ausculta a
cada 10-15 minutos. Lembre-se que desacelerações durante a contração são normais, ainda
mais no período expulsivo.

12) Dê tempo ao tempo, lembre-se que o período expulsivo de uma primigesta pode levar até 2
horas, às vezes até mais, desde que esteja havendo progresso e a ausculta esteja boa. Quando
o bebê estiver coroando, convide a mulher a sentir a cabeça do bebê com a mão, e assim
controlar a força e a expulsão. Proteja o períneo com uma compressa. Não empurre o fundo
uterino, nem com a mão, muito menos com o cotovelo. A Manobra de Kristeler pode provocar
lesão de fígado, de baço, ruptura uterina, descolamento de placenta, fratura de costela e
hematomas, entre outros problemas.

13) Dê tempo para a cabeça subir e descer várias vezes, alongando o períneo. Isso evitará
laceração. Não corte episiotomia, por favor. O maior risco de laceração de quarto grau ocorre
quando se abre uma episiotomia. Lacerações em geral são pequenas, a maioria nem sutura
necessita. Cerca de 70% das mulheres saem com períneo intacto.

14) Após a saída da cabeça, não puxe o bebê. Deixe que a próxima contração traga o resto do
corpo. Isso pode levar 5 minutos. Lembre-se que o bebê está sendo oxigenado pelo cordão. O
bebê pode nascer sozinho apenas com as contrações uterinas. Receba o bebê com delicadeza,
enxugue-o delicadamente, sem esfregar. Sinta a pulsação do cordão, se estiver acima de 100, o
bebê está bem. Ainda ligado ao cordão, coloque o bebê em contato pele a pele com a mãe e
cubra-o, para prevenir a perda de calor. Não corte o cordão. Espere que ele pare de pulsar.
Cerca de 1/3 do volume de sangue do bebê está no cordão e placenta. Deixe que esse sangue
vá para o bebê.

15) Com a mãe ainda segurando seu bebê no colo, aguarde a placenta sem tracionar. Verifique
apenas que o útero esteja contraído. Isso pode te dar a segurança que você precisa para deixar
a natureza cuidar da placenta sem intervenções. Se houve fator de risco para hemorragia pós
parto, aplique ocitocina intra-muscular e aguarde.

16) Se for necessário suturar, faça-o com anestesia suficiente para que a mãe não sinta dor. Se
ela disser que está doendo, acredite: está doendo. A dor faz aumentar a adrenalina, diminuindo
a produção de ocitocina: pior para o aleitamento, pior para a hemorragia pós parto. A
amamentação na primeira hora de vida é prioridade e é a melhor forma de prevenir a
hemorragia.

17) Após a primeira mamada e o cordão já cortado, pergunte se o pediatra pode examinar. Se
possível o exame deve ser feito na própria sala de parto. Se não for possível, peça ao pai para
acompanhar o exame. Enxugue melhor o bebê, com delicadeza. Corrija o corte do cordão, se
necessário. Não aspire um bebê que respira. Pingue o colírio de escolha, de preferência
abandone o nitrato de prata, menos efetivo, cáustico e doloroso. Substitua por antibiótico
ocular. Deixe vacinas e vitamina K para as horas seguintes ao parto. Pese e identique o bebê.
Devolva o bebê para a mãe imediatamente após o exame e diga a ela os dados relevantes.

18) Leve mãe, bebê e acompanhante para o quarto, na mesma maca, e favoreça o alojamento
conjunto.
19) Da série "Um plus a mais": obstetrizes/enfermeiras obstetras para todas as mulheres;
doulas voluntárias e permissão de entrada da doula contratada pela mulher, analgesia peridural
para mulheres que esgotaram todas formas alternativas e não farmacológicas de controle da
dor do parto; quartos com ambientação agradável; banheira para relaxamento e para o parto
na água (aguarde nota sobre como atender um parto na água); uso de vácuo no lugar de
fórceps sempre que possível (e necessário, claro).

20) Da série "Nunca é tarde pra lembrar": residentes e estudantes estão lá para aprender SE e
QUANDO a mulher permitir. Mulheres e bebês não são cobaias. Parto não pode ter platéia. Não
é humano colocar 6 estudantes observando a vagina de uma mulher. Nâo é humano colocar 6
estudantes e residentes para meter seus dedos nervosos em vaginas de mulheres com dor,
assustadas e embaraçadas. Por favor, tome cuidado com a presença dos estudantes e sempre
peça permissão à mulher. Sempre!

Por incrível que pareça, essas atitudes são o que chamamos de "Parto Humanizado". Para
quem achava que parto humanizado envolvia o canto de mantras, a degustação da placenta e
todos pelados na banheira, talvez seja uma decepção. Para quem milita pelo direito a um parto
tranquilo para todas as mulheres, do SUS ou do sistema privado, é um grande alívio.

Imprima esse texto e entregue isso ao seu obstetra ou ao hospital público onde vai ter o seu
bebê. Explique que é apenas isso que você deseja para seu parto.

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