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RESUMO

O PROCESSO DE APRENDIZAGEM

MÁRCIA JACOBY*

Este texto é produto da sistematização da investigação realizada no ano de 96 e 97


que tem como tema central o processo de aprendizagem do aluno de Serviço Social da
Universidade Luterana do Brasil. A investigação desenvolve-se através da metodologia
da pesquisa qualitativa, utilizando o instrumental da observação não participante, o
registro dos dados através de crônicas e a análise dos dados considerando a
compreensão dos pesquisados extraídas das falas, em relação ao material bibliográfico
consultado.

O processo de aprendizagem é a questão central e orientadora das temáticas que


permeiam o cotidiano do acontecer educativo. A discussão do processo de
aprendizagem ocupa-se do entendimento dos seus aspectos objetivos e subjetivos,
reconstruindo seus significados à luz do referencial teórico-metodológico de Enrique
Pichón-Rivière.

As questões emergentes da organização dos dados coletados são: o acontecer


educativo e questões de formação. O acontecer educativo engloba as temáticas da
didática, os recursos pedagógicos, as avaliações, a relação professor-aluno e a leitura na
rotina acadêmica. A formação desmembra-se na análise da construção da identidade
profissional, da relação teoria e prática e da participação do aluno na sua própria
formação.

Neste artigo aborda-se o tema central da pesquisa, deixando as questões do


acontecer educativo e de formação para outro texto a ser construído em virtude da
amplitude de seus desdobramentos o que ultrapassaria o limite de quantidade de páginas
a serem publicadas.

O processo de aprendizagem tem mobilizado diversas áreas de conhecimento na


busca do entendimento quanto ao “o quê, o como e o para que” da ação educativa. Na
perspectiva teórico-metodológica de Pichón-Rivière emerge a questão subjacente ao ato

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de aprender: o protagonismo dos sujeitos desde a produção do acontecer educativo, isto
é, a conjunção do sentir, pensar e agir num ato criativo estabelecido na relação do
sujeito com a realidade.

No decorrer da investigação foi possível sintetizar que a aprendizagem é


conceituada pelos pesquisados como a apropriação do saber, etapas de crescimento
pessoal e profissional, processo de desalienação cultural e construção de um conceito
ou idéia própria. Além disso, levantam que os objetivos são de transformação da
realidade pessoal e social, reformulação de comportamentos e posturas, entendimento
do porquê dos fatos, transmissão e transcendência do conhecimento num contexto
social.

Nas crônicas encontra-se a compreensão do processo de aprendizagem compondo


um trajeto englobando: onde (o ponto de partida), as etapas deste caminho
(acontecimentos implicados no saber), o para onde (ponto de chegada no imaginário dos
sujeitos) e o como aprendem (questão metodológica).

Nas falas, a curiosidade, motivação, interesse, surgimento de dúvidas, exigência


(mandato), o resgate da história pessoal, o conhecimento prévio, os objetivos da
formação e a proposta didática do professor compõem o ponto de partida na
apropriação do saber. Neste trajeto, ocorre o intercruzamento de inúmeras etapas,
entre as quais: o confronto entre a razão e a emoção, perguntas e respostas da gênese
dos fatos, elaboração de obstáculos epistemológicos, reconhecimento e negação de
potencialidades, o pensar e o fazer, o individual e o coletivo. No material coletado, a
expectativa com a aprendizagem, ou seja, o ponto de chegada do processo de formação
no imaginário dos sujeitos, é quando estes possam encontrar-se com a realidade
munidos de teorias, métodos e instrumentos que permitam o desvelamento e a
intervenção profissional.

Outro ponto que emerge das crônicas é a questão metodológica, a organização do


como os alunos aprendem. Conforme as falas, esta questão estrutura-se no copiar ou
tomar os conteúdos repassados pelo professor, na internalização dos conhecimentos, no
estudar a bibliografia, na verbalização dos obstáculos, na avaliação, nos assinalamentos

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do professor de certo ou errado, no relato de práticas, na forma de participação em sala
de aula, entre outras ações.

De todos os pontos até aqui transcritos das crônicas, a forma de participação em


sala de aula, é o que apresenta a emergência da contradição, principalmente em relação
à inserção dos sujeitos. No entender da pesquisadora, a concepção, os objetivos e as
etapas de aprendizagem, no olhar dos pesquisados, exprimem uma idéia crítica,
contemplando seus atores, os aspectos objetivos e subjetivos e a inter-relação entre
educação e sociedade analisando a perspectiva micro e macro social do acontecer
educativo. Porém, na abordagem metodológica encontram-se ações e reações que
colocam os sujeitos no lugar de receptores e reprodutores de um saber e não de
protagonistas na construção do mesmo.

O modo de fazer a aprendizagem diverge da proposta conceitual e processual


verbalizada. Em determinados momentos, os alunos evocam sua responsabilidade com a
aprendizagem e, em outros, deixam transparecer o sentimento de impotência neste
processo.

Para Pichón-Rivière a aprendizagem é o processo pelo qual o sujeito desenvolve a


capacidade de apropriar-se instrumentalmente da realidade para transformá-la. A
capacidade de apropriar-se instrumentalmente da realidade é denominada, pelo autor, de
adaptação ativa à realidade e inclui que, no encontro com o objeto do conhecimento, o
sujeito aprenda o seu significado à partir dos aspectos objetivos e subjetivos,
elaborando-o e, em uma atitude operativa na realidade consolide seu projeto. Assim,
este processo implica um movimento dialético na relação teoria e prática, cenário
interno e realidade externa, informação e transformação.

A relação sujeito e objeto ocorre na conformação do vínculo interno com o


externo. Vínculo é “uma estrutura complexa que inclui ao sujeito e ao objeto, sua
interação, momentos de comunicação e aprendizagem configurando um processo em
forma de espiral dialética (…)”. (Pichón-Rivière, 1997, p.67) O sujeito em sua
interação com o objeto, emprega, simultaneamente diferentes estruturas vinculares, por
isso, o uso da palavra vínculo transcende a noção de relação: vínculo expressa-se no
campo interno e externo do sujeito.

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O vínculo se estabelece com um objeto externo a partir da intervenção
comunicacional. Segundo Pichón-Rivière, a comunicação e a aprendizagem são
processos coexistentes e cooperantes, em inter-relação dinâmica permanente. Por isso, a
análise da comunicação no âmbito do aprender implica trabalhar os mesmos aspectos da
aprendizagem. Na percepção dos pesquisados a comunicação somente acontece entre
professor e aluno, não mencionam a comunicação intelectual e afetiva com os
conteúdos teóricos-práticos, ou seja, com o objeto. Os pesquisados, ao analisarem o
vínculo entre os diversos sujeitos do âmbito acadêmico (aluno e professor), refletem a
partir do nível de comunicação entre eles: boa ou ruim, fluída ou rígida.

Outro aspecto a ser resgatado no processo de aprendizagem é o subjetivo. Nos


dados coletados, a questão da subjetividade é mencionada como a presença dos
sentimentos e dos sentidos na abordagem do objeto de conhecimento. Estes,
constituem-se em obstáculo à cientificidade, à racionalidade, ao uso da teoria na
formação acadêmica e pós-acadêmica e, portanto, necessita de resignificação na
construção da singularidade e identidade profissional.

Os pesquisados entendem que o processo de construção científico não acompanha


a construção subjetiva do saber. A integração subjetividade-objetividade é apresentada
como um desafio pois, não encontram a forma de operacionalização no espaço áulico e
então, trazem como obstáculo na apreensão dos conteúdos teóricos. Pichón-Rivière
(1997) e Paulo Freire (1981) salientam que o aprender é a relação do sentir, pensar e
agir. Nesta unidade dialética, apontam para a aprendizagem resultante da elaboração do
conhecimento no intercâmbio dialético entre sujeito e seu contexto, da interação entre o
intra-subjetivo e o intersubjetivo, da relação teoria e prática entendida na práxis
realizada pelo sujeito em permanente transformação à medida que transforma o seu
meio, onde se comunicam e aprendem.

No até aqui exposto pode-se recortar a questão do protagonismo dos sujeitos no


processo de aprendizagem. Este protagonismo efetiva-se através da perspectiva de
participação no acontecer educativo. Para isto, encontra-se diversos referenciais
teóricos-metodológicos que abordam esta questão. No entanto, nesta Pesquisa levanta-
se uma das propostas teórico-metodológica: o referencial Pichoniano e sua construção
metodológica baseada no dispositivo de grupo operativo.

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Grupo operativo constitui-se na abordagem grupal dos processos de aprendizagem
onde, subjaz uma tarefa explícita que é aprender em termos de resolução das
dificuldades criadas e manifestadas no campo grupal e, uma tarefa implícita que aponta
à ruptura através do esclarecimento de pautas estereotipadas que dificultam a
aprendizagem e a comunicação que impedem o processo de transformação objetiva e
subjetiva do sujeito.

No referencial teórico-metodológico Pichoniano, a verticalidade dos sujeitos e a


horizontalidade do acontecer grupal, os aspectos objetivos e subjetivos, fazem parte do
mesmo processo. É nesta inter-relação que baseia-se o autor, para propor a organização
de grupo operativo. A utilização deste dispositivo traz a convergência do exercício da
co-responsabilidade como protagonista da experiência do ser e aprender, bem como
resgata o olhar integrador e totalizante sobre o pensar, sentir e agir. Esta vivência grupal
coloca o sujeito no lugar de construção e significação do próprio aprender.

Nesta Pesquisa a inquietude dos sujeitos centra-se no questionamento sobre o


lugar que ocupam no acontecer educativo. O conceito de aprendizagem no
entendimento dos pesquisados engloba uma expectativa de um processo marcado pela
responsabilidade com o fazer/saber que depois, nas falas percebe-se a postura de
receptores do conhecimento.

A participação no grupo operativo é viabilizada pela não estereotipia de sua


funcionalidade e de seus integrantes, como também pela postura do coordenador do
grupo (professor) de sustentar a ansiedade que produz cada conhecimento novo para os
sujeitos, garantir ainda a rotatividade dos roles1.

As temáticas da didática, recursos pedagógicos, relação professor-aluno, relação


teoria e prática, construção da identidade profissional, avaliação, o ato de ler, são assim
como o processo de aprendizagem, atravessadas pela questão da participação do aluno.
Segundo os pesquisados a participação é conceituada como a aproximação ou
distanciamento no acontecer educativo. Esta questão remete à compreensão do exercício
1
Roles é um termo caracterizado pela dinâmica, pelo movimento de uma posição ou de uma situação por
outra. Esta noção inclui, portanto, a perspectiva de mudança, de temporário. Opta-se por conservar este
termo na sua versão em espanhol do referencial Pichoniano que significa, a representação da função de
algo que um indivíduo passa para outro e para seu contexto. Texto consultado: GALLINO, Luciano.
Diccionario de Sociología. Mexico: Siglo Veintiuno, 1995.

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do sujeito na transformação de si e do mundo e ao reconhecimento da sua identidade
sócio-histórica.

O Assistente Social é um profissional formado para o enfrentamento das


manifestações da questão social. Neste ponto aparece os aspectos objetivos e subjetivos
da aprendizagem em ressonância com a construção da identidade. A discussão desta
temática leva à ressignificação dos processo de identificação do sujeito com outros e
com o objeto de conhecimento.

Todas as temáticas desta investigação convergem ao mesmo ponto: a questão do


protagonismo do aluno no processo de ensino-aprendizagem. Cabe, acrescentar que, isto
é resultado do desenvolvimento do olhar crítico, integrador das dimensões do sujeito e
situado operativamente no contexto social. A participação para ser protagonista do
próprio aprender é um exercício e para tal necessita que seja priorizado este espaço no
âmbito acadêmico.

* Docente do Curso de Serviço Social da ULBRA.


Pós-graduada em Psicologia Social e Psicodrama pela Escuela de Psicologia
Nacional de Buenos Aires.
Doutoranda em Ação, conhecimento e comunicação pela Universidade de Leon –
Espanha.

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