Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
DOS
ALIMENTOS
Introdução
Os lipídeos são constituídos por um amplo e diversificado conjunto de
substâncias orgânicas, delimitadas com base em suas características de
solubilidade. Os lipídeos são geralmente insolúveis em água e solúveis em
solventes orgânicos, como éter, benzeno e clorofórmio (PHILIPPI, 2014).
Além disso, eles são importantes fonte de energia e veículos de nutrien-
tes, como vitaminas lipossolúveis e ácidos graxos essenciais (PINHEIRO;
PORTO; MENEZES, 2005). Armazenam energia na forma de triglicerídeos e
em alguns alimentos como peixes (sardinha e salmão) e fornecem ácidos
graxos essenciais, especialmente o ômega 3. Falando em gastronomia,
eles fornecem sabor aos alimentos e podem ser encontrados em carnes,
leite, óleo de coco, óleo de palma, manteiga de cacau, amendoim, gema
de ovo, nozes, castanhas, entre outros (GALISA; ESPERANÇA; SÁ, 2008).
Neste capítulo, você vai estudar o papel dos lipídeos no processa-
mento de alimentos, compreendendo a importância das suas proprieda-
des funcionais, bem como o seu papel na produção alimentícia.
2 Lipídeos — conceito, propriedades e reações de deterioração
Ácidos graxos
Classificação
Composição
Sabor
Os triacilgliceróis são moléculas grandes que apresentam baixa volatilidade
e, portanto, pouco sabor inerente. No entanto, óleo e gorduras comestíveis de
diferentes fontes naturais têm perfis de sabor diferenciados pela presença de
compostos voláteis característicos, como produtos de oxidação de lipídeos e
Lipídeos — conceito, propriedades e reações de deterioração 9
Aparência
A aparência dos produtos alimentícios é muito influenciada pela presença
de lipídeos. A cor de óleos puros, como os de cozinha ou para salada, é
determinada principalmente pela presença de pigmentos que absorvem luz,
como clorofilas e carotenoides. As gorduras sólidas costumam ser opacas em
virtude do espelhamento da luz pelos cristais de gordura presentes, ou seja,
depende de concentração, tamanho e forma dos cristais de gordura. Já os
óleos costumam ser translúcidos. Em emulsões alimentares a aparência turva,
opaca ou nebulosa está diretamente relacionada à imiscibilidade do óleo em
água, isso leva a um sistema em que as gotículas de uma fase estão dispersas
na outra fase. As emulsões alimentares costumam ser opacas, pois a luz que
passa por meio delas é espalhada pelas gotículas. Com isso, a cor e a opacidade
da emulsão são influenciadas pela fase lipídica. Um exemplo disso é o leite
integral, que tem uma aparência muito mais branca que o desnatado em razão
da presença dos glóbulos de gordura do leite integral, os quais espalham a luz
de forma intensa, enquanto no leite desnatado as micelas de caseína espalham
a luz com menos intensidade (DAMODARAN; PARKIN; FENNEMA, 2010).
Textura
A influência dos lipídeos na textura dos alimentos é bastante influenciada pelo
estado físico do lipídeo e pela natureza da matriz alimentar. Para óleos puros,
como os de cozinha ou para salada, a textura é determinada pela viscosidade do
óleo no intervalo de temperatura utilizado. Para gorduras parcialmente cristali-
nas, como em chocolates, produtos assados, manteiga e margarina, a textura é
10 Lipídeos — conceito, propriedades e reações de deterioração
Rancidez oxidativa
A reação espontânea do oxigênio atmosférico com os lipídeos, conhecida
como auto-oxidação, é o processo mais comum que leva à deterioração oxi-
dativa. Deterioração lipídica é o termo geralmente utilizado para descrever
uma sequência complexa de alterações químicas resultantes da interação de
lipídeos com oxigênio. Durante reações de oxidação de lipídeos, os ácidos
graxos esterificados em triacilgliceróis e fosfolipídeos decompõem-se, for-
mando moléculas pequenas e voláteis que produzem os aromas indesejados
conhecidos como rancidez oxidativa. Em geral, esses compostos voláteis são
prejudiciais à qualidade dos alimentos, embora existam alguns produtos, como
alimentos fritos, cereais desidratados e queijos, nos quais pequenas quantidades
de produtos de oxidação lipídica constituem componentes positivos do sabor
(DAMODARAN; PARKIN; FENNEMA, 2010).
Os ácidos graxos poliinsaturados apresentam potencial de decomposi-
ção desse processo, estando presentes como ácidos graxos livres, ou como
triglicérides (ou diglicerídeos ou monoglicerídeos) ou como fosfolipídeos.
Quando a luz e um agente sensibilizante, como a clorofila, estão presentes, a
ativação do O em oxigênio singlete pode desempenhar um papel importante
na indução da deterioração oxidativa. Além disso, os metais, incluindo ferro
(Fe) ou cobre (Cu), ou a enzima lipoxigenase, podem atuar no processo pelo
qual a deterioração oxidativa é iniciada. A lipoxigenase está presente nos
tecidos vegetais, como os da soja, da ervilha e do tomate. A enzima pode
causar a deterioração oxidativa dos lipídeos durante a separação do óleo das
sementes oleaginosas, mas também atua na formação de sabores positivos nos
vegetais durante a mastigação. Os componentes formados na fase inicial da
auto-oxidação são os hidroperóxidos, sendo estes também os produtos formados
na oxidação catalisada pela lipoxigenase. Apesar dos hidroperóxidos serem não
voláteis e inodoros, são compostos relativamente instáveis e se decompõem
espontaneamente ou em reações catalisadas para formar compostos aromáticos
12 Lipídeos — conceito, propriedades e reações de deterioração
voláteis que são percebidos como off flavours. A natureza dos off flavours
detectados depende principalmente da composição em ácido graxo do substrato
e do grau de oxidação, embora as condições de oxidação também possam
afetar os compostos voláteis produzidos e as propriedades sensoriais do óleo
oxidado. Exemplos de off flavours de oxidação são os sabores de feijão cru,
que se desenvolvem geralmente em óleo de soja; os sabores de peixe, que se
desenvolvem no óleo de peixe; e os sabores cremosos ou metálicos, que podem
se desenvolver na gordura do leite. Os aldeídos geralmente contribuem para os
off flavours que se desenvolvem durante a oxidação lipídica (DAMODARAN;
PARKIN; FENNEMA, 2010).
Além do desenvolvimento de aromas rançosos, a deterioração oxidativa
dos lipídeos pode causar o branqueamento de alimentos, em razão da reação
dos pigmentos, especialmente os carotenoides, com os intermediários reativos,
chamados radicais livres, que são formados durante a oxidação lipídica. Os
radicais livres também podem levar a uma redução da qualidade nutricional,
por reagir com vitaminas, especialmente a vitamina E. Nos óleos de fritura,
o aumento da concentração de radicais livres é muito mais elevado do que
em alimentos armazenados ou processados em temperaturas moderadas. Nas
temperaturas elevadas usadas em frituras, que normalmente são de 180°C, os
radicais livres chegam a concentrações nas quais as combinações formando
dímeros tornam-se significativas. Isso provoca aumento na viscosidade do óleo.
A formação de ácidos graxos livres, o escurecimento do óleo e o aumento da
formação de espuma e fumaça também ocorrerem durante a fritura. Os off
flavours que se desenvolvem durante a oxidação lipídica normalmente servem
de aviso que o alimento já não é mais comestível, embora isso não se aplique
aos suplementos lipídicos poliinsaturados tomados na forma de cápsula. Existe
certa preocupação de que a excessiva ingestão de hidroperóxidos lipídicos
possa levar a efeitos adversos à saúde. Na teoria, se os hidroperóxidos são
absorvidos, eles passam a ser uma potencial fonte de radicais, o que pode causar
efeitos danosos in vivo. Os radicais livres produzidos pela decomposição dos
hidroperóxidos podem causar danos às proteínas, incluindo enzimas, ou ao
DNA, podendo também gerar substâncias cancerígenas. No entanto, muitas
fontes de radicais livres ocorrem in vivo e a presença de antioxidantes na dieta,
ou endógenos, normalmente, garante que os tecidos humanos continuem a ser
saudáveis (DAMODARAN; PARKIN; FENNEMA, 2010).
As reações de auto-oxidação apresentam normalmente um período de
indução, que é o período durante o qual ocorrem poucas mudanças nos lipídeos.
Após o término do período de indução, a deterioração oxidativa dos lipídeos
ocorre mais rapidamente. Os off flavours tornam-se mais aparentes após o
Lipídeos — conceito, propriedades e reações de deterioração 13
Rancidez hidrolítica
Os ácidos graxos livres causam problemas aos alimentos, pois produzem
odores indesejados, reduzem a estabilidade oxidativa, causam formação de
espuma e reduzem o ponto de fumaça (temperatura em que o óleo começa
a formar fumaça). Quando a liberação de ácidos graxos livres resulta no
desenvolvimento de sabor desagradável, por exemplo, ácidos graxos livres
voláteis de baixo peso molecular que geram aroma desagradáveis, ou ácidos
graxos de cadeia longa que geram sabor de sabão, ocorre o que se chama de
rancidez hidrolítica. A rancidez hidrolítica é a reação ocasionada pela ação de
enzimas como a lipase/lipoxigenase e/ou por agentes químicos (ácidos/bases)
14 Lipídeos — conceito, propriedades e reações de deterioração
que rompem a ligação éster dos lipídeos, liberando ácidos graxos. Na rancidez
hidrolítica ou lipolítica, forma-se ácidos graxos livres, saturados e insaturados,
ocorrendo à diminuição da qualidade das gorduras destinadas principalmente
a frituras, alterando especialmente as características organolépticas, como
a cor (escurecimento), o odor e o sabor dos alimentos. A presença de água
acelera a rancidez hidrolítica, além disso, quando as gorduras contendo ácidos
graxos livres são emulsionadas em água, esses ácidos graxos livres, mesmo
em baixas concentrações, proporcionam sabor e odor desagradável. Deve-se
evitar o uso prolongado da mesma gordura no processamento de alimentos
(frituras), especialmente se estes alimentos forem ricos em água. A rancidez
hidrolítica pode ser inibida pela inativação térmica das enzimas e pela elimi-
nação da água no lipídeo.
Durante o processamento e o armazenamento de tecidos biológicos usa-
dos como matéria-prima para alimentos, estruturas celulares e mecanismos
de controle bioquímico, podem ser destruídos e as lipases podem se tornar
ativas, podendo haver contato com substratos lipídicos. Um exemplo disso
pode ser visto na produção do azeite de oliva, em que o óleo da primeira
prensagem apresenta concentração baixa de ácidos graxos livres. Os óleos
das prensagens seguintes e o extraído do bagaço apresentam conteúdo ele-
vado de ácidos graxos livres, pois a matriz celular é rompida e as lipases têm
tempo de hidrolisar os triacilgliceróis. A hidrólise dos triacilgliceróis também
pode acontecer na fritura de óleos em razão das temperaturas elevadas de
processamento e da introdução de água do alimento frito (DAMODARAN;
PARKIN; FENNEMA, 2010).
GALISA, M. S.; ESPERANÇA, L. M. B.; SÁ, N. G. de. Nutrição: conceitos e aplicações. São
Paulo: M.Books, 2008.
GONÇALVES, E. C. B. A. Análise de alimentos, uma visão química na nutrição. 3. ed. São
Paulo: Varela, 2012.
GONÇALVES, E. C. B. A. Química dos alimentos: a base da nutrição. São Paulo: Varela, 2010.
DAMODARAN, S.; PARKIN, K. L.; FENNEMA, O. R. Química de los alimentos. 3. ed. Zaragoza:
Editorial Acribia, 2010.
LIMA, J. R. Vida de prateleira de amêndoas de castanha de caju em embalagens comer-
ciais. Comunicado Técnico EMBRAPA, n. 76, 2002. Disponível em: <https://www.embrapa.
br/busca-de-publicacoes/-/publicacao/425150/vida-de-prateleira-de-amendoas-de-
-castanha-de-caju-em-embalagens-comerciais>. Acesso em: 11 out. 2018.
PHILIPPI, T. S. Pirâmide dos alimentos: fundamentos básicos da nutrição. 2. ed. Barueri,
SP: Manole, 2014.
PINHEIRO, D. M.; PORTO, K. R. de A.; MENEZES, M. E. da S. A química dos alimentos: car-
boidratos, lipídios, proteínas e minerais. Maceió: EDUFAL, 2005. (Conversando sobre
ciências em Alagoas).
SILVA, F. A. M.; BORGES, M. F. M.; FERREIRA, M. A. Métodos para avaliação do grau de
oxidação lipídica e da capacidade antioxidante. Química Nova, v. 22, n. 1, p. 94-103, 1999.
Conteúdo: