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Cinemática e

Dinâmica de
Engrenagens
1. Aspetos Gerais sobre
Engrenagens

Paulo Flores
José Gomes

Universidade do Minho
Escola de Engenharia

Guimarães 2014
ÍNDICE

1. Aspetos Gerais sobre Engrenagens ............................................................ 1

1.1. Introdução ................................................................................................ 1


1.2. Breve Resenha Histórica ......................................................................... 6
1.3. Classificação das Engrenagens ................................................................ 8
1.4. Nomenclatura Fundamental .................................................................. 16
1.5. Geração de Perfis de Dentes .................................................................. 22
1.6. Dentado em Evolvente de Círculo......................................................... 28
1.7. Princípio Fundamental do Engrenamento ............................................. 34
1.8. Revisão de Conhecimentos ................................................................... 39
1.9. Referências Bibliográficas .................................................................... 41
Aprender sem refletir é desbaratar energia.
Confúcio

1. ASPETOS GERAIS SOBRE ENGRENAGENS

1.1. INTRODUÇÃO
Nos mecanismos1, a transmissão ou transformação de movimento pode ser reali-
zada de duas formas distintas, nomeadamente por contacto direto ou por ligação in-
termédia (Flores e Claro, 2007). No primeiro caso, o movimento é promovido pelo
contacto entre as superfícies dos órgãos motor e movido. Neste grupo incluem-se,
por exemplo, os sistemas de transmissão por rodas de atrito, as engrenagens e os me-
canismos do tipo came-seguidor, tal como ilustra a figura 1.1.

(a) (b) (c)


Figura 1.1 – Sistemas de transmissão de movimento por contacto direto: (a) Rodas de atrito;
(b) Engrenagem; (c) Mecanismo came-seguidor.

Por seu lado, no segundo grupo encontram-se os sistemas de transmissão de mo-


vimento em que os órgãos motor e movido estão ligados por um corpo intermédio.
Quando a transmissão de movimento é realizada por ligação intermédia, aquela pode
ser rígida, como no caso de um mecanismo de quatro barras, ou flexível, como nas
correias e nas correntes. A figura 1.2 ilustra esquematicamente estes três tipos de
transmissão de movimento por ligação intermédia (Flores e Claro, 2007).

(a) (b) (c)


Figura 1.2 – Sistemas de transmissão de movimento por ligação intermédia: (a) Mecanismo
de quatro barras; (b) Transmissão por correia; (c) Transmissão por corrente.

1
Um mecanismo é um conjunto de corpos, em que um deles é fixo, ligados entre si por pares cine-
máticos com propósito de transmitir ou transformar um determinado movimento (Flores, 2012).

1. ASPETOS GERAIS SOBRE ENGRENAGENS 1


Na figura 1.3 estão apresentados, de forma resumida, alguns dos principais siste-
mas de transmissão de movimento utilizados em máquinas e mecanismos.

Uniões de veios
Rodas de atrito

Por contacto Engrenagens


direto Embraiagens
Freios
Sistemas de
transmissão de Sistemas came-seguidor
movimento

Sistemas articulados

Por ligação Correias


intermédia
Correntes
Cabos

Figura 1.3 – Classificação dos sistemas de transmissão de movimento


frequentemente utilizados em máquinas e mecanismos.

Quando se pretende efetuar a ligação entre dois veios em que os seus eixos estão
alinhados, ou apresentam um ligeiro desalinhamento axial ou angular, podem utili-
zar-se órgãos mecânicos denominados genericamente por uniões de veios ou aco-
plamentos (Cunha, 2008). As uniões elásticas, as juntas Oldham e as juntas Cardan
ou universais, representadas na figura 1.4, são exemplos de uniões de veios frequen-
temente usadas em mecânica. De um modo geral, este tipo de opção para ligar ou
unir veios é adotada quando as velocidades de rotação dos órgãos motor e movido
são iguais (Shigley e Mischke, 1989).

(a) (b) (c)


Figura 1.4 – Uniões de veios: (a) União elástica; (b) Junta Oldham; (c) Junta Cardan.

Ao invés, quando os eixos geométricos dos órgãos motor e movido se encontram


afastados um do outro e/ou quando se pretende obter uma velocidade de saída dife-
rente da velocidade de entrada, quer em módulo, quer em sentido, pode recorrer-se a
outro tipo de transmissão de movimento, tal como as rodas de atrito representadas na
figura 1.1a (Antunes, 2012). Quando as forças normais desenvolvidas na zona de
contacto são de tal ordem que evitam o escorregamento, então pode dizer-se que a
transmissão do movimento entre aquelas rodas é garantida. Esta situação é verdadei-
ra quando as potências em jogo são relativamente baixas. Na realidade, as rodas de
atrito têm relativamente pouco interesse prático, uma vez que as forças normais po-
dem causar deformações plásticas nas zonas de contacto e, concomitantemente, pe-
nalizar, sobremaneira, o seu desempenho. Por outro lado, o elevado atrito gerado
entre as rodas origina desgaste significativo, principalmente na roda de menor diâme-

2 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


tro. Por estas razões, as rodas de atrito são apenas utilizadas em situações particulares
que envolvam potências reduzidas (Spotts e Shoup, 1998). Com efeito, para obviar as
desvantagens associadas às rodas de atrito, talham-se dentes, de perfis idênticos, nas
periferias das rodas de modo a garantir que os dentes da roda motora empurram ou
arrastam os dentes da roda movida. Assim, o contacto ocorre sem escorregamento e,
por conseguinte, a relação de transmissão2 é constante. Na realidade, a principal cara-
terística das engrenagens é a de transmitirem movimento entre os órgãos motor e
movido com uma relação constante. As engrenagens3 são, pois, mecanismos compos-
tos por rodas dentadas rígidas que transmitem movimento entre veios afastados e/ou
quando se pretende reduzir ou aumentar a velocidade ou o momento do veio motor.
Nestes órgãos mecânicos, o movimento é transmitido pelos dentes da roda, motora
que rolam sem escorregar sobre os dentes da roda movida. A roda de menor dimen-
são e, por isso, também de menor número de dentes, denomina-se de pinhão ou car-
reto. Por seu lado, a roda de maior dimensão é designada simplesmente por roda ou
coroa. Estas denominações nada têm a ver com o facto de uma roda ser motora ou
movida, mas sim, e apenas, com as dimensões das rodas (Henriot, 1979).
As engrenagens, que podem ser consideradas como uma evolução ou aperfeiçoa-
mento das rodas de atrito, são utilizadas para transformar o movimento de um veio
rotativo num movimento de rotação ou de translação, tal como mostra a figura 1.5.
De entre os diversos sistemas de transmissão de movimento de rotação, as engrena-
gens são bastante versáteis. De facto, utilizando rodas dentadas é possível transmitir
movimento entre veios paralelos entre si ou não. As engrenagens permitem ainda
operar sistemas mecânicos de baixas e altas rotações. Em geral, as engrenagens apre-
sentam rendimentos considerados elevados (até 99%), sendo exceção as engrenagens
de parafuso sem-fim em que os rendimentos são relativamente baixos (da ordem dos
45-70%) devido ao elevado escorregamento que apresentam (Niemann, 1971).

(a) (b)
Figura 1.5 – (a) Transmissão de movimento de rotação em rotação; (b) Transmissão de
movimento de rotação em translação.

Outras caraterísticas que concorrem para a popularidade e sucesso das engrena-


gens prendem-se com (Branco et al., 2009):
- A elevada capacidade de resistência a sobrecargas,
- A boa precisão na transmissão do movimento,
- A relação de transmissão constante e independente das cargas em jogo,
- A boa fiabilidade e durabilidade,
- As dimensões reduzidas do atravancamento.

2
Relação de transmissão é o quociente entre as velocidades de rotação de dois corpos, que transmi-
tem movimento de um para o outro.
3
O termo engrenagem diz sempre respeito a um par de rodas dentadas, uma das quais, a mandante,
arrasta a outra, a mandada. Não deve, portanto, confundir-se roda dentada com engrenagem.

1. ASPETOS GERAIS SOBRE ENGRENAGENS 3


Um dos exemplos mais significativos relativo à compactidade das engrenagens
observa-se nos relógios mecânicos, em que, num espaço bastante reduzido, é possí-
vel obter relações de transmissão elevadas. Deve também referir-se o excelente de-
sempenho das rodas dentadas, sendo que para tal basta registar a quantidade de mi-
lhares de quilómetros que os diferenciais dos automóveis proporcionam sem necessi-
tarem de reparação ou de substituição (Wilson e Sadler, 1993).
Para além destes aspetos relevantes, as engrenagens podem ser fabricadas em di-
versos materiais, tais como os metálicos e os poliméricos. Todavia, as engrenagens,
pelo facto de serem constituídas por corpos rígidos, não absorvem choques e necessi-
tam, em geral, de ser lubrificadas. Acresce ainda o facto de serem relativamente ca-
ras e ruidosas, e podem ser afectadas, no seu desempenho, pelas condições ambien-
tais, tais como a humidade e as poeiras. Finalmente, deve mencionar-se que as en-
grenagens podem ser utilizadas para transmitir movimento entre eixos paralelos,
concorrentes ou não-complanares, tal como se exemplifica na figura 1.6.

(a) (b) (c)


Figura 1.6 – (a) Engrenagem de eixos paralelos; (b) Engrenagem de eixos concorrentes;
(c) Engrenagem de eixos não-complanares.

Os principais processos de fabrico das rodas dentadas metálicas são a maquina-


gem, a sinterização, a fundição e a conformação. Em geral, estes processos requerem
acabamentos superficiais posteriores. Por seu lado, a rodas dentadas poliméricas são
obtidas por injeção. As rodas dentadas poliméricas apresentam como principais van-
tagens o baixo peso4 e o custo reduzido. Este último aspeto é particularmente rele-
vante quando se trata de grandes séries. As rodas poliméricas têm, todavia, menor
capacidade de carga. Este tipo de rodas dentadas é utilizado, sobretudo, em sistemas
mecânicos de pequena dimensão, tais como os eletrodomésticos e os brinquedos. A
figura 1.7 mostra engrenagens poliméricas utilizadas nas aplicações referidas.

(a) (b)
Figura 1.7 – (a) Engrenagens de uma batedeira; (b) Engrenagens de um brinquedo.

4
Em relação às rodas dentadas de aço, as rodas dentadas poliméricas têm uma densidade cerca de
sete vezes menor (Smith, 1990).

4 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


É vasto e bastante diversificado o campo de aplicações das rodas dentadas. A títu-
lo informativo, na figura 1.8 apresentam-se alguns exemplos, tais como um relógio
mecânico, um diferencial de automóvel, um pinhão-cremalheira utilizado em com-
boios de montanha, uma roda dentada de uma máquina de grande porte5, um conta-
dor e uma caixa redutora.

(a) (b)

(c) (d)

(e) (f)

Figura 1.8 – (a) Relógio mecânico; (b) Diferencial de automóvel; (c) Pinhão-cremalheira
usado em comboios de montanha; (d) Roda dentada de máquina de grande porte; (e) Con-
tador; (f) Caixa redutora.

5
As rodas dentadas de grandes dimensões são utilizadas, por exemplo, na indústria cimenteira.

1. ASPETOS GERAIS SOBRE ENGRENAGENS 5


1.2. BREVE RESENHA HISTÓRICA
É longa a história associada à génese e evolução das engrenagens. Já por volta do
ano 1700 a.C. surgem, em poemas da literatura Hindu, referências a carros e a rodas.
Há menções a engrenagens nos trabalhos de Aristóteles (384-322) e de Arquimedes
(287-212). Um dos primeiros dispositivos que incluía um conjunto de engrenagens
existia já no ano 2634 a.C. na China, cuja denominação era o “carro que segue o
sul”. Tratava-se, na realidade, de um engenhoso sistema de engrenagens montado
sobre um carro (ou carroça) que, mercê do funcionamento de um trem epicicloidal6,
mantinha o braço de uma figura humana sempre apontado para o sul, independente-
mente da direção em que o carro se deslocava (Flores e Claro, 2007). A figura 1.9
ilustra um modelo do carro que segue o sul. Este dispositivo era, na época, utilizado
como uma espécie de bússola para orientar os viajantes que atravessavam o deserto
de Gobi7. Há autores que defendem que o carro que segue o sul existiu de facto, mas,
muito provavelmente, não foi utilizado como sistema de ajuda à navegação. Strandh
(1979) demonstrou que um desvio de 1% no diâmetro das rodas, resultaria em erros
da ordem dos 180º após percorridos poucos quilómetros.

Figura 1.9 – Modelo do carro que segue o sul inventado na China no ano 260 a.C.

A figura 1.10a apresenta uma engrenagem primitiva usada pelos chineses no sécu-
lo III a.C. Este tipo de engrenagem é ainda utilizado nos nossos dias em sistemas de
elevação de água, sendo vulgarmente denominadas de noras (Branco et al., 2009).
Este tipo de roda é também utilizado em moinhos. As rodas dentadas primitivas eram
muito rudimentares, sendo constituídas por pedaços de madeira8 que se inseriam num
disco ou numa roda. Mais tarde, em pleno Quatrocento, o italiano Leonardo da Vinci
(1452-1519) apresenta inúmeras ilustrações onde se podem identificar arranjos de
engrenagens, tal como o que se ilustra na figura 1.10b (Drago, 1988).
6
Trem epicicloidal, também designado por redutor planetário, é um caso especial de engrenagens
que permite obter relações de transmissão bastante elevadas em soluções bastante compactas.
7
O deserto de Gobi é um extenso deserto situado entre a região norte da China e a região sul da
Mongólia. A título de curiosidade, refira-se que o vocábulo gobi significa deserto em Mongol.
8
Na realidade, as primeiras rodas dentadas eram feitas de madeira ou em materiais similares facil-
mente trabalháveis. Atualmente, os principais materiais são o aço de baixo carbono, o aço inoxidá-
vel, o ferro fundido nodular, o bronze e os materiais poliméricos.

6 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


(a) (b)
Figura 1.10 – (a) Engrenagem primitiva; (b) Representação de engrenagens
segundo Leonardo da Vinci.

Até ao século XVI, as engrenagens eram produzidas manualmente, cujo perfil fi-
nal dos dentes era obtido mais por acidente do que por planeamento ou projeto. A
primeira máquina capaz de fabricar rodas dentadas foi desenvolvida pelo espanhol
Juanelo Turriano (1501-1585), a qual foi especialmente concebida para facilitar a
construção de um relógio mecânico para o Rei Carlos V de Espanha (Vera, 1996). O
relógio incluía cerca de 2000 rodas dentadas. De facto, um campo de aplicação que
contribuiu significativamente para o desenvolvimento das engrenagens foi o da relo-
joaria. O primeiro relógio mecânico, em relação ao qual existem esquemas básicos
de projeto, deve-se ao italiano Giovanni Dondi (1348-1364) (Drago, 1988).
Com o advento da revolução industrial, no século XVIII, as engrenagens passa-
ram a ser fabricadas em materiais metálicos, apresentando, por isso, maior durabili-
dade e capacidade de carga. No início do século XIX, a indústria da produção de
rodas dentadas assumia já a forma tal como hoje é conhecida, em que os perfis dos
dentes obedeciam a curvas previamente definidas, tais como as curvas cicloide9 e
evolvente10 (Flores, 2009). A evolvente é, sem dúvida, a forma geométrica mais co-
mum nos perfis dos dentes das engrenagens. De entre os principais nomes que con-
tribuíram decisivamente para o estudo e desenvolvimento das engrenagens podem
ser destacados os que se listam na tabela 1.1. Outros autores poderiam ser incluídos,
porém, os que aqui se apresentam, resumem, de algum modo, as contribuições mais
relevantes (Drago, 1988). Na atualidade, os novos desenvolvimentos na área científi-
co-técnica das engrenagens prendem-se com os novos materiais, as novas técnicas de
fabrico e as metodologias avançadas de modelação, simulação, análise e otimização
de rodas dentadas, bem como ainda o uso extensivo da eletrónica (Li et al., 2014;
Denkena et al., 2014; Simon, 2014).

Tabela 1.1 – Alguns dos principais autores que contribuíram para o estudo e
desenvolvimento das engrenagens.
Nome Ano Contribuição
Nicolau de Cusa 1451 Efetuou estudos sobre a curva cicloidal.
Girolano Cardano 1525 Desenvolveu os primeiros modelos matemáticos de engrenagens.
Leonhard Euler 1754 Conhecido como o pai da engrenagem em evolvente em virtude dos seus estudos.
Robert Willis 1832 Desenvolveu inúmeros estudos sobre engrenagens e trens de engrenagens.
Wilfred Lewis 1892 Propôs um modelo simplificado para avaliar as tensões desenvolvidas nos dentes.

9
Cicloide é uma curva traçada por um ponto de uma circunferência, quando esta roda sem deslizar
ao longo de uma reta ou sobre uma circunferência.
10
Evolvente do círculo é a curva definida por um ponto de uma reta que roda sem escorregar sobre
um círculo.

1. ASPETOS GERAIS SOBRE ENGRENAGENS 7


1.3. CLASSIFICAÇÃO DAS ENGRENAGENS
Vários são os critérios que permitem classificar as engrenagens mais comummen-
te utilizadas em máquinas e mecanismos. Um dos principais critérios de classificação
das engrenagens tem a ver com a disposição relativa dos eixos das rodas (Cunha,
2008). Assim, três grupos podem ser distinguidos, a saber:
- Engrenagens cilíndricas, quando os eixos de rotação são paralelos,
- Engrenagens cónicas, quando os eixos de rotação são concorrentes,
- Engrenagens torsas, quando os eixos de rotação não são complanares.
Na figura 1.11 estão representadas engrenagens cilíndricas, cónicas e torsas, confor-
me descrição anteriormente exposta. Deve referir-se que nas engrenagens cilíndricas
e cónicas os eixos são complanares (Shigley e Mischke, 1989).

(a) (b) (c)


Figura 1.11 – (a) Engrenagem cilíndrica; (b) Engrenagem cónica; (c) Engrenagem torsa.

Um segundo critério, utilizado na classificação das engrenagens, é o que conside-


ra a forma dos dentes. Costumam distinguir-se os seguintes tipos (Henriot, 1979):
- Engrenagens de dentes retos,
- Engrenagens de dentes helicoidais,
- Engrenagens de dentes espirais.
A figura 1.12 apresenta duas engrenagens cilíndricas, de dentes retos e de dentes
helicoidais (inclinados), e uma engrenagem cónica de dentes espirais (curvos).

(a) (b) (c)


Figura 1.12 – (a) Engrenagem cilíndrica de dentes retos; (b) Engrenagem cilíndrica
de dentes helicoidais; (c) Engrenagem cónica de dentes espirais.

Finalmente, um terceiro critério de classificação das engrenagens é o que conside-


ra a posição relativa dos centros instantâneos de rotação11. Assim, as engrenagens
11
Centro instantâneo de rotação é o local instantâneo de um par de pontos coincidentes e pertencentes
a corpos diferentes para os quais a velocidade absoluta é igual. Por outras palavras, o conceito de
centro instantâneo de rotação é o local de um par de pontos coincidentes, de dois corpos distintos,
para os quais a velocidade aparente de um dos pontos é nula quando o observador se situa no outro.

8 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


podem ser exteriores ou interiores, conforme o centro instantâneo de rotação se situe,
ou não, entre os eixos de rotação das rodas. Na figura 1.13 estão representadas en-
grenagens cilíndricas de dentes retos exteriores e interiores. Em geral, as engrena-
gens interiores permitem distâncias menores entre os eixos das rodas. Ao contrário
das engrenagens exteriores, nas engrenagens interiores, as rodas dentadas rodam no
mesmo sentido. As rodas com dentado interior são normalmente utilizadas em siste-
mas de engrenagens planetárias, quando há limitação de espaço ou quando se preten-
de proteger os dentes (Juvinall e Marshek, 2006).

(a) (b)
Figura 1.13 – (a) Engrenagem cilíndrica exterior; (b) Engrenagem cilíndrica interior.

Os critérios de classificação das engrenagens supramencionados podem ser com-


binados, especialmente os dois primeiros. Com efeito, as engrenagens cilíndricas12
podem ter dentes retos, dentes helicoidais ou dentes em espinha, também denomina-
dos dentes de dupla hélice (Niemann, 1971). A figura 1.13a mostra uma engrenagem
cilíndrica de dentes retos, que é das mais comuns em mecânica quando se pretende
transmitir movimento entre eixos paralelos. O projeto, fabrico, montagem e manu-
tenção deste tipo de engrenagem é relativamente simples, já que transmite apenas
cargas radiais e admitem grandes relações de transmissão (8:1). As engrenagens ci-
líndricas de dentes retos apresentam rendimentos elevados (96-99%). Contudo,
quando operam a elevadas velocidades de rotação são algo ruidosas. Estas engrena-
gens podem funcionar em um ou mais andares, podendo transmitir potências da or-
dem dos 20000 Cv, com velocidades tangenciais até 150-200 m/s (Niemann, 1971).
As engrenagens cilíndricas de dentes helicoidais apresentam13 um funcionamento
mais suave e menos ruidoso que as de dentes retos, uma vez que o engrenamento se
dá de forma mais progressiva. A figura 1.12b mostra uma engrenagem cilíndrica de
dentes helicoidais. Os parâmetros de funcionamento e de desempenho são idênticos
aos do dentado reto. Todavia, nas engrenagens de dentado helicoidal desenvolvem-se
cargas axiais, o que não acontece com o dentado reto. Esta limitação pode ser ultra-
passada recorrendo ao dentado em espinha14, ilustrado na figura 1.14a. De facto, o
dentado em espinha ou de dupla hélice apresenta as mesmas vantagens do dentado
helicoidal, às quais acresce ainda o facto de não serem desenvolvidos esforços axiais.
As engrenagens com dentes em espinha são, em geral, utilizadas quando se pretende
transmitir potências elevadas (Norton, 2013).

12
Numa engrenagem cilíndrica, a relação de transmissão é a mesma que se obteria considerando dois
cilindros imaginários equivalentes, comprimidos um contra o outro, e que rodam um relativamente
ao outro sem escorregar.
13
Nas rodas de dentes helicoidais, os dentes estão dispostos transversalmente em forma de hélice em
relação ao eixo da roda.
14
As engrenagens cilíndricas de dentes em espinha ou de dupla hélice requerem máquinas-ferramenta
especiais para o seu fabrico.

1. ASPETOS GERAIS SOBRE ENGRENAGENS 9


(a) (b)
Figura 1.14 – (a) Engrenagem cilíndrica de dentado em espinha ou de dupla hélice;
(b) Engrenagem cilíndrica pinhão-cremalheira.
Quando numa engrenagem cilíndrica, de dentado reto ou helicoidal, uma das ro-
das tem raio infinito, então aquela é vulgarmente denominada de pinhão-cremalheira.
Este tipo particular de engrenagem cilíndrica transforma o movimento de rotação da
roda em movimento de translação da cremalheira. A figura 1.14b ilustra um exemplo
de uma engrenagem do tipo pinhão-cremalheira. Este tipo de engrenagem é fácil de
fabricar e, por vezes, é usada como ferramenta de corte para gerar rodas dentadas.
As engrenagens cónicas podem ter dentes retos, dentes helicoidais, dentes espirais
e podem ainda ser descentradas (hipoide15), tal como se apresenta na figura 1.15. As
engrenagens cónicas são utilizadas quando há necessidade de cruzar os eixos dos
órgãos motor e movido. Em geral, este tipo de engrenagem admite relações de
transmissão até 6:1, tendo um desempenho comparável ao das engrenagens cilíndri-
cas. As velocidades tangenciais podem atingir os 50-75 m/s. É frequente encontrar
situações práticas em que se associam engrenagens cónicas com engrenagens cilín-
dricas, como é exemplo o caso dos diferenciais dos automóveis. As engrenagens có-
nicas com dentes espirais e a engrenagem hipoide apresentam maior capacidade de
carga, maior relação de transmissão (10:1) e menor ruído do que as engrenagens có-
nicas de dentado reto e helicoidal. Contudo, apresentam, em geral, rendimentos ligei-
ramente inferiores (60-95%), bem como uma maior geração de calor. As engrena-
gens cónicas exigem maior rigor, quer no fabrico, quer na montagem, sendo, por
isso, mais caras. As engrenagens hipoides permitem soluções bastante compactas e
requerem um lubrificante de elevada viscosidade (Niemann, 1971).

(a) (b) (c) (d)


Figura 1.15 – (a) Engrenagem cónica de dentes retos; (b) Engrenagem cónica de dentes
helicoidais; (c) Engrenagem cónica de dentes espirais; (d) Hipoide.
As engrenagens torsas podem apresentar dentes helicoidais ou dentes espirais. No
caso particular das engrenagens torsas de dentes helicoidais em que o carreto toma a
forma de um parafuso, estas denominam-se de engrenagens de parafuso sem-fim, ou
simplesmente sem-fim. A figura 1.16 ilustra estes três tipos de engrenagens torsas, as
quais são, em geral, utilizadas para fazer a mudança de direção do movimento. As
15
A hipoide pertence à família das hiperboloides de revolução que são quadráticas e que representam
uma superfície tridimensionais.

10 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


engrenagens torsas de dentes helicoidais apresentam rendimentos elevados (95%),
velocidades até 25-50 m/s e relações de transmissão até 5:1. No caso do parafuso
sem-fim as relações de transmissão são mais elevadas podendo atingir 100:1 e velo-
cidades da ordem dos 70 m/s. O sem-fim é, em geral, não reversível e funciona ape-
nas quando o veio motor aciona o sem-fim propriamente dito. Nestas engrenagens o
ângulo formado entre os eixos é, na maioria dos casos, igual a 90º. Deve ainda refe-
rir-se que devido ao elevado escorregamento que apresentam podem surgir proble-
mas de aquecimento16 e perda de rendimento (45-70%). Este tipo de engrenagem
pode, em geral, ter uma, duas ou três entradas, sendo o avanço igual à distância axial
percorrida pelo sem-fim quando a roda efetua uma volta completa (Drago, 1988).

(a) (b) (c)


Figura 1.16 – (a) Engrenagem torsa de dentes helicoidais; (b) Engrenagem torsa de dentes
espirais; (c) Engrenagem torsa de parafuso sem-fim.

Na figura 1.17 resumem-se os principais tipos de engrenagens anteriormente des-


critas e primeiramente agrupadas quanto à disposição relativa dos eixos. Como se-
gundo critério de classificação desta sinopse considera-se a forma dos dentes. Deve
ainda referir-se que no caso das engrenagens do tipo hipoide os eixos das rodas não
se intersetam, sendo, por isso, uma exceção nas engrenagens cónicas.
Nas engrenagens, a transmissão do movimento é feita quando os dentes de uma
das rodas iniciam o contacto com os da outra. Esta situação é denominada de engre-
namento. O modo como o engrenamento ocorre depende do tipo de engrenagem. Por
exemplo, nas engrenagens de dentes retos o contacto é fundamentalmente do tipo
rolamento de um dente sobre o outro. No caso das engrenagens torsas, como, por
exemplo o parafuso sem-fim, o contacto entre os dentes é feito com escorregamento.
É, pois, evidente que o engrenamento nas engrenagens de dentado reto provoca me-
nor nível de desgaste das superfícies dos dentes e reduz as forças de atrito. Deve re-
ferir-se, contudo, que nestes casos existe o inconveniente de aquando do engrena-
mento/desengrenamento de dois dentes, se produzir um choque que pode provocar
ruídos e induzir vibrações nos sistemas mecânicos que as integram. Por este facto, as
engrenagens de dentado reto não devem ser utilizadas em situações de velocidades
elevadas. Por seu lado, as engrenagens helicoidais e espirais, devido à forma dos
dentes que apresentam, o engrenamento acontece com um misto de rolamento e de
escorregamento. Estas conseguem, com efeito, associar as vantagens que os vários
tipos de contacto apresentam, sendo frequentemente usadas em casos de velocidades
elevadas, ou quando se pretende um baixo nível de ruído (Niemann, 1971).
16
Com o intuito de controlar o desgaste e a geração de calor, devem selecionar-se diferentes materiais
para o sem-fim (e.g. aço) e para roda (e.g. ferro fundido ou bronze), devendo o conjunto funcionar
com lubrificação em banho de óleo (Juvinall e Marshek, 2006).

1. ASPETOS GERAIS SOBRE ENGRENAGENS 11


Dentado reto

Dentado helicoidal

Dentado em espinha
Cilíndricas

Dentado espiral

Pinhão-cremalheira

Dentado reto

Dentado helicoidal
Tipos de
engrenagens

Cónicas Dentado em espinha

Dentado espiral

Hipoide

Dentado helicoidal

Dentado espiral
Torsas

Parafuso sem-fim

Figura 1.17 – Classificações das engrenagens mais comuns em máquinas e mecanismos.

12 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


Embora sejam menos frequentemente utilizados em máquinas e mecanismos, há
determinados tipos de engrenagens que pelas suas especificidades merecem aqui uma
breve referência. Assim, considere-se a roda dentada ilustrada na figura 1.18a, a qual
pode ser considerada como um caso particular de uma roda cónica em que os dentes
se desenvolvem paralelamente ao eixo da roda. Este tipo de roda, denomina-se roda
coroa, funciona com rodas similares às cónicas e, em alguns casos, com rodas cilín-
dricas. A roda coroa encontra aplicação em relógios mecânicos como mecanismo de
escape (Flores e Claro, 2007).
As engrenagens não-circulares constituem um outro tipo especial de rodas denta-
das, as quais estão representadas na figura 1.18b. Ao contrário das engrenagens cir-
culares tradicionais, em que se pretende transmitir um momento constante minimi-
zando o ruído e o desgaste, nas engrenagens não-circulares o principal propósito é o
de se obter relações de transmissão varáveis e, por vezes, oscilações no deslocamento
dos eixos das rodas. Este tipo de engrenagem é comum em máquinas-têxteis, poten-
ciómetros e variadores contínuos de velocidade.
O sistema de transmissão denominado harmonic drive, ilustrado na figura 1.18c, é
um tipo de engrenagem bastante utilizado em robótica e sistemas de controlo, devido
à sua compactidade, elevadas relações de transmissão (100:1) e inexistência de fol-
gas (Shigley e Uicker, 1995).
A engrenagem em gaiola, ou lanterna, é também um caso particular das engrena-
gens, em que os dentes do pinhão são elementos cilíndricos paralelos ao eixo de rota-
ção e dispostos circularmente em torno daquele eixo. Esta disposição dos dentes as-
semelha-se a uma gaiola ou uma lanterna. As rodas dentadas em gaiola são, em geral,
as rodas mandadas, sendo feitas em madeira de modo bastante artesanal. Este tipo de
engrenagem, ilustrada na figura 1.18d, é utilizado em relógios (Drago, 1988).

(a) (b)

(c) (d)
Figura 1.18 – (a) Roda coroa; (b) Engrenagem não-circular; (c) Harmonic drive;
(d) Engrenagem em gaiola ou lanterna.

Um outro tipo especial de engrenagem é a engrenagem magnética, em que ímanes


montados de forma circular em torno do eixo de rotação, com pólos magnéticos ori-
entados ao longo do eixo, possibilitam a transmissão de movimentos mecânicos rota-

1. ASPETOS GERAIS SOBRE ENGRENAGENS 13


tivos sem que haja contacto físico e, por conseguinte, não causam desgaste dos seus
componentes. Este tipo de engrenagem tem baixa capacidade de carga quando com-
paradas com as engrenagens ditas tradicionais. A figura 1.19 ilustra um exemplo de
uma engrenagem magnética.

Íman

Rotor de alta
Rotor de baixa velocidade
Estator velocidade
Bobine

Figura 1.19 – Esquema de uma engrenagem magnética.

Roda de balanço
Rubi

Pino-batente

Alavanca ou âncora

Linguete

Roda de escape

Figura 1.20 – Roda de balanço utilizada em relógios mecânicos.

Um mecanismo de escape que utiliza rodas dentadas especiais é o que se repre-


senta na figura 1.20. Este sistema mecânico, denominado de roda de balanço encon-
tra aplicação em relojoaria. A roda de balanço está ligada a um pêndulo de período
fixo não ilustrado na figura. A roda de escape é, em geral, movida por uma mola de
torção e possui um movimento intermitente comandado pela alavanca ou âncora.

14 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


Para cada oscilação completa da roda de balanço, a âncora permite o avanço de um
dente da roda de escape. Simultaneamente, o movimento da roda de escape promove
o retorno da âncora à sua posição anterior, transmitindo energia à roda de balanço
para iniciar um novo ciclo.
Numa análise mais detalhada do funcionamento deste mecanismo pode conside-
rar-se, como ponto de partida, a posição em que a âncora se encontra encostada ao
pino-batente localizado no lado esquerdo. Nesta posição, o dente A da roda de escape
atua contra o linguete da esquerda, enquanto a roda de balanço, rodando no sentido
anti-horário por ação da energia acumulada no pêndulo, leva a que o rubi mova a
âncora no sentido horário. O movimento da âncora levará o linguete a soltar o dente
A, empurrando o linguete para cima e, a partir deste instante, a âncora fará movimen-
tar o rubi, transmitindo energia ao pêndulo ligado à roda de balanço. Após um certo
ângulo de rotação da roda de escape, o dente B será bloqueado pelo linguete da direi-
ta que, entretanto baixou devido à rotação da âncora. O movimento desta é restringi-
do pelo pino-batente da direita, enquanto a roda de balanço inverte o sentido de rota-
ção, por ação do pêndulo que havia acumulado energia suficiente para o efeito. Uma
vez que o rubi contacta com a superfície esquerda do garfo no topo da âncora, esta
inicia o movimento de rotação no sentido anti-horário, destravando o dente B da roda
de escape. Após um certo ângulo de rotação da roda de escape, o linguete da esquer-
da da âncora bloqueia um novo dente, reiniciando-se o processo (Flores e Claro,
2007).

1. ASPETOS GERAIS SOBRE ENGRENAGENS 15


1.4. NOMENCLATURA FUNDAMENTAL
O principal objetivo desta secção é o de introduzir a nomenclatura fundamental
associada à configuração geométrica dos dentes das engrenagens. Para o efeito, to-
me-se em consideração o setor de uma roda cilíndrica exterior de dentado reto repre-
sentado na figura 1.21, na qual se inclui alguma terminologia básica relativa ao refe-
rido dentado (Shigley e Mischke, 1989).

a
ur Flanco
arg
L
Circunferência de coroa po
To
a
ro
co
de
cia co
Saliên l an
F iz
ra
ra d
o de
Altuente trância co
d Reen l an
F

Concordância
Raiz
Circunferência primitiva

Circunferência de raiz Folga na raiz

Figura 1.21 – Setor de uma roda cilíndrica exterior de dentes retos.

Considere-se agora que uma engrenagem cilíndrica exterior de dentes retos é in-
tersetada por um plano perpendicular ao eixo das rodas. Deste modo, obtém-se o
perfil transversal17 do dentado, tal como se representa parcialmente na figura 1.22.
Assim, neste perfil do dentado podem distinguir-se os seguintes elementos18:
- Coroa ou cabeça, que é o arco de circunferência que delimita superiormente o
dente (segmento AE),
- Raiz ou pé, que é o arco de circunferência que delimita inferiormente o dente
(segmento DF),
- Linha de flanco, que é a parte do perfil do dente compreendida entre a coroa e a
raiz (segmentos AD e EF).
Às superfícies cilíndricas coaxiais com o eixo da roda que contêm as coroas e as
raízes dos dentes dá-se o nome de superfície de coroa e superfície de raiz, respetiva-
mente. Por conseguinte, os diâmetros destas superfícies denominam-se de diâmetro
de coroa (da) e diâmetro de raiz (df), os quais estão representados na figura 1.22. O
cilindro primitivo tem um diâmetro intermédio entre o diâmetro de coroa e o diâme-
tro de raiz. O diâmetro primitivo é representado simplesmente pela letra d, tal como
se pode observar na figura 1.22. Refira-se ainda que o diâmetro de base (db) tem um
diâmetro superior ao do da circunferência de raiz, como se verá ulteriormente. Deve
17
Quando o plano de interseção passa pelo eixo da roda obtém-se o perfil axial do dentado.
18
Dever referir-se que a nomenclatura adotada no presente texto segue a norma ISO 701 de 1988,
revista em 2013 e denominada International gear notation - Symbols for geometrical data.

16 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


ainda referir-se que no caso de uma transmissão do tipo pinhão-cremalheira, os cilin-
dros e as circunferências anteriormente referidos para o caso das rodas cilíndricas
transformam-se em planos e retas, respetivamente (Budynas e Nisbett, 2011).

Coroa

H
Raiz
ha Linha de flanco
E
A
e
hf
s I’
h I
G
B F
C
D

df d da

Figura 1.22 – Nomenclatura fundamental de uma engrenagem cilíndrica de dentes retos.

Numa engrenagem cilíndrica de dentado reto a superfície primitiva corresponde


aos cilindros primitivos que representam os diâmetros das rodas de atrito equivalen-
tes que transmitiriam o movimento com a mesma relação de transmissão da engrena-
gem, desde que não exista escorregamento. O círculo ou circunferência primitiva
representa, pois, uma circunferência teórica sobre a qual todos os cálculos são basea-
dos. Deve referir-se que numa engrenagem as circunferências primitivas são tangen-
tes num ponto denominado ponto primitivo. A circunferência primitiva também pode
ser designada de circunferência de passo (Henriot, 1979).
O flanco do dente é a parte exterior do dente compreendida entre a raiz e a coroa.
Aos flancos que se podem sobrepor por rotação da roda denominam-se flancos ho-
mólogos (e.g. segmentos AD e GH). Por outro lado, aos flancos simétricos em rela-
ção ao eixo de cada dente designam-se flancos anti-homólogos e, por conseguinte,
não se podem sobrepor (e.g. segmentos AD e EF). O flanco de um dente pode ser
dividido em três partes distintas, a saber (Norton, 2013):
- Flanco ativo, que é a parte do flanco ao longo do qual ocorre o contacto com os
dentes da outra roda (segmento AB),
- Flanco útil, que é a parte do flanco que pode ser utilizada como flanco ativo du-
rante o engrenamento (segmento AC),
- Flanco de concordância, que é a parte do flanco não utilizável e destina-se a efe-
tuar a concordância com a superfície de raiz (segmento CD).
Os flancos dos dentes podem ainda ser divididos pela superfície ou circunferência
primitiva. Assim, podem distinguir-se:
- Flanco de coroa ou de cabeça, que é a parte do flanco compreendida entre a su-
perfície de coroa e a superfície primitiva (segmento AI),
- Flanco de raiz ou de pé, que é a parte do flanco compreendida entre a superfície
primitiva e a superfície de raiz (segmento ID).

1. ASPETOS GERAIS SOBRE ENGRENAGENS 17


É evidente que a superfície primitiva divide o dente em duas partes distintas, no-
meadamente (Henriot, 1979):
- Saliência ou altura da cabeça, que é a parte do dente compreendida entre a su-
perfície de coroa e a superfície primitiva, sendo medida pela distância (ha) entre
a circunferência de coroa e a circunferência primitiva,
- Reentrância ou altura do pé, que é a parte do dente compreendida entre a super-
fície primitiva e a superfície de raiz, sendo medida pela distância (hf) entre a cir-
cunferência primitiva e a circunferência de raiz.
A altura do dente (h) é, portanto, a distância entre a circunferência de coroa e a
circunferência de raiz, ou seja, é igual à soma dos valores da saliência e da reentrân-
cia, ou seja, h=ha+hf. Numa roda dentada, tal como a que se representa parcialmente
nas figuras 1.21 e 1.22, podem ainda identificar-se os seguintes elementos:
- Entredente, que é o espaço compreendido entre dois dentes consecutivos,
- Espessura do dente (s), que é o comprimento do arco da circunferência primitiva
compreendido entre os pontos primitivos19 dos flancos anti-homólogo e homó-
logo do mesmo dente,
- Intervalo entre dentes (e), que é o comprimento do arco da circunferência primi-
tiva compreendido entre os pontos primitivos dos flancos anti-homólogo e ho-
mólogo de dois dentes consecutivos,
- Largura do dente (b), que é o comprimento do perfil axial do dente,
- Passo primitivo ou, simplesmente, passo (p), que é o comprimento do arco da
circunferência primitiva compreendido entre dois flancos homólogos e consecu-
tivos, ou seja, p=s+e,
- Passo normal (pn), que é a distância que separa dois flancos homólogos consecu-
tivos. Trata-se, portanto, de um segmento de reta,
- Corda, que é a distância medida entre os pontos primitivos dos flancos homólo-
go e anti-homólogo do mesmo dente. À distância medida sobre o eixo de sime-
tria do dente desde a corda até à coroa chama-se saliência na corda.
 

Circunferência primitiva
I I
Tangente ao perfil no ponto I Tangente ao perfil

Direção radial da roda Direção radial da roda

Figura 1.23 – Representação dos ângulos de incidência () e de pressão ().

Ao ângulo agudo formado pela tangente ao perfil do dente num ponto qualquer e
pelo raio da roda nesse ponto chama-se ângulo de incidência (), tal como ilustra a
figura 1.23. Na situação em que o ponto considerado para a tangência é o ponto pri-
mitivo (I), então o ângulo denomina-se ângulo de pressão (). O ângulo de pressão é
o ângulo que define a direção da força que a roda motora exerce sobre a movida.
19
Ponto primitivo é o ponto de tangência de duas circunferências primitivas de engrenagens conjuga-
das. Este assunto será objeto de estudo aprofundado nas secções subsequentes deste documento.

18 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


Com o intuito de relacionar as dimensões caraterísticas dos dentes definia-se pas-
so angular de uma roda dentada como sendo
p
pang  (1.1)
r
em que p é o passo primitivo e r representa o raio primitivo da roda. Por seu lado, o
passo primitivo é expresso do seguinte modo
2πr
p (1.2)
z
onde z é o número de dentes da roda. Da substituição de (1.1) em (1.2) resulta que

pang  (1.3)
z
Deve notar-se que este parâmetro não é de todo conveniente na definição de en-
grenagens, uma vez que nele aparece explicitamente o número irracional . Por isso,
define-se uma outra grandeza denominada de módulo, que é indubitavelmente mais
apropriada e conveniente na definição das rodas dentadas. Deve desde já referir-se
que só é possível o engrenamento de rodas dentadas se estas tiverem o mesmo módu-
lo, a fim de que os espaços entre os dentes sejam compatíveis. O módulo, que é ex-
presso em milímetros, é, por definição, escrito do seguinte modo (Henriot, 1979)
p
m (1.4)
π
Substituindo a equação (1.2) em (1.4) vem que
2πr d
m (1.5)
zπ z
que é também uma definição de módulo (Henriot, 1979). Alternativamente, a equa-
ção (1.5) pode ser reescrita da seguinte forma
d  mz (1.6)
Com efeito, o módulo, conjuntamente com o número de dentes, define completa e
perfeitamente qualquer roda dentada. Pode dizer-se que o módulo está diretamente
relacionado com a dimensão dos dentes e, por conseguinte, com a sua resistência.
Por seu lado, o número de dentes de uma roda dentada está diretamente associado à
relação de transmissão de uma engrenagem. A equação (1.6) estabelece a relação
fundamental, a partir da qual se podem traçar os perfis dos dentes (Norton, 2013).
Deve ainda referir-se que nos países anglossaxónicos se considera uma notação
distinta, a qual resulta do facto das dimensões lineares no sistema imperial serem
expressas em polegadas. Assim, em vez de módulo, naqueles países utiliza-se o con-
ceito de diametral pitch (P), que se relaciona com o módulo da seguinte forma
mP  25,4 (1.7)
O módulo é um parâmetro normalizado que visa uniformizar os perfis adotados
para os dentes das engrenagens e facilitar a obtenção de máquinas e ferramentas. A
tabela 1.2 apresenta os valores normalizados20 para o módulo.
20
Os valores dos módulos listados seguem as recomendações da norma ISO 54 de 1996, revista em
2011, e intitulada Cylindrical gears for general engineering and for heavy engineering - Modules.

1. ASPETOS GERAIS SOBRE ENGRENAGENS 19


Tabela 1.2 – Valores normalizados do módulo expressos em milímetros.
A escolha do módulo deve iniciar-se pelas séries mais baixas.
Série 1 Série 2 Série 3 Série 1 Série 2 Série 3
0,1 3,5
0,15 3,75
0,2 4
0,25 4,5
0,3 5
0,35 5,5
0,4 6
0,45 6,5
0,5 7
0,55 8
0,6 9
0,65 10
0,7 11
0,75 12
0,8 14
0,9 16
1 18
1,25 20
1,5 22
1,75 25
2 28
2,25 32
2,5 36
2,75 40
3 45
3,25 50

3,5 4

2,75

2,5
6

2,25

Figura 1.24 – Relação entre o módulo, tamanho dos dentes e número de dentes.

A figura 1.24 ilustra a evolução do tamanho e do número de dentes de rodas den-


tadas, para o mesmo diâmetro primitivo, em função do módulo. Da análise desta fi-
gura observa-se que com o aumento do módulo aumenta-se também o tamanho do
dente e, consequentemente, a resistência da roda. Por outro lado, com o aumento do
módulo diminui-se o número de dentes da roda. É, pois, evidente que para um diâme-

20 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


tro primitivo constante, se se considerar um módulo pequeno resulta numa roda com
muitos dentes, em que os dentes são de pequenas dimensões. Deve ainda referir-se
que existem calibres de dentes que permitem com facilidade aferir e comparar tama-
nhos de dentes para diferentes valores de módulo.

(a)

(b)
Figura 1.25 – (a) Engrenagem com módulo m1=m2=1 mm, z1=20 e z2=40;
(b) Engrenagem com módulo m1=1 mm, m2=2 mm e z1=z2=20.

Tal como foi referido anteriormente, duas rodas dentadas só podem funcionar cor-
retamente se tiverem o mesmo módulo. Assim, a fim de se demonstrar este princípio
considere-se duas engrenagens com as seguintes caraterísticas:
- m1=m2=1 mm, z1=20 e z2=40,
- m1=1 mm, m2=2 mm, z1=z2=20.
A figura 1.25 ilustra este par de engrenagens onde são visíveis as diferenças pelo
facto de se considerar ou não o mesmo módulo. Engrenagens com maior número de
dentes proporcionam transmissões mais suaves e evitam interferências.

1. ASPETOS GERAIS SOBRE ENGRENAGENS 21


1.5. GERAÇÃO DE PERFIS DE DENTES
Tal como foi apresentado na secção anterior, o perfil transversal de um dente de
uma roda dentada cilíndrica é o resultado da interseção da superfície do dente com
um plano perpendicular ao eixo da roda. É por demais evidente que o perfil dos den-
tes desempenha um papel de importância crucial no bom funcionamento das engre-
nagens. Com efeito, uma engrenagem só funcionará corretamente21 se, durante o
período de contacto entre as superfícies dos dentes, de uma e outra roda, aquelas fo-
rem permanentemente tangentes. Quando assim não sucede, o desgaste dos dentes
ocorrerá muito rapidamente, prejudicando sobremaneira o desempenho das engrena-
gens (Mabie e Reinholtz, 1987). Assim, para que as superfícies dos dentes em con-
tacto sejam sempre tangentes entre si durante o engrenamento é necessário que toda a
infinidade de pares de perfis correspondentes numa e noutra roda, obtidos pela inter-
seção das superfícies dos dentes em ambas as rodas com os diferentes planos perpen-
diculares aos seus eixos, sejam continuamente tangentes. Quando existe tangência
entre as superfícies de dois dentes de duas rodas engrenadas, então estes perfis dos
dentes denominam-se perfis conjugados. A figura 1.26 ilustra dois setores de duas
rodas dentadas com perfis conjugados. Os perfis dos dentes devem ser projetados de
modo a garantir uma relação de transmissão constante durante todo o engrenamento.
Na verdade, esta ideia traduz o princípio fundamental do engrenamento, tal como se
analisará mais detalhadamente nas secções seguintes deste documento (Henriot,
1979; Shigley e Mischke, 1989).

Figura 1.26 – Setores de duas rodas dentadas com perfis conjugados.

O modo mais frequente de gerar os perfis dos dentes é o que se baseia na utiliza-
ção de curvas cíclicas ou de curvas evolventes (Wilson e Sadler, 1993). As curvas
cíclicas são geralmente obtidas a partir de trajetórias de pontos associados à circunfe-
rência. Estas curvas são caraterizadas por um processo de oscilação periódica entre
distâncias iguais. No sentido mais lato, uma evolvente é uma curva obtida a partir de
uma dada curva, unindo a esta uma corda inextensível e traçando a trajetória de um
ponto da corda ao ser enrolada ou desenrolada sobre a curva dada. A figura 1.27 re-
sume as principais curvas utilizadas na geração de perfis de dentes.
21
O funcionamento correto de uma engrenagem diz respeito, fundamentalmente, à garantia na trans-
missão do movimento com relação de transmissão constante.

22 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


Cicloide
Cíclicas (engrenagens cicloidais) Epicicloide
Hipocicloide
Principais curvas
usadas na geração
de perfis de dentes
De círculo
Evolventes (engrenagens evolventes) De catenária

De cicloide

Figura 1.27 – Principais curvas usadas na geração de perfis de dentes.

Embora seja pouco usado em mecânica corrente, estuda-se aqui a geração do den-
tado cicloidal, no qual os perfis dos dentes são arcos de cicloides. Cicloide22 é uma
curva traçada por um ponto de uma circunferência, dita rolante, quando esta rola sem
escorregar ao longo de uma reta ou sobre outra circunferência. Quando a base é uma
reta, a curva obtida denomina-se de cicloide ordinária. Quando a base é uma circun-
ferência, a curva resultante designa-se de epicicloide23, quando a rolante é exterior à
base, e hipocicloide quando a rolante é interior à base (Henriot, 1979).
A título de exemplo, na figura 1.28 ilustra-se o procedimento relativo à obtenção
de uma curva cíclica epicicloide, em que a rolante é a circunferência de centro em O1
e de raio r1, sendo a base a circunferência centrada em O2 e de raio r2. A circunferên-
cia de base está fixa, enquanto a geratriz ou rolante rola sem escorregar sobre a cir-
cunferência de base, tal como se representa na figura 1.28a. Com efeito, para se obter
o traçado da epicicloide, deve começar-se por dividir a rolante num número de partes
iguais. No presente caso, a rolante é dividida em oito partes iguais, delimitadas pelos
pontos 1 a 8, como se ilustra na figura 1.28b. De seguida, pelo centro da rolante e
pelos pontos 1 a 8, desenham-se arcos de circunferência concêntricos com a base. Os
últimos estão desenhados a traço interrompido na representação da figura 1.28b. Na
circunferência de base desenham-se arcos de circunferência iguais entre si e com um
comprimento igual a 1/8 do perímetro da rolante. Estes arcos estão representados a
cinzento na figura 1.28b e delimitados pelos pontos PI1, I1I2, … I7I8. As sucessivas
posições do centro da rolante obtêm-se pela interseção do arco que passa pelo centro
da rolante, desenhado a cinzento na figura 1.28b, com as correspondentes direções
radiais. Estes centros estão representados na figura 1.28c por C1, C2, … C8. Podem
agora ser desenhadas as novas rolantes em cada centro obtido pelo procedimento
anterior, tal como se mostra na figura 1.28c. Finalmente, as sucessivas posições do
ponto de traçagem são obtidas pela interseção de cada rolante com os corresponden-
tes arcos de circunferência inicialmente desenhados, como mostra a figura 1.28d.
Unindo os pontos P, P1, P2, … P8, obtém-se a curva epicicloide.
Deve referir-se que é possível obter as equações paramétricas de uma curva epici-
cloide. Da análise da geometria da figura 1.28, observa-se que, por um lado, a curva
epicicloide é simétrica em relação a um eixo e, por outro, a normal em qualquer dos
seus pontos passa sempre pelo ponto de contacto da rolante com a base (Henriot,
1979; Wilson e Sadler, 1993).

22
Cicloide é uma palavra de origem grega que traduz a ideia de circular ou círculo.
23
Epicicloide vem do grego, onde epi significa sobre, e cicloide círculo. Por seu lado, o vocábulo
hipocicloide é também de origem grega, em que hipo significa sob, por debaixo.

1. ASPETOS GERAIS SOBRE ENGRENAGENS 23


Base (fixa) Rolante

2
I5 I4 I3 I2
I6 3
I1 1 4
r1 I7
P O1 P
I8 8 5
O2 7 6
r2
Ponto de traçagem

(a) (b)
P4

P5 P3
C4 C3
C5 C2 P6
C6 2 P2 2
C1
C7 3 3
1 4 P7 1 4
P1
C8 P P
8 5 P8 8 5
7 6 7 6

(c) (d)
Figura 1.28 – Traçado de uma curva cíclica epicicloide.
De seguida é apresentado o procedimento para se obter um dentado cicloidal para
uma engrenagem cilíndrica exterior de dentes retos. Assim, para o efeito devem con-
siderar-se as circunferências primitivas das duas rodas como as bases do movimento.
Então as circunferências rolantes rolam sem escorregar, ora uma, ora outra, sobre
cada circunferência de base, consoante se pretende gerar o perfil acima ou abaixo do
ponto primitivo. A figura 1.29 mostra como se obtêm os perfis cicloidais para o caso
de uma engrenagem cilíndrica exterior de dentado reto. Em primeiro lugar traçam-se
as circunferências primitivas representadas por C1 e C2, cujos centros são O1 e O2,
respetivamente, tal como se ilustra na figura 1.29a. Considere-se agora G1 e G2 como
sendo as circunferências geradoras, cujos centros e raios são, respetivamente P1, P2,
r1 e r2, tal como representado na figura 1.29b. As circunferências geradoras são tan-
gentes no ponto I às duas circunferências primitivas, sento este o ponto gerador ou de
traçagem. O perfil do dente da roda 1 é constituído por dois arcos (cf. figura 1.29c):
- O arco IA1, que é um arco de hipocilcoide que resulta de G1 rolar sem escorregar
interiormente sobre C1,
- O arco IB1, que é o arco de epicicloide que resulta de G2 rolar sem escorregar
exteriormente sobre C1.
O perfil do dente da roda 2 é também constituído por dois arcos (cf. figura 1.29d):
- O arco IA2, que é um arco de hipocilcoide que resulta de G2 rolar sem escorregar
interiormente sobre C2,
- O arco IB2, que é o arco de epicicloide que resulta de G1 rolar sem escorregar
exteriormente sobre C2.

24 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


C1 O1 C1 O1

G1 r1
P1

P2 r2
G2

C2 O2 C2 O2

(a) (b)

C1 O1 C1 O1

G1 r1 G1
P
A1 1 A1
I B2 I
B1 B1
A2
P2 r2
G2 G2

C2 O2 C2 O2
(c) (d)
Figura 1.29 – Obtenção de um dentado cicloidal para engrenagens cilíndricas
exteriores de dentes retos.

Deve mencionar-se que a obtenção de perfis cicloidais para dentados interiores e


engrenagens do tipo pinhão-cremalheira segue procedimentos idênticos aos anteri-
ormente expostos (Henriot, 1979; Budynas e Nisbett, 2011).
Pode observar-se que os dentes com perfil cicloidal são constituídos por duas cur-
vas cíclicas, em que na saliência o perfil é do tipo epicicloide e na reentrância o perfil
é do tipo hipocicloide. A saliência e a reentrância são, portanto, formadas por curvas
convexas e côncavas, respetivamente. Verifica-se que em engrenagens de dentado
cicloidal, a linha de ação24 é constituída por dois arcos das circunferências geradoras,
tal como se representa na figura 1.30. Acresce ainda o facto de que neste tipo de per-
fil de dente, o ângulo de pressão variar durante o engrenamento das rodas. De entre
os vários inconvenientes associados ao dentado cicloidal, e que o tornam pouco atra-
tivo para aplicações industriais, podem destacar-se os seguintes (Henriot, 1979; Ma-
bie e Reinholtz, 1987):
- Uma vez que o perfil dos dentes é formado por duas partes curvas distintas (e.g.,
epicicloide e hipocicloide), torna difícil a sua manufatura devido ao ponto de in-
flexão (I), tal como é ilustrado na figura 1.31. Com efeito, não é possível utilizar
24
Linha de ação ou linha de engrenamento é a trajetória do ponto de contacto de uma engrenagem de
dentes com perfis conjugados. Este assunto será objeto de estudo detalhado posteriormente.

1. ASPETOS GERAIS SOBRE ENGRENAGENS 25


os métodos mais vulgares de talhe com fresa, obrigando, assim, ao recurso a
processos de fabrico alternativos como a fundição e a estampagem,
- Para o mesmo módulo, o dentado cicloidal apresenta uma menor área na raiz
quando comparado com o dentado em evolvente e, consequentemente, apresenta
menor resistência,
- O entre-eixo no dentado cicloidal é rigorosamente constante e igual à soma dos
raios primitivos das rodas, não sendo possível, deste modo, compensar desali-
nhamentos e desgaste das engrenagens, nem evitar variações da relação de
transmissão durante o engrenamento,
- Uma dada roda dentada de perfil cicloidal funciona apenas com outra para a
qual foi projetada, uma vez que, durante o engrenamento, a cada ponto do dente
da roda motora corresponde um ponto bem definido no perfil do dente da roda
movida,
- As forças de contacto que se desenvolvem nos dentes das engrenagens de perfis
cicloidais variam em cada instante, quer em direção, quer em intensidade, dando
origem, deste modo, a choques e vibrações, com todas as consequências nefastas
que daí advêm,
- A montagem de duas rodas dentadas de perfis cicloidais é de difícil execução, e
quando se conseguem montar com exactidão, o progressivo desgaste que se ve-
rifica nos apoios, devido ao modo de funcionamento deste tipo de dentado, ori-
gina desgaste dos próprios dentes e, consequentemente, aumenta o entre-eixo.
C1
Cf1 Ca1
O1

G1

B
I

G2

O2 Cf2 Ca2
C2
Figura 1.30 – Representação da linha de ação numa engrenagem de
dentado reto de perfil cicloidal.

Na verdade, o dentado cicloidal é pouco utilizado na mecânica em virtude das li-


mitações e desvantagens acima expostas. Este tipo de dentado é utilizado em casos
muito particulares, como, por exemplo, em relógios e em sistemas mecânicos de pe-

26 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


quenas dimensões que funcionam com cargas relativamente baixas e que não afetam
os perfis dos dentes. Uma das principais razões que concorre para o sucesso nas apli-
cações descritas, prende-se com o facto de não existir escorregamento entre os den-
tes, pelo que o desgaste é menor que no caso do dentado em evolvente. Por outro
lado, os dentes de perfis cicloidais funcionam sempre entre uma superfície côncava e
outra convexa, tornando, deste modo, mais suaves as transmissões de movimento
(Budynas e Nisbett, 2011; Norton, 2013).

I I

Figura 1.31 – Dente de perfil cicloidal.

1. ASPETOS GERAIS SOBRE ENGRENAGENS 27


1.6. DENTADO EM EVOLVENTE DE CÍRCULO
Nesta secção estuda-se o dentado gerado em evolvente de círculo e faz-se ainda
uma análise comparativa com o dentado cicloidal. Na verdade, a maioria das engre-
nagens de uso corrente utiliza dentes com perfis em evolvente de círculo (Norton,
2013). Com este tipo de perfil evitam-se muitos dos inconvenientes associados ao
dentado cicloidal, tais como os choques e as dificuldades de fabrico. No dentado em
evolvente, os perfis dos dentes são constituídos por arcos de evolvente com um único
sentido de curvatura, a qual é convexa. Por definição, uma evolvente de círculo é a
curva descrita por um ponto de uma reta que rola sem escorregar em torno de um
círculo, denominado círculo de base (Wilson e Sadler, 1993). A figura 1.32 ilustra
uma evolvente onde se evidenciam alguns dos seus principais elementos. A reta, que
é representada por uma corda esticada e inextensível, é sempre tangente ao círculo de
base. Verifica-se ainda que o centro de curvatura da evolvente está sempre localizado
num ponto de tangência da corda com o círculo de base. Finalmente, pode atestar-se
que qualquer tangente à evolvente é perpendicular à corda, que representa o raio ins-
tantâneo de curvatura da evolvente. Observa-se, portanto, que a evolvente apresenta
um raio variável (Budynas e Nisbett, 2011).
Ponto de tracagem

Curva evolvente
P
Corda inextensível
C
A

Círculo de base (fixo)

Figura 1.32 – Curva evolvente de círculo.

A evolvente é desenhada quando a corda é enrolada ou desenrolada à volta do cír-


culo. O ponto P, situado na corda, é o ponto traçador, sendo considerado para dese-
nhar a curva evolvente AB. Na configuração representada na figura 1.32, no ponto P,
o raio de curvatura é igual ao comprimento do segmento de reta PC. Deve referir-se
que em A o raio de curvatura é nulo, atingido o seu valor máximo em B. A corda é
perpendicular à evolvente em todos os pontos de interseção com esta, sendo também
sempre tangente ao círculo de base, tal como na representação da figura 1.32.
A figura 1.33 mostra o procedimento gráfico utilizado no traçado de uma evolven-
te de círculo. Assim, em primeiro lugar desenha-se o círculo de base de raio rb. De
seguida divide-se o círculo em partes iguais, desenhando também os segmentos de
reta radiais OP, OA1, OA2, … OA4, tal como se ilustra na figura 1.33. Agora, a partir
dos pontos A1, A2, … A4 desenham-se segmentos perpendiculares às direções radiais

28 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


anteriormente traçadas, como se representa na figura 1.33. O segmento de reta A1P1
mede exatamente o mesmo que o comprimento do arco A1P. Do mesmo modo, o
segmento de reta A2P2 mede exatamente o mesmo que o comprimento do arco A2P, e
assim sucessivamente para os demais segmentos. Finalmente, unindo os pontos P,
P1, P2, … P4 obtém-se a curva evolvente do círculo de base.

Evolvente Círculo de base


A4
P4 A3
A2
P3 A1
P2
P1 P

rb

Figura 1.33 – Traçado de uma curva evolvente de círculo.

A figura 1.34 ilustra a evolvente de um círculo, bem como um dente obtido a par-
tir da curva evolvente. Pode observar-se que quanto maior for o raio do círculo de
base, menos acentuada será a evolvente. No caso de uma cremalheira (roda de raio
infinito), a evolvente é um reta (Henriot, 1979; Budynas e Nisbett, 2011).

Evolvente
Corda

3
2 4
1

Dente
rb

Círculo de base

Figura 1.34 – Dente gerado em evolvente de círculo.

1. ASPETOS GERAIS SOBRE ENGRENAGENS 29


Pelo acima exposto, observa-se que, quando um dentado tem perfil em evolvente
de círculo, a normal a esse perfil do dente é tangente à circunferência de base. Assim,
torna-se necessário estabelecer uma relação entre as circunstâncias de base (que ser-
vem para gerar o perfil dos dentes em evolvente de círculo) e as circunferências pri-
mitivas (que ajudam a definir uma roda dentada). Para o efeito, considerem-se as
circunferências primitivas C1 e C2, cujos centros e raios são O1, O2, r1 e r2, respeti-
vamente. Considere-se também o segmento de reta EF, que faz um ângulo  com a
tangente comum às duas circunferências primitivas. As circunferências de base Cb1 e
Cb2 estão centradas em O1 e O2, têm raios rb1 e rb2, sendo tangentes ao segmento de
reta EF nos pontos A e B, tal como se representa na figura 1.35. Para que não exista
escorregamento entre os círculos primitivos é condição sine qua non que a relação
entre os seus raios primitivos seja constante, e a mesma que a relação entre os raios
de base, ou seja
r2 rb 2
i  (1.8)
r1 rb1
que representa a relação de transmissão da engrenagem da figura 1.35. Como a cor-
da, representada na figura 1.35 pelo segmento de reta EF, é sempre tangente aos cír-
culos de base, então este segmento interseta a linha de centros no mesmo ponto de
contacto entre os círculos primitivos (i.e. o ponto primitivo I), qualquer que seja o
valor de . Como já foi apresentado anteriormente, o ângulo  representa o ângulo
de pressão, sendo o segmento EF denominado de linha da ação, linha de engrena-
mento, linha de pressão, linha de geração ou ainda linha de forças (Henriot, 1979;
Shigley e Mischke, 1989). Esta linha não altera a sua direção tangente aos círculos de
base. Por outro lado, atendendo a que a linha de ação é sempre perpendicular à evol-
vente no ponto de contacto, a condição de transmissão uniforme de movimento é
garantida, isto é, com relação de transmissão constante.

Círculo de base
C1 1

Círculo primitivo Cb1


rb1
O1
r1 F

B 

I
A 2

E

r2 rb2
Cb2 C2

O2
Círculo primitivo Círculo de base

Figura 1.35 – Representação da linha de ação ou linha de engrenamento.

30 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


Da análise da figura 1.35 podem ser escritas as seguintes relações
rb1  r1 cos (1.9)

rb2  r2 cos (1.10)


Com efeito, estas duas equações estabelecem a relação entre os raios primitivos e
os raios de base de uma engrenagem cilíndrica exterior de dentado reto com perfil
em evolvente de círculo. Considere-se agora um qualquer ponto C, situado entre A e
B no segmento de reta EF, tal como representado na figura 1.36. Supondo que a cor-
da é cortada em C, então resultam dois segmentos da corda que podem ser usados
para gerar os perfis em evolvente dos círculos de base das rodas 1 e 2. A figura 1.36
ilustra os perfis gerados pelo ponto C. Observa-se que ambas são curvas evolventes,
cuja normal num qualquer ponto é tangente à respetiva circunferência de base. Veri-
fica-se ainda que o ponto de contacto se situa no segmento de reta EF. Esta situação
traduz o facto de que numa engrenagem com dentes em perfil em evolvente de círcu-
lo, os dentes de uma e outra rolam sem escorregar uns sobre os outros durante o en-
grenamento. Este assunto está diretamente relacionado com o princípio fundamental
do engrenamento que será objeto de estudo na secção seguinte deste documento.

C1 1

Cb1
rb1
O1
r1 F

B 

I
C
A 2

E

r2 rb2
Cb2 C2

O2

Figura 1.36 – Geração do dente a partir da linha de ação ou linha de geração.

Deve notar-se que a velocidade linear do ponto C é tangente às circunferências de


base das rodas 1 e 2. Pelo que dividindo esta velocidade linear pelo raio de base de
cada roda, obtêm-se as respetivas velocidades de rotação das rodas 1 e 2. Este facto é
verificado para qualquer ponto situado no segmento de reta EF. Assim, pode escre-
ver-se a seguinte relação matemática
1 rb 2
 (1.11)
2 rb1
em que  1 e 2 representam as velocidades angulares das rodas 1 e 2, respetivamen-
te. Fica assim, demonstrado que o perfil em evolvente de círculo obedece à condição

1. ASPETOS GERAIS SOBRE ENGRENAGENS 31


de que é constante a relação de transmissão. Também se pode observar que a curva
evolvente não pode ser gerada para o interior das circunferências de base. Assim,
uma vez que o ângulo de pressão é estabelecido a priori, não poderá existir contacto
entre os dentes fora do segmento de reta AB.
Tal como foi referido anteriormente, o dentado em evolvente é o mais utilizado
em engrenagens de máquinas e mecanismos, dado o leque de vantagens que apresen-
ta face ao dentado cicloidal. De seguida resumem-se algumas das caraterísticas que
tornam atrativos os dentados em evolvente de círculo (Henriot, 1979; Wilson e Sad-
ler, 1993; Budynas e Nisbett, 2011; Norton, 2013):
- Os perfis dos dentes em evolvente de círculo apresentam uma curvatura com um
sentido único, tornando fácil a maquinagem dos dentes pelos processos mais
vulgares de talhe,
- Os dentes com perfil em evolvente de círculo proporcionam maior área na raiz
do dente, tornando-os mais resistentes e com maior capacidade de carga quando
comparados com os dentados cicloidais com caraterísticas idênticas (e.g., mes-
mo módulo),
- Uma roda dentada com perfis dos dentes em evolvente de círculo pode funcio-
nar com qualquer outra roda, desde de que ambas apresentem o mesmo módulo,
- É possível o engrenamento, em condições ainda aceitáveis, entre rodas com den-
tes com perfil em evolvente, mesmo quando existe variação do entre-eixo (au-
mento ou diminuição), desgaste dos apoios ou deformação dos elementos de
transmissão. Esta circunstância altera, todavia, o valor do ângulo de pressão, tal
como se ilustra na figura 1.37,
- A linha de ação ou de linha de engrenamento é um segmento de reta que forma
com a tangente às circunferências primitivas um ângulo de pressão que é cons-
tante durante a transmissão do movimento. Todos os pontos de contacto estão
localizados sobre a linha de ação.

’

I’
I

Figura 1.37 – Efeito da variação do entre-eixo no ângulo de pressão.

32 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


Numa engrenagem de dentado reto com dentes com perfil em evolvente de círcu-
lo, a linha de ação é constituída por um troço da reta geradora, a qual está compreen-
dida entre as circunferências de coroa das duas rodas engrenadas. Assim, a força
transmitida entre os dentes apresenta sempre a direção da linha de ação. Esta força
está representada pela letra N na figura 1.38, a qual se pode relacionar com a força
tangencial, responsável pela transmissão de potência, do seguinte modo
Ft  N cos (1.12)
Por outro lado, o momento (ou binário) a ser transmitido pela engrenagem é dado
pela seguinte expressão
M1  Ft r1 (1.13)
em que r1 é o raio primitivo da roda motora. Com efeito, para uma engrenagem que
transmite um momento constante, a potência transmitida será também constante e,
consequentemente, a força normal de contacto nos dentes é constante, uma vez que
P  M11 (1.14)
Logo, combinando as equações (1.12)-(1.14) resulta que
P
N (1.15)
1r1 cos
Deste modo, pode concluir-se que as transmissões em engrenagens de dentado em
evolvente de círculo são mais suaves e sem vibrações, quando comparadas com as de
dentado cicloidal. Porém, como a força normal nos dentes é maior do que no dentado
cicloidal, verifica-se um maior atrito e desgaste no dentado em evolvente de círculo.


Fr N

I Ft
E

r1
1

Figura 1.38 – Forças transmitidas numa engrenagem de dentado em evolvente.

1. ASPETOS GERAIS SOBRE ENGRENAGENS 33


1.7. PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DO ENGRENAMENTO
Antes de apresentar o princípio fundamental do engrenamento é oportuno rever os
conceitos de eixo e de centro instantâneo de rotação. Quando um corpo roda no espa-
ço tridimensional em relação a outro corpo existe um eixo comum de rotação, cuja
posição relativamente a ambos os corpos pode ou não variar de instante para instante.
A estes eixos dá-se o nome de eixos instantâneos de rotação. Em mecanismos plana-
res, os eixos instantâneos de rotação são sempre perpendiculares ao plano do movi-
mento e intersetam os corpos num ponto, denominado de centro instantâneo de rota-
ção. Durley (1903) chama aos centros instantâneos de rotação centros virtuais ou
centroides. Há autores que utilizam as designações de centros instantâneos de veloci-
dade, pólos ou, simplesmente, centros. Com efeito, centro instantâneo de rotação é,
por definição, o local, em cada instante, de um par de pontos que coincidem no espa-
ço e que pertencem a corpos distintos, para os quais é igual a velocidade absoluta
(Flores e Claro, 2007). Por outras palavras, o conceito de centro instantâneo de rota-
ção pode ser enunciado como sendo o local de um par de pontos coincidentes e que
pertencem a dois corpos diferentes, cuja velocidade relativa é nula. Em suma, um
centro instantâneo de rotação, para sistemas planos é um ponto de um corpo em rela-
ção ao qual um corpo roda em relação a outro.
O número de centros instantâneos de rotação que existe num mecanismo pode ser
calculado utilizando a seguinte expressão (Flores e Claro, 2007)
n(n  1)
nCIR  (1.16)
2
em que n representa o número de corpos do sistema. Os centros instantâneos de rota-
ção podem ser fixos, permanentes ou imaginários.

P 2
1

O01 O02

0 0

Figura 1.39 – Sistema mecânico constituído por três corpos, em quem que dois deles
estão em contacto direto.

Considere-se o sistema mecânico constituído por três corpos em que dois deles es-
tão em contacto direto, tal como ilustra a figura 1.39. O corpo 0 é fixo, correntemente
denominado de fixe, enquanto os corpos 1 e 2 rodam relativamente ao corpo 0 em
torno dos centros instantâneos de rotação O01 e O02, respetivamente. É por demais
evidente que estes dois centros instantâneos de rotação se podem localizar por sim-
ples inspeção ou observação direta do sistema. Da aplicação da equação (1.16) con-
clui-se que neste sistema existem três centros instantâneos de rotação, ou seja, O01,
O02 e O12. Para determinar a localização O12 deve recorrer-se, conjuntamente ao teo-
rema da normal comum e ao teorema dos três centros. Este último teorema é também

34 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


denominado de teorema de Aronhold-Kennedy25, o qual diz que quando três corpos
têm movimento relativo entre si, então existem três centros instantâneos de rotação
situados sobre a mesma linha reta. Por seu lado, o teorema da normal comum pode
ser enunciado do seguinte modo, o centro instantâneo de rotação de dois corpos em
contacto direto num ponto localiza-se na direção definida pela normal comum aos
dois corpos no ponto de contacto. Combinado agora os dois teoremas anteriormente
descritos, é possível localizar o centro instantâneo de rotação O12, tal como se repre-
senta na figura 1.40. O centro O12 é o ponto do corpo 1 em torno do qual o corpo 2
roda, ou vice-versa.

Tangente comum

P 2
1

O01 O02 O12

0 0

Figura 1.40 – Localização dos centros instantâneos de rotação de um sistema constituído


por três corpos, em quem que dois deles estão em contacto direto.

Considere-se agora o sistema representado na figura 1.41, o qual é constituído por


dois dentes de uma engrenagem cilíndrica exterior de dentado reto. Ainda nesta
mesma figura estão incluídos os centros instantâneos de rotação, ou seja, O01, O02 e
O12, cuja localização pode ser determinada considerando os procedimentos supra-
mencionados. Representa-se também o ponto de contacto entre os dentes, P, bem
como as direções tangente e normal neste ponto.
Se se considerarem as sucessivas posições do ponto I, que coincide com o centro
instantâneo de rotação O12, obtêm-se as curvas C1 e C2, denominadas centrodos ou
trajetórias polares. Como foi já apresentado anteriormente, o ponto I designa-se de
ponto primitivo ou pólo. Pode observar-se que as curvas C1 e C2 descrevem um mo-
vimento de rolamento puro, isto é, rolam sem escorregar uma sobre a outra à medida
que as rodas 1 e 2 giram em torno de O01 e O02, respetivamente. No caso das engre-
nagens, as curvas C1 e C2 designam-se de curvas primitivas, e em particular no caso
de engrenagem circulares, aquelas curvas chamam-se circunferências primitivas26.

25
O teorema dos três centros ou teorema de Aronhold-Kennedy foi, primeiramente, desenvolvido por
Aronhold em 1872 e, posteriormente, por Kennedy em 1886. Os trabalhos destes dois cientistas fo-
ram realizados de forma independente. Na literatura alemã é comum encontrar-se a referência a es-
te teorema, como sendo o teorema de Aronhold, ao passo que na literatura anglossaxónica se pode
encontrar a referência ao teorema de Kennedy.
26
Quando as engrenagens estão no espaço tridimensional, então o centro instantâneo de rotação dá
lugar ao eixo instantâneo de rotação, e as curvas primitivas dão lugar às superfícies primitivas (e.g.
cones, cilindros, etc.).

1. ASPETOS GERAIS SOBRE ENGRENAGENS 35


0
C1 O01
1 1
O01
r1
1
Tangente comum

P
C1
O12 I O12 I
Normal comum
v1 v2

C2
2
r2

2 O02 2
O02
0 C2

(a) (b)
Figura 1.41 – Identificação das curvas primitivas numa engrenagem.

Atendendo a que as rodas 1 e 2, representadas parcialmente na figura 1.41, rodam


com velocidades angulares 1 e 2, respetivamente, então pode definir-se relação de
transmissão como sendo o quociente entre estas duas quantidades, ou seja,
1
i (1.17)
2
em que nesta definição se admite que a roda 1 é a motora, sendo, por conseguinte a
roda 2 movida ou mandada. A velocidade linear do ponto primitivo pode ser calcula-
da pela da roda 1 ou pela roda 2, resultando a mesma quantidade, uma vez que este
ponto é um centro instantâneo de rotação. Assim, pode escrever-se que
v1  v2  1 O01I  2 O02 I (1.18)
A equação (1.18) pode ser reescrita da seguinte forma
1 O02 I
 (1.19)
2 O01I
Da análise da equação (1.19) pode concluir-se que a relação de velocidades angu-
lares das rodas 1 e 2 é inversamente proporcional aos segmentos que definem as dis-
tâncias do ponto primitivo aos centros de rotação das rodas. Quando a relação de
transmissão é constante, então a posição do ponto primitivo é fixa. De facto, para que
isto aconteça, deve verificar-se uma de duas situações:
- A normal comum em qualquer ponto de contacto mantém sempre a mesma po-
sição, ou
- A normal comum varia de posição, todavia, interseta a linha de centros, O01O02,
sempre no mesmo ponto.

36 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


O facto de o ponto primitivo ser fixo e de haver constância na relação de veloci-
dades angulares das rodas, traduz o princípio fundamental do engrenamento. Às cur-
vas dos perfis dos dentes que obedecem a este princípio chamam-se curvas conjuga-
das27. Com efeito, a lei fundamental da ação conjugada entre dentes de uma engrena-
gem pode enunciar-se do seguinte modo, no engrenamento de duas rodas dentadas, a
normal comum às superfícies dos dentes no ponto de contacto tem que intersetar a
linha de centros sempre no ponto primitivo28 (Branco et al., 2009). Então, duas
quaisquer curvas podem ser consideradas para os flancos dos dentes, desde que, em
cada instante, a normal comum às superfícies dos dentes passe continuamente no
ponto primitivo, o qual divide o entre-eixo na relação inversa das velocidades angu-
lares das rodas. Por conseguinte, é constante a relação de velocidades angulares das
rodas motora e movida em cada instante, uma vez que não se admite escorregamento.
A constância de relação de transmissão é, na verdade, um objetivo associado ao fun-
cionamento das engrenagens, ou seja,
1 r2
i  (1.20)
2 r1

1
O01

v2
P
v1

v1n v2n

2 O02

0
Figura 1.42 – Representação da velocidade periférica do ponto de contacto.

Atendendo a que o ponto de contacto, P, pertence simultaneamente aos corpos 1 e


2, a velocidade periférica deste ponto pode ser calculada do seguinte modo
v1  1 O01 P (1.21)

v2  2 O02 P (1.22)

27
A ação conjugada de curvas é utilizada em engrenagens e mecanismos do tipo came-seguidor, com
o propósito de se obter uma relação de velocidades constante durante funcionamento.
28
Nas engrenagens não circulares não é necessário que a normal comum passe pelo ponto primitivo,
basta que se verifique constância na relação de velocidades em cada instante do engrenamento.

1. ASPETOS GERAIS SOBRE ENGRENAGENS 37


As projeções destas duas velocidades, na direção normal29 no ponto de contacto,
têm de ter a mesmo intensidade, caso assim não fosse, os dentes penetrariam um no
outro ou afastar-se-iam um do outro. A figura 1.42 incluiu as velocidades periféricas
do ponto P, bem como as respetivas projeções na direção normal, representadas a
cinzento na mesma figura 1.42.

(a) (b) (c)


Figura 1.43 – Efeito do ângulo de pressão no perfil do dente: (a) 14,5º; (b) 20º; (c) 25º.

Tal como foi já referido anteriormente, o ângulo de pressão é um dos parâmetros


que caraterizam o desempenho das engrenagens (Flores, 2009). Os valores do ângulo
de pressão são normalizados, sendo 20º e 25º os valores de uso mais frequente. O
valor de 14,5º, embora considerado no passado, tem vindo a cair em desuso. A figura
1.43 ilustra três perfis de dentes para estes três valores do ângulo de pressão (Juvinall
e Marshek, 2006).

29
Deve desde já notar-se que a direção normal no ponto de contacto não deve ser confundida com a
direção definida pela linha de engrenamento.

38 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


1.8. REVISÃO DE CONHECIMENTOS
Com o propósito de proporcionar uma revisão de conhecimentos, apresenta-se
nesta secção, um conjunto diversificado de questões relativas aos principais aspetos
relacionados com a temática das engrenagens.

1. Apresente uma definição de engrenagem.

2. Compare a transmissão de movimento por engrenagem com um sistema alter-


nativo.

3. Liste cinco exemplos de aplicações das engrenagens.

4. Classifique a engrenagem da figura de baixo quanto à forma dos dentes e à


posição relativa dos eixos.

(a) (b) (c)


5. Classifique a engrenagem da figura de baixo quanto à forma dos dentes e à
posição relativa dos eixos.

(a) (b) (c)


6. Classifique a engrenagem da figura de baixo quanto à forma dos dentes e à
posição relativa dos eixos.

(a) (b)
7. Apresente duas vantagens e um inconveniente das engrenagens de dentado he-
licoidal face ao dentado reto.

1. ASPETOS GERAIS SOBRE ENGRENAGENS 39


8. Represente, em perspetiva, um setor dentado de uma roda cilíndrica de dentes
retos, indicando dez dos seus principais elementos relativos à notação básica.

9. Defina saliência de um dente.

10. Defina módulo de uma roda dentada.

11. Discuta a importância do módulo no funcionamento de uma engrenagem.

12. Quais são os principais parâmetros que definem e caraterizam uma roda den-
tada de uso corrente?

13. Para o mesmo diâmetro, explique a influência do módulo na quantidade e di-


mensão dos dentes de uma roda dentada.

14. Indique quais as principais curvas utilizadas na geração de perfis de dentes.

15. Apresente dois inconvenientes associados ao uso de rodas com dentado cicloi-
dal.

16. Apresente três vantagens do dentado em evolvente de círculo quando compa-


rado com o dentado cicloidal.

17. Descreva o procedimento gráfico que permite obter uma curva evolvente de
círculo.

18. Faça a representação, e respetiva legenda, da linha de engrenamento de uma


engrenagem cilíndrica exterior de dentes retos.

19. Estabeleça a relação matemática entre o diâmetro primitivo e o diâmetro de


base.

20. Qual é o efeito do aumento do entre-eixo no ângulo de pressão numa engrena-


gem de dentado em evolvente de círculo?

21. Descreva o princípio fundamental do engrenamento.

22. Defina relação de transmissão de uma engrenagem.

23. Explique o conceito de ângulo de pressão.

24. Quais os valores mais frequentemente utilizados para o ângulo de pressão?

25. Diga o que entende por perfis conjugados.


40 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


1.9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Antunes, F. (2012) Mecânica Aplicada - Uma abordagem prática. Lidel.
Branco, C.M., Ferreira, J.M., da Costa, J.D., Ribeiro, A.S. (2009) Projecto de Órgãos de
Máquinas. 2ª Edição, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa.
Budynas, R.G., Nisbett, J.K. (2011) Elementos de Máquinas de Shigley. 8ª edição McGraw-
Hill, Brasil.
Cunha, L.V. (2008) Desenho Técnico. 14ª Edição. Fundação Calouste Gulbenkian.
Denkena, B., Köhler, J., Schindler, A., Woiwode, S. (2014) Continuous generating grinding -
Material engagement in gear tooth root machining. Mechanism and Machine Theory,
81, 11-20.
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Durley, R.J. (1903) Kinematics of Machines. John Wiley and Sons, New York.
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1. ASPETOS GERAIS SOBRE ENGRENAGENS 41


Cinemática e
Dinâmica de
Engrenagens
2. Engrenagens Cilíndri-
cas de Dentes Retos

Paulo Flores
José Gomes

Universidade do Minho
Escola de Engenharia

Guimarães 2014
ÍNDICE

2. Engrenagens Cilíndricas de Dentes Retos ................................................. 1

2.1. Introdução ................................................................................................ 1


2.2. Relações Geométricas ............................................................................. 3
2.3. Continuidade do Engrenamento ............................................................ 10
2.4. Relação de Condução ............................................................................ 15
2.5. Escorregamento ..................................................................................... 20
2.6. Rendimento............................................................................................ 31
2.7. Interferências ......................................................................................... 36
2.8. Revisão de Conhecimentos ................................................................... 42
2.9. Referências Bibliográficas .................................................................... 44
O homem só pode aprender a partir do que já sabe.
Aristóteles

2. ENGRENAGENS CILÍNDRICAS DE DENTES RETOS

2.1. INTRODUÇÃO
No presente texto são apresentados conceitos e fundamentos relativos à carateri-
zação e ao desempenho de engrenagens cilíndricas de dentes retos, os quais servem
também de base no estudo de engrenagens de dentes inclinados, engrenagens cónicas
e engrenagens do tipo parafuso sem-fim. Na realidade, esta é a abordagem mais fre-
quentemente adotada nos principais livros de texto sobre a temática das engrenagens
(Juvinall e Marshek, 2006; Branco et al., 2009; Budynas e Nisbett, 2011).
A figura 2.1 mostra duas engrenagens1 cilíndricas de dentes retos, a qual serve
fundamentalmente para evidenciar a forma dos dentes, bem como o modo de engre-
namento entre cada par de rodas. As engrenagens cilíndricas de dentes retos podem
ser exteriores ou interiores, como ilustra também a figura 2.1 (Wilson e Sadler,
1993). É indubitável que as engrenagens cilíndricas de dentado reto são as mais fre-
quentemente utilizadas em máquinas e mecanismos quando se pretende transmitir
movimento entre eixos paralelos. Algumas das razões que concorrem para a sua po-
pularidade prendem-se com a simplicidade e facilidade associadas às atividades de
projeto, fabrico, montagem e manutenção (Flores e Gomes, 2014). Este tipo de en-
grenagem apresenta rendimentos elevados (até 99%), possibilita a obtenção de rela-
ções de transmissão elevadas (8:1) e transmite potências elevadas (Niemann, 1971).

(a) (b)
Figura 2.1 – (a) Engrenagem cilíndrica exterior de dentes retos;
(b) Engrenagem cilíndrica interior de dentes retos.

A expressão transmissão de potência em engrenagens está associada à lei da con-


servação de energia dos sistemas mecânicos (Greenwood, 1965). Em teoria, toda a
potência é transmitida da roda motora para a roda movida, uma vez que não há per-
das de energia. Este facto é verdadeiro se se admitir que o contacto entre os dentes de
uma e outra roda acontece com movimento de rolamento puro (Flores e Claro, 2007).
Na prática, o que se pretende é que as engrenagens transmitam um determinado mo-
mento (ou binário), o qual está relacionado com a capacidade de realizar trabalho. Na
realidade, a maioria das engrenagens funciona como sistema redutor, uma vez que os
sistemas de acionamento geram grandes velocidades de rotação, tal como acontece,
por exemplo, nos motores de combustão interna (Norton, 2013).
1
Deve relembrar-se que uma engrenagem é um sistema de transmissão de movimento constituído
por duas rodas dentadas (Henriot, 1979).

2. ENGRENAGENS CILÍNDRICAS DE DENTES RETOS 1


Um dos principais parâmetros caraterísticos do desempenho das engrenagens é o
ângulo de pressão2 (Flores, 2009). Este parâmetro é normalizado e assume, em geral,
o valor de 20º. Quando assim acontece numa engrenagem, o dentado é denominado
de dentado normalizado3 (Branco et al., 2009). Doravante, quando se utilizar a ex-
pressão dentado normalizado está automaticamente a referir-se a um dentado em que
o ângulo de pressão é igual a 20º. Nos Estados Unidos da América é frequente consi-
derar-se um valor de 25º para o ângulo de pressão. No passado o valor de 14,5º era
bastante utilizado, mas tem vindo a cair em desuso. A figura 2.2 mostra o efeito do
valor do ângulo de pressão no perfil dos dentes (Juvinall e Marshek, 2006).

(a) (b) (c)


Figura 2.2 – Efeito do ângulo de pressão no perfil do dente: (a) 14,5º; (b) 20º; (c) 25º.

Um outro aspeto fundamental nas engrenagens prende-se com a qualidade dos


dentes (Cunha, 2008). Com efeito, definem-se as seguintes qualidades em função da
aplicação:
- 01 a 04, engrenagens de precisão para aplicação em laboratórios,
- 05, engrenagens para máquinas operadoras e instrumentos de medida,
- 06 e 07, engrenagens para a indústria automóvel,
- 08 e 09, engrenagens para utilização corrente em mecânica,
- 10 a 12, engrenagens para alfaias agrícolas.
A velocidade periférica condiciona também a escolha da qualidade dos dentes, tal
como se apresenta na tabela 2.1.

Tabela 2.1 – Qualidade dos dentes em engrenagens em função da velocidade periférica.


Velocidade periférica Qualidade
(m/s) dos dentes
Até 2 11 a 12
2a3 10 a 11
3a4 9 a 10
4a5 8 a 10
5 a 10 7a9
10 a 15 6a7
Mais de 15 6

2
Ângulo de pressão é o ângulo formado pela linha de ação ou de engrenamento com a direção tan-
gente às circunferências primitivas no ponto primitivo (Henriot, 1979).
3
Ao dentado normalizado está sempre associado um ângulo de pressão igual a 20º. Dentado normal,
por seu lado, diz respeito a um dentado que não foi corrigido (Branco et al., 2009).

2 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


2.2. RELAÇÕES GEOMÉTRICAS
Nesta secção são apresentadas as principais relações geométricas e proporções dos
dentes para o caso de engrenagens cilíndricas de dentado reto, algumas das quais
estão representadas na figura 2.3 (Flores e Gomes, 2014).

ha

e
hf
s 
h

df d da

Figura 2.3 – Principais elementos geométricos e proporções dos dentes de uma roda
dentada cilíndrica exterior de dentado reto normal.

É sabido que o módulo e o número de dentes definem completamente uma roda


dentada normal (Shigley e Mischke, 1989). O produto destas duas quantidades resul-
ta no diâmetro primitivo da roda, ou seja,
d  mz (2.1)
em que m representa o módulo e z é o número de dentes.
A saliência e a reentrância de um dente relacionam-se com o módulo da seguinte
forma (Henriot, 1979)
ha  m (2.2)
h f  1,25m (2.3)
Logo, a altura total do dente é dada pela soma da saliência com a reentrância, isto é,
h  ha  h f  2,25m (2.4)
Por seu lado, o diâmetro de coroa da roda é calculado do seguinte modo
d a  d  2ha  d  2m (2.5)
Atendendo agora à definição de módulo, utilizando a equação (2.1), então o diâmetro
de coroa pode também ser calculado recorrendo à seguinte expressão
d a  d  2m  mz  2m  m( z  2) (2.6)
De modo análogo, o diâmetro de raiz da roda é definido como
d f  d  2h f (2.7)
Da substituição da equação (2.3) na equação (2.7) resulta que
d f  d  2,5m (2.8)

2. ENGRENAGENS CILÍNDRICAS DE DENTES RETOS 3


Considerando agora a equação (2.1), então a equação (2.8) pode ser reescrita da se-
guinte forma
d f  mz  2,5m  m( z  2,5) (2.9)
Com efeito, os diâmetros de coroa e de raiz de uma roda dentada de dente reto
normal podem ser relacionados entre si do seguinte modo
da  d f  2h (2.10)
Se se considerar a inexistência de qualquer folga entre os dentes, então o passo
pode ser medido pela soma da espessura do dente com o intervalo do dente, ou seja,
p  se (2.11)
donde, atendendo à definição de passo, a espessura e o intervalo do dente podem ser
calculados do seguinte modo
p πm
se  (2.12)
2 2

g
s
s

Figura 2.4 – Representação da folga entre dentes e da folga da raiz.

A figura 2.4 mostra as folgas que existem, na prática, nas engrenagens cilíndricas.
A folga entre os dentes pode estar associada ao afastamento (propositado ou não) dos
centros de rotação das rodas ou à diminuição da espessura do dente em relação aos
valores normalizados. Este tipo de folga pode ser não só necessário, como também
desejável, já que facilita a lubrificação e possibilita a dilatação dos dentes devido a
efeitos térmicos (Drago, 1988). Caso assim não fosse, as engrenagens tenderiam a
bloquear ou, pelo menos, a funcionar em condições pouco aceitáveis. As figuras 2.4
e 2.5 mostram, respetivamente, a existência da folga entre os dentes devido à diminu-
ição da espessura dos dentes e ao aumento do entre-eixo. Deve referir-se que a folga
entre os dentes é medida na direção da linha de ação.
Na prática, a folga entre os dentes depende do grau de precisão com que os dentes
das rodas são produzidos. Assim, diferentes cenários podem ser distinguidos, nome-
adamente (Budynas e Nisbett, 2011):
g 0 (engrenagens de muito elevada precisão) (2.13)
1 39
0 g  p, s  p (engrenagens de precisão) (2.14)
40 80

4 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


1 1 39 19
pg p, ps p (engrenagens correntes) (2.15)
40 20 80 40
1 19
g p, s  p (engrenagens obtidas por fundição) (2.16)
20 40
Com efeito, a folga no entredente é expressa por (Henriot, 1979)
g  p  2s (2.17)

a

Figura 2.5 – Representação da folga existente entre dois dentes originada


pelo aumento de entre-eixo.

A folga na raiz é necessária para evitar que a superfície de coroa de uma roda e a
superfície de raiz da roda que com ela engrena entrem em contacto. Para o efeito, as
recomendações para a folga na raiz sugerem a seguinte relação (Henriot, 1979)
j  h f  ha  1,25m  m  0,25m (2.18)
No que concerne ao raio de concordância da raiz dos dentes não existem reco-
mendações relevantes. Todavia, é boa prática que aquele raio seja proporcional ao
módulo da seguinte forma (Juvinall e Marshek, 2006)
1
 m (2.19)
3

2. ENGRENAGENS CILÍNDRICAS DE DENTES RETOS 5


É evidente que a largura dos dentes é uma das principais variáveis de projeto de
engrenagens, que está diretamente relacionada com a própria resistência dos dentes.
Apesar de não existirem indicações das normas internacionais, a largura dos dentes
deverá estar compreendida no seguinte intervalo (Juvinall e Marshek, 2006)
9m  b  14m (2.20)
Considerando agora uma engrenagem cilíndrica exterior de dentado reto normal,
representada na figura 2.6 pelas circunferências primitivas, então a distância entre os
eixos das rodas pode ser calculada como
d1  d 2
a (2.21)
2
em que os índices 1 e 2 se referem, respetivamente, ao pinhão (ou carreto) e à roda
(ou coroa). Utilizando agora a expressão (2.1), a equação (2.21) pode ser reescrita do
seguinte modo4
mz1  mz2 z z
a m 1 2 (2.22)
2 2

C1
1
r1

I
v1 v2 a

r2

2

C2

Figura 2.6 – Engrenagem cilíndrica exterior representada pelas circunferências primitivas.

Ainda na figura 2.6 está representada a velocidade do ponto primitivo, o qual per-
tence quer ao pinhão, quer à roda. Atendendo a que este ponto é um centro instantâ-
neo de rotação, então pode escrever-se a seguinte igualdade
v1  v2  1r1  2 r2 (2.23)
em que 1 e 2 são as velocidades angulares do pinhão e da roda, respetivamente.
Assim, atendendo à definição de relação de transmissão, pode escrever-se que
1 r2 d 2
i   (2.24)
2 r1 d1

4
Deve relembrar-se que o engrenamento entre duas rodas dentadas só é possível se estas tiverem o
mesmo módulo (Flores e Gomes, 2014).

6 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


Esta equação pode assumir a seguinte forma, utilizando para tal a equação (2.1)
d 2 mz2 z2
i   (2.25)
d1 mz1 z1
A equação (2.25) materializa a relação de transmissão de uma engrenagem, tam-
bém denominada de vantagem mecânica5 (ou ganho mecânico), uma vez que pode
traduzir a ideia de multiplicação de força (Antunes, 2012).
À guisa de conclusão genérica, deve referir-se que todas as dimensões das rodas e
proporções dos dentes podem ser expressas em função, única e exclusivamente, do
módulo e do número de dentes. A tabela 2.2 resume os principais parâmetros anteri-
ormente apresentados.

Tabela 2.2 – Principais relações geométricas e proporções dos dentes para engrenagens
cilíndricas exteriores de dentado reto normal.
Parâmetro Expressão
Diâmetro primitivo d  mz
Saliência ha  m
Reentrância h f  1,25m
Altura do dente h  2,25m
Diâmetro de coroa d a  m( z  2)
Diâmetro de raiz d f  m( z  2,5)
z1  z 2
Entre-eixo am
2
z2
Relação de transmissão i
z1

Exercício 2.1
Enunciado: Considere uma engrenagem cilíndrica exterior de dentado reto normali-
zado, em que o pinhão e a coroa têm, respetivamente, 19 e 76 dentes. Atendendo a
que o módulo é igual a 3 mm, calcule os seguintes parâmetros geométricos para o
pinhão: (i) saliência, (ii) reentrância, (iii) altura do dente, (iv) diâmetro primitivo, (v)
diâmetro de coroa e (vi) diâmetro de raiz. Represente graficamente os parâmetros
anteriormente calculados (Wilson e Sadler, 1993).

Padrão de resposta esperado:


ha = m = 3 mm
hf = 1,25m = 3,75 mm
h = 2,25m = 6,75 mm
d = mz1 = 57 mm
da = m(z1+2) = 63 mm
df = m(z1–2,25) = 49,5 mm
A figura 2.7 diz respeito à representação gráfica dos parâmetros geométricos previa-
mente determinados.

5
Vantagem mecânica pode ser definida como o quociente entre força/ação desenvolvida num siste-
ma mecânico e a força/ação que é aplicada no mesmo sistema. Nas engrenagens a vantagem mecâ-
nica está diretamente relacionada com a razão entre os binários de saída e de entrada (Beer e
Johnston, 1991).

2. ENGRENAGENS CILÍNDRICAS DE DENTES RETOS 7


3
3,75
6,
75

49

57

63
,5

Figura 2.7 – Representação gráfica dos parâmetros geométricos calculados


no âmbito do exercício de aplicação 2.1.

Na figura 2.8 encontra-se representada uma engrenagem paralela interior de den-


tes retos, em que tanto o pinhão como a roda têm o eixo de rotação do mesmo lado
relativamente à localização do ponto primitivo. Donde se pode inferir que no caso da
roda, a posição das circunferências de coroa e de raiz estão invertidas quando compa-
radas com uma engrenagem cilíndrica exterior. Assim, a circunferência de coroa está
situada interiormente em relação à circunferência primitiva. O mesmo acontece com
a circunferência de base (Hamrock et al., 2005). Tal como sucede nas engrenagens
cilíndricas exteriores, nos engrenamentos interiores a alteração do entre-eixo não tem
consequências nos diâmetros de base do pinhão e da roda. Na verdade, as circunfe-
rências de base são o elemento fulcral na geração dos perfis dos dentes em evolvente
(Henriot, 1979). Com efeito, por exemplo, o aumento do entre-eixo origina um au-
mento do ângulo de pressão e uma diminuição da extensão da linha de engrenamen-
to. Acresce ainda o facto de que os perfis dos dentes assim engrenados continuarem a
ser conjugados6 (Juvinall e Marshek, 2006).
Circunferência primitiva Circunferência de raiz

F

2

1

C1
Cb1 O1

Circunferência de base
Circunferência de coroa
Figura 2.8 – Engrenagem cilíndrica interior de dentes retos.
6
Os perfis dos dentes denominam-se conjugados quando existe tangência entre as superfícies de dois
dentes de duas rodas engrenadas (Spotts e Shoup, 1998).

8 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


A tabela 2.3 contém as principais relações geométricas e proporções dos dentes
para uma engrenagem cilíndrica interior de dentado reto normal. Deve notar-se que
todos os parâmetros aqui apresentados são expressos apenas em função do módulo
da engrenagem e do número de dentes das rodas.

Tabela 2.3 – Principais relações geométricas e proporções dos dentes para engrenagens
cilíndricas interiores de dentado reto normal.
Parâmetro Expressão
Diâmetro primitivo d  mz
Saliência ha  m
Reentrância h f  1,25m
Altura do dente h  2,25m
Diâmetro de coroa do pinhão d a1  m( z1  2)
Diâmetro de coroa da roda d a 2  m( z2  2)
Diâmetro de raiz do pinhão d f 1  m( z1  2,5)
Diâmetro de raiz da roda d f 2  m( z 2  2,5)
z 2  z1
Entre-eixo am
2
z2
Relação de transmissão i
z1

2. ENGRENAGENS CILÍNDRICAS DE DENTES RETOS 9


2.3. CONTINUIDADE DO ENGRENAMENTO
A continuidade do engrenamento diz respeito à quantidade7 de pares de dentes
que está engrenada em simultâneo durante funcionamento de uma engrenagem. As-
sim, para que o engrenamento de duas rodas aconteça em boas condições, do ponto
de vista da continuidade do engrenamento, é necessário que pelo menos um par de
dentes esteja engrenado durante a transmissão do movimento (Spotts e Shoup, 1998;
Budynas e Nisbett, 2011). Por outras palavras, pode dizer-se que existe continuidade
do engrenamento quando um par de dentes termina o seu engrenamento só após o par
de dentes seguinte ter já iniciado o contacto. A situação limite, em que há apenas e só
um par de dentes em contacto, está representada na figura 2.9 (Branco et al., 2009).
Este assunto será estudado mais detalhadamente na secção subsequente.

B
I

Figura 2.9 – Engrenamento em que apenas há contacto num par de dentes, o qual garante,
teoricamente, a continuidade do engrenamento.

É sabido que no caso de engrenagens paralelas de dentes gerados em evolvente de


círculo, a linha de ação8 ou linha de engrenamento é um segmento de reta, tal como
se ilustra na figura 2.10 (Shigley e Mischke, 1989). No âmbito do presente texto ad-
mite-se que o pinhão ou carreto é a roda motora, enquanto a coroa é a roda movida.
Deve ainda relembrar-se aqui que a linha de engrenamento é sempre tangente às cir-
cunferências de base das duas rodas, passa pelo ponto primitivo e faz um ângulo 
(ângulo de pressão) com a linha tangente às circunferências primitivas (Henriot,
1979; Branco et al., 2009; Norton, 2013).

7
É evidente que cada dente de uma roda dentada está engrenado apenas uma vez em cada rotação
completa da roda. Este aspeto é fundamental no estabelecimento do número mínimo de dentes que
uma roda dentada deve ter (Henriot, 1979).
8
A linha de ação ou linha de engrenamento é, por definição, a linha que une as sucessivas posições
do ponto de contacto de uma engrenagem (Flores e Gomes, 2014).

10 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


O2

2

rb2

Cf2  r2
Cb2
C2 F
Ca2


B
D
I
L M
C
A

Ca1
E C1
Cb1
Cf1
r1

rb1

1

O1

Figura 2.10 – Representação da linha de ação ou linha de engrenamento de uma


engrenagem cilíndrica exterior de dentado reto normal.

Observando a figura 2.10, pode afirmar-se que o engrenamento entre dois dentes
se inicia quando a circunferência de coroa da roda movida interseta a linha de ação.
Este ponto é representado pela letra C na figura 2.10. Neste mesmo instante, o ponto
em que o perfil do dente do pinhão interseta a circunferência primitiva é materializa-
do pelo símbolo L. De modo análogo, o engrenamento termina quando a circunferên-
cia de coroa da roda motora interseta a linha de ação. Este ponto é representado pela
letra D na figura 2.10. Neste mesmo instante, o ponto em que o perfil do dente do
pinhão interseta a circunferência primitiva é materializado pelo símbolo M. À distân-
cia entre os pontos de início e término do engrenamento (segmento CD), chama-se
comprimento de condução ou comprimento de ação (Budynas e Nisbett, 2011). Con-
clui-se, portanto, que o engrenamento entre um par de dentes está, em geral, compre-
endido entre os pontos A e B que definem a linha de engrenamento.
Os ângulos 1 e 2 representados na figura 2.11 denominam-se de ângulos de con-
dução ou ângulos de ação das rodas motora e movida, respetivamente. Por seu lado,
os ângulos 1 e 2 representam os ângulos de aproximação das rodas motora e movi-
da, e dizem respeito à amplitude de rotação de cada uma das rodas desde o início do
contacto, até ao instante em que o ponto de contacto ocorre no ponto primitivo. Do

2. ENGRENAGENS CILÍNDRICAS DE DENTES RETOS 11


mesmo modo, os ângulos 1 e 2 dizem respeito aos ângulos de afastamento das rodas
motora e movida, respetivamente. Estes ângulos representam a amplitude de rotação
das rodas desde o instante correspondente ao ponto primitivo até que o ponto de en-
grenamento entre os dentes atinge o término do contacto (ponto D). É, pois, evidente,
por definição e pela observação da figura 2.11 que
1  1   1 (2.26)
 2  2   2 (2.27)
A figura 2.11 refere-se a três posições sucessivas de um par dentes engrenados.
Da análise desta figura pode dizer-se que o engrenamento se inicia no ponto C, isto é,
quando a ponta do dente da roda movida contacta com o flanco do dente da roda mo-
tora. O engrenamento termina no ponto D, ou seja, quando a ponta do dente da roda
motora deixa de estar em contacto com o flanco do dente da roda movida. Durante o
engrenamento, podem ser distinguidas duas fases, a saber (Henriot, 1979):
- Fase ou período de aproximação, representada pelo segmento de reta CI ou pelo
arco de circunferência LI,
- Fase ou período de afastamento, representada pelo segmento de reta ID ou pelo
arco de circunferência IM.

O2

2

rb2


Cf2 r2
Cb2 2 2 F
C2
Ca2 2


B
D
I
L M
C
A

Ca1
E 1 C1
Cb1
1 1
Cf1
r1

rb1

1

O1
Figura 2.11 – Representação de três posições sucessivas de um par de dentes engrenado.

12 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


Então, na fase de aproximação pode escrever-se que
la  CI (comprimento de aproximação) (2.28)
la
aa  LI  (arco de aproximação) (2.29)
cos
Na obtenção do último membro da equação (2.29) utilizaram-se os conceitos de
amplitude de um arco ao centro, evolvente de um círculo e que o raio de base se rela-
ciona com o raio primitivo da seguinte forma (Flores e Gomes, 2014)
rb  r cos (2.30)
Por seu lado, na fase de afastamento tem-se que
l f  ID (comprimento de afastamento) (2.31)

lf
a f  IM  (arco de afastamento) (2.32)
cos
Com efeito, a duração do engrenamento pode ser definida como a soma das parce-
las correspondentes às fases de aproximação e de afastamento, ou seja
l  la  l f  CD (comprimento de condução) (2.33)

l
a  aa  a f  LM  (arco de condução) (2.34)
cos
Deste modo, para que haja continuidade do engrenamento é necessário que se ve-
rifique a seguinte condição (Henriot, 1979)
l  pn ou a p (2.35)
em que pn representa o passo normal9 e p é o passo primitivo10.
Define-se relação de condução, ou razão de condução, como sendo o quociente
entre o arco de condução11 e o passo, ou seja (Budynas e Nisbett, 2011)
a l
  (2.36)
p πm cos
A equação (2.36) permite determinar o número médio de pares de dentes em con-
tacto durante o engrenamento. Para a situação de engrenamento representada na figu-
ra 2.9, a relação de condução é igual à unidade, significando que um dente e o entre-
dente ocupam completamente o arco de condução LM. Por outras palavras, quando
um par de dentes está a iniciar o contacto no ponto A, o par de dentes anterior está,
no mesmo instante, a terminar o contacto no ponto B. Note-se que nesta situação
particular, os pontos A e C, bem como os pontos B e D, são coincidentes. Na prática,

9
Passo normal é a distância que separa dois flancos homólogos consecutivos. Trata-se, portanto, de
um segmento de reta (Flores e Gomes, 2014).
10
Passo primitivo ou passo é, por definição, o comprimento do arco da circunferência primitiva com-
preendido entre dois flancos homólogos e consecutivos (Henriot, 1979).
11
O arco de condução é, por vezes, denominado de arco de ação ou arco de engrenamento (Wilson e
Sadler, 1993).

2. ENGRENAGENS CILÍNDRICAS DE DENTES RETOS 13


o projeto e desempenho de engrenagens requer que o valor da relação de condução
esteja situado entre 1,2 e 1,6, de modo a garantir a continuidade do engrenamento,
evitar choques entre os dentes e minimizar o ruído (Henriot, 1979; Wilson e Sadler,
1993). Valores muito elevados de  são vantajosos em termos de continuidade, mas
podem causar dificuldades ao nível das inferências entre os dentes. É, portanto, ne-
cessário estabelecer um compromisso entre a continuidade do engrenamento e as
interferências de funcionamento (Branco et al., 2009).
O desgaste que sempre ocorre entre os componentes mecânicos que descrevem
movimento relativo, as tolerâncias de fabrico e de montagem, podem originar a di-
minuição da relação de condução, o que, por sua vez, poderá levar ao funcionamento
deficiente das engrenagens, traduzido por choques, ruído e avarias prematuras (Dra-
go, 1988). Por conseguinte, procura-se que a relação de condução seja sempre supe-
rior a 1,3, o que significa que quando um par de dentes inicia o contacto, o par de
dentes anterior ainda não alcançou o ponto D (cf. figura 2.11), havendo, portanto, um
período do engrenamento em que dois pares de dentes estão em contacto, um na vi-
zinhança do ponto C e outro na vizinhança do ponto D.
Finalmente, deve referir-se que no caso mais geral, a relação de condução é cons-
tituída por duas componentes, uma radial e outra axial. A relação de condução total
é, pois, igual à soma destas duas parcelas, ou seja (Juvinall e Marshek, 2006)
   radial   axial (2.37)
É evidente que a componente axial apenas existe em engrenagens com dentes in-
clinados (ou helicoidais) e com dentes em espiral.

14 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


2.4. RELAÇÃO DE CONDUÇÃO
Nesta secção é desenvolvida uma expressão geral que permite determinar o valor
da relação de condução para o caso de engrenagens cilíndricas de dentado reto nor-
mal. Para o efeito, considere-se a figura 2.12 onde se representa um engrenamento
deste tipo de engrenagem (Branco et al., 2009; Norton, 2013).

O2

2

Cf2
Cb2
C2 F
Ca2


B
I lf D
L aa af M
la
C
A

Ca1
E 1 C1
Cb1
1 1
Cf1

1

O1

Figura 2.12 – Representação dos arcos e dos comprimentos de aproximação e de


afastamento numa engrenagem cilíndrica exterior de dentado reto.

Tal como foi apresentado na secção anterior, a definição de relação de condução


pode ser escrita do seguinte modo (Budynas e Nisbett, 2011)
a
 (2.38)
p
em que a representa o arco de condução e p é o passo da engrenagem. O arco de
condução é igual à soma do arco de aproximação com o arco de afastamento, ou seja,
a  aa  a f  LI  IM (2.39)

2. ENGRENAGENS CILÍNDRICAS DE DENTES RETOS 15


Atendendo ao conceito de amplitude de um arco ao centro, então os arcos de
aproximação e de afastamento podem ser definidos da seguinte forma
aa  LI  r11 (2.40)
a f  IM  r1 1 (2.41)

onde r1 representa o raio primitivo do pinhão, e 1 e 1 são, respetivamente, os ângu-


los de aproximação e de afastamento, tal como se ilustra na figura 2.12.
Tendo presente o conceito de curva evolvente de um círculo, então da análise da
figura 2.12 os comprimentos de aproximação e de afastamento podem ser expressos
do seguinte modo
CI  rb11 (2.42)

ID  rb1 1 (2.43)
em que rb1 representa o raio de base do pinhão. Sabendo que a relação entre o raio de
base e o raio primitivo de uma roda dentada de dentes retos é dada pela equação
(2.30), então as equações (2.42) e (2.43) podem ser reescritas da seguinte forma
CI
1  (2.44)
r1 cos
ID
1  (2.45)
r1 cos
Substituindo agora as equações (2.44) e (2.45) nas equações (2.40) e (2.41), respe-
tivamente, resulta que
CI l
aa  LI   a (2.46)
cos cos
ID l
a f  IM   f (2.47)
cos cos
Atendendo à definição de passo, a equação (2.38) pode ser expressa como
a CI  ID CD
   (2.48)
p πm cos πm cos
em que o denominador pode ser designado como passo de base , ou seja,
pb  πm cos (2.49)
e que representa o passo medido na circunferência de base (Wilson e Sadler, 1993).
O comprimento de condução, necessário para determinar a relação de condução,
pode ser expresso da seguinte forma
CD  CI  ID (2.50)
em que
CI  CB  IB (2.51)
ID  AD  AI (2.52)

16 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


Em relação ao triângulo retângulo O2BC podem ser determinados os comprimen-
tos dos lados O2C e O2B, isto é
O2C  r2  ha 2 (2.53)
O2 B  r2 cos (2.54)
Aplicando agora o teorema de Pitágoras ao triângulo O2BC, resulta que

CB  O C   O B 
2
2
2
2
 r2  ha 2 2  r22 cos 2  (2.55)
Por outro lado, ainda da análise da figura 2.12, sabe-se que
IB  r2sen (2.56)
Logo, o comprimento de aproximação é dado pela seguinte expressão
la  CI  CB  IB  r2  ha 2 2  r22 cos2   r2sen (2.57)
De modo análogo, pode ser determinado o comprimento de afastamento. Assim,
do triângulo O1AD, podem ser calculados os comprimentos dos lados O1D e O1A,
O1D  r1  ha1 (2.58)
O1 A  r1 cos (2.59)
Da aplicação do teorema de Pitágoras ao triângulo retângulo O1AD vem que

AD  O D   O A
1
2
1
2
 r1  ha1 2  r12 cos 2  (2.60)
Agora, da observação da figura 2.12 conclui-se que
AI  r1sen (2.61)
Logo, o comprimento de afastamento é dado pela seguinte expressão
l f  ID  AD  AI  r1  ha1 2  r12 cos2   r1sen (2.62)
Com efeito, o comprimento de condução pode ser calculado combinando as equa-
ções (2.50), (2.57) e (2.62), resultando em

l  CD  r2  ha 2 2  r22 cos2   r2sen  r1  ha1 2  r12 cos2   r1sen (2.63)
Finalmente, a relação da condução expressa pela equação (2.48) pode ser reescrita
da seguinte forma

r2  ha 2 2  r22 cos2   r2sen  r1  ha1 2  r12 cos2   r1sen


 (2.64)
πm cos
Tendo em conta as relações geométricas e proporções dos dentes, anteriormente
estudadas, a equação (2.64) pode ser simplificada e expressa, única e exclusivamen-
te, em função do número de dentes e do ângulo de pressão, ou seja

1  z 22 z12 z z 
 sen 2  z 2  1  sen 2  z1  1  1 2 sen  (2.65)

π cos  4 4 2 

2. ENGRENAGENS CILÍNDRICAS DE DENTES RETOS 17


Da análise das equações (2.64) e (2.65) pode concluir-se que a continuidade do
engrenamento melhora (i.e., aumenta) quando:
- Aumentam as saliências dos dentes,
- Aumentam os diâmetros primitivos das rodas,
- Diminui o ângulo de pressão.
Deve ainda mencionar-se que as equações (2.64) e (2.65) são também válidas para
engrenagens cilíndricas interiores, sendo que no último caso se considera o sinal (–)
para z2 (Henriot, 1979). Neste tipo de engrenagem, a continuidade do engrenamento
melhora (i.e., aumenta) quando:
- Aumentam as saliências dos dentes,
- Aumenta o diâmetro primitivo do pinhão,
- Diminui o diâmetro primitivo da roda,
- Diminui o ângulo de pressão.
F

F/2

F
Cb2
F/2
C2
D B

Ca2 Q Ca1

P
C1
C

Cb1
A
E

Figura 2.13 – Evolução das forças de contacto nos dentes durante o engrenamento.

Tal como foi mencionado anteriormente, relações de condução mais elevadas são
benéficas, não só em termos de continuidade do engrenamento, mas também em ter-
mos da distribuição das forças de contacto entre as superfícies dos dentes (Branco et
al., 2009). Assim, a figura 2.13 diz respeito à evolução das forças de contacto12 ao
longo de engrenamento, para um par de dentes conjugados. Nesta representação ad-
mite-se que existem dois pares de dentes engrenados ao mesmo tempo durante os
períodos correspondentes aos comprimentos de condução CP e QD. Com efeito, du-
rante estes dois períodos, a força de contacto é distribuída pelos dois pares de dentes,
enquanto no período correspondente ao comprimento de condução PQ, a força é
apenas suportada por um par de dentes. Pode facilmente observa-se que o compri-
mento de condução PQ diminui com o aumento da relação de condução, o que é van-
tajoso em termos de distribuição das forças desenvolvidas durante o engrenamento.

12
A análise sobre a distribuição de forças aqui apresentada é algo simplista, na medida em que os
efeitos associados à deformação dos dentes e aos erros de fabrico/montagem são negligenciados.

18 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


Exercício 2.2
Enunciado: Considere uma engrenagem cilíndrica exterior de dentado reto normali-
zado, em que o pinhão e a coroa têm, respetivamente, 19 e 76 dentes. Atendendo a
que o módulo é igual a 3 mm, calcule a relação de condução da engrenagem. Comen-
te o resultado obtido.

Padrão de resposta esperado:


Utilizando a equação (2.65) e considerando os dados mencionados no enunciado,
isto é, z1 = 19, z2 = 76 e = 20º, resulta que a relação de condução é = 1,68. Pode,
pois, concluir-se que a engrenagem em estudo apresenta boa continuidade do engre-
namento, uma vez que, em média, há cerca de 1,68 dentes em contacto. Este valor
está claramente acima das indicações de projeto, isto é, >1,3.
Deve ainda referir-se que pelo facto do valor da relação de condução não ser de-
masiado elevado, não é expectável a existência de interferências de funcionamento.

2. ENGRENAGENS CILÍNDRICAS DE DENTES RETOS 19


2.5. ESCORREGAMENTO
Numa engrenagem, o movimento relativo entre as superfícies dos dentes do pi-
nhão e da roda, que acontece durante o engrenamento, não é do tipo rolamento puro.
Na verdade, à exceção do ponto primitivo, existe sempre um escorregamento associ-
ado à ação conjugada entre os perfis dos dentes. O engrenamento de dois perfis con-
jugados é, portanto, composto por um misto de rolamento e de escorregamento (Hen-
riot, 1979). Para melhor se compreender o que acaba de ser afirmado, considere-se a
figura 2.14, onde as velocidades periféricas de um ponto genérico, P, situado na linha
de engrenamento, estão representadas. Na mesma figura incluem-se também as pro-
jeções das velocidades periféricas nas direções definidas pela linha de engrenamento
e perpendicular a esta. Atente-se, desde já, que as projeções das velocidades do ponto
P na direção da linha de engrenamento são iguais, pois caso assim não acontecesse,
existiriam descontinuidades no engrenamento, as quais se materializariam em cho-
ques (Juvinall e Marshek, 2006). Da análise da figura 2.14 pode ainda inferir-se que
as velocidades do ponto P projetadas na direção perpendicular à linha de engrena-
mento são distintas. Estas últimas componentes das velocidades periféricas são res-
ponsáveis pelo escorregamento que existe no engrenamento de dois perfis conjuga-
dos para o caso de engrenagens cilíndricas exteriores. É evidente que a existência de
escorregamento nas engrenagens influencia o seu desempenho.

O1

1
~
~
F
vt1 vt2
C1
B
v1
D 
P
vr1
I v2

C2 vr2

A C
E
~
~

2

O2

Figura 2.14 – Representação das velocidades periféricas de um ponto genérico situado


na linha de engrenamento.

No engrenamento da figura 2.14 considera-se que a roda 2 é a roda motora e que a


roda 1 é a roda movida. A velocidade de escorregamento total é dada pela soma, em
valor absoluto, das velocidades de rolamento vr1 e vr2. Para o caso das engrenagens

20 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


paralelas, a velocidade de escorregamento pode ser calculada com referência ao pon-
to primitivo, o qual é, como se sabe, um centro instantâneo de rotação (Flores, 2012).
Assim, para o ponto P a velocidade de escorregamento é expressa do seguinte modo
vg   IP (2.66)

em que IP é a distância do ponto P ao ponto primitivo e | representa o módulo da


velocidade instantânea de rotação relativamente ao centro instantâneo de rotação (I),
a qual pode ser calculada do seguinte modo
  1  2 (para engrenagens exteriores) (2.67)

  1  2 (para engrenagens interiores) (2.68)

Da análise das equações (2.67) e (2.68) pode observar-se que no caso de engrena-
gens interiores, existe menos escorregamento uma vez que as duas rodas rodam no
mesmo sentido e, consequentemente, é menor o valor absoluto de  (Budynas e Nis-
bett, 2011). O sentido da velocidade linear de escorregamento depende diretamente
do sentido da velocidade instantânea de rotação, . Uma vez definido o sentido de
funcionamento de uma engrenagem exterior, verifica-se que  mantém, quer o mó-
dulo, quer a intensidade, durante o engrenamento. Com efeito, a velocidade de escor-
regamento, que varia linearmente, é (Henriot, 1979):
- Tangente aos perfis conjugados no ponto de contacto,
- Nula no ponto primitivo,
- Máxima no início e no fim do engrenamento, porém, com sentidos opostos.

O1

1 vg

~
~
F
vt1 vt2
C1
B
v1
D 
P
vr1
I v2

C2 vr2

A C
E
~
~

2

O2

Figura 2.15 – Variação da velocidade de escorregamento ao longo do comprimento


de condução numa engrenagem paralela exterior de dentes retos.

2. ENGRENAGENS CILÍNDRICAS DE DENTES RETOS 21


A figura 2.15 mostra a variação da velocidade de escorregamento ao longo do
comprimento de condução (Henriot, 1979). É por demais evidente que a variação da
velocidade de escorregamento tem consequências no desenvolvimento do desgaste
nas superfícies dos dentes e no rendimento das engrenagens, tal como se estudará
mais à frente no presente texto.

O1

1
~
~

F
C1 V2
V1
U2 V
U1
T2 U
S S1 S2 T1 T
R
C2 R 2 R1
Q
P Q2
Q1
P2
E P1

~
~

2

O2

Figura 2.16 – Variação do escorregamento entre dois perfis conjugados de


uma engrenagem cilíndrica exterior.

Na figura 2.16 representa-se o engrenamento entre o pinhão e a coroa de uma en-


grenagem cilíndrica exterior, em que o comprimento de condução está dividido em
seis partes iguais entre si. Estas seis divisões estão delimitadas pelos pontos P, Q, R,
S, T, U e V. Por sua vez, as divisões do comprimento de condução podem ser transfe-
ridas para os flancos dos dentes do pinhão e da coroa desenhando arcos de circunfe-
rência com centros em O1 e O2, respetivamente. Deste modo, obtêm-se os pontos
correspondentes a P, Q, …V, ou seja, P1, Q1, … V1 e P2, Q2, … V2, como se ilustra
na figura 2.16. Com efeito, atendendo às propriedades da linha de engrenamento, aos
pontos P, Q, … V correspondem os pontos de contacto entre os perfis dos dentes do
pinhão e da coroa nos pontos P1, Q1, … V1 e P2, Q2, … V2.
Atente-se agora a que os arcos P1Q1 e P2Q2 têm comprimentos consideravelmente
distintos. Este facto, significa que no mesmo período de engrenamento, o movimento
do ponto de contacto que descreve os arcos P1Q1 e P2Q2, respetivamente nos flancos
dos dentes do pinhão e da coroa, acontece com escorregamento relativo entre os per-
fis dos dentes (Henriot, 1979). A mesma análise é válida e óbvia para os demais ar-
cos representados nos perfis dos dentes do pinhão e da roda. Em suma, observa-se,
portanto, a existência de escorregamento durante o engrenamento de dois perfis con-
jugados (Branco et al., 2009).

22 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


A figura 2.17 diz respeito à representação gráfica dos arcos representados na figu-
ra 2.16, em que são evidentes as diferenças nos comprimentos dos respetivos seg-
mentos de reta. Verifica-se, uma vez mais, que o escorregamento é nulo no ponto
primitivo e que aquele aumenta à medida que o ponto de contacto se aproxima das
extremidades dos perfis dos dentes.

V2

U2
V1
T2
U1 Linha primitiva
T1
S2
R2 S1
Q2 R1
P2
Q1

P1

Coroa Pinhão

Figura 2.17 – Representação gráfica da evolução do escorregamento no pinhão e na coroa


correspondente à ilustração da figura 2.16.

Na figura 2.18 apresenta-se graficamente o escorregamento para o caso de uma


engrenagem cilíndrica interior em que foi seguida a mesma metodologia acima des-
crita para as engrenagens exteriores. Em jeito de observação geral, pode dizer-se que
as engrenagens interiores apresentam menos escorregamento que as engrenagens
exteriores e, por conseguinte, têm rendimentos superiores, tal como havia sido men-
cionado anteriormente.
O escorregamento absoluto ou total pode ser quantificado pelas diferenças dos ar-
cos dos perfis conjugados dos dentes do pinhão e da roda nos períodos de aproxima-
ção e de afastamento (Henriot, 1979; Branco et al., 2009). Assim, com referência à
figura 2.16 pode escrever-se que
g a  IP1  IP2 (escorregamento de aproximação) (2.69)

g f  IV2  IV1 (escorregamento de afastamento) (2.70)


Então, tem-se que o escorregamento total é dado por
g  ga  g f  IP1  IP2  IV2  IV1 (2.71)
Considere-se agora a figura 2.19 em que um ponto genérico, P, está localizado na
linha de engrenamento EF, o qual está a uma distância x do ponto primitivo. Assim,
durante um intervalo de tempo elementar dt, o ponto P desloca-se uma distância
elementar dx, enquanto as circunferências primitivas, que rolam sem escorregar, des-
crevem uma trajetória angular elementar ds, tal como se pode observar na figura
2.19. Da análise desta figura e atendendo a que as rodas rolam sem escorregar, pode
escrever-se a seguinte relação
dx  ds cos (2.72)

2. ENGRENAGENS CILÍNDRICAS DE DENTES RETOS 23


F
V1 V2
V
U1
U2 U
S1 T2
T1 T
S S2
C2 R1
R R2
Q2
C1 Q Q1 P2

P P1
~
E ~

2

O2

1

O1

V1
V2

U1 U2
Linha primitiva
T1 T2

S1 S2

R1 R2
Q1
P1 Q2
P2

Pinhão Coroa
Figura 2.18 – Escorregamento entre dois perfis conjugados de engrenagem interior.

Por seu lado, os arcos elementares descritos pelas circunstâncias primitivas podem
ser determinadas considerando que aquelas descrevem um movimento uniforme
d
ds  v1dt  1 1 dt (2.73)
2
d
ds  v2 dt  2 2 dt (2.74)
2
Combinando agora as equações (2.72), (2.73) e (2.74) obtêm-se as expressões
2
1dt  dx (2.75)
d1 cos
2
2 dt  dx (2.76)
d 2 cos

24 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


O1

1
~
~
d1
F
C1

P 
dx
I
ds

E C2

d2
~
~

2

O2
Figura 2.19 – Ponto genérico P situado sobre a linha de engrenamento para o caso de uma
engrenagem cilíndrica exterior que descreve um deslocamento elementar dx.

Por outro lado, considerando as equações (2.66) e (2.67), escorregamento elemen-


tar correspondente ao intervalo de tempo dt é dado por
dg  (1  2 ) x dt (2.77)
Da substituição das equações (2.75) e (2.76) na equação (2.77) resulta que
1 1  2x
dg     dx (2.78)
 d1 d 2  cos
Logo, o escorregamento total pode ser obtido integrando a equação (2.78) ao lon-
go de todo o comprimento de condução, em que se sabe que nos pontos C e D o valo-
re de x é la e lf, respetivamente. Com efeito, da equação (2.78) vem que
lf  1 1  l2  l2
g   dg     a f (2.79)
la
 d1 d 2  cos
onde o sinal (+) diz respeito às engrenagens exteriores e o sinal (–) se refere às en-
grenagens interiores.
O cálculo do escorregamento total é particularmente relevante na determinação do
rendimento das engrenagens (Drago, 1988). Todavia, o conhecimento do escorrega-
mento total não é de per si muito útil na caraterização da evolução do desgaste que
ocorre ao longo dos flancos dos dentes, uma vez que o escorregamento é distribuído
de modo bastante distinto no pinhão e na coroa. Aliás, como se pode atestar pela aná-
lise da figura 2.17. Pode facilmente observar-se que o desgaste é mais acentuado no
pinhão do que na roda, sendo que a diferença nos desgastes será tanto maior quanto

2. ENGRENAGENS CILÍNDRICAS DE DENTES RETOS 25


maior for a relação de transmissão, ou seja, quanto maior for o quociente entre o nú-
mero de dentes da coroa e o número de dentes do pinhão (Budynas e Nisbett, 2011).
Os pontos críticos do desgaste são os pontos correspondentes ao início e ao fim do
engrenamento (Branco et al., 2009). Este assunto será objeto de estudo detalhado nos
próximos parágrafos.
Com o intuito de mais facilmente se poderem relacionar os desgastes que ocorrem
ao longo dos perfis dos dentes do pinhão e da coroa, define-se uma grandeza adimen-
sional denominada de escorregamento específico (Henriot, 1979). O escorregamento
específico é, por definição, o quociente entre o escorregamento e o rolamento que se
verifica nos perfis conjugados. Assim, com referência à figura 2.17, durante o perío-
do de engrenamento que vai desde o ponto P até ao ponto Q, observa-se que
P1Q1  P2Q2
g s1  (2.80)
P1Q1

P1Q1  P2Q2
gs2  (2.81)
P2Q2
em que gs1 e gs2 se referem aos escorregamentos específicos do pinhão e da coroa,
respetivamente. Deve desde já aludir-se a que é relevante, do ponto de vista do proje-
to de engrenagens, minimizar os escorregamentos específicos (Branco et al., 2009).
Com referência à figura 2.20 observa-se que as velocidades de rolamento dos per-
fis dos dentes do pinhão e da coroa estão representadas por vr1 e vr2, respetivamente.
Os valores destas componentes das velocidades periféricas podem ser calculados do
seguinte modo (Wilson e Sadler, 1993)
vr1  1 AP (2.82)

vr 2  2 BP (2.83)
em que P é um ponto genérico que se considera como pertencente, ora ao pinhão, ora
à coroa. Assim, as velocidades de escorregamento específico entre os perfis dos den-
tes do pinhão e da coroa podem ser determinadas pela diferença entre as velocidades
de rolamento. Então, tem-se que
vg1  vr1  vr 2 (2.84)

vg 2  vr 2  vr1 (2.85)
onde vg1 é a velocidade de escorregamento do perfil do dente do pinhão relativamen-
te ao perfil do dente da coroa e, por sua vez, vg2 diz respeito à velocidade de escorre-
gamento do perfil do dente da coroa em relação ao perfil do dente do pinhão.
Com efeito, o escorregamento específico pode também ser estabelecido como
sendo o quociente entre a velocidade de escorregamento e a velocidade de rolamento,
ou seja (Branco et al., 2009)
vr1  vr 2 v
g s1   1 r2 (2.86)
vr1 vr1
vr1  vr 2 vr1
gs2   1 (2.87)
vr 2 vr 2

26 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


O2

2

C2
B v2 
P
I vr2 v1

A
vr1
E

1

C1
O1

Figura 2.20 – Representação das velocidades de rolamento de um ponto genérico


situado na linha de engrenamento.

Combinando as equações (2.86) e (2.87) pode estabelecer-se a seguinte relação


entre os escorregamentos específicos
gs2
g s1  (2.88)
1  gs2
Da análise das expressões (2.82), (2.83), (2.86) e (2.87) observa-se, aliás como se-
ria expectável, que no ponto primitivo os escorregamentos específicos são nulos. Por
seu lado, no ponto A (ponto de início do engrenamento) é nula a velocidade de rola-
mento vr1, pelo que, neste ponto o correspondente escorregamento específico tende
para infinito. Do mesmo modo, no ponto B (ponto de término do engrenamento) o
escorregamento específico gs2 tende para infinito. Observa-se também que os escor-
regamentos específicos gs1 e gs2 são iguais à unidade nos pontos B e A, respetivamen-
te. A figura 2.21 diz respeito à evolução dos escorregamentos específicos ao longo da
linha de engrenamento (Branco et al., 2009). Finalmente, deve referir-se que o des-
gaste dos perfis dos dentes será tanto maior quanto maior for o escorregamento espe-
cífico, sendo mais acentuado no pinhão. Verifica-se ainda que os pontos críticos cor-
respondentes ao início e fim do engrenamento (Drago, 1988; Budynas e Nisbett,
2011; Norton, 2013).

2. ENGRENAGENS CILÍNDRICAS DE DENTES RETOS 27


O2

2

~ +1
~
F
B

+1 vr1 vgs
I vgs
-vr2 vgs
C vr1
A vr1 vr2
E
vr2 vr2

gs2

gs1
1

O1

Figura 2.21 – Evolução dos escorregamentos específicos ao longo da linha de ação.

Tal como se referiu anteriormente, o escorregamento está diretamente relacionado


com o desgaste dos perfis dos dentes, pelo que o primeiro deve ser bem estudado e
minimizado para que o segundo seja equilibrado no pinhão e na coroa. Para minimi-
zar os escorregamentos específicos nas engrenagens, deve reduzir-se o comprimento
do arco de condução nas proximidades dos pontos A e B, que, como se sabe, repre-
sentam a tangência da linha de engrenamento com as circunferências de base. Esta
abordagem é particularmente relevante, pois, como foi estudado previamente, o es-
corregamento específico tende para infinito no início e fim do engrenamento (Henri-
ot, 1979; Branco et al., 2009).
Com o propósito de proporcionar durabilidades equivalentes para o pinhão e para
a coroa devem igualar-se os seus escorregamentos específicos. Todavia, do ponto de
vista prático, apenas se torna relevante e útil igualar os escorregamentos específicos
máximos, isto é
( g s1 )max  ( g s 2 ) max (2.89)
A determinação do escorregamento específico máximo pode ser feita utilizando
ábacos que permitem, de forma simples e expedita, conhecer o valor do escorrega-
mento em função dos principais parâmetros das rodas, nomeadamente, do número de
dentes das rodas, da saliência e do ângulo de pressão (Branco et al., 2009).

28 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


O2

2

~
~
F
B

D 
Ca1

Ca2 I

C vr1=1AD
A
E
vr2=2BC

lf

la

1

O1

Figura 2.22 – Representação das velocidades de rolamento ao longo da linha de


engrenamento no pinhão e na roda.

Os escorregamentos específicos máximos podem também ser determinados anali-


ticamente. Para o efeito, considere-se a figura 2.22 onde se representa um engrena-
mento entre o pinhão (1) e a coroa (2), bem como as respetivas velocidades de rola-
mento. Atendendo ao que foi apresentado anteriormente, verifica-se que o escorre-
gamento específico máximo (gs1)max ocorre no início do engrenamento, ou seja no
ponto C.
Assim, com referência à figura 2.22 pode escrever-se que
vr1  1 AC (2.90)

vr 2  2 BC (2.91)
em que
d1 d sen  2la
AC  AI  IC  sen  la  1 (2.92)
2 2
d2 d sen  2la
BC  IB  IC  sen  la  2 (2.93)
2 2

2. ENGRENAGENS CILÍNDRICAS DE DENTES RETOS 29


Com efeito, o valor máximo do escorregamento específico (gs1)max pode ser calcu-
lado combinando as equações (2.86), (2.90), (2.91), (2.92) e (2.93), resultando em
d 2sen  2la
 1 d sen  2la
g s1 max v
 1  r2  1  2

2

1 2 (2.94)
vr1 1 1
d sen 2l a i d1sen  2la
2
onde la representa o comprimento de aproximação, o qual pode ser determinado utili-
zando a equação (2.57).
De modo análogo, o valor máximo do escorregamento específico (gs2)max, que
ocorre no ponto D, é dado por
d1sen  2l f
g s 2 max  i 1 (2.95)
d 2sen  2l f
em que lf representa o comprimento de afastamento, o qual pode ser calculado utili-
zando a equação (2.62).
Da análise do que acaba de ser exposto, pode observar-se que, do ponto de vista
da minimização dos escorregamentos específicos, é vantajoso afastar a zona de con-
tacto dos perfis dos dentes o mais possível dos pontos A e B (cf. figura 2.22). Porém,
esta situação tem como consequência a redução da relação de condução. Um proce-
dimento que costuma ser considerado para igualar os escorregamentos específicos
máximos é o que se baseia na correção do dentado (Henriot, 1979; Branco et al.,
2009). Este assunto não será objeto de estudo no âmbito do presente documento.

Exercício 2.3
Enunciado: Considere uma engrenagem cilíndrica exterior de dentado reto normali-
zado, em que o pinhão e a coroa têm, respetivamente, 19 e 76 dentes. Atendendo a
que o módulo é igual a 3 mm, calcule os valores dos escorregamentos específicos
máximos. Comente o resultado obtido.

Padrão de resposta esperado:


Para o cálculo dos escorregamentos específicos máximos (gs1)max e (gs2)max utili-
zam-se as equações (2.94) e (2.95), respetivamente. Antes, porém, é necessário co-
nhecer os valores dos comprimentos de aproximação e de afastamento, ou seja, la e lf.
Para o efeito, são consideradas as expressões (2.57) e (2.62), resultando em
la = 8,05 mm
lf = 6,84 mm
Então, os escorregamentos específicos máximos resultantes são os seguintes
(gs1)max = –5,95
(gs2)max = 1,06
Atente-se a que os escorregamentos específicos máximos que se verificam no pinhão
e na roda são bastante desequilibrados. Na verdade, para dentados não corrigidos, o
desequilíbrio pode ser diminuído aumentado o ângulo de pressão. Por exemplo, se se
aumentar ângulo de pressão para 25º resultam valores mais equilibrados, isto é
(gs1)max = –1,58
(gs2)max = 0,71

30 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


2.6. RENDIMENTO
O rendimento de uma engrenagem pode ser estabelecido como o quociente entre o
trabalho útil e o trabalho disponível (Henriot, 1979)
Wu
 (2.96)
Wd
em que Wu diz respeito ao trabalho útil, ou seja, o trabalho que é efetivamente trans-
mitido pela engrenagem, sendo Wd o trabalho motor disponível na engrenagem, isto
é, o trabalho teórico ou total que existe na engrenagem. O trabalho útil é dado pela
diferença entre o trabalho disponível (Wd) e o trabalho dissipado por atrito (Wa) du-
rante o engrenamento, ou seja
Wu  Wd  Wa (2.97)

2 r2

Fr
N 
I
Ft
E

r1
1

Figura 2.23 – Forças que atuam numa engrenagem cilíndrica exterior de dentado reto.

Para calcular o trabalho disponível numa engrenagem cilíndrica exterior conside-


re-se a figura 2.23, onde se admite que a força transmitida entre os dentes atua na
direção da linha de engrenamento EF (Flores e Gomes, 2014). Ver-se-á mais à frente
no presente estudo que esta premissa não corresponde à realidade devido à existência
de atrito quando dois perfis conjugados de dentes engrenam um no outro (Niemann,
1971). Ainda na figura 2.23 estão representadas as componentes, radial e tangencial,
da força que o pinhão exerce na coroa. Como é evidente, apenas a componente tan-
gencial da força de contacto é responsável pela transmissão do movimento do pinhão
para a coroa. Deste modo, o trabalho13 motor disponível, que pode ser fornecido à
coroa, durante uma volta completa do pinhão, é dado por
13
O trabalho é, por definição, uma medida da energia transmitida por uma dada força (F), quando
esta efetua um determinado deslocamento (s). O trabalho é expresso do seguinte modo W=Fs.

2. ENGRENAGENS CILÍNDRICAS DE DENTES RETOS 31


Wd  Ft s  N cos α  d1 (2.98)
em que s representa o deslocamento efetuado pelo pinhão durante uma volta com-
pleta, ou seja, o perímetro d1. Na equação (2.98) N representa a magnitude da força
normal de contacto que atua nos dentes e  é o ângulo de pressão da engrenagem, tal
como é ilustrado na figura 2.23.
É sabido que na realidade, a presença do atrito entre os perfis conjugados dá ori-
gem a uma força de atrito que atua perpendicularmente à linha de engrenamento. Por
conseguinte, a força resultante que atua nas superfícies dos dentes não tem a mesma
direção da linha de engrenamento. A figura 2.24 mostra exatamente esta situação, em
que R representa a força resultante no contacto. Admite-se também que o pinhão (1)
é a roda motora.

O2

2
F
~
~
B

D 
Ca1
N
Ca2 I

C
A R

E
Fa

~
~
1

O1

Figura 2.24 – Representação das forças que atuam nos perfis conjugados quando se
considera a existência de atrito entre as superfícies dos dentes.

Atendendo à definição da lei de atrito seco de Coulomb, pode escrever-se a se-


guinte expressão para a força de atrito (Greenwood, 1965)
Fa   N (2.99)
onde  representa o coeficiente de atrito14 e N é a força que atua na direção normal
aos perfis conjugados, isto é, na direção da linha de engrenamento, tal como se ilus-
tra na figura 2.24. Com efeito, o trabalho dissipado por atrito num par de dentes em
contacto pode ser expresso do seguinte modo (Henriot, 1979)

14
O coeficiente de atrito é um parâmetro estatístico que pode ser obtido experimentalmente. Em
termos geométricos, o coeficiente de atrito pode ser definido como =tg, em que  é o ângulo de-
finido pelas forças resultante e normal, como se pode observar na figura 2.24.

32 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


Wa'  Fa s  Ng (2.100)
em que o deslocamento associado a este trabalho é o escorregamento total que ocorre
nos perfis conjugado de um par de dentes. É, pois, oportuno relembrar que na secção
anterior do presente texto se estudou o fenómeno do escorregamento nas suas várias
dimensões, verificando-se que o escorregamento total pode ser expresso por
 1 1  la  l f
2 2

g     (2.101)
 d1 d 2  cos
Na equação (2.101) os sinais (+) e (–) referem-se, respetivamente, a engrenamentos
exteriores e interiores. Por seu lado, os comprimentos de aproximação e de afasta-
mento, la e lf, foram também estudados previamente na secção dedicada à análise da
relação de condução. Assim, introduzindo as equações (2.101) na (2.100) resulta que
o trabalho dissipado por atrito nos perfis conjugados é expresso de seguinte modo
 1 1  la  l f
2 2

W  N   
'
  (2.102)
 d1 d 2  cos
a

Deve notar-se que a equação (2.102) apenas representa o trabalho dissipado por
atrito pelos perfis conjugados dos pares de dentes engrenados, a que corresponde o
comprimento de condução (l=la+lf). A questão fundamental que se deve agora colo-
car prende-se com a definição da quantidade de pares de dentes que está em contacto
durante cada volta completa do pinhão. Para o efeito, considere-se a representação da
figura 2.25, em que ao comprimento de condução se faz corresponder um arco de
circunferência com um comprimento equivalente situado sobre a circunferência de
base (Henriot, 1979).
Da análise da figura 2.25 observa-se que durante o período de engrenamento, que
vai desde o ponto C até ao ponto D, o pinhão descreve um ângulo  igual a
la  l f 2(la  l f )
  (2.103)
rb1 d1 cos
Então, o número total de períodos de engrenamento é dado por
2π 2π πd cos
nT  2πf    1 (2.104)
T 2(l a  l f ) la  l f
d1 cos
em que, por definição, a frequência (f) diz respeito ao número de ocorrências de um
evento num determinado intervalo de tempo. A frequência é também definida como
o inverso do período (T) (Beer e Johnston, 1991). Pode, portanto, dizer-se que a
equação (2.104) representa a quantidade de pares de perfis conjugados em contacto
durante uma volta completa do pinhão.
Logo, o trabalho dissipado por atrito (escorregamento) durante uma volta comple-
ta do pinhão é igual a
 1 1  la  l f πd1 cos
2 2

Wa  N    (2.105)
 d1 d 2  cos la  l f
ou seja

2. ENGRENAGENS CILÍNDRICAS DE DENTES RETOS 33


 1 1 l l
2 2

Wa  πN    a f d1 (2.106)
 d1 d 2  la  l f
Combinando agora as equações (2.97), (2.98) e (2.106) pode inferir-se que o tra-
balho útil, que é transmitido efetivamente pela engrenagem durante uma rotação
completa do pinhão, é dado por

 1 1 l l
2 2

Wu  N cos πd1  πN    a f d1 (2.107)


 d1 d 2  la  l f
Então, o rendimento de uma engrenagem cilíndrica de dentes retos (exterior ou in-
terior) pode ser definido do seguinte modo
Wd  Wa
 (2.108)
Wd

Introduzindo agora as respetivas expressões na equação (2.108), após breve trata-


mento matemático, resulta que

  1 1  la  l f
2 2

  1    (2.109)
cos  d1 d 2  la  l f

lf F

la
D 

C
A
E

r1

rb1

O1

Figura 2.25 – Representação do comprimento de condução e correspondente


arco sobre a circunferência de base.

34 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


Com o propósito de simplificar a equação (2.109) considere-se que
1 1 d 1 i 1 1 1
  2     (i  1)  (i  1) (2.110)
d1 d 2 d1d 2 d 2 d 2 d 2 d 2 mz2
e que, da equação (2.36), relativa ao estudo da continuidade do engrenamento, se
pode escrever a seguinte relação
la  l f   πm cos (2.111)
Com efeito, da substituição das equações (2.110) e (2.111) na equação (2.109) re-
sulta que
 la2  l 2f  (i  1)
 1 (2.112)
π z2 m2 cos2 
Da análise da equação (2.212) conclui-se que as engrenagens interiores apresen-
tam rendimentos superiores quando comparadas com as engrenagens exteriores. Por
outro lado, o rendimento de uma engrenagem diminui com o aumento do compri-
mento de condução, pelo que se deve ter um módulo o menor possível, sem, contudo,
desprezar a resistência dos dentes. Finalmente, deve dizer-se que os valores que re-
sultam da expressão (2.112) não entram em consideração com a deformação elástica
dos dentes, com o efeito da lubrificação, bem como possíveis erros associados ao
fabrico e à montagem (Henriot, 1979; Branco et al., 2009).

Exercício 2.4
Enunciado: Considere uma engrenagem cilíndrica exterior de dentado reto normali-
zado, em que o pinhão e a coroa têm, respetivamente, 19 e 76 dentes. Atendendo a
que o módulo é igual a 3 mm e que o coeficiente de atrito é de 0,05, determine o ren-
dimento da engrenagem. Comente o resultado obtido.

Padrão de resposta esperado:


Para a determinação do rendimento utiliza-se a equação (2.112). Para tal, é neces-
sário conhecer os valores dos comprimentos de aproximação e de afastamento (la e
lf), a relação de transmissão (i) e a relação de condução (). Para estes cálculos pré-
vios, são consideradas as expressões (2.57), (2.62), (2.25) e (2.65), respetivamente,
donde resulta que
la = 8,05 mm
lf = 6,84 mm
i=4
 = 1,68
Logo, o rendimento da engrenagem é
 = 99,13%
Refira-se que, tal como seria expectável, as engrenagens cilíndricas de dentes retos
apresentam valores de rendimento bastante elevados.

2. ENGRENAGENS CILÍNDRICAS DE DENTES RETOS 35


2.7. INTERFERÊNCIAS
Quando se projeta uma engrenagem com perfil dos dentes em evolvente de círculo
é expectável que os perfis conjugados dos pares de dentes em contacto sejam, pela
própria definição de perfis conjugados, continuamente tangentes (Shigley e Mischke,
1989). Na verdade, verifica-se que em determinadas situações, que têm a ver com a
configuração geométrica das rodas, os perfis dos dentes deixam de ser conjugados
por uma de duas razões (Mabie e Reinholtz, 1987):
- Os perfis dos dentes em contacto não são tangentes (ou não evolventes),
- Os flancos dos dentes em contacto têm a tendência para se interpenetrarem.
Quando uma destas situações ocorre diz-se que há interferências de funcionamento
(Henriot, 1979; Juvinall e Marshek, 2006; Norton, 2013). Quando tais circunstâncias
acontecem durante o talhe dos dentes, então as interferências denominam-se de inter-
ferências de talhe (Drago, 1988). É evidente que quando tal se verifica, os dentes
ficam mal talhados. No presente estudo, apenas se abordam as interferências de fun-
cionamento.

O2

Cf2
Cb2
C2
F

Ca2

D 
B
I

C
A
P
E
 Ca1
C1
Cb1
Cf1
1

O1

Figura 2.26 – Representação da interferência em engrenagens cilíndricas exteriores.

Para melhor compreensão do conceito e das implicações das interferências de


funcionamento, considere-se a figura 2.26, em que se representa o contacto entre um
par de dentes de uma engrenagem cilíndrica exterior de dentes retos (Mabie e Rei-
nholtz, 1987). Nesta representação, o pinhão (1) é a roda motora, cujo sentido de
rotação está indicado na figura 2.26. Ainda nesta figura estão representados os pon-
tos de tangência, pontos A e B, entre as circunferências de base e a linha de engrena-
mento. Da análise da figura 2.26 observa-se que os pontos de início e término de
engrenamento, pontos C e D, estão situados fora dos limites estabelecidos pelos pon-

36 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


tos de tangência. Este cenário configura, portanto, uma situação de interferência de
funcionamento, uma vez que a ponta da coroa contacta com o flanco do dente do
pinhão no ponto P, o qual está situado no interior da circunferência de base Cb1. Na
realidade, não é possível, por definição de evolvente de círculo, a existência de perfil
do dente evolvente no interior da circunferência de base (Mabie e Reinholtz, 1987;
Branco et al., 2009). Daqui pode inferir-se que as partes dos perfis dos dentes que se
situam no interior da circunferência de base não são conjugados (ditos perfis não
evolventes). Por isso, verifica-se que a ponta de coroa da roda interfere com a parte
do flanco dos dentes do pinhão próximo da raiz.
As interferências de funcionamento ocorrem quando a coroa dos dentes da roda
(elemento com maior número de dentes) contacta com os flancos dos dentes do pi-
nhão (elemento com menor número de dentes). O problema das interferências de
funcionamento agrava-se com o aumento do número de dentes da roda. Logo, pode
constatar-se que o pior cenário, em termos de interferências de funcionamento, diz
respeito à situação em que a roda tem um número infinito de dentes, ou seja, quando
se tem um engrenamento do tipo pinhão-cremalheira (Henriot, 1979; Mabie e Rei-
nholtz, 1987; Branco et al., 2009).
Uma das consequências associadas às interferências de funcionamento prende-se
com o bloqueio ou encravamento das engrenagens. Assim, no caso do engrenamento
ilustrado na figura 2.26, o seu funcionamento só poderia ocorrer se se afastassem os
centros das rodas e, deste modo, impusesse uma folga significativa que permitisse,
ainda que em condições deficientes15, o movimento entre o pinhão e a roda. Refira-
se, de novo, que os perfis dos dentes seriam conjugados apenas durante o período de
funcionamento relativo ao comprimento de condução, isto é, desde o ponto A até ao
ponto B. A restante parte do movimento far-se-ia em perfil não evolvente (Shigley e
Mischke, 1989; Budynas e Nisbett, 2011).

Ca1
C1

Cf1

O1

Figura 2.27 – Remoção da porção dos dentes tendo em vista a eliminação das interferências
de funcionamento em engrenagens cilíndricas exteriores.

15
Na realidade, as engrenagens que operam com folgas excessivas produzem elevados níveis de ruído
e choques, e originam um desgaste acelerado nas zonas em que os perfis não são conjugados.

2. ENGRENAGENS CILÍNDRICAS DE DENTES RETOS 37


O problema das interferências de funcionamento é total e automaticamente resol-
vido quando os dentes das rodas são talhados pelo processo de geração16, uma vez
que a ferramenta de corte remove a porção interferente do flanco de raiz do dente, tal
como se ilustra da figura 2.27. Todavia, com esta solução reduz-se a área da raiz do
dente e, por conseguinte, a resistência do dente (Mabie e Reinholtz, 1987). Deve,
portanto, ter-se cuidado para que a capacidade de carga dos dentes não seja demasia-
do penalizada quando se eliminam as interferências de funcionamento durante o talhe
dos dentes pelo processo acima referido. Com efeito, com o talhe dos dentes pelo
processo de geração obtém-se um flanco de dente em que uma parte é evolvente e
outra é trocoide17, sendo que neste último caso os perfis em contacto não são conju-
gados. Contudo, o problema das interferências de funcionamento é eliminado qual-
quer que seja o número de dentes das rodas que vão engrenar (Shigley e Mischke,
1989; Wilson e Sadler, 1993).
Embora pouco frequente do ponto de vista prático, outra solução que permite re-
solver o problema das interferências de funcionamento é a que se baseia no aumento
do número de dentes das rodas, mantendo a relação de transmissão. Esta opção não é
interessante uma vez que o aumento do número de dentes das rodas traz consigo
maior atravacamento, maior inércia, maior nível de ruído e engrenagens mais caras
(Budynas e Nisbett, 2011). Em termos do projeto de engrenagens, o problema das
interferências de funcionamento pode ser controlado com o aumento do ângulo de
pressão (Branco et al., 2009). Na verdade, o aumento do valor do ângulo de pressão
tem como consequência o aumento dos diâmetros de base e, concomitantemente, o
aumento do comprimento de condução. Com efeito, esta opção aumenta a parte dos
flancos dos dentes com perfil em evolvente. Todavia, o aumento do ângulo de pres-
são é prejudicial em termos da continuidade do engrenamento e capacidade de
transmissão de potência das engrenagens. Finalmente, o problema das interferências
de funcionamento pode ser minimizado fazendo a correção do dentado, nomeada-
mente pela redução da saliência dos dentes (Henriot, 1979). O tema da correção do
dentado está fora dos objetivos do presente texto, pelo que não será apresentado.
Em suma, para que não haja interferências de funcionamento num par de rodas
engrenadas, as saliências dos dentes devem ter um valor de modo a que o compri-
mento de condução (segmento CD) seja igual ou inferior à distância entre os pontos
de tangência da linha de engrenamento com as circunferências de base (segmento
AB). Com efeito, os pontos A e B podem ser denominados de pontos limites de inter-
ferência. Em termos gráficos, o valor limite que a saliência dos dentes de cada uma
das rodas deve ter para que não haja interferência de funcionamento, pode ser obtido
fazendo-se passar as circunferências de coroa pelos correspondentes pontos de tan-
gência (Henriot, 1979).
Com o propósito de definir o número mínimo18 de dentes que uma roda deve ter
de modo a que não ocorram interferências de funcionamento considere-se a figura
2.28, em que se ilustra o engrenamento entre duas rodas cilíndricas de dentes retos.
Nesta figura representa-se a situação limite de interferência, isto é, as circunferências

16
Refira-se, a título de curiosidade, que o talhe dos dentes pode ser feito por reprodução, frezamento
ou por geração (Mabie e Reinholtz, 1987). Este tópico do talhe dos dentes está fora do âmbito dos
objetivos do presente texto e, por isso, não é aqui incluído.
17
Trocoide é uma curva bidimensional descrita por um ponto de uma circunferência quando esta rola
sem escorregar sobre uma reta.
18
Segundo Antunes (2012) o número mínimo de dentes observado numa roda dentada foi de quatro.

38 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


de coroa das rodas passam pelos pontos de tangência A e B (Mabie e Reinholtz,
1987). Ainda na figura 2.28 pode identificar-se o triângulo retângulo O2AB, denomi-
nado triângulo limite. Da análise do triângulo O2AB, pode escrever-se que
O A  O B  AB
2
2
2
2 2
(2.113)

O2
Triângulo limite

d2
Cb2 F
C2
Ca2

ha2

B

A
ha1

E 
Ca1
C1
d1 Cb1

O1

Figura 2.28 – Representação da situação limite em termos da ocorrência de interferências


de funcionamento numa engrenagem cilíndrica exterior.

Atendendo a que
d2
O2 A   ha 2 (2.114)
2
d2
O2 B  cos (2.115)
2
AB  AI  IB (2.116)
d1
AI  sen (2.117)
2
d2
IB  sen (2.118)
2
então, a equação (2.113) vem que19
2 2 2
 d2  d  d d 
  ha 2    2 cos    1 sen  2 sen  (2.119)
 2   2  2 2 
19
Refira-se que neste processo, atendendo a que está perante a situação limite, o sinal = é substituído
pelo sinal ≤.

2. ENGRENAGENS CILÍNDRICAS DE DENTES RETOS 39


Por outro lado, sabe-se que
d1  mz1 (2.120)
d 2  mz 2 (2.121)
ha 2  m (2.122)
Substituindo agora as expressões (2.120)-(2.122) na equação (2.119) resulta que
2 2 2
 mz2   mz   mz mz 
  m    2 cos    1 sen  2 sen  (2.123)
 2   2   2 2 
Resolvendo a equação (2.223) em ordem a z1 vem que
4( z2  1)
z1   z2  z22  (2.124)
sen 2
A equação (2.124) permite calcular o número mínimo de dentes que um pinhão
deve ter para que não haja interferências de funcionamento. Tal como foi referido
anteriormente, o caso mais desfavorável diz respeito ao engrenamento pinhão-
cremalheira. Como uma cremalheira tem um número infinito de dentes, a equação
(2.124) é simplificada e escrita do seguinte modo
2
z1  (2.125)
sen 2
Registe-se que para o valor mais comum do ângulo de pressão (20º), o número
mínimo de dentes do pinhão para garantir a inexistência de interferências de funcio-
namento é igual de 17.
Tal como foi já descrito anteriormente, as interferências de funcionamento podem
ser controladas, ou mesmo eliminadas, durante a fase de projeto, reduzindo a saliên-
cia dos dentes. Com efeito, questão central que se coloca é a de saber qual deverá o
valor máximo da saliência de modo a que não haja interferências de funcionamento.
Assim, admita-se que a saliência pode ser expressa em função do módulo da seguinte
forma (Mabie e Reinholtz, 1987),
ha  wa m (2.126)
em que m representa o módulo e wa é o coeficiente de saliência.
Considerando novamente a figura 2.28 e a expressões (2.113)-(2.121) e a equação
(2.128) vem que
2 2 2
 mz2   mz   mz mz 
  wa m    2 cos    1 sen  2 sen  (2.127)
 2   2   2 2 
ou seja
( z12  2 z1z2 )sen2  4wa ( z2  wa )  0 (2.128)
Resolvendo a equação (2.128) em ordem ao coeficiente de saliência tem-se que

z2 z22 z12  2 z1 z2
wa     sen 2 (2.129)
2 4 4

40 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


A expressão (2.129) permite calcular o valor do coeficiente de saliência máximo
de modo a garantir que não há interferências de funcionamento entre duas rodas den-
tadas com um ângulo de pressão  e com z1 e z2 dentes. É evidente que o coeficiente
de saliência deverá ser inferior à unidade, quando numa engrenagem existe a possibi-
lidade de ocorrerem interferências de funcionamento. Deve agora chamar-se a aten-
ção que a redução da saliência dos dentes penaliza a continuidade do engrenamento,
pelo que, após a determinação do valor do coeficiente de saliência é necessário, fazer
a verificação se existe, ou não, continuidade do engrenamento (Henriot, 1979).

Exercício 2.5
Enunciado: Considere uma engrenagem cilíndrica exterior de dentado reto normali-
zado, em que o pinhão e a coroa têm, respetivamente, 19 e 76 dentes. Atendendo a
que o módulo é igual a 3 mm, verifique se existem interferências de funcionamento.

Padrão de resposta esperado:


Para verificar se existem interferências de funcionamento, deve ser calculado o
número mínimo de dentes do pinhão para que tal não aconteça. Para este efeito, deve
considerar-se a equação (2.124), donde resulta que z1>15,70. Como na engrenagem
em estudo o pinhão tem, de facto, 19 dentes, não há interferências de funcionamento.

2. ENGRENAGENS CILÍNDRICAS DE DENTES RETOS 41


2.8. REVISÃO DE CONHECIMENTOS
Com o propósito de proporcionar uma revisão de conhecimentos sobre a temática
das engrenagens cilíndricas de dentes retos, apresenta-se, nesta secção, um conjunto
diversificado de questões e de exercícios de aplicação.

1. Quais são os principais parâmetros que caraterizam uma roda dentada cilíndri-
ca de dentes retos normalizados?

2. Qual é o valor do ângulo de pressão para dentados normalizados?

3. Distinga comprimento de aproximação de comprimento de afastamento.

4. Distinga arco de aproximação de comprimento de aproximação.

5. Defina continuidade do engrenamento.

6. Quais são as principais variáveis que influenciam a relação de condução numa


engrenagem cilíndrica de dentes retos?

7. Explique por que razões a relação de condução deve estar compreendida entre
1,2 e 1,6.

8. Explique porque existe sempre um escorregamento entre as superfícies de


contacto de um par de dentes.

9. Defina escorregamento total ou absoluto.

10. Explique como varia a velocidade de escorregamento ao longo da linha de


condução.

11. Apresente uma definição de escorregamento específico.

12. Qual é a importância de igualar os escorregamentos específicos?

13. Defina rendimento de uma engrenagem.

14. Quais são as principais variáveis geométricas que afetam o rendimento de uma
engrenagem?

15. Explique o conceito de interferências de funcionamento.

16. Liste dois métodos que permitem controlar ou minimizar as interferências de


funcionamento.

17. Qual é o número mínimo de dentes que o pinhão de uma engrenagem do tipo
pinhão-cremalheira deve ter para que não haja interferências de funcionamen-
to?

42 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


18. Considerando princípios elementares, obtenha a equação (2.65) a partir da
equação (2.64). Deve ser tida em consideração a definição de módulo e a lei
fundamental da trigonometria.

19. Considere uma engrenagem cilíndrica exterior de dentes retos normalizados,


com uma relação de transmissão igual a 6, um entre-eixo de 250 mm e um
módulo de 3 mm. Determine o número de dentes do pinhão e o diâmetro de
base da roda.

20. Considere uma engrenagem cilíndrica exterior de dentes retos normalizados,


com uma relação de transmissão igual a 6, um entre-eixo de 250 mm e um
módulo de 3 mm. Assim, calcule os comprimentos de aproximação e de afas-
tamento.

21. Considere uma engrenagem cilíndrica exterior de dentado reto normalizado,


em que o pinhão e a roda têm, respetivamente, 12 e 60 dentes. Atendendo a
que o módulo é igual a 3 mm, determine a distância entre os eixos das rodas.
Qual é o valor do ângulo de pressão quando a distância entre os eixos das ro-
das aumentar 1 mm?

22. Considere uma engrenagem cilíndrica exterior de dentado reto normalizado,


em que o pinhão e a roda têm, respetivamente, 12 e 60 dentes. O módulo da
engrenagem é igual a 4 mm. Atendendo a que o coeficiente de atrito é de 0,06,
determine o rendimento da engrenagem.

23. Calcule os escorregamentos específicos máximos para a engrenagem descrita


no exercício 22. Comente o resultado obtido.

24. Calcule a relação de condução da engrenagem descrita no exercício 22. Co-


mente o resultado obtido.

25. Verifique se há interferências de funcionamento na engrenagem descrita no


exercício 22. Comente o resultado obtido.


2. ENGRENAGENS CILÍNDRICAS DE DENTES RETOS 43


2.9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Antunes, F. (2012) Mecânica Aplicada - Uma abordagem prática. Lidel.
Beer, F.P., Johnston, E.R. (1991) Mecânica Vetorial para Engenheiros. Cinemática e Dinâ-
mica. 5ª Edição, McGraw-Hill, São Paulo.
Branco, C.M., Ferreira, J.M., da Costa, J.D., Ribeiro, A.S. (2009) Projecto de Órgãos de
Máquinas. 2ª Edição, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa.
Budynas, R.G., Nisbett, J.K. (2011) Elementos de Máquinas de Shigley. 8ª edição McGraw-
Hill, Brasil.
Cunha, L.V. (2008) Desenho Técnico. 14ª Edição. Fundação Calouste Gulbenkian.
Drago, R.J. (1988) Fundamentals of Gear Design. London, Butterworths.
Flores, P. (2009) Projeto de Mecanismos Came-Seguidor. Publindústria, Porto.
Flores, P. (2012) Análise Cinemática e Dinâmica de Mecanismos - Exercícios resolvidos e
propostos. Publindústria, Porto.
Flores, P., Claro, J.C.P. (2007) Cinemática de Mecanismos. Edições Almedina, Coimbra.
Flores, P., Gomes, J. (2014) Cinemática e Dinâmica de Engrenagens. 1. Aspetos gerais so-
bre engrenagens. Universidade do Minho, Escola de Engenharia, publicação interna,
Guimarães, Portugal, 41p.
Greenwood, D.T. (1965) Principles of Dynamics. Prentice Hall, Englewood Cliffs, New
Jersey.
Hamrock, B.J., Schmid, S.R., Jacobson, B. (2005) Fundamentals of Machine Elements. 2nd
Edition, McGraw-Hill, New York.
Henriot, G. (1979) Traité Théorique et Pratique des Engrenages. Editora Dunod.
Juvinall, R.C., Marshek, K.M. (2006) Fundamentals of Machine Component Design. John
Wiley and Sons, New York.
Mabie, H.H., Reinholtz, C.F. (1987) Mechanisms and Dynamics of Machinery. Fourth Editi-
on, John Wiley and Son, New York.
Niemann, G. (1971) Elementos de Máquinas. Volume II, Editora Edgard Blucher Ltda, São
Paulo, Brasil.
Norton, R.L. (2013) Machine Design. Pearson Education, New York.
Shigley, J.E., Mischke, C.R. (1989) Mechanical Engineering Design. 5th Edition, McGraw-
Hill, New York.
Spotts, M.F., Shoup, T.E. (1998) Design of Machine Elements. 7th Edition Prentice-Hall,
New Jersey.
Wilson, C.E., Sadler, J.P. (1993) Kinematics and Dynamics of Machinery. 2nd Edition, Har-
per Collins College Publishers, New York.

44 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


Cinemática e
Dinâmica de
Engrenagens
3. Engrenagens Cilíndri-
cas de Dentes Inclinados

Paulo Flores
José Gomes

Universidade do Minho
Escola de Engenharia

Guimarães 2014
ÍNDICE

3. Engrenagens Cilíndricas de Dentes Inclinados ......................................... 1

3.1. Introdução ................................................................................................ 1


3.2. Geração do Dente .................................................................................... 6
3.3. Nomenclatura .......................................................................................... 9
3.4. Relações Geométricas ........................................................................... 12
3.5. Parâmetros de Desempenho .................................................................. 18
3.6. Traçado de Tredgold.............................................................................. 22
3.7. Rodas Cruzadas ..................................................................................... 24
3.8. Revisão de Conhecimentos ................................................................... 30
3.9. Referências Bibliográficas .................................................................... 32
Não há professor que não possa ser discípulo.
Baltasar Gracián

3. ENGRENAGENS CILÍNDRICAS DE DENTES INCLINADOS

3.1. INTRODUÇÃO
Nas engrenagens cilíndricas de dentes inclinados ou helicoidais, tal como a pró-
pria designação sugere, os dentes apresentam uma inclinação relativamente ao eixo
das rodas. Na verdade, neste tipo de engrenagens os dentes estão dispostos transver-
salmente em forma de hélice em relação ao eixo das rodas. A figura 3.1 evidencia as
diferenças entre uma engrenagem cilíndrica de dentes retos e uma engrenagem cilín-
drica de dentes inclinados. É oportuno observar-se que as engrenagens de dentes re-
tos são um caso particular das engrenagens de dentes helicoidais, isto é, representam
o caso em que o ângulo de inclinação dos dentes é nulo. O ângulo de inclinação dos
dentes é frequentemente denominado de ângulo de hélice (Shigley e Mischke, 1989).
Em geral, o ângulo de inclinação dos dentes varia entre 15 e 30º. Quando o ângulo de
inclinação é pequeno, os benefícios associados a uma engrenagem de dentes helicoi-
dais é também pequeno. Por seu lado, valores elevados para o ângulo de inclinação
tendem a bloquear o engrenamento das rodas (Mabie e Reinholtz, 1987).

(a) (b)
Figura 3.1 – (a) Engrenagem cilíndrica exterior de dentes retos;
(b) Engrenagem cilíndrica exterior de dentes inclinados.

As engrenagens cilíndricas de dentes inclinados de primeira geração eram feitas


pela associação em paralelo de diversas rodas de dentes retos, em que entre estas
existia um ligeiro desfasamento, tal como se pode observar na figura 3.2. Com esta
associação de rodas cilíndricas de dentes retos conseguiam-se transmissões mais su-
aves e com maior capacidade de transmissão de potência. No caso limite em que a
largura do dente tende para zero e o número de dentes tende para infinito, então a
associação, inicialmente de dentado reto, transforma-se numa roda de dentes inclina-
dos ou helicoidais (Spotts e Shoup, 1998; Juvinall e Marshek, 2006).
Em geral, as engrenagens cilíndricas de dentes inclinados podem ter eixos parale-
los ou eixos cruzados não complanares, tal como se mostra na figura 3.3. As engre-
nagens cilíndricas em que os eixos das rodas não são complanares, como no caso da
representação da figura 3.3b, denominam-se de engrenagens torsas (Drago, 1988).

3. ENGRENAGENS CILÍNDRICAS DE DENTES INCLINADOS 1


Figura 3.2 – Roda cilíndrica exterior de dentes inclinados de primeira geração.

As rodas dentadas helicoidais podem ser direitas ou esquerdas, conforme a incli-


nação dos dentes. É também frequente a denominação de rodas com hélice direita e
rodas com hélice esquerda (Wilson e Sadler, 1993; Branco et al., 2009). A direção
das hélices das rodas é definida pela regra da mão direita (Flores e Claro, 2007). A
figura 3.4 ilustra rodas com hélice direita e com hélice esquerda. Numa engrenagem
cilíndrica de dentes inclinados, o ângulo de inclinação dos dentes das duas rodas tem
de ser o mesmo, porém, uma roda apresenta hélice direita e a outra hélice esquerda,
tal como se pode observar na figura 3.3a.

(a) (b)
Figura 3.3 – (a) Engrenagem cilíndrica exterior de dentes inclinados em que os eixos são
paralelos; (b) Engrenagem cilíndrica exterior de dentes inclinados de eixos cruzados.

2 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


(a) (b) (c)
Figura 3.4 – (a) Roda cilíndrica exterior de dentes retos; (b) Roda cilíndrica
exterior helicoidal com hélice esquerda; (c) Roda cilíndrica exterior heli-
coidal com hélice direita.

É sabido que numa engrenagem cilíndrica de dentes retos, o engrenamento entre


um par de dentes é materializado por um segmento de reta paralelo aos eixos das
rodas, o qual se estende simultaneamente a toda a largura do dente (cf. figura 3.5a).
Por seu lado, nas engrenagens de dentes inclinados, o engrenamento entre os dentes
das rodas ocorre de forma progressiva, isto é, inicia-se com um contacto pontual, o
qual se vai desenvolvendo ao longo de uma linha à medida que o engrenamento vai
progredindo (cf. figura 3.5b). A linha de contacto é, nestes casos, oblíqua em relação
aos eixos das rodas (Niemann, 1971). Na verdade, é esta caraterística associada ao
engrenamento progressivo que faz com que as forças de contacto entre os dentes se-
jam transmitidas de forma gradual1. Por conseguinte, as engrenagens cilíndricas de
dentes inclinados são bastante mais suaves e mais silenciosas que as engrenagens
cilíndricas de dentado reto.
Outras vantagens associadas às engrenagens cilíndricas de dentes inclinados pren-
dem-se com a capacidade de transmissão de potência e com a gama de velocidades a
que operam (Hamrock et al., 2005; Budynas e Nisbett, 2011). Acrescem ainda os
factos de as engrenagens helicoidais apresentarem rendimentos relativamente eleva-
dos e de poderem ser utilizadas para relações de transmissão elevadas2. Finalmente,
deve dizer-se que as engrenagens de dentes inclinados são, em geral, mais caras
(Wilson e Sadler, 1993; Branco et al., 2009).

1
Nas engrenagens helicoidais em cada posição dos dentes há, simultaneamente, vários dentes engre-
nados, exceto quando as engrenagens são significativamente estreitas. Nas engrenagens helicoidais
não existe, portanto, uma posição de engrenamento individual como no caso das engrenagens cilín-
dricas de dentado reto (Niemann, 1971).
2
Na verdade, esta miríade de aspetos positivos faz com que as engrenagens cilíndricas de dentes
helicoidais encontrem particular campo de aplicação na indústria automóvel. De facto, aspetos co-
mo o baixo nível de ruído, a elevada capacidade de transmissão de potência são de capital impor-
tância na indústria automóvel (Branco et al., 2009). Por outro lado, com engrenagens cilíndricas
helicoidais podem ser utilizados menores atravancamentos axiais.

3. ENGRENAGENS CILÍNDRICAS DE DENTES INCLINADOS 3


Linhas de contacto Linhas de contacto

(a) (b)
Figura 3.5 – (a) Linhas de engrenamento em engrenagem cilíndrica de dentes retos;
(b) Linhas de engrenamento em engrenagem cilíndrica de dentes inclinados.

As engrenagens cilíndricas de dentes inclinados desenvolvem esforços axiais du-


rante o seu engrenamento, o que não acontece nas engrenagens de dentado reto. Estes
esforços axiais são transmitidos aos apoios das rodas. Assim, quando num veio são
acopladas várias rodas de dentado helicoidal, a direção das hélices deve ser criterio-
samente escolhida, de modo a minimizar os esforços axiais nos apoios dos veios
(Wilson e Sadler, 1993). A figura 3.6 mostra as componentes da força que atua numa
engrenagem cilíndrica de dentes retos e numa engrenagem de dentes inclinados. Por
simplicidade de representação, nesta figura apenas se inclui uma roda e não toda a
engrenagem. Da observação da figura 3.6a pode verificar-se que no caso das engre-
nagens cilíndricas de dentes retos, as componentes da força atuante nos dentes estão
contidas num só plano, o qual é perpendicular ao eixo da roda. Por seu lado, da análi-
se da figura 3.6b observa-se que existem três componentes da força que atua no en-
grenamento de rodas cilíndricas de dentes inclinados, adquirindo, deste modo, uma
dimensão tridimensional (Budynas e Nisbett, 2011).

Fr
Fr

Ft
Ft

Fa

(a) (b)
Figura 3.6 – (a) Forças que atuam em engrenagens cilíndricas de dentes retos;
(b) Forças que atuam em engrenagens cilíndricas helicoidais.

O inconveniente associado à existência de esforços axiais originados nas engrena-


gens cilíndricas de dentes inclinados pode ser ultrapassado se se utilizarem rodas de
dupla hélice, também denominadas de rodas com dentado em espinha3 (Mabie e Rei-
nholtz, 1987). Esta solução é particularmente interessante e útil quando as forças
3
Uma engrenagem com dentado de dupla hélice é equivalente ao acoplamento de duas engrenagens
simples, em que uma tem hélice direita e a outra hélice esquerda.

4 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


desenvolvidas são de elevada magnitude. O dentado em dupla hélice apresenta as
mesmas vantagens do dentado inclinado simples, às quais acresce o facto de nas en-
grenagens de dupla hélice não serem, em teoria, transmitidos esforços axiais (Norton,
2013). Na verdade, numa engrenagem de dentado de dupla hélice são também de-
senvolvidos esforços axiais durante o engrenamento, contudo, como estes atuam em
sentidos opostos, numa e noutra hélice, o esforço resultante é nulo, ou pelo menos
reduzido de forma bastante significativa. Por isso, tal como já foi mencionado, quan-
do um veio incorpora mais do que uma roda de dentado inclinado, devem escolher-se
rodas com hélices direitas e esquerdas, de modo a que sejam eliminados, ou pelo
menos minimizados, os esforços axiais nos apoios dos veios das rodas. A figura 3.7
diz respeito a uma engrenagem cilíndrica de dupla hélice ou de dentado em espinha.
Este tipo de engrenagem requer cuidados especiais, tanto no fabrico, como na mon-
tagem, sendo, por isso, relativamente mais caras do que as engrenagens cilíndricas de
dentado helicoidal simples.

Figura 3.7 – Engrenagem cilíndrica de dentes helicoidais de dupla hélice ou em espinha.

3. ENGRENAGENS CILÍNDRICAS DE DENTES INCLINADOS 5


3.2. GERAÇÃO DO DENTE
Nesta secção é descrito o processo de geração de perfis de dentes helicoidais. Para
o efeito, apenas se estuda o perfil em evolvente4 (Flores e Gomes, 2014a). Quando
um plano roda sem escorregar sobre um cilindro de base, então um qualquer segmen-
to de reta que está contido no plano gerador, e é paralelo ao eixo do cilindro, gera
uma superfície em evolvente de um dente reto. Quando a linha geratriz é oblíqua em
relação ao eixo do cilindro, então o rolamento puro do plano gerador dá origem à
superfície de um dente inclinado ou helicoidal. Esta última evolvente é denominada
de evolvente helicoidal (Mabie e Reinholtz, 1987). A figura 3.8 diz respeito às situa-
ções anteriormente descritas no que diz respeito à geração de perfis de dentes retos e
de dentes inclinados. Deve referir-se que o perfil do dentado helicoidal (evolvente
helicoidal) é gerado no plano de rotação, o qual é perpendicular ao eixo das rodas.
Na verdade, quando o plano que contém a linha geratriz rola sem escorregar, qual-
quer ponto situado sobre a geratriz descreve uma trajetória em hélice, tal como por
exemplo a que é descrita pelo ponto P da figura 3.8b. A infinidade de evolventes que
se pode gerar está em fase ao longo do ângulo de hélice (Shigley e Uicker, 1980).

Plano gerador Plano gerador

Geratriz Geratriz

Cilindro de base Cilindro de base


(a) (b)
Figura 3.8 – (a) Geração de uma superfície em evolvente de um dente reto; (b) Geração de
uma superfície em evolvente de um dente inclinado ou helicoidal.

Shigley e Mischke (1989), Branco et al. (2009), entre outros autores, descrevem a
geração do perfil dos dentes helicoidais de modo distinto do anteriormente apresen-
tado. Assim, em primeiro lugar considera-se um pedaço de papel em forma de para-
lelogramo, o qual é enrolado à volta de um cilindro, denominado cilindro de base,
como mostra a figura 3.9. O papel é então enrolado de tal modo que um dos lados
coincide com a hélice do dentado helicoidal. Com efeito, mantendo o pedaço de pa-
pel esticado e desenrolando-o em torno do cilindro de base, então cada ponto situado
no lado do paralelogramo que representa a hélice gera uma curva evolvente. Por con-
seguinte, a superfície obtida pelas evolventes assim gerada forma a chamada envol-
vente helicoidal, tal como se representa na figura 3.9 (Henriot, 1979; Shigley e
Uicker, 1980; Budynas e Nisbett, 2011; Norton 2013).

4
Os perfis dos dentes baseados na utilização de curvas/superfícies cíclicas não são considerados
neste estudo, uma vez que aqueles são de uso pouco frequente (Wilson e Sadler, 1993).

6 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


Evolvente helicoidal

Perfil evolvente

Cilindro de base

Figura 3.9 – Geração de uma evolvente helicoidal.

Da reflexão do que acaba de ser exposta, pode observar-se que a entrada de um


dente helicoidal no engrenamento, bem como a sua saída, não ocorre simultaneamen-
te ao longo de toda a largura do dente, mas acontece de modo progressivo. Conse-
quentemente, as transmissões com rodas de dentes inclinados são mais suaves e mais
silenciosas. Verifica-se ainda que nas engrenagens de dentes helicoidais há um maior
número de dentes em funcionamento ao mesmo tempo, tal como se estudará mais à
frente no presente documento. De facto, as engrenagens cilíndricas de dentes helicoi-
dais apresentam melhores relações de condução quando comparadas com as engre-
nagens cilíndricas de dentes retos com as mesmas caraterísticas. Por isso, as engre-
nagens de dentado helicoidal tendem a ter uma maior capacidade de carga. Contudo,
as engrenagens cilíndricas de dentes retos são mais eficientes (Niemann, 1971).
Com o intuito básico e único de melhor compreender a geração dos perfis de den-
tes inclinados, apresentam-se de seguida os passos fundamentais que permitem gerar
uma evolvente helicoidal. Este processo, ora descrito, corresponde à generalização
dos procedimentos comummente adotados no caso das engrenagens cilíndricas de
dentado reto (Henriot, 1979). Assim, tome-se em consideração a figura 3.10 onde se
representam dois cilindros primitivos cujos eixos contêm os pontos O1 e O2. Os ci-
lindros primitivos são tangentes segundo o segmento de reta IJ. Por seu lado, a inter-
seção dos cilindros primitivos com o plano perpendicular ao segmento de reta IJ dá
origem às circunferências primitivas C1 e C2, tal como se evidencia na figura 3.10. A
interseção do mesmo plano com os cilindros de base, representados a traço interrom-
pido na figura 3.10, resulta nas correspondentes circunferências de base Cb1 e Cb2.
Por conseguinte, o plano que é simultaneamente tangente aos cilindros de base repre-
senta o plano gerador (Wilson e Sadler, 1993; Norton 2013). Este plano é tangente
aos cilindros de base segundo os segmentos de reta EP e FQ, como se pode observar
na mesma figura. O segmento de reta EF, representado na figura 3.10, é o resultado
da interseção do plano gerador com o plano perpendicular ao segmento de reta IJ.
Considere-se agora o segmento de reta RS pertencente ao plano gerador e que faz um
ângulo  com os segmentos de reta EP e FQ. Com efeito, o plano gerador ao rolar
sem escorregar sobre cada um dos cilindros de base dá origem a duas superfícies
conjugadas evolventes helicoidais do segmento RS. Estas superfícies assim geradas

3. ENGRENAGENS CILÍNDRICAS DE DENTES INCLINADOS 7


são, pela própria definição de superfícies conjugadas5, sempre tangentes segundo o
segmento de reta RS, donde se pode inferir que o contacto em engrenagens cilíndri-
cas de dentado helicoidal se dá segundo uma linha reta (Henriot, 1979). O plano ge-
rador que contém, em cada instante do engrenamento, o segmento de reta do contacto
entre as superfícies conjugadas é vulgarmente denominado de plano de ação ou plano
de engrenamento (Juvinall e Marshek, 2006).

P
C1 R
1 J
O1

Cb1
Q
E 
I
S

O2
2
Cb2
Plano gerador
C2

Figura 3.10 – Geração de perfis de dentes inclinados.

Atendendo a que os cilindros de base são elementos fixos das engrenagens cilín-
dricas de dentes helicoidais e que o plano gerador descreve um movimento de rola-
mento puro sobre aqueles cilindros, então pode observar-se que (Flores, 2012)
1 rb 2
i  (3.1)
2 rb1
onde 1 e 2 representam as velocidades angulares das rodas de uma engrenagem
cilíndrica de dentes inclinados, sendo rb1 e rb2 os respetivos raios de base. Da análise
da equação (3.1) conclui-se que a relação de transmissão numa engrenagem de den-
tes helicoidais não depende explicitamente do entre-eixo, tal como acontece nas en-
grenagens cilíndricas de dentado reto (Flores e Gomes, 2014b).

5
Recorde-se que os perfis dos dentes denominam-se conjugados quando existe tangência entre as
superfícies de dois dentes de duas rodas engrenadas (Spotts e Shoup, 1998).

8 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


3.3. NOMENCLATURA
Nesta secção é introduzida a nomenclatura fundamental associada às engrenagens
cilíndricas de dentes inclinados6. Ao contrário do que acontece nas engrenagens de
dentado reto, em que a terminologia é, única e exclusivamente, referente ao plano de
rotação, nas engrenagens cilíndricas de dentes helicoidais a existência de uma incli-
nação dos dentes em relação ao eixo da roda introduz um ângulo de hélice (Henriot,
1979). Refira-se desde já que o ângulo de hélice varia ao longo do perfil do dente,
isto é, apresenta valores diferentes desde a raiz do dente até à sua coroa. A figura
3.11 mostra um dente helicoidal onde estão representados alguns dos seus elementos
fundamentais para a caraterização deste tipo de dentado, nomeadamente:
- Hélice primitiva, que é o resultado da interseção da superfície do dente com o
cilindro primitivo,
- Hélice de base, que é o resultado da interseção da superfície do dente com o ci-
lindro de base,
- Ângulo de pressão7 real ou normal, n, que é o ângulo de pressão medido no
plano perpendicular ao eixo do dente,
- Ângulo de pressão aparente, t, que é o ângulo de pressão medido no plano de
rotação da roda.
Hélice primitiva
Hélice de base

n
P

t
b

Plano de rotação
Plano normal
O

Circunferência primitiva

Circunferência de base

Figura 3.11 – Representação de um dente inclinado.

Tal como se referiu anteriormente, o ângulo de hélice é variável ao longo da su-


perfície do dente, assim, por definição, tem-se que o ângulo de inclinação primitiva é

6
Dever referir-se que a nomenclatura adotada no presente texto segue a norma ISO 701 de 1988,
revista em 2013 e denominada International gear notation - Symbols for geometrical data.
7
Na verdade, só faz sentido falar do ângulo de pressão quando existe o engrenamento entre as super-
fícies conjugadas de dois dentes.

3. ENGRENAGENS CILÍNDRICAS DE DENTES INCLINADOS 9


o ângulo formado pela tangente à superfície do dente na hélice primitiva com a dire-
ção axial do cilindro primitivo (Juvinall e Marshek, 2006). Por outras palavras, o
ângulo de inclinação primitiva, ou simplesmente inclinação primitiva, é o ângulo que
a hélice primitiva faz com as geratrizes do cilindro primitivo. De modo semelhante, o
ângulo de inclinação de base, ou simplesmente inclinação de base, é o ângulo defini-
do entre a hélice de base e as geratrizes do cilindro de base. Os ângulos de inclinação
primitiva e de inclinação de base são representados pelos símbolos  e b, respetiva-
mente. A direção dos dentes de uma roda helicoidal é denominada direita ou esquer-
da, conforme a inclinação dos dentes, tal como ilustra a figura 3.4.
O facto de no dentado helicoidal existir inclinação dos dentes implica que o plano
de rotação das rodas e o plano perpendicular ao eixo dos dentes sejam concorrentes,
tal como se pode observar na figura 3.11. Com efeito, numa roda dentada de dentes
helicoidais devem distinguir-se os seguintes passos (Budynas e Nisbett, 2011):
- Passo real ou normal (primitivo), pn, que diz respeito ao comprimento do arco
compreendido entre duas hélices primitivas homólogas consecutivas. Este passo
é medido num plano perpendicular ao eixo dos dentes,
- Passo aparente ou transverso, pt, que é o comprimento do arco de circunferência
primitiva compreendido entre dois perfis homólogos consecutivos. Este passo é
medido no plano de rotação. Deve notar-se que para o caso do dentado reto o
passo real coincide com o passo transverso,
- Passo axial, px, que é a distância medida na direção do eixo da roda entre duas
hélices primitivas homólogas consecutivas. Este passo corresponde a um seg-
mento de reta. Refira-se que o passo axial tem particular significado nas engre-
nagens do tipo parafuso sem-fim (Wilson e Sadler, 1993).

pt
pn 

px
Eixo da roda

Figura 3.12 – Representação dos diferentes passos existentes numa roda


cilíndrica de dentes inclinados.

Com o propósito de melhor distinguir os passos anteriormente descritos, conside-


re-se a figura 3.12, onde se representa a planificação simplificada de uma roda cilín-
drica de dentes inclinados. Nesta figura evidenciam-se os seguintes elementos: eixo
da roda, ângulo de inclinação primitiva (), passo real ou normal (pn), passo aparente
ou transverso (pt) e passo axial (px). Os dois primeiros passos são os mais relevantes
no estudo das engrenagens cilíndricas de dentes inclinados (Henriot, 1979; Norton
2013). Da análise da figura 3.12 pode verificar-se que o passo real tem menor magni-
tude do que passo aparente. Pode ainda observar-se que quando o ângulo de inclina-
ção dos dentes é nulo (=0) a roda de dentado inclinado transforma-se numa roda de
dentado reto e, consequentemente, pn=pt.

10 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


É evidente que em correspondência com os passos real e aparente existem os mó-
dulos real e aparente. Assim, atendendo à definição de módulo tem-se que (Flores e
Gomes, 2014a)
pn
mn  (3.2)

pt
mt  (3.3)

em que mn e mt dizem respeito ao módulo normal ou real e ao módulo aparente ou
transverso, respetivamente. Para que haja engrenamento entre duas rodas cilíndricas
de dentes inclinados é necessário que ambas apresentem o mesmo passo real, ou seja,
têm que ter o mesmo módulo real e o mesmo ângulo de pressão real (Henriot, 1979;
Branco et al., 2009).
Em analogia com o que foi referido anteriormente, numa roda dentada helicoidal
podem distinguir-se as seguintes espessuras de um dente:
- Espessura real, sn, que corresponde ao comprimento de um arco de hélice do ci-
lindro primitivo perpendicular às duas hélices homóloga e anti-homóloga do
mesmo dente,
- Espessura aparente, st, que diz respeito ao comprimento do arco da circunferên-
cia primitiva compreendido entre as duas hélices homóloga e anti-homóloga do
mesmo dente.
De modo análogo tem-se que:
- Intervalo real, en, que corresponde ao comprimento de um arco de hélice do ci-
lindro primitivo perpendicular às duas hélices homóloga e anti-homóloga de
dois dentes consecutivos,
- Intervalo aparente, et, que diz respeito ao comprimento do arco da circunferência
primitiva compreendido entre as duas hélices homóloga e anti-homóloga de dois
dentes consecutivos.

3. ENGRENAGENS CILÍNDRICAS DE DENTES INCLINADOS 11


3.4. RELAÇÕES GEOMÉTRICAS
Nesta secção são estudadas as principais relações geométricas e proporções dos
dentes em engrenagens cilíndricas de dentado inclinado8. É sabido que para este tipo
de engrenagem o ângulo de hélice varia desde a raiz até à coroa do dente, tal como se
pode observar na figura 3.11. Com o intuito de estabelecer uma relação matemática
entre os ângulos de inclinação primitiva e de inclinação de base considere-se a plani-
ficação do cilindro primitivo e do cilindro de base na extensão do correspondente
avanço, tal como se ilustra na figura 3.13.
Hélice primitiva

 Hélice de base

b
db
d

Eixo da roda

Figura 3.13 – Planificação de cilindro primitivo e do cilindro de base.

Da análise da figura 3.13 pode escrever-se que


πdb πd
L  (3.4)
tgb tg
em que L é o passo de hélice ou avanço, isto é, representa a progressão da roda ao
fim da uma rotação completa. Observa-se, portanto, que o avanço é o mesmo, quer se
considere a hélice primitiva ou a hélice de base. Assim, da equação (3.4) resulta que
db
tg b 
tg (3.5)
d
Considerando agora a figura 3.11, no plano de rotação da roda verifica-se que
db  d cost (3.6)
onde t é o ângulo de pressão aparente, o qual é medido no plano de rotação da roda.
Por conseguinte, combinando as equações (3.5) e (3.6) resulta que
tgb  tg cost (3.7)

8
Os parâmetros geométricos relativos às engrenagens cilíndricas de dentes inclinados seguem as
mesmas recomendações existentes para as rodas de dentado reto. Assim a saliência e a reentrância
apresentam o mesmo valor independentemente deste ser medido no plano de rotação ou no plano
normal ao dente. Por seu lado, os valores do ângulo de pressão e do passo são, em geral, definidos
no plano normal, podendo também ser estabelecidos no plano de rotação. Nas engrenagens cilíndri-
cas de dentes inclinados, o ângulo de pressão real é normalizado e assume o valor de 20º.

12 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


A análise geométrica das engrenagens cilíndricas de dentes inclinados quando é
feita no plano de rotação é em tudo semelhante ao caso das engrenagens cilíndricas
de dentes retos (Flores e Gomes, 2014b). Com efeito, no plano de rotação da roda
pode estabelecer-se a seguinte relação
d  mt z (3.8)
em que d é o diâmetro primitivo da roda, mt representa o módulo aparente e z é o
número de dentes da roda. Refira-se, uma vez mais, que a relação expressa pela
equação (3.8) é a que se observa numa engrenagem cilíndrica de dentes retos (Henri-
ot, 1979; Juvinall e Marshek, 2006).
Com referência à figura 3.12, pode obter-se uma relação entre o passo real e o
passo aparente, ou seja
pn  pt cos  (3.9)
Por seu lado, o passo axial é dado por
pn
px  pt cotg  (3.10)
sen

P

Q
T t
n


R
S

Plano de rotação
Plano normal

Circunferência primitiva

Figura 3.14 – Representação de um dente inclinado ou helicoidal.

Tal como foi referido anteriormente, a existência de uma inclinação do dentado


nas engrenagens helicoidais dá origem a elementos geométricos reais e aparentes.
Para se obter uma relação entre estes dois tipos de elementos, considere-se a figura
3.14, onde se evidenciam o ângulo de pressão real (n), o ângulo de pressão aparente
(t) e o ângulo de hélice (). Da observação atenta da figura 3.14 verifica-se que o
plano de rotação e o plano perpendicular ao eixo do dente são definidos, respetiva-
mente, pelos pontos PQR e PTS. Ainda da análise desta figura podem escrever-se as
seguintes relações geométricas

3. ENGRENAGENS CILÍNDRICAS DE DENTES INCLINADOS 13


TS
tg n  (3.11)
PS
QR
tgt  (3.12)
PR
PR  PS cos  (3.13)

TS  QR (3.14)
Combinando as equações (3.11)-(3.14) vem que
tgn  tgt cos (3.15)
A equação (3.15) pode ser generalizada para estabelecer a relação entre dois
quaisquer elementos reais e aparentes, ou seja,
(Elemento real)n  (Elemento aparente)t cos (3.16)
Deste modo tem-se que
pn  pt cos  (3.17)

mn  mt cos  (3.18)

sn  st cos (3.19)

en  et cos (3.20)
A saliência e a reentrância relacionam-se com o módulo real da seguinte forma
(Henriot, 1979)
ha  mn (3.21)

h f  1,25mn (3.22)

Por conseguinte, a altura total do dente é obtida pela soma da saliência com a re-
entrância, ou seja
h  ha  h f  2,25mn (3.23)

Por seu lado, o diâmetro de coroa e o diâmetro de raiz podem ser calculados do
seguinte modo (Flores e Gomes, 2014b)
da  d  2ha (3.24)

d f  d  2h f (3.25)

Considerando agora as equações (3.8), (3.18), (3.21) e (3.22), então as equações


(3.24) e (3.25) podem ser reescritas da seguinte forma
da  mt ( z  2 cos ) (3.26)

d f  mt ( z  2,5 cos  ) (3.27)

14 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


Atendendo ao conceito geométrico de entre-eixo, tem-se que
d1  d 2
a (3.28)
2
em que os índices 1 e 2 se referem ao pinhão e à coroa, respetivamente. Utilizando as
equações (3.8) e (3.18), a equação (3.28) pode ser expressa do seguinte modo
mn ( z1  z2 )
a (3.29)
2 cos 
Da análise da equação (3.29) observa-se que para parâmetros normalizados relati-
vos ao plano normal, a distância entre eixos resultante não é normalizada como acon-
tece no caso das engrenagens cilíndricas de dentes retos. Deve ainda referir-se que o
ângulo de hélice primitiva pode ser ajustado de modo a permitir uma vasta gama de
valores para a distância entre eixos. Na verdade, o ajustamento do valor do ângulo de
hélice permite (Juvinall e Marshek, 2006):
- Compensar variações na distância entre eixos sem, contudo, alterar a relação de
transmissão,
- Alterar a relação de transmissão sem modificar a distância entre eixos.
Deve relembrar-se que o engrenamento entre duas rodas dentadas só é possível
quando aquelas apresentam o mesmo módulo. Quando os perfis dos dentes de duas
rodas helicoidais têm um módulo normal, mn, e um ângulo de pressão, n, diz-se que
pertencem ao sistema normal. Um dentado normal corresponde a um ângulo de pres-
são normalizado igual a 20º (Shigley e Mischke, 1989; Norton, 2013).
Tal como foi referido anteriormente, a relação de transmissão de uma engrenagem
cilíndrica de dentes inclinados é dada por
1 db 2
i  (3.30)
2 db1
Atendendo a que o diâmetro de base se relaciona com o diâmetro primitivo do se-
guinte modo
db  d cost (3.31)
então, a equação (3.30) pode ser reescrita do seguinte modo
d 2 cos t z2
i  (3.32)
d1 cos t z1

Exercício 3.1
Enunciado: Considere uma engrenagem cilíndrica exterior de dentado inclinado
normalizado, em que o pinhão e a coroa têm, respetivamente, 12 e 60 dentes. O pi-
nhão é uma roda esquerda, ao passo que a coroa é uma roda direita. O dentado é
normal, i.e., não corrigido. Assim, atendendo a que o módulo real tem um valor igual
a 3 mm e que o ângulo de inclinação da hélice primitiva é de 30º, calcule, para o pi-
nhão, os seguintes parâmetros geométricos: (i) ângulo de pressão aparente, (ii) sali-
ência, (iii) reentrância, (iv) altura do dente, (v) diâmetro primitivo, (vi) diâmetro de
coroa e (vii) diâmetro de raiz (Wilson e Sadler, 1993).

3. ENGRENAGENS CILÍNDRICAS DE DENTES INCLINADOS 15


Padrão de resposta esperado:
t = 22,80º
ha = 3 mm
hf = 3,75 mm
h = 6,75 mm
d = 41,57 mm
da = 47,57 mm
df = 34,07 mm

A tabela 3.1 inclui as principais relações geométricas e proporções dos dentes pa-
ra engrenagens cilíndricas de dentes inclinados (Budynas e Nisbett, 2011).
Tabela 3.1 – Principais relações geométricas e proporções dos dentes para engrenagens
cilíndricas exteriores de dentado helicoidal.
Parâmetro Expressão
 tg n 
Ângulo de pressão aparente  t  tg 1  
 cos  
mz
Diâmetro primitivo d  mt z  n
cos 
Saliência ha  mn
Reentrância h f  1,25mn
Altura do dente h  2,25mn
Diâmetro de coroa da  mt ( z  2 cos  )
Diâmetro de raiz d f  mt ( z  2,5 cos  )
z1  z2
Entre-eixo a  mn
2 cos 
z2
Relação de transmissão i
z1

A figura 3.15 representa a planificação simplificada de uma roda cilíndrica de


dentes inclinados. Da análise desta figura observa-se que
S  btg (3.33)
em que S representa a projeção de uma espira sobre uma das bases da roda, vulgo
salto, e b é a largura da roda.
Da análise da figura 3.15 torna-se evidente que o engrenamento será tanto mais
contínuo quanto o salto for maior que o passo aparente. Quer isto dizer que quando
um dente termina o contacto há já outros dentes em contacto e, consequentemente, as
transmissões por engrenagens cilíndricas de dentes inclinados tornam-se mais sua-
ves, menos ruidosas e com uma melhor distribuição de carga nos dentes. Em geral, é
recomendável que (Juvinall e Marshek, 2006)
1,15 pt  S  2 pt (3.34)
Combinando agora as expressões (3.33) e (3.34) resultam os seguintes limites pa-
ra a largura dos dentes em engrenagens cilíndricas de dentado helicoidal
1,15 pt cotg  b  2 pt cotg (3.35)

16 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


pt S

Eixo da roda

Figura 3.15 – Planificação de uma roda cilíndrica de dentes inclinados.

O valor do ângulo de inclinação primitiva afeta o desempenho das engrenagens ci-


líndricas de dentes inclinados. Com efeito, valores muito pequenos para aquele ângu-
lo, para além de encarecerem o processo de fabrico, não trazem grandes vantagens.
Na verdade, quando o ângulo de inclinação dos dentes é muito pequeno, as rodas
helicoidais ficam muito próximas das de dentes retos. Em contraponto, valores ele-
vados para o ângulo de inclinação têm como consequência o aumento das forças axi-
ais e concomitantemente penalizam o desempenho das engrenagens. Como é sabido,
esta última limitação pode ser ultrapassada recorrendo a dentados em espinha ou de
dupla hélice (Henriot, 1979). Com efeito, os valores para o ângulo de inclinação pri-
mitiva devem estar na linha com a seguinte recomendação (Wilson e Sadler, 1993)
15º    30º (dentado helicoidal simples) (3.36)
30º    45º (dentado de dupla hélice) (3.37)

3. ENGRENAGENS CILÍNDRICAS DE DENTES INCLINADOS 17


3.5. PARÂMETROS DE DESEMPENHO
Nesta secção apresentam-se os principais parâmetros associados ao desempenho
de engrenagens cilíndricas de dentes inclinados, nomeadamente a relação de condu-
ção, o rendimento e as interferências dos dentes (Budynas e Nisbett, 2011).
Com o propósito de calcular a relação de condução em engrenagens cilíndricas de
dentes helicoidais considere-se a figura 3.16, onde se pretende representar o engre-
namento entre duas rodas de dentado helicoidal. Na representação da figura 3.16
admite-se que a roda 1 é o órgão motor, a qual gira no sentido indicado. Com efeito,
o engrenamento de um par de dentes conjugados inicia-se no ponto A, que é o ponto
em que o perfil da roda motora entra em contacto com o perfil conjugado da roda
movida. O engrenamento termina no ponto B’, que corresponde ao fim do contacto
do par de perfis conjugados já no outro lado das rodas (Branco et al., 2009).
O2
B’
I’

A’

B

b I
Hélice primitiva btg

II 1=
A
I1



1

O1

Figura 3.16 – Representação do engrenamento entre duas rodas de dentado inclinado.

Da análise da figura 3.16 observa-se que os perfis conjugados acima descritos se


encontram desfasados angularmente de um valor igual a , ou seja
  IO1I1 (3.38)
em que o arco II1 é frequentemente denominado de recobrimento do dente. Este pa-
râmetro, também chamado comprimento de recobrimento, pode ser expresso em fun-
ção da largura do dente, ou seja (Henriot, 1979)

18 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


II1  btg (3.39)
onde b é a largura das rodas e  representa o ângulo de inclinação primitiva. Assim,
o arco de condução num engrenamento de duas rodas helicoidais é igual ao valor
para o caso das engrenagens de dentes retos, ao qual se acrescenta uma parcela cor-
respondente ao comprimento de recobrimento, sendo esta última parcela dada pela
equação (3.39). Com efeito, atendendo ao conceito de relação de condução total, que
relaciona o arco de condução total com o passo da engrenagem, tem-se que
a btg
  (3.40)
pt pt
em que o primeiro termo do segundo membro desta equação corresponde à relação
de condução de um par de rodas cilíndricas de dentes retos e o segundo termo diz
respeito ao fator de recobrimento. A equação (3.40) pode ainda ser reescrita do se-
guinte modo (Henriot, 1979; Flores e Gomes, 2014b)
l btg
  (3.41)
πmt cos t πmt
que é igual à soma da relação de condução aparente com a relação de recobrimento.
O segundo termo do segundo membro da equação (3.41) pode ser expresso da se-
guinte forma (Spotts e Shoup, 1998)
btg b
 (3.42)
πmt px
Por seu lado, o primeiro termo do segundo membro da equação (3.41) pode ser
calculado utilizando a expressão correspondente ao engrenamento de duas rodas ci-
líndricas de dentado reto, ou seja (Flores e Gomes, 2014b)

1  z22 z2 z z 
sen 2 t  z2 cos   cos2   1 sen 2 t  z1 cos   cos2   1 2 sen t  (3.43)
π cos  t  4 4 2 
 

Da análise do que acaba de ser exposto pode afirmar-se que nas engrenagens ci-
líndricas de dentes inclinados o problema da continuidade do engrenamento não é tão
premente devido ao fator de recobrimento. Na verdade, este tipo de engrenagens pos-
sibilita, que os dentes tenham menor saliência o que é vantajoso do ponto de vista
das interferências dos dentes (Branco et al., 2009).

Exercício 3.2
Enunciado: Considere uma engrenagem cilíndrica exterior de dentado inclinado
normalizado, em que o pinhão e a coroa têm, respetivamente, 12 e 60 dentes. O pi-
nhão é uma roda esquerda, ao passo que a coroa é uma roda direita. O dentado é
normal, i.e., não corrigido. Assim, atendendo a que o módulo real tem um valor igual
a 3 mm e que o ângulo de inclinação da hélice primitiva é de 30º, calcule a relação de
condução da engrenagem (Wilson e Sadler, 1993).

Padrão de resposta esperado:


Utilizando a expressão (3.43) obtém-se o valor para a componente radial ou circu-
lar (i.e., no plano de rotação) da relação de condução igual a 1,32. Observa-se, pois,

3. ENGRENAGENS CILÍNDRICAS DE DENTES INCLINADOS 19


que a engrenagem acima descrita garante continuidade do engrenamento, uma vez
que a relação de condução apresenta já um valor bastante aceitável. Deve ainda refe-
rir-se que a relação de condução radial tem de ser acrescida pela parcela relativa ao
fator de recobrimento. Assim, admitindo que a engrenagem tem uma largura de 10
mm, considerando o segundo termo do segundo membro da equação (3.41) obtém-se
o valor de 0,53 para a relação de condução axial, que corresponde ao comprimento
de recobrimento. Com efeito, a relação de condução total é igual a
  1,32  0,53  1,85
Este valor está claramente acima das recomendações de projeto no que diz respei-
to à continuidade do engrenamento (Flores e Gomes, 2014b).

No que concerne ao cálculo do rendimento de engrenagens cilíndricas de dentes


helicoidais podem considerar-se as expressões apresentadas para o caso das engrena-
gens cilíndricas de dentes retos, sem que, por isso, sejam cometidos erros significati-
vos. Assim, o rendimento em engrenagens cilíndricas de dentes helicoidais pode ser
expresso do seguinte modo (Flores e Gomes, 2014b)
 la2  l 2f  (i  1)
 1 (3.44)
π z2mr2 cos2  r
em que la e lf representam, respetivamente, os comprimentos de aproximação e de
afastamento, os quais podem ser calculados da seguinte forma (Flores e Gomes,
2014b)

la  r2  ha 2 2  r22 cos2 t  r2sent (3.45)

lf  r1  ha1 2  r12 cos2 t  r1sent (3.46)

Exercício 3.3
Enunciado: Considere uma engrenagem cilíndrica exterior de dentado inclinado
normalizado, em que o pinhão e a coroa têm, respetivamente, 12 e 60 dentes. O pi-
nhão é uma roda esquerda, ao passo que a coroa é uma roda direita. O coeficiente de
atrito é de 0,05. Atendendo a que o módulo real tem um valor igual a 3 mm e que o
ângulo de inclinação da hélice primitiva é de 30º, calcule o rendimento da engrena-
gem (Wilson e Sadler, 1993). Comente o resultado obtido.

Padrão de resposta esperado:


Para a determinação do rendimento da engrenagem supra descrita considera-se a
equação (3.44). Para tal é necessário conhecer os seguintes parâmetros (Flores e
Gomes, 2014b)
la = 7,21 mm
lf = 6,04 mm
i=5
 = 1,85
Logo, o rendimento da engrenagem é
= 99,04 %
Trata-se, na verdade, de um rendimento bastante elevado.

20 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


Nos casos em que a relação de condução não é adequada no que se refere à conti-
nuidade do engrenamento, três ações podem ser consideradas para aumentar a rela-
ção de condução (Flores e Gomes, 2014b):
- Diminuir o ângulo de pressão e assim aumentar o comprimento de condução,
- Aumentar a saliência dos dentes e, por conseguinte, o diâmetro de coroa,
- Aumentar o número de dentes através do aumento do diâmetro primitivo.

O estudo das interferências de funcionamento em engrenagens cilíndricas de den-


tado inclinado segue a mesma metodologia apresentada para as engrenagens cilíndri-
cas de dentes retos (Flores e Gomes, 2014b). Para tal, deve considerar-se o plano de
rotação, isto é o plano perpendicular aos eixos das rodas, donde o esquema a analisar
representa um corte feito por aquele plano. Nos procedimentos a adoptar devem ain-
da considerar-se as seguintes relações fundamentais
ha 2  mn (3.47)

mn  mt cos  (3.48)
Assim, da aplicação dos mesmos procedimentos considerados para o caso das en-
grenagens cilíndricas exteriores de dentes retos, a definição do número mínimo de
dentes que uma roda cilíndrica de dentes helicoidais deve ter, para que não haja inter-
ferências de funcionamento, é expressa por (Henriot, 1979)
4 cos  ( z2  cos  )
z1   z2  z22  (3.49)
sen2t
No caso em que uma das rodas é do tipo cremalheira tem-se que
2 cos 
z1  (3.50)
sen2t

Exercício 3.4
Enunciado: Considere uma engrenagem cilíndrica exterior de dentado inclinado
normalizado, em que o pinhão e a coroa têm, respetivamente, 12 e 60 dentes. O pi-
nhão é uma roda esquerda, ao passo que a coroa é uma roda direita. Atendendo a que
o módulo real tem um valor igual a 3 mm e que o ângulo de inclinação da hélice
primitiva é de 30º, verifique se existem interferências de funcionamento (Wilson e
Sadler, 1993).

Padrão de resposta esperado:


Para verificar se existem interferências de funcionamento deve ser calculado o
número mínimo de dentes do pinhão para que tal não aconteça. Para este efeito, deve
considerar-se a equação (3.49), donde resulta que z1>10,70. Como na engrenagem
em estudo o pinhão tem, de facto, 12 dentes, observa-se que não há interferências de
funcionamento.

3. ENGRENAGENS CILÍNDRICAS DE DENTES INCLINADOS 21


3.6. TRAÇADO DE TREDGOLD
As propriedades da evolvente helicoidal dizem respeito ao plano gerador, o qual é
na realidade o plano associado à geração dos dentes helicoidais (Shigley e Uicker,
1980). Porém, no plano normal ao dente existem as propriedades que correspondem
às de uma engrenagem cilíndrica de dentes retos equivalente. Esta engrenagem equi-
valente tem um maior número de dentes, cujo valor depende do ângulo de inclinação
da hélice primitiva. O traçado aproximado de Tredgold permite obter o número de
dentes de uma roda de dentado reto equivalente a uma dada roda cilíndrica de dentes
inclinados. O número de dentes assim obtido denomina-se de número de dentes vir-
tual ou número de dentes formativo (Wilson e Sadler, 1993).
A figura 3.17a ilustra a planificação de uma roda dentada de dentes inclinados, em
que o ângulo de inclinação da hélice primitiva é representado por . Considerando
que a roda é intersetada por um plano (AA) perpendicular ao eixo, então pode obter-
se uma circunferência primitiva de raio r, tal como se mostra na figura 3.17b. O raio
de curvatura é igual ao raio transverso da circunferência primitiva. O perfil do dente
neste plano seria o mesmo que o perfil do dente de uma roda dentada de dentes retos
com um raio primitivo r. Por outro lado, se se considerar um plano de corte (BB)
perpendicular à hélice primitiva de um dente obtém-se uma elipse, tal como se repre-
senta na figura 3.17c. O raio de curvatura da elipse corresponde ao raio primitivo de
uma roda cilíndrica de dentes retos equivalente, isto é, com caraterísticas aproxima-
das às da roda de dentes helicoidais (Branco et al., 2009).

B
A

rc


r
P P
O O’

B Corte AA
A
Corte BB
(a) (b) (c)
Figura 3.17 – Representação de uma roda cilíndrica de dentes inclinados cortada por um
plano perpendicular ao eixo e por um plano perpendicular à hélice primitiva.

O raio de curvatura da elipse da figura 3.17c pode ser calculado do seguinte modo
(Spotts e Shoup, 1998)
r
rc  (3.51)
cos2 
em que r representa o raio primitivo. O perfil do dente no plano perpendicular à héli-
ce do dente é o mesmo que o perfil para uma roda de dentes retos com um raio primi-
tivo rc. Assim, as propriedades de uma roda de dentes helicoidais são semelhantes às

22 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


de uma roda equivalente de dentes retos, cujo raio primitivo é rc. Com efeito, o nú-
mero de dentes equivalentes que uma roda de dentes retos deve ter para apresentar
propriedades idênticas às de uma roda de dentes helicoidais é dada por
dc
zc  (3.52)
mn
em que dc é o diâmetro primitivo equivalente e mn representa o módulo normal. As-
sim, substituindo a equação (3.51) na equação (3.52) resulta que
2r d
zc   (3.53)
cos  mn cos  mn
2 2

Atendendo a que
mn  mt cos  (3.54)
então, a equação (3.53) pode ser reescrita da seguinte forma
d
zc  (3.55)
cos  mt
3

Finalmente, da equação (3.55) resulta que


z
zc  (3.56)
cos3 
em que zc é o número de dentes equivalente ou virtual de uma roda dentada de dentes
retos equivalente e z é o número de dentes real da roda de dentes helicoidal. Deve
notar-se que zc não necessita de ser um número inteiro, ao contrário do que acontece
com o valor de z (Branco et al., 2009). O número de dentes equivalente é particular-
mente útil no cálculo da resistência dos dentes (Wilson e Sadler, 1993).
Da análise da equação (3.56) verifica-se que quando o valor de  é nulo, então o
número de dentes zc coincide com o número de dentes z. Contudo, à medida que o
valor do ângulo de hélice primitiva aumenta, o valor de zc aumenta também, até que
no caso limite, isto é, quando =90º, zc tende para infinito. O aparente maior número
de dentes tem consequências diretas nos problemas de interferências (Flores e Go-
mes, 2014b). Na verdade, podem utilizar-se menos dentes em engrenagens de denta-
do helicoidal do que no caso de engrenagens de dentado reto, sem que, com isso,
ocorram interferências de funcionamento (Branco et al., 2009).

Exercício 3.5
Enunciado: Considere uma engrenagem cilíndrica de dentado inclinado normaliza-
do, em que o pinhão e a coroa têm, respetivamente, 15 e 36 dentes. O pinhão é uma
roda esquerda, ao passo que a coroa é uma roda direita. Atendendo a que o módulo
real tem um valor igual a 3 mm e que o ângulo de inclinação da hélice primitiva é de
20º, calcule o número de dentes equivalente para o pinhão.

Padrão de resposta esperado:


Utilizando a equação (3.56) resulta que zc1 é igual a 18,08.

3. ENGRENAGENS CILÍNDRICAS DE DENTES INCLINADOS 23


3.7. RODAS CRUZADAS
Nesta secção faz-se uma breve abordagem às engrenagens cilíndricas de rodas
cruzadas9. A figura 3.18 ilustra o caso particular de duas rodas helicoidais cruzadas
em que o ângulo entre os eixos das rodas é igual a 90º. Com efeito, duas rodas cilín-
dricas de dentes helicoidais podem também ser utilizadas para transmitir potência
entre veios não paralelos e não concorrentes. Por isso, este tipo de engrenamento é
denominado de rodas cruzadas (Wilson e Sadler, 1993).

Figura 3.18 – Engrenagem cilíndrica exterior de dentes helicoidais de eixos cruzados.

Duas diferenças entre as engrenagens cilíndricas de eixos paralelos e de eixos cru-


zados devem desde já ser registadas. Em primeiro lugar, como é sabido, num engre-
namento de duas rodas cilíndricas de dentes helicoidais de eixos paralelos, aquelas
têm de ter o mesmo ângulo de hélice. No caso das rodas cruzadas, os ângulos de hé-
lice das rodas motora e movida não necessitam de apresentar o mesmo valor. Em
segundo lugar, nos engrenamentos em que os eixos são paralelos as rodas têm de ser
distintas no que diz respeito à direção da inclinação dos dentes, ou seja, uma roda
deverá ter hélice direita e a outra hélice esquerda. Porém, nas rodas cruzadas, as ro-
das apresentam, em geral, o mesmo tipo de hélice (Shigley e Uicker, 1980).
Uma outra caraterística que distingue as engrenagens cilíndricas de eixos parale-
los das de eixos cruzados prende-se com o tipo de contacto existente entre os dentes
da roda motora e da roda movida. Assim, nas primeiras o contacto dá-se segundo
uma linha, enquanto nas rodas cruzadas o contacto é do tipo pontual. Na verdade,
devido ao desgaste, o contacto nas rodas cruzadas deixa de ser pontual passando
também a ocorrer segundo uma linha. Por conseguinte, as rodas cruzadas devem
apenas ser utilizadas quando as cargas em jogo são relativamente pequenas (Mabie e
Reinholtz, 1987; Wilson e Sadler, 1993).
Nas rodas cruzadas o passo real ou normal é, nas mais das vezes, o valor indicado,
ao contrário do que acontece nas engrenagens cilíndricas de dentes helicoidais em
que o passo aparente é usualmente o valor especificado. A razão para tal prende-se
com o facto de nas rodas cruzadas o passo normal ser o mesmo em ambas as rodas,

9
As rodas cruzadas podem também ser designadas de engrenagens torsas (Flores e Gomes, 2014a).

24 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


enquanto o passo aparente ou transverso é diferente em virtude de se utilizarem ân-
gulos de hélice distintos (Shigley e Mischke, 1989). Deve ainda referir-se que nas
rodas cruzadas o alinhamento das rodas não necessita de ser tão rigoroso como no
caso das engrenagens helicoidais de eixos paralelos (Wilson e Sadler, 1993).

Roda 1

Roda 2

1


2

Figura 3.19 – Representação simplificada de duas rodas cruzadas.

A figura 3.19 diz respeito à planificação simplificada de duas rodas cruzadas, as


quais têm ângulos de hélice distintos, isto é, 1 e 2. Ambas as rodas apresentam hé-
lice direita sendo o ângulo formado pelos eixos das rodas representado pelo símbolo
. O valor do ângulo definido pelos eixos das rodas é igual à soma dos ângulos das
hélices, ou seja, (Shigley e Uicker, 1980)
Σ  1  2 (3.57)
Quando as rodas cruzadas apresentam hélices distintas10, então o ângulo definido
entre os seus eixos é igual à diferença entre os ângulos de hélice, isto é,
Σ  1  2 (3.58)
Tal como no caso das engrenagens cilíndricas helicoidais de eixos paralelos, nas
rodas cruzadas pode também escrever-se que (Mabie e Reinholtz, 1987)
mn1 z1
d1  mt1 z1  (3.59)
cos 1
mn 2 z2
d 2  mt 2 z2  (3.60)
cos  2

10
Na realidade, excetuando o caso em que os ângulos de hélice são pequenos, as rodas cruzadas apre-
sentam, em geral, a mesma direção para as hélices (Shigley e Uicker, 1980).

3. ENGRENAGENS CILÍNDRICAS DE DENTES INCLINADOS 25


Deve referir-se novamente que nas engrenagens de rodas cruzadas os passos (ou
módulos) normais são iguais em ambas as rodas. Assim, a distância entre os eixos
nas rodas cruzadas é dada por
d1  d 2
a (3.61)
2
Considerando agora as equações (3.59) e (3.60) resulta que

mn  z1 z 
a   2  (3.62)
2  cos 1 cos 2 
A figura 3.20 mostra as componentes das velocidades existentes no engrenamento
de duas rodas cruzadas relativas ao ponto primitivo. Da análise desta figura pode
observar-se que são iguais as componentes na direção normal. O mesmo não aconte-
ce com as componentes tangenciais, pelo que se verifica a existência de escorrega-
mento. Na verdade, nas rodas cruzadas existe escorregamento, inclusive no ponto
primitivo (Wilson e Sadler, 1993).

Roda 1

Roda 2
n

2 P

v2 1
1 t
vn
v1 
2

Figura 3.20 – Componentes das velocidades no contacto entre duas rodas cruzadas.

Atendendo ao que foi anteriormente dito e da análise da figura 3.20 podem escre-
ver-se as seguintes relações
v1n  v1 cos 1 (3.63)

v2n  v2 cos 2 (3.64)


Combinando agora as equações (3.63) e (3.64) resulta que
cos  2
v1  v2 (3.65)
cos 1

26 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


As velocidades angulares das rodas podem ser obtidas do seguinte modo,
v1
1  (3.66)
d1 / 2
v2
2  (3.67)
d2 / 2
Assim, a relação de velocidades angulares, ou seja, a relação de transmissão em
rodas cruzadas, pode ser calculada o seguinte modo
1 v1d 2
i  (3.68)
2 v2d1
Utilizando a equação (3.65) vem que
v2 cos  2d 2 d 2 cos  2
i  (3.69)
v2 cos 1d1 d1 cos 1
Considerando agora as equações (3.59) e (3.60), a equação (3.69) resulta em
mn z2 cos  2 cos 1 mn z2
i  (3.70)
cos  2mn z1 cos 1 mn z1
Atendendo a que o módulo real é igual em ambas as rodas, então a equação (3.70)
pode, finalmente, ser escrita da seguinte forma
z2
i (3.71)
z1
Pode, pois, observar-se que a relação de transmissão é, de modo semelhante às
engrenagens cilíndricas helicoidais de eixos paralelos, dada pelo quociente entre o
número de dentes das rodas movida e motora. Refira-se que no caso das rodas cruza-
das a relação de transmissão não é expressa em termos dos diâmetros primitivos co-
mo sucede nas engrenagens cilíndricas de dentes helicoidais de eixos paralelos.

Exercício 3.6
Enunciado: Duas rodas dentadas helicoidais de eixos cruzados têm um módulo real
de 15 mm. O pinhão, que é o órgão motor, tem 20 dentes e apresenta um ângulo de
hélice de 20º. O ângulo formado pelos eixos das rodas é igual a 50º. Ambas as rodas
são de hélice direita. Assim, atendendo a que a relação de transmissão é igual a 2,
calcule a distância entre eixos desta engrenagem (Wilson e Sadler, 1993).

Padrão de resposta esperado:


Em primeiro lugar deve considerar-se a equação (3.57) para determinar o ângulo
de hélice da roda movida, ou seja
50  20  2  2  30º
Deve agora calcular-se o número de dentes da roda movida, para o efeito deve fa-
zer-se uso do conceito da relação de transmissão, isto é
z2 z
i  2  2  z2  40 dentes
z1 20

3. ENGRENAGENS CILÍNDRICAS DE DENTES INCLINADOS 27


Finalmente, utilizando a equação (3.62) resulta que
15  20 40 
a     a  506 mm
2  cos20 cos30 
Nas rodas cruzadas a relação de transmissão não é expressa unicamente como
função dos diâmetros primitivos, como acontece no caso das engrenagens cilíndricas
de dentes retos e dentes inclinados, pois os ângulos de hélice das rodas motora e mo-
vida têm, em geral, valores diferentes. Por isso, os módulos (ou passos) aparentes em
rodas cruzadas são também distintos. Para que haja engrenamento entre duas rodas
cruzadas, estas devem apresentar o mesmo módulo real.
A figura 3.21 apresenta, para rodas helicoidais com hélice esquerda e direita, o
sentido das forças axiais que atuam nas rodas em função do sentido de rotação do
órgão motor. Os conceitos presentes nesta representação são de capital importância
para no estudo e seleção dos apoios para os eixos das rodas (Shigley e Mischke,
1989; Wilson e Sadler, 1993).

Roda motora Roda motora

Roda motora Roda motora

Hélice esquerda Hélice direita

Figura 3.21 – Representação das forças axiais que atuam nas rodas cruzadas em função da
direção das rodas e do sentido de rotação do órgão motor.

Exercício 3.7
Enunciado: Considere duas rodas cruzadas de módulo normal igual a 3 mm e um
ângulo de pressão é de 20º. O número de dentes do pinhão e da roda são, respetiva-
mente, iguais a 15 e 24, sendo os correspondentes ângulos de hélice de 20 e 30º. Cal-
cule para as ambas as rodas os seguintes parâmetros: (i) ângulo de pressão aparente,
(ii) número de dentes equivalente, (iii) diâmetro primitivo, (iv) diâmetro de base.

28 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


Padrão de resposta esperado:
t1 = 21,17º
t2 = 22,80º
zc1 = 18,08 dentes
zc2 = 36,95 dentes
d1 = 47,89 mm
d2 = 83,14 mm
db1 = 44,66 mm
db2 = 76,64 mm

3. ENGRENAGENS CILÍNDRICAS DE DENTES INCLINADOS 29


3.8. REVISÃO DE CONHECIMENTOS
Com o propósito de proporcionar uma revisão de conhecimentos sobre a temática
das engrenagens cilíndricas de dentes inclinados ou helicoidais, apresenta-se, nesta
secção, um conjunto diversificado de questões e exercícios de aplicação.

1. Discuta as principais diferenças entre as engrenagens cilíndricas de dentado


reto e as engrenagens cilíndricas de dentes inclinados.

2. Apresente duas desvantagens das engrenagens cilíndricas de dentes helicoidais


quando comparadas com as engrenagens de dentes retos.

3. Distinga roda dentada de hélice direita de roda de hélice esquerda.

4. Descreva o tipo de contacto existente entre duas rodas dentadas de dentes he-
licoidais.

5. Caraterize uma roda cilíndrica de dentado em espinha ou de dupla hélice.

6. Descreva, sucintamente, o processo de geração de um dente helicoidal com


perfil em evolvente.

7. Defina passo real ou normal de uma roda de dentado inclinado.

8. Faça um esboço, em perspetiva, de um dente inclinado onde se possa identifi-


car o passo normal e o passo aparente.

9. Deduza uma expressão que permita relacionar o ângulo de inclinação primiti-


va com o ângulo de inclinação de base.

10. Faça um esboço, em perspetiva, de um dente inclinado onde se possa identifi-


car o ângulo de pressão normal e o ângulo de pressão aparente.

11. Deduza uma expressão que permita relacionar dois quaisquer elementos real e
aparente.

12. Apresente e compare as expressões para os diâmetros de coroa e de raiz para


engrenagens de dentado reto e de dentado inclinado.

13. Diga como se pode calcular a distância entre eixos numa engrenagem cilíndri-
ca de dentes helicoidais.

14. Defina ângulo de inclinação primitiva para uma engrenagem cilíndrica de den-
tado inclinado.

15. Diga entre que valores pode variar o ângulo de inclinação primitiva para rodas
de hélice simples e rodas de dupla hélice.

30 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


16. Exponha o que entende por relação de recobrimento em engrenagens cilíndri-
cas de dentes inclinados.

17. Demonstre como pode determinar a relação de condução de uma engrenagem


cilíndrica de dentes helicoidais.

18. Diga como pode calcular o rendimento em engrenagens cilíndricas exteriores


de dentado inclinado.

19. Discuta a utilidade do traçado aproximado de Tredgold.

20. Discuta as principais caraterísticas das rodas helicoidais cruzadas.

21. Considere uma roda cilíndrica com 30 dentes helicoidais, cujo ângulo de héli-
ce primitiva é igual a 25º. Atendendo a que o módulo aparente é de 10 mm,
calcule os seguintes parâmetros: (i) diâmetro primitivo, (ii) módulo normal,
(iii) passo normal e (iv) passo aparente (Wilson e Sadler, 1993).

22. Considere uma engrenagem cilíndrica de dentado helicoidal normal, cujo pas-
so real é igual a 5 mm. O ângulo de inclinação primitiva é de 30º, sendo o nú-
mero de dentes do pinhão e da roda, respetivamente, igual a 15 e 24. Assim,
calcule para ambas a rodas: (i) o passo aparente, (ii) o diâmetro primitivo, (iii)
o número de dentes equivalente (Shigley e Uicker, 1980).

23. Um pinhão cilíndrico de dentes inclinados com hélice direita, com 12 dentes, é
utilizado para acionar uma roda cujo ângulo de hélice é de 45º. O dentado é
normalizado. A relação de transmissão da engrenagem é igual a 3. Assim, cal-
cule o rendimento desta engrenagem. Comente o resultado obtido (Shigley e
Uicker, 1980).

24. Duas rodas cilíndricas de dentes helicoidais constituem uma engrenagem ci-
líndrica de eixos paralelos em que o ângulo de hélice é de 20º. A relação de
transmissão é de 1,5 e a distância entre eixos é igual a 120 mm. O dentado é
normalizado. Assim, determine a relação de condução desta engrenagem. Co-
mente o resultado obtido (Mabie e Reinholtz, 1987).

25. Um trem é acionado por um motor elétrico de 1,5 kW de potência através de


uma engrenagem exterior de rodas cilíndricas de dentes inclinados. O motor
roda a 1000 rpm. O número de dentes do pinhão e da roda é de 19 e 76, respe-
tivamente. O dentado é normalizado, sendo o módulo real igual a 3 mm e o
ângulo de inclinação dos dentes igual a 26º. Assim, em relação ao engrena-
mento pinhão-roda determine os seguintes parâmetros geométricos: (i) módulo
aparente, (ii) saliência, (iii) reentrância, (iv) altura do dente, (v) ângulo de
pressão aparente. Represente graficamente os parâmetros geométricos calcu-
lados. Estude a continuidade do engrenamento do par cinemático pinhão-roda.
Comente o resultado obtido.

3. ENGRENAGENS CILÍNDRICAS DE DENTES INCLINADOS 31


3.9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Branco, C.M., Ferreira, J.M., da Costa, J.D., Ribeiro, A.S. (2009) Projecto de Órgãos de
Máquinas. 2ª Edição, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa.
Budynas, R.G., Nisbett, J.K. (2011) Elementos de Máquinas de Shigley. 8ª edição McGraw-
Hill, Brasil.
Drago, R.J. (1988) Fundamentals of Gear Design. London, Butterworths.
Flores, P. (2012) Análise Cinemática e Dinâmica de Mecanismos - Exercícios resolvidos e
propostos. Publindústria, Porto.
Flores, P., Claro, J.C.P. (2007) Cinemática de Mecanismos. Edições Almedina, Coimbra.
Flores, P., Gomes, J. (2014a) Cinemática e Dinâmica de Engrenagens. 1. Aspetos gerais
sobre engrenagens. Universidade do Minho, Escola de Engenharia, publicação inter-
na, Guimarães, Portugal, 41p.
Flores, P., Gomes, J. (2014b) Cinemática e Dinâmica de Engrenagens. 2. Engrenagens ci-
líndricas de dentes retos. Universidade do Minho, Escola de Engenharia, publicação
interna, Guimarães, Portugal, 44p.
Hamrock, B.J., Schmid, S.R., Jacobson, B. (2005) Fundamentals of Machine Elements. 2nd
Edition, McGraw-Hill, New York.
Henriot, G. (1979) Traité Théorique et Pratique des Engrenages. Editora Dunod.
Juvinall, R.C., Marshek, K.M. (2006) Fundamentals of Machine Component Design. John
Wiley and Sons, New York.
Mabie, H.H., Reinholtz, C.F. (1987) Mechanisms and Dynamics of Machinery. Fourth Editi-
on, John Wiley and Son, New York.
Niemann, G. (1971) Elementos de Máquinas. Volume II, Editora Edgard Blucher Ltda, São
Paulo, Brasil.
Norton, R.L. (2013) Machine Design. Pearson Education, New York.
Shigley, J.E., Mischke, C.R. (1989) Mechanical Engineering Design. 5th Edition, McGraw-
Hill, New York.
Shigley, J.E., Uicker, J.J. (1980) Theory of Machines and Mechanisms. McGraw-Hill, New
York
Spotts, M.F., Shoup, T.E. (1998) Design of Machine Elements. 7th Edition Prentice-Hall,
New Jersey.
Wilson, C.E., Sadler, J.P. (1993) Kinematics and Dynamics of Machinery. 2nd Edition, Har-
per Collins College Publishers, New York.

32 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


Cinemática e
Dinâmica de
Engrenagens
4. Engrenagens Cóni-
cas

Paulo Flores
José Gomes

Universidade do Minho
Escola de Engenharia

Guimarães 2015
ÍNDICE

4. Engrenagens Cónicas ................................................................................... 1

4.1. Introdução ................................................................................................ 1


4.2. Geração do Dente .................................................................................... 3
4.3. Nomenclatura .......................................................................................... 9
4.4. Traçado Aproximado de Tredgold ........................................................ 11
4.5. Relações Geométricas ........................................................................... 14
4.6. Parâmetros de Desempenho .................................................................. 20
4.7. Hipoides ................................................................................................. 23
4.8. Revisão de Conhecimentos ................................................................... 25
4.9. Referências Bibliográficas .................................................................... 27
É fundamental estudar muito para ficar a saber um pouco.
Montesqieu

4. ENGRENAGENS CÓNICAS

4.1. INTRODUÇÃO
Em geral, as engrenagens cónicas são utilizadas nas situações em que os eixos das
rodas motora e movida são concorrentes1 (Wilson e Sadler, 1993). As engrenagens
cónicas podem ter dentes retos, helicoidais e espirais ou curvos, podendo ainda apre-
sentar eixos descentrados2 (hipoides). A figura 4.1 ilustra os principais tipos de en-
grenagens cónicas (Flores e Gomes, 2014a).

(a) (b) (c) (d)


Figura 4.1 – (a) Engrenagem cónica de dentes retos; (b) Engrenagem cónica de dentes
helicoidais; (c) Engrenagem cónica de dentes espirais; (d) Hipoide.
As engrenagens cónicas de dentado reto apresentam elementos cónicos com a
mesma direção da geratriz do cone primitivo. Este tipo de dentado é mais simples e
mais frequentemente utilizado de entre os diversos tipos de dentes. As engrenagens
cónicas de dentes retos são das mais ruidosas. Por seu lado, as engrenagens cónicas
de dentes inclinados ou helicoidais apresentam um ângulo de inclinação da hélice e
são utilizados principalmente para transmissão de movimento entre eixos que fazem
entre si um ângulo de 90º. As engrenagens cónicas de dentes em espiral apresentam
os dentes curvos, são mais suaves e menos ruidosas e apresentam maior capacidade
de carga em virtude da maior área de contacto que proporcionam. Este tipo de dente
é mais difícil de produzir quando comparado com o dentado reto. Finalmente, as hi-
poides são semelhantes às engrenagens cónicas de dentes espirais e encontram como
uma das principais aplicações as unidades diferenciais de veículos pesados. Nas hi-
poides, os eixos das rodas estão descentrados. Este tipo de engrenagem é das mais
silenciosas e apresenta uma excelente capacidade de carga devido à maior área de
contacto entre os flancos dos dentes. Contudo, as hipoides apresentam rendimentos
mais baixos, geram maior quantidade de calor e requerem, por isso, lubrificantes
especiais, vulgo, lubrificantes de elevada viscosidade (Henriot, 1979; Shigley e
Uicker, 1980; Mabie e Reinholtz 1987; Drago, 1988; Branco et al., 2009).
Nas engrenagens cónicas as relações de transmissão são, em geral, mais baixas do
que nas engrenagens cilíndricas, podendo atingir, no máximo valores da ordem de
6:1. Na maioria dos casos, as engrenagens cónicas funcionam em transmissões cujos
eixos de rotação fazem entre si um ângulo de 90º. Embora não seja tão frequente, há

1
As engrenagens cónicas são frequentemente denominadas de engrenagens concorrentes, pelo facto
de os eixos das rodas se intersetarem.
2
Refira-se que nas engrenagens cónicas descentradas ou hipoides o desalinhamento deve ser o me-
nor possível de modo a minimizar as perdas por atrito e aquecimento (Niemann, 1971).

4. ENGRENAGENS CÓNICAS 1
também situações práticas em que os eixos das rodas apresentam um ângulo inferior
ou superior a 90º (Niemann, 1971). Para que haja engrenamento entre duas rodas
cónicas, os seus eixos devem intersetar-se no mesmo vértice3, independentemente do
tipo de dente e do ângulo que os eixos formam (Henriot, 1979; Shigley e Mischke,
1989). À semelhança das engrenagens cilíndricas, as engrenagens cónicas podem ser
exteriores ou interiores (Flores e Gomes, 2014a).
O diferencial dos automóveis é indubitavelmente o mais popular e conhecido
exemplo de aplicação de engrenagens cónicas, tal como o que se ilustra na figura 4.2.
De um modo simples pode definir-se diferencial como sendo uma associação de ro-
das dentadas que possibilita que as rodas motoras dos automóveis rodem com velo-
cidades angulares distintas, independentemente da direção do movimento do auto-
móvel4 (Branco et al., 2009; Paz, 2011).

Figura 4.2 – Diferencial de um automóvel.


A título de curiosidade refira-se que os principais processos de fabrico de rodas
cónicas são a maquinagem e a fundição5. A maquinagem (e.g. fresagem) permite a
obtenção de dentes com a geometria correta. Por seu lado, a fundição é utilizada ape-
nas em aplicações que, por um lado, operam a velocidades relativamente baixas e,
por outro, toleram ruído e vibrações (Branco et al., 2009)

3
É evidente que a hipoide é uma exceção a esta regra, pois, por definição, neste tipo de engrenagem
os eixos são descentrados.
4
O diferencial automóvel não será estudado no âmbito do presente documento. Para o efeito, o leitor
deverá consultar a literatura da especialidade, nomeadamente a que se refere ao estudo de trens de
engrenagens (Mabie e Reinholtz 1987).
5
Para determinadas situações também se produzem rodas dentadas cónicas por injeção de moldes,
prototipagem rápida e impressão 3D (Antunes, 2012).

2 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


4.2. GERAÇÃO DO DENTE
Nas engrenagens cónicas ou concorrentes, tal como o nome sugere, as superfícies
primitivas têm a forma cónica e rolam sem escorregar uma em relação à outra. As
superfícies primitivas nas engrenagens cónicas são frequentemente denominadas de
cones primitivos, tal como os que se mostram na figura 4.3 (Shigley e Uicker, 1980).
Para que duas rodas cónicas funcionem corretamente, os seus eixos devem cruzar-se
no mesmo vértice, o ponto S representado na figura 4.3. O passo primitivo dos dentes
depende da distância radial ao centro S. Durante o movimento relativo de duas rodas
cónicas, o qual é teoricamente do tipo esférico, cada ponto da engrenagem permane-
ce à mesma distância do vértice S (Shigley e Mischke, 1989).
Cone primitivo

Figura 4.3 – Representação dos cones primitivos de uma engrenagem cónica.

A geração do perfil dos dentes das rodas cónicas pode ser levada a cabo conside-
rando o método em evolvente. Tal como no caso das engrenagens cilíndricas, tam-
bém nas engrenagens cónicas os perfis dos dentes podem ser definidos pelo traçado
em evolvente. Nas primeiras considera-se uma circunferência de base, obtendo-se
uma evolvente cilíndrica, enquanto nas segundas se utiliza um cone de base, resul-
tando, deste modo, uma evolvente esférica. A evolvente esférica exata6 pode obter-se
pelo rolamento puro de um círculo gerador sobre o cone de base. O círculo gerador é
concêntrico e tangente ao cone de base, como se esquematiza na figura 4.4. O arco
PP’ representa parte da evolvente esférica exata que resulta da trajetória descrita pelo
ponto P pertencente à linha geratriz do elemento gerador, quando este último rola
sem escorregar sobre o cone de base (Wang et al., 2011).
As engrenagens cónicas em evolvente esférica têm relativamente pouco interesse
prático em virtude da dificuldade em obter rodas com o perfil exato (Shigley e
Uicker, 1980; Mabie e Reinholtz, 1987). Na verdade, os perfis dos dentes assim obti-
dos apresentam um flanco curvo com um ponto de inflexão, tal como se pode visua-
lizar na figura 4.5a. Por isso, na prática prefere-se o perfil piramidal ou trapezoidal
para a forma dos dentes das engrenagens cónicas, em detrimento do perfil exato. A
figura 4.5b diz respeito ao perfil piramidal ou trapezoidal (Niemann, 1971).

6
O termo exata é aqui utilizado para dar enfâse à evolvente esférica teórica, a qual é distinta da
evolvente real. A evolvente real é uma aproximação à evolvente teórica ou exata.

4. ENGRENAGENS CÓNICAS 3
Círculo gerador

Geratriz

S P

P’

Cone de base

Figura 4.4 – Evolvente esférica exata em engrenagens cónicas.


Na figura 4.6 representa-se uma secção de uma engrenagem cónica quando esta é
intersetada por uma superfície esférica cujo centro é coincidente com o vértice virtu-
al dos eixos das rodas. Os perfis dos dentes que se obtêm deste modo correspondem
aos perfis exatos dos dentes. Daqui pode inferir-se que o perfil dos dentes aumenta
com o aumento da superfície esférica considerada (Shigley e Uicker, 1980). Do que
acaba de ser exposto, pode observar-se que nas rodas cónicas a geometria de contac-
to deve ser examinada numa superfície esférica e não numa superfície plana como
acontece, por exemplo, no caso das engrenagens cilíndricas de dentes retos7 (Henriot,
1979; Flores e Gomes, 2014b).

(a) (b)
Figura 4.5 – Perfis de dentes de rodas cónicas; (a) Perfil exato; (b) Perfil aproximado.
A figura 4.7 diz respeito ao engrenamento de duas rodas cónicas em que a forma
dos dentes não é gerada em evolvente esférica. Na verdade, neste engrenamento exis-
te um pequeno desvio em relação ao perfil exato, em virtude das superfícies dos den-
tes serem constituídas por faces planas. Como consequência, a linha de ação 8 ou de
engrenamento apresenta a forma de oito, sendo, por isso, o perfil denominado de
octoide (Niemann, 1971). O engrenamento octoide corresponde ao desenvolvimento
7
Uma engrenagem cilíndrica de dentes retos pode ser vista como um caso particular de uma engre-
nagem cónica em que o raio da esfera tem um valor infinito, traduzindo-se num plano onde se pode
estudar a interação entre os dentes (Shigley e Uicker, 1980).
8
Na verdade, apenas parte da linha de ação é utilizada durante o engrenamento, isto é, a parte que é
aproximada de trajetória reta (Flores e Claro, 2007).

4 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


dos dentes em evolvente tal como acontece nas engrenagens cilíndricas. Deve ser
referido que neste tipo de perfil de dente se considera uma roda coroa9, a qual apre-
senta uma relação semelhante à cremalheira no caso das engrenagens cilíndricas.
Neste tipo de engrenamento, roda coroa roda cónica, as faces dos dentes são planas
que cruzam com o centro da esfera teórica, como se mostra na figura 4.7b. A figura
4.8 diz respeito ao engrenamento de rodas cónicas em que uma das rodas é do tipo
coroa (Flores e Gomes, 2014a).

Figura 4.6 – Secção esférica de uma engrenagem cónica.

(a) (b)
Figura 4.7 – Engrenamento de duas rodas cónicas.

9
A roda coroa pode ser considerada como um caso particular de uma roda cónica em que os dentes
se desenvolvem paralelamente ao eixo da roda. Este tipo de roda funciona com rodas similares às
cónicas e, em alguns casos, com rodas cilíndricas. A roda coroa encontra aplicação em relógios
mecânicos como mecanismo de escape (Flores e Claro, 2007).

4. ENGRENAGENS CÓNICAS 5
90º

Figura 4.8 – Engrenamento de duas rodas cónicas, sendo uma das rodas do tipo coroa.
Tal como se referiu anteriormente, as engrenagens cónicas ou concorrentes podem
apresentar dentes com formas diversas, tais como dentes retos, dentes helicoidais e
dentes espirais (Henriot, 1979; Budynas e Nisbett, 2011). A figura 4.9a diz respeito à
representação simplificada10 de uma engrenagem cónica de dentado reto. Neste caso
particular, pode observar-se que os dentes das rodas motora e movida concorrem no
vértice S dos cones primitivos.
Refira-se de novo que devido às inerentes dificuldades de talhe, as rodas cónicas
de dentado reto apresentam dentes piramidais, sendo, por isso, planas as faces dos
dentes11 (Drago, 1988). Na figura 4.9b ilustram-se as diferenças entre o dentado em
evolvente esférica e dentado piramidal para o caso das engrenagens cónicas de den-
tes retos (Niemann, 1971).

Perfil piramidal
Evolvente esférica
(a) (b)
Figura 4.9 – (a) Representação simplificada de uma engrenagem cónica de dentes retos;
(b) Dentado em evolvente esférica e dentado piramidal.

10
Por simplicidade, no presente texto apenas se representam os cones primitivos das rodas motora e
movida, sendo que os dentes estão materializados pela interseção dos próprios dentes com os cones
primitivos (Henriot, 1979; Niemann, 1971).
11
Na prática, na linha de engrenamento não existem grandes diferenças entre os dentados em evol-
vente esférica e piramidal, pelo que é de todo conveniente adotar este último caso para o dentado
reto em engrenagens cónicas.

6 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


S

Figura 4.10 – Engrenagem cónica de dentado helicoidal.


Na figura 4.10 representa-se, de modo simplificado, uma engrenagem cónica de
dentes helicoidais. Pelas razões acima expostas, também neste tipo de engrenagem se
prefere o dentado piramidal em detrimento do dentado em evolvente esférica. Deve
notar-se que neste caso as superfícies dos dentes não concorrem para o mesmo vérti-
ce virtual dos cones primitivos. A figura 4.11 ilustra perfis de dentes em evolvente
esférica e piramidal desenvolvidos para o caso de engrenagens cónicas de dentes
inclinados ou helicoidais (Henriot, 1979).

S’ S

S’

Evolvente esférica Perfil piramidal


Figura 4.11 – Dentado em evolvente esférica e piramidal para o caso de engrenagens
cónicas de dentado helicoidal.
A figura 4.12 mostra uma engrenagem cónica de dentes espirais ou curvos (Ni-
emann, 1971; Henriot, 1979).
Deve referir-se que as engrenagens cónicas são, por vezes, denominadas como
engrenagens esféricas ou concorrentes. A primeira designação não é de todo a mais
adequada em virtude do traçado aproximado de Tredgold transformar o engrenamen-
to esférico num engrenamento cónico. A segunda designação é mais apropriada, uma
vez que, em geral, os eixos das rodas podem intersetar-se. Deve ainda salientar-se
que as rodas cónicas são feitas aos pares, constituindo engrenagens em que as rodas
não são intermutáveis. À semelhança das engrenagens cilíndricas, nas engrenagens
cónicas o valor normalizado para o ângulo de pressão é de 20º. Geralmente, as rodas
cónicas têm 13 ou mais dentes (Juvinall e Marshek, 2006).

4. ENGRENAGENS CÓNICAS 7
S

Figura 4.12 – Engrenagem cónica de dentes espirais.

8 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


4.3. NOMENCLATURA
Nesta secção é introduzida a nomenclatura fundamental associada às engrenagens
cónicas. Para o efeito, considere-se a figura 4.13 em que se representam os principais
parâmetros geométricos e termos utilizados na caraterização de uma engrenagem
cónica (Branco et al., 2009).

h
ha

hf

Ge
b
b/2

rat
ior

ri z
Ge
ter

b/2

pri
x
re

rat

mi
nta

ri z
e

ti v
m
ple

a,
om

R
dia
nec
Co

, Rm
ior a
ter a,
i n beç
tar ca
m en  e de , f
ple c on e pé
com S do ed
ne ulo o con a,
a
Co g
Ân d aíd
gu
l o
de
s ,
Ân l o l t ura
 gu de
a
Ân lo Cone interior
g u
f Ân
Cone de cabeça
Cone primitivo

Círculo Cone de pé
médio

Cone exterior

Diâmetro de pé, df
Diâmetro primitivo, d
Diâmetro de cabeça, da

Figura 4.13 – Nomenclatura fundamental de uma engrenagem cónica.


A nomenclatura referente às engrenagens cónicas é em tudo semelhante à das en-
grenagens cilíndricas uma vez que se utiliza um grande número de termos iguais num
e noutro caso. Há, todavia, uma série de parâmetros e termos que merecem ser real-
çados, nomeadamente (Branco et al., 2009):
 – ângulo entre os eixos ou ângulo de conicidade,
 – ângulo de cone primitivo,
’ – ângulo de cone das rodas complementares,
a – ângulo de cone de cabeça ou coroa,
f – ângulo de cone de pé ou raiz,
 – ângulo de altura do dente,
a – ângulo de cabeça do dente ou de saliência,

4. ENGRENAGENS CÓNICAS 9
f – ângulo de pé do dente ou raiz,
d – diâmetro primitivo,
da – diâmetro de cabeça ou coroa,
df – diâmetro de pé ou raiz,
h – altura do dentado,
ha – altura de cabeça do dente ou saliência,
hf – altura de pé do dente ou reentrância,
R – geratriz primitiva,
Rm – geratriz média,
b – largura do dentado,
m – módulo exterior da engrenagem cónica ou módulo da engrenagem comple-
mentar ou equivalente.

Deve desde já referir-se que no caso das rodas cónicas, o passo é definido na ex-
tremidade exterior do dentado sobre os cones primitivos. Com efeito, o estabeleci-
mento das relações matemáticas entre o módulo, o passo, o número de dentes e os
diâmetros primitivos são as mesmas que se consideram para as engrenagens cilíndri-
cas, ou seja, (Flores e Gomes, 2014b),
d1  mz1 (4.1)
d 2  mz 2 (4.2)
p  mπ (4.3)
No atinente às proporções dos dentes, consideram-se as mesmas que no caso das
engrenagens cilíndricas, ou seja (Flores e Gomes, 2014b),
ha  m (4.4)

h f  1,25m (4.5)

h  2,25m (4.6)

10 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


4.4. TRAÇADO APROXIMADO DE TREDGOLD
Tal como foi mencionado anteriormente, nas engrenagens cónicas a geometria de
contacto é desenvolvida numa superfície esférica. Este facto torna a geração dos per-
fis dos dentes impraticável uma vez que é impossível planificar uma superfície esfé-
rica. O denominado traçado aproximado de Tredgold12 é um método simplificado
que permite ultrapassar a referida limitação. Na verdade, com este método os perfis
dos dentes são traçados não em superfícies esféricas, mas sim em superfícies cónicas.
Estas últimas apresentam a vantagem de possibilitar a sua planificação (Henriot,
1979; Juvinall e Marshek, 2006). A figura 4.14 ilustra os cones A e B tangentes à
superfície esférica dos segmentos primitivos das rodas. Os cones são depois desenro-
lados na superfície plana sendo os dentes das rodas gerados precisamente do mesmo
modo que no caso das engrenagens cilíndricas (Flores e Gomes 2014a).

Figura 4.14 – Traçado aproximado de Tredgold.


O traçado de Tredgold é um método aproximado13, cujo erro é difícil de quantifi-
car. Contudo, os perfis obtidos pelo traçado de Tredgold devem ser odontoides14 con-
jugados e, deste modo garantir constância na relação de transmissão (Flores e Go-
mes, 2014a). De um modo simples pode dizer-se que o traçado de Tredgold se baseia
no facto de um cone tangente a uma esfera, no ponto primitivo de uma engrenagem
cónica, apresentar uma superfície muito próxima da de uma esfera, quando aquela
está na vizinhança do ponto primitivo (Niemann, 1971). A figura 4.15a ilustra esta
ideia fundamental. O cone referido é denominado de cone complementar e pode ser
planificado. Assim, o perfil dos dentes de rodas cónicas, quando definido na parte de
trás do cone ou cone complementar, é idêntico ao que se obtém para uma roda cilín-
drica com um diâmetro primitivo equivalente, tal como se representa na figura 4.15b.
Com efeito, uma vez determinado o número de dentes equivalente, a análise do de-
sempenho de uma engrenagem cónica é em tudo semelhante à de uma engrenagem
cilíndrica equivalente (Henriot, 1979; Spotts e Shoup, 1998; Hamrock et al., 2005;
Juvinall e Marshek, 2006; Budynas e Nisbett, 2011).

12
O método aproximado de Tredgold foi proposto pelo engenheiro britânico Thomas Tredgold em
1822, tendo sido adotado desde então até aos nossos dias (Crosher, 2014).
13
Na verdade, este método é suficientemente exato desde que a engrenagem cónica contenha rodas
com 8 ou mais dentes. Em geral, as rodas cónicas devem ter pelo menos 13 dentes.
14
Odontoide diz respeito a algo que apresenta a forma de dente.

4. ENGRENAGENS CÓNICAS 11
Superfície esférica Cone complementar

re
r

Cone primitivo

Ponto primitivo
(a) (b)
Figura 4.15 – (a) Representação do traçado aproximado de Tredgold; (b) Representação da
roda cilíndrica equivalente a uma roda cónica.
A figura 4.16 ilustra uma engrenagem cónica e a correspondente engrenagem ci-
líndrica equivalente formada a partir dos respetivos cones complementares. A engre-
nagem equivalente é construída a partir dos raios equivalentes representados na figu-
ra 4.16. Os raios equivalentes correspondem à geratriz dos cones complementares.

r1
re1

1

2

r2
re2

Figura 4.16 – Engrenagem cónica e engrenagem cilíndrica equivalente.


Da análise da figura 4.16 observa-se que os raios equivalentes são dados por
r1
re1  (4.7)
cos1
r2
re 2  (4.8)
cos 2
sendo r1 e r2 os raios primitivos das rodas cónicas e 1 e 2 os ângulos primitivos.

12 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


Por seu lado, o número de dentes das rodas cilíndricas equivalentes pode ser de-
terminado recorrendo às seguintes relações (Shigley e Uicker, 1980; Norton, 2013),
z1
ze1  (4.9)
cos1
z2
ze 2  (4.10)
cos 2
Da análise das equações (4.9) e (4.10) verifica-se que o número de dentes equiva-
lente não é, necessariamente, um número inteiro. Uma vez que o número de dentes
equivalente é sempre superior ao número de dentes real, uma engrenagem cónica
apresenta um funcionamento mais suave do que uma engrenagem cilíndrica com o
mesmo número de dentes. Tal facto, decorre da existência de maiores comprimentos
de condução. Deve ainda salientar-se que a engrenagem cónica e a engrenagem ci-
líndrica equivalente apresentam o mesmo módulo (Henriot, 1979). Com efeito, o
estudo dos parâmetros de desempenho de uma engrenagem cónica pode ser levada a
cabo considerando a análise da engrenagem cilíndrica equivalente, virtual ou imagi-
nária, em que o número de dentes é dado pelas expressões (4.9) e (4.10).

Exercício 4.1
Enunciado: Considere uma engrenagem cónica exterior de dentado reto cujo ângulo
primitivo do pinhão é igual a 18,43º. O ângulo de conicidade das rodas é igual 90º.
Atendendo a que o pinhão e a roda têm, respetivamente, 16 e 48 dentes, determine o
número de dentes formativo da engrenagem cilíndrica equivalente.

Padrão de resposta esperado:


Sabendo que a soma dos ângulos primitivos das rodas é igual a 90º e que o ângulo
primitivo do pinhão é de 18,43º resulta que 2=71,57º. Aplicando agora as equações
(4.9) e (4.10) resulta que
ze1 = 16,86
ze2 = 151,83

4. ENGRENAGENS CÓNICAS 13
4.5. RELAÇÕES GEOMÉTRICAS
Nesta secção são apresentadas as principais relações geométricas e proporções dos
dentes para o caso das engrenagens cónicas. Para o efeito, considere-se a figura 4.17,
relativa à representação esquemática de um engrenamento cónico, cujas velocidades
de rotação são, respetivamente, 1 e 2. Ainda nesta figura está representado o eixo
instantâneo de rotação15, SI, da engrenagem, em que I denota o ponto primitivo exte-
rior (Niemann, 1971; Henriot, 1979).


S 1 A
1
2
2 

Figura 4.17 – Representação esquemática de um engrenamento cónico.


Por definição, a velocidade linear do ponto primitivo é dada por
v1  v2  IA1  IB2 (4.11)
ou seja
1 IB z2
i   (4.12)
2 IA z1
Atendendo a que
IA  SIsen1 (4.13)

IB  SIsen 2 (4.14)
resulta que
 sen 2 z2
i 1   (4.15)
2 sen1 z1
Da análise da equação (4.15) pode concluir-se que o estabelecimento dos ângulos
primitivos, 1 e 2, depende da relação de transmissão, sendo o ângulo de conicidade
dado pela seguinte relação matemática
Σ  1   2 (4.16)

15
Quando um corpo roda no espaço tridimensional em relação a outro corpo, existe um eixo comum
de rotação, cuja posição relativamente a ambos os corpos pode ou não variar de instante para ins-
tante. A estes eixos dá-se o nome de eixos instantâneos de rotação (Flores e Claro, 2007).

14 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


Com efeito, conhecidos os valores de  e de i podem facilmente calcular-se os ân-
gulos primitivos 1 e 2. Deve dizer-se que na maioria dos casos, as engrenagens có-
nicas apresentam um ângulo de conicidade de 90º (Henriot, 1979).
A velocidade instantânea de rotação do engrenamento representado na figura 4.17
é expressa do seguinte modo,

  12  22  212 cos Σ (4.17)


em que os sinais (+) e (–) se referem a engrenagens exteriores e interiores, respeti-
vamente (Henriot, 1979).
Conforme se trate de engrenagens exteriores ou interiores, o estabelecimento do
valor do ângulo formado entre os eixos das rodas permite distinguir cinco posições
relativas dos cones primitivos de duas rodas cónicas. A figura 4.18 ilustra esquemati-
camente estas cinco situações distintas.

S
 1

 1
2
2

(a) (b)


S 1

2 1
2

(c) (d)

1
S

2=90º

(e)
Figura 4.18 – Posições relativas dos cones primitivos em engrenagens cónicas: (a) Engre-
nagem exterior, =90º; (b) Engrenagem exterior, <90º; (c) Engrenagem exterior, >90º;
(d) Engrenagem interior, <90º; (e) Engrenagem interior com roda plana, >90º.

4. ENGRENAGENS CÓNICAS 15
Para engrenagens exteriores em que =90º tem-se que
1   2  Σ (4.18)
z1
tg1  (4.19)
z2
z2
tg 2  (4.20)
z1
1 sen 2 sen(90 - 1)
i    cotg1 (4.21)
2 sen1 sen1
Para engrenagens exteriores em que <90º tem-se que
senΣ
tg 2  (4.22)
z1
 cos Σ
z2
1  Σ   2 (4.23)
Para engrenagens exteriores em que >90º tem-se que
sen(180  Σ )
tg 2  (4.24)
z1
 cos(180  Σ )
z2
1  Σ   2 (4.25)
Para engrenagens interiores em que <90º tem-se que
senΣ
tg 2  (4.26)
z
senΣ  1
z2
1   2  Σ (4.27)
Para engrenagens interiores em que >90º, sendo a roda plana, tem-se que
 2  90 º (4.28)
1  Σ   2 (4.29)
Tal como foi referido anteriormente, nas engrenagens cónicas as proporções dos
dentes são estabelecidas na extremidade exterior dos dentes sobre as circunferências
primitivas (Henriot, 1979). Para dentados normais tem-se que
ha  m (saliência) (4.30)

h f  1,25m (reentrância) (4.31)

2sen
tg a  (ângulo de saliência) (4.32)
z

16 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


2,5sen
tg f  (ângulo de reentrância) (4.33)
z
sen(   a )
da  d  d  2ha cos (diâmetro de cabeça) (4.34)
sen cos a
sen(   f )
df d  d  2h f cos (diâmetro de pé) (4.35)
sen cos f

d
R  r12  r22 (geratriz primitiva) (4.36)
2sen
b
Rm  R  (geratriz média) (4.37)
2
É oportuno salientar-se que os valores do passo, módulo, espessura e intervalo se
referem sempre à engrenagem cilíndrica equivalente (Flores e Gomes, 2014b). O
ângulo de pressão real e outras grandezas desta natureza, no caso de dentes helicoi-
dais, são definidos sobre a circunferência média da roda.

Exercício 4.2
Enunciado: Considere uma engrenagem cónica exterior de dentado reto, cujo valor
do ângulo formado pelos eixos das rodas é igual a 70º. Atendendo a que a relação de
transmissão é igual a 2, determine os valores dos ângulos primitivos das rodas (Wil-
son e Sadler, 1993).

Padrão de resposta esperado:


Da aplicação da equação (4.22) vem que
sen70
tg 2    2  48,2º
1
 cos70
2
Por seu lado, da aplicação da equação (4.23) resulta que
1  Σ   2  70  48,2  1  21,8º

Exercício 4.3
Enunciado: Considere uma engrenagem cónica exterior de dentado reto, cujo ângulo
entre os eixos das rodas é igual a 90º. Atendendo a que a relação de transmissão é
igual a 3, o módulo é de 4 mm e que a roda tem 48 dentes, determine: (i) os diâme-
tros primitivos das rodas; (ii) os ângulos primitivos e (iii) a geratriz primitiva.

Padrão de resposta esperado:


Pela definição de relação de transmissão pode conhecer-se o número de dentes do
pinhão, ou seja
z2 48
i 3  z1  16
z1 z1

4. ENGRENAGENS CÓNICAS 17
Assim, da aplicação das equações (4.1) e (4.2) obtêm-se os diâmetros primitivos
das rodas, isto é
d1  mz1  4  16  d1  64 mm
d 2  mz 2  4  48  d 2  192 mm
Por seu lado, atendendo a que o ângulo de conicidade é de 90º, os ângulos primi-
tivos das rodas podem ser calculados utilizando as equações (4.19) e (4.20), ou seja
z1 16
tg1   1  tg 1  1  18,43º
z2 48
z2 48
tg 2    2  tg 1   2  71,57 º
z1 16
Finalmente, a geratriz primitiva pode ser determinada recorrendo à equação
(4.36), resultando que
d1 64
R1    R1  101,2 mm
2sen1 2sen18,43
d2 192
R2    R2  101,2 mm
2sen 2 2sen71,57

Exercício 4.4
Enunciado: Para o enunciado do exercício 4.3, calcule as proporções dos dentes das
duas rodas, os ângulos de saliência e de reentrância, bem como os diâmetros de co-
roa. Considere o dentado normalizado.

Padrão de resposta esperado:


As proporções dos dentes podem ser calculadas utilizando as equações (4.30) e
(4.31), resultando que
ha = m = 4 mm
hf = 1,25m = 5 mm
h = 2,25m = 9 mm
O ângulo de saliência ou de saída é dado pela equação (4.32), ou seja
2sen1 2sen18,43
tg a1     a1  2,26º
z1 16
2sen 2 2sen71,57
tg a 2     a 2  2,26º
z2 48
O ângulo de reentrância ou de saída é dado pela equação (4.33), ou seja
2,5sen1 2,5sen18,43
tg f 1     f 1  2,83º
z1 16

2,5sen 2 2,5sen71,57
tg f 2     f 2  2,83º
z2 48

18 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


Os diâmetros de coroa ou de cabeça podem ser determinados recorrendo à equa-
ção (4.34), ou seja
sen(1   a1 ) sen(18,43  2,26)
d a1  d1  64  d a1  71,6 mm
sen1 cos a1 sen18,43 cos 2,26
sen( 2   a 2 ) sen(71,57  2,26)
da2  d2  192  d a 2  194,5 mm
sen 2 cos a 2 sen71,57 cos 2,26

4. ENGRENAGENS CÓNICAS 19
4.6. PARÂMETROS DE DESEMPENHO
O estudo dos parâmetros de desempenho das engrenagens cónicas de dentado reto
ou inclinado é idêntico ao que foi apresentado para o caso das engrenagens cilíndri-
cas correspondentes (Flores e Gomes, 2014b; Flores e Gomes, 2014c). Para o efeito é
necessário, em primeiro lugar, determinar o número de dentes equivalente utilizando
o método aproximado de Tredgold (Mabie e Reinholtz, 1987), ou seja
z
ze  (4.38)
cos
em que z representa o número de dentes da roda cónica e  denota o ângulo de cone
primitivo. Tal como já foi referido anteriormente, o número de dentes equivalente é
superior ao número de dentes real, pelo que as engrenagens cónicas apresentam um
funcionamento mais suave do que as engrenagens cilíndricas com o mesmo número
de dentes (Juvinall e Marshek, 2006; Budynas e Nisbett, 2011).
De entre os diversos parâmetros de desempenho, o estudo da continuidade do en-
grenamento é, sem dúvida, o que se revela de maior importância. Assim, para engre-
nagens cónicas de dentes retos, a relação de condução pode ser calculada do seguinte
modo (Flores e Gomes, 2014b)

1  ze22 z2 z z 
 sen 2  ze 2  1  e1 sen 2  ze1  1  e1 e 2 sen  (4.39)
π cos  4 4 2 
 
em que  representa o ângulo de pressão, sendo o número de dentes equivalente da-
do pela equação (4.38). Esta análise é verdadeira, pois se se considerar uma vista
perpendicular à linha do cone primitivo, o engrenamento das rodas cónicas é em tudo
semelhante ao engrenamento de duas rodas cilíndricas de dentes retos (Niemann,
1971; Henriot, 1979; Wilson e Sadler, 1993).
Por seu lado, para engrenagens cónicas de dentes inclinados, a relação de condu-
ção é escrita da seguinte forma (Flores e Gomes, 2014c)
l btg
  (4.40)
πmt cos t πmt
onde o primeiro termo do segundo membro desta equação é dado por
 z2 
 e 2 sen 2  z cos   cos2   
 4 t e2 
 
1  ze21 
 sen 2 t  ze1 cos   cos2    (4.41)
π cos t  4 
 ze1  ze 2 
 sen t 
 2 
 

em que t denota o ângulo de pressão aparente,  representa o ângulo de inclinação


primitivo, sendo o número de dentes equivalente dado pela equação (4.38). Na equa-
ção (4.40), a variável b diz respeito à largura dos dentes.

20 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


Relembre-se que o ângulo de pressão real (n), o ângulo de pressão aparente (t)
e o ângulo de inclinação da hélice primitiva () podem relacionar-se do seguinte mo-
do (Flores e Gomes, 2014c)
tg n  tg t cos  (4.42)
Por seu lado, o módulo real (mn) e o módulo aparente (mt) relacionam-se da se-
guinte forma (Flores e Gomes, 2014c)
mn  mt cos  (4.43)

Exercício 4.5
Enunciado: Considere uma engrenagem cónica de dentado reto normalizado em que
o ângulo de conicidade é igual a 90º. Atendendo a que o módulo é de 3 mm, a rela-
ção de transmissão é igual a 2 e que o pinhão tem 20 dentes, determine a relação de
condução deste par cinemático. Comente o resultado obtido.

Padrão de resposta esperado:


Em primeiro lugar, pela definição de relação de transmissão pode calcular-se o
número de dentes da roda, ou seja
z z
i  2  2  2  z2  40
z1 20

Atendendo a que o ângulo de conicidade é de 90º, os ângulos primitivos do pinhão


e da roda podem ser calculados utilizando as equações (4.19) e (4.20), ou seja
z 20
tg1  1  1  tg 1  1  26,57º
z2 40

z 40
tg 2  2   2  tg 1   2  63,43º
z1 20

Considerando agora a equação (4.38) pode conhecer-se o número de dentes equi-


valente do pinhão e da roda, ou seja
z1 20
ze1    ze1  22,36
cos1 cos 26,57

z2 40
ze 2    ze2  89,44
cos 2 cos 63,43

Atendendo a que o dentado é normalizado, isto é =20º, então utilizando a equa-


ção (4.39) pode calcular-se a relação de condução, ou seja, =1,71. Observa-se que
existe continuidade de engrenamento, uma vez que a relação de condução é superior
aos valores recomendados (Flores e Gomes, 2014b).

Exercício 4.6
Enunciado: Considere que a engrenagem descrita no exercício 4.5 apresenta uma
inclinação de dentes igual a 35º e uma largura de 10 mm para os dentes. Assim, estu-
de a continuidade do engrenamento da referida engrenagem.

4. ENGRENAGENS CÓNICAS 21
Padrão de resposta esperado:
Utilizando os dados apresentados na resolução do exercício 4.5, após a aplicação
da equação (4.40) relativa à relação de condução de engrenagens com dentes helicoi-
dais, resulta que a relação de condução total é de 1,89. Verifica-se, portanto, que a
engrenagem cónica descrita apresenta boa continuidade de engrenamento.

No que diz respeito ao cálculo do rendimento nas engrenagens cónicas podem se


consideradas as expressões apresentadas para os casos das engrenagens cilíndricas de
dentes retos ou helicoidais uma vez obtidas as engrenagens equivalentes correspon-
dentes utilizando para o efeito o traçado aproximado de Tredgold (Henriot, 1979).
Do mesmo modo, a temática das interferências de funcionamento pode ser anali-
sada tendo em consideração as expressões relativas às engrenagens cilíndricas de
dentado reto ou de dentado inclinado, desde que se substituam o valor de z1 e z2 pelos
números de dentes equivalentes, recorrendo à equação (4.38) para este efeito. Assim,
para o caso de dentados retos, o número mínimo de dentes que uma roda deve ter
para se evitar interferências de funcionamento é dado por (Flores e Gomes, 2014b)
4( ze 2  1)
ze1   ze 2  ze22  (4.44)
sen 2
Introduzindo agora o número de dentes equivalentes na equação (4.44) resulta que

 z 
2 4 2  1
 z  cos 2
  
z1 z
  2   2  (4.45)
cos1 cos 2  cos 2  sen 
2

ou seja

4 cos1z2  1 cos1
2
cos1  cos1 
z1   z2   z2   (4.46)
cos 2  cos 2  sen 2 cos 2

Quando z2 tende para infinito, a equação (4.46) pode ser simplificada do seguinte
modo (Henriot, 1979)
2 cos1
z1  (4.47)
sen 2
Finalmente, para o caso das engrenagens cónicas terem dentes inclinados deve
proceder-se do mesmo modo, determinando o número de dentes da engrenagem ci-
líndrica equivalente e aplicam-se as mesmas expressões estabelecidas para as engre-
nagens cilíndricas de dentes inclinados (Flores e Gomes, 2014c).

22 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


4.7. HIPOIDES
Tal como no caso das engrenagens cilíndricas, nas engrenagens cónicas o dentado
reto é bastante utilizado uma vez que o seu projeto e fabrico são relativamente sim-
ples de concretizar. A montagem das engrenagens cónicas de dentes retos deve ser
bastante cuidada de modo a garantir o bom funcionamento (Branco et al., 2009).
Contudo, quando as velocidades de funcionamento são elevadas, as engrenagens
cónicas de dentes retos são assaz ruidosas.
Com o intuito de obter engrenamentos mais suaves utilizam-se rodas cónicas com
dentes curvos, tal como se ilustra na figura 4.19. O ângulo de pressão neste tipo de
dentado é, em geral, o mesmo que se considera para o dentado reto, ou seja, =20º.
Por seu lado, o ângulo de espiral é normalmente igual a 35º. Quando o ângulo de
espiral é nulo, o dentado denomina-se de dentado zerol (Wilson e Sadler, 1993).

(a) (b) (c)


Figura 4.19 – Diferentes formas de dentes de rodas cónicas.
As rodas cónicas de dentes curvos possibilitam funcionamentos mais silenciosos,
com velocidades e cargas elevadas. As transmissões com dentados curvos são mais
suaves, uma vez que o próprio engrenamento é mais gradual, e proporcionam engre-
namentos com maior número de dentes em contacto ao mesmo tempo, isto é, com
maiores relações de condução (Wilson e Sadler, 1993).
Quando se torna necessário a utilização de rodas com eixos não concorrentes em-
pregam-se engrenagens denominadas de hipoides16, tal como a que se representa na
figura 4.20. As hipoides são engrenagens mais suaves que as engrenagens cónicas de
dentes curvos e proporcionam maior capacidade de transmissão de carga. Na verda-
de, nas hipoides proporcionam um maior número de dentes em contacto ao mesmo
tempo, tornando o engrenamento mais silencioso. Pode dizer-se que a passagem de
dentados espirais para engrenagens hipoides é equivalente à passagem de dentados
retos para dentados helicoidais. Como inconvenientes, as hipoides têm um funcio-
namento que combina rolamento com escorregamento. Quanto maior for o descen-
tramento dos eixos das rodas, maior será o escorregamento entre as superfícies dos
dentes. Como consequência, as hipoides apresentam rendimentos mais baixos devido
ao escorregamento existente e requerem a utilização de lubrificantes adequados às
cargas e temperaturas em jogo. Uma vez que as hipoides são soluções bastante com-
pactas e possibilitam relações de transmissão17 elevadas, este tipo de engrenagens
são utilizadas em diferenciais automóveis (Shigley e Uicker, 1980). O projeto de
hipoides é, em geral, mais exigente do que os demais tipos de engrenagens cónicas
(Henriot, 1979; Mabie e Reinholtz, 1987; Budynas e Nisbett, 2011).
16
Esta denominação decorre do facto das superfícies primitivas serem hiperboloides de revolução.
17
As hipoides podem apresentar relações de transmissão até 100:1 (Spotts e Shoup, 1998).

4. ENGRENAGENS CÓNICAS 23
Figura 4.20 – Ilustração de uma engrenagem hipoide.

24 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


4.8. REVISÃO DE CONHECIMENTOS
Com o propósito de proporcionar uma revisão de conhecimentos sobre a temática
das engrenagens cónicas, apresenta-se, nesta secção, um conjunto diversificado de
questões e exercícios de aplicação.

1. Apresente quatro tipos de engrenagens cónicas.

2. Discuta as principais caraterísticas das engrenagens cónicas.

3. Descreva as principais aplicações das engrenagens cónicas.

4. Liste algumas vantagens associadas às engrenagens descentradas.

5. Descreva sucintamente o processo de traçado de perfis de dentes para engre-


nagens cónicas.

6. Distinga perfil exato de perfil aproximado nas rodas cónicas.

7. Diga o que entende por roda coroa.

8. Defina ângulo de conicidade de uma engrenagem cónica.

9. Defina ângulo primitivo de uma roda cónica.

10. Para as engrenagens cónicas, diga em que zona das rodas se define o passo.

11. Diga em que consiste o traçado aproximado de Tredgold.

12. Qual a utilidade do traçado aproximado de Tredgold?

13. Diga como se pode obter o número de dentes formativo ou imaginário de uma
roda cónica.

14. Diga o que entende por roda cilíndrica equivalente.

15. Represente graficamente uma roda cónica e a correspondente roda cilíndrica


equivalente.

16. Diga como podem ser definidos os ângulos de conicidade em engrenagens có-
nicas.

17. Descreva as principais caraterísticas das hipoides.

18. Considere uma engrenagem cónica de dentes helicoidais cujo ângulo de coni-
cidade é igual a 90º. Atendendo a que a relação de transmissão é igual a 4, o
ângulo de inclinação primitiva é igual a 30º e que o pinhão tem 15 dentes, de-
termine o número de dentes equivalentes.

4. ENGRENAGENS CÓNICAS 25
19. Considere que na engrenagem descrita no exercício 18 a largura dos dentes é
igual a 30 mm. Assim, calcule a relação de condução da referida engrenagem.
Comente o resultado obtido.

20. Considere uma engrenagem cónica de dentado reto normalizado em que o ân-
gulo de conicidade é igual 90º. Atendendo a que o módulo é de 3 mm, a rela-
ção de transmissão é igual a 2 e que o pinhão tem 20 dentes, calcule a relação
de condução deste engrenamento. Comente o resultado obtido.

21. Considere que a engrenagem descrita no exercício 20 apresenta uma inclina-


ção de hélice dos dentes igual a 35º e os dentes têm uma largura de 5 mm. As-
sim, estude a continuidade do engrenamento desta engrenagem.

22. Uma engrenagem cónica de dentado reto normalizado apresenta um ângulo de


conicidade de 120º. O módulo da engrenagem é igual a 3 mm. O pinhão e a
roda têm 15 e 33 dentes, respetivamente. Assim, determine os ângulos primi-
tivos das rodas desta engrenagem.

23. Para o engrenamento descrito no exercício 22 calcule as proporções dos den-


tes, bem como os diâmetros primitivos das rodas.

24. Considere uma engrenagem cónica exterior de dentado reto, cujo valor do ân-
gulo formado pelos eixos das rodas é igual a 105º. Atendendo a que a relação
de transmissão é igual a 2 e que o pinhão tem 20 dentes, calcule as proporções
dos dentes, os diâmetros primitivos das rodas, bem como os ângulos de saliên-
cia e de reentrância.

25. Faça a representação gráfica da engrenagem caraterizada no exercício 24, in-


dicando os parâmetros calculados.

26 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


4.9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Antunes, F. (2012) Mecânica Aplicada - Uma abordagem prática. Lidel.
Branco, C.M., Ferreira, J.M., da Costa, J.D., Ribeiro, A.S. (2009) Projecto de Órgãos de
Máquinas. 2ª Edição, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa.
Budynas, R.G., Nisbett, J.K. (2011) Elementos de Máquinas de Shigley. 8ª edição McGraw-
Hill, Brasil.
Crosher, W.P. (2014) A Gear Chronology: Significant Events and Dates Affecting Gear De-
velopment. Xlibris Corporation, London.
Drago, R.J. (1988) Fundamentals of Gear Design. London, Butterworths.
Flores, P., Claro, J.C.P. (2007) Cinemática de Mecanismos. Edições Almedina, Coimbra.
Flores, P., Gomes, J. (2014a) Cinemática e Dinâmica de Engrenagens. 1. Aspetos gerais
sobre engrenagens. Universidade do Minho, Escola de Engenharia, publicação inter-
na, Guimarães, Portugal, 41p.
Flores, P., Gomes, J. (2014b) Cinemática e Dinâmica de Engrenagens. 2. Engrenagens ci-
líndricas de dentes retos. Universidade do Minho, Escola de Engenharia, publicação
interna, Guimarães, Portugal, 44p.
Flores, P., Gomes, J. (2014c) Cinemática e Dinâmica de Engrenagens. 3. Engrenagens ci-
líndricas de dentes inclinados. Universidade do Minho, Escola de Engenharia, publi-
cação interna, Guimarães, Portugal, 32p.
Hamrock, B.J., Schmid, S.R., Jacobson, B. (2005) Fundamentals of Machine Elements. 2nd
Edition, McGraw-Hill, New York.
Henriot, G. (1979) Traité Théorique et Pratique des Engrenages. Editora Dunod.
Juvinall, R.C., Marshek, K.M. (2006) Fundamentals of Machine Component Design. John
Wiley and Sons, New York.
Mabie, H.H., Reinholtz, C.F. (1987) Mechanisms and Dynamics of Machinery. Fourth Editi-
on, John Wiley and Son, New York.
Niemann, G. (1971) Elementos de Máquinas. Volume II, Editora Edgard Blucher Ltda, São
Paulo, Brasil.
Norton, R.L. (2013) Machine Design. Pearson Education, New York.
Paz, A. (2011) Manual do Automóvel. 2ª Edição. Hemus, São Paulo.
Shigley, J.E., Mischke, C.R. (1989) Mechanical Engineering Design. 5th Edition, McGraw-
Hill, New York.
Shigley, J.E., Uicker, J.J. (1980) Theory of Machines and Mechanisms. McGraw-Hill, New
York.
Spotts, M.F., Shoup, T.E. (1998) Design of Machine Elements. 7th Edition Prentice-Hall,
New Jersey.
Wang, Y., Yang, Z., Li, L., Zhang, X. (2011) The equation of meshing of spiral bevel gears
manufactured by generating-line method. The Open Mechanical Engineering Journal,
5, 51-55.
Wilson, C.E., Sadler, J.P. (1993) Kinematics and Dynamics of Machinery. 2nd Edition, Har-
per Collins College Publishers, New York.

4. ENGRENAGENS CÓNICAS 27
Cinemática e
Dinâmica de
Engrenagens
5. Engrenagens de Para-
fuso Sem-Fim

Paulo Flores
José Gomes

Universidade do Minho
Escola de Engenharia

Guimarães 2015
ÍNDICE

5. Engrenagens de Parafuso Sem-Fim............................................................ 1

5.1. Introdução ................................................................................................ 1


5.2. Geração do Dente .................................................................................... 6
5.3. Perfis dos Filetes...................................................................................... 9
5.4. Nomenclatura ........................................................................................ 12
5.5. Relação de Transmissão ........................................................................ 14
5.6. Relações Geométricas ........................................................................... 19
5.7. Parâmetros de Desempenho .................................................................. 24
5.8. Revisão de Conhecimentos ................................................................... 30
5.9. Referências Bibliográficas .................................................................... 32
Não há saciedade no estudo.
Erasmo de Roterdão

5. ENGRENAGENS DE PARAFUSO SEM-FIM

5.1. INTRODUÇÃO
As engrenagens de parafuso sem-fim pertencem ao grupo das engrenagens torsas1,
em que uma das rodas tem a forma de um parafuso (Branco et al., 2009). As engre-
nagens de parafuso sem-fim podem também ser consideradas como um caso particu-
lar das engrenagens helicoidais cruzadas, sendo que a capacidade de carga é maior
no caso do parafuso sem-fim (Flores e Gomes, 2014c). A figura 5.1 ilustra uma en-
grenagem de parafuso sem-fim com roda helicoidal. Na verdade, esta é uma das for-
mas mais simples e mais frequentemente utilizada na prática corrente e que inclui um
parafuso cilíndrico e uma roda cilíndrica de dentes helicoidais, daí a designação de
parafuso sem-fim roda helicoidal (Niemann, 1971; Drago, 1988). Na grande maioria
das aplicações de parafusos sem-fim o ângulo formado pelos eixos do parafuso e da
roda é igual a 90º. As engrenagens de parafuso sem-fim não são, em geral, reversí-
veis, isto é, funcionam apenas quando o veio motor aciona o parafuso sem-fim, uma
vez que quando o sistema é acionado pela roda, a engrenagem tende a bloquear2
(Henriot, 1979; Shigley e Uicker, 1980).

Figura 5.1 – Engrenagem de parafuso sem-fim roda helicoidal.

Originalmente, as engrenagens de parafuso sem-fim eram utilizadas para trans-


missões mecânicas compactas em que se pretendia uma significativa redução de ve-
locidades entre os órgãos motor e movido. Este tipo de engrenagem é mais suave,
mais silencioso e amortece um maior nível de vibrações quando comparado com as
restantes classes de engrenagens. Quando comparadas com as engrenagens cilíndri-

1
Por definição, as engrenagens torsas são constituídas por pares de rodas em que os eixos não são
complanares (Flores e Gomes, 2014a).
2
A tendência que as engrenagens de parafuso sem-fim têm para bloquear é tanto maior quanto maior
for a relação de transmissão. É oportuno referir que um parafuso sem-fim roda helicoidal pode ser
utilizado como redutor com uma relação de transmissão igual a 50:1, porém, a mesma engrenagem
não pode ser usada como multiplicador (i.e., revertida) com uma relação de 1:50.

5. ENGRENAGENS DE PARAFUSO SEM-FIM 1


cas de dentes retos, as engrenagens de parafuso sem-fim são bastante mais compac-
tas, mais fáceis de produzir e são, em geral, mais económicas. Em relação às hipoi-
des, os parafusos sem-fim apresentam maior capacidade de carga em virtude do mai-
or contacto entre os dentes (Mabie e Reinholtz, 1987; Spotts e Shoup, 1998; Branco
et al., 2009; Budynas e Nisbett, 2011; Norton, 2013).
Tal como se referiu anteriormente, as engrenagens de parafuso sem-fim são dos
sistemas de transmissão de potência e movimento mais frequentes em mecânica, es-
pecialmente quando se pretende uma elevada redução de velocidade. Uma das prin-
cipais aplicações deste tipo de engrenagem é nos denominados redutores de veloci-
dade, vulgo redutores, em que as relações de transmissão podem atingir valores da
ordem dos 100:1 (Niemann, 1971). De um modo geral, relações de transmissão de
50:1 são o limite em termos económicos. Para valores superiores a este devem usar-
se sistemas de engrenagens de dois andares (Henriot, 1979). A figura 5.2 mostra um
exemplo de um redutor de velocidade do tipo parafuso sem-fim roda helicoidal (Ju-
vinall e Marshek, 2006). Na verdade, para transmissões de um único andar, os redu-
tores de parafuso sem-fim são das soluções mais compactas e eficientes.

Figura 5.2 – Exemplo de um redutor de velocidade.

As engrenagens de parafuso sem-fim podem apresentar diversas entradas (Shigley


e Mischke, 1989; Hamrock et al., 2005). Os parafusos sem-fim de múltiplas entradas
são mais eficientes do que os parafusos com uma única entrada. Quando o fator pri-
mordial é a transmissão de potência devem usar-se parafusos de múltiplas entradas.
Quando o principal fator é a redução de velocidade devem usar-se parafusos de uma
única entrada, sobretudo quando se pretende qua a transmissão seja autoblocante. Em
geral, o número de entradas varia entre 1 e 5, podendo atingir uma dezena. A figura
5.3 diz respeito a um caso em que o parafuso tem quatro entradas. O número de en-
tradas tem influência no funcionamento da transmissão, sendo o avanço igual à dis-
tância axial percorrida pelo sem-fim quando este descreve uma volta completa (Flo-
res e Gomes, 2014a). Assim, quando um parafuso sem-fim de entrada única engrena
numa roda helicoidal com 30 dentes, esta rodará um ângulo correspondente a um
dente por cada rotação completa do parafuso. Com efeito, para este par cinemático
são necessárias 30 rotações do parafuso para originar uma volta completa da roda. A
velocidade de rotação da roda é, portanto, 30 vezes menor que a velocidade de rota-

2 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


ção do parafuso. Considerando agora que o parafuso sem-fim tem três entradas, en-
tão, por cada rotação completa daquele, a roda descreverá um ângulo correspondente
a três dentes. Neste caso é necessário rodar 10 vezes o parafuso sem-fim para que a
roda efetue uma volta completa.

Avanço

Figura 5.3 – Representação esquemática de um parafuso sem-fim de quatro entradas.

Exercício 5.1
Enunciado: Considere uma engrenagem de parafuso sem-fim roda helicoidal de 2
entradas. Sabendo que a velocidade de rotação do parafuso é igual a 400 rpm e que a
roda tem 40 dentes, calcule a velocidade de rotação da roda.

Padrão de resposta esperado:


n2=400×2/40=20 rpm.

Nas engrenagens de parafuso sem-fim roda helicoidal o contacto entre os dentes


dá-se segundo uma linha3 apresentando, por isso, uma maior capacidade de carga
(Radzevich, 2012). A capacidade de transmissão de potência pode ainda ser aumen-
tada se o parafuso for modificado com o intuito de envolver a roda. Deste modo, o
contacto entre os dentes ocorre segundo uma superfície e não segundo uma linha. Por
conseguinte, a capacidade de carga aumenta significativamente com a modificação
do parafuso e ou da roda. Contudo, a modificação do dentado requer um maior rigor4
na montagem das engrenagens, principalmente quando as potências e velocidades em
jogo são elevadas. A figura 5.4 ilustra duas engrenagens de parafuso sem-fim, uma
de envolvimento simples e outra de envolvimento duplo ou composto (Branco et al.,
2009). No primeiro caso, a roda foi modificada no sentido de promover o envolvi-
mento da engrenagem. Esta modificação refere-se ao desbaste no topo dos dentes de
forma a resultar numa superfície côncava e, concomitantemente, um maior envolvi-
mento ou abraçamento durante o engrenamento. Por seu lado, na engrenagem de
envolvimento duplo, como o próprio nome sugere, tanto a roda como o parafuso são
alterados de modo a tornar o contacto superficial e, deste modo, aumentar a capaci-
dade de transmissão de potência (Wilson e Sadler, 1993). Pode, pois, inferir-se que
nesta última situação a engrenagem funcionará de modo mais suave e com maior
capacidade de carga em virtude de uma maior zona de contacto.
3
Em teoria, o contacto numa engrenagem de parafuso sem-fim cilíndrico com roda helicoidal é do
tipo pontual. Contudo, os dentes são fabricados de modo a que a parte exterior dos dentes seja côn-
cava e, consequentemente, o contacto dá-se segundo uma linha (Wilson e Sadler, 1993).
4
Em engrenagens de parafuso sem-fim, o posicionamento axial da roda é de capital importância para
o bom funcionamento da engrenagem, requerendo, por isso, uma montagem muito rigorosa. Ao in-
vés, o posicionamento axial do parafuso sem-fim não é tão exigente.

5. ENGRENAGENS DE PARAFUSO SEM-FIM 3


(a) (b)
Figura 5.4 – (a) Engrenagem de parafuso sem-fim de envolvimento simples; (b) Engrenagem
de parafuso sem-fim de envolvimento duplo.

De um modo geral, são três as diferentes associações que se podem estabelecer


entre o parafuso sem-fim e a roda em sistemas redutores, a saber: (i) parafuso cilín-
drico e roda globoide5; (ii) parafuso globoide e roda cilíndrica; (iii) parafuso globoi-
de e roda globoide. A figura 5.5 ilustra estas diferentes combinações entre parafuso
sem-fim e roda. É evidente que os parafusos globoides possibilitam maior transmis-
são de potência em virtude do maior número de dentes (filetes6) engrenados ao mes-
mo tempo. Porém, o atrito que se desenvolve é maior, o que penaliza o rendimento
deste tipo de sistema de transmissão (Niemann, 1971).

(a) (b) (c)


Figura 5.5 – (a) Parafuso cilíndrico e roda globoide; (b) Parafuso globoide e
roda cilíndrica; (c) Parafuso globoide e roda globoide.

As engrenagens de parafuso sem-fim apresentam rendimentos relativamente bai-


xos quando comparadas com as demais engrenagens, uma vez que os escorregamen-
tos são bastante consideráveis. Na verdade, os parafusos sem-fim apresentam rendi-
mentos que podem variar entre 45 e 70%. Em condições muitos particulares, em ter-

5
Globoide diz respeito a algo que tem forma ou aspeto de um globo.
6
Na verdade, é mais adequado falar-se em filetes do parafuso sem-fim do que em dentes.

4 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


mos de funcionamento e geometria, as engrenagens deste tipo podem atingir rendi-
mentos mais elevados e comparáveis aos das engrenagens cilíndricas de dentes retos
(Henriot, 1979). Nos parafusos sem-fim, o rendimento diminui com o aumento da
relação de transmissão e com o aumento da velocidade de escorregamento. As velo-
cidades tangenciais de funcionamento nas engrenagens de parafuso sem-fim podem
atingir os 70 m/s. Por seu lado, as velocidades de rotação do parafuso podem ir até às
40000 rpm (Niemann, 1971). Deve referir-se que o elevado escorregamento entre os
flancos dos dentes nos parafusos sem-fim é, não só inevitável, como também ineren-
te à suavidade de funcionamento que carateriza estes sistemas de transmissão. Por
isso, é de todo desejável que nestas engrenagens se dê particular cuidado ao acaba-
mento superficial, ao enobrecimento das superfícies dos dentes, aos materiais envol-
vidos e às condições de lubrificação (Stolarski, 1990; Ferreira, 1998).
Os materiais frequentemente utilizados nas engrenagens de parafuso sem-fim são
os metálicos e os poliméricos (Antunes, 2012). A escolha do tipo de material depen-
de fundamentalmente das condições de funcionamento e do tipo de aplicação. Em
construção mecânica, os materiais que constituem este tipo de engrenagem são os
metálicos. Em geral, o parafuso sem-fim é construído em aço de liga com tratamen-
tos térmicos e de superfície. Por seu lado, a roda é frequentemente feita em bronze.
Este par de materiais é escolhido em virtude do baixo atrito que proporcionam, sendo
o valor do coeficiente de atrito, na presença de lubrificante, da ordem de 0,07. O pa-
rafuso sem-fim é feito em material mais resistente que a roda devido às elevadas re-
lações de transmissão utilizadas (Niemann, 1971; Henriot, 1979).
Tal como foi referido anteriormente, nas engrenagens de parafuso sem-fim existe
um escorregamento significativo entre as superfícies dos órgãos motor e movido.
Este escorregamento é tanto maior quanto maior for a relação de transmissão. Por
conseguinte, neste tipo de engrenagem há geração de calor e perdas de rendimento
consideráveis, pelo que se deve dar especial atenção ao modo de lubrificação. Assim,
para baixos regimes de funcionamento, ou seja velocidades tangenciais até 1 m/s,
podem ser utilizadas massas lubrificantes. O modo de lubrificação mais frequente em
parafusos sem-fim de uso corrente é a chapinhagem de óleo (Ferreira, 1998). Neste
tipo de lubrificação, as velocidades tangenciais não devem ser muito elevadas (15
m/s), para que o lubrificante não seja repelido pela ação da força centrífuga.
As transmissões mecânicas de parafuso sem-fim encontram aplicação em diversas
áreas tais como em máquinas-ferramenta, sistemas elevatórios, sistemas de veículos,
transportadores contínuos, pontes rolantes, pórticos, máquinas têxteis, bombas centrí-
fugas (Niemann, 1971).

5. ENGRENAGENS DE PARAFUSO SEM-FIM 5


5.2. GERAÇÃO DO DENTE
O processo de geração dos perfis dos dentes para o caso das engrenagens torsas é
semelhante ao que foi apresentado para as engrenagens cilíndricas de dentes inclina-
dos. Todavia, a geração dos dentes das engrenagens torsas inclui detalhes que devem
ser tidos em consideração no projeto e desenvolvimento deste tipo de engrenagem
(Simon, 2007). Com o propósito único de descrever o procedimento genérico relativo
à geração das superfícies dos dentes das engrenagens torsas considere-se a figura 5.6
onde C1 e C2 denotam as superfícies cilíndricas primitivas de uma engrenagem torsa
que se pretende gerar. Os cilindros primitivos têm raios r1 e r2, também representa-
dos na figura 5.6. Deve notar-se que os eixos dos cilindros primitivos são segmentos
de reta enviesados, facto que decorre da própria definição de engrenagem torsa 7. A
figura 5.6 inclui ainda dois planos, 1 e 2, coincidentes e paralelos aos eixos dos
cilindros primitivos. Estes planos são tangentes aos cilindros primitivos segundo os
segmentos de reta g1 e g2, denominados geratrizes de contacto. Da análise da figura
5.6 pode observar-se que as geratrizes de contacto se intersetam no ponto I, sendo o
único ponto de contacto entre os cilindros primitivos (Henriot, 1979).

2

r1
C1
1 O1 g2
I
g1 2
1 r2

O2

C2

Figura 5.6 – Elementos básicos utilizados na geração de dentes de engrenagens torsas.

Considere-se agora o plano gerador  representado na figura 5.7, o qual faz um


ângulo igual a 90-n com os planos 1 e 2. A reta MN representa a intersecção do
plano gerador com os planos 1 e 2, sendo 1 e 2 os ângulos formados pelo seg-
mento de reta MN e pelas geratrizes g1 e g2, respetivamente (Henriot, 1979). Da aná-
lise da figura 5.7 verifica-se que
Σ  1   2 (5.1)
Com efeito, quando o cilindro primitivo C1 roda no sentido indicado na figura 5.7,
o plano 1 é deslocado no sentido representado pelo vetor u1. Por seu lado, o plano 
atuará o plano primitivo 2 deslocando-se este último no sentido indicado pelo vetor
u2 e, consequentemente, o cilindro primitivo C2 rodará no sentido que se indica na
figura 5.7 (Henriot, 1979).

7
Relembre-se que nas engrenagens torsas os eixos das rodas não são complanares.

6 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


u2
2

r1 M
C1
G u1
1 O1 g2
F
I

g1 2 2
1
1 r2
N 
E
O2

C2

Plano gerador

Figura 5.7 – Representação esquemática da geração dos perfis de


dentes de engrenagens torsas.

As envolventes das sucessivas posições do plano gerador  são duas superfícies


helicoidais denominadas por S1 e S2, respetivamente, associadas aos planos primiti-
vos 1 e 2. Pode verificar-se que estas duas superfícies helicoidais são conjugadas
em virtude do modo como são obtidas e, por conseguinte, representam as superfícies
dos dentes de uma engrenagem torsa (Henriot, 1979).
O contacto entre o plano gerador  e a superfície helicoidal S1 dá-se segundo a re-
ta ME, interseção do plano  com o plano que passa pela geratriz g1 e lhe é normal.
Do mesmo modo, o contacto do plano gerador  com a superfície helicoidal S2 dá-se
segundo a reta FG, interseção do plano  com o plano que passa pela geratriz g2 e
lhe é normal. Pode observar-se que g1 e g2 representam os eixos instantâneos de rota-
ção entre os planos primitivos 1 e 2 e os respetivos cilindros primitivos C1 e C2
(Henriot, 1979).

Plano de engrenamento
u2
2

r1 M
C1
G u1
1 O1 g2
I F
Q 
g1 2 2
1
1 r2
N
E
O2

C2

Plano gerador

Figura 5.8 – Plano de engrenamento em engrenagens torsas.

5. ENGRENAGENS DE PARAFUSO SEM-FIM 7


Da observação da figura 5.8 verifica-se que as retas ME e FG se cruzam no ponto
Q, que constitui o único ponto de contacto entre as superfícies helicoidais. Tal como
se referiu anteriormente, em teoria o contacto entre os dentes das engrenagens torsas
é do tipo pontual. Do ponto de vista geométrico o ponto de contacto Q não é mais do
que o pé da perpendicular baixada do ponto I sobre os planos 1 e 2, tal como se
representa na figura 5.8. Atendendo a que estes planos têm uma orientação invariá-
vel, o ponto de contacto Q situa-se na reta IQ que representa a linha de ação ou de
engrenamento. Por seu lado, o plano de engrenamento passa pelo ponto I e é perpen-
dicular à reta MN, tal como se evidencia na figura 5.8 (Henriot, 1979).

8 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


5.3. PERFIS DOS FILETES
Como é sabido, as engrenagens de parafuso sem-fim roda helicoidal são um caso
particular das engrenagens torsas em que uma das rodas, em geral a roda motora, tem
a forma de um parafuso. Acresce ainda o facto de que os eixos do parafuso sem-fim e
da roda helicoidal serem perpendiculares (Shigley e Mischke, 1989). Relembre-se
que para o caso do parafuso é mais adequado falar-se em filetes do parafuso do que
em dentes (Henriot, 1979).
A análise descritiva das engrenagens de parafuso sem-fim roda helicoidal pode ser
simplificada sobremaneira quando se considera o sem-fim como sendo uma crema-
lheira8, tal como se esquematiza na figura 5.9 (Henriot, 1979). Deste modo, quando o
parafuso sem-fim roda em torno do próprio eixo, qualquer secção9 dos filetes do pa-
rafuso descreve um movimento de translação retilínea paralela ao eixo do parafuso
sem-fim, ou seja, a cremalheira (Henriot, 1979).

Roda

C2
I
L1

Cilindro primitivo Eixo do parafuso

Figura 5.9 – Secção de uma engrenagem de parafuso sem-fim roda helicoidal.

Representando o passo helicoidal do parafuso sem-fim por pz, então, por defini-
ção, uma dada secção desloca-se uma distância pz por cada rotação do parafuso sem-
fim. Esta amplitude de movimento de translação axial chama-se avanço, tal como se
evidencia na figura 5.3. Assim, em analogia com a cremalheira, pode afirmar-se que
a roda helicoidal descreve a mesma amplitude de rotação quando a cremalheira se
desloca em movimento puro de translação ao longo do eixo do parafuso sem-fim, ou
seja é como que o parafuso sem-fim não rodasse.
A figura 5.9 diz respeito à secção de uma engrenagem de parafuso sem-fim roda
helicoidal que resulta quando aquela é intersetada pelo plano médio. Deste modo,
obtém-se uma cremalheira cujos perfis dos filetes são simétricos10 entre si, pelo que

8
Cremalheira diz respeito a uma roda cujo raio é infinito. Este tipo particular de roda descreve mo-
vimento de translação retilínea (Flores e Gomes, 2014a).
9
Secções que resultam da interseção do parafuso sem-fim com um plano paralelo ao eixo.
10
Deve referir-se que quando se considera um plano distinto do plano médio, mas ainda paralelo à
roda, a cremalheira que se obtém não apresenta filetes com perfis simétricos.

5. ENGRENAGENS DE PARAFUSO SEM-FIM 9


durante o engrenamento os perfis da cremalheira funcionam com os respetivos perfis
conjugados da secção da roda helicoidal (Branco et al., 2009). Os principais elemen-
tos que caraterizam este engrenamento são a circunferência primitiva C2 da roda he-
licoidal e a reta primitiva L1 da cremalheira. Observa-se que estes dois elementos são
tangentes no ponto primitivo I.
Em geral, os perfis dos filetes dos parafusos sem-fim podem apresentar as seguin-
tes formas geométricas (Henriot, 1979):
- Filete trapezoidal, este tipo de perfil é obtido pela interseção de um plano que
atravessa o eixo do parafuso sem-fim com o próprio sem-fim, em que os perfis
resultantes são retilíneos e simétricos, tal como se mostra na figura 5.10a,
- Filete gerado por um tronco de cone de revolução, este tipo de perfil pode ser
obtido por talhagem ou retificação utilizando fresas ou mós de disco bicónicas,
ou ainda através de fresas ou mós de ponta cónica, tal como se representa na fi-
gura 5.10b,
- Filete helicoidal, este tipo de perfil (helicoidal evolvente) é obtido por mós pla-
nas ou de disco, tal como se mostra na figura 5.10c.

x1 Mó de disco bicónica

1

1
px1
1
pz1
Mó tronco-cónica
(a) (b)

/2 b1

b1

Hélice de base

db1

(c)
Figura 5.10 – Perfis de filetes de parafuso sem-fim: (a) Perfil trapezoidal; (b) Perfil gerado
por tronco de cone de revolução; (c) Perfil helicoidal evolvente.

O perfil trapezoidal é, sem dúvida, dos perfis mais utilizados em transmissões me-
cânicas de parafuso sem-fim roda helicoidal. Quando as cargas em jogo são relati-
vamente baixas podem utilizar-se filetes com perfil triangular, não obstante o seu
rendimento ser relativamente baixo devido ao elevado atrito que se desenvolve. Exis-

10 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


tem ainda os parafusos sem-fim tóricos em que os filetes são gerados num segmento
de toro (Henriot, 1979). Neste tipo de parafusos sem-fim existe um maior número de
filetes engrenados ao mesmo tempo, pelo que apresentam uma maior capacidade de
carga. Devido à quase inexistência de folgas, os parafusos sem-fim tóricos possibili-
tam transmissões mais suaves. Contudo, este tipo de engrenagem apresenta rendi-
mentos relativamente baixos, uma vez que há uma maior área entre as superfícies de
contacto. Por outro lado, o fabrico e a montagem de parafusos sem-fim tóricos reque-
rem particulares cuidados.

5. ENGRENAGENS DE PARAFUSO SEM-FIM 11


5.4. NOMENCLATURA
Nesta secção apresenta-se a nomenclatura fundamental associada às engrenagens
de parafuso sem-fim roda helicoidal. A figura 5.11 ilustra alguns dos principais ele-
mentos geométricos que caraterizam uma engrenagem deste tipo.
px1

pt1

1
pz1 pn

Figura 5.11 – Representação de um parafuso sem-fim.

A nomenclatura referente à roda helicoidal é em tudo semelhante à das engrena-


gens cilíndricas de dentes inclinados, pois é utilizado um grande número de termos
iguais num e noutro caso (Flores e Gomes, 2014c). Há, todavia, um conjunto de pa-
râmetros que merecem aqui ser realçados11, nomeadamente (Branco et al., 2009):
pn – passo real ou normal, que é igual para o parafuso sem-fim e para a roda heli-
coidal,
pt1 – passo aparente ou transverso do parafuso sem-fim, que diz respeito ao passo
medido no plano frontal perpendicular ao eixo,
px1 – passo axial do parafuso sem-fim, que coincide com o passo aparente da roda
helicoidal,
pz1 – passo helicoidal do parafuso sem-fim, também denominado de avanço,
mn – módulo normal ou real, que é igual para o parafuso sem-fim e para a roda he-
licoidal,
mt1 – módulo aparente ou transverso do parafuso sem-fim,
mx1 – módulo axial do parafuso sem-fim, que é igual ao módulo aparente da roda
helicoidal,
n – ângulo de pressão real ou normal, que é igual para o parafuso sem-fim e para
a roda helicoidal,
t1 – ângulo de pressão aparente ou transverso do parafuso sem-fim,
x1 – ângulo de pressão axial do parafuso sem-fim, que coincide com o ângulo de
pressão aparente da roda helicoidal,
z1 – número de filetes ou entradas do parafuso sem-fim,
z2 – número de dentes da roda helicoidal,
1 – ângulo de inclinação primitiva do filete do parafuso sem-fim em relação ao
seu eixo, também denominado de ângulo de hélice,
1 – ângulo ascendente ou ângulo de passo, que é complementar do ângulo de in-
clinação primitiva,

11
Na presente análise considera-se que o elemento 1 é o parafuso sem-fim e que o elemento 2 diz
respeito à roda helicoidal.

12 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


a – distância entre eixos,
1 – velocidade angular do parafuso sem-fim,
2 – velocidade angular da roda helicoidal,
i – relação de transmissão.

Para um parafuso sem-fim, o passo axial pode ser calculado do seguinte modo,
p z1
p x1  (5.2)
z1
em que z1 representa o número de filetes ou de entradas do parafuso sem-fim.

5. ENGRENAGENS DE PARAFUSO SEM-FIM 13


5.5. RELAÇÃO DE TRANSMISSÃO
No caso das engrenagens de parafuso sem-fim roda helicoidal a relação de trans-
missão não é apenas expressa em função dos diâmetros primitivos, dada a existência
de um ângulo de inclinação do parafuso sem-fim. Para melhor se entender o que aca-
ba de ser exposto, considere-se a representação simplificada de uma engrenagem de
parafuso sem-fim roda helicoidal, tal como ilustra a figura 5.12.

2
d2

I v1 v2

1

d1
Figura 5.12 – Representação do engrenamento parafuso sem-fim roda helicoidal.

Da análise cinemática do referido engrenamento sabe-se que a velocidade linear


do ponto primitivo é a mesma, quer se considere o ponto primitivo pertencente ao
parafuso sem-fim, quer se considere o ponto primitivo pertencente à roda. Assim,
neste último caso tem-se que
d2
v2  2 (5.3)
2
em que 2 e d2 representam, respetivamente, a velocidade angular e o diâmetro pri-
mitivo da roda helicoidal. Para a determinação da velocidade linear do ponto primiti-
vo quando este pertence ao parafuso sem-fim considere-se a representação da figura
5.13. Pela definição de passo pode verificar-se que por cada rotação do parafuso
sem-fim há um deslocamento axial igual ao passo helicoidal, ou seja
1 rotação  p z1 (5.4)
então, atendendo à definição de velocidade, a expressão (5.4) resulta em
1
rotações/s  v1 (5.5)

Combinando agora as expressões (5.4) e (5.5) pode obter-se a seguinte equação
1
v1  p z1 (5.6)

Por outro lado, da observação da figura 5.13b pode escrever-se que
πd1
p z1  (5.7)
tg1

14 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


Finalmente, introduzindo a equação (5.7) na equação (5.6) obtém-se que
1d1
v1  (5.8)
2tg 1

Hélice primitiva

p z1 1

d1
1
Eixo do sem-fim
Hélice primitiva

pz1

(a) (b)
Figura 5.13 – (a) Representação do passo num parafuso sem-fim; (b) Planificação do passo.

Atendendo à definição de relação de transmissão e às expressões (5.3) e (5.8) po-


de verificar-se que
1 d 2
i  tg1 (5.9)
2 d1
Da análise da figura 5.13 observa-se que quanto maior for o ângulo de inclinação
primitiva do parafuso, menor será o avanço do sem-fim. Pode verificar-se que a rela-
ção de transmissão é expressa em função dos diâmetros primitivos do parafuso sem-
fim e da roda helicoidal, bem como do ângulo de inclinação dos filetes.

Exercício 5.2
Enunciado: Considere uma engrenagem de parafuso sem-fim roda helicoidal de 3
entradas. Sabendo que o ângulo de inclinação dos filetes é igual a 75º, o passo heli-
coidal é de 80 mm e que a roda tem 30 dentes, determine os diâmetros primitivos do
parafuso sem-fim e da roda.

Padrão de resposta esperado:


d1 = 95,04 mm
d2 = 254,65 mm.

De seguida apresenta-se o cálculo da relação de transmissão de uma engrenagem


torsa genérica. A figura 5.14 diz respeito à planificação simplificada de uma engre-
nagem torsa, cujos ângulos de hélice não são complementares. Ambas as rodas apre-
sentam hélice direita sendo o ângulo formado pelos eixos das rodas representado
pelo símbolo . O valor do ângulo definido pelos eixos das rodas é igual à soma dos
ângulos das hélices, ou seja, (Shigley e Uicker, 1980)
Σ  1   2 (5.10)

5. ENGRENAGENS DE PARAFUSO SEM-FIM 15


Roda 1

Roda 2

1


2

Figura 5.14 – Representação simplificada de uma engrenagem torsa.

Tal como no caso das engrenagens cilíndricas helicoidais de eixos paralelos, nas
engrenagens torsas pode também escrever-se que (Mabie e Reinholtz, 1987)
mn1 z1
d1  mt1 z1  (5.11)
cos 1
mn 2 z2
d 2  mt 2 z2  (5.12)
cos  2

Roda 1

Roda 2
n

2 P

v2 1
1 t
vn
v1 
2

Figura 5.15 – Componentes das velocidades no contacto numa engrenagem torsa.

16 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


Deve referir-se que nas engrenagens torsas os passos (ou módulos) normais têm
de ser iguais em ambas as rodas (Henriot, 1979). Considere-se agora a figura 5.15
onde se representam as componentes das velocidades existentes no engrenamento de
uma engrenagem torsa em relação ao ponto primitivo. Da análise desta figura pode
observar-se que são iguais as componentes na direção normal. O mesmo não aconte-
ce com as componentes tangenciais, pelo que se verifica a existência de escorrega-
mento. Na verdade, nas engrenagens torsas existe escorregamento, inclusive no pon-
to primitivo (Wilson e Sadler, 1993). Atendendo ao que foi anteriormente dito, da
análise da figura 5.15 podem escrever-se as seguintes relações
v1n  v1 cos 1 (5.13)

v2n  v2 cos  2 (5.14)


Combinando agora as equações (5.13) e (5.14) resulta que
cos  2
v1  v2 (5.15)
cos 1
As velocidades angulares das rodas podem ser expressas do seguinte modo,
v1
1  (5.16)
d1 / 2
v2
2  (5.17)
d2 / 2
Assim, a relação de velocidades angulares, ou seja, a relação de transmissão em
engrenagens torsas, pode ser calculada o seguinte modo
1 v1d 2
i  (5.18)
2 v2 d1
Utilizando a equação (5.15) vem que
v2 cos  2 d 2 d 2 cos  2
i  (5.19)
v2 cos 1d1 d1 cos 1
Considerando agora as equações (5.11) e (5.12), da equação (5.19) resulta que
mn z2 cos  2 cos 1 mn z2
i  (5.20)
cos  2 mn z1 cos 1 mn z1
Atendendo a que o módulo real é igual em ambas as rodas, então a equação (5.20)
pode, finalmente, ser escrita da seguinte forma
z2
i (5.21)
z1
Pode, pois, observar-se que a relação de transmissão é, de modo semelhante às
engrenagens cilíndricas e cónicas, dada pelo quociente entre o número de dentes das
rodas movida e motora. Refira-se que no caso das engrenagens torsas a relação de
transmissão não é expressa em termos dos diâmetros primitivos como sucede nas
engrenagens cilíndricas e cónicas.

5. ENGRENAGENS DE PARAFUSO SEM-FIM 17


Atente-se que no caso particular em que =90º verifica-se que
sen1  cos  2 (5.22)
uma vez que estes ângulos são complementares. Por isso, a expressão (5.19) pode ser
simplificada do seguinte modo
1 d 2
i  tg1 (5.23)
2 d1
e que representa a relação de transmissão para uma engrenagem de parafuso sem-fim
roda helicoidal, tal como foi apresentado anteriormente (Henriot, 1979).
Em suma, nas engrenagens torsas, em geral, e nas engrenagens de parafuso sem-
fim, em particular, a relação de transmissão não é expressa unicamente como função
dos diâmetros primitivos, como acontece no caso das engrenagens cilíndricas, pois os
ângulos de hélice das rodas motora e movida apresentam valores diferentes. Por isso,
os módulos (ou passos) aparentes em engrenagens torsas são também distintos. Deve
referir-se que é condição sine qua non para que haja engrenamento nas engrenagens
torsas, que estas tenham o mesmo módulo (ou passo) real.

18 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


5.6. RELAÇÕES GEOMÉTRICAS
Nesta secção são apresentadas algumas das principais relações geométricas e pro-
porções dos dentes para o caso das engrenagens de parafuso sem-fim roda helicoidal.
Para o efeito, considere-se a representação da figura 5.16 que diz respeito à planifi-
cação do cilindro primitivo de um parafuso sem-fim de dupla entrada (Henriot, 1979;
Spotts e Shoup, 1998).

pt1
px1
pz1

pn

pz1
1
px1

1

d1 d1

Figura 5.16 – Elementos geométricos de um parafuso sem-fim.

Com referência à figura 5.16 podem estabelecer-se as seguintes relações geomé-


tricas entre o passo normal ou real e os passos aparente e axial,
pn  pt1 cos 1 (5.24)

pn  px1sen1 (5.25)

em que 1 representa o ângulo de inclinação primitiva ou ângulo de hélice primitiva.


Do mesmo modo pode escrever-se que
mn  mt1 cos 1 (5.26)

mn  mx1sen1 (5.27)
sendo mt1 e mx1 os passos aparente e axial do parafuso sem-fim.
Atendendo à definição de módulo tem-se que
pn
mn  (5.28)
π
pt1
mt1  (5.29)
π
p x1
mx1  (5.30)
π

5. ENGRENAGENS DE PARAFUSO SEM-FIM 19


Tal como já foi referido anteriormente, o engrenamento entre o parafuso sem-fim
e a roda efetua-se quando ambos os elementos apresentam o mesmo ângulo de pres-
são normal ou real. Por conseguinte, os módulos e passos reais têm também o mesmo
valor no parafuso sem-fim e na roda helicoidal. Assim, em analogia com o que foi
descrito para o parafuso sem-fim são válidas as seguintes relações para a roda
mn  mt 2 cos  2 (5.31)

mn  mx 2sen 2 (5.32)

pn  pt 2 cos  2 (5.33)

pn  px 2sen 2 (5.34)
em que 2 denota o ângulo de hélice da roda helicoidal (Henriot, 1979).
Das equações (5.24), (5.26), (5.31) e (5.33) resulta que
pn  pt1 cos 1  pt 2 cos  2 (5.35)
mn  mt1 cos 1  mt 2 cos  2 (5.36)
Pela definição de módulo sabe-se que
d1  mt1z1 (5.37)
d 2  mt 2 z2 (5.38)
Atendendo a que nas engrenagens de parafuso sem-fim roda helicoidal os ângulos
de hélice são complementares, então das equações (5.36)-(5.38) pode escrever-se que
1 z2 d 2mt1 d 2mn cos  2 d 2
i     tg1 (5.39)
2 z1 mt 2d1 d1mn cos 1 d1
dado que
sen 1  cos  2 (5.40)
Com efeito, a equação (5.39), conjuntamente com a equação (5.35), estabelece a
relação fundamental que permite efetuar o cálculo dos dentes das engrenagens de
parafuso sem-fim roda helicoidal (Henriot, 1979).
Combinando agora as equações (5.27) e (5.31) resulta que
mn  mx1sen1  mt 2 cos  2 (5.41)
Com efeito, da substituição da equação (5.40) na equação (5.41) obtém-se que
mx1  mt 2 (5.42)
e, consequentemente,
px1  pt 2 (5.43)
Assim, pode dizer-se que para que haja engrenamento entre o parafuso sem-fim e
a roda é necessário que as condições expressas pelas equações (5.42) e (5.43) se veri-
fiquem para que ambos os elementos apresentem o mesmo módulo (ou passo) real
(Henriot, 1979; Branco et al., 2009).

20 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


Relacionando as equações (5.24), (5.25) e (5.43) tem-se que
pt1  pt 2 tg1 (5.44)

De modo análogo pode verificar-se que


mt1  mt 2 tg1 (5.45)

Da análise da figura 5.16 observa-se que


πd1
tg1  (5.46)
pz1

Como o ângulo de hélice 1 e o ângulo de passo 1 são complementares (vide figu-


ra 5.11) verifica-se que
p z1
tg 1  (5.47)
πd1

Representando b1 e db1 o ângulo de inclinação de base da rosca helicoidal do pa-


rafuso e o diâmetro de base do parafuso sem-fim, respetivamente, pode escrever-se
que (Flores e Gomes, 2014c)
db1
tgb1  tg1 (5.48)
d1
Por outro lado sabe-se que (Flores e Gomes, 2014a)
db1  d1 cos t1  mt1z1 cos t1 (5.49)
Combinando agora as equações (5.48) e (5.49) resulta que
tgb1  tg1 cos t1 (5.50)
De modo análogo verifica-se que (Henriot, 1979)
senb1  sen1 cos n (5.51)
Combinado as equações (5.50) e (5.51) obtém-se que
cos b1 cost1  cos 1 cos n (5.52)
Finalmente, podem obter-se as seguintes expressões (Branco et al., 2009)
tg n  tg x1sen1 (5.53)

tg n  tg t1 cos1 (5.54)

Atendendo a que o ângulo de pressão axial do parafuso sem-fim é igual ao ângulo


de pressão aparente da roda vem que
tg t1  tg x1tg1 (5.55)

Várias são as possibilidades no estabelecimento das proporções dos dentes em en-


grenagens de parafuso sem-fim roda helicoidal (Henriot, 1979; Branco et al., 2009).

5. ENGRENAGENS DE PARAFUSO SEM-FIM 21


No presente texto considera-se apenas o sistema normal em que o ângulo de pres-
são normal ou real é igual a 20º e que é adotado pelo fabricante David Brown and
Sons. Assim, tem-se que (Branco et al., 2009)
ha1  mx1 (5.56)

h f 1min  mx1(2,2sen1  1) (5.57)

h f 1máx  mx1(2,5sen1  1) (5.58)

h1min  2,2mn  2,2mx1sen1 (5.59)

h1máx  2,25mn  2,25mx1sen1 (5.60)

d a1  d1  2ha1 (5.61)

d f 1  d1  2h f 1 (5.62)

A espessura do filete é definida no cilindro médio do parafuso sem-fim, cujo raio


é dado por
d a1  d f 1
r (5.63)
4
sendo a espessura igual ao intervalo axial
px1
s x1  ex1  (5.64)
2
O diâmetro de base do parafuso sem-fim deve ser menor que o diâmetro de raiz,
donde resulta que
db1  d f 1 (5.65)

d f1
cos t1  (5.66)
d1

tg n  tg t1 cos 1 (5.67)


A determinação do comprimento do parafuso sem-fim é laboriosa e complexa em
virtude da dificuldade no traçado da zona total de contacto (Henriot, 1979). Com
efeito, é comum a utilização de relações geométricas simples e práticas, tais como
(Branco et al., 2009)
b1  6 px1 (5.68)

b1  8d2ha1 (5.69)

 z 
b1  px1 4,5  2  (5.70)
 50 
b1  14mx1 cos 1 (5.71)

22 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


Para a roda helicoidal devem adotar-se as seguintes relações (Branco et al., 2009)
ha 2  mx1(2sen1  1) (5.72)

h f 2 min  mx1(1  0,2sen1) (5.73)

h f 2máx  mx1(1  0,25sen1) (5.74)

h2min  2,2mx1sen1 (5.75)

h2máx  2,25mx1sen1 (5.76)

d a 2  d 2  2ha 2 (5.77)

d f 2  d2  2h f 2 (5.78)

e2 min  0,2mx1 (5.79)

b2  2mx1 z2  1 (5.80)
A distância entre os eixos do parafuso sem-fim e da roda é igual a
d1  d 2
a (5.81)
2
Para maximizar a capacidade de transmissão de potência, no projeto de engrena-
gens de parafuso sem-fim roda helicoidal, deve garantir-se que o diâmetro primitivo
do parafuso sem-fim esteja dentro do seguinte intervalo (Juvinall e Marshek, 2006)
a 0,875 a 0,875
 d1  (5.82)
2 1,7

Exercício 5.3
Enunciado: Considere uma engrenagem de parafuso sem-fim roda helicoidal de 2
entradas. O parafuso sem-fim tem um diâmetro primitivo de 50,8 mm. A roda tem 30
dentes e um módulo aparente igual a 4,23 mm. Sabendo que se trata de uma engre-
nagem normalizada, determine: (i) o diâmetro primitivo da roda; (ii) a distância entre
os eixos; (iii) o módulo axial do parafuso sem-fim; (iv) o passo axial do parafuso; (v)
o passo helicoidal do parafuso sem-fim; (vi) o ângulo de inclinação dos filetes; (vii) o
ângulo de inclinação primitiva da roda.

Padrão de resposta esperado:


d2 = 126,90 mm
a = 88,85 mm
mx1 = 4,23 mm
px1 = 13,29 mm
pz1 = 26,58 mm
1 = 80,54 º
2 = 9,46 º.

5. ENGRENAGENS DE PARAFUSO SEM-FIM 23


5.7. PARÂMETROS DE DESEMPENHO
Nos parágrafos seguintes são apresentados os principais parâmetros de desempe-
nho associados às engrenagens de parafuso sem-fim roda helicoidal, designadamente
a relação de condução e o rendimento.
No caso mais geral das engrenagens torsas o estudo da continuidade do engrena-
mento é em tudo semelhante ao que se pode efetuar para as engrenagens cilíndricas
de dentes helicoidais (Henriot, 1979; Flores e Gomes, 2014c). Com efeito, a relação
de condução em engrenagens torsas pode ser calculada do seguinte modo
db1 cos t1 db 2 cos t 2
2 2 2 2 a 
 d a1   db1  d  d  2 2
      a2    b2  
sen n
 
2   2   2   2  (5.83)
πmn cos n

Em alternativa, pode também considerar-se as expressões deduzidas para o caso


das engrenagens cilíndricas, substituindo os valores aparentes pelos reais, ou seja
(Henriot, 1979)
a l
  (5.84)
pn πmn cos n
em que l representa o comprimento de condução.
O estudo da continuidade do engrenamento em engrenagens de parafuso sem-fim
requer uma análise gráfica cuidada das zonas de contacto entre os filetes do parafuso
e os flancos dos dentes da roda. Esta análise é relativamente complexa e laboriosa
pelos métodos tradicionais, uma vez que depende do tipo de perfil de filete utilizado.
Recorrendo aos métodos computacionais, aquela análise pode tornar-se mais viável.
Todavia, nos mais dos casos, não é necessário recorrer a uma análise tão detalhada
da continuidade do engrenamento, pois nas engrenagens de parafuso sem-fim este
parâmetro de desempenho é quase sempre amplamente assegurado (Henriot, 1979).
Assim, para o caso particular das engrenagens de parafuso sem-fim roda helicoidal, a
relação de condução pode obter-se recorrendo à seguinte expressão
2 2
 d a 2   db 2  d ha1
     2 sen x1 
sen x1
 
2   2  2
(5.85)
πmx1 cos x1

em que o ângulo de pressão axial do parafuso sem-fim é dado por


 tg n 
 x1  tg 1  (5.86)
 sen1 

Exercício 5.4
Enunciado: Considere uma engrenagem de parafuso sem-fim de entrada dupla e com
uma roda helicoidal de 30 dentes. O parafuso, que é o órgão motor, tem 44 mm de
diâmetro primitivo, um módulo axial de 3 mm e um ângulo de pressão real igual a
20º. Assim, determine a relação de condução desta engrenagem.

24 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


Padrão de resposta esperado:
Para efetuar o cálculo da relação de condução da engrenagem supra mencionada é
necessário determinar o valor dos seguintes parâmetros:
d2 = 90 mm
1 = 82,23 º
x1 = 20,17 º
ha1 = 3 mm
ha2 = 2,94 mm
da2 = 95,89 mm
db2 = 84,48 mm.
Finalmente, considerando a equação (5.85) obtém-se o valor relativo à relação de
condução desta engrenagem
 = 1,81.

F1

n
N

Fr1

Ft1
F1
1
N
Fa1

Figura 5.17 – Forças que atuam na hélice primitiva de um parafuso


sem-fim quando este elemento é o órgão motor.

No atinente ao cálculo do rendimento em engrenagens de parafuso sem-fim duas


situações distintas devem ser consideradas, uma em que o parafuso é o órgão motor e
outra em que a roda é o elemento acionador. Assim, atente-se à primeira situação na
qual o parafuso sem-fim é o órgão motor. A figura 5.17 diz respeito às diversas for-
ças e suas componentes que atuam na hélice primitiva de um sem-fim. A força que
atua perpendicularmente à superfície dos filetes do parafuso é representada pelo sím-
bolo N, a qual pode ser dividida em duas componentes, ou seja
Fr1  Nsen n (5.87)
F1  Ncos n (5.88)

5. ENGRENAGENS DE PARAFUSO SEM-FIM 25


Em virtude do deslizamento que ocorre durante o engrenamento entre o parafuso
sem-fim e a roda gera-se uma força de atrito, a qual é dada pela lei de atrito seco de
Coulomb, isto é, N. Da análise da figura 5.17 verifica-se que as componentes tan-
gencial e axial das forças que atuam na hélice primitiva podem ser expressas do se-
guinte modo
Ft1  F1sen 1  N cos 1 (5.89)

Fa1  F1cos 1  Nsen 1 (5.90)


Combinando as equações supramencionadas resulta que
Fr1  Nsen n (5.91)
Ft1  N (cos nsen 1   cos 1) (5.92)

Fa1  N (cos ncos 1  sen 1) (5.93)


Na figura 5.18 estão representadas as componentes radiais, tangenciais e axiais
que atuam numa engrenagem sem-fim em que o parafuso é o órgão motor com hélice
direita e a roda é de hélice direita. Atendendo à terceira lei de Newton observa-se que
Fr1  Fr 2 (5.94)
Ft1  Fa 2 (5.95)

Fa1  Ft 2 (5.96)
Na verdade, quando o ângulo entre os eixos do parafuso sem-fim e da roda é igual
a 90º verifica-se que as componentes radiais da força que atua no engrenamento são
iguais no parafuso e na roda. Observa-se ainda que a componente tangencial da força
que atua no elemento motor é igual à componente axial que atua no elemento movi-
do. Do mesmo modo, constata-se que a componente axial da força que atua no órgão
motor é igual à componente tangencial que atua no órgão movido.

2
Fr2

Fa1
Fa2

Ft1

Ft2
Fr1
1
Parafuso: órgão motor

Figura 5.18 – Forças que atuam numa engrenagem de parafuso sem-fim.

26 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


Atendendo a que o rendimento de uma engrenagem pode ser definido como o
quociente entre a potência útil e a potência disponível tem-se que
d2
Ft 2
p  2 2  Ft 2 d 22 (5.97)
d1 1 Ft1d11
Ft1
2
em que o índice p diz respeito ao órgão motor na presente análise, ou seja, o parafuso
sem-fim.
Considerando agora a definição de relação de transmissão para uma engrenagem
de parafuso sem-fim dada pela expressão (5.23) e também as equações acima apre-
sentadas para as diferentes componentes das forças de engrenamento tem-se que
cos n cos 1  sen 1
p  cotg1 (5.98)
cos n sen 1   cos 1
Sabendo que os ângulos 1 e 1 são complementares, então o rendimento teórico
de uma engrenagem de parafuso sem-fim roda helicoidal em que o órgão motor é o
parafuso pode ser expressa do seguinte modo
cos n  tg 1 cos n  cotg1
p   (5.99)
cos n  cotg 1 cos n  tg1
em que n é o ângulo de pressão real ou normal, 1 representa o ângulo de inclinação
primitiva do filete do parafuso sem-fim e  é o coeficiente de atrito.

F2

n
N

Fr2

F2
Fa2 1

N Ft2

Figura 5.19 – Forças que atuam não dente da roda de um parafuso


sem-fim quando a roda é o órgão motor.

Efetuando agora a mesma análise para o caso em que a engrenagem de parafuso


sem-fim roda helicoidal é multiplicadora, isto é, a roda é o órgão motor pode obter-se

5. ENGRENAGENS DE PARAFUSO SEM-FIM 27


uma expressão semelhante à (5.99) para o cálculo do rendimento. Com efeito, para
esta situação deve ter-se em consideração a representação da figura 5.19, resultando
a seguinte expressão (Henriot, 1979)
cos n  tg1
r  (5.100)
cos n  cotg1
Deve referir-se que uma engrenagem de parafuso sem-fim roda helicoidal é auto-
blocante quando for nula a componente tangencial que atua na roda, isto é
Ft 2  N (cos nsen 1   cos 1)  0 (5.101)
ou seja
  cos n tg 1 (5.102)
Tal como já foi mencionado anteriormente, as engrenagens de parafuso sem-fim
roda helicoidal nem sempre são reversíveis, isto acontece quando apenas um dos
órgãos (parafuso ou roda) pode ser o acionador. Com efeito, analisando as equações
(5.99) e (5.100) e tendo em consideração que os numeradores devem ser sempre po-
sitivos para que haja transmissão de movimento, observa-se que
0  1   (engrenagens irreversíveis) (5.103)
π
  1   (engrenagens reversíveis) (5.104)
2
π π
   1  (engrenagens irreversíveis) (5.105)
2 2
em que  representa o ângulo de atrito, ou seja
  tg (5.106)
Deve referir-se que na situação relativa à equação (5.103) apenas a roda pode ser
o órgão motor, ao passo que no caso da equação (5.105) apenas o parafuso sem-fim
pode ser o órgão motor. Na situação caraterizada pela equação (5.104) ambos os ór-
gãos podem ser o elemento acionador. Estes cenários estão ilustrados na figura 5.20.
Parafuso: órgão motor

Roda: órgão motor

Engrenagens irreversíveis Engrenagens reversíveis Engrenagens irreversíveis 1


0  /2 –  /2
Figura 5.20 – Condições de reversibilidade em engrenagens de parafuso sem-fim.

A determinação do valor do coeficiente de atrito não é uma tarefa simples uma


vez que aquele parâmetro depende de vários fatores tais como os materiais em con-
tacto, a lubrificação, a velocidade de escorregamento, o acabamento superficial, a
temperatura, etc. A título de exemplo, a figura 5.21 mostra a variação do coeficiente
de atrito para engrenagens de parafuso sem-fim roda helicoidal lubrificadas. Os pares
de materiais considerados para o parafuso e para a roda são aço temperado – bronze
fosforoso e ferro fundido – ferro fundido.

28 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


0.10
Parafuso: ferro fundido; Roda: ferro fundido

0.08
Coeficiente de atrito,  Parafuso: aço cementado; Roda: bronze fosforoso

0.06

0.04

0.02

0.00
0 2 4 6 8 10
Velocidade de deslizamento, vs [m/s]

Figura 5.21 – Variação do coeficiente de atrito para engrenagens de parafuso sem-fim roda
helicoidal lubrificadas e para diferentes materiais.

O valor do coeficiente de atrito diminui com o aumento da velocidade de escorre-


gamento, a qual é dada por (Juvinall e Marshek, 2006)
πd1n1
vs  (5.107)
60 sen1

Exercício 5.5
Enunciado: Considere uma engrenagem de parafuso sem-fim roda helicoidal reduto-
ra em que o órgão motor roda a 1200 rpm e transmite uma potência de 0,75 kW. O
parafuso sem-fim apresenta hélice direita, duas entradas e um diâmetro primitivo de
50 mm. A roda tem 30 dentes e um passo aparente de 13 mm. Os materiais do para-
fuso e da roda são o aço cementado e bronze fosforoso, respetivamente. Determine o
rendimento desta engrenagem admitindo que o ângulo de pressão real é de 20º.

Padrão de resposta esperado:


Para efetuar o cálculo do rendimento da engrenagem supra mencionada é necessá-
rio determinar o valor dos seguintes parâmetros:
1 = 80,60 º
vs = 3,18 m/s
 = 0,03.
Finalmente, considerando a equação (5.99) obtém-se o valor relativo ao rendimento
desta engrenagem, ou seja
 = 83,39 %.

5. ENGRENAGENS DE PARAFUSO SEM-FIM 29


5.8. REVISÃO DE CONHECIMENTOS
Com o propósito de proporcionar uma revisão de conhecimentos sobre a temática
das engrenagens de parafuso sem-fim roda helicoidal, apresenta-se, nesta secção, um
conjunto diversificado de questões e exercícios de aplicação.

1. Apresente as principais caraterísticas das engrenagens de parafuso sem-fim


roda helicoidal.

2. Discuta o interesse do número de entradas no desempenho de engrenagens de


parafuso sem-fim.

3. Numa engrenagem de parafuso sem-fim roda helicoidal de entrada quadrupla.


O parafuso sem-fim roda a 200 rpm e a roda tem 80 dentes. Assim, determine
a velocidade de rotação da roda helicoidal.

4. Qual é a utilidade da consideração de envolvimento nas engrenagens de para-


fuso sem-fim roda helicoidal?

5. Comente a seguinte afirmação “as engrenagens de parafuso sem-fim roda he-


licoidal não são, em geral, reversíveis”.

6. Discuta os limites para a relação de transmissão nas engrenagens de parafuso


sem-fim roda helicoidal.

7. Compare a capacidade de transmissão de potência das engrenagens de parafu-


so sem-fim relativamente às engrenagens cilíndricas.

8. Discuta a importância da lubrificação no funcionamento das engrenagens de


parafuso sem-fim roda helicoidal.

9. Apresente o tipo de material que deve ser utilizado nos diversos órgãos de
uma engrenagem de parafuso sem-fim roda helicoidal.

10. Quais são os principais tipos de perfis dos filetes das engrenagens de parafuso
sem-fim roda helicoidal?

11. Distinga passo axial de passo helicoidal num parafuso sem-fim.

12. Deduza a relação matemática entre o passo axial e o passo helicoidal.

13. Distinga ângulo de inclinação primitiva de ângulo ascendente.

14. Qual a relação entre os módulos reais de um parafuso sem-fim e de uma roda
helicoidal para que haja engrenamento?

15. Deduza uma expressão para a relação de transmissão numa engrenagem de pa-
rafuso sem-fim roda helicoidal.

30 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


16. Considere uma engrenagem de parafuso sem-fim roda helicoidal de entrada
dupla. O ângulo de inclinação dos filetes de 70º, o passo helicoidal é igual a
70 mm e a relação de transmissão é igual a 10. Assim, determine os diâmetros
primitivos do parafuso sem-fim e da roda helicoidal.

17. Apresente as relações entre os diversos passos de uma engrenagem de parafu-


so sem-fim roda helicoidal.

18. Uma engrenagem de parafuso sem-fim roda helicoidal redutora é acionada por
um motor de 1,5 kW a 720 rpm. A velocidade de saída é de 40 rpm. O parafu-
so sem-fim tem uma única entrada e um ângulo de inclinação primitiva igual a
75º. O módulo real da engrenagem é igual a 4 mm. Assim, determine o núme-
ro de dentes da roda e o diâmetro primitivo do parafuso sem-fim.

19. Considere uma engrenagem de parafuso sem-fim roda helicoidal de 3 entra-


das. O parafuso sem-fim tem um diâmetro primitivo de 50,8 mm. A roda tem
30 dentes e um módulo aparente igual a 4,23 mm. Sabendo que se trata de
uma engrenagem normalizada, determine: (i) o diâmetro primitivo da roda; (ii)
a distância entre os eixos; (iii) o módulo axial do parafuso sem-fim; (iv) o pas-
so axial do parafuso; (v) o passo helicoidal do parafuso sem-fim; (vi) o ângulo
de inclinação dos filetes; (vii) o ângulo de inclinação primitiva da roda.

20. Considere uma engrenagem de parafuso sem-fim roda helicoidal de dupla en-
trada. O parafuso sem-fim tem um diâmetro primitivo igual a 50 mm e um
módulo axial de 4 mm. A roda tem 32 dentes. Atendendo a que o dentado é
normalizado, determine: (i) o passo axial do parafuso; (ii) o passo helicoidal
do parafuso; (iii) o módulo aparente da roda; (iv) o diâmetro primitivo da ro-
da; (v) a relação de transmissão; (vi) o ângulo de inclinação dos filetes; (vii) o
ângulo de passo; (viii) o ângulo de pressão axial; (ix) a distância entre eixos;
(x) a saliência do parafuso; (xi) a saliência da roda; (xii) o diâmetro de coroa
da roda; (xiii) o diâmetro de base da roda.

21. Calcule a relação de condução de uma engrenagem de parafuso sem-fim de


tripla entrada e com uma roda helicoidal de 45 dentes. O parafuso, que é o ór-
gão motor, tem um módulo axial de 3 mm e um ângulo de pressão real de 20º.

22. Considere uma engrenagem de parafuso sem-fim roda helicoidal. O parafuso,


em aço cementado, é de dupla entrada, tem um diâmetro primitivo igual a 50
mm e um módulo axial de 4 mm. A roda tem 32 dentes e é em bronze fosforo-
so. Atendendo a que o dentado é normalizado, determine o rendimento desta
engrenagem.

23. Calcule o rendimento da engrenagem descrita no exercício 21.

24. Comente sobre reversibilidade da engrenagem descrita no exercício 21.

25. Comente sobre reversibilidade da engrenagem descrita no exercício 22.

5. ENGRENAGENS DE PARAFUSO SEM-FIM 31


5.9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Drago, R.J. (1988) Fundamentals of Gear Design. London, Butterworths.
Ferreira, L.A. (1998) Tribologia – Notas de Curso – Lubrificação e Lubrificantes. Pu-
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líndricas de dentes retos. Universidade do Minho, Escola de Engenharia, publicação
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líndricas de dentes inclinados. Universidade do Minho, Escola de Engenharia, publi-
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Wilson, C.E., Sadler, J.P. (1993) Kinematics and Dynamics of Machinery. 2nd Edition, Har-
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32 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


Cinemática e
Dinâmica de
Engrenagens
6. Análise Dinâmica de
Engrenagens

Paulo Flores
José Gomes

Universidade do Minho
Escola de Engenharia

Guimarães 2015
ÍNDICE

6. Análise Dinâmica de Engrenagens ............................................................. 1

6.1. Introdução ................................................................................................ 1


6.2. Diagramas do Corpo Livre ...................................................................... 5
6.3. Nomenclatura ........................................................................................ 10
6.4. Engrenagens Cilíndricas de Dentes Retos ............................................. 12
6.5. Engrenagens Cilíndricas de Dentes Inclinados ..................................... 17
6.6. Engrenagens Cónicas............................................................................. 24
6.7. Engrenagens de Parafuso Sem-fim........................................................ 30
6.8. Revisão de Conhecimentos ................................................................... 36
6.9. Referências Bibliográficas .................................................................... 38
Os discípulos são a biografia do professor.
Domingo Faustino Sarmiento

6. ANÁLISE DINÂMICA DE ENGRENAGENS

6.1. INTRODUÇÃO
Como é sabido, as engrenagens são sistemas mecânicos utilizados para transmitir
potência e movimento entre os órgãos motor e movido. Tal como acontece em outros
sistemas mecânicos de transmissão de movimento, o projeto e dimensionamento dos
componentes que constituem as engrenagens assenta no conhecimento das forças que
se desenvolvem durante o seu funcionamento (Shigley e Mischke, 1989; Wilson e
Sadler, 1993). No caso das engrenagens, a determinação das forças que atuam nos
dentes depende das condições de funcionamento e do tipo de dentado. Na verdade, o
correto conhecimento da magnitude e do sentido de atuação das diversas componen-
tes da força de engrenamento é de primordial importância, pois permite a determina-
ção dos esforços que atuam nos dentes, nos veios que suportam as rodas dentadas, e
nos respetivos apoios dos veios. Com efeito, conhecidas cargas que se desenvolvem
nas engrenagens é possível efetuar o cálculo dos dentes, o dimensionamento dos vei-
os e a seleção dos apoios (Branco et al., 2009).
A análise dinâmica de engrenagens diz respeito ao estudo das forças que atuam
nas engrenagens. Esta análise é frequentemente denominada de análise de forças e
assenta, em geral, num conjunto de premissas simplificativas. Em primeiro lugar, na
análise dinâmica de engrenagens é habitual efetuar-se a simplificação que considera
que as forças de engrenamento são pontuais e atuam na zona central dos flancos dos
dentes. Por outro lado, durante o engrenamento de duas rodas dentadas é provável
que um dente seja mais solicitado do que os dentes adjacentes, por isso, é comum
considerar-se que a força de engrenamento é totalmente transmitido apenas num den-
te. Na análise dinâmica de engrenagens é habitual considerar-se que o rendimento é
unitário (Shigley e Uicker, 1980). Esta assunção é verdadeira para o caso das engre-
nagens cilíndricas de dentado reto e inclinado, bem como no caso das engrenagens
cónicas de dentes retos. Na verdade, nestes tipos de engrenagens é expectável que
haja perdas na ordem de 1 a 2%, as quais podem, todavia, ser desprezadas. Esta sim-
plificação não deve ser efectuada no caso das engrenagens de parafuso sem-fim de-
vido ao elevado escorregamento que acontece entre os flancos dos filetes e dos den-
tes das rodas (Drago, 1988; Juvinall e Marshek, 2006; Budynas e Nisbett, 2011; Flo-
res e Gomes, 2014a; Norton, 2013).
Os elementos das engrenagens têm inércia, a qual quando associada a aceleração
desenvolve forças de inércia. Quando as forças de inércia são relativamente pequenas
face às demais forças em jogo, então as primeiras podem ser desprezadas na análise
de forças em engrenagens. Este tipo de análise é frequentemente denominada de aná-
lise estática, uma vez que se assume que os elementos estão em repouso. Com efeito,
a análise dinâmica de engrenagens é, em geral, realizada utilizando as condições de
equilíbrio, pelo que o estabelecimento correto dos sentidos das forças que atuam nas
engrenagens é de capital importância (Thomas e Hillsman, 1993). Subsequentemen-
te, torna-se necessário conhecer as magnitudes daquelas forças e, deste modo, proce-
der ao projeto das engrenagens, nomeadamente no cálculo dos dentes, no dimensio-
namento dos veios e na seleção dos apoios dos veios.

6. ANÁLISE DINÂMICA DE ENGRENAGENS 1


2

O2

Ft I

F
Fr
E
d1

O1

1

Figura 6.1 – Representação simplificada de uma engrenagem cilíndrica de dentes retos.

Com o intuito de introduzir os aspectos fundamentais relacionados com a análise


dinâmica de engrenagens considere-se a figura 6.1 onde se representa esquematica-
mente o engrenamento de duas rodas dentadas de dentes retos em que o pinhão é o
órgão motor. Por simplicidade, quer o pinhão, quer a roda estão materializados pelas
respectivas circunferências primitivas. Sabe-se que durante o engrenamento, o ponto
de contacto move-se ao longo da linha de engrenamento EF. Na representação da
figura 6.1, o dente do pinhão contacta o dente da roda no ponto primitivo I, sendo
este o ponto de engrenamento. Nesta fase do engrenamento, os flancos dos dentes em
contacto descrevem um movimento de rolamento puro, isto é não existe escorrega-
mento. Em qualquer outra fase do engrenamento, em virtude do escorregamento
existente nos flancos dos dentes no pinhão e na roda, a força resultante no engrena-
mento está ligeiramente incluída de um ângulo denominado ângulo de atrito (Mabie

2 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


e Reinholtz, 1987; Flores e Gomes, 2014b). Atendendo a que, em geral, o ângulo de
atrito é muito pequeno, a análise dinâmica da engrenagem representada na figura 6.1
pode ser levada a cabo desprezando o efeito de atrito, sendo que o erro daí decorrente
é de somenos importância. A força que empurra os dentes da roda movida é repre-
sentada pelo símbolo F. Esta força é perpendicular às superfícies dos dentes e atua
sempre na direcção definida pela linha de engrenamento. Da consideração da terceira
lei de Newton decorre que é exercida nos dentes do pinhão tem o mesmo módulo e
mesma direção da força F, sendo, contudo, oposto o sentido de autuação daquela
força. Atendendo ao princípio da transmissibilidade da força de engrenamento, sabe-
se que o momento desenvolvido em cada ponto situado na linha de engrenamento é
constante. Por conseguinte, o ponto primitivo pode ser considerado como representa-
tivo de todo o engrenamento1.
Da análise da figura 6.1, observa-se que a força de engrenamento F pode ser divi-
da nas suas componentes tangencial e radial. A primeira componente diz respeito à
força útil, a qual representa a força responsável pela transmissão de potência. Ao
invés, a componente radial não transmite potência e atua, tal como o nome sugere, na
direção radial das rodas e no sentido dos respetivos centros de rotação. De facto, em
engrenagens cilíndricas exteriores de dentes retos, a componente radial da força de
engrenamento tende a separar o pinhão da roda, pelo que esta força é, por vezes, de-
nominada de força de separação (Shigley e Uicker, 1980).
Admitindo que o motor que aciona o pinhão da engrenagem representada na figu-
ra 6.1 transmite uma potência P1 a uma velocidade angular 1, então tem-se que
P1  M11 (6.1)
em que M1 denota o momento que atua no pinhão. Atendendo a que o rendimento é
unitário, sabe-se que
P2  P1  M 22 (6.2)
ou seja, o momento que atua na roda é diferente do momento que atua no pinhão,
sendo que as correspondentes velocidades angulares variam de modo inverso, tal que
1 M 2
i  (6.3)
2 M 1
O momento que atua no pinhão pode ser expresso do seguinte modo
d1
M1  F t (6.4)
2
em que d1 representa o diâmetro primitivo do pinhão.
Combinando agora as equações (6.1) e (6.4) obtém-se a expressão que relaciona a
força transmitida com a potência e velocidade angular do motor, ou seja
2 P1
Ft  (6.5)
d11
ou, alternativamente,
1
Refira-se que o ponto primitivo é, por definição, o ponto de interseção da linha de engrenamento
com a linha de centros. Por seu lado, o ângulo definido pela tangente comum às circunferências
primitivas e pela linha de engrenamento é denominado ângulo de pressão (Henriot, 1979).

6. ANÁLISE DINÂMICA DE ENGRENAGENS 3


60 P1
Ft  (6.6)
πd1n1
em que P1 é a potência do motor, expressa em W, d1 representa o diâmetro primitivo
do pinhão, expresso em m e n1 é a velocidade de rotação do motor, expresso em rpm.
Observa-se, portanto, que a força transmitida é função das caraterísticas do motor e
dimensão do pinhão.
Por seu lado, a componente radial da força de engrenamento é expressa da seguin-
te forma
F r  F t tg (6.7)
em que  é o ângulo de pressão.
Pode ainda determinar-se a força resultante que atua nos dentes, isto é
Ft
F (6.8)
cos
Observa-se, pois, que a força de engrenamento aumenta com o ângulo de pressão.
A componente radial da força de engrenamento também aumenta com o ângulo de
pressão. Deve ainda referir-se que a força tangencial induz corte e flexão nos dentes,
ao passo que a componente radial gera compressão nos dentes. Devido à natureza do
contacto que acontece-se entre as superfícies dos dentes, pode verificar-se que a for-
ça de engrenamento causa tensões elevadas na vizinhança da zona de contacto nos
flancos dos dentes. Finalmente, deve mencionar-se que nas engrenagens cilíndricas
de dentes retos não existe componente axial da força de engrenamento, uma vez que
as superfícies dos dentes se desenvolvem paralelamente ao eixo da roda. Na verdade,
as forças de engrenamento dependem da geometria dos dentes das rodas (Spotts e
Shoup, 1998). De modo geral e simples, pode dizer-se que a análise dinâmica de en-
grenagens confina os seguintes:
- Cálculo das componentes da força de engrenamento,
- Determinação das reações nos apoios dos veios que suportam as rodas,
- Seleção dos apoios para os veios.

Exercício 6.1
Enunciado: Considere uma engrenagem cilíndrica de dentado reto normalizado em
que o pinhão é accionado por um motor que roda a 1750 rpm e transmite uma potên-
cia de 2,5 kW. Atendendo a que o pinhão tem 20 dentes um módulo de 2,5 mm, de-
termine as forças que atuam nesta engrenagem.

Padrão de resposta esperado:


Da análise geométrica de engrenagens sabe-se que o diâmetro primitivo do pinhão
pode ser calculado do seguinte modo
d1 = mz1 = 2,5×20 = 50 mm.
Assim, as componentes tangencial, radial da força de engrenamento, bem como a
força total de engrenamento podem ser determinadas utilizando as equações (6.6) a
(6.8), resultando
Ft = 545,67 N
Fr = 198,61 N
F = 580,69 N.

4 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


6.2. DIAGRAMAS DO CORPO LIVRE
Uma das etapas mais importantes na análise de forças em sistemas mecânicos em
geral prende-se com a elaboração dos diagramas do corpo livre. Esta circunstância é
de particular relevância na análise dinâmica de engrenagens, não só devido à geome-
tria diversa que os dentes das rodas podem apresentar, mas também pelo tipo de
apoio que os veios das rodas podem assentar. Um diagrama do corpo livre2 não é
mais do que um desenho, um esquema ou um esboço do corpo, componente ou sub-
sistema em análise, o qual é retirado ou isolado do sistema mecânico a que pertence e
onde se representam todas as forças e momentos que sobre ele atuam (Flores e Claro,
2007). Com efeito, a título de exemplo, a figura 6.2 apresenta os digramas do corpo
livre dos componentes que constituem um alicate. Neste caso são desprezados os
efeitos dos vários corpos na elaboração dos referidos diagramas (Flores, 2012).
Fe

1
5
4
2 3

Fe

x
F14 y Fe
F21

x 4 y Fm x
F34 F14 x
F21 F41 1
t n y
y
F51 F51 F41
F34

y
F12 n
x F15 y
F43
F12
n
F52 t
F52 x
F23 x 3
F m t 5 t F43
F15 F25
2 x
F32 n
y
F23
F25
Fe
y
F32
Figura 6.2 – Diagramas do corpo livre dos diversos componentes de um alicate.

A elaboração de diagramas do corpo livre em sistemas mecânicos requer a correta


identificação dos seus componentes, bem como das forças e momentos que sobre
eles são exercidos. Em máquinas e mecanismos de uso corrente, os componentes são
ligados uns aos outros através de pares cinemáticos, pelo que é muito importante
identificar os tipos de constrangimentos ou restrições que atuam nos diversos pares
cinemáticos. A figura 6.3 inclui os principais tipos de pares cinemáticos inferiores3
comummente utilizados em sistemas mecânicos. Ainda nesta figura estão representa-
das as reações que se desenvolvem em cada um dos elementos quando o efeito de

2
O termo livre significa que o corpo está desligado do sistema mecânico de que faz parte, sendo que
os seus efeitos são substituídos pelas forças e momentos que atuam sobre o corpo.
3
Nos pares cinemáticos inferiores, o contacto entre os seus elementos constituintes é uma superfície.

6. ANÁLISE DINÂMICA DE ENGRENAGENS 5


atrito é desprezável. Deve referir-se que no caso dos pares cinemáticos superiores4,
as forças de reação são sempre perpendiculares às superfícies de contacto quando é
nulo o efeito devido ao atrito.

Pares cinemáticos inferiores

Designação Geometria Incógnitas Reações

z
Rotação 5
x y

z
Translação
ou 5
prismática x y

z
Esférica
ou 3
globular x y

Cilíndrica 4
x y

z
Plana 3
x y

z
Helicoidal
ou de 4
parafuso x y

Figura 6.3 – Representação dos pares cinemáticos inferiores e correspondentes


reações em termos de forças e/ou momentos.

2
1
1 3
a b c

Figura 6.4 – Trem de engrenagens constituído por 3 rodas.

4
Deve referir-se que no caso dos pares cinemáticos superiores, o contacto entre os seus elementos é
do tipo pontual ou linear (Flores e Claro, 2007).

6 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


Exercício 6.2
Enunciado: A figura 6.4 mostra um trem de engrenagens de rodas cilíndricas de den-
tes retos, em que o órgão motor é a roda 1, cuja potência é de 30 kW a 1000 rpm. A
roda 1 tem 10 mm de módulo e um ângulo de pressão normalizado. As rodas 1, 2 e 3
têm um número de dentes igual a 35, 45 e 60, respetivamente. Assim, elabore o dia-
grama do corpo livre de cada uma das rodas.

Padrão de resposta esperado:


A figura 6.5 apresenta os diagramas do corpo livre das rodas do trem supramenci-
onado. Deve chamar-se à atenção que não existe momento na roda intermédia, sendo
esta denominada de roda parasita, pois não afeta a relação de transmissão total do
trem. Na verdade a roda 2 permite que as rodas 1 e 3 rodem no mesmo sentido.
 
Fay t
F12 2
t
F32 Fcy

1
r r
F21 F23 Fcx
1 3
M1 Fax a r
F12 b r
F32 c M3

t 2 t
F21 F23
3
 
Fby
Figura 6.5 – Diagramas do corpo livre das rodas do trem descrito no exercício 6.2.

Exercício 6.3
Enunciado: A figura 6.6a ilustra um trem de engrenagens acionado pelo anel exteri-
or, 1, que, por sua vez transmite o movimento às rodas 2, 3 e 4. A roda central, 5,
está estacionária e ligada ao braço 6. Assim, atendendo a que o momento motor que
atua na roda 1 é igual a M1, determine a relação de transmissão do trem.

Padrão de resposta esperado:


Para se proceder à resolução deste exercício, deve começar-se pela elaboração dos
diagramas do corpo livre dos vários componentes, tal como se representa na figura
6.6b. Deve notar-se que os diagramas do corpo livre aqui representados são uma ver-
são simplificada dos mesmos. Com efeito, da análise do diagrama do corpo livre do
anel tem-se que o momento M1 é divido5 igualmente pelas rodas 2, 3 e 4, ou seja
M 1  3M 2 (6.9)
Por outro lado, o momento M2 é dado por
d1
M 2  F1 (6.10)
2
Combinando agora as equações (6.9) e (6.10) resulta que
2 M1
F1  (6.11)
3 d1

5
Esta situação é verdadeira, uma vez que se admite que o rendimento é unitário.

6. ANÁLISE DINÂMICA DE ENGRENAGENS 7


2 1

1
5
6

3 4

(a)

F1 F1
1 2 F2
d2
F2
F1
d1
F2 M6
F1
6

M1
F1
F2
(b)
Figura 6.6 – (a) Trem de engrenagens; (b) Diagramas do corpo livre.

Da análise do diagrama de forças relativo à roda 2 tem-se que


F2  2F1 (6.12)
Introduzindo agora a equação (6.11) na expressão (6.12) vem que
4 M1
F2  (6.13)
3 d1
De modo análogo, o momento total que atua no centro de rotação do braço 6 pode
ser calculado somando os momentos associados a cada uma das rodas 2, 3 e 4, isto é
M 6  3F2r6 (6.14)
em que r6 denota o raio do braço, o qual é dado por
d5  d 2 d5  (d1 / 2  d5 / 2) d5  d1
r6    (6.15)
2 2 4
Atendendo agora à definição de relação de transmissão tem-se que
1 M 6
i  (6.16)
6 M1

8 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


Introduzindo agora as equações supramencionadas, a equação (6.16) pode ser re-
escrita do seguinte modo
d5
i 1 (6.17)
d1

6. ANÁLISE DINÂMICA DE ENGRENAGENS 9


6.3. NOMENCLATURA
Antes de apresentar a análise dinâmica de engrenagens dos principais tipos de ro-
das dentadas é oportuno introduzir a nomenclatura fundamental relativa a este tipo de
análise. Para o efeito, considere-se a figura 6.7 respeitante a um engrenamento de
dentado reto. Assim, o fixe ou estrutura do sistema mecânico é designado pelo núme-
ro 0. À roda de entrada ou motora é atribuído o número 1, sendo que as restantes
rodas são definidas sucessivamente pelos números 2, 3, 4 etc. até à última roda do
sistema de transmissão de movimento. Pela mesma ordem de ideias, os veios das
rodas são denominados pelas letras minúsculas do alfabeto, ou seja, a, b, c, d, etc.
Por seu lado, às direções tangencial, radial e axial associadas aos engrenamentos são
atribuídos os expoentes t, r e a, respetivamente. De igual modo, as direções associa-
das aos eixos cartesianos são referidos pelas expoentes x, y e z (Shigley e Mischke,
1989; Branco et al., 2009).

n2
2
b
r
F21 
F F21
0 I
 t
F21
I
x
1
Fa1 a
E 1
a Fa1
y
Fa1
Ma1
0
n1

(a) (b)

Figura 6.7 – (a) Engrenagem cilíndrica de dentes retos; (b) Diagrama do


corpo livre do pinhão quando este é o órgão motor.

Com efeito, F21 representa a força que a roda 2 exerce sobre a roda 1. Atendendo
à terceira lei de Newton sabe-se que F21 e F12 têm a mesma direção, a mesma magni-
tude, mas atuam em sentidos opostos. A força que o veio a exerce na roda 1 é desig-
nada por Fa1, a qual tem duas componentes cartesianas, tal como se pode identificar
na representação da figura 6.7. O efeito do motor na roda 1 é indicado por Ma1, que
representa o momento motor. É frequente omitir os índices associados aos veios,
assim tem-se que Ma1=M1. Com efeito, doravante, utilizar-se-á esta nomenclatura no
âmbito da análise dinâmica de engrenagens.
Uma vez elaborados os diagramas do corpo livre dos componentes das engrena-
gens, pode proceder-se à análise dinâmica, também denominada análise de forças.
Assim, quando o sistema6 em estudo está em repouso ou tem uma velocidade cons-

6
O vocábulo sistema denota qualquer componente, conjunto de componentes ou parte de uma má-
quina ou mecanismo que se pretende estudar. Com efeito, a análise de sistemas mecânicos comple-
xos pode ser simplificada sobremaneira pela sucessiva elaboração do diagrama do corpo livre dos
seus elementos.

10 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


tante, então é nula a sua aceleração. Por conseguinte, o sistema está em equilíbrio. A
expressão equilíbrio estático é utilizada quando o sistema está em repouso. Para con-
dições de equilíbrio, as forças e momentos que atuam no sistema equilibram-se de tal
modo que (Beer e Johnston, 1991)

F  0 (6.18)

M  0 (6.19)
o que significa que é nulo o somatório de todas as forças e todos os momentos que
atuam no sistema em equilíbrio.

6. ANÁLISE DINÂMICA DE ENGRENAGENS 11


6.4. ENGRENAGENS CILÍNDRICAS DE DENTES RETOS
A figura 6.8a diz respeito à representação simplificada de uma engrenagem cilín-
drica de dentes retos. O pinhão, que é o órgão motor, roda com uma velocidade de
rotação n1 no sentido indicado na figura e aciona a roda que gira com uma velocidade
de rotação igual a n2. Tal como foi descrito anteriormente, a força normal ou total de
engrenamento atua na direção perpendicular às superfícies dos dentes, ou seja, atua
na direção definida pela linha de engrenamento EF. Na figura 6.8b estão representa-
dos os diagramas do corpo livre do pinhão e da roda desta engrenagem (Wilson e
Sadler, 1993; Branco et al., 2009).

n2
2
d2
r
Fb2
F21  2
y
Fb2
b F F21
I

t
F21 b
x
Fb2
I 1
x
Fa1
a M1 t
F12
E 1 d1 Fa1 I
y M2
Fa1
a F12
r
F12
n1

(a) (b)

Figura 6.8 – (a) Engrenagem cilíndrica de dentes retos em que o pinhão é o órgão
motor; (b) Diagramas do corpo livre do pinhão e da roda.

Em consonância com a nomenclatura apresentada anteriormente, a força F21 deno-


ta a ação que a roda exerce sobre o pinhão, a qual atua no ponto primitivo, na direção
da linha de engrenamento e no sentido contrário ao sentido de rotação do pinhão.
Trata-se, portanto, de uma força resistente ao movimento descrito pelo motor. Aten-
dendo a que o pinhão é suportado pelo veio a, então pode afirmar-se que no centro de
rotação do pinhão atua uma força que equilibra a força de engrenamento, pois o sis-
tema está em equilíbrio. Do mesmo modo, o momento M1 é equilibrado pelo mo-
mento7 produzido pela força útil, ou seja
d1
M 1  F21
t
(6.20)
2
onde d1 representa o diâmetro primitivo do pinhão.
Refira-se que a componente radial da força de engrenamento não produz qualquer
momento, uma vez que aquela força está alinhada com o eixo de rotação do pinhão.
Na verdade, esta componente da força de engrenamento aponta para o centro do pi-
nhão e, por isso, tende a afastar o pinhão da roda. Por esta razão, a força radial é,
frequentemente, denominada de força de separação.

7
Este momento é frequentemente denominado de momento de torção (Shigley e Uicker, 1980; Shi-
gley e Mischke, 1989).

12 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


No caso mais geral das transmissões por engrenagens, é conhecida a potência e a
velocidade de rotação do motor que aciona o pinhão, pelo que a força útil ou transmi-
tida pode ser determinada do seguinte modo
60 P1
t
F21  (6.21)
πd1n1
tal como havida sido demonstrado anteriormente e em que P1 é a potência do motor,
d1 é o diâmetro primitivo do pinhão e n1 é a velocidade de rotação do pinhão, i.e.,
P1  M11 (6.22)
2πn1
1  (6.23)
60
Procedendo de igual modo para a análise da roda, verificam-se as mesmas obser-
vações acima descritas para o pinhão. Por outro lado, da figura 6.8 podem ainda ser
estabelecidas as seguintes relações fundamentais em dinâmica de engrenagens
r
F21  F21
t
tg (6.24)
t
F21
F21  (6.25)
cos

n2 n2
2 2

F F
b b
r
F12   r
F12
t t
I F12 I F21
t t
F21 F12
r r
E F21 F21 E
a a
1 1
Pinhão: órgão motor n1 Pinhão: órgão motor n1

(a) (b)
Figura 6.9 – Representação das forças que se desenvolvem no engrenamento em
engrenagens cilíndricas de dentes retos: (a) O pinhão é o órgão motor e roda no
sentido indireto; (b) O pinhão é o órgão motor e roda no sentido direto.

Observa-se, portanto, que a componente radial da força de engrenamento e força


total podem ser expressas em função da força útil, ou seja, em função das caraterísti-
cas do acionamento. Deve referir-se novamente que nas engrenagens cilíndricas de
dentes retos não existe componente axial da força de engrenamento. Finalmente, re-
giste-se que as componentes tangenciais que se desenvolvem no pinhão e na roda são
iguais em módulo, mas os sentidos de atuação são opostos. Do mesmo modo, pode
afirmar-se que as componentes radiais no pinhão e na roda são iguais em módulo,
mas atuam em sentidos contrários. A figura 6.9 representa as forças tangenciais e
radias que atuam durante o engrenamento em engrenagens cilíndricas de dentes retos
em que o pinhão é órgão motor e em função do sentido de rotação. Na representação

6. ANÁLISE DINÂMICA DE ENGRENAGENS 13


da figura 6.9a o pinhão roda no sentido indireto, ao passo que na representação da
figura 6.9b o pinhão roda no sentido direto. Deve referir-se que a definição do senti-
do de rotação do órgão motor é importante no correto estabelecimento do sentido de
atuação das forças de engrenamento, nomeadamente no caso das engrenagens de
dentes inclinados e engrenagens de parafuso sem-fim.

Exercício 6.4
Enunciado: A figura 6.4 ilustra um trem de engrenagens simples constituído por 3
rodas de dentes retos normalizados. O pinhão é acionado por um motor de 30 kW a
1000 rpm. O módulo dos dentes é igual a 10 mm, sendo que as rodas 1, 2 e 3 têm 35,
45 e 60 dentes, respetivamente. Assim, determine: (i) a distância entre os eixos das
rodas 1 e 3; (ii) a relação de transmissão entre as rodas 1 e 3; (iii) o momento que
atua na roda 3; (iv) as reações no apoio da roda 3.

Padrão de resposta esperado:


Da análise geométrica de engrenagens sabe-se que o diâmetro primitivo de uma
roda cilíndrica de dentado reto é dado pelo produto do módulo pelo número de den-
tes, pelo que no presente exercício resulta que
d1 = 10×35 = 350 mm
d2 = 10×45 = 450 mm
d3 = 10×60 = 600 mm.
Assim, atendendo à configuração geométrica da figura 6.4 pode escrever-se a seguin-
te relação geométrica
a13 = a12+a23 = (350+450)/2 + (450+600)/2 = 925 mm.
A relação de transmissão do trem pode ser obtida pelo produto das relações de
transmissão parciais, ou seja
i13 = i12×i23 = z2/z1 × z3/z2 = z3/z1 = 60/35 = 1,71.
Observa-se que a roda intermédia não tem influência na relação de transmissão to-
tal do trem. Este tipo de roda é frequentemente denominada de roda parasita. Embora
não interfira no valor da relação de transmissão, a utilização de rodas parasitas tem,
fundamentalmente, dois objetivos. Em primeiro lugar as rodas parasitas permitem
inverter o sentido de rotação da roda movida. Em segundo lugar, as rodas parasitas
evitam a utilização de rodas dentadas de grandes dimensões, quando se pretende
transmitir movimento de um veio para outro e estes se encontram muito afastados.
Da análise dos diagramas do corpo livre representados na figura 6.5 verificam-se
as seguintes relações
60  30  1000
t
F23  F21t
  1637 ,02 N
π  350  10 3  1000
r
F23  F21r
 F21t
tg  1637 ,02  tg 20  595,83 N.
Com efeito, o momento que atua na roda 3 pode ser calculado do seguinte modo
t d3 600  10 3
M 3  F23  1637 ,02  491,11 Nm.
2 2
Finalmente, da análise das condições de equilíbrio da roda 3 obtém-se os seguin-
tes valores para as reações nos apoios desta roda
Fcx  595,83 N
Fcy  1637,02 N.

14 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


r
F26 t
t
F26
2 1 F36
6
r
F56
r
6 F36 M6
3 5
7 t
F56
6
t
F46 r
F46
r
t F12
F12
4
2 F72
t
F62
r
F62

t
F37 F21
F27
r 1
F21
M7
t
F31
t
F51
7
r r
F31 F51

F47 r
F41
F57 M1
t
F41

Figura 6.10 – Representação de um trem epicicloidal com roda fixa e respetivos


diagramas do corpo livre. O trem é acionado pelo planetário, roda 6.

Exercício 6.5
Enunciado: Na figura 6.10 representa-se um trem epicicloidal8 com roda fixa, no
qual todas as rodas são cilíndricas de dentes retos normalizados e cujo módulo é de 2
mm. O trem é acionado pelo planetário, roda 6, sendo a potência e a velocidade an-
gular iguais a 14,4 kW e 400 rad/s, respetivamente. A saída do trem é pelo braço,
elemento 7 na representação da figura, e o anel exterior, roda 1, está fixo. O planetá-
rio tem 36 dentes e cada um dos satélites tem 32 dentes. Assim, determine a veloci-
dade de saída deste trem (Wilson e Sadler, 1993).

Padrão de resposta esperado:


Da análise da configuração geométrica do trem epicicloidal da figura 6.10 verifi-
ca-se a seguinte relação para o diâmetro do anel exterior
d1 = d2+d6+d4 = m(z2+z6+z4) = 200 mm.
Assim, o número de dentes do anel pode ser calculado do seguinte modo
d1 = mz1, ou seja, z1 = 100.

8
Um trem epicicloidal é um conjunto de 3 ou mais rodas dentadas em que pelo menos uma roda tem
eixo não fixo e roda em torno de um outro eixo fixo do mesmo trem. Quando assim não acontece, o
trem é denominado de trem normal (Mabie e Reinholtz, 1987).

6. ANÁLISE DINÂMICA DE ENGRENAGENS 15


De igual modo tem-se que
d6 = 2×36 = 72 mm
d2 = d3 = d4 = d5 = 2×32 = 64 mm
d7 = d6+d2 = 136 mm.
Atendendo à representação dos digramas do corpo livre dos elementos que consti-
tuem o trem epicicloidal da figura 6.10, pode calcular-se o momento que atua na pla-
netário do seguinte modo,
M6 = P6/6 = 14400/400 = 36 Nm.
Pode facilmente verificar-se que este momento é dividido de igual modo pelos 4 sa-
télites, ou seja

M 6  F26t
 F36
t
 F46
t

t d6
 F56
2
 2 F t d6
em que
F t  F26
t
 F36t
 F46
t
 F56
t
.
Assim, a força tangencial que atua nos satélites é obtida do seguinte modo
Ft = M6/(2d6) = 36/(2×72×10-3) = 250 N.
Consequentemente, a componente radial das forças de engrenamento desenvolvida
entre os satélites e o planetário é dada por
r
F26  F36
r
 F46
r
 F56
r
 F t tg  90,99 N.
Atendendo a que no presente trem epicicloidal os satélites são rodas intermédias,
isto é rodas parasitas, então é nulo o momento que sobre elas é exercido. Assim,
atendendo à terceira lei de Newton, podem obter-se as forças que atuam no anel exte-
rior. Por conseguinte, o momento resistente que atua no anel é dado por
M1 = 4Ftd1/2 = 4×250×(200×10-3/2) = 100 Nm.
Este momento resistente pode ser materializado aparafusando o anel exterior, caso o
trem seja projetado para funcionar com uma relação de transmissão constante.
Deve observar-se que há um equilíbrio de forças no planetário e nos satélites, pelo
que os veios que suportam estes elementos não estão sujeitos a momento de flexão.
O mesmo não sucedendo ao braço, como se verá posteriormente. No caso dos satéli-
tes, as forças tangenciais, ver figura 6.10, são equilibradas pela reacção exercida pelo
braço. Com efeito, de acordo com o diagrama do corpo livre da figura 6.10, o mo-
mento que se desenvolve no braço pode ser expresso do seguinte modo
M7 = 4×2Ftd7/2 = 4×2×250×(136×10-3/2) = 136 Nm.
em que este momento atua no sentido direto. Com efeito, do balanço global dos mo-
mentos que se desenvolvem no trem epicicloidal verifica-se que
M7 + M1 + M6 = 136 – 100 – 36 = 0 Nm.
Finalmente, atendendo a que nesta análise não se consideraram perdas nas trans-
missões, nem o efeito inercial dos satélites, a velocidade de saída do trem pode ser
determinada do seguinte modo
7 = P7/M7 = 14400/136 = 105,88 rad/s.

16 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


6.5. ENGRENAGENS CILÍNDRICAS DE DENTES INCLINADOS
Tal como acontece nas engrenagens cilíndricas de dentado reto, nas engrenagens
cilíndricas de dentes inclinados ou helicoidais, a força total ou resultante que se de-
senvolve entre os dentes das rodas é perpendicular às superfícies de contacto quando
os efeitos de atrito são desprezáveis (Juvinall e Marshek, 2006). A força normal de
contacto nas engrenagens cilíndricas de dentes inclinados pode ser divida nas com-
ponentes tangencial, radial e axial. A existência de uma componente axial que atua
na direção dos eixos das rodas deve-se à própria inclinação dos dentes. A figura 6.11
mostra parcialmente uma roda de dentes inclinados onde se podem identificar as di-
versas forças que atuam durante o engrenamento.

Fr

F t

n
a t
F F

O
Plano de rotação

Plano normal

Circunferência primitiva

Figura 6.11 – Forças que atuam nas engrenagens cilíndricas de dentes inclinados.

Da análise da figura 6.11 e atendendo a que o ponto de contacto pertence à hélice


primitiva, pode escrever-se que
F r  Fsen n (6.26)

F t  Fcos n cos  (6.27)

F a  F cos nsen (6.28)


em que F representa a força total que se desenvolve no contacto, Fr, Ft e Fa dizem
respeito às componentes radial, tangencial e axial, respetivamente.
A componente tangencial da força de engrenamento é a força responsável pela
transmissão de potência e movimento nas engrenagens. Assim, é conveniente expres-
sar as diversas forças de engrenamento em função da força tangencial. Com referên-
cia à figura 6.11 verifica-se que

6. ANÁLISE DINÂMICA DE ENGRENAGENS 17


tg n
F r  F t tg t  F t (6.29)
cos

F a  F t tg (6.30)

Ft
F (6.31)
cos n cos 
onde n representa o ângulo de pressão real ou normal, t é o ângulo de pressão apa-
rente ou transverso e  denota o ângulo de inclinação primitiva (Flores e Gomes,
2014c; Branco et al., 2009).
Por seu lado, a força tangencial pode ser calculada do seguinte modo
60 P
Ft  (6.32)
πdn
sendo P a potência a transmitir, n a velocidade de rotação do órgão motor e em que
d  mt z (6.33)
onde mt é o módulo transverso ou aparente do dente e z é o número de dentes.
De um modo simples pode dizer-se que a componente tangencial da força de en-
grenamento, também denominada força útil ou transmitida, permite o dimensiona-
mento dos dentes. Por seu lado, as componentes radial e axial possibilitam o dimen-
sionamento dos veios e a seleção dos respetivos apoios.
A determinação do sentido de atuação das componentes tangencial e radial é idên-
tica ao caso das engrenagens cilíndricas de dentes retos. O sentido da força axial de-
pende do sentido de rotação da roda e do facto de se tratar de uma roda com hélice
esquerda ou direita. De qualquer modo deve referir-se que o sentido de força axial é
sempre o que promove a compressão das superfícies dos dentes.

(a) (b) (c)


Figura 6.12 – (a) Roda cilíndrica exterior de dentes retos; (b) Roda cilíndrica exterior heli-
coidal com hélice esquerda; (c) Roda cilíndrica exterior helicoidal com hélice direita.

18 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


No atinente à definição do sentido de atuação da força axial é oportuno recordar
os conceitos de hélice esquerda e direita. De facto, as rodas dentadas helicoidais po-
dem ser esquerdas ou direitas, conforme a inclinação dos dentes ou hélices. A dire-
ção das hélices das rodas de dentes helicoidais é definida pela regra da mão direita. A
figura 6.12 mostra, a título exemplificativo, rodas com hélice esquerda e com hélice
direita, como como uma roda de dentes retos. Com efeito, a figura 6.13 evidencia os
sentidos das forças que se desenvolvem em engrenagens cilíndricas de dentes incli-
nados em função do sentido de rotação do órgão motor e do tipo de hélice.
Pinhão: órgão motor com hélice direita

t r t r
F12 F21 F21 F21
1 1
a a
F21 F12
1

a a
F12 t
F21 F21 t
F12
1 r r
F12 F12

2

2 2 2

Roda: órgão movido com hélice esquerda


(a)

Pinhão: órgão motor com hélice esquerda


t r t r
F12 F21 F21 F21
1 1
a a
F12 F21
1

a a
F21 t
F21 F12 t
F12
1 r r
F12 F12

2

2 2 2

Roda: órgão movido com hélice direita


(b)
Figura 6.13 – Força que se desenvolvem no pinhão e na roda em engrenagens cilíndricas
de dentes inclinados: (a) O pinhão é o órgão motor com hélice direita e a roda com hélice
esquerda; (b) O pinhão é o órgão motor com hélice esquerda e a roda com hélice direita.

Exercício 6.6
Enunciado: Uma engrenagem cilíndrica de dentes inclinados é acionada por um mo-
tor elétrico de 20 kW de potência e que roda a 1440 rpm. O pinhão, que é o órgão
motor, tem 18 dentes, 4 mm de módulo real e um ângulo de inclinação dos dentes de
30º. Atendendo a que o dentado é normalizado, calcule as forças de engrenamento.

6. ANÁLISE DINÂMICA DE ENGRENAGENS 19


Padrão de resposta esperado:
Em primeiro lugar devem calcular-se os valores de alguns parâmetros necessários
à análise de forças, nomeadamente,
tg n  tgt cos   t  22,80 º
mn  mt cos   mt  4,62 mm
d1  mt z1  d1  83,14 mm.
Assim, as diversas componentes da força de engrenamento podem ser calculadas
utilizando as equações (6.32), (6.29) e (6.30), resultando que
t
F21  3190,56 N
r
F21  1340 ,92 N
a
F21  1842 ,07 N.
100 300 100

3
b

C D

180
P = 1,5 kW
n = 2000 rpm
a c

A 1 B E F

4
Figura 6.14 – Trem de engrenagens normal composto e revertido.

Exercício 6.7
Enunciado: O trem de engrenagens da figura 6.14 é acionado por um motor elétrico
de 1,5 kW de potência através de uma engrenagem exterior de rodas cilíndricas de
dentes retos. O motor roda a 2000 rpm no sentido indicado na figura. O pinhão 1 e a
roda 2 têm 14 e 56 dentes, respetivamente. O dentado é normalizado sendo o módulo
igual a 5 mm. O trem inclui ainda uma engrenagem exterior de rodas cilíndricas de
dentes helicoidais cujo ângulo de inclinação dos dentes é de 28º e o módulo real é de
3 mm. A relação de transmissão neste último andar é igual a 4 e a distância entre os
eixos é de 180 mm. Assim, (i) elabore o diagrama do corpo livre do veio b sabendo
que as cargas axiais são suportadas pelo apoio C; (ii) determine as forças que atuam
nos dentes das rodas 2 e 3; (iii) calcule as reações nos apoios C e D; (iv) determine o
momento torsor que atua no veio a.

Padrão de resposta esperado:


Na figura 6.15 apresenta-se o diagrama do corpo livre do veio b, em que se repre-
sentam as forças exteriores que são exercidas sobre o veio. Na presente representação
despreza-se o efeito das massas dos corpos.
Da análise geométrica do primeiro andar sabe-se que
d1 = mz1 = 5×14 = 70 mm
d2 = mz2 = 5×56 = 280 mm
i12 = n1/n2 = z2/z1, donde se conclui que n2 = 500 rpm.

20 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


y

2
x
RC RCz

C
RCy n3
3
n2 t
RDz
z F12 D
100
r t
F12 a
F43 x
300 F43
y
r
RD
F43
100
Figura 6.15 – Diagrama do corpo livre do veio b do exercício 6.7.

As forças que atuam na roda 2 resultantes do engrenamento com o pinhão 1 po-


dem ser calculadas do seguinte modo
60 P1
F12t   204,63 N
πd1n1
F12r  F12t tg  74,48 N.

Por seu lado, da análise do segundo andar tem-se que


n3 = n2 = 500 rpm
i34 = 4 = d4/d3
a = 180 = (d4 + d3)/2
donde resulta que
d3 = 72 mm
d4 = 288 mm.
Pode ainda determinar-se o valor do ângulo de pressão aparente do seguinte modo
tg n  tgt cos   t  22,40 º.
Com efeito, as forças de engrenamento que se desenvolvem na roda 3 são calculadas
do seguinte modo
60 P3
t
F43   795,76 N
πd3n3
r
F43  F43
t
tgt  327,99 N
a
F43  F43
t
tg  423,12 N.
Aplicando agora as condições de equilíbrio ao diagrama do corpo livre representado
na figura 6.15 resulta que
 F x  0  RCx  F43a  0
 F y  0   RCy  RDy  F12r  F43r  0
 F z  0  RCz  RDz  F12t  F43t  0
 M Cy  0  F12t  100  F43t  400  RDz  500  0
72
 M Cz  0  F12r  100  F43r  400  RDy  500  F43a  2  0.

6. ANÁLISE DINÂMICA DE ENGRENAGENS 21


Assim, da resolução do sistema de equações acima apresentado obtêm-se os se-
guintes valores para as reacções nos apoios
RCx  423,12 N
RCy  155,65 N
RCz  4,55 N
RDy  246,82 N
RDz  595,68 N.
Finalmente, o momento torsor que atua no veio a é dado por
d
M1  F12t 1  7,16 Nm.
2

50 200 50 50

C D
P = 1,0 kW
n = 1500 rpm
y
a
x
A 1 B
Figura 6.16 – Sistema de transmissão por rodas cilíndricas helicoidais.

Exercício 6.8
Enunciado: Na figura 6.16 representa-se uma engrenagem exterior de rodas cilíndri-
cas de dentes helicoidais que transmite potência e movimento de um motor elétrico
de 1 kW para um rolo que aciona uma correia transportadora. O motor gira a 1500
rpm, no sentido indicado na figura, e o material transportado pelo rolo origina uma
carga uniformemente distribuída, na direção positiva do eixo z, de 3,5 N/mm. Os
diâmetros primitivos do pinhão e da roda são, respetivamente, 64 mm e 320 mm,
tendo o pinhão 20 dentes. Considere que o dentado em ambas as rodas é normaliza-
do. Assim, (i) faça, utilizando uma perspetiva adequada, o diagrama do corpo livre
do veio b; (ii) determine as forças que atuam nos dentes da roda 2; (iii) calcule as
reações nos apoios C e D.

Padrão de resposta esperado:


A figura 6.17 ilustra o diagrama do corpo livre do veio b, em que se desprezam as
massas do veio e da roda 2. Admite-se ainda que as cargas axiais são absorvidas pelo
apoio C.
A determinação da força tangencial que atua nos dentes da roda 2 pode ser feita
do seguinte modo
60 P1 60  1000
F12t    198,94 N.
πd1n1 π  64  10 3  1500

22 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


y

x RCz
RC
3,5 N
/mm
C RDy
y
RC 2

D M2
z 50
RDz
x
200 t
F12
50 n2
50
a
r F12
F12
Figura 6.17 – Diagrama do corpo livre do veio b do exercício 6.8.

Atendendo ao conceito de módulo aparente vem que


d1 = mtz1 , donde resulta que mt = 3,2 mm.
Por outro lado, sabe-se que o ângulo de inclinação dos dentes deve estar entre 10 e
30º, pelo que admitindo um módulo real normalizado de 3 mm resulta que
mn = mtcos, donde resulta que  = 20,36 º.
Assim, o valor do ângulo de pressão aparente pode ser calculado utilizando a seguin-
te expressão
tgn = tgtcos, donde resulta que t = 21,22 º.
Por conseguinte, a força radial que atua nos dentes da roda 2 é dada por
F12r  F12t tgt  77,24 N.
Por sua vez, a componente axial da força que atua nos dentes da roda 2 é dada por
F12a  F12t tg  73,83 N.
Para a determinação das reações nos apoios C e D do veio b é necessário, em pri-
meiro lugar, escrever as equações de equilíbrio do sistema, ou seja
 F x  0  RCx  F12a  0
 F y  0  RCy  RDy  F12r  0
 F z  0  RCz  RDz  3,5  200  F12t  0
 M Cy  0   RDz  300  3,5  200  150  F12t  350  0
320
 M Cz  0  RDy  300  F12r  350  F12a  2  0
donde resulta que
RCx  73,83 N
RCy  26,47 N
RCz  316,84 N
RDy  50,77 N
RDz  582,10 N.

6. ANÁLISE DINÂMICA DE ENGRENAGENS 23


6.6. ENGRENAGENS CÓNICAS
A figura 6.18 mostra a força de engrenamento que se desenvolve em engrenagens
exteriores cónicas de dentes retos, bem como as suas componentes tangencial, radial
e axial. Da análise desta figura observa-se que
F  Ft  F r  F a (6.34)

 Ft

rm

F

Fr
Fa


S

Figura 6.18 – Representação das forças de engrenamento em rodas cónicas de dentes retos.

O estabelecimento das direções e sentidos de atuação das componentes tangencial


e radial no caso das engrenagens cónicas de dentes retos é em tudo semelhante ao
procedimento apresentado para as engrenagens cilíndricas de dentes retos. Por seu
lado, a componente axial da força de engrenamento atua sempre no sentido de pro-
mover a compressão das superfícies dos dentes (Juvinall e Marshek, 2006).
Na análise dinâmica de engrenagens cónicas de dentes retos é frequente conside-
rar-se que a força resultante atua perpendicularmente à superfície do dente no ponto
médio situado no cone primitivo, tal como se pode observar na figura 6.18. Na ver-
dade, a força real deverá atuar algures entre o ponto médio e a extremidade exterior
do dente, ou seja, a parte mais larga do dente. Deve referir-se, todavia, que é pequeno
o erro associado a esta simplificação (Shigley e Uicker, 1980).
Tal como no caso das engrenagens cilíndricas, nas engrenagens cónicas, as com-
ponentes radial e axial da força de engrenamento são expressas em função da força
tangencial ou transmitida e da geometria das rodas. Assim, considerando que uma
dada roda cónica de dentes retos é acionada por um motor elétrico que debita uma
potência P e gira com uma velocidade de rotação n, então a componente tangencial
ou útil que se desenvolve no engrenamento pode ser calculada da seguinte forma
60 P
Ft  (6.35)
πd m n

24 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


em que dm representa o diâmetro médio da roda no cone primitivo definido do se-
guinte modo (Branco et al., 2009)
d m  d  bsen (6.36)
onde d é o diâmetro primitivo da roda, b denota a largura do dentado e  representa o
ângulo do cone primitivo. O diâmetro médio pode também ser obtido pela média
entre os diâmetros primitivos interior e exterior (Wilson e Sadler, 1993).
As componentes radial e axial da força de engrenamento podem ser expressas em
função da força transmitida se se atender à geometria da figura 6.18, ou seja
F r  F t tg cos (6.37)

F a  F t tg sen (6.38)


em que  representa o ângulo de pressão. Por outro lado, a força resultante pode ser
determinada do seguinte modo
Ft
F (6.39)
cos
A figura 6.19 mostra as diferentes componentes da força que se desenvolve no
engrenamento em engrenagens exteriores cónicas de dentes retos, bem como as prin-
cipais variáveis geométricas em jogo. Deve referir-se a necessidade de utilização de
uma vista auxiliar que permite evidenciar a verdadeira grandeza da força resultante
F, a qual é perpendicular à superfícies do dente (Juvinall e Marshek, 2006). Deve
referir-se que no caso mais frequente de utilização de engrenagens cónicas, os eixos
do pinhão e da roda são perpendiculares entre si. Quando assim acontece verifica-se
que a força radial que atua no pinhão é igual à força axial que atua na roda. Do mes-
mo modo, a força axial que atua no pinhão é igual à força radial que atua na roda.

F

Ft
b/2
b

r
Fr F

a
Ft F
d/2
dm/2

Figura 6.19 – Forças de engrenamento em engrenagens exteriores cónicas de dentes retos.

6. ANÁLISE DINÂMICA DE ENGRENAGENS 25


1 1

t r t r
F21 F21 F12 F21
1 a 1 a
F21 F21

r r
2 F12 2 F12
a t a t
F12 F12 F12 F21

2 2

(a) (b)

Figura 6.20 – Representação das forças que se desenvolvem no engrenamento em engre-


nagens cónicas de dentes retos: (a) O pinhão é o órgão motor e roda no sentido direto;
(b) O pinhão é o órgão motor e roda no sentido indireto.

A figura 6.20 representa os sentidos das forças que se desenvolvem no engrena-


mento de rodas cónicas de dentes retos em que o ângulo de conicidade é igual a 90º.
Esta representação é dependente do órgão motor e seu sentido de rotação. Assim, na
figura 6.20a o pinhão é o órgão motor que roda no sentido direto. Por seu lado, na
representação da figura 6.20b o pinhão é o órgão motor da engrenagem, o qual roda
no sentido indireto. O correto estabelecimento do sentido de atuação das forças de
engrenamento é por demais importante na análise dinâmica de engrenagens cónicas e
posterior dimensionamento e seleção dos diversos elementos que constituem os sis-
temas de transmissão deste tipo. Da análise da figura 6.20 observa-se que
F12t  F21
t
(6.40)

F12r  F21
a
(6.41)

F12a  F21
r
(6.42)

Exercício 6.9
Enunciado: Uma engrenagem exterior cónica de dentes retos normalizados é acio-
nada pelo pinhão através de um motor elétrico de 10 kW de potência e que roda com
uma velocidade igual a 600 rpm. O pinhão tem um diâmetro primitivo igual a 200
mm e dentado com uma largura de 40 mm. A roda gira a 200 rpm. O ângulo de coni-
cidade da engrenagem é de 60º. Assim, determine as forças de engrenamento que
atuam nesta engrenagem, bem como o momento que atua no veio da roda.

Padrão de resposta esperado:


Atendendo aos dados do exercício verifica-se que a relação da transmissão pode
ser calculada do seguinte modo
n 600
i 1   3.
n2 200

26 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


Para engrenagens exteriores cónicas em que o <90º verifica-se
senΣ sen60
tg 2     2  46,10 º
1/i  cos Σ 1 / 3  cos60
e, por conseguinte tem-se que
1  Σ   2  60  46,10  1  13,90 º.
Considerando agora a equação (6.36) podem determinar-se os diâmetros médios
do pinhão e da roda, ou seja
d m1  d1  bsen1  200  40sen13,90  d m1  190,39 mm
d m2  d 2  bsen 2  3  200  40sen46,10  d m2  571,18 mm.
Assim, a componente tangencial da força que atua nos dentes do pinhão é determina-
da do seguinte modo
60 P1 60  10000
t
F21    1671,88 N.
πd m1n1 π  190,39  10 3  600
As componentes radial e axial que se desenvolvem no pinhão face ao seu engrena-
mento com a roda são determinados da seguinte forma
r
F21  F21
t
tg cos1  1671,88  tg 20  cos13,90  590,70 N
a
F21  F21
t
tgsen1  1671,88  tg 20  sen13,90  146,18 N.
A força resultante é dada por
Ft 1671,88
F  21   1779,18 N.
cos cos 20
Por seu lado, as componentes radial e axial da força que atua na roda são calculadas
do seguinte modo
F12r  F12t tg cos 2  1671,88  tg 20  cos 46,10  421,95 N
F12a  F12t tg sen 2  1671,88  tg 20  sen46,10  438,47 N.
Atente-se a que na presente engrenagem cónica, as relações dadas pelas equações
(6.41) e (6.42) não se verificam, pois o ângulo de conicidade é diferente de 90º.
Finalmente, o momento que atua no veio da roda é determinado do seguinte modo
d 571,18  10 3
M 2  F12t m 2  1671,88   477 ,47 Nm.
2 2
160 75

D
30
60

1
2
A B
90

b
C

Figura 6.21 – Representação simplificada de uma engrenagem cónica de dentes retos.

6. ANÁLISE DINÂMICA DE ENGRENAGENS 27


Exercício 6.10
Enunciado: A figura 6.21 representa esquematicamente uma engrenagem exterior
cónica de dentes retos. Nesta representação simplificada, os dentes estão substituídos
pelos cones primitivos, sendo o ângulo de conicidade igual a 90º. O pinhão roda no
sentido indicado na figura com uma velocidade igual a 960 rpm e transmite uma po-
tência de 5 kW. O pinhão e a roda têm 15 e 45 dentes, respetivamente. O dentado é
normalizado, o módulo dos dentes é igual a 5 mm, sendo que a largura do dentado é
igual a 30 mm. Os apoios A e C absorvem as cargas axiais dos respetivos veios. As-
sim, (i) elabore o diagrama do corpo livre do veio b; (ii) calcule as forças de engre-
namento que atuam na roda; (iii) determine as reações nos apoios C e D; (iv) calcule
o momento torsor que é exercido no veio da roda.

Padrão de resposta esperado:


Na figura 6.22 está representado o diagrama do corpo livre do veio b em que são
desprezadas as massas do veio e da roda.

y
M2
n2
RDz 2
r
a F12
D F12
r m2
RCy
RDy
t
F12
C
z
60 rm1 x
RCz RC
x
90

Figura 6.22 – Diagrama do corpo livre do veio b.

Atendendo à geometria da engrenagem podem ser determinadas as seguintes pa-


râmetros auxiliares
d1  mz1  5  15  75 mm
d 2  mz 2  5  45  225 mm
1  tg 1( z1 / z2 )  tg 1(15 / 15)  18,43 º
 2  90  1  90  18,43  71,57 º
d m1  d1  bsen1  75  30sen18,43  65,52 mm
d m2  d 2  bsen 2  225  30sen71,57  196,54 mm.
Assim, a força tangencial que atua no pinhão é dada por
60 P1 60  5000
F21t
   1518,19 N.
πd m1n1 π  65,52  10 3  960
Por seu lado, as componentes radial e axial são calculadas do seguinte modo
F21r
 F21
t
tg cos1  1518,19  tg 20  cos18,43  524,23 N
a
F21  F21
t
tg sen1  1518,19  tg 20  sen18,43  174,69 N.

28 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


Com efeito, atendendo a que o ângulo de conicidade é igual a 90º, as forças de
engrenamento que atuam na roda podem ser estabelecidas do seguinte modo
F12t  F21
t
 1518,19 N
F12r  F21
a
 174,69 N
F12a  F21
r
 524,23 N.
Aplicando agora as condições de equilíbrio ao diagrama do corpo livre da figura 6.22
obtém-se o seguinte conjunto de equações
 F x  0   RCx  F12a  0
 F y  0   RDy  RCy  F12t  0
 F z  0  RDz  RCz  F12r  0
196,54  65,52 
 M Cy  0  RDz  (60  90)  F12a  2
 F12r   90 
 2 
0

 65,52 
 M Cz  0  RDy  (60  90)  F12t   90  2   0
donde resulta que
RCx  524,23 N
RCy  938,85 N
RCz  451,47 N
RDy  579,34 N
RDz  276,74 N.
Finalmente, o momento que tem atua no veio da roda pode ser calculado do seguinte
modo
196,54
 M Cx  0  M 2  F12t  2  M 2  149,27 Nm.

6. ANÁLISE DINÂMICA DE ENGRENAGENS 29


6.7. ENGRENAGENS DE PARAFUSO SEM-FIM
Em geral, no funcionamento das engrenagens verifica-se um misto de rolamento9
e de deslizamento entre os flancos dos dentes do pinhão e da roda. O deslizamento
ou escorregamento está associado à diferença de velocidades periféricas do ponto de
contacto. Assim, durante o engrenamento entre os perfis conjugados dos dentes de
uma engrenagem desenvolvem-se forças de atrito que atuam perpendicularmente à
linha de engrenamento, tal como se representa na figura 6.23. Pode demonstrar-se
que a força de atrito varia, quer em módulo, quer em direção, durante o engrenamen-
to. Por outro lado, como a velocidade de escorregamento varia ao longo do engrena-
mento, é expectável que o regime de lubrificação se altere e, consequentemente, o
coeficiente de atrito varia também durante o engrenamento. Com efeito, uma das
consequências da existência de atrito no engrenamento prende-se com o desvio da
direcção da força resultante, que deixa de ser perpendicular às superfícies dos dentes.
Esta situação está bem evidenciada na figura 6.23 em que N representa a força nor-
mal às superfícies dos dentes, N denota a força de atrito e F representa a força re-
sultante (Flores e Gomes, 2014b).

O2

2
F
~
~
B

D 
Ca1
N
Ca2 I

C
A F

E
N

~
~
1

O1
Figura 6.23 – Representação das forças que atuam nos perfis conjugados quando se
considera a existência de atrito entre as superfícies dos dentes.

Nas engrenagens cilíndricas e cónicas, em geral, a presença do atrito nos dentes


penaliza pouco o rendimento, sendo provável uma redução até 2%. Por esta razão, na
análise dinâmica destes tipos de engrenagens é frequente negligenciar-se o efeito de
atrito, tal como se apresentou nas secções anteriores. Todavia, no caso das engrena-
9
Deve relembrar-se que o movimento de rolamento puro apenas acontece quando o engrenamento
ocorre no ponto primitivo. Contudo, pode dizer-se que o movimento entre os flancos em contacto é
fundamentalmente de rolamento (Flores e Gomes, 2014b).

30 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


gens de parafuso sem-fim, o efeito do atrito desempenha um papel fundamental no
seu comportamento, em particular no rendimento. Esta situação tem a ver com o fac-
to de que o movimento relativo entre os filetes do parafuso e os dentes da roda ser do
tipo escorregamento puro. Por esta razão, as engrenagens de parafuso sem-fim apre-
sentam rendimentos relativamente baixos (Budynas e Nisbett, 2011; Norton, 2013).

Fr

Fcos1
F
F
n Ft 1
1
a Fsen1
F


Figura 6.24 – Forças que se desenvolvem no engrenamento de um parafuso sem-fim.

Na perspetiva cónica da figura 6.24 estão representadas as diversas componentes


das forças que se desenvolvem no engrenamento de uma engrenagem de parafuso
sem-fim roda helicoidal, e em que o parafuso é órgão motor. Atente-se ao facto de
que a força de engrenamento F, que atua perpendicularmente à superfície dos filetes,
origina uma força de atrito F. esta força de atrito pode ser dividida em duas compo-
nentes ortogonais entre si, tal como se observa na figura 6.24, ou seja
Fsen 1 (6.43)
Fcos 1 (6.44)
em que 1 é o ângulo de inclinação primitiva do parafuso sem-fim. Com efeito, da
análise da figura 6.24 verifica-se que

F t  F (cos n cos 1  sen1) (6.45)

F r  Fsen n (6.46)

F a  F (cos nsen1   cos 1) (6.47)


onde n representa o ângulo de pressão real.
Tal como acontece nas demais engrenagens, nos parafusos sem-fim a força tan-
gencial ou útil pode ser determinada do seguinte modo
60 P
Ft  (6.48)
πdn
sendo que as restantes componentes podem ser calculadas em função da força útil e
da geometria da engrenagem, recorrendo, para o efeito às equações (6.45)-(6.47).

6. ANÁLISE DINÂMICA DE ENGRENAGENS 31


2 2

2 r
F12 2 r
F12

a t
F21 a F12 t
F12 F21

t a
F21 F12
1 1
t a
F12 F21
r r
F21 F21
1 1

Parafuso: órgão motor com hélice direita


(a)

2 2

2 r
F12 2 r
F12

t a
F12 a F21 t
F12 F21

t a
F21 F12
1 1
a t
F21 F12
r r
F21 F21
1 1

Parafuso: órgão motor com hélice esquerda


(b)
Figura 6.25 – Forças atuam no parafuso sem-fim e na roda helicoidal: (a) O parafuso é o
órgão motor com hélice direita; (b) O parafuso é o órgão motor com hélice esquerda.

O procedimento para definir o sentido de atuação das diversas forças de engrena-


mento nos parafusos sem-fim é o mesmo modo que foi descrito para as engrenagens
cilíndricas. Assim, a componente radial atua no sentido do eixo do parafuso sem-fim.
A componente tangencial atua de tal modo que se opõe ao sentido de rotação do ór-
gão motor. Finalmente, a componente axial é exercida no sentido que promove a
compressão das superfícies dos dentes. A figura 6.25 mostra os sentidos de atuação
das forças que se desenvolvem no parafuso sem-fim e na roda helicoidal em função
do sentido de rotação do órgão motor, que é o parafuso sem-fim, e da inclinação dos
dentes do parafuso e da roda. Pode dizer-se que a análise das forças que se desenvol-

32 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


vem nas engrenagens de parafuso sem-fim é idêntica à que se apresentou para as
engrenagens cilíndricas de dentes inclinados (Shigley e Mischke, 1989). Deve salien-
tar-se que no caso em que os eixos do parafuso sem-fim e da roda helicoidal fazem
um ângulo de 90º entre si, são válidas as seguintes relações
F12t  F21
a
(6.49)

F12r  F21
r
(6.50)

F12a  F21
t
(6.51)

Exercício 6.11
Enunciado: Considere uma engrenagem de parafuso sem-fim roda helicoidal reduto-
ra em que o órgão motor é o parafuso que gira a 1200 rpm e transmite uma potência
de 0,75 kW. O parafuso tem hélice direita, duas entradas e um diâmetro primitivo de
50 mm. A roda tem 30 dentes e um passo aparente de 13 mm. O dentado é normali-
zado e o coeficiente de atrito médio entre os filetes do parafuso e os dentes da roda é
igual a 0,03. Assim, determine as forças de engrenamento no parafuso e na roda.

Padrão de resposta esperado:


Da análise geométrica da engrenagem sabe-se que
px1  pt 2  13 mm
pz1  px1z1  13  2  26 mm
πd π  50
tg1  1   1  80,60 º.
pz1 26
Assim, a força tangencial que atua no parafuso é dada por
60 P1 60  0,75  103
t
F21    238,73 N.
πd1n1 π  50  103  1200
A força resultante que atua no parafuso é dada pela equação (6.45), ou seja
t
F21 238,73
F21    1304,01 N.
cos n cos 1  sen1 cos 20 cos80,60  0,03sen80,60
Por seu lado, as componentes radial e axial são dados pelas equações (6.46) e (6.47),
respetivamente
r
F21  F21sen n  1304,01sen20  446,00 N
a
F21  F21 (cos nsen1  cos1 ) 
1304 ,01(cos 20sen80,60  0,03cos80,60)  1202 ,53 N.
Por conseguinte, as diferentes forças que atuam nos dentes da roda podem ser deter-
minadas do seguinte modo
F12  F21  1304 ,01 N
F12t  F21
a
 1202,53 N
F12r  F21
r
 446,00 N
F12a  F21
t
 238,73 N.

6. ANÁLISE DINÂMICA DE ENGRENAGENS 33


1

A 2

40
B

65
2

Figura 6.26 – Engrenagem de parafuso sem-fim roda helicoidal.

Exercício 6.12
Enunciado: Um parafuso de hélice direita com duas entradas transmite 2 kW de po-
tência a 2950 rpm a uma roda helicoidal com 32 dentes. A roda tem um módulo apa-
rente de 4 mm, uma largura igual a 30 mm e um ângulo de pressão real de 20º. O
parafuso tem 50 mm de diâmetro primitivo. Admite-se que o coeficiente de atrito
médio entre o parafuso e a roda é igual 0,024. A figura 6.26 ilustra os elementos pri-
mitivos desta engrenagem. Assim, (i) calcule as forças de engrenamento; (ii) deter-
mine as reações nos apoios do veio da roda; (iii) calcule o momento de saída.

Padrão de resposta esperado:


Da análise geométrica desta engrenagem pode verificar-se que
d 2  mt 2 z2  4  32  128 mm
mx1  mt 2  4 mm
px1  πmx1  π  4  12,57 mm
pz1  px1z1  12,57  2  25,13 mm
πd π  50
tg1  1   1  80,91 º.
pz1 25,13
Assim, a força tangencial que atua no parafuso pode ser calculada do seguinte modo
60 P1 60  2000
F21t
   258,96 N.
πd1n1 π  50  10 3  2950
A força resultante no engrenamento do parafuso é dada pela equação (6.45), isto é
t
F21 258,96
F21    1504,21 N.
cos n cos 1  sen1 cos 20 cos80,91  0,024sen80,91
donde resulta que
r
F21  F21sen n  1504,21sen20  514,47 N
a
F21  F21 (cos nsen1  cos1 ) 
1504 ,21(cos 20sen80,91  0,024 cos80,91)  1390 ,04 N.

34 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


Com efeito, as forças que atuam na roda face ao seu engrenamento com o parafuso
são as seguintes
F12  F21  1504 ,21 N
F12t  F21
a
 1390,04 N
F12r  F21
r
 514,47 N
F12a  F21
t
 258,96 N.
Para a determinação das reacções nos apoios do veio da roda considere-se o diagra-
ma do corpo livre representado na figura 6.27, em que se admite que o apoio B ab-
sorve as cargas axiais.
r
F12
y a
F12
t
F12
RAz
M2
A

RAy RBz
B
2
z
40
n2 RBx
x
65 y
RB

Figura 6.27 – Diagrama do corpo livre do veio da roda.

Aplicando as condições de equilíbrio ao diagrama representado na figura 6.27 re-


sultam as seguintes equações
 F x  0  F12a  RBx  0
 F y  0  RAy  RBy  F12r  0
 F z  0  RAz  RBz  F12t  0
 M By  0  RAz  (40  65)  F12t  65  0
d
 M Bz  0  RAy  (40  65)  F12a  22  F12r  65  0
donde se obtêm as seguintes reações
RAy  160,64 N
RAz  860,50 N
RBx  258,96 N
RBy  353,83 N
RBz  529,54 N.
Finalmente, o momento que atua no veio da roda é dado por
d
 M Bx  0  M 2  F12t 22  0  M 2  88,96 Nm.

6. ANÁLISE DINÂMICA DE ENGRENAGENS 35


6.8. REVISÃO DE CONHECIMENTOS
Com o propósito de proporcionar uma revisão de conhecimentos sobre a temática
da dinâmica de engrenagens, apresenta-se, nesta secção, um conjunto diversificado
de questões e exercícios de aplicação.

1. Discuta a importância da análise dinâmica de engrenagens.

2. Deduza uma expressão que permita relacionar a força transmitida numa en-
grenagem com as caraterísticas do elemento motor de uma engrenagem.

3. No contexto da análise de forças em engrenagens, discuta a importância da


elaboração dos diagramas do corpo livre.

4. Explique o efeito da existência de atrito na análise dinâmica de engrenagens,


em particular no caso dos parafusos sem-fim.

5. Identifique e caraterize as principais forças que se desenvolvem no engrena-


mento de uma engrenagem exterior cilíndrica de dentes retos.

6. Identifique e caraterize as principais forças que se desenvolvem no engrena-


mento de uma engrenagem exterior cilíndrica de dentes helicoidais.

7. Identifique e caraterize as principais forças que se desenvolvem no engrena-


mento de uma engrenagem exterior cónica.

8. Identifique e caraterize as principais forças que se desenvolvem no engrena-


mento de uma engrenagem de parafuso sem-fim.

9. Diga o que entende por diagrama do corpo livre.

10. Discuta a importância dos diagramas do corpo livre na análise dinâmica de


engrenagens.

11. Faça o diagrama do corpo livre de uma engrenagem exterior cilíndrica de den-
tes retos.

12. Faça o diagrama do corpo livre de uma engrenagem exterior cilíndrica de den-
tes inclinados.

13. Faça o diagrama do corpo livre de uma engrenagem exterior cilíndrica cónica.

14. Faça o diagrama do corpo livre de uma engrenagem de parafuso sem-fim.

15. Qual o princípio fundamental na análise dinâmica de engrenagens?

16. Relativamente ao exercício 6.4, determine as reações nos apoios da roda 2.

36 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS


17. Apresente as relações matemáticas que permitem calcular as forças de engre-
namento numa engrenagem exterior cilíndrica de dentes retos.

18. Apresente as relações matemáticas que permitem calcular as forças de engre-


namento numa engrenagem exterior cilíndrica de dentes helicoidais.

19. Apresente as relações matemáticas que permitem calcular as forças de engre-


namento numa engrenagem exterior cónica.

20. Apresente as relações matemáticas que permitem calcular as forças de engre-


namento numa engrenagem de parafuso sem-fim.

21. O trem de engrenagens da figura de baixo é acionado por um motor elétrico de


1,5 kW de potência através de uma engrenagem exterior de rodas cilíndricas
de dentes retos. O motor roda a 2000 rpm no sentido indicado na figura. O pi-
nhão 1 e a roda 2 têm 14 e 56 dentes, respetivamente. O dentado é normaliza-
do sendo o módulo igual a 5 mm. O trem inclui ainda uma engrenagem exteri-
or de rodas cilíndricas de dentes helicoidais cujo ângulo de inclinação dos
dentes é de 26º e o módulo real é de 3 mm. A relação de transmissão neste úl-
timo andar é igual a 4 e a distância entre os eixos é de 180 mm. Assim, (i) ela-
bore o diagrama do corpo livre do veio b sabendo que as cargas axiais são su-
portadas pelo apoio C; (ii) determine as forças que atuam nos dentes das rodas
2 e 3; (iii) calcule as reações nos apoios C e D; (iv) determine o momento tor-
sor que atua no veio a.
100 300 100

3
b

C D
180

P = 1,5 kW
n = 2000 rpm
a c

A 1 B E F

22. Em relação ao exercício 6.7, determine as reações nos apoiso E e F.

23. Em relação ao exercício 6.10, determine as reações nos apoiso A e B.

24. Em relação ao exercício 6.11, determine o momento de saída.

25. Em relação ao exercício 6.11, calcule a potência da saída.

6. ANÁLISE DINÂMICA DE ENGRENAGENS 37


6.9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Beer, F.P., Johnston, E.R. (1991) Mecânica Vetorial para Engenheiros. Cinemática e Dinâ-
mica. 5ª Edição, McGraw-Hill, São Paulo.
Branco, C.M., Ferreira, J.M., da Costa, J.D., Ribeiro, A.S. (2009) Projecto de Órgãos de
Máquinas. 2ª Edição, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa.
Budynas, R.G., Nisbett, J.K. (2011) Elementos de Máquinas de Shigley. 8ª edição McGraw-
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38 CINEMÁTICA E DINÂMICA DE ENGRENAGENS

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