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O desenvolvimento do pensamento estratégico do líder

Por Luciano Vicenzi

A amplitude do pensamento aplicado na condução das atividades da organização denota a


distância entre a pessoa chamada de chefe e aquela reconhecida como um verdadeiro líder,
independente da posição hierárquica ocupada na empresa. Quem pensa grande se preocupa
com fatos relevantes ligados ao negócio e seus reflexos na qualidade da ação operacional.
Quem pensa pequeno vive preso ao foco operacional ou ao sucesso do passado e, quando
menos espera, é engolido pelas transformações do mercado.

Pensamento estratégico é a capacidade de um profissional de raciocinar de forma conectiva, isto


é, de enxergar pontos de interação entre fatos, culturas e realidades distintas na relação
empresa-mercado. Esse tipo de pensamento pode ser observado no modus operandi do gestor:
se mais aberto, de largos horizontes e visão de médio-longo prazo, maior tende a ser a sua
capacidade de pensar estrategicamente; ou se fechado, inseguro e de raciocínio voltado apenas
para o curto prazo, menor é a tendência a esse tipo de elaboração mental. O estrategista
procura alinhar os desafios de hoje com uma perspectiva de futuro, a partir de uma visão
sistêmica da organização. A atuação gerencial restrita a tarefas e procedimentos tornou-se um
modelo administrativo condenado à baixa performance.

A dificuldade para o surgimento de líderes com visão expandida sobre os negócios reside em 2
fatores fundamentais:

1) Na metodologia de ensino aplicado à formação dos futuros administradores quando focada


essencialmente em repetir conceitos, ou seja, exercitar mais a memória e menos o raciocínio e a
criação de novas associações de ideias.

2) Na escassa conscientização e preparação dos novos administradores sobre a natureza


relacional da liderança, um atributo fundamentado na coerência e respeito mútuo entre duas ou
mais pessoas e não na posição hierárquica.

Teoria é o 1% fundamental para a qualificação dos 99% da prática. A falta da junção entre teoria
(técnica) e prática (ação) gera os teóricos que não realizam e os práticos que vivem cometendo
erros desnecessários, desperdiçando energia, tempo e capital. Para desenvolver o pensamento
estratégico é preciso conectar teoria e prática, essenciais para o sucesso, pois o dinamismo da
vida requer técnica para se alcançar melhores resultados.

A diferença entre líderes estratégicos e gerentes operacionais tornou-se um tema comum no


mundo corporativo devido à expansão do número de empresas competindo de modo global.
Quanto mais a tecnologia derruba barreiras à interação humana, mais os atributos pessoais
fazem a diferença na gestão das empresas e de seus processos internos. Há tempos o
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concorrente deixou de estar na outra esquina para estar em qualquer lugar do mundo, as
pessoas – funcionários e clientes – estão mais críticas, o valor dos conceitos permeia as
relações humanas e empresariais. Por exemplo, ano após ano sobe o número de queixas nos
órgãos de defesa do consumidor sobre a qualidade dos produtos e serviços das empresas, não
porque essa qualidade caiu, mas simplesmente porque não acompanhou o ritmo de crescimento
da exigência dos clientes. O pensamento do líder precisa estar atento a estas realidades.

A clareza de raciocínio para tomar decisões estratégicas de maior relevância exige do gestor a
observação das tendências de seu cenário setorial e suas relações com o microambiente
organizacional. O pensamento estratégico aplicado a cada decisão leva o líder a refletir nos
desdobramentos a médio-longo prazo e em como operacionalizar tais decisões. Infelizmente
essa competência não é a mais comum no mercado.

Muitos gerentes intermediários, no objetivo de encontrar respostas imediatas para problemas


pontuais, não consideram os possíveis efeitos de suas ações nas demais áreas da empresa.
Levados pela pressão por resultados mensais, por disputas de poder ou por simples lealdade a
área em vez de lealdade à empresa, adotam soluções que geram novos problemas,
demandando novas soluções que geram novos problemas e assim por diante. A seqüência de
equívocos é ocasionada pela falta de uma visão ou de um senso de pertencimento sistêmico da
empresa e tem como consequência o esgotamento do tempo para reflexões e decisões mais
acertadas, criando um circuito mental vicioso. Se o gestor não tem tempo para pensar em
melhorias tático-estratégicas, a quem cabe esta tarefa?

A superação desse circuito mental ineficaz e a preparação de administradores mais capacitados


requerem uma mudança, na prática tanto das escolas de negócio como das empresas,
consideradas hoje os dois agentes mais envolvidos no desenvolvimento de novos líderes.

1) As escolas de administração devem implantar modelos focados em ensinar aos discentes


sobre como refletir sobre os conceitos abordados. Paulo Freire há muito já dizia que aprender a
pensar é base para se compreender e transformar a realidade. As organizações têm aprendido a
duras penas que a fala de Freire não é teoria, é prática.

2) As empresas, por sua vez, devem evitar a pressão excessiva para alcançar resultados no
curto prazo a todo custo, pois este modelo reforça o condicionamento mental indesejável dos
seus gestores em pensar apenas na meta do mês, resultando em um clima organizacional
propenso a conflitos improdutivos, quebra de confiança nas relações internas e com clientes e
desempenhos descendentes no longo prazo.

A pressão excessiva cria um falso senso de urgência onde a ansiedade atropela a produtividade.
Neste contexto, a necessidade de atender expectativas e cumprir tarefas gera administradores
robotizados e inseguros. Muitas vezes, essa pressão chega a comprometer a coerência moral
dos valores que sustentam a liderança. Daí observar-se atualmente a crescente discussão sobre
ética no meio empresarial, muito mais devido ao choque causado pelos escândalos de
manipulação de resultados do que pelo desenvolvimento natural da qualidade das relações
humanas no trabalho.

Sem um ambiente acadêmico e corporativo favorável à criação de novas mentalidades,


dificilmente veremos crescer a formação de líderes capacitados à produção de conceitos
inovadores sobre gestão. Não aprenderam a questionar, habilidade essencial para enxergar nos
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fatos sociais novas possibilidades de fazer negócios. Por isso, é tão comum a exaltação de
líderes construtivos. São sobreviventes de um sistema de pouco incentivo ao desenvolvimento
mental sistêmico.

Por outro lado, o administrador atento ao próprio desenvolvimento deve ter em mente dois
aspectos fundamentais se quiser evitar a robotização que o condena à mediocridade
profissional:

1) Na formação teórica, compreender as ideias, a filosofia básica por trás dos conceitos,
verificando sua aplicabilidade prática, através da análise dos cases do dia a dia. O profissional
de pouca expressão sofre de falta de criticidade sobre os modelos corporativos estabelecidos. O
questionamento sadio e construtivo dos modelos vigentes nos ajuda a aprender o que interessa
e criar o que se desejamos. Dos fatos, o prioritário é decodificar seus mecanismos, os fatores-
causais da sua estrutura para poder agir onde faz diferença. O resto é circunstancial.

2) Na vida profissional, evitar agir sem compreender a razão de cada atividade realizada e suas
consequê5ncias. Quem faz sem compreender é trabalhador braçal, uma condição inadequada
para quem pretende coordenar os esforços de outros em segmentos de atuação cada vez mais
sofisticados intelectualmente. A liderança provém da confiança em saber refletir sobre um tema e
buscar informações que permitam ampliar as associações de ideias sobre esse tema, e não em
ter respostas prontas.

Antes de querer respostas é preciso aprender a fazer as perguntas certas. Essa é a essência do
pensamento estratégico. Questionar nos permite interpretar cenários, conjugar recursos,
identificar o ponto nevrálgico de cada questão. Essa habilidade só se desenvolve exercitando a
análise sobre causas e efeitos, ao mesmo tempo em que nos leva a superar a passividade
mental das pessoas acostumadas a esperar as coisas prontas, mastigadas. A criticidade sadia,
lúcida e sistêmica, fruto dessa reflexão, facilita a identificação de novas oportunidades, a partir
da observação das tendências de mudança decorrentes das inovações tecnológicas e seus
reflexos sobre o comportamento humano, e aproveitá-las de maneira positiva com o uso das
competências organizacionais.

O bom líder auxilia a construção mental do grupo na busca por soluções atuais e possibilidades
futuras, uma técnica a ser aprimorada constantemente de modo a fortalecer a autoridade moral
proveniente do respeito pautado em ações e não em palavras. O pensamento capaz de expandir
o pensamento dos outros é o diferencial do líder. É justamente o pensar estratégico que leva o
administrador a uma gestão mais produtiva e capaz de fazer diferença.

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