Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Evelyn Eisenstein
Medicina de adolescentes: desafios
contínuos
numa árdua tarefa de construção de cidadania e gratuito acesso aos serviços prestadores dos cuida-
do exercício da democracia(28, 29). dos de saúde. A formalização de um campo acadê-
Novas epidemias vão surgindo, inclusive rela- mico e universitário, além do científico e dos cuida-
cionadas aos transtornos alimentares e nutricionais. dos hospitalares, e ademais do apoio das entidades
Enquanto a desnutrição crônica primária ainda exis- governamentais e não-governamentais, fez surgir
te mundialmente(30), resultando em atraso puberal e e garantir a evolução da medicina de adolescentes
de menarca, no Brasil a prevalência da anemia por como uma área de interesse profissional, médico
deficiência de ferro continua sendo mais um desafio e de saúde pública, em prol dos adolescentes no
de saúde pública entre adolescentes. O sobrepeso Brasil e internacionalmente.
e a obesidade, assim como a hipertensão arterial e O rastreamento dos riscos de saúde, os cui-
a aterosclerose, tornaram-se temas científicos im- dados em níveis primário, ou comunitário; secun-
portantes. O estudo National Health and Nutrition dário, ou ambulatorial e nas unidades de saúde;
Examination Survey (NHANES-III) (1988-1994), feito e terciário, ou hospitalar, além dos protocolos de
nos Estados Unidos, revelou que 11% dos adolescen- diagnóstico e tratamento em hospitais universi-
tes entre 12 e 17 anos já são considerados obesos, tários e das pesquisas locais e multicêntricas que
sendo 14% com risco de obesidade(31). Talvez a razão vêm sendo disseminadas e multiplicadas no Brasil
principal seja um estilo de vida sedentário adotado nos últimos 30 anos, tornaram essa população de
por muitos adolescentes que permanecem horas adolescentes cada vez mais integrada, assistida e
sentados, tanto na escola como em casa, diante da incluída nos programas de saúde governamentais.
televisão e do computador, além da ingestão quase No Brasil, trabalhos pioneiros foram estabe-
diária de alimentos altamente calóricos e gordurosos. lecidos em várias universidades e, a seguir, com o
Nos últimos 20 anos, a incidência dos transtornos ali- apoio da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e a
mentares, como a anorexia e a bulimia nervosa, tem criação, em 1978, do Comitê de Adolescência, com
aumentado, assim como as dietas mágicas e o uso representantes de vários estados, organizou-se a
de anabolizantes em problemas relacionados com publicação do primeiro Manual de Adolescência, em
distúrbios da imagem corporal e da auto-estima(32). 1989. As atividades dos comitês em vários estados
brasileiros deram um enorme impulso à medicina
de adolescentes em nosso meio, culminando na
ASPECTOS LEGAIS E PROFISSIONAIS realização de congressos nacionais a cada dois ou
três anos desde 1985. Em fins de 1989 foi criada,
Quase coincidente com a atenção emergente em Brasília, a Associação Brasileira de Adolescência
sobre as necessidades de saúde dos adolescentes, (ASBRA), que visa, entre suas múltiplas finalidades,
apareceram novas leis, regras e práticas profissio- a desenvolver os cuidados de saúde global, incenti-
nais que facilitaram a rápida evolução dos cuidados var as pesquisas científicas e ampliar a comunicação
de saúde nessa faixa etária. Geralmente os princí- entre os profissionais que se dedicam ao estudo da
pios de consentimento permitido para o cuidado adolescência(34). Para maiores informações, acessar
próprio, principalmente em questões ligadas à se- www.asbrabr.com.br. Vários livros foram organiza-
xualidade e ao sigilo de informação, estão associa- dos e publicados, com os diversos autores nacio-
dos ao critério de maturidade, apesar de a maioria nais, e desde 2003 contamos com a nossa revista
das leis julgar o adolescente menor até os 18 anos Adolescência & Saúde, também acessada através do
de idade, como no Brasil(33). site www.adolescenciaesaude.org.br.
Mas o mais importante, além das decisões le-
gais e judiciais baseadas na Convenção dos Direitos
da Criança, compromisso assinado em 2002, é o DESAFIOS FUTUROS
reconhecimento, pelas sociedades profissionais das
áreas médicas, psicológicas e sociais, dos direitos Os caminhos percorridos por muitos profissio-
dos adolescentes às questões de saúde e do livre e nais têm sido longos, árduos e cheios de controvér-
sias culturais e científicas a respeito do significado sucesso desses programas. Alianças para a saúde
da adolescência como período de vida, e ainda se dos adolescentes são feitas com agendas políticas
desdobram em novos percursos e outros desafios comuns entre vários países, deixando o paradigma
para o futuro. biomédico e o trabalho clínico exclusivo para trás
Cada vez mais os aspectos de prevenção e de e criando atividades de protagonismo juvenil e de
rastreamento de riscos em comunidades que so- eqüidades sociais(36). A colaboração internacional
frem as disparidades sociais têm sido alvo dos tra- possibilita a troca de conhecimentos entre os pro-
balhos de pesquisa. Muitos estudos sociológicos e fissionais dedicados à saúde dos adolescentes, com
antropológicos têm revelado a importância da resi- o apoio das políticas de saúde organizadas em nível
liência e das relações de cuidados necessárias entre global pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e
os adolescentes e os adultos, da conexão positiva pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS)
com a família e a escola para a construção de fato- em vários documentos técnicos e acessíveis na rede
res de proteção da sua auto-estima, em busca de da internet. Atualmente várias redes de colabora-
sua autonomia e livre expressão, que são caracte- ção nacional e internacional vão se formando, e a
rísticas importantes do desenvolvimento saudável telemedicina, as videoconferências e a educação à
da transição até a vida adulta(35). distância vêm sendo implementadas e realizadas
Outros modelos vão surgindo: em vez de cui- com sucesso, unindo profissionais de saúde e da
dados médicos especializados para problemas espe- informática médica, inclusive do NESA/UERJ, www.
cíficos, como gravidez, drogas ou depressão, vão mmissions.org, www.lampada.uerj.br/telemedicina.
sendo criados espaços alternativos e integrados en- Mas com certeza os direitos de saúde e de
tre serviços de saúde e locais apropriados nas comu- cidadania dos adolescentes, já assegurados nas
nidades, onde esses serviços de prevenção e orien- Convenções das Nações Unidas e nas Metas do
tação estão disponíveis. Muitas redes de assistência Milênio e ratificados também pelo Brasil, perma-
envolvem os próprios adolescentes no planejamen- necem como um marco importante do trabalho
to e na avaliação dos programas e das atividades desenvolvido no passado e como o maior desafio
de promoção da saúde, com características do con- para o futuro que se abre a cada dia, em cada fa-
texto cultural local. A participação dos adolescentes mília, em cada comunidade e em todos os serviços
e o apoio dos adultos são sempre fundamentais ao do sistema de saúde do nosso país.
Partes deste artigo foram publicadas, em co-autoria, nos seguintes trabalhos, sendo re-publicadas com permissão dos autores: Hardoff D, Eisenstein E.
Adolescent medicine with a 100 year perspective. Int J Adolesc Med Health. 2004; 16(4): 293-302; Bennett DL, Eisenstein E. Adolescent health in a globalised
world: a picture of health inequalities. Adolesc Med State Art Rev. 2001; 12: 411-26.
REFERÊNCIAS
1. Bennett DL, Eisenstein E. Adolescent health in a globalised world: a picture of health inequalities. Adolesc Med State
of the Art Reviews 2001; 12: 411-426.
2. Hall GS. Adolescence: its psychology and its relations to anthropology, sociology, sex, crime, religion and education.
New York: Appleton and Co. 1904.
3. Stuart HC. Normal growth and development during adolescence. N Engl J Med. 1938; 234: 666-738.
4. Piaget J, Inhelder B. The growth of logical thinking from childhood to adolescence. New York: Basic Books. 1958.
5. Erikson E. Eight ages of man. Int J Psychiatry. 1966; 2: 281-307.
6. Aberastury A, Knobel M. Adolescencia. Buenos Aires: Ediciones Kargieman. 1971.
7. Greulich WW, Pyle SI. Radiographic atlas of skeletal development of the hand and wrist. 2nd ed. Stanford: Stanford
University Press. 1950.
8. Tanner JM. Growth at adolescence. 2nd ed. Oxford: Blackwell Scient Pub. 1962.
9. Marshall WA, Tanner JM. Variations in pattern of pubertal changes in girls. Arch Dis Child. 1969; 44: 291-303.
10. Marshall WA, Tanner JM. Variations in the pattern of pubertal changes in boys. Arch Dis Child. 1970; 45: 13-23.
11. Falkner F, Tanner JM. Human growth: a comprehensive treatise. 2nd ed. New York and London: Plenum Press,
1986. vols. 1, 2, 3.
12. Boyar RM, Wu RH, Finkelstein JW. Human puberty, 24-hr estradiol in pubertal girls. J Clin Endocrinol Metab. 1976;
43: 1418-21.
13. Boyar RM, Finkelstein JW, Hellman L. Synchronization of augmented luteinizing hormone secretion with sleep
during puberty. N Engl J Med. 1972; 287: 582-6.
14. Finkelstein JW, Boyar RM, Hellman L. Age-related change in the 24-hr spontaneous secretion of growth hormone.
J Clin Endocrinol Metab. 1972; 35: 665-70.
15. Zumoff B, Finkelstein JW, Boyar RM, Hellman L. The influence of age and sex on the metabolism of testosterone. J
Clin Endocrinol Metab. 1976; 42: 703-6.
16. Reiter EO, Grumbach MM. Neuroendocrine control mechanisms and the onset of puberty. Annu Rev Physiol. 1982;
44: 595-613.
17. Wyshak G, Frisch RE. Evidence for a secular trend in age of menarche. N Engl J Med. 1982; 306: 1033-5.
18. Herman-Giddens ME, Slora EJ, Hasemeier CM. Secondary sex characteristics and menses in young girls seen in
office practice, a study from the pediatric research in office settings network. Pediatrics. 1997; 99: 505-12.
19. Kac C, Santa Cruz CA, Velasquez-Melendez G. Secular trend in age of menarche for women born between 1920
and 1979 in Rio de Janeiro, Brazil. Ann Hum Biol. 2000; 27: 423-8.
20. Eisenstein E. Desnutrição crônica primária e atraso puberal [tese de doutorado.] São Paulo: Escola Paulista de
Medicina, Universidade Federal de São Paulo; 1999.
21. NCHS. Trends and current status in childhood mortality, US 1900-1985. In: Vital and Health Statistics, Series 3, n.
26. National Center for Health and Statistics, Hyattsville, 1989.
22. Yuzpe AA, Thurlow HJ, Leyshon JI. Post-coital contraception: a pilot study. J Reprod Med. 1974; 13: 53-8.
23. Eisenstein E. Saúde, vida, alegria. Manual de educação em saúde para crianças e adolescentes. Porto Alegre: Ed
ARTMED. 2000.
24. Gostin L, Arno OS, Brandt AM. FDA regulation of tobacco advertising and youth smoking: historical, social and
constitutional perspectives. JAMA. 1997; 277: 410-8.
25. Carlini-Cotrim B, Bastos FI. O consumo de substâncias psicoativas entre jovens brasileiros: dados, danos e algu-
mas propostas. In: CNPD; Jovens acontecendo na trilha das políticas públicas. Brasília: Comissão Nacional de
População e Desenvolvimento, 1998. p. 645-70.
26. Irwin CE, Igra V, Eyre S, Millstein. Risk-taking in adolescents: the paradigm. Annals. New York: Acad Sciences. 1997;
817: 1-35.
27. IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em: http://www.ibge.gov.br.
28. UNICEF. The State of the World’s Children 2003. New York: The United Nations Children’s Fund. 2003.
29. Rede de Monitoramento Amiga da Criança. Um Brasil para as crianças: a sociedade brasileira e os desafios do
milênio para a infância e a adolescência. Brasília: Rede Amiga. 2004.
30. De Onis M, Frongillo EA, Mlossner M. Is malnutrition declining? An analysis of changes in levels of child malnutri-
tion since 1980. Bulletin of WHO. 2000, 78: 1222-33.
31. Troiano RP, Flegal KM. The causes and health consequences of obesity in children and adolescents. Pediatrics.
1998; 101: 497-504.
32. Becker AE, Grinspoon SK, Herzog DB. Eating disorders. N Engl J Med. 1999; 340: 1092-8.
33. Eisenstein E. Adolescência: definições, conceitos e critérios. Adolescência & Saúde. 2005; 2: 6-7.
34. Coates V. Evolução histórica da medicina do adolescente. In Coates V, Françoso LA, Beznos GW. Medicina do ado-
lescente. 2 ed. São Paulo: Sarvier, 1993. p. 1-6.
35. Resnick MD. Protective factors, resiliency and healthy youth development. Adol Med State of the Art Review. 2000;
11(1): 157-64.
36. Gwatkin DR. Health Inequalities and Health of the Poor, what do we know? What can we do? Bull WHO. 2000;
78(1): 3-18.