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MANUAL PRÁTICO

DE AVALIAÇÃO
FISIOTERAPÊUTICA
EM UTI

HÉLCIO CARIGÉ
MANUAL PRÁTICO
DE AVALIAÇÃO
FISIOTERAPÊUTICA
EM UTI
É muito comum que estudantes ou mesmo profissionais
recém-formados tenham bastante receio em entrar numa Unidade de
Terapia Intensiva para iniciar seu aprendizado nesta especialidade.
Estes medos e receios vêm de fatores culturais que tratam as UTIs
como setores onde os pacientes estariam numa linha tênue entre a
vida e a morte. Esta impressão é a impressão errada.
Ao falarmos de Fisioterapia em Terapia Intensiva,
pensamos em iniciar os processos de reabilitação, retorno às
atividades de vida diária (AVD), prevenção de complicações e riscos
e, até mesmo, em reversão total de quadros de incapacidade
funcional geradas por doenças e/ou complicações adquiridas na UTI.
Este e-book vai ajudar a você, iniciante em Terapia
Intensiva, a organizar a sua avaliação, ser mais rápido, e ir ao ponto
certo, garantindo ferramentas para elaboração do seu Diagnóstico
Fisioterapêutico e, por consequência, de um plano terapêutico eficaz e
que possa garantir o melhor prognóstico possível ao seu paciente.

Dentro desta ideia, estabeleci uma sequência lógica para a


sua avaliação funcional no doente crítico, baseado nos sistemas que
tenham que ser observados para elaboração da evolução
fisioterapêutica escrita e são eles, nesta mesma ordem: o sistema
mental, o sistema cardiovascular, o sistema respiratório e, por fim, o
sistema neuromioarticular.
SUMÁRIO
04 Avaliação do Sistema Mental

12 Avaliação do Sistema
Cardiovascular

18 Avaliação do Sistema
Respiratório

30 Avaliação do Sistema
Neuromioarticular

Manual Prático de Avaliação Fisioterapêutica em UTI


01

AVALIAÇÃO DO
SISTEMA
MENTAL

4
Avaliação do Sistema Mental

Este é, sem dúvida, o primeiro marcador a ser


avaliado em um paciente internado na UTI. Devemos
avaliar, caso o paciente esteja vigil (acordado), alguns
pontos para interpretarmos a coerência das respostas
e determinar se ele está lúcido. No primeiro contato
com o paciente, nunca deixe de identificar-se:

“Senhor José, bom dia! Eu sou João,


fisioterapeuta, e estou com o senhor durante o dia de
hoje. Como está se sentindo?”

Em seguida, proceda questionamentos que


possam atestar a coerência das respostas, tais como:

“Senhor José, como é seu nome completo?”

“Qual a sua idade?”

“Sabe que dia é hoje?”

“O senhor sabe onde está agora?”

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Manual Prático de Avaliação Fisioterapêutica em UTI
Avaliação do Sistema Mental

“O que aconteceu para que o senhor nos procurasse?”

Estes questionamentos direcionam para a


consciência com relação ao tempo e ao espaço. Caso o
paciente responda questionamentos como estes com
coerência, o classificamos como lúcido e orientado.

Observação: Estado de vigília é diferente de lucidez.


Quando o paciente está em estado de vigília, ou vigil,
ele está apenas acordado, com olhos abertos e fazendo o
batimento normal das pálpebras. O paciente lúcido é
aquele que está completamente consciente e
respondendo tudo que se pergunta ou solicita com
exatidão.

Por outro lado, se o paciente está vigil, porém não


responde aos questionamentos com coerência,
classificamos ele como desorientado (que possa estar
correlacionado a um quadro de delirium, que falaremos
adiante).

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Manual Prático de Avaliação Fisioterapêutica em UTI
Avaliação do Sistema Mental

Mas ainda existem aqueles pacientes que estão


sonolentos, balbuciando respostas e, até mesmo, os que
estão em estado de coma. Existe uma escala para a
mensuração da qualidade de resposta dos pacientes e
que quantifica em pontos. Trata-se da Escala de Coma
de Glasgow (ECG). Esta escala avalia a qualidade das
respostas aos estímulos verbais, táteis/dolorosos e
oculares. O paciente que não responde a nenhum
estímulo tem a pontuação mínima, ou seja, 3 pontos. O
paciente completamente lúcido tem a pontuação máxima,
ou seja, 15 pontos. Veja a ECG abaixo:

Escala de Coma de Glasgow


Variáveis Pontuação
Espontânea 4
À voz 3
Abertura Ocular
À dor 2
Nenhuma 1

Orientada 5
Confusa 4
Resposta Verbal Palavras inapropriadas 3
Palavras incompreensíveis 2
Nenhuma 1

Obedece a comandos 6
Localiza dor 5
Movimento de retirada 4
Resposta motora
Flexão anormal 3
Extensão anormal 2
Nenhuma 1

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Manual Prático de Avaliação Fisioterapêutica em UTI
Avaliação do Sistema Mental

Delirium

Delirium consiste em um estado desatenção e


confusão agudos, representando a manifestação da
disfunção cerebral aguda e que pode cursar com
diferentes manifestações clínicas. Um paciente em
delirium não consegue compreender o que está
acontecendo ao seu redor.

O delirium aumenta o risco de longa permanência


no hospital, aumento dos custo dos cuidados, aumenta
risco de morte e de mais comprometimentos cognitivos a
longo prazo, até um ano depois.

Em 1991, o estudo de Inouye e colaboradores


desenvolveu um método de diagnóstico do delirium: o
Confusion Assessment Method (CAM), ou Método para
Avaliação da Confusão baseado na população idosa fora
da UTI. Dez anos depois, Ely e colaboradores, num
estudo prospectivo de coorte, em um único centro,
avaliaram a eficácia do CAM modificado para pacientes
incapazes de expressão verbal admitidos em uma UTI

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Manual Prático de Avaliação Fisioterapêutica em UTI
Avaliação do Sistema Mental

clínica, modificando para CAM-ICU. O CAM-ICU foi


capaz de detectar delirium naquela população, com uma
elevada confiabilidade entre avaliadores. Ainda em 2001,
os mesmos autores validaram o método CAM-ICU para
pacientes em ventilação mecânica, e foi diagnosticado
delirium em 83,3% dos pacientes. Veja a CAM-ICU
abaixo:

Fonte: Farias RS, Moreno RP. Delirium na unidade de cuidados intensivos: uma
realidade subdiagnosticada. Rev Bras Ter Intensiva. 2013;25(2):137-147

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Manual Prático de Avaliação Fisioterapêutica em UTI
Avaliação do Sistema Mental

Agitação e Sedação

Em terapia intensiva, os objetivos principais da


sedação estão entre reduzir o incômodo à ventilação
mecânica, tratar de distúrbios psiquiátricos ou problemas
relacionados à abstinência de substâncias de abuso,
restaurar a temperatura corpórea, reduzir ansiedade,
facilitar o sono e reduzir o metabolismo.

Pode-se definir sedação por um simples estado


de cooperação, em mínimo estado de consciência,
podendo incluir ou não a hipnose.

Hoje, na terapia intensiva, utiliza-se basicamente


duas escalas para avaliação do grau de sedação,
incluindo estados de agitação (produzidos por delirium).
São as escalas RASS (Richmond Agitation-Sedation
Scale) e a de Ramsay. Veja estas escalas na próxima
página.

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Manual Prático de Avaliação Fisioterapêutica em UTI
Avaliação do Sistema Mental

RASS - Richmond Agitation-Sedation Scale


Pontuação Classificação Descrição
4 Combativo Combativo, violento. Risco para a equipe.
3 Muito Agitado Conduta agressiva. Puxa ou remove tubos ou cateteres. Agressivo
verbalmente.
2 Agitado Movimentos despropositados frequentes. Assincrônico com o
ventilador.
1 Inquieto Intranquilo, ansioso, sem movimentos vigorosos ou agressivos.

0 Alerta e calmo Alerta e calmo.


-1 Sonolento Adormecido, desperta facilmente, mantém contato visual por mais de
10 segundos.
-2 Sedação leve Despertar precoce ao estímulo verbal, mantém contato visual por
menos de 10 segundos.
-3 Sedação moderada Movimentos de abertura ocular ao estímulo verbal, mas sem contato
visual.
-4 Sedação intensa Sem resposta ao estímulo verbal, mas apresenta movimentos ou
abertura ocular ao toque (estímulo físico)
-5 Não desperta Sem resposta ao estímulo verbal ou físico.

Escala de Ramsay
Pontuação Nível de atividade
Grau 1 Combativo, violento. Risco para a equipe
Grau 2 Conduta agressiva. Puxa ou remove tubos ou cateteres. Agressivo verbalmente
Grau 3 Movimentos despropositados frequentes. Assincrônico com o ventilador.
Grau 4 Intranquilo, ansioso, sem movimentos vigorosos ou agressivos.

Grau 5 Alerta e calmo.


Grau 6 Sem resposta a estímulo verbal ou físico.

Com estas informações, você já está apto para


proceder a avaliação neurológica do paciente crítico.
Utilize estas escalas para determinar o grau de lucidez,
orientação e colaboração do seu paciente a fim de que,
na elaboração do seu plano terapêutico, a depender do
estado mental do seu paciente, sejam prescritas
atividades passivas, ativas-assistidas ou ativas e
resistidas.

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Manual Prático de Avaliação Fisioterapêutica em UTI
02

AVALIAÇÃO DO
SISTEMA
CARDIOVASCULAR

12
Avaliação do Sistema Cardiovascular

Chegamos ao segundo sistema a ser avaliado no


paciente crítico: o sistema cardiovascular. É muito
importante a observação de dois marcadores que estão
em destaque e são considerados sinais vitais: a
frequência cardíaca e a pressão arterial sistêmica.
Além destes dois marcadores, há também o traçado
eletrocardiográfico, porém ainda não será o objetivo
deste e-book destacar as principais arritmias cardíacas
visíveis no cardioscópio do monitor multiparamétrico.

Condições Hemodinâmicas

A hemodinâmica do paciente compreende o ramo


da Fisiologia que estuda as variáveis da circulação
sanguínea: pressão e fluxo, principalmente. Então, para
entendermos bem o que se passa do ponto de vista de
hemodinâmica com o nosso paciente observamos, no
monitor multiparamétrico, a pressão arterial. Existem
duas maneiras de monitorizar a pressão arterial dos
pacientes em Terapia Intensiva: não-invasiva e invasiva.
A pressão arterial é medida de maneira não-invasiva
quando é utilizado um manguito de pressão do esfigmo-

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Manual Prático de Avaliação Fisioterapêutica em UTI
Avaliação do Sistema Cardiovascular

manômetro ligado ao monitor. Este esfigmomanômetro


pode ser configurado para mensurar a pressão arterial de
tempos em tempos (a cada 10 minutos, por exemplo). Já
a maneira invasiva de mensurar a pressão arterial, se dá
através de um cateter de PAM inserido em uma artéria
(radial ou femoral, por exemplo) e tem a vantagem de
fazer a monitorização em tempo real, sendo ideal para
pacientes com instabilidade hemodinâmica ou clínica com
potencial declínio hemodinâmico.

Sabemos que existe um valor de pressão maior, a


pressão arterial sistólica (PAS) e outro menor, a
pressão arterial diastólica (PAD), porém no monitor,
além destes dois valores, aparece um terceiro valor entre
parênteses. Refere-se à pressão artéria média (PAM).

Pressão
sistólica
(PAS) Pressão média
(PAM)

Pressão
diastólica
(PAD)

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Manual Prático de Avaliação Fisioterapêutica em UTI
Avaliação do Sistema Cardiovascular

O cálculo para obtenção do valor da pressão


arterial média é muito simples:

PAS + 2(PAD)
PAM =
3

Pode-se encontrar o valor do duplo produto cardíaco


(DP), que refere-se a uma medição estimativa do esforço
cardíaco e do consumo de O2 pelo miocárdio, através do
cálculo abaixo:

DP = FC x PAS

Os valores de referência para o duplo produto de


um indivíduo variam em média entre 6.000 em repouso
até 40.000 em exercícios exaustivos.

Existem alguns fármacos que ajudam a estabilizar


as condições hemodinâmicas dos pacientes em UTI.
Vamos apenas citá-los aqui, pois não é o objetivo deste
manual, a descrição aprofundada da parte farmacológica
em UTI.

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Manual Prático de Avaliação Fisioterapêutica em UTI
Avaliação do Sistema Cardiovascular

As drogas vasoativas mais utilizadas são as


catecolaminas, também denominadas aminas vasoativas,
ou drogas simpatomiméticas, ou seja, elevam a pressão
arterial. Dentre elas se destacam:

• Noradrenalina

• Adrenalina

• Dopamina

• Dopexamina

• Dobutamina

Também existem as medicações vasodilatadoras,


ou seja, abaixam a pressão arterial. As principais são:

• Nitroprussiato de Sódio

• Nitratos

• Captopril

• Enalapril

• Bloqueadores de Cálcio

Devemos ter bastante atenção a estes


marcadores hemodinâmicos e se os pacientes estão em

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Manual Prático de Avaliação Fisioterapêutica em UTI
Avaliação do Sistema Cardiovascular

uso de alguns destes fármacos, no momento da nossa


avaliação. Eles podem determinar se podemos, ou não,
prescrever exercícios resistidos, aeróbicos, obviamente
considerando toda a parte clínica do paciente, com a sua
patologia de base, e em comum acordo com a equipe
médica.

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Manual Prático de Avaliação Fisioterapêutica em UTI
03

AVALIAÇÃO DO
SISTEMA
RESPIRATÓRIO

18
Avaliação do Sistema Respiratório

Os marcadores funcionais do Sistema


Respiratório que podem ser avaliados, talvez, sejam os
que mais vão demandar tempo. O entendimento que o
fisioterapeuta deve ter para que sua avaliação
respiratória seja efetiva e perpassa por uma gama de
conhecimentos em torno da fisiologia respiratória como
um todo, desde o comando neural para que haja
contração dos músculos respiratórios, o padrão
ventilatório apresentado pelo paciente, a efetividade da
ventilação e das trocas gasosas, e as repercussões em
nível de ausculta. Então, aqui destacaremos apenas o
exame físico para a obtenção correta destes marcadores
da função respiratória.

Padrão Muscular Ventilatório (PMV)

O padrão muscular ventilatório basicamente


reflete o modo como o paciente inconscientemente
respira. Consiste na avaliação dos grupos musculares
ativados pelo paciente quando há o comando neural para
iniciar uma inspiração.

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Manual Prático de Avaliação Fisioterapêutica em UTI
Avaliação do Sistema Respiratório

Se o paciente, no momento da inspiração,


apresentar maior expansibilidade do tórax, classificamos
esse PMV de costal. Se é observada maior
movimentação abdominal durante a inspiração, trata-se
de um PMV diafragmático. Mas se houver
expansibilidade do tórax e, ao mesmo tempo,
movimentação abdominal, chamamos este PMV de
costodiafragmático ou misto.

Dentro desta avaliação é importante observar que


se o paciente respira sem exacerbar o uso de nenhuma
musculatura respiratória, podemos dizer que ele não
apresenta aumento de trabalho respiratório (também
conhecido pela sigla WoB – do inglês “Work of
Breathing”), e que respira confortavelmente. Porém se
um paciente apresenta exacerbação de uso dessa
musculatura (escalenos, intercostais externos,
esternocleidomastoideo e diafragma), afirmamos que o
paciente apresenta aumento de trabalho respiratório e,
portanto, evidencia desconforto respiratório.

Todos sabemos que, fisiologicamente, a expiração é um

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Manual Prático de Avaliação Fisioterapêutica em UTI
Avaliação do Sistema Respiratório

ato passivo. Não há uso de nenhuma musculatura,


quando expiramos em situações normais. Contudo
algumas situações patológicas podem exigir que o
paciente acelere o fluxo expiratório, por haver algum tipo
de obstrução nas vias aéreas, possa esta obstrução
acontecer por presença de secreção ou não (no caso de
um broncoespasmo). Da mesma forma, o paciente possa
forçar a exalação do ar apenas para que haja maior
eliminação de CO2, numa tentativa de reequilibrar o pH
sanguíneo (leia sobre Equilíbrio Ácido-Básico), ou esta
exalação forçada possa acontecer por uma lesão em
Sistema Nervoso Central que provoque ativação
desregulada de musculatura exalatória. Quando o
paciente força a exalação do ar pelos motivos acima
descritos, chamamos de atividade expiratória. A
atividade expiratória é provocada pela ativação do
músculo transverso abdominal que, quando contrai, reduz
o diâmetro da cavidade abdominal, gerando aumento de
pressão nesta cavidade, fazendo com que as vísceras
abdominais pressionem a região inferior do tórax
promovendo desinsuflação dos pulmões.

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Manual Prático de Avaliação Fisioterapêutica em UTI
Avaliação do Sistema Respiratório

Expansibilidade Torácica

Avaliamos a expansibilidade torácica como uma


medida indireta da distribuição de ar nos pulmões, no
momento inspiratório. Devemos sempre comparar se um
lado do tórax expande mais que o outro lado. Se isso
ocorrer, pode estar havendo alguma situação patológica
que impeça o fluxo aéreo para o pulmão que expande
menos (ou não expande), tais como intubação seletiva,
atelectasia total de pulmão, pneumotórax, derrame
pleural extenso etc.

Saturação periférica de oxigênio (SpO2)

Este marcador é importantíssimo na avaliação da


efetividade do Sistema Respiratório. Trata-se do
percentual de sítios na molécula de hemoglobina que
estão saturados pela molécula de O2. Ou seja, demonstra
se o oxigênio contido no ar que respiramos está se
difundindo pela barreira alvéolo-capilar e sendo captado
pela hemoglobina, para ser transportado para os mais
diversos órgãos e tecidos do corpo.

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Manual Prático de Avaliação Fisioterapêutica em UTI
Avaliação do Sistema Respiratório

Para pessoas sem patologias respiratórias


crônicas, o valor normal da SpO2 é de 92% a 100%.
Porém há condições como a DPOC ou outras patologias
pulmonares crônicas que se caracterizam pela falha
estrutural do parênquima pulmonar, prejudicando a área
de troca gasosa. Estas patologias geram hipoxemia
crônica e os pacientes portadores destas condições
adaptam-se ao longo do tempo a esta deficiência de
captação de O2 pelo sangue. Para estes pacientes,
podemos considerar que apresentem SpO2 mais baixa,
normalmente > 85%.

Em casos em que o paciente não consiga atingir


o valor mínimo de SpO2 através do ar ambiente (com a
fração inspirada de 21% de O2), deve-se lançar mal de
mecanismos de oxigenoterapia, ofertando-se mais O2
através de cateteres (nasal ou tipo óculos) ou máscaras
(Sistema de Venturi ou máscara não-reinalante),
podendo-se lançar mão de terapia com cânula de
oxigênio em alto fluxo. Se a oferta de oxigênio não for
suficiente para que haja normalização da SpO2, deve-se
considerar de maneira urgente o suporte ventilatório

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Manual Prático de Avaliação Fisioterapêutica em UTI
Avaliação do Sistema Respiratório

mecânico invasivo ou não-invasivo.

SpO2

Ausculta Pulmonar
Olivas

Diafragma

O exame dos sons pulmonares é extremamente


importante dentro da avaliação física do paciente crítico.
Apesar de caminhar para o desuso quase absoluto, por
conta do avanço da ultrassonografia pulmonar, ainda

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Manual Prático de Avaliação Fisioterapêutica em UTI
Avaliação do Sistema Respiratório

deve demorar bastante para que o estetoscópio (vide


figura) ser completamente descartado.

O primeiro tópico a ser avaliado é o som


produzido pela entrada de ar nos pulmões. Este som
pode ser auscultado por toda a região do tórax e é
chamado de murmúrio vesicular. O murmúrio vesicular
(MV) pode ser bem distribuído por todo o tórax
(evidenciando boa distribuição de ar pelos pulmões) ou
pode estar diminuído em alguma região (ou pulmão) em
relação à outra (evidenciando hipoventilação na região
onde há diminuição do MV). Quando há diminuição do
MV em alguma região, deve-se procurar pela causa desta
redução do influxo de ar nesta região específica. Existem
duas causas possíveis para que isso aconteça:
alterações resistivas e alterações elásticas.

As alterações resistivas referem-se à redução do


fluxo aéreo por algum componente que gere resistência à
passagem do ar pelas vias aéreas. Os exemplos de
alterações resistivas mais comuns são acúmulo de
secreção e redução da luz da via aérea por

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Manual Prático de Avaliação Fisioterapêutica em UTI
Avaliação do Sistema Respiratório

broncoespasmo.

Já as alterações elásticas se referem ao


parênquima pulmonar ou aos componentes da parede
torácica (pleuras e arcabouço costal). Se alguma dessas
estruturas apresentarem situações patológicas, a
expansibilidade do pulmão estará prejudicada. Dentre os
exemplos mais comuns de alteração elástica do
parênquima são a atelectasia e a congestão pulmonar. Já
para os eventos patológicos que geral alteração elástica
da parede torácica estão o derrame pleural, o
pneumotórax, a distensão abdominal e a deformidade
congênita da caixa torácica.

Levando a diante a nossa avaliação da ausculta


pulmonar, poderemos auscultar sons considerados
anormais conhecidos como ruídos adventícios (RA),
dentre os quais destacam-se os roncos, os sibilos
(inspiratórios e expiratórios) e as crepitações (precoces
ou grossas, e tardias ou finas).

Na tabela a seguir poderemos observar que os

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Manual Prático de Avaliação Fisioterapêutica em UTI
Avaliação do Sistema Respiratório

ruídos adventícios podem nos apontar para situações


patológicas, discriminando regiões ou estruturas do
Sistema Respiratório que estão comprometidas:

Carga alterada do
Localização da Alteração
Ruído Adventício Sistema
Alteração possível
Respiratório

Vias aéreas
centrais e Secreção fluida e
Roncos Resistiva
proximais (traqueia semi-espessa
e brônquios)

Sibilos Resistiva
Vias aéreas distais Secreção espessa
inspiratórios

Estreitamento da
luz da via aérea
por espasmo de
Resistiva
Sibilos expiratórios Vias aéreas distais musculatura lisa
ou colabamento
precoce da via
aérea

Crepitações Resistiva
Vias aéreas distais Secreção fluida
Precoces
Crepitações
Alvéolos Elástica Hipoventilação
tardias

Tosse

A tosse é um mecanismo de defesa para


expulsão de corpos estranhos e excessos de secreções

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Manual Prático de Avaliação Fisioterapêutica em UTI
Avaliação do Sistema Respiratório

nas vias aéreas, que possam causar redução do fluxo


expiratório.

A qualidade da tosse deve ser avaliada para, se


necessário, haver aplicação de terapia de higiene
brônquica, com técnicas de aceleração do fluxo. Então,
se uma tosse consegue mobilizar a secreção com
efetividade, facilitando a remoção da secreção tanto por
expectoração, como com deglutição, a tosse é dita como
eficaz. Porém se o paciente possui uma tosse mais fraca
e que não consegue mobilizar efetivamente a secreção,
classificamos como tosse ineficaz. Duas causas são
possíveis para que a tosse esteja eficaz: o volume
pulmonar e a musculatura expiratória.

Se um paciente evoluiu com alguma condição


que reduziu seu volume pulmonar (hipoventilação por
restrição prolongada ao leito, por exemplo), ele não
conseguirá volume corrente suficiente para gerar um
fluxo que desloque a secreção para vias aéreas
proximais, o que facilitaria a sua remoção. Neste caso,
algumas técnicas de incremento de volume

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Manual Prático de Avaliação Fisioterapêutica em UTI
Avaliação do Sistema Respiratório

pulmonar devem ser avaliadas, como RPPI (respiração


por pressão positiva intermitente). Contudo, o paciente
possa ter um volume pulmonar satisfatório, porém a
musculatura utilizada para a expulsão do ar possa estar
prejudicada (por exemplo, trauma raquimedular com
lesão superior ao miótomo do transverso abdominal).
Neste caso, possa ser avaliada a utilização de
terapêuticas que envolvam remoção de secreção por
aspiração por sonda ou mesmo um equipamento próprio
para isso, conhecido como cough assist.

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Manual Prático de Avaliação Fisioterapêutica em UTI
04

AVALIAÇÃO DO
SISTEMA
NEUROMIOARTICULAR

30
Avaliação do Sistema Neuromioarticular

Chegamos ao último ponto da avaliação física no


paciente crítico. Aqui nós devemos ser um pouco mais
criteriosos, pois esta avaliação é de domínio específico
da fisioterapia e vai determinar o conjunto de ações que
vão compor o plano terapêutico motor para cada paciente
especificamente. Então, para compor a avaliação básica
deste aparelho locomotor, observamos os seguintes
fatores:

• Força muscular periférica;

• Amplitudes articulares dos membros;

• Tônus muscular global;

• Controle cervical e de tronco;

• Qualidade da marcha.

Falaremos de cada um desses pontos de


avaliação neste capítulo. Lembre-se de que somos
fisioterapeutas. Hoje em dia, muito se fala de mobilização
precoce como a principal intervenção da fisioterapia na
UTI. Porém para que haja qualidade e resposta positiva
ao plano terapêutico motor que você elaborou para o seu

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Manual Prático de Avaliação Fisioterapêutica em UTI
Avaliação do Sistema Neuromioarticular

paciente, necessita que você faça uma avaliação


neuromioarticular eficaz.

Força muscular periférica

A condição mínima para que se avalie a força


muscular de um paciente crítico é que ele esteja
consciente para atender às solicitações que são feitas
pelo examinador. Então, sempre que o paciente não
colaborar com o exame ou não coordenar as solicitações
porque está desorientado ou em delirium, deve-se
informar a causa da ausência desta avaliação em
evolução.

Uma vez que o paciente esteja apto para o exame de


força muscular e liberado pela equipe médica para
sedestrar, podemos aplicar a escala de MRC para força
muscular. É uma escala que avalia bilateralmente 6
grupos musculares: abdutores de ombro, flexores de
cotovelo, extensores de punho, flexores de quadril,
extensores de joelho e dorsiflexores.

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Manual Prático de Avaliação Fisioterapêutica em UTI
Avaliação do Sistema Neuromioarticular

Lembre-se a escala de MRC deve ser aplicada


apenas com o paciente em sedestração no leito, com
membros inferiores pendentes.

Ao final deve-se quantificar o valor que vai de 0


(sem contração em nenhum dos seguimentos) a 60 (sem
déficit de força muscular em membros), utilizando-se
apenas do teste manual de força muscular para compor a
escala.

Grau Descrição
0 Não se percebe nenhuma contração
1 Traço de contração, sem produção de movimento
2 Contração fraca, produzindo movimento com eliminação da gravidade
Realiza movimento contra a gravidade, porém sem resistência
3
adicional
4 Realiza movimento contra a resistência externa moderada e gravidade
É capaz de superar maior quantidade de resistência que no nível
5
anterior

Grupos musculares Esquerda Direita


Abdutores de ombro
Flexores de cotovelo
Extensores de punho
Flexores de quadril
Extensores de joelho
Dorsiflexores
Total

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Manual Prático de Avaliação Fisioterapêutica em UTI
Avaliação do Sistema Neuromioarticular

Amplitudes articulares

As articulações determinam qualidade no


movimento. Se houver alguma redução na amplitude de
movimento (ADM) articular de algum seguimento, haverá
impacto direto em alguma atividade de vida diária (AVD)
e, por consequência, na qualidade de vida do paciente.

Pensando assim, um dos principais focos de ação


do fisioterapeuta na UTI é gerenciar o risco de
deformidade articular, criando barreiras que são
estratégias para que este risco não se transforme em um
evento potencialmente danoso.

Para avaliarmos a ADM articular dos membros,


podemos lançar mão de goniômetros e obviamente
estudar a causa desta restrição articular. Deformidades
como mão em garra e pé equino, uma vez instaladas, são
extremamente difíceis de serem tratados e revertidos.

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Manual Prático de Avaliação Fisioterapêutica em UTI
Avaliação do Sistema Neuromioarticular

Tônus muscular global

Por muitas vezes, este é o motivo de redução de


ADM articulares e mesmo de deformidades instaladas.
Uma vez havendo alteração do tônus muscular, o
fisioterapeuta precisa intervir com técnicas de
readequação deste tônus anormal para que não haja
sequelas articulares ou neuromusculares graves.

Para avaliação do tônus muscular, temos a escala


de Ashworth (Pascual-Pascual e cols, 2007):

Grau Observação clínica


0 Tônus normal
1 Aumento do tônus no início ou no final do arco de movimento
Aumento do tônus em menos da metade do arco de movimento, manifestado por
1+
tensão abrupta e seguido por resistência mínima
2 Aumento do tônus em mais da metade do arco de movimento

3 Considerável aumento em flexão ou extensão e movimento passivo com dificuldade

4 Partes rígidas em flexão ou extensão

Controle cervical e de tronco

Se o paciente está liberado pela equipe médica


para exercer sedestração (ainda que passiva), devemos

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Manual Prático de Avaliação Fisioterapêutica em UTI
Avaliação do Sistema Neuromioarticular

avaliar primeiramente o controle da musculatura do


pescoço, ou musculatura da coluna cervical. Pacientes
que não são capazes de manter o pescoço tonificado,
equilibrando a cabeça, não devem ser sedestrados até
que readquiram esta função. Ainda não está claro na
literatura se intervenções com EENM são efetivas para
readequação do tônus cervical de pacientes comatosos,
por exemplo.

Uma vez que o paciente apresente bom controle


cervical, deve-se observar a qualidade do controle do
tronco do paciente. Pacientes com controle de tronco
débil, devem sofrer intervenções fisioterapêuticas focadas
em readequação do controle de tronco. Estas
intervenções devam provocar correções e fortalecimentos
musculares nos três planos (sagital, coronal e
transverso). Estes pacientes com controle débil do tronco
não deverem experimentar a posição ortostática (por
risco elevado de queda) até que seja readquirido o
controle do tronco satisfatoriamente.

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Manual Prático de Avaliação Fisioterapêutica em UTI
Avaliação do Sistema Neuromioarticular

Qualidade da marcha

Uma vez que o paciente esteja liberado para


exercer o treino de marcha, este deve ser realizado
concomitantemente com uma avaliação criteriosa da
qualidade da marcha do paciente.

Deve-se observar todas as fases da marcha


osteocinematicamente e artrocinematicamente, nas fases
de contato inicial, apoio e balanço, bem como identificar
padrões anormais da marcha do paciente, para que
sejam corrigidos durante o treino funcional da marcha.

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Manual Prático de Avaliação Fisioterapêutica em UTI
MANUAL PRÁTICO DE
AVALIAÇÃO
FISIOTERAPÊUTICA NA
UTI
Espero ter ajudado você, iniciante na Fisioterapia
em Terapia Intensiva, a compreender parte do
racional dos principais aspectos a serem
avaliados no paciente crítico.

Caso tenha dúvidas ou sugestões, entre em


contato comigo. Estarei à disposição para ajuda-
lo(a) e ouvir o que você tem a dizer sobre este e-
book.

Hélcio Carigé

Blog: fisioterapiaemuti.com
Instagram: @portalfisioemuti
E-mail: hcarige@gmail.com

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