Você está na página 1de 19

HIPERBUROCRATIZAÇÃO E GERENCIALISMO: AS NOVAS

RELAÇÕES DE PODER E CONTROLE NOS SISTEMAS DE


ENSINO E NA ESCOLA
Publicação original em espanhol:
https://reaed.unsa.edu.pe/index.php/reaed/article/view/15
Evaldo Piolli 1
https://orcid.org/0000-0001-5321-5038

Resumo
Neste trabalho analisamos a adoção dos critérios da Nova Gestão Pública no campo da
educação adotando o pressuposto de que as estratégias de gestão adotadas nos sistemas
de ensino no Brasil estão ampliando a burocratização, os meios de controle e a
responsabilização. Analisamos, num primeiro momento, a instituição do processo de
cooperação sob o capital e a assunção da heterogestão marcada pela submissão do
trabalhador ao ritmo da máquina e ao quadro administrativo burocrático. Com base nos
pressupostos de Weber, de que a burocracia pode ser representada por mecanismos de
controle e poder, procuramos demonstrar o processo de racionalização e de
burocratização crescente no desenvolvimento da acumulação do capital e o papel que a
teoria das organizações desempenhou. Nas organizações os controles diretos e
hierárquicos evoluíram para novas estratégias de responsabilização e manipulação da
subjetividade. Demonstramos como que a propalada tese da desburocratização, advogada
pelos defensores nova gestão pública, ao contrário, fizeram ampliar as formas de
dominação burocrática. No campo da educação analisamos as confluências das
proposições dos reformadores empresariais com os fundamentos da nova gestão pública
e como os programas e projetos concebidos a partir das parcerias com o estado
apresentam elementos do que estamos denominando de hiperburocratização. Analisamos
o processo de consolidação do gerencialismo e da hiperburocratização que se processou
a partir do golpe institucional de 2016 e do contexto da pandemia da Covid 19 no Brasil. A Base
Nacional Comum Curricular - BNCC, implementada a partir de 2017, se constitui como elemento
central das reformas empresariais da educação e institui uma “cultura de auditoria” (Fisher,
2021) baseada em uma concepção de qualidade baseada em indicadores, metas, rankeamentos,
avaliação externa, testes estandardizados, padronização curricular e responsabilização (Lima,
2011). Ao final, apresentamos alguns dos efeitos da hiperburocratização e dos processos de
centralização dos controles, de intensificação e precariedade do trabalho disparados com o
emprego das novas tecnologias na gestão e no ensino.

Palavras-chave: hiperburocratização; gerencialismo; educação

1. HETEROGESTÃO E HIPERBUROCRATIZAÇÃO NAS ORGANIZAÇÕES

Para compreendermos o que estamos chamando de heterogestão neste trabalho,


vamos precisar nos reportar à Marx e ao conceito clássico de cooperação. Conforme
Marx, foi no processo de acumulação do capital que se desenvolveu as formas de

1
Cientista Social e professor da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP). Lider do Grupo de estudos trabalho, saúde e subjetividade (NETSS- UNICAMP).
cooperação. Por cooperação entende-se a forma de trabalho em que “muitos trabalham
juntos, de acordo com um plano, no mesmo processo de produção ou em processos de
produção diferente, mas conexos” (MARX, 1984, p. 374). Ela pressupõe a economia dos
meios de produção através da força produtiva coletiva. Marx segue dizendo que a
cooperação pode ser simples quando “os trabalhadores se completam mutuamente
fazendo a mesma tarefa ou tarefas da mesma espécie” (MARX, 1984, p. 376). Esse tipo
de cooperação ocorria na antiguidade e na sociedade feudal e estava baseada em laços de
domínio e servidão.
A cooperação capitalista, entretanto, pressupõe o trabalhador como assalariado
que vende sua força de trabalho ao capital. A produção capitalista tem como ponto de
partida o emprego simultâneo de muitos trabalhadores no mesmo processo de trabalho.
A apropriação, por parte do capitalista, da força coletiva do trabalho tem como propósito
elevar a produtividade do capital. O trabalhador vende sua força-de-trabalho
individualmente ao capitalista. Já a força coletiva, absorvida no processo produtivo, é
apropriada gratuitamente pelo capitalista. Portanto, a cooperação capitalista é forçada,
pois, quanto mais se eleva a cooperação mais acentuado torna-se o controle do capital
sobre o trabalho coletivo, o que pressupõe a subordinação do trabalhador ao ritmo da
máquina e ao aparato administrativo.
Por heterogestão, portanto, compreendemos o processo que promove a
subordinação do trabalhador ao ritmo da máquina e a subordinação a autoridade dentro
da fábrica que aparece representada pelo quadro administrativo. Trata-se de um processo
histórico que aprofundou a alienação, no qual foi se constituindo uma maior concentração
das decisões numa cúpula administrativa que engendrou a separação do trabalho manual
do trabalho intelectual e que, dado os controles e métodos empregados teve como
resultante um maior envolvimento do trabalhador com o seu trabalho. Nas organizações
heterogeridas a submissão do trabalhador é institucionalizada na forma da autoridade
“ a submissão do trabalhador ao ritmo da máquina implica maior
interdependência na cooperação em normas rígidas de comportamento.
Privado de seu saber-fazer, o trabalhador submete-se à regulação social
da máquina, o que significa uma regulamentação social mais rígida
imposta pelo aparato burocrático”. (MOTTA, 1986, 65)

A acumulação do capital e a produtividade, portanto, se intensificam com a


burocratização e a ampliação dos sistemas de controle formal no âmbito das empresas. A
análise da divisão do trabalho, da cooperação e a consequente concentração do processo
produtivo prenunciam as formas de racionalização que seriam adotadas a partir da fase
monopolista do capitalismo.
A cooperação industrial constitui-se num tipo de organização burocrática que
ganha corpo e passa a envolver outras dimensões da vida social. A burocratização vai
sendo intensificada e transferida da empresa para o Estado, pois junto ao processo de
ampliação da produção ocorre a ampliação da racionalização dos aparelhos de Estado.
As organizações modernas e as burocracias se desenvolveram com o processo de
racionalização da produção e do trabalho (controle da produção e do trabalhador) junto
ao qual se constituíram aparelhos administrativos dentro da empresa capitalista. O Estado
moderno, em complemento a esse processo, também amplia suas funções e desenvolve
seu aparato administrativo, com funções relacionadas ao controle da vida social. Os
grandes sistemas de ensino público e suas escolas são parte integrante desses aparatos de
controle social e de reprodução da força de trabalho. Essas instituições cumprem a função
de “fabricar homens utilizáveis” a partir de uma organização e uma pedagogia
burocráticas. (TRAGTENBERG, 2018)
Weber, em sua análise sobre a dominação burocrática, destacava que sob o
capitalismo esta forma de organização, encontraria condições plenas ao seu
desenvolvimento. Segue Weber (1966, p.25) dizendo que “sob os auspícios do
capitalismo, criou a necessidade de uma administração estável, rigorosa e intensiva e
incalculável1. É esta a necessidade que dá à burocracia um papel central em nossa
sociedade como elemento fundamental em qualquer tipo de administração de massas”.
No âmbito do Estado, essa dominação burocrática associada ao capitalismo, vai se
realizando através de um conjunto de normas jurídicas racionais e impessoais para o
controle social.
Da mesma forma, toda a produção no campo da teoria das organizações vem
desempenhando um papel importante na dissimulação da historicidade dos processos de
dominação e controle no âmbito organizacional. Seu desenvolvimento acompanha os
próprios processos de racionalização crescente da produção e reforça o papel das
organizações como produtoras de ideologia. Sob o signo da colaboração de classes e da
harmonia social, ela favorece a reprodução da força de trabalho, sua acomodação,
adaptação e submissão. A função de toda ideologia administrativa é legitimar a
dominação sobre os trabalhadores por dentro do aparato burocrático das organizações
modernas. (TRAGTENBERG, 1980)
Para Tragtenberg (2012) as “ideologias administrativas” forjam a busca por maior
produtividade, cooperação e integração, quando, na verdade, no modo de produção
capitalista, a elevação da produtividade se expressa na maior exploração do trabalho. O
envolvimento e a integração da mão de obra, conforme os objetivos das organizações,
produz a domesticação do trabalhador encobrindo as relações de dominação “nas quais o
trabalho é função do capital” (TRAGTENBERG, 2012, p. 67).
As correntes no campo da teoria das organizações desde Taylor, passando pela
escola de relações humanas de Elton Mayo, até as correntes contemporâneas da qualidade
total, evoluíram de um controle mais direto e hierárquico do trabalho para teorias
psicologizantes de manipulação da subjetividade. Isso tudo atrelado ao maior emprego de
tecnologias digitais de controle segundo os princípios da gestão baseada em métricas.
Conforme destaca Bernardo (2004) todos os instrumentos microeletrônicos
acumulam hoje a função de controladores tanto do trabalho executado quanto do próprio
comportamento do trabalhador. O fetiche da técnica e da tecnológica, o clamor ao
profissionalismo, a centralização das informações e dos controles constitui-se como
expressão do tipo de burocracia administrativa monocrática, tal como descrita por Weber
(2004) a qual avança em oposição à colegialidade.
Sobre tal ponto Weber (2004, p.145) afirma que a administração burocrático-
monocrática constitui-se como a

forma mais racional de exercício da dominação, porque nela se alcança


tecnicamente o máximo de rendimento em virtude da precisão, continuidade,
disciplina, rigor e confiabilidade – isto é, calculabilidade tanto para o senhor
quanto para os demais interessados -, intensidade e extensibilidade dos
serviços, e aplicabilidade formalmente universal a todas as espécies de
tarefas.”

Sobre a colegialidade destaca que o desenvolvimento moderno da dominação


burocrática levou sempre ao enfraquecimento da colegialidade nas esferas do estado
moderno e suas instituições, pois “a colegialidade reduz inevitavelmente: 1) prontidão
das decisões; 2) uniformidade da liderança; 3) a responsabilidade inequívoca do
indivíduo; 4) a ação sem inibições em face do exterior e a manutenção da disciplina no
interior”. (WEBER, 2004, p. 185)
No âmbito das organizações públicas e privadas, as principais vertentes da
produção teórica, nesse campo, estão sendo empregadas para referenciar medidas
voltadas para o maior comprometimento e responsabilização do trabalhador com os
resultados e fins das organizações. Há um processo que vem transpondo essas medidas,
sem nenhuma crítica, da empresa para o Estado e se fundamenta nas reformas inspiradas
no ideário da Nova Gestão Pública que, nesse trabalho, iremos denominar gerencialismo.
A adoção dessas medidas gerenciais, que no mundo do trabalho tem se expressado
na forma de organizações mais enxutas, estaria rompendo com o modelo burocrático?
Nosso argumento, no entanto, advoga que estruturas enxutas não representam que o
modelo burocrático esteja sendo superado, ao contrário. Se partirmos do pressuposto de
que a burocracia é controle e poder, podemos concluir que, mesmo com a redução e
achatamento dos organogramas (Lima, 2012), as organizações, ao empregarem
tecnologias potencializam os mecanismos de controle e mensuração da produtividade,
métodos de avaliação e individualização da produção.

2. GERENCIALISMO E AUTONOMIA CONTROLADA NA EDUCAÇÃO: A FALSA TESE DA SUPERAÇÃO


DA BUROCRACIA.

O termo Nova Gestão Pública (New Public Manegement) foi primeiramente


cunhado por Cristophe Hood em 1991 quando publicou o artigo a public management for
all seasons como resposta ao modelo burocrático da administração pública, constituído
após a segunda grande guerra mundial, e como modelo inevitável para garantir maior
eficiência e eficácia. Baseado em sete elementos fundamentais: 1) profissionalização da
gestão no setor público; 2) estabelecimento de padrões claros e medidas de desempenho;
3) ênfase nos mecanismos de controle na apuração de resultados; 4) desagregação das
unidades do setor público; 5) estabelecimento da competitividade no setor público; 6)
adoção de práticas típicas do setor privado no setor público e; 7) parcimônia e medidas
de corte dos custos no setor público no sentido de garantir maior eficiência. (HOOD,
1991)
O autor ainda advoga a racionalidade técnica e a neutralidade política, ou seja, o
desenvolvimento de uma estrutura apolítica como aspecto importante para a garantia de
maior eficácia. Mas o ponto fundamental é que a NPM, ou gerencialismo, surge como
uma proposta de reforma do Estado e, como dissemos, como uma resposta ao modelo
burocrático da administração pública pela propagação de uma nova cultura
organizacional no setor público baseada nos princípios da empresa privada. E sob tais
valores, situar os usuários dos serviços públicos como clientes. Além de estabelecer um
modelo de gestão com foco nos resultados e mecanismos de controle, partindo da
premissa de que o modelo anterior seria pouco eficiente.
A eficiência almejada se fará pela busca intensa por resultados quantitativos como
forma de analisar os impactos. Outro aspecto seria a adoção de esquemas de
gerenciamento que superem o modelo burocrático, por esquemas mais flexíveis e menos
rígidos na administração atrelados a resultados e ao desempenho. No Brasil a nova gestão
pública ficou conhecida pelos trabalhos de Bresser Pereira (1995), a partir das
Publicações dos Cadernos MARE (Ministério da Reforma do Estado), relativos à
Reforma Gerencial do Estado. Sua proposta de reforma do aparelho de estado engendra
uma crítica modelo burocrático, a qual surge atrelada à ideia da morosidade e da
ineficiência e dos elevados custos dos serviços públicos e da falta de profissionalismo.

A superação da forma burocrática de administrar o Estado revelou-se nos


custos crescentes, na baixa qualidade e na ineficiência dos serviços sociais
prestados pelo Estado através do emprego direto de burocratas estatais”.
(BRESSER PEREIRA, 1995, p.15)

No entanto, os novos métodos centrados na responsabilização, nas métricas e nas


tecnologias de controle ou cibercontroles a distância, indicam uma maior concentração
de informações, controles e poder o que, a nosso ver, corresponde a uma ampliação da
burocracia.
Conforme já apontamos, para Weber a dominação burocrática resulta de um
processo histórico e, como tal, é constituída por mecanismos concretos de controle e
poder. Lembrando que, para ele, é no capitalismo que as formas de racionalização e a
burocracia encontram plenas condições para seu desenvolvimento. As burocracias
modernas se desenvolvem com a racionalização do trabalho, sendo que o aparato Estatal
se desenvolve em complemento a esse processo. Portanto, se os novos métodos e as novas
tecnologias empregadas pelo gerencialismo nos remetem a uma maior centralização de
informações, controle e poder, podemos depreender que, ao contrário do que advogam os
propositores da nova gestão pública, o que se verifica, de fato, é uma ampliação da
burocracia. Uma expressão desse fenômeno pode ser representada pelos mecanismos de
gestão cada vez mais individualizados, determinados por metas e indicadores de
desempenho.
Conforme já apontamos, a desburocratização pretendida pelo gerencialismo tem
como meta obter maior eficácia no âmbito do Estado o que envolve, dentre outros
aspectos, o enxugamento das estruturas e a ruptura com os tais como as instâncias
participativas, os conselhos e demais órgãos colegiados. Essas instâncias estariam sendo
fragilizadas por demandas heterônomas e pautas exógenas, quando não suprimidas, tal
como descreve Weber em sua primorosa análise sobre os destinos da colegialidade frente
a burocracia de tipo monocrática. Esse ponto pode ser bastante elucidativo para o devido
entendimento dos aspectos que relacionam a subjetividade humana alienada que emerge
no espaço laboral ao individualismo e à competitividade. Pode ser também de grande
valia para a compreensão da fragilização dos coletivos de trabalho nas instituições
educacionais.
Por isso, estamos em pleno acordo com Gaulejac (2007) quando afirma que o
gerencialismo também se constitui como uma ideologia utilitária que vai traduzindo as
atividades humanas em indicadores de desempenho, como expressão de objetividade e
neutralidade típica das ciências exatas, as quais lhe servirão de suporte. Sob tais
fundamentos, “essa ciência” vai construindo um ideal do humano restrito à condição de
recurso para sua própria instrumentalização. Essas orientações irão constituir o que
Gaulejac (2007, p.94) chamou de “quantofrenia” ou “doença da medida”. Conforme o
autor, a afirmação do gerencialismo como ciência fica por conta do ideal pragmático,
utilitário e objetivo da vida humana que movimentou toda uma produção de
conhecimento no campo da teoria das organizações.

ADMINISTRAÇÃO OU GESTÃO DA EDUCAÇÃO ?

As reformas educacionais no Brasil ocorrem no contexto da reforma do estado sob


os critérios da nova gestão pública. novos métodos e o léxico próprio das empresas
privadas são disseminados nos sistemas de ensino. Um dos conceitos mais empregados é
o de gestão em substituição ao de administração, sugerido por Bresser-Pereira (2011).

Como a administração de empresas é o processo de tomar decisões


relativas aos objetivos das empresas ou das organizações privadas,
como é a forma de planejar, organizar e controlar as ações em empresas,
como é a maneira pela qual seu pessoal deve ser escolhido, treinado e
motivado, supôs-se que a administração pública fosse a mesma coisa
aplicada ao Estado, ou, mais amplamente, às organizações públicas e a
seus serviços científicos, culturais e sociais. Podemos pensar a
administração pública nestes termos – em termos de maneira de
administrar – mas nesse caso seria melhor dizer “gestão” ao invés de
“administração” pública. (BRESSER-PEREIRA, 2011, p.4)

No campo da educação, a transposição do termo administração escolar para o de


gestão educacional e ou de Diretor para Gestor, por exemplo, contém importantes
diferenciais e conteúdos distintos, uma vez que contempla os novos requisitos e
expectativas de papéis voltados para os profissionais da educação, conforme os novos
critérios da Nova gestão Pública. No conceito de gestão estão engendrados novos
elementos de competências que envolvem esquemas participativos, autonomia controlada
e de responsabilização do trabalhador (PAGÉS, 1987; LIMA, 2008 e HELOANI, 2018).
Sob uma roupagem, aparentemente progressista, tais práticas, inclusive, não
rompem com as formas de controle centralizado, tipicamente tayloristas, tal como aponta
Lima (2008). Portanto, a utilização do termo gestão cumpre uma função ideológica, cujo
propósito é legitimar e justificar novas formas de controle e submissão do trabalhador sob
novos critérios. As mudanças verificadas nesse campo, portanto, inserem novos
componentes aos esquemas de dominação e na produção do sentido atrelados à
produtividade e ao desempenho individual. Nas escolas e nos sistemas de ensino público,
ou mesmo nas universidades, nota-se uma crescente individualização que, a nosso ver,
são fatores estimuladores da fragmentação dos coletivos de trabalho e da despolitização
das relações no espaço laboral.
No gerencialismo pode-se atribuir maior autonomia para uma escola, desde que
atrelada a metas e indicadores quantitativos de produtividade definidos de forma
heterônoma. Neste caso, trata-se de uma falsa autonomia, ou ainda, de uma autonomia
controlada relacionada a metas quantificáveis vinculadas a formas de premiação por
produtividade, promotoras do engajamento e cooptação do trabalhador. (HELOANI e
PIOLLI, 2012)
Se a liberdade aumenta em relação à tarefa a cumprir, ela encontra a
contrapartida em uma exigência drástica sobre os resultados. Trata-se
não tanto de regulamentar o emprego do tempo e quadricular o espaço,
e sim obter uma disponibilidade permanente para que o máximo de
tempo seja consagrado à realização dos objetivos fixados e, além disso,
a um engajamento total para o sucesso da empresa. (GAULEJAC, 2007,
p.110).

Na educação, o esquema de autonomia controlada vem sendo adotado por vários


estados e municípios como estratégia para o suposto alcance de uma educação pública de
qualidade e como política de valorização dos profissionais do magistério. Isso implica
que, cada vez mais, exige-se dos profissionais do magistério um certo profissionalismo
funcionalista e utilitário pautado pela cultura do desempenho e da produtividade, ou seja,
de performatividade. (BALL, 2005)
Essa cultura do desempenho é denominada por Mark Fisher (2021) como “cultura
de auditoria” que é resultante da fusão entre a burocracia empresarial e os serviços
públicos. Nas escolas e nos sistemas educacionais, os dados burocráticos coletados são
utilizados de “forma promocional” para prestar contas ao grande Outro.
[...] no caso da educação, por exemplo, resultados de exames e
mudanças em indicadores aumentam (ou diminuem) o prestígio
de dada instituição. A frustração do professor é que seu trabalho
parece cada vez mais direcionado a fazer uma boa impressão para
o grande Outro2, que é quem coleta e consome os dados”
(FISHER, 2021, p. 85)

As metas heterônomas são continuamente alteradas para cima, sob a justificativa


da “melhoria contínua” dos indicadores de qualidade e da produtividade das escolas.
Trata-se de um grande Outro incompleto, para quem se deve prestar contas
continuamente, tal como no dilema da postergação indefinida, vivido por K, descrito por
Kafka em O processo. O ponto culminante da avaliação burocrática é o da transformação
do próprio trabalhador em avaliador de seu próprio desempenho. Os rankings que
classificam instituições e os esquemas de bonificação e ganhos de produtividade são
fatores indutores. Por fim Fisher (2021) aponta que

Na postergação indefinida, o caso nunca é julgado definitivamente, mas


o preço a pagar é uma ansiedade que nunca acaba. A avaliação periódica
dá lugar uma avaliação permanente e onipresente, que não deixa de
gerar uma ansiedade perpétua. (FISHER, 2021, p. 87

O processo de transformação nas formas de dominação burocrática nas escolas se


expressa não apenas pelos novos mecanismos de controle geradores de uma maior
individualização e ansiedade perpétua, mas também, por substituir formas de
colegialidade3 por um tipo de liderança unipessoal ou de uma burocracia monocrática
(Lima, 2011), que é potencializada com o emprego crescente das novas tecnologias
aplicadas à gestão.
Sobre tal modelo Lima (2011, p. 12) observa que dentre,

a centralização e concentração de poderes de decisão; o regresso à


organização em linha, à maior hierarquização e à divisão do trabalho
entre gestores e professores; a crescente relevância do saber pericial e
do poder da tecnoestrutura, dos adjuntos e assessores, das instâncias
especializadas na prestação de serviços técnicos; a obsessão pela
eficácia e eficiência, pela escolha ótima e pela performance
competitiva; a centralidade dos processos de gestão da qualidade, de
avaliação e de mensuração, sob inspiração neopositivista (rankings,
escolas de excelência, avaliação externa, testes estandardizados,

2
Conceito de grande Outro foi extraído pelo autor da obra de Jacques Lacan. O grande Outro é definido
pela sociedade, pela cultura e pelas normas que devem ser interiorizadas e fazem parte da constituição do
sujeito.
3
No esquema de autonomia controlada, a colegialidade regida pelos princípios de gestão democrática é
convertida num tipo de participacionismo restrito ao envolvimento para o cumprimento de metas
heterônomas.
padrões, etc.); os processos de centralização informática e de taylorismo
on line, com a difusão de novas categorias mentais reproduzidas sem
disputa e de conceitos mais ou menos naturalizados.”

No Brasil, os processos de descentralização administrativa, financeira e


pedagógica foram marcantes nas reformas educacionais desde meados dos anos 1990, as
quais ensejaram um significativo repasse de responsabilidades para o nível local por meio
da transferência de ações e processos de implementação de programas (DOURADO,
2007), conferindo-se à gestão escolar novas atribuições com a amplificação das tarefas.
Tudo isso acompanhado de uma forte centralização dos controles e de um processo
indutor da responsabilização e culpabilização do trabalhador dentro de um modelo
organizacional baseado em metas e resultados advindos da gestão empresarial, em
conformidade com o projeto de reforma gerencial do estado.
A agenda para a educação do setor empresarial no Brasil, surge como de uma série
de medidas fixadas na década de 1990, dentro do projeto de reforma do Estado conforme
os critérios da Nova Gestão Pública. Aos poucos foi se implementando todo um marco
regulatório que preparou o terreno para a ampliação dos processos de privatização, tanto
endógenos como exógenos. Ou seja, tanto para a maior abertura dos serviços públicos
educacionais para o setor privado com a flexibilização das parcerias público-privada e
para as privatizações (privatização exógena), como para a importação para o setor público
educacional do ideário empresarial, seus métodos, técnicas e práticas (privatização
endógena) (Ball e Youdell, 2008, p.10).Trata-se de um processo que buscou consolidar,
no Brasil, o projeto concebido pelos organismos internacionais, no qual a hegemonia
empresarial quer se impor pelo discurso do “consenso”, do “interesse comum” e da
“conciliação de classes” (Neves, 2005; Souza e Piolli, 2020). As estratégias empresariais
buscaram se efetivar pela adesão gradual, desde os anos 1990, de amplos setores da
sociedade e de parte expressiva do espectro político que vai desde a extrema direita à
centro-esquerda.
No Brasil esse processo se intensificou no momento de aproximação do setor
empresarial e suas fundações na tomada de decisões e na disputa pela agenda educacional
do país, o que ocorre de forma massiva a partir de 2007 com o lançamento do Plano de
Desenvolvimento da Educação (PDE) que contou com amplo apoio da organização social
“Todos pela Educação”. O Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE, reforçou e
estimulou, em âmbito federal, a aproximação do setor empresarial nas decisões relativas
à educação e as tendências gerenciais já indicadas. Esse plano se consistiu de um conjunto
de 30 ações centradas na “melhoria da qualidade”.
A concepção de qualidade da educação que se consolida como hegemônica é a
que está submetida aos critérios da racionalidade empresarial tida como a mais eficaz,
objetiva e neutra por estar submetida a critérios de quantificação. A objetividade seria
obtida com o devido acompanhamento das tendências mundiais que compreendem,
conforme já apontamos, a qualidade da educação vinculada a melhoria dos indicadores e
na posição em rankings, como o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes
(PISA) e a formação de Capital Humano voltada para a produtividade do capital no
contexto da acumulação flexível, conforme os princípios fixados pela Organização para
a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Essa concepção de educação que
vai se consolidando na base de um “consenso” e do “interesse comum” e segue
envolvendo um amplo leque de organizações empresariais, agentes do governo,
associações de gestores educacionais, parlamentares, sindicatos de trabalhadores,
partidos políticos, uma parcela dos pesquisadores. A produção desse consenso, isolou
politicamente a concepção da qualidade socialmente referenciada e da gestão democrática
construída historicamente pelos trabalhadores da educação no Brasil. Tal processo
colaborou para a consolidação de uma agenda consensuada para o emprego crescente do
accountabilyty ou responsabilização, conforme os critérios da nova gestão pública que é
o de prestar conta e apresentar resultados.

PRECARIEDADE, HIPERBUROCRATIZAÇÃO E TECNICISMO

Os processos pautados pela concepção de qualidade empresarial, seguem sendo


naturalizados no âmbito das escolas e dos sistemas de ensino brasileiros e se estendem a todos os
níveis e modalidades da educação. Esse gerencialismo que vinha sendo implementado desde os
anos 1990, ganhou força e propulsão, após o golpe institucional de 2016 e no contexto da
pandemia da Covid 19.
Uma dessas medidas foi a da aprovação da nova Base Nacional Comum Curricular
(BNCC) que foi instituída a partir da reforma do ensino médio no Brasil em 2017 (Lei
13.415/2017) e as medidas subsequentes, com forte atuação do setor empresarial A
aprovação da BNCC foi feita na perspectiva de implementar um gerencialismo autoritário
na educação brasileira, centrado em avaliações e na responsabilização docente. É o que
no campo da gestão empresarial se convencionou chamar de Benchmarking, que nada
mais é do que um processo de avaliação contínua do trabalhador e do desempenho
baseado em resultados quantitativos, adotado nas empresas. Tal como o Cummon Core
estadunidense (Ravitch, 2011), segue uma dinâmica que tende a elevar a
responsabilização com a instituição dos “direitos de aprendizagem” que se refere tanto ao
que deve ser ensinado aos estudantes nas escolas, quanto ao que deve ser ensinado aos
professores, seja na formação inicial como na continuada. As competências e as
aprendizagens fixadas na base – o que conduz à padronização do currículo e ao
apostilamento, estão atreladas diretamente às matrizes dos testes censitários e ao sistema
meritocrático das metas vinculadas à bonificação (FREITAS, 2018). A padronização do
currículo na BNCC, fica evidenciada por um código alfanumérico que combina etapa da
educação básica, faixa etária, componente curricular e habilidade a ser desenvolvida o
que pode resultar no aprofundamento dos controles sobre o trabalho docente, com efeitos
deletérios sobre a autonomia desses profissionais e das escolas. A BNCC, portanto,
procura resolver o problema da propalada crise da educação pela via da gestão
centralizada e dos controles, o que vem sendo destacado pelos seu propositores
(Movimento pela Base), como seu grande mérito.
Essa centralização dos controles emerge como expressão da hiperburocratização
e se desdobra na subsunção dos professores a um processo de trabalho demarcado pela
delimitação do complexo trabalho pedagógico. No Brasil a implementação da BNCC,
atrelada às avaliações censitárias, metas e indicadores tem servido de referência para um
conjunto de medidas que estão alterando as normas vigentes das carreias dos professores
no setor público, sobretudo para a implementar uma nova reorganização baseada na
performance e em critérios meritocráticos4. A esse processo soma-se o modelo de
distribuição de recursos e dos repasses dos governos estaduais para os municípios,
também baseado em critérios de desempenho nas avaliações censitárias5.
Outro elemento que merece destaque nessa exposição relativa à
hiperburocratização é o do emprego das novas tecnologias na gestão e no ensino. Esse
processo que já avançava a passos largos no Brasil, ganha celeridade no contexto da
pandemia da Covid 19. No entanto, vale a pena fazermos aqui uma digressão sobre esse
tema, em conformidade com o que apontamos na primeira parte deste trabalho.
A missão essencial da administração de empresas é, sem dúvida, a de promover e
acentuar o sistema de controle, eliminar resistências dos trabalhadores para estimular a

4
A reorganização das carreiras dos professores em trilhas meritocráticas já ocorre em alguns estados da
federação como o Rio Grande do Sul e São Paulo.
5
Isso já ocorre no estado do Ceará
produção do valor, elemento que já constava das proposições de Taylor e sua
administração científica. Já as tecnologias, cumprem a função de elevar a produtividade
do capital e da força de trabalho para produzir uma maior mais-valia relativa. Essas
tecnologias fixam novos tipos de controles e monitoramento das atividades para baixar
os custos da produção.
No setor público educacional, tal como nas empresas privadas, as novas
tecnologias têm servido para reduzir custos e enxugar estruturas administrativas. As
tecnologias, sobretudo as de informática, tem cumprido o papel de reter dados
burocráticos alimentados pelas unidades escolares o que, combinado ao processo de
redução do quadro de pessoal administrativo, tem resultado em maior intensificação do
trabalho. As compras online, prestação de contas, diário eletrônico, fluxo escolar, notas
e frequência são exemplos informações que alimentam os sistemas centralizados de
informação e gestão. São exemplos disso, os sistemas integrados de gestão e as
secretarias digitais implementadas nos sistemas educacionais brasileiros e universidades,
essas ferramentas de gestão se caracterizam pela transferência de tarefas administrativas
(atividade meio) para o pessoal docente e pela amplificação das tarefas para as equipes
que atuam na gestão.
Segundo Dal Rosso (2008, p.42) o trabalho intensificado é a condição pela qual
requer-se mais “esforço físico, intelectual e emocional de quem trabalha com o objetivo
de produzir mais resultados, consideradas constantes a jornada, a força de trabalho
empregada e as condições técnicas”. Na essência da noção de trabalho intensificado,
cunhada pelo autor, está a noção de que todo trabalho envolve dispêndio (qualitativo e
quantitativo) e energias (físicas, psíquicas e emocionais) do trabalhador ou dos coletivos
de trabalhadores.
A pandemia da Covid 19 abriu uma janela de oportunidades para disparar o
emprego das “novas tecnologias” na educação. Grandes grupos do vale do silício nos
EUA, entre elas a For Educacion, além de vários grupos privados, aproveitaram o ensejo
para oferecer um cardápio de serviços para o setor da educação. No Brasil, foram
assinados diversos contratos emergenciais entre os governos (estaduais e municipais) e
as empresas para que fossem disponibilizadas para professores e alunos plataformas de
EaD, Central de Mídias, consultorias, aulas em TV aberta, apostilas e demais materiais
impressos, modalidades de produtos que figuram entre os mais expressivos.
O fato é que muitas dessas ferramentas permaneceram como sendo legados da
pandemia para a educação, uma vez que já foram incorporadas nas redes de ensino
público de todo país. Fazem parte desse legado, a flexibilização e normatização do ensino
híbrido e da educação à distância na educação básica, em pleno contexto da pandemia.
Sobre isso vale, o destaque ao fato de que essas tecnologias digitais aplicadas ao ensino
seguem sendo implementadas de forma combinada à Base Nacional Comum Curricular
(BNCC), bem como, para suas derivações voltadas para a formação de professores e de
diretores de escola.
Interferir nas mediações e no processo de ensino e aprendizagem é um desejo dos
que advogam a favor do gerencialismo e das teses empresariais para a educação. Devido
ao seu alcance, essas novas tecnologias aplicadas ao ensino podem vir a facilitar o
enquadramento do trabalho do professor e instaurar uma espécie de “panóptico
pedagógico”, ou ainda, um sistema de vigilância constante sobre as aulas. Entendemos
tratar-se de um recuo a um tecnicismo de novo tipo, ou hipertecnicismo baseado nessas
“máquinas de ensinar”, as quais devem induzir uma maior fragmentação e
desqualificação do trabalho docente que podem ser caracterizadas por um
aprofundamento da separação entre concepção e execução, padronização curricular e a
simplificação das aulas, reduzidas, cada vez mais, ao estrito cumprimento do programa.
A isso se combina o fetiche dos artefatos do uso de digitais na educação como os
computadores, tablets e celulares, como novas ferramentas de ensino.
O que acontece na EaD é um tipo ideal de fragmentação e desqualificação. No
ensino superior privado, onde a EaD domina, a palavra “professor” chega a desaparecer.
A Ead pode ser considerada como o cemitério da docência. Na EaD encontramos
elaboradores de conteúdo, atores, tutores e por aí vai. Um trabalhador prepara o conteúdo,
outro grava, um outro elabora a avaliação e um outro faz a correção. Há uma grande
disparidade entre o grande crescimento das matrículas nas instituições de ensino superior
privadas em relação ao baixo crescimento no número de trabalhadores docentes nessas
instituições, onde o EaD tem cada vez mais importância. O caso extremo é o da Laureate6,
que vem utilizando robôs para a correção das atividades, sem ao menos informar os alunos
desse mecanismo, num caso mais claro e absurdo de fraude, inclusive para os padrões da
educação mercantilizada.

6
https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2020/05/depois-de-colocar-robos-para-ensino-laureate-demite-
120-professores.shtml
Essa empolgação com os recursos tecnológicos está, em grande medida, associada
à ideologia da educação 4.07 para atender as novas demandas do capital e a indústria 4.0.
No entanto, apesar dessa ideologia discursiva, emprego das novas tecnologias digitais
parecem estar mais ligados aos interesses dos reformadores empresariais, empenhados
em aprofundar reformas educacionais na direção das avaliações censitárias, políticas de
responsabilização e de reconfiguração da profissão docente centrada em critérios
meritocráticos e de desempenho por metas, para os quais os controles digitais são fulcrais.
Esse gerencialismo vem ganhando novos contornos com a implementação de plataformas
de ensino a distância, centro de mídias e demais recursos, que podem servir para que
sejam coletados todos os tipos de dados e fixados novos controles sobre o trabalho dos
professores que, como já apontamos, permitirão sua maior exposição, inclusive sobre o
seu trabalho em sala de aula.
Em diálogo com Saviani (2008), a utilização dessas “máquinas de ensinar”
expressa, de certa maneira, um recuo a pedagogia tecnicista descrita por ele. Essa
concepção pedagógica se caracteriza pela submissão do professor e dos alunos aos
ditames dos métodos e técnicas de ensino, transformando-os em executores, ou seja, os
dois são colocados em uma “posição secundária” e submetidos a uma crescente
“burocratização”. (SAVIANI, 2008, p. 13-14)
Os recursos tecnológicos nos servem como apoio nas aulas dentro da escola,
portanto, em um sentido podem ser considerados como aliados do trabalho docente. No
entanto, na esteira da crescente mercadorização do ensino, se torna um imperativo
compreendermos seus múltiplos efeitos e as formas de subsunção do trabalho (Marx,
1986) e de precariedade decorrentes de sua aplicação na gestão dos sistemas de ensino e
nas escolas.
Os estudos da sociologia e da economia do trabalho tem apontado que a
precariedade do trabalho e a precarização8, decorrente do emprego de novas tecnologias,
tem se expressado de maneira mais aguda no trabalho regido por plataformas e de controle
por algoritmo, cujos exemplos mais emblemáticos são o do trabalho dos entregadores
(Cant, 2021) e dos motoristas de aplicativo (Abílio,2020). No entanto, já é possível

7
Educação 4.0 surge como um novo conceito de ensino cujo principal foco é transformar a educação por
meio de tecnologias avançadas e automação.
8
A precariedade do trabalho pode ser definida como resultado de um processo de desvalorização de
determinadas ocupações numa determinada hierarquia social para níveis inferiores insatisfatórios de
redistribuição material simbólica. No caso dos professores, essa precariedade se expressa no processo
crescente de destituição que culmina na maior precarização do trabalho
encontrar diversos elementos característicos desse tipo gerenciamento automatizado nas
plataformas de Ead, nos centros de mídia que hoje estão sendo empregados nos sistemas
e nas instituições educacionais de todos os níveis.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo de ampliação da burocracia (ou hiperburocratização) nos sistemas


educacionais, conforme procuramos demonstrar com o caso de São Paulo, tem como
fonte de sua inspiração os métodos gerenciais adotados na empresa privada. Partimos do
pressuposto de Weber de que a burocracia se caracteriza, dentre outras formas, pela
instituição crescente de mecanismos de controle e poder. Vimos como isso se expressa
pelo predomínio crescente, nas sociedades modernas, da burocracia de tipo monocrático.
Nas empresas hipermodernas (Pagés, 1987) os controles evoluíram para formas de
manipulação da subjetividade, com emprego de mais autonomia, porém controlada.
Gaulejac (2007) na sua definição de gerencialismo (como ciência da gestão) destacará os
elementos da quantificação e da matematização, que ele denominou de quantofrenia.
Esses mecanismos, no entanto, seguem acompanhados de controles centralizados com
emprego de tecnologia.
Na reforma do aparelho de Estado, sob os critérios da nova gestão pública, a
ênfase dada aos mecanismos de controle de resultados vem sendo marcada pelo emprego
de tecnologias digitais acompanhadas do emprego, crescente, do accountabilyty ou
responsabilização. Esses mecanismos estão sendo empregados pelos sistemas
educacionais dado aprofundamento e aproximação das relações, via contratos de gestão,
com a entrada dos Reformadores Empresarias (Freitas, 2012) na agenda da educação no
Brasil. O pressuposto de que estamos diante de um processo de ampliação da burocracia
pode ser confirmado, no Brasil, com o avanço das atuais reformas educacionais,
sobretudo com a partir da aprovação da Base Nacional Comum Curricular.
Combinado a tal processo, o contexto da pandemia da Covid 19 abriu uma janela
de oportunidades para que fossem aceleradas muitas medidas dirigidas ao emprego de
novas tecnologias na educação, as quais tem produzido efeitos deletérios sobre o trabalho
dos professores com novas formas de subsunção e de precariedade. Esse “admirável
mundo novo” (Huxley, 2014) das novas tecnologias aplicadas a educação e do
gerencialismo é também aquele que se caracteriza pela precariedade que combina a
ampliação dos controles burocráticos (hiperburocratização), a intensificação do trabalho,
a desqualificação, a autonomia controlada e a responsabilização.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABÍLIO, Ludmila. Uberização e juventude periférica: desigualdade, autogerenciamento
e novas formas de controle do trabalho. Novos estudos. CEBRAP.SÃO PAULO. V39, n.
03 SET.–DEZ. 2020
BALL, S.; YOUDELL. D. Hidden Privatisation in Public Education. Institute of
Education, University of London. Bruxelas, 2008
BALL, Stephen. Profissionalismo, gerencialismo e Performatividade. Cadernos de
Pesquisa, v.35, n. 126, p´.536-564, set/dez.2005.

BERNARDO, João. Democracia totalitária: teoria e prática da empresa soberana. São


Paulo: Cortez, 2004.

BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Reforma gerencial do Estado, teoria política e ensino


da administração pública. Gestão & Políticas Públicas. 2011. Disponível em:
https://gvpesquisa.fgv.br/sites/gvpesquisa.fgv.br/files/arquivos/bresser_-
_reforma_gerencial_do_estado_teoria_politica_e_ensino_da_administracao_publica.pdf

______ . “A Reforma do Estado nos Anos 90: Lógica e Mecanismos de Controle”. Lua
Nova - Revista de Cultura Política, n°.45, 1997.

CANT, Callun. Delivery fight: a luta contra os patrões sem rosto. São Paulo:Veneta,
2020.
DAL ROSSO, Sadi. Mais trabalho! A intensificação do labor na sociedade
contemporânea.São Paulo: Boitempo, 2008

DOURADO, Luiz Fernandes. Políticas e gestão da educação básica no Brasil: limites e


perspectivas. educ. Soc., Campinas, vol. 28, n. 100. 2007, in:
http://www.scielo.br/pdf/es/v28n100/a1428100.pdf

FISHER, Mark. Realismo capitalista: é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim
do capitalismo? São Paulo: Autonomia literária. 2021.

FREITAS. Luiz Carlos. Educadores versus reformadores empresariais: a disputa pela


agenda educacional. Revista APASE. n. 13. São Paulo, maio de 2012.

GAULEJAC, Vincent. Gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e


fragmentação social. Aparecida: Idéias & Letras. 2007.
HELOANI, José Roberto. Modelos de gestão e educação: gerencialismo e
subjetividade.São Paulo: Cortez. 2018.

HELOANI J R e PIOLLI, Evaldo. Gerencialismo, trabalho e desumanização: alguns


apontamentos sobre o sofrimento e o adoecimento na docência. Revista APASE. n. 13.
São Paulo, maio de 2012.

HOOD, Christopher. A public management for all seasons? Public Administration,


United Kingdom, Vol. 69, p. 3-19, Spring/1991.LIMA, L. C. Políticas educacionais,
organização escolar e trabalho dos professores. Educação: Teoria e Prática, v.21, n.38,
2011.
HUXELEY, A L. Admirável mundo novo. São Paulo: Globo, 2014.

_____. Reforma gerencial do Estado de 1995. 1995. Disponível em:


http://www.bresserpereira.org.br/papers/2000/81refgerenc1995-ina.pdf

LIMA, Licínio C. A escola como organização educativa. 3ª ed. São Paulo, Cortez,
2008.

LIMA, Licínio. Elementos da hiperburocratização na administração educacional. In


LUCENA, Carlos e SILVA JR, João dos Reis. Trabalho e educação no século XXI. São
Paulo: Xamã. 2012, pp.129-158.

MARX, Karl. Capítulo VI inédito de o capital: resultado do processo de produção


imediata. São Paulo: Moraes, 1986.

MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Livro 1: O processo de produção


capitalista. 2.ed. São Paulo: Difel, 1984.

NEVES, M L W. A sociedade civil como espaço estratégico de difusão da nova pedagogia


da hegemonia. NEVES, M,L,W (org). A nova pedagogia da hegemonia. São Paulo:
Xamâ. 2005. 85-126

PAGÈS, Max et al. O poder nas organizações. São Paulo, Atlas, 1987.

PIOLLI, Evaldo e SOUZA, Iael de. A gestão gerencialista do capital: a “paideia”


empresarial do final do século xx e sua hegemonia ideocultural no século XXI. Cadernos
Cajuína, v.5, n.3, 2020 In:
https://cadernoscajuina.pro.br/revistas/index.php/cadcajuina/article/view/415

PIOLLI, E. Política educacional e gerencialismo: os programas e projetos da SEE-SP para


a qualidade e suas implicações nas escolas, no trabalho e na saúde dos profissionais do
magistério. Suplemento Pedagógico APASE, jul. 2013.

PIOLLI, Evaldo; ZUCCO-PIOLLI, Gisiley P; HELOANI, Roberto. A participação do


setor empresarial nas políticas educacionais do Estado de São Paulo (BRASIL) e suas
implicações no trabalho docente. Anais do XI Seminário Internacional de la Red Estrado.
Cuidad del Mexico. 2016. Disponível em:
http://redeestrado.org/xi_seminario/pdfs/eixo2/87.pdf
PIOLLI, Evaldo. Identidade e Trabalho do Diretor de Escola: reconhecimento e
sofrimento. Tese de Doutorado. Campinas, Faculdade de Educação da UNICAMP, 2010.

PRESTES MOTTA, F. C. Organização e poder: empresa, estado e escola. São


Paulo: Atlas.1986.

RAVITCH, D. Vida e morte do grande sistema escolar americano: como os testes


padronizados e o modelo de mercado ameaçam a educação. Porto Alegre:Sulina. 2011.

SAVIANI, Demerval. Escola e democracia. Campinas: Autores Associados, 2008.

TRAGTENBERG, Escola como organização complexa. Educ. Soc., Campinas, v.


39, nº. 142, p.183-202, jan.-mar., 2018

_______. Educação e burocracia. São Paulo: UNESP.2012

_______. Burocracia e ideologia. São Paulo: Ática. 1980

WEBER, Max. Economia e sociedade. Vol.1. Brasília: UNB e São Paulo: Imprensa
oficial. 2004

______. Os fundamentos da organização burocrática. In: CAMPO, Edmundo. Sociologia


da burocracia. São Paulo: Zahar. 1966, pp 16-27.

Você também pode gostar