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Alteração da Microbiota em indivíduos com Transtorno do Espectro Autista: Uma


revisão narrativa.

Ana Laura Galdeano Boraschi1, Letícia Pantaleão Meira1, Maria Fernanda Vichiato
Galviolli1*.

[*Autor correspondente: leticiapantaleaom@gmail.com]

RESUMO
O Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), comumente referido como autismo,
é um transtorno multifacetado caracterizado por uma deficiência de desenvolvimento que
se manifesta em dificuldades sociais, de comunicação e comportamentais. Numerosos
estudos documentaram a composição atípica da microbiota intestinal em indivíduos
diagnosticados com TEA, indicando assim uma possível associação entre esses dois
fatores. A potencial manipulação e restauração da microbiota intestinal pode servir como
um caminho promissor para melhorar as manifestações gastrointestinais e
comportamentais em indivíduos diagnosticados com TEA. O transplante fecal/microbiota
demonstrou a capacidade de corrigir a disbiose dentro da microbiota intestinal,
promovendo assim o estabelecimento de uma composição microbiana mais favorável.
Essa abordagem de modificação tem o potencial de emergir como uma intervenção
terapêutica viável para indivíduos com autismo no futuro, melhorando assim o bem-estar
geral de um número substancial de pacientes. O presente trabalho tem por objetivo
realizar uma revisão de literatura sobre a qualidade da microbiota intestinal em indivíduos
com Transtorno do Espectro Autista. Para tanto, uma revisão narrativa da literatura foi
realizada sobre a alteração da microbiota em indivíduos com Transtorno do Espectro
Autista. Conclui-se que o eixo bidirecional cérebro-intestino-microbiota desempenha um
papel significativo tanto no desenvolvimento quanto no agravamento dos sintomas
clínicos associados ao TEA. A fim de melhorar a qualidade de vida de um subconjunto
específico de indivíduos com TEA, certas abordagens terapêuticas, como a administração
de pró e prebióticos, bem como o transplante fecal/microbiota, demonstraram resultados
favoráveis.
Palavras Chaves: Microbiota Intestinal, Nutrição, Transtorno do Espectro Autista.
2

ABSTRACT
Autism Spectrum Disorder (ASD), commonly referred to as autism, is a
multifaceted disorder characterized by a developmental disability that manifests itself in
social, communication, and behavioral difficulties. Numerous studies have documented
the atypical composition of the intestinal microbiota in individuals diagnosed with ASD,
thus indicating a possible association between these two factors. The potential
manipulation and restoration of the intestinal microbiota can serve as a promising way to
improve gastrointestinal and behavioral manifestations in individuals diagnosed with
ASD. Fecal/microbiota transplantation has demonstrated the ability to correct dysbiosis
within the gut microbiota, thereby promoting the establishment of a more favorable
microbial composition. This modification approach has the potential to emerge as a viable
therapeutic intervention for individuals with autism in the future, thereby improving the
general well-being of a substantial number of patients. The present work aims to carry
out a literature review on the quality of the intestinal microbiota in individuals with
Autistic Spectrum Disorder. Therefore, a narrative review of the literature was carried out
on the alteration of the microbiota in individuals with Autistic Spectrum Disorder. It is
concluded that the bidirectional brain-gut-microbiota axis plays a significant role in both
the development and worsening of clinical symptoms associated with ASD. In order to
improve the quality of life of a specific subset of individuals with ASD, certain
therapeutic approaches, such as the administration of pro- and prebiotics, as well as
fecal/microbiota transplantation, have demonstrated favorable results.
Keywords: Gastrointestinal Microbiome, Nutrition, Autism Spectrum Disorder.

INTRODUÇÃO

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma síndrome comportamental que


afeta o desenvolvimento de habilidades motoras e processos psiconeurológicos,
resultando em desafios de cognição, linguagem e interação social para os indivíduos
afetados. O início típico dessa condição ocorre nos primeiros três anos de vida e os
sintomas exibidos podem variar dependendo do nível de comprometimento. Uma
característica fundamental dessa condição é a interrupção da interação social1.
3

De acordo com um estudo realizado pela Universidade de São Paulo2 em 2015,


estimou-se que aproximadamente 2 milhões de indivíduos no Brasil, de uma população
total de 200 milhões, sejam afetados pelo autismo.
Apesar da compreensão limitada da etiologia precisa do Transtorno do Espectro
do Autismo (TEA), uma extensa pesquisa foi realizada nos últimos anos, produzindo
resultados e conjecturas que contribuem para desvendar as complexidades dessa
condição. Nos últimos anos, investigações acadêmicas elucidaram a correlação entre a
microbiota intestinal e o cérebro em indivíduos diagnosticados com autismo ou outros
distúrbios neurológicos. Uma proporção substancial de indivíduos diagnosticados com
Transtorno do Espectro Autista (TEA) apresenta problemas gastrointestinais notáveis que
coincidem com suas alterações neurológicas. Existe uma associação notável entre os
sintomas gastrointestinais observados em indivíduos diagnosticados com Transtorno do
Espectro Autista (TEA) e a extensão da gravidade do TEA, bem como seus
comportamentos sociais3.
No mesmo sentido, segundo Prosperi et al. (2017), indivíduos que apresentam alto
grau de seletividade em relação à mudança também tendem a apresentar certas barreiras
para abraçar novas experiências alimentares. Isso, por sua vez, pode levar a um estado
nutricional insuficiente e, posteriormente, dar origem a vários distúrbios gastrointestinais.
Crianças diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) podem apresentar
vários sintomas, incluindo cólicas, vômitos, flatulência e seletividade alimentar, o que
pode potencialmente levar a efeitos prejudiciais, como a perda de nutrientes vitais4.
Dado o potencial desta doença para induzir uma condição multifacetada em
crianças, é imperativo implementar intervenções nutricionais adequadas e eficazes que
promovam o crescimento e melhorem o bem-estar geral dos indivíduos afetados. A
adoção de um regime alimentar saudável assume extrema importância, pois não só
promove a saúde física e mental, mas também facilita a comunicação, atenção e melhora
da hiperatividade5.
Nesta circunstância particular, é imperativo considerar a qualidade da microbiota
intestinal como um dos fatores contribuintes. Foi observada uma interação entre os
microrganismos residentes no trato gastrointestinal (TGI) e o cérebro em
desenvolvimento6. Este conceito possibilita uma abordagem terapêutica para abordar
diversas questões neurocomportamentais, inclusive aquelas observadas em indivíduos
com autismo. A presença de bactérias no trato gastrointestinal (TGI) pode levar a um
4

desequilíbrio no eixo cérebro-intestino, resultando em alterações nas funções cognitivas


e comportamentais7.
O termo microbiota engloba o conjunto coletivo de microrganismos fúngicos,
bacterianos e arqueogênicos que habitam várias regiões do corpo humano, incluindo a
cavidade oral, pele, trato gastrointestinal, trato vaginal e trato respiratório8. O termo
"microbiota" engloba a coleção completa de organismos que residem no corpo humano,
enquanto o microbioma influencia a atividade de todos os genes expressos por esses
microrganismos9. O intestino grosso abriga a proporção mais substancial da microbiota.
O trato gastrointestinal é conhecido por abrigar aproximadamente 1000 espécies de
bactérias10,11.
A interação entre uma microbiota entérica saudável e o metabolismo humano é
conhecida por ter vários efeitos benéficos. Isso inclui melhorar a função imunológica,
fornecer proteção contra patógenos, metabolizar carboidratos não digeríveis, sintetizar
substâncias antimicrobianas e vitaminas essenciais, promover a angiogênese e fortalecer
a barreira intestinal por meio do aumento da síntese de mucina12. Vuong et al.13
descobriram que a composição da microbiota exibe variações com base em fatores como
padrões alimentares, idade, condições ambientais compartilhadas, estados de doença e
localizações geográficas.
A microbiota exibe uma correlação direta com o bem-estar geral de um indivíduo.
Alterações na composição da microbiota gastrointestinal levam a um aumento de
bactérias patogênicas, perturbando assim o equilíbrio das populações microbianas dentro
do hospedeiro. A condição caracterizada por um desequilíbrio de microorganismos,
conhecida como disbiose, tem sido amplamente documentada como um fator
significativo no desenvolvimento de distúrbios metabólicos cardiovasculares,
neuroimunes e neurocomportamentais14.
Pesquisas emergentes indicam que um desequilíbrio na comunidade microbiana,
conhecido como disbiose, entre indivíduos diagnosticados com Transtorno do Espectro
do Autismo (TEA) pode potencialmente desempenhar um papel na manifestação de
sintomas gastrointestinais e do sistema nervoso central. Portanto, as investigações
acadêmicas têm se concentrado principalmente nas alterações observadas na microbiota
intestinal como um potencial fator de risco em indivíduos com predisposição genética
para o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA). Postula-se que essas modificações na
microbiota intestinal exercem influência na suscetibilidade ao TEA, afetando tanto o
sistema imunológico quanto o metabolismo. O corpo de pesquisa existente explorando a
5

correlação potencial entre disbiose e autismo levou ao discurso acadêmico sobre a


proliferação aumentada de cepas bacterianas específicas, com ênfase particular no gênero
Clostridium. Uma indicação que suporta a associação potencial entre esse gênero
bacteriano e o transtorno do espectro do autismo (TEA) foi observada quando os
pesquisadores observaram uma melhora notável nos sintomas gastrointestinais e no
comportamento social em indivíduos com TEA após a administração de vancomicina, um
antibiótico conhecido por sua absorção limitada no organismo. sistema gastrointestinal e
eficácia contra a infecção por Clostridium. No entanto, após a interrupção da
vancomicina, o indivíduo apresentou uma recorrência de problemas e sintomas
idênticos15.
De acordo com a Associação Brasileira de Colite Ulcerosa e Doença de Crohn16 a
composição da microbiota pode ser significativamente influenciada pelas escolhas
alimentares. Para manter uma microbiota saudável, recomenda-se seguir uma dieta bem
balanceada que inclua uma ingestão generosa de frutas, verduras e legumes, minimizando
o consumo de gorduras saturadas e carne vermelha.
Dadas as considerações acima, é evidente que a realização de pesquisas sobre a
microbiota associada ao autismo tem uma importância significativa. Esses estudos visam
equipar os profissionais médicos com uma compreensão mais abrangente, permitindo-
lhes tomar decisões informadas sobre essa população específica de pacientes. O objetivo
final é desenvolver estratégias que possam melhorar a composição e estabilidade da
microbiota intestinal em indivíduos com Transtorno do Espectro Autista (TEA),
garantindo melhorias duradouras e substanciais em seu bem-estar geral. Obter
informações sobre a correlação entre a microbiota e o autismo, bem como explorar
possíveis abordagens para corrigir a disbiose da microbiota intestinal, promete melhorar
o bem-estar geral e mitigar o ônus econômico associado a essa condição.
Esse projeto tem como objetivo realizar uma revisão de literatura sobre a
qualidade da microbiota intestinal em indivíduos com Transtorno do Espectro Autista.

MATERIAL E MÉTODOS

O presente estudo é uma revisão narrativa de literatura sobre a alteração da


microbiota em indivíduos com Transtorno do Espectro Autista. A pesquisa ocorreu
através do acesso online na base de dado National Library of Medicine
6

(PubMed/MEDLINE) nos meses de junho de 2023 e agosto de 2023. Para a busca dos
artigos científicos foram utilizados os seguintes descritores em inglês: "Gastrointestinal
Microbiome”, "Nutrition”, " Autism Spectrum Disorder” e em português: "Microbiota
Intestinal", "Nutrição”, "Transtorno do Espectro Autista”.
Como critérios de inclusão, foram considerados relatos de casos clínicos e
revisões bibliográficas sobre alteração da microbiota em indivíduos com Transtorno do
Espectro Autista. Outros critérios de inclusão foram: artigos escritos em inglês ou
espanhol, artigos publicados no período de 2019 a julho de 2023, e artigos que
permitissem o acesso integral ao conteúdo. Os critérios de exclusão serão artigos
contendo apenas resumos, artigos que foram escritos em outras línguas que não fosse
inglês, espanhol e português e que não abordassem o tema na íntegra.
A estratégia de seleção dos artigos seguiu as seguintes etapas: busca na base de
dado; leitura dos títulos de todos os artigos encontrados e exclusão daqueles que não
abordavam o assunto; leitura crítica dos resumos dos artigos e leitura na íntegra dos
artigos selecionados nas etapas anteriores. Assim, foram identificados inicialmente 197
artigos na base citada. Após avaliação e aplicação dos critérios de inclusão e exclusão,
foram selecionados 12 artigos científicos que atendiam os critérios de inclusão e exclusão
descritos anteriormente.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O transtorno do espectro autista (TEA) é um transtorno do neurodesenvolvimento


que afeta 1 em cada 160 pessoas no mundo. Embora haja uma forte hereditariedade
genética para o TEA, agora é aceito que fatores ambientais podem desempenhar um papel
em seu aparecimento. Como a prevalência de sintomas gastrointestinais (GI) é quatro
vezes maior em pacientes com TEA, a potencial implicação da microbiota intestinal nesse
distúrbio está sendo cada vez mais estudada17.
De acordo com Roussin et al.17, uma composição perturbada da microbiota foi
demonstrada em pacientes com TEA, acompanhada por produção alterada de metabólitos
bacterianos. Os primeiros dados suportam um envolvimento do sistema imunológico e do
metabolismo do triptofano, tanto no intestino quanto no sistema nervoso central. Além
disso, alguns estudos clínicos e um número maior de estudos pré-clínicos descobriram
7

que a modulação da microbiota por meio de tratamentos com antibióticos e probióticos,


ou transplante de microbiota fecal, poderia melhorar o comportamento.
A alteração do eixo microbiota-intestino-cérebro foi recentemente reconhecida
como um modulador crítico da saúde neuropsiquiátrica e um possível fator na
etiopatogenia dos transtornos do espectro do autismo (TEA). Prosperi et al.18 referem em
seus estudos que nos últimos anos, vários estudos que examinaram terapias que atuam no
eixo microbiota-intestino-cérebro como prebióticos, probióticos e transplante de
microbiota fecal (FMT) mostraram melhorias em alguns sintomas gastrointestinais e
alguns sintomas psiquiátricos em indivíduos com TEA. Deve-se notar que esses
tratamentos são facilmente administrados, com efeitos colaterais limitados e baixos
custos.
Liu et al.19 referem que a mudança geral da comunidade bacteriana intestinal em
termos de diversidade foi consistentemente observada em pacientes com TEA. Observou-
se alterações significativas da microbiota intestinal em pacientes com TEA, fortalecendo
a evidência de que a disbiose da microbiota intestinal pode se correlacionar com
anormalidades comportamentais em pacientes com TEA.
Através das observações de Ding et al.20, foi possível verificar que a presença de
Erysipelotrichaceae, Faecalibacterium e Lachnospiraceae não identificadas foi
positivamente correlacionada com a gravidade do TEA. Notavelmente, três marcadores
microbianos (Faecalitalea, Caproiciproducens e Collinsella) foram identificados em um
modelo de floresta aleatória com uma área sob a curva (AUC) de 0,94 para diferenciação
entre controle saudáveis e pacientes com TEA. Além disso, o modelo de validação foi
consistente com o conjunto de descoberta (AUC = 0,98, 95% CI: 97,9%-100%). Os
conjuntos de treinamento e teste foram mais eficazes quando o número de bactérias foi
aumentado. Além disso, as propriedades funcionais (como metabolismo da galactose,
atividade da glicosiltransferase e metabolismo da glutationa) apresentaram diferenças
significativas entre os grupos TEA e controle saudável. O estudo atual fornece evidências
para a relação entre a microbiota intestinal e o TEA, com as descobertas sugerindo que a
microbiota intestinal pode contribuir para a sintomatologia. Assim, a modulação da
microbiota intestinal pode ser uma nova estratégia terapêutica para TEA.
Ma et al.21 demonstrou em seu estudo que o grupo TEA mostrou menos
diversidade e riqueza da microbiota intestinal do que o grupo neurotípico, conforme
estimado pelo índice estimador de cobertura baseado em abundância e pelo índice de
diversidade filogenética. A análise da diversidade beta mostrou uma estrutura da
8

comunidade microbiana alterada no grupo TEA. Após o ajuste para fatores de confusão e
correções de testes múltiplos, nenhuma diferença significativa de grupo foi encontrada na
abundância relativa da microbiota no nível do filo. No nível familiar, as crianças com
TEA tiveram uma menor abundância relativa de Acidaminococcaceae do que os controles
saudáveis. Além disso, uma diminuição na abundância relativa dos gêneros
Lachnoclostridium, Tyzzerella subgrupo 4, Flavonifractor e Lachnospiraceae não
identificada foi observada no grupo TEA. Este estudo fornece mais evidências de disbiose
microbiana intestinal em TEA e lança luz sobre as características do microbioma
intestinal de crianças autistas.
Bezawada et al.22 concluíram em seus estudos que as alterações na microbiota
intestinal observadas no TEA podem ter um papel causal e perpetuar os sintomas
gastrointestinais ou podem simplesmente ser um fator de confusão causado pela restrição
alimentar. Crianças com autismo muitas vezes sofrem de uma variedade de sintomas
gastrointestinais, incluindo diarreia, dor abdominal, constipação e refluxo
gastroesofágico. As estimativas da prevalência de tais sintomas variam de 9 a 91% entre
os estudos. Pesquisas verificaram que havia um risco três vezes maior de sintomas
gastrointestinais em crianças com TEA do que naquelas sem. E sugeriram que alterações
na composição da microbiota intestinal em crianças com TEA podem contribuir para
sintomas gastrointestinais e neurológicos. Deste modo, como a microbiota intestinal
desempenha um papel na fisiopatologia, pode haver espaço para novos tratamentos por
meio de sua manipulação por terapia microbiana.
Os achados de Coretti et al.23 sustentam a alteração global do equilíbrio da
estrutura da microbiota intestinal em crianças com TEA, incluindo anormalidades na
colonização temporal por B. longum e F. prausnitzii. O desenvolvimento paralelo entre
estrutura da microbiota intestinal e os circuitos cerebrais, especialmente aqueles
necessários para a cognição social e emocional, sugere fortemente um papel d estrutura
da microbiota intestinal e seus metabólitos nos sintomas e progresso do TEA.
Srikantha et al.24 explicam que a correlação mútua entre TEA e alterações na
microbiota foi indubitavelmente confirmada por muitos estudos em animais e humanos.
Observou-se mudanças significativas na composição microbiana da população autista.
Mudanças frequentemente observadas em crianças com TEA foram uma diversidade
bacteriana geralmente diminuída em comparação com as populações de controle e a
proporção significativamente menor de Bacteroidetes para Firmicutes. Abundâncias
elevadas de Clostridiums em indivíduos autistas correlacionam-se com a gravidade do
9

comportamento autista. Uma explicação evolutiva de porque a microbiota modula no


comportamento é, quanto mais social for o hospedeiro, mais os micróbios podem se
espalhar pela sociedade.
Em estudo promovido por Ristori et al.25 foi observado que crianças com TEA são
caracterizadas por uma forte seletividade alimentar que, consequentemente, influencia
profundamente a composição de sua microbiota intestinal. De fato, um aumento de ácidos
graxos de cadeia curta e bactérias produtoras de 5'-HT foi observado em vários estudos
em pacientes com TEA. Níveis aumentados de 5'-HT resultam em uma modulação
diferente do metabolismo de 5'-HT no hospedeiro, levando à depleção de triptofano e
hiperserotoninemia, o que pode afetar os sintomas gastrointestinais. Além disso, alguns
TEAs são ainda caracterizados por níveis mais elevados de permeabilidade intestinal que
permitem a difusão passiva de lipopolissacarídeos derivados de bactérias (LPS) e
metabólitos através da barreira intestinal. Como consequência, observou-se aumento de
citocinas pró-inflamatórias (por exemplo, IL-1B, IL-6, IL-8 e IL-12p40), que estão
associadas a comprometimento da comunicação social e distúrbios do
neurodesenvolvimento.
Muitas crianças com TEA apresentam anormalidades na fisiologia gastrointestinal
(GI), incluindo aumento da permeabilidade intestinal, alterações gerais da microbiota e
infecção intestinal. Além disso, eles são "comedores exigentes" e a existência de padrões
sensoriais específicos em pacientes com TEA pode representar um dos principais aspectos
que dificultam a alimentação. Os distúrbios gastrointestinais estão associados a uma
composição alterada da microbiota intestinal. O microbioma intestinal é capaz de se
comunicar com as atividades cerebrais por meio de moléculas de sinalização derivadas
da microbiota, mediadores imunológicos, hormônios intestinais, bem como neurônios
aferentes vagais e espinhais. Uma vez que a dieta induz alterações na microbiota intestinal
e na produção de moléculas26.
Liu et al19 observaram em seus estudos que tanto os ensaios clínicos quanto os
estudos pré-clínicos mostraram mudanças significativas na composição da microbiota
intestinal em crianças e animais com TEA. Os níveis de gênero e espécie da microbiota
intestinal no TEA também foram anormais, incluindo Bifidobacterium, Lactobacillus,
Bacteroides, Clostridium, Vibrio desulfurization, Akkermansia, Roseburia, Atopobium,
Enterobacter, Dorea, Sutterella, Ruminococcus e assim por diante. A terapia de
transferência de microbiota (MTT) é considerada um tratamento potencial para modular
distúrbios na microbiota intestinal e aliviar os sintomas comportamentais e
10

gastrointestinais do TEA. O transplante de microbiota fecal (FMT) é uma etapa crítica. O


tratamento com FMT poderia melhorar o comportamento social, restaurar o equilíbrio de
Clostridium faecalis e afetar a bioquímica neural. No final do tratamento, os déficits
comportamentais e os sintomas gastrointestinais foram melhorados, e a diversidade da
microbiota intestinal e a abundância de bactérias benéficas aumentaram. Até o momento,
a eficácia da terapia com microbiota no TEA realmente alcançou alguns resultados
encorajadores.
A descoberta e compreensão da conexão entre a microbiota e o TEA é
especialmente importante para encontrar novas opções de tratamento para esta doença. O
tratamento do comportamento autista baseado em alterações da composição microbiana,
como probióticos e transferência de microbiota fecal, mostrou resultados promissores. A
administração de probióticos resultou em melhora de problemas gastrointestinais
comórbidos ou estimulação da produção de oxitocina, influenciando positivamente o
comportamento social. Especialmente, as transferências de microbiota fecal melhoraram
significativamente os sintomas comportamentais do TEA e os problemas gastrointestinais
em crianças autistas24.
Fattorusso et al.27 dissertam que a análise da literatura em sua pesquisa
possibilitou demonstrar que a disbiose intestinal no TEA foi amplamente demonstrada;
no entanto, não existe um perfil único e distinto da composição da microbiota em pessoas
com TEA. A disbiose intestinal pode contribuir para o estado inflamatório sistêmico de
baixo grau relatado em pacientes com comorbidades gastrointestinais. A administração
de probióticos (principalmente uma mistura de Bifidobactérias, estreptococos e
lactobacilos) é o tratamento mais promissor para sintomas neurocomportamentais e
disfunção intestinal, mas os ensaios clínicos ainda são limitados e heterogêneos.
Ainda com relação as alternativas para tratamento Mehra et al.28 explicam que o
tratamento de infecções gastrointestinais pode ser administrado pelo uso de antibióticos,
pois eles tendem a alterar a composição da microbiota intestinal. Pesquisas sugerem que
a exposição precoce a antibióticos pode desencadear o autismo, mas há certos resultados
em que os antibióticos serviram como tratamento para o autismo, como os
aminoglicosídeos, que ajudam a aliviar os sintomas do autismo até certo ponto. A hipótese
apresentada por alguns pesquisadores é que os antibióticos aminoglicosídeos poderiam
melhorar os sintomas do autismo, corrigindo a mutação prematura do códon de parada
em um hipotético gene polimórfico ligado ao autismo.
11

Outra metodologia de tratamento elencada pelos autores é a técnica FMT, na qual


a microbiota fecal de um ser humano saudável é transferida para um paciente que sofre
de disbiose intestinal. A técnica FMT atua como uma rica fonte de milhares de espécies
bacterianas que são congênitas ao intestino em comparação com o tratamento probiótico
que contém apenas algumas espécies bacterianas encontradas na cultura do leite. O
tratamento com FMT ajuda a erradicar a infecção perene por Clostridium difficile e é uma
abordagem terapêutica encorajadora para combater doenças inflamatórias crônicas, como
sensibilidade à insulina e doença inflamatória intestinal (DII). Além disso, pesquisas
indicam que o FMT pode melhorar os sinais e sintomas de constipação e normalizar a
microflora intestinal em pacientes que sofrem de DII e síndrome inflamatória intestinal
(SII)28.
A terapia com probióticos tem sido proposta como um tratamento não
farmacológico que pode diminuir o grau de TEA e sintomas relacionados ao trato
gastrointestinal. É recomendado como terapia adjuvante em crianças com TEA, pois não
possui efeitos colaterais potenciais. A literatura sugere que os pacientes que sofrem de
TEA sofrem frequentemente de queixas do trato gastrointestinal e postula-se que os
probióticos podem ser usados para tratar a inflamação intestinal, reduzir os sintomas
gastrointestinais em crianças com DII e melhorar os sintomas comportamentais em
crianças com autismo28.
Por fim, os autores ressaltam que uma intervenção dietética possui grande
eficiência. Muitos fatores ambientais podem afetar o eixo microbiota-intestino do
cérebro, um dos quais é a ingestão diária de alimentos. Os alimentos podem alterar a
composição da microbiota intestinal e influenciar os metabólitos séricos, modulando
assim a atividade cerebral no hospedeiro. Portanto, muitos suplementos alimentares
podem restaurar o equilíbrio microbiano no intestino e ter efeitos terapêuticos nos déficits
relacionados ao TEA. Atualmente, uma variedade de intervenções dietéticas está em uso,
incluindo dieta livre de glúten e caseína, dieta cetogênica, ácido fólico B12, minerais como
magnésio e ácidos graxos ômega-328.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta revisão forneceu evidências que potencialmente suportam a hipótese de uma


correlação entre a disbiose intestinal e a exacerbação do Transtorno do Espectro do
12

Autismo. Vários estudos têm sido realizados para demonstrar a presença de deficiências
nutricionais nesses pacientes, especificamente relacionadas à seletividade alimentar.
Verificou-se que esse comportamento alimentar seletivo perturba o equilíbrio da
microbiota intestinal, contribuindo potencialmente para o desenvolvimento e exacerbação
da disbiose.
A exacerbação das manifestações habituais do Transtorno do Espectro do Autismo
(TEA) pode estar ligada à disbiose, que decorre do surgimento de uma resposta
inflamatória na mucosa intestinal e subsequente aumento da permeabilidade intestinal.
Esses fatores contribuem para alterações neurológicas, metabólicas e comportamentais
comumente atribuídas à apresentação clínica do TEA.
A investigação e aplicação de intervenções visando a restauração da microbiota
intestinal, incluindo a utilização de pró e prebióticos, bem como o transplante
fecal/microbiota, têm recebido atenção significativa no contexto de indivíduos
diagnosticados com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Esses tratamentos exibiram
resultados promissores, particularmente em termos de melhora das manifestações
gastrointestinais e neurocomportamentais.
Em conclusão, pode-se determinar que o eixo bidirecional cérebro-intestino-
microbiota desempenha um papel significativo tanto no desenvolvimento quanto no
agravamento dos sintomas clínicos associados ao Transtorno do Espectro do Autismo
(TEA). A fim de melhorar a qualidade de vida de um subconjunto específico de indivíduos
com Transtorno do Espectro Autista (TEA), certas abordagens terapêuticas, como a
administração de pró e prebióticos, bem como o transplante fecal/microbiota,
demonstraram resultados favoráveis. No entanto, é imperativo realizar ensaios clínicos
meticulosamente planejados que sigam padrões rigorosos, incluindo metodologia duplo-
cego, randomização e projetos controlados por placebo, a fim de estabelecer a eficácia
dessas intervenções.

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