A responsabilidade civil no âmbito do Direito de Família não se limita
às relações matrimoniais ou de união estável, estendendo-se à parentalidade, englobando as relações entre pais e filhos. Um exemplo dessa aplicação é a responsabilidade civil por abandono afetivo, também conhecido como abandono paterno-filial ou teoria do desamor.
Esta responsabilidade decorre do princípio da solidariedade social
ou familiar, expresso no art. 3º, inc. I, da Constituição Federal, sendo aplicado imediatamente a uma relação privada. Segundo Rodrigo da Cunha Pereira, o exercício da paternidade e maternidade é um bem indisponível para o Direito de Família, cuja negligência deliberada acarreta sérias repercussões psíquicas, justificando a intervenção legal e imposição de sanções.
O jurista fundamenta a reparabilidade dos danos sofridos na
dignidade da pessoa humana, destacando que o Direito de Família deve ser congruente com esse princípio, exigindo cuidado e responsabilidade nas relações familiares, independentemente da natureza do vínculo parental. A omissão voluntária em conviver com o filho, conforme Pereira, viola o princípio da dignidade humana, dando ensejo à possibilidade de indenização.
Além dos danos morais, o jurista sugere a consideração de uma
indenização suplementar pela perda da chance de convivência com o pai. Rodrigo da Cunha Pereira, presidente Nacional do IBDFAM, teve participação na primeira ação judicial que reconheceu a indenização extrapatrimonial por abandono filial, conhecida como caso Alexandre Fortes. Nessa ocasião, o Tribunal de Alçada de Minas Gerais condenou um pai a pagar indenização por danos morais ao filho, fundamentando a decisão nos princípios da dignidade da pessoa humana e da afetividade.
A professora Gisele Maria Fernandes Novaes Hironaka, renomada
jurista do Direito de Família e Responsabilidade Civil, também endossa a possibilidade de indenização em casos semelhantes, alinhando-se ao entendimento firmado no julgado mineiro. A responsabilidade dos pais, sob a ótica contemporânea do Direito de Família, consiste em proporcionar o desenvolvimento e a liberdade dos filhos, rompendo com a antiga visão patriarcal. Essa compreensão destaca a importância de atender às necessidades emocionais dos filhos, estabelecendo laços afetivos positivos na vida familiar.
No entanto, uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ)
reformou uma decisão anterior do Tribunal de Minas Gerais, afastando a obrigação de indenizar por abandono afetivo. O STJ argumentou que a reparação por dano moral requer a prática de um ato ilícito, e o abandono afetivo não seria passível de compensação financeira.
Essa decisão do STJ não encerrou o debate sobre a indenização por
abandono afetivo na doutrina. Para alguns, especialmente se houver um dano psíquico comprovado por meio de prova psicanalítica, deve-se reconhecer o dever de indenizar em tais casos.
O desrespeito ao dever de convivência, expresso no art. 1.634 do
Código Civil, que atribui aos pais a direção da criação dos filhos e o dever de tê-los em sua companhia, e no art. 229 da Constituição Federal, que estabelece o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, configura um ato ilícito conforme o art. 186 do Código Civil, caso cause danos.
Em 2012, o Superior Tribunal de Justiça revisou sua posição anterior
sobre a reparação civil pelo abandono afetivo no caso Luciane Souza. A decisão afirmou que não existem restrições legais à aplicação das normas de responsabilidade civil no Direito de Família, reconhecendo a possibilidade de compensação por dano moral em casos de abandono afetivo. A Ministra Nancy Andrighi destacou a obrigação inescapável dos pais de fornecer auxílio psicológico aos filhos, fundamentando a presença do ilícito e da culpa do pai pelo abandono.
A julgadora enfatizou a ideia de "amar é faculdade, cuidar é dever",
indicando que o cuidado como valor jurídico objetiva justifica a compensação por danos morais decorrentes do abandono afetivo. O Tribunal reduziu o quantum reparatório fixado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, exemplificando a aplicação do princípio da solidariedade e a função pedagógica da responsabilidade civil.
Espera-se que esse posicionamento prevaleça na jurisprudência,
visando desencorajar futuros casos de abandono. No entanto, ainda há divergências jurisprudenciais, com alguns casos reconhecendo o ato ilícito e o dever de indenizar, enquanto outros o afastam. Por exemplo, um acórdão estadual reconheceu o abandono afetivo e reduziu a indenização, considerando o período de não abandono. Outro julgado reconheceu indenização por abandono materno-filial, destacando o desfazimento da afetividade ao longo dos anos.
No cenário jurídico, há divergências quanto à possibilidade de
indenização por abandono afetivo. Algumas decisões, alinhadas à primeira orientação do Tribunal da Cidadania, afirmam que o abandono afetivo não configura um ato ilícito passível de reparação, baseando-se no pressuposto do art. 186 do Código Civil.
Pesquisas recentes indicam que, predominantemente, nos
julgamentos estaduais, as decisões tendem a afastar a indenização por abandono afetivo, principalmente devido à falta de prova do dano e do nexo de causalidade. Para reverter essa conclusão, é recomendável formular pedidos de maneira clara, incluindo a instrução ou realização de prova psicossocial do dano sofrido pela vítima.
Mesmo no Superior Tribunal de Justiça (STJ), existem acórdãos que
não admitem a reparação de danos por abandono afetivo antes do reconhecimento da paternidade. No entanto, essa posição não é compartilhada por todos, havendo divergências de entendimento.
Cabe ressaltar o caso emblemático julgado pelo STJ no Recurso
Especial 1.159.242/SP, que reconheceu a possibilidade de indenização por abandono afetivo. A autora da ação, Luciane Souza, buscava, segundo entrevista, apenas um mínimo de atenção de seu pai, algo que nunca foi alcançado. A decisão do STJ representa uma abertura para casos similares, compensando perdas imateriais irreparáveis sofridas por filhos abandonados afetivamente. As palavras do autor refletem a importância da indenização para vítimas desse tipo de abandono.
A responsabilidade civil na parentalidade também pode surgir em
casos de alienação parental, caracterizada pela interferência na formação psicológica da criança ou adolescente promovida por um dos genitores. A alienação pode envolver desqualificação do outro genitor, dificuldade no exercício da autoridade parental, restrições ao contato entre a criança e o genitor alienado, omissão de informações relevantes, apresentação de falsas denúncias e mudança de domicílio sem justificativa para dificultar o convívio.
A Lei n. 12.318/2010, conhecida como Lei da Alienação Parental,
define o ato de alienação parental e enumera situações específicas. Além de prejudicar o direito fundamental da criança à convivência familiar saudável, a prática de alienação parental configura abuso moral, sendo considerada descumprimento dos deveres inerentes à autoridade parental.
A responsabilidade civil do alienador, por abuso de direito, é objetiva,
não dependendo de culpa, conforme o Enunciado n. 37 da I Jornada de Direito Civil. A alienação parental, ao ultrapassar os limites estabelecidos pela Constituição Federal e pelo Código Civil, pode resultar em responsabilização civil, sendo uma forma de abuso de direito.
A jurisprudência e a doutrina reconhecem a natureza objetiva da
responsabilidade civil na alienação parental, desconsiderando a necessidade de culpa ou dolo. A Lei da Alienação Parental estabelece procedimentos prioritários para casos em que haja indício desse tipo de comportamento, visando proteger o direito da criança à convivência familiar saudável.
A Lei da Alienação Parental (Lei n. 12.318/2010) estabelece medidas
para preservar a integridade psicológica da criança ou adolescente em casos de alienação parental. O juiz, ouvido o Ministério Público, pode adotar medidas para garantir a convivência da criança com o genitor, incluindo visitação assistida, exceto em situações de risco iminente à integridade física ou psicológica, devidamente atestado por profissional designado pelo juiz. Em casos de indício de alienação parental, o juiz pode determinar perícia psicológica ou biopsicossocial, com prazo de 90 dias para apresentação do laudo. O laudo deve considerar entrevistas com as partes, exame de documentos, histórico do relacionamento do casal, cronologia de incidentes, avaliação da personalidade dos envolvidos e a manifestação da criança sobre as acusações contra o genitor.
O art. 6° da Lei da Alienação Parental prevê que, comprovada a
alienação parental, o juiz pode adotar diversas medidas, como declarar a ocorrência da alienação, advertir o alienador, ampliar o regime de convivência familiar, estipular multa, determinar acompanhamento psicológico, alterar a guarda para compartilhada, fixar cautelarmente o domicílio da criança e declarar a suspensão da autoridade parental.
Quanto à responsabilização civil do alienador, alguns casos
jurisprudenciais reconhecem a indenização por danos morais. Exemplos incluem situações em que a alienação parental é comprovada, causando danos psicológicos às crianças, com hostilidades constantes e afirmações infundadas contra o genitor alienado. Em tais casos, tribunais têm mantido decisões que reconhecem a existência do dano moral e determinam a responsabilização do alienador.
O último caso analisado destaca uma situação peculiar de alienação
parental entre irmãs, denominada como "alienação parental ao inverso." O reconhecimento dessa prática configura um dever de indenizar, conforme jurisprudência apresentada.
Para que a responsabilização civil do alienador seja efetiva, é
imprescindível comprovar o dano sofrido pelo filho, demandando estudos psicossociais específicos para avaliar seu estado psíquico. Um julgamento do Tribunal do Distrito Federal ressalta a necessidade de avaliação imparcial nesses estudos, alertando que a documentação unilateral produzida pelo pai não é suficiente para reparação por danos morais. O trecho final destaca que a indenização por danos morais não deve servir como mecanismo de censura comportamental, sugerindo a resolução de conflitos por meio de diálogo sem intervenção estatal.
Além disso, para estabelecer a responsabilidade civil do alienador, é
crucial comprovar o nexo de causalidade entre o prejuízo sofrido e suas ações. Em um caso específico, o Tribunal gaúcho enfatiza que o atraso no pagamento de pensão alimentícia por parte do alimentante não caracteriza automaticamente alienação parental. Quanto ao dolo e à culpa, o autor defende a aplicação da teoria objetiva, dispensando a prova desses elementos, devido à presença do abuso de direito na alienação parental, conforme o art. 187 do Código Civil de 2002.
2 Processo
Os meios de impugnação às decisões judiciais são categorizados
em recursos e ações autônomas. Recurso, no contexto brasileiro, é definido como um remédio voluntário capaz de provocar, dentro da mesma relação jurídica processual, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração de uma decisão judicial. Esta concepção contrasta com a visão de José Carlos Barbosa Moreira, que enfatiza que o recurso, no direito processual civil brasileiro, é um remédio voluntário apto a promover, dentro do mesmo processo, a reforma, invalidação, esclarecimento ou integração de uma decisão judicial impugnada, destacando que isso ocorre dentro do mesmo processo, não necessariamente dos mesmos autos.
O texto aborda a distinção entre princípios e regras no contexto
jurídico. Enquanto as regras prescrevem condutas de forma específica e com sanções claras para o descumprimento, os princípios são normas jurídicas expressas ou não, presentes no ordenamento, que moldam valores para diversas situações e exigem uma interpretação mais flexível. Destaca-se que os princípios possibilitam a ponderação de valores e interesses, enquanto as regras não permitem flexibilidade, exigindo cumprimento integral. A coexistência e ponderação dos princípios em casos de conflito são ressaltadas, contrastando com a natureza antinômica das regras. J. J. Gomes Canotilho destaca que os princípios são normas jurídicas impositivas de otimização, permitindo o balanceamento de valores e interesses, enquanto as regras são normas que prescrevem imperativamente uma exigência. O texto ainda menciona a função jurisdicional na construção da norma, a importância do precedente judicial e a tendência do novo Código de Processo Civil em evitar a não admissibilidade dos recursos, direcionando os processos para o julgamento de mérito.
Os princípios que regem os recursos no processo civil, destacando
uma peculiaridade interessante. Enquanto áreas como o Direito Civil e Comercial, predominantemente vinculadas ao Direito Privado, possuem princípios explicitamente definidos na legislação (cláusulas gerais, como os arts. 421 e 422 do CC/2002), o Direito Processual Civil, pertencente ao âmbito do Direito Público e caracterizado por maior formalismo, opera com princípios que não são positivados. Esses princípios são identificados por meio de uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico.
Dentre os princípios mencionados, merecem destaque o princípio do
duplo grau de jurisdição, o princípio da taxatividade dos recursos, o princípio da unirrecorribilidade e, em certa medida, o princípio da fungibilidade. Este último é abordado em relação a algumas disposições do CPC/2015, que o aplicam explicitamente em situações como a interposição dos embargos de declaração no lugar do agravo interno e a escolha entre o recurso especial e o extraordinário (arts. 1.024, § 3.º, 1.033 e 1.032 do CPC/2015, respectivamente), juntamente com outros princípios discutidos adiante.
No contexto pós-Revolução Francesa, a preocupação com possíveis
abusos de poder por parte dos juízes levou a uma resistência inicial ao princípio do duplo grau de jurisdição. Havia receios de um tribunal elitista exercendo poder sobre os magistrados de primeira instância, refletindo uma mentalidade de casta. Essa apreensão limitou os tribunais a "cassarem" decisões, remetendo os autos para instâncias inferiores, sem a típica reforma das decisões como ocorre atualmente. O princípio do duplo grau, fundamentalmente, busca corrigir erros e imperfeições presentes nas decisões de primeira instância, admitindo um reexame que lança novas luzes sobre a matéria em disputa. No entanto, ressalta-se que a superioridade do segundo pronunciamento não é garantida na prática, apenas presumida.
Embora a Constituição de 1924 tenha sido a única a prever
expressamente o duplo grau de jurisdição, a Constituição atual de 1988 também o contempla, mas com limitações. O STF, por exemplo, conhece casos em grau de recurso ordinário e extraordinário, e a CF/1988 especifica situações em que cabe recurso ordinário ou extraordinário, além de estabelecer a irrecorribilidade das decisões do TSE, salvo contrariedade à Constituição.
É importante notar que, embora o princípio do duplo grau de
jurisdição esteja previsto na CF/1988, sua incidência não é ilimitada, sendo circunscrito por disposições constitucionais específicas. O "Art. 25. Proteção judicial" da Convenção Americana sobre Direitos Humanos é mencionado, mas sua aplicação parece focar em violações de direitos fundamentais em contextos específicos, sem consolidar a generalização desse princípio para todo o direito processual civil.
No âmbito jurídico, os autores destacam que nenhum ordenamento
permite que as partes criem recursos conforme seus interesses, o que levaria a uma prolongada indefinição nos litígios. A competência para disciplinar os recursos é reservada à lei federal, garantindo a predeterminação de sua tipificação, conforme o artigo 22, I, da CF/1988.
O autor menciona os "sucedâneos recursais", remédios que, embora
sirvam aos objetivos dos recursos, substituem-nos. Exemplos incluem a "correição parcial", o "mandado de segurança" e outros, como "remessa obrigatória", "pedido de reconsideração", "habeas corpus", "embargos de terceiro", "ação rescisória", "cautelar inominada", "reclamação" e "suspensão da liminar ou da sentença para evitar dano de difícil reparação". Certos writs constitucionais, como habeas data e mandado de injunção, não são considerados, pois não impugnam diretamente resoluções judiciais. No contexto do novo CPC, que permite às partes estipular "negócios jurídicos processuais", questiona-se se poderiam renunciar antecipadamente a recursos em transações extrajudiciais ou outros contratos, especialmente quanto à utilização das vias judiciais (arts. 190 e 200 do CPC/2015). Nas transações judiciais, é comum que as partes abram mão dos prazos para interposição de recursos, acelerando a implementação de acordos. A doutrina diverge sobre a admissibilidade dessa renúncia prévia ao direito recursal, mas há opiniões favoráveis, sustentando que as partes podem, por meio de acordo, convencionar que o processo será decidido definitivamente em uma instância específica, afastando resistências à renúncia antecipada ao direito de recorrer.
O princípio da singularidade, também conhecido como
unirrecorribilidade ou unicidade, estabelece que para cada ato judicial recorrível, o ordenamento jurídico prevê apenas um único recurso, proibindo a interposição simultânea ou cumulativa de outros recursos com o mesmo propósito de impugnar o referido ato judicial. Essa disposição era expressa no CPC de 1939, conforme o art. 809, e embora tenha sido mantida no CPC de 1973 e no de 2015, sua formulação atual depende de interpretação sistemática, encontrando-se nos arts. 496 e 994.
A aplicação desse princípio demanda uma análise cuidadosa de
decisões judiciais objetivamente complexas, como aquelas proferidas no saneamento do processo, que podem conter diversas decisões interlocutórias. Exemplos incluem a sentença que concede ou revoga a tutela antecipatória de mérito e o acórdão que possibilita recursos especiais e extraordinários.
A manutenção do princípio da unirrecorribilidade não é
comprometida mesmo diante da adoção da teoria dos "capítulos da sentença", defendida por juristas como Dinamarco, Barbosa Moreira, José Rogério Cruz e Tucci. Essa teoria destaca a autonomia de cada decisão, considerando-as como capítulos integrantes de um único ato formal, como a sentença. A relevância está em assegurar que cada decisão, mesmo integrada a um ato mais amplo, seja passível de um único recurso, respeitando a regra com suas exceções. O princípio da fungibilidade, embora não tenha previsão explícita no CPC/1973 e CPC/2015, é reconhecido pela doutrina e jurisprudência, estando presente em situações específicas. De acordo com o CPC/1939, o art. 810 tratava expressamente desse princípio, estabelecendo que, salvo má-fé ou erro grosseiro, a parte não seria prejudicada pela interposição equivocada de um recurso por outro, sendo os autos encaminhados à Câmara ou Turma competente para julgamento.
Nos cenários em que há dúvida objetiva sobre qual recurso utilizar,
divergência doutrinária ou jurisprudencial na classificação de atos judiciais, ou quando o juiz profere um pronunciamento diferente do esperado, o princípio da fungibilidade pode ser aplicado. É fundamental destacar a ausência de "erro grosseiro" nesses casos.
O CPC/2015, ao padronizar os prazos de recursos em 15 dias
(exceto embargos de declaração), reduz a relevância prática em situações como a dúvida entre agravo de instrumento e apelação, uma vez que ambos devem ser interpostos dentro do prazo estabelecido.
O novo CPC apresenta dispositivos que consagram a fungibilidade,
como o art. 1.024, § 3.º, referente aos embargos de declaração recebidos como agravo interno, exigindo complementação das razões recursais. Além disso, os arts. 1.032 e 1.033 tratam da fungibilidade entre recurso especial e recurso extraordinário, possibilitando o encaminhamento ao STJ ou STF, a depender da natureza da questão.
Embora a fungibilidade atenda a determinados requisitos, é
importante considerar que sua aplicação pode entrar em conflito com o princípio contemporâneo da instrumentalidade das formas, que busca direcionar o processo para a efetivação das pretensões legítimas apresentadas em Juízo.
O Princípio da Dialeticidade estabelece que é ônus do recorrente
fundamentar o recurso no ato da interposição. Diferentemente do processo penal, onde o recurso pode ser fundamentado posteriormente, todos os recursos no processo civil devem ser fundamentados de imediato. Isso possibilita à parte contrária oferecer sua resposta, estabelecendo o contraditório na fase recursal. A fundamentação deve ser dialética e discursiva, envolvendo a exposição dos motivos que justificam o pedido de reexame da decisão.
Esse princípio decorre da interpretação sistemática de dispositivos
do CPC/1973 e do CPC/2015, como os arts. 514, II e III; 524, I e II, 536; 540; 541, I, II e III, e parágrafo único, in fine, no CPC/1973, e arts. 1.010, II, III e IV; 1.016, II e III; 1.023; 1.028; 1.029, I, II, III e § 1.º, no CPC/2015. Na redação original do art. 531 (embargos infringentes) do CPC/1973, exigia-se que o recurso fosse interposto de modo articulado, "por artigos".
A simetria entre o decidido e o alegado no recurso é necessária,
sendo um requisito para a admissibilidade do recurso. O CPC/2015 estabelece que o recurso deve "impugnar especificamente os fundamentos da decisão recorrida" (art. 932, inc. III do CPC/2015), impedindo fundamentações genéricas desvinculadas dos fundamentos da decisão recorrida, para preservar o contraditório.
Quanto ao Princípio da Voluntariedade, o recurso é composto por
duas partes distintas sob o aspecto de conteúdo: a declaração expressa da insatisfação com a decisão (elemento volitivo) e os motivos dessa insatisfação (elemento de razão ou descritivo). A insatisfação, que gera a vontade de recorrer, é uma manifestação do princípio dispositivo na fase recursal. A exceção a esse princípio refere-se à remessa obrigatória (apelação ex officio), em que o juiz pode determinar a subida dos autos, mesmo sem a manifestação da parte interessada. A vontade de recorrer deve ser claramente expressa pela parte que busca a reforma ou invalidação do ato judicial impugnado.
O Princípio da Irrecorribilidade (em separado) das decisões
interlocutórias é um ponto de relevância na política legislativa, determinando se será ou não admitido recurso contra as decisões apresentadas ao órgão judiciário desde o início do processo. Existem duas soluções radicais opostas para esse problema: uma nega a possibilidade de impugnar qualquer interlocutória, deixando para o recurso contra a decisão final acumular todas as impugnações, independentemente da matéria; a outra torna as interlocutórias recorríveis desde o início, permitindo a revisão pelo Juízo superior questão por questão, à medida que o processo avança.
Ambos os regimes têm vantagens e desvantagens. O primeiro evita
perturbações, delongas e despesas decorrentes da reiterada interposição de recursos, mas pode prejudicar a rápida correção de erros que poderiam causar danos irreparáveis. O segundo possibilita a correção rápida de erros, mas pode acarretar inconvenientes pela necessidade de processamento contínuo.
O CPC/1973 adotou o princípio da recorribilidade ampla das
interlocutórias, estabelecendo o agravo retido como regra e o agravo de instrumento como exceção. O CPC/2015, pelo menos inicialmente, parece buscar uma via média.
O Princípio da Complementaridade estabelece que o recorrente
pode complementar a fundamentação de seu recurso já interposto se houver alteração ou integração da decisão devido ao acolhimento de embargos de declaração. Essa complementação é permitida, mas não se permite a interposição de novo recurso, a menos que a decisão modificativa ou integrativa altere a natureza do pronunciamento judicial.
A jurisprudência tradicional veda o conhecimento da apelação
interposta quando ainda pende decisão de embargos de declaração a ela opostos (apelação prematura). No entanto, o art. 1.024, § 5.º, do CPC/2015 estabelece uma exceção, indicando que se os embargos de declaração forem rejeitados ou não alterarem a conclusão do julgamento anterior, o recurso interposto pela outra parte antes da publicação do julgamento dos embargos de declaração será processado e julgado independentemente de ratificação.
O Princípio da Consumação destaca que a prática de qualquer ato
processual imediatamente produz a constituição, modificação ou extinção de direitos processuais. No contexto dos recursos, a consumação é relevante, por exemplo, para as razões de apelação, que não comportam ampliações ou modificações após sua interposição.
Em relação à impugnação no bojo de contrarrazões, o § 1.º do art.
1.009 do CPC/2015 estabelece que as questões resolvidas na fase de conhecimento, se a decisão a seu respeito não comportar agravo de instrumento, não são cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a decisão final, ou nas contrarrazões. Isso não afeta diretamente o Princípio da Unirrecorribilidade, pois esse dispositivo permite que certas questões possam ser suscitadas nas contrarrazões ou na apelação, dependendo do caso.
O Princípio da Proibição da Reformatio in Pejus visa impedir que, no
julgamento de recursos, especialmente na apelação, o órgão ad quem profira decisão mais desfavorável ao recorrente do que o provimento impugnado. Também conhecido como "princípio do efeito devolutivo" e "princípio da coisa julgada parcial", sua finalidade é evitar que o tribunal possa decidir de maneira a prejudicar a situação do recorrente, extrapolando o âmbito de devolutividade fixado com a interposição do recurso ou por não haver recurso da parte contrária.
É importante destacar que essa proibição não se relaciona ao
conhecimento de questões de ordem pública, as quais podem ser examinadas a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição, sendo até mesmo pronunciadas de ofício pelo juiz ou tribunal.
O § 3.º do art. 1.013 do CPC/2015 estabelece situações em que o
tribunal deve decidir o mérito imediatamente, inclusive reformando a sentença. Já o § 4.º do mesmo artigo dispõe que, quando o tribunal reformar uma sentença que reconheça a decadência ou a prescrição, se possível, deverá julgar o mérito, examinando as demais questões, sem determinar o retorno do processo ao juízo de primeiro grau.
O art. 488 do CPC/2015 tempera esse dispositivo, estabelecendo
que, quando possível, o juiz resolverá o mérito sempre que a decisão for favorável à parte a quem aproveitaria eventual pronunciamento nos termos do art. 485. Esse artigo busca assegurar que, nos casos em que há a possibilidade de resolver o mérito favoravelmente ao recorrente, o juiz o faça, evitando uma reforma prejudicial ao recorrente.