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Processo nº: 017/1.11.0003513-5 (CNJ:.0008697-90.2011.8.21.0017)


Natureza: Indenização por Abandono Afetivo
Autor: Julia
Réu: Antonio
Juiz Prolator: Eduardo Bonadimann Maciel
Data: 09/07/2020

Vistos, para sentença.

1. RELATÓRIO

JULIA, assistida por sua genitora FULANA DE TAL,


ajuizou a denominada Ação de indenização por danos
morais por abandono afetivo em face de ANTONIO,
ambos qualificados, aduzindo, em suma, que é filha do
requerido graças a um breve relacionamento amoroso deste
com sai genitora, sendo que o réu deste feito não
reconheceu paternidade até feito o exame de DNA. Destaca
que o réu não participou efetivamente de sua vida
pregressa, e que se ausentou em datas importantes, às
vezes até ocultando informações as quais a autora julga
importante ter conhecimento, como o nascimento de sua
irmã, ou o falecimento de seu avô.
Pediu a condenação do requerido ao
pagamento de indenização no valor de R$ 200.000,00 por
abandono afetivo.
Recebida a inicial, foi expedida carta de
citação.
Citado, o demandado apresentou contestação,
arguindo no mérito que a autora foi gerada de uma breve
relação meramente sexual, o qual não envolvia amor. Alega
não ter deixado de dar suporte e assistência afetiva e
material à autora, e que nunca desprezou sua condição de

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pai, negando o abandono, e citando datas as quais
participou do convívio com sua filha.
Alega o réu ainda que a genitora da
autora tornava ainda mais complicada a relação de pai e
filha, pois impunha regras para que ambos se encontrassem,
e além disso nega que ocultou ou sonegou qualquer
informação de sua vida pessoal.
Não houve réplica.
Deu-se vista ao Ministério Público.
Houve audiência de instrução e julgamento.
Após debates finais e memoriais escritos,
vieram então, os autos conclusos para sentença.
É o relatório.

Decido.

2. FUNDAMENTAÇÃO

Essa matéria do direito civil não possui


previsão específica, sendo construída através de
jurisprudências e doutrinas. Portanto, cabe ao juízo analisar
as circunstâncias que envolvem o fato e julgá-lo conforme o
seu entendimento.
O afeto é a interação e ligação entre as
pessoas, e essa interação tem suma importância na relação
de pais e filhos. A falta desta afetividade acarreta em
problemas tanto no âmbito material, mas no afetivo, pois os
pais não são apenas algo que sustenta pecuniariamente a
criança mas também ama, instrui, guia e criam o jovem em
geral.
O Artigo 227 da Constituição Federal de 1988 é
claro ao dizer que “É dever da família, da sociedade e do
Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação,
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à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade
e opressão.”.
O abandono afetivo viola os direitos da
personalidade e da dignidade da pessoa humana no
momento em que se ausentam das necessidades do(a)
filho(a), e apesar da falta de lei expressa quanto estas
violações, tanto a doutrina quanto as interpretações
jurisprudenciais as entendem passíveis de indenização.
Nos dizeres de Maria Berenice Dias, o Princípio
da Dignidade da Pessoa Humana, inevitavelmente, rege
todas as relações jurídicas reguladas pela legislação
infraconstitucional, de qualquer ramo do direito, e
principalmente, do direito de família, já que “é um ramo do
direito civil com características peculiares, é integrado pelo
conjunto de normas que regulam as relações jurídicas
familiares, orientado por elevados interesses morais e bem-
estar social”.
Desta forma, o dever de indenizar cabe àquele
que em decorrência de um ato ilícito, causa danos a outrem,
ainda que exclusivamente morais. In casu, a autora alega
que os danos sofridos se deram pelo abandono do seu
genitor, Antonio.
Embora a demonstração de que a autora
necessite tratamento múltiplas enfermidades, os elementos
dos autos são insuficientes para comprovar, com segurança
e robustez, nexo de causalidade entre a conduta omissiva do
genitor, quanto às visitações, e os danos de saúde de Julia,
nos termos dos arts. 186 e 927 do Código Civil Brasileiro.
Contudo, resta comprovado nos autos, em
especial pelas conversações via aplicativos de rede sociais,

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que o genitor se omitia de ações necessárias na vida de
Julia, e isto fica mais claro ainda quando analisados os
depoimentos da professora da autora, que expuseram que
Antonio não era pai presente em eventos escolares e que,
por estas e outras, sua filha por vezes sentia-se triste por
“não ter pai”.
Os depoimentos e provas juntadas pelo réu não
conseguiram de fato contradizer o exposto pela parte
adversa, principalmente as testemunhas arroladas que, ou
foram impedidos, ou foram depoentes ou simplesmente não
sabiam a fundo a situação da criança a ponto de comprovar
que o réu era presente.
O sentimento de tristeza causado pela omissão
paterna é perfeitamente compreensível e geram a
necessidade de compensação, mesmo que pela via
econômica.
Portanto, entendo que nesse caso, pelas provas
produzidas, e principalmente pela conduta do réu na
solenidade acima mencionada, os danos causados à Alana,
psicologicamente, foram exorbitantes e ensejam
indenização.
Nesse sentido, segue o informativo 496, do STJ:

DANOS MORAIS. ABANDONO AFETIVO. DEVER DE


CUIDADO. O abandono afetivo decorrente da omissão
do genitor no dever de cuidar da prole constitui
elemento suficiente para caracterizar dano moral.
O abandono afetivo decorrente da omissão do genitor no
dever de cuidar da prole constitui elemento suficiente para
caracterizar dano moral compensável. Isso porque o non
facere que atinge um bem juridicamente tutelado, no caso, o
necessário dever de cuidado (dever de criação, educação e
companhia), importa em vulneração da imposição legal,
gerando a possibilidade de pleitear compensação por danos
morais por abandono afetivo. Consignou-se que não há
restrições legais à aplicação das regras relativas à
responsabilidade civil e ao consequente dever de indenizar no
Direito de Família e que o cuidado como valor jurídico objetivo
está incorporado no ordenamento pátrio não com essa
expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas

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diversas concepções, como se vê no art. 227 da CF. O
descumprimento comprovado da imposição legal de cuidar da
prole acarreta o reconhecimento da ocorrência de ilicitude civil
sob a forma de omissão. É que, tanto pela concepção quanto
pela adoção, os pais assumem obrigações jurídicas em relação
à sua prole que ultrapassam aquelas chamadas necessarium
vitae. É consabido que, além do básico para a sua
manutenção (alimento, abrigo e saúde), o ser humano precisa
de outros elementos imateriais, igualmente necessários para a
formação adequada (educação, lazer, regras de conduta etc.).
O cuidado, vislumbrado em suas diversas manifestações
psicológicas, é um fator indispensável à criação e à formação
de um adulto que tenha integridade física e psicológica, capaz
de conviver em sociedade, respeitando seus limites, buscando
seus direitos, exercendo plenamente sua cidadania. A Min.
Relatora salientou que, na hipótese, não se discute o amar -
que é uma faculdade - mas sim a imposição biológica e
constitucional de cuidar, que é dever jurídico, corolário da
liberdade das pessoas de gerar ou adotar filhos. Ressaltou que
os sentimentos de mágoa e tristeza causados pela negligência
paterna e o tratamento como filha de segunda classe, que a
recorrida levará ad perpetuam, é perfeitamente apreensível e
exsurgem das omissões do pai (recorrente) no exercício de seu
dever de cuidado em relação à filha e também de suas ações
que privilegiaram parte de sua prole em detrimento dela,
caracterizando o dano in re ipsa e traduzindo-se, assim, em
causa eficiente à compensação. Com essas e outras
considerações, a Turma, ao prosseguir o julgamento, por
maioria, deu parcial provimento ao recurso apenas para
reduzir o valor da compensação por danos morais de R$ 415
mil para R$ 200 mil, corrigido desde a data do julgamento
realizado pelo tribunal de origem. REsp 1.159.242-SP, Rel.
Min. Nancy Andrighi, julgado em 24/4/2012.

Dito isso, entendo que restou configurado o


abalo moral, razão pela qual fixo o valor indenizatório.

3. DISPOSITIVO

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a


ação de indenização decorrente de abandono afetivo,
ajuizada em face de ANTONIO, para o efeito de CONDENAR
a parte ré ao pagamento da importância de R$ 200.000,00
(duzentos mil reais), em observância ao caráter punitivo,
pedagógico e compensatório, sobre o qual deverá incidir
correção monetária pelo INPC, a partir da data de prolação

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desta sentença (Súmula 362 do STJ), e juros de mora à razão
de 1% ao mês desde o ato ilícito (Súmula 54, do STJ).
Resolvo o mérito com fundamento no art. 487, I
do Código de Processo Civil.
Condeno o réu ao pagamento das custas e
despesas processuais, além dos honorários advocatícios que
fixo desde já em 10% do valor da condenação.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Seberi, 09 de julho de 2020.

Eduardo Bonadimann Maciel


Juiz de Direito

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