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Semiótica

Material Teórico
Fenomenologia: as categorias fenomenológicas

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Dr. Elvair Grossi

Revisão Textual:
Profa. Ms. Fátima Furlan
Fenomenologia: as categorias
fenomenológicas

• Introdução
• Fenomenologia na hierarquia das ciências de Peirce
• As categorias universais
• Primeiridade, secundidade e terceiridade

OBJETIVO DE APRENDIZADO
··Distinguir as três fases operativas do processo de percepção de
um signo.

ORIENTAÇÕES
Nesta unidade, vamos aprender um dos momentos mais importantes
da semiótica: trata-se, em síntese, de compreender e interpretar um
pensamento, pois, compreender e interpretar é traduzir um pensamento
em outro pensamento, num movimento ininterrupto. Mas para entender e
desvendar todo esse percurso e se apropriar de todas essas informações é
preciso que você estude sobre o assunto apresentado, leia com atenção o
conteúdo desta unidade e os materiais complementares, assista aos vídeos
indicados e procure conhecer as referências bibliográficas.
UNIDADE Fenomenologia: as categorias fenomenológicas

Contextualização
A partir do conhecimento das categorias universais, abre-se um leque de
possibilidades de estudos e aplicações nas mais variadas áreas. Peirce, quando
afirmou, fazendo referência às categorias universais, que só há três delas, não
mais que três; mesmo, dizia ele, diante de qualquer que seja o sistema e o grau de
complexidade. Diante dessa fundamentação, instaurava-se um novo modelo de
análise. Essa afirmação de Peirce propõe um rompimento com o modelo diádico,
uma vez que renuncia a toda a herança dualística contemplada, sobretudo, no
Ocidente e ainda muito cultivada até nos dias atuais pelas religiões: o raciocino
dual, a famosa dicotomia que não tem sobrevida na área do conhecimento. Pois o
homem, sendo um homem-signo, tem uma relação constante com essas categorias
fenomenológicas. Seja na produção de uma teoria, numa aula, num exame médico,
no cinema, na televisão, num computador etc. Todas as áreas são transmutadas
nessas categorias do domínio da fenomenologia, em tudo há um encontro com o
signo, está no âmbito da linguagem. O mundo implica a ideia de um continuum,
pois, como o universo está em expansão e junto à expansão há a desordem, pois
expansão implica em desordem, logo, constata-se o movimento continuum. Dessa
relação, então, deduz-se um universo dinâmico, orientado para o desenvolvimento
da mediação natural e pela mediação do pensamento cognitivo. Em síntese, as
relações entre categorias e a aplicação nas mais variadas áreas como objeto de
estudo e pesquisa promovem constantemente a qualidade, a reação e a mediação.
É bom lembrar que elaborar um estudo na esfera das categorias universais, qualquer
que seja o objeto, vai requer um vasto conhecimento não só das categorias, mas
também do objeto escolhido. Entretanto, essa interação irá produzir uma dinâmica
e um diálogo de descoberta em ambas as partes.

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Introdução
A semiótica em outras áreas do conhecimento
Atualmente, diante de certa aceleração nesses últimos anos, vivemos um momento
em que as novas tecnologias tornaram-se onipresente em nossas vidas, além da
relação de interação e de comunicação o tempo todo com esses equipamentos
tecnológicos, criou-se também certa relação de dependência, fazendo como que, em
determinadas circunstâncias, esses equipamentos tecnológicos passem a ser uma
extensão do nosso corpo. Porém, para que essa extensão seja plenamente atingida
nas relações de interação e para que se dê num campo em que o processo de
operação entre ambas as partes promova ações de realização e possa ser convertida
com pleno êxito, é necessário, por parte do sujeito, constantes atualizações. Pois,
qualquer que seja a tecnologia, haverá sempre um novo modelo, uma nova forma
operacional, fazendo com que seja inerente a (e esteja sempre assegurada por) uma
determinada linguagem, por um determinado sistema de signos.

A tecnologia sofre constantes transformações, constantes evoluções e se multiplica


numa progressão geométrica em todos os níveis e sentidos. E para que essa forma de
interação e de comunicação se dê de igual para igual, é preciso que haja uma rápida
adaptação humana a essas transformações, exatamente para garantir a interação
e a relação de comunicação. Sendo assim, podemos afirmar que, levando em
consideração tal quadro, a tecnologia de hoje instaura dois níveis culturais e sociais
na população: os que conseguem fazer a leitura e operacionalizar os novos signos e
os que não conseguem. Promove, assim, a inclusão e a exclusão.

Mas, por outro lado, o ser humano é um ser gregário e, em sua maior parte,
vive em sociedade, em grupos, em comunidades etc., aliado a uma capacidade
e habilidade de ser um grande produtor e provedor de signos. Assegura-se, com
isso, certa regularidade, certa compensação, em que ambas as partes (incluídos e
excluídos) se aprumam. Essa relação está assegurada pelo principio de que tudo
que existe no mundo, de alguma forma, exprime um determinado significado, um
determinado sentido, uma determinada mensagem. Razão pela qual a semiótica
peirceana torna-se uma linha de frente, pois procura investigar os mais variados
processos de significação, considerando as seguintes questões: como se deu o
processo de significação; como se constituiu em linguagem; o efeito de sentido
produzido; e ainda leva em conta o fato de existir, de maneira indispensável, a relação
com os três elementos de investigação : objeto, interpretante e representamen.

Segundo Lucia Santaella, (2004, p,10) é preciso ter uma compreensão mais
abrangente sobre o corpo no momento atual, pois ela afirma que somos corpos
no sentido social e cultural, somos corpos emotivos, perceptivos e móveis, e corpos
que se relacionam simbioticamente com as tecnologias. O corpo não só faz parte
de nosso complexo sistema sígnico, mas de certa maneira é o que o torna possível.

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UNIDADE Fenomenologia: as categorias fenomenológicas

SIGNO OU REPRESENTAMEN
(corpo do signo e si)

OBJETO OU REFERENTE INTERPRETANTE


(pode ser um fato) (interpretação do fato)

Importante! Importante!

As análises que são direcionadas a um exame sistemático da semiótica peirceana


devem ser feitas com foco numa proposta de pesquisa, de conhecimento, de descoberta
científica. Pois deve-se haver um cuidado muito especial para que não haja um uso
desse sistema de forma abusiva sem uma proposta, sem um padrão de análise sígnica
funcional, ou acreditando que tudo pode ser aplicado ou resolvido apenas com o
juízo do sistema triádico dos signos. O uso constante e sistemático da relação triádica
em pesquisas sem propostas é capaz de levar a um reducionismo estereotipado e
classificatório, redundando em apenas um esqueleto sem nenhum objetivo

Esse processo operacional conduz a semiótica a se relacionar com qualquer


esfera da ciência, uma vez que oferece modelos de análises que permitem descrever
e avaliar as dimensões representativas da estruturação sígnica, dos processos, das
categorias, das organizações etc., ou seja, independe do fenômeno. Pois, como
vivemos interativos às novas tecnologias e, em alguns momentos, somos sua
extensão e boa parte do poder de comunicação reside em sistemas cinéticos, redes,
interfaces, alegorias, convenções etc., a semiótica ganhou status e se configurou
como uma importante ferramenta para decodificar os mais complexos sistemas.
Tal ação se consolida e se prognostica, na medida em que a semiótica estuda
a utilização da linguagem focando vários ângulos: verbais, não verbais, textuais,
contextuais etc.

Por exemplo, a semiótica empregada no uso do computador, instrumento


acessível, de utilização trivial e muito comum no dia a dia. Poderá ser entendida,
pressupondo a ação do sistema, a sua função e todo o seu movimento operacional,
correlacionado a uma lei básica da semiótica que é, segundo Peirce (1980): “um
signo é qualquer coisa que está para alguma coisa”. Logo, está para alguém.

Com isso, em termos mais detalhado e procurando ilustrar ainda mais essa
correlação, é possível pensar em alguns componentes do computador, como,

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por exemplo, o software e o hardware – do ponto de vista funcional, ambos
são concebidos como ferramentas do computador. Entretanto, do ponto de vista
semiótico, há uma notável diferença, pois o hardware é a parte física, é um
elemento material em que o usuário pode tocar, está integrado aos processadores,
à placa de vídeo, às memórias, aos chips e tudo mais, portanto realmente é uma
ferramenta. Já o software, embora alguns o tenham concebido como ferramenta
do sistema, pode ser entendido como a mente do computador, capaz de comandar
toda a máquina, pois os elementos de interface não existem de forma material,
como um elemento físico, mas sim como signos, que geram redes e mais redes de
signos. Por exemplo, formas, cores, luzes etc. num software configuram-se como
uma tentativa de se aproximar do que seriam os objetos reais (mundo real). Sendo
representado por um conjunto de pixels na tela, todas as informações dentro de
um computador são representamen (signos) constituídos por figuras, sons, imagens
etc. cuja função é a de representar alguns dos objetos do mundo real. Vejamos:

SIGNO OU REPRESENTAMEN
(informação dentro do computador: imagens, figuras, sons etc.)

OBJETO OU REFERENTE INTERPRETANTE


(extraído, capturado do mundo real) (interpretação do que aparece na tela)

Neste mesmo eixo de análise, o computador também pode ser usado como
instrumento de comunicação coletivo, como mídia, em que seus sistemas se
expandem em redes, conectadas a provedores que facilitam a interação de
comunicação entre pessoas. Como o computador é gerador de signos, ele também
é um provedor de signos: consegue assim, unir distantes e diferentes interlocutores
a partir de representações (representamen) sígnicas.

Nesses poucos exemplos apresentados, é possível se ter uma noção da


abrangência de pesquisas que podem ser geradas a partir da semiótica, que se
configura como uma ferramenta tendo como proposta decodificar os mais
complexos sistemas imagéticos que interagem com o homem. A partir dessa
noção de abrangência, Peirce procurou formular uma ciência que fosse capaz de
“arrematar” todas as outras, ou seja, fazer uma junção das ideias que se referem
a outras ideias do mundo, deduzindo que “toda ideia é um signo junto ao fato
de que a vida é uma série de ideias prova que o homem é um signo.” (NÖTH,
1995, p. 61). Esse pensamento de Peirce se apoia na convicção de que tudo o
que observamos necessariamente percorre, transita por fases de reconhecimento
e significação, mesmo de forma inconsciente, mas há certo reconhecimento, pois
tudo em nosso entorno é composto por signos e tudo o que nos é apresentado
denota um significado.

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UNIDADE Fenomenologia: as categorias fenomenológicas

A partir dessa linha de análise e tendo a preocupação de criar um conceito amplo,


considerando que a semiótica é uma ferramenta que atende a outras categorias
de conhecimento e pode ser entendida como metaciência, Peirce buscava um
modelo cuja fundamentação teórica agregasse conceitos simples e abrangentes,
mas, acima de tudo, suficientes. Desta forma, segundo Peirce, a fenomenologia
estuda e investiga os fenômenos, propondo formas capazes de classificar qualquer
pensamento, reduzindo-as a três categorias, denominadas de categorias universais
que são: primeiridade, secundidade e terceiridade. Por sua aplicabilidade irrestrita
são chamadas de universais. Para entender a função de cada uma e saber como
aplicá-las numa determinada situação, vamos, primeiramente, atentar aos conceitos
de cada uma.

Fenomenologia na hierarquia das ciências


de Peirce
A fenomenologia, termo que provém da fusão de duas palavras gregas:
“phainomeno”, fenômeno, e “logos” estudo da ciência, cujo sentido geral é
a ciência ou o estudo dos fenômenos. Entretanto, também pode ser pensada
como um método para uma investigação filosófica. Ou seja, a fenomenologia ou
faneroscopia é uma ciência que ocupa um lugar de destaque em uma hierarquia
das ciências, um conjunto de princípios cuja ideia principal consiste em que uma
ciência que construa, forneça princípios e estruturas para outra já estabelecida,
já fundamentada. Por exemplo, a semiótica funda-se nas matemáticas ao mesmo
tempo em que dá os fundamentos à metafísica. Peirce desenvolveu uma hierarquia
detalhada das ciências, por exemplo, a base dessa hierarquia seria ocupada pelas
matemáticas, o centro pelas ciências filosóficas e o alto pelas ciências empíricas,
chamadas de ciências especiais: a física, psicologia, biologia, geologia etc. Como
a matemática estaria na base, numa posição isolada dessa hierarquia, ela teria
como foco o estudo das hipóteses. As filosóficas se ocupariam de metodologia e
de princípios gerais para todo conhecimento e se iniciariam com a fenomenologia,
que fornece as categorias que regem todas as ciências subsequentes. Na sequência,
as ciências normativas se ocupariam de estudar não o que é a realidade, mas o que
deveria idealmente ser, podendo ser compreendidas em três situações:

Faneroscopia, de fanerós, constitui em grego a expressão mais simples para o que


Explor

é manifesto, significa “trazido à luz”, aberto à inspeção pública, é tudo o que está
diante da nossa mente em qualquer sentido. Para a faneroscopia, tanto como a
fenomenologia de Hussel, não tem a menor importância saber se o que aparece é
uma sensação, uma presença física ou um pensamento. O faneron não é para Peirce
nem exatamente o que realmente aparece, mas simplesmente o que parece aparecer
(PEIRCE, 1980, p. 91).

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a) estética, o ideal do admirável em si que, segundo Kant determinou, seria o
“belo como uma finalidade sem fim”;

b) ética, o ideal da conduta e do agir;

c) lógica ou semiótica, o ideal do pensamento e da racionalidade;

d) metafísica, fundada pela ética e a lógica;

e) ciências especiais – por exemplo, a física.

Com isso, segundo Peirce, as hipóteses postuladas por um físico estariam


fundadas nos princípios gerais da metafísica. A metafísica estaria fundada na
semiótica. A semiótica, por sua vez, na ética e na estética. E o todo das ciências
normativas estaria fundado nas categorias estabelecidas pela fenomenologia, e o
todo da filosofia se fundaria nas matemáticas. Para efeito de assimilação e mais
visibilidade, vejamos o esquema:

Matemática
Fenomenologia

Filosofia
Estética
Ciências normativas Ética
Lógica

Metafísica

Ciências especiais

Uma vez efetuada toda essa organização e sistematizadas as áreas do


conhecimento, Peirce, que desde 1860 já havia formulado o estudo das categorias
a partir das formas de pensamento e da análise da proposição, agora se voltava
para uma de suas investigações primordiais, assunto de nosso próximo item.

Para assimilar com mais profundidade e obter uma visão mais detalhada sobre essa questão,
Explor

ver O que é semiótica, de Lúcia Santaella (1983, p. 27).

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UNIDADE Fenomenologia: as categorias fenomenológicas

As categorias universais
Primeiramente, em seus estudos, Peirce
reconheceu duas ordens de categorias, as Terceiridade
Mediação,
particulares e as universais. No caso, as processo
universais são o nosso objeto de estudo.
Antes, é preciso fazer um registro, a teoria
das categorias só passou a fazer parte da Secundidade
Faneroscopia depois de 1900. Entretanto, Mundo real,
Primeiridade ação/reação
Peirce já havia pensado sobre essa questão e Presente,
já possuía, desde 1860, um corpo teórico intuitivo

bem fundamentado sobre cada categoria.


Talvez, segundo seus comentadores, tenha
pensado que estivesse possuído por um mal,
denominado de “triadomania”: seria a mania Modelo Triádico de PEIRCE
Fonte: Adaptado de Wikimedia Commons
de ver três em tudo, isto é, a mania de ver as
três categorias em qualquer objeto, em tudo.

Modelo Triárdico de Peirce


Tudo no mundo é signo: objetos, seres humanos, animais, ideias etc. e tudo poderá
ser classificado em três categorias: primeiridade, secundidade e terceiridade.

E quanto mais ele se aproximava nos estudos da matemática, da lógica e de


outras áreas do conhecimento, na intenção de estudar os fenômenos, mais as suas
categorias sobressaiam e notabilizavam-se. Em 1903, nas conferências de Lowell,
Peirce apresentava as suas categorias faneroscópicas: primeiridade, secundidade
e terceiridade. Fundamentadas, segundo ele, em três modos de ser: o ser da
possibilidade qualitativa positiva, o ser do fato aqui e agora e o ser da lei que
governará os fatos no futuro. De forma resumida seria: originalidade, obsistência e
transuação. As categorias possuem tal denominação em virtude de originarem-se
na faneroscopia e serem descritas em termos metafísicos, o que não deixa de ser
importante para a assimilação do leitor, para que ele possa conhecer e acompanhar
toda essa evolução de um pensamento. Entretanto, a terminologia usual, reproduzida
em inúmeros trabalhos são: primeiridade, secundidade e terceiridade.

Primeiridade
Carregada de possibilidades, está no presente absoluto, tem originalidade,
qualidade de consciência, é o acaso, o vago.

É conhecida como a categoria da pura qualidade, do independente de qualquer


relação, é o modo de ser que governa o que é. Não possui uma referência
adicional, pois é independente de qualquer relação, puro casuísmo. È importante

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observar que a ideia de mônada como primeiridade, reproduzida em e por diversos
comentadores de Peirce, não está equivocada, mas não deve ser assimilada como
um objeto, pois este reage com outros objetos em uma secundidade. A mônoda
é sui generis, não é reativa a nada. Ideias “psicologizantes”, como o vermelho,
a dor ou a felicidade, sem duração, vagas, sem objeto e sem sujeito, logo, são
inevitavelmente imperfeitas, uma vez que residem no campo da possibilidade de
algo, é o presente absoluto, é a ideia temporal da primeiridade. Isto é, o que já foi
só pode ser pensado sobre o que foi, a qualidade se perdeu no presente absoluto.

Como forma de ilustração, Peirce sugere imaginar Adão no momento em que


ganhou a vida, antes de tomar consciência, ou seja, temos um Adão sem referência,
então temos uma primeiridade que não é dada à experiência, pois, segundo Peirce,
a qualidade descreve a primeiridade da perspectiva da secundidade, isto é, da
sensação e da percepção sensorial objetiva. Santaella (1983, p. 46) afirma que
a primeiridade não pode ser pensada articuladamente, caso seja pensada, perde
toda a característica de primeiridade e passa a ser a secundidade. Vejamos um
exemplo prático:

PRIMEIRIDADE - COR AZUL

Primeiridade:
• presente absoluto (o que conta é a primeira impressão com o signo);
• pura qualidade, intuitivo;
• não possui uma referência adicional,
• sentimento sem reflexão.

Secundidade
Na secundidade o mundo é real, pois é compreendida pela luta, fato, experiência,
ação/reação e determinação/definição total. Independe do pensamento, é a
categoria mais rápida e fácil de ser apreendida.

A secundidade é o modo de ser do que é em relação a um segundo, mas sem


consideração de um terceiro. Por exemplo, se algo existe, para essa existência ser
confirmada, é preciso estar em relação a outro. É a categoria das relações diádicas,
em que o mundo ao nosso redor nos obriga a aceitar a cada momento desperto,
das ações realizadas entre dois sujeitos. Ou seja, existir é sentir a ação dos fatos,
a materialidade pura, a existência, o hic et nunc, o aqui e agora dos fatos puros
e duros, do choque entre ação e reação. A secundidade é o fato em si, sendo
brutalmente imposto a nós, é tudo o que se passa no mundo existencial, material.
Peirce extraiu da lógica matemática alguns fatos importantes para a semiótica:

a) a existência do fato consiste na luta;

b) o fato é intimamente ligado à díade;

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UNIDADE Fenomenologia: as categorias fenomenológicas

c) a classificação dos fatos se faz por dicotomias;

d) o fato é a soma das consequências.

Portanto, é preciso notar que os traços de um fato são absolutamente distintos


de uma qualidade de primeiridade ou de terceiridade, que vamos ver mais a frente.
Avaliando de forma prática:

SECUNDIDADE:
a cor azul de um
objeto concreto.

Fonte: Adaptado de iStock/Getty Images

Secundidade:
• reagir a fatos;
• distinguir e discriminar;
• reações reais ou análogas à primeiridade;
• é o fato em si.

Terceiridade
A terceiridade consiste na continuidade,
é a lei, o pensamento, o processo, o signo,
TERCEIRIDADE:
a generalidade, a probabilidade. Ou seja, O sapato é azul.
é o modo de ser da relação entre os três
elementos, não redutível à combinação de
pares. Considera-se a mediação de um terceiro
entre dois, é a ideia de que o pensamento para
ser pensamento, deve-se relacionar as ideias
de A e B do ponto de vista da ideia C. De
um ponto de vista mais detalhado, podemos
entender que: pensamento e signo remetem
à lei que diz como a “possível” primeiridade
governará a “existente” secundidade; essa Fonte: Adaptado de iStock/Getty Images

relação (possível/existente) abre a possibilidade


para que essas duas passagens (primeiridade/
secundidade) sobre aspecto da terceiridade,

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formule o que é a ideia geral. É preciso que se tenha um certo cuidado no estudo
das categorias universais, principalmente na aplicação de cada uma delas a um
dado objeto. Por exemplo, a palavra “doce”, como exemplo de qualidade, pertence
à primeiridade. Entretanto, o “doce”, enquanto percebido neste momento por
alguém, apresenta-se como um fato, pois há uma relação no hic et nunc, “aqui” e
“agora”, na sensorialidade, logo, é uma secundidade; agora, sendo “doce” na sua
generalidade, é um signo, um símbolo literal, é uma terceiridade.

Peirce também denominou a terceiridade de transuação, podendo ser entendido


como: translação, transcendental, transfusão. Sem perder a originalidade, pois a
terceiridade, sendo vista como replicação absolutamente exata, sem um resquício
de possível acaso, não teria o caráter transuasivo da terceiridade. A terceiridade,
segundo Peirce, merece toda atenção, devido a sua grande importância nas ciências
e na filosofia. Do ponto de visto lógico, a terceiridade remete às relações triádicas
e ao signo, da perspectiva metafísica, pois ela envolve a ideia de lei, visto que a
terceiridade tem em vista a aproximação do primeiro a um segundo numa operação
intelectual, a partir do que podemos fazer uma leitura de mundo.

Terceiridade:
• relaciona um fenômeno qualquer
• organiza os fatos;
• continuidade;
• inter-relação, interconexão

Primeiridade, secundidade e terceiridade


Essa relação triádica desenvolvida por Peirce permite abarcar todo e qualquer
tipo de experiência. São categorias universais do pensamento e da natureza.
Diante a um fenômeno qualquer, para se conhecer e compreender sua natureza,
inevitavelmente, a mente produz um signo: a base do signo é uma relação triádica
entre esses três elementos: primeiridade, secundidade e terceiridade. Vejamos um
exemplo dessa relação:

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UNIDADE Fenomenologia: as categorias fenomenológicas

Cor azul de O sapato tem


Cor azul
um objeto a cor azul

PRIMEIRIDADE SECUNDIDADE TERCEIRIDADE

Intuitivo Reação Continuidade


Pura qualidade Fato Correlato
Presente absoluto Futuro Passado
Abstração pura Distinguir Fim
Eu Tu Ele/Outro
Fonte: Adaptado de iStock/Getty Images

Vejamos: uma palavra tomada em si mesma é pura ambiguidade, quando ela


se dirige a um objeto, ela é secundidade. Por exemplo, a palavra “azul” é pura
qualidade, é intuitiva, primeiridade. Quando ela se dirige ao objeto sapato, é
secundidade, reação ao fato. Quando nós temos a certeza de que é um sapato azul,
analogia, memória, relação, ela é terceiridade. Portanto, o universo semiótico do
ser humano é determinado por uma relação triádica, entre o possível, o real e o
necessário (legal).

Com isso, esse percurso permitiu conhecer, até o presente momento, as raízes
do que seria a fenomenologia. Pois o pensamento triádico, isto é, as categorias
universais constituem toda a base da semiótica e permitem desvendar as entranhas
não só da ciência, mas da vida ou de uma vida em especial, pois Peirce pensou
numa teoria cujas estruturas e matizes são potenciais e universais, fazendo com
que sua ciência vá muito além de uma mera teoria dos signos. Portanto, uma
vez assimilado o conteúdo desta unidade, teremos cada vez mais requisitos para
desvendar outros processos de construção das classes dos signos.

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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Livros
A assinatura das coisas: Peirce e a literatura.
SANTAELLA, Lucia. A assinatura das coisas: Peirce e a literatura. São Paulo:
Imago, 1992.
O que é semiótica.
SANTAELLA, Lucia. O que é semiótica. São Paulo: Brasiliense, 1983.

Leitura
Estudos semióticos
Uma análise intersemiótica da obra Laranja Mecânica, de Anthony Burgess, para
o cinema
https://goo.gl/efNcli

Vídeos
Semiótica Peirceana com Julio Pinto
https://goo.gl/QTGQrS

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Referências
NÖTH, Winfried. Panorama da Semiótica: de Platão a Peirce. São Paulo:
Annablume, 1995.

PEIRCE, C. S. Collected Papers: vol. 1,2,3. Cambridge: Harvard Univ. Press, 1966.

____________. Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1980.

____________.Semiótica. Tradução: José Teixeira Coelho Neto. São Paulo:


Perspectiva, 2008;

SANTAELLA, Lucia. A teoria geral dos signos: Semiose e autogeração. São Paulo:
Ática, 1995.

____________. O que é semiótica. São Paulo: Brasiliense, 1983.

____________ . Corpo e comunicação. Sintoma da cultura. São Paulo: Paulus,


2004.

SERSON, Breno. A relevância de C. S. Peirce para as ciências cognitivas:


os conceitos de “representação” e “inferência” e a semiótica. São Paulo:
Manuscrito, 1992.

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