Você está na página 1de 7

Capítulo 6: Efeito dos parâmetros ambientais

na atividade enzimática
Efeito do pH
Quando temos a variação da atividade da enzima
em função do pH, normalmente, obtemos uma
curva tipo sino (bell-shaped) sendo que
observamos a atividade máxima no pico da
curva.
Na realidade neste gráfico temos duas curvas representadas: braço ácido
e braço básico, ou seja, temos duas curvas de titulação onde o ponto de
inflexão corresponde ao pKa de um determinado grupo pelo que
obtemos dois valores de pka (pk1 e pk2).
Para cada enzima temos valores diferentes de pH ótimos. O valor de pH
ótimo não depende do substrato, mas sim do mecanismo enzimático, ou
seja, uma mesma enzima com diferentes substratos possui valores de pH
ótimo diferentes.
Em várias enzimas é possível identificar os resíduos de aminoácidos que
estão no centro ativo, que são os mais importantes para o mecanismo
catalítico da enzima. Na maior parte dos casos temos dois aminoácidos
ionizáveis. Se só houver um aminoácido importante só vamos ter um
dos braços na curva e se houver 3 aminoácidos vamos ter uma curva
assimétrica porque vai haver 2 aminoácidos na zona básica ou na zona
ácida.
NOTA: pH 7 é o pH fisiológico

Modelo cinético
Este modelo cinético é semelhante ao de MM
sendo que a única diferença é que neste modelo
consideramos que existem dois grupos
ionizáveis pelo que a enzima pode existir em 3
formas: dois grupos ionizados, ou seja, nenhum
dos grupos está protonado (E), forma ativa
sendo que esta é a única forma que dá origem ao produto (EH) e dois
grupos desprotonados (EH2).
Neste modelo consideramos que a forma EHS (forma EH com
substrato) é a única forma ativa, ou seja, é esta que vai dar origem ao
produto final, mas as outras formas também conseguem ligar-se ao
substrato. Portanto, a velocidade da reação é dada pelas seguintes
equações:

NOTA: alguns livros consideram que os substratos só se ligam a forma ativa da enzima, mas esta é uma má aproximação

As equações das constantes de equilíbrio para cada forma da enzima e


da concentração da enzima total são:
NOTA: a concentração da enzima total é a soma das 3 formas da enzima livre + 3 formas da enzima ligada ao substrato

Determinação gráfica do valor dos pKa


A velocidade é dada pela seguinte equação:

Depende de um valor de velocidade máxima independente do pH, isto é,


a velocidade máxima quando o pH é ótimo (~v) e depende da constante
de dissociação ESI e ES2.
Da mesma forma, vemos que o Km é dependente do Ks e da constante
de dissociação E1, E2, ES1 e ES2:

Ao fazer um ensaio para uma


enzima a diferentes pH’s, temos
diferentes valores de velocidade
máxima e de Km, dependentes das
expressões acimas mencionadas. Para este método, podemos fazer o
logaritmo da velocidade máxima e podemos traçar 3 retas: uma
horizontal, tangente ao pico e outras duas com inclinação 1 e -1. A
interseção dá-nos os valores de pKES1 e pKES2, as contantes de
ligação do enzima ligado ao substrato para EH e para EH2.
Podemos, também, fazer um gráfico da velocidade máxima aparente/Ka
sendo que da mesma forma conseguimos obter os valores de pKE1 e
pKE2, constantes de ligação do enzima livre no EH e o outro no EH2.
Por este tipo de gráficos conseguimos ver se existe uma alteração do
pKa com a ligação do substrato a enzima. Se não existe nenhuma
alteração quando ocorre esta ligação o Kes1=Ke1 e Kes2=Ke2, caso
contrário o substrato liga-se ao grupo envolvido na catálise ou na
ligação ao substrato.
pKa de alguns grupos ionizáveis e alteração do pKa com o ambiente
químico
Pelos valores dos pKa’s podemos ver os grupos que estão envolvidos na
catálise, sendo que o valor de pKa depende do ambiente que esta a volta
do grupo da enzima visto que o equilibro faz com que a forma ácida ou
básica esteja mais estável. Para várias enzimas temos resíduos de
aminoácidos cujos pKa’s são diferentes quando estão livres ou dentro da
proteína.
Alteração do pKa com a ligação ao substrato
Numa experiência feita com a lactato desidrogenase
foram determinados os valores do pKES1, pKES2,
pKE1 e pKE2 a partir de um modelo teórico.
O parâmetro Vmax/km é dependente do pKE1 e
pKE2, enquanto, que a velocidade máxima é
dependente do pKES1 e do pKES2 pelo que é
possível determinar os parâmetros individualmente.
No caso do parâmetro Km conseguimos determinar
estes 4 valores porque este depende de todos, sendo que existe alguma
variação entre estes valores e os determinados individualmente (são
mais precisos).
Com estes gráficos podemos concluir, a partir do valores de pKES1 e
pKE1, que aquele grupo, após se ligar ao substrato, diminui o seu valor
de pka. Da mesma maneira, o outro grupo aumenta o seu pKa após a
ligação ao substrato

Influência do pH nos parâmetros cinéticos da


quimiotripsina
Podemos fazer um modelo empírico onde vemos a
variação do Km com o pH e vemos que quando
este está protonado a velocidade é máxima, isto é,
o resíduo tem de estar protonado para que o substrato se ligue (Km
constante). Com o aumento do pH há um ponto onde o Km aumenta, ou
seja, a afinidade da enzima ao substrato diminui.
Podemos fazer a variação do Kcat com o valor do
pH onde observamos que o resíduo tem de estar
desprotonado para que a velocidade seja máxima.
Ao juntar os dois gráficos (Kcat/Km) obtemos uma
curva onde a equação que representa este gráfico é:

Na ligação ao substrato, o valor do pka2


corresponde a um grupo amina terminal (NH ) da
3
+

leucina o qual tem de estar protonado para que o


enzima tenha uma determinada conformação que o permita ligar ao
substrato. O pka1 resulta da interação da tríade catalítica a qual é
constituída por histidina, acido aspártico e serina.
Efeito da temperatura
Um outro fator ambiental é a temperatura.
Foi feita uma experiência onde para várias
temperaturas foi determinada a velocidade
de formação de produto. No primeiro
gráfico vemos que a formação de produto
aumenta com o aumento da temperatura até 50ºC, sendo que ao
aumentar a temperatura de 60ºC até 90ºC, ocorre uma diminuição da
velocidade.
Este efeito acontece porque a velocidade
das reações químicas aumenta com o
aumento da temperatura. Nas reações
catalisadas por enzimas, como estas
desnaturam (perdem a sua estrutura
tridimensional) com o aumento da
temperatura, deixam de estar ativas pelo que não conseguem catalisar as
reações. Portanto, ao fazer um gráfico da velocidade em função da
temperatura esta vai aumentar até chegar a um ponto, temperatura de
desnaturação, onde começa a diminuir. A energia do estado de transição
para a catalise é mais baixa do que a energia do estado de transição para
a desnaturação, pelo que enquanto a proteína não desnatura, o aumento
da temperatura vai aumentar a velocidade da reação, mas ao desnaturar
a velocidade vai diminuir com o aumento da temperatura.
Equação de Arrehenius
A equação de Arrehenius traduz a variação da
velocidade da reação com a temperatura:

NOTA: A = contante

Na zona linear do gráfico podemos aplicar o logaritmo


da equação de Arrehenius para obter o seguinte
gráfico:

Gráficos de Arrehenius
Neste caso temos dois substratos cujas retas possuem o mesmo declive,
ou seja, a energia de ativação é igual em ambos substratos.
Sendo que calcular a energia de ativação através da equação de
Arrehenius não é muito viável porque, normalmente, num gráfico de
log(Kcat) em função 1/T obtemos uma curva na qual para cada ponto
temos uma tangente com declive negativa e para cada uma destas retas
temos uma energia de ativação pelo que esta aproximação só é valida
para intervalos de temperatura muito curtos.

A
capacidade calorifica é a capacidade de uma
substância absorver energia que depende da
temperatura. Também é importante ter em conta a
alteração do passo limitante, isto é, quando temos uma reação
enzimática existem vários passos na reação e um destes é considerado o
passo limitante o qual, em princípio, é que tem energia mais elevada e é
o que esta relacionado com a energia de ativação, mas com o aumento
da temperatura existe uma alteração do passo limitante o que faz com
que não estejamos a medir sempre a mesma energia de ativação.
Portanto, tanto a desnaturação como a capacidade calorífica como a
alteração do passo limitante (o mais importante) fazem com que o valor
de energia de ativação não seja constante e é por isto que obtemos uma
curva em vez de uma linha reta com declive negativo pelo que é
necessário considerar um intervalo de temperatura muito pequeno.
Efeito dos solventes orgânicos
As enzimas não só são ativas em água, mas também em vários solventes
orgânicos sendo que é necessário que haja esferas de água à volta da
enzima para que esta consiga desempenhar a sua função.
Ao colocar uma enzima seca (em pó) num solvente apolar esta não se
dissolve, mas fica suspensa na solução e mesmo assim fica com 0,01/ de
água o qual é suficiente para que a enzima faça a sua atividade. Ao
colocar num solvente mais polar, este solvente interage com as poucas
moléculas de água que existem na enzima retirando-as da enzima e isto
impede que a enzima tenha atividade. Portanto, quanto mais apolar for o
solvente mais solúvel será a enzima e maior será a sua atividade.
Loc(P) é a razão entre a concentração de um composto X num solvente
orgânico e da concentração do mesmo composto X em água, portanto,
isto é uma medida da polaridade dos compostos. Como regra geral, um
solvente que tenha um Loc(P) superior a 4, normalmente, é considerado
um bom solvente para enzima, no entanto, um solvente com um Loc(P)
inferior a 2, normalmente, é considerado com um mau solvente para a
enzima.
A utilização de solventes orgânicos tem vantagens visto que:
• aumenta a solubilidade de alguns reagentes apolares e de certos
cofatores o qual aumenta a velocidade das reações
• suprimem as reações não enzimáticas (espontâneas) porque a
água é um meio muito reativo
• aumenta a estabilidade (movem menos/desenrolam menos
facilmente/mais rígidos) de algumas enzimas porque têm menos
água a volta das mesmas pelo que se podem utilizar temperaturas
mais altas
• altera-se a seletividade da enzima para alguns substratos porque
fica mais estável em solventes orgânicos
• afeta a “memoria” da enzima visto que dependendo do pH a
enzima possui um determinado estado de protonação pelo que se
ao colocar a enzima a um determinado pH num solvente não
solúvel e depois passamos para um solvente orgânico onde já é
solúvel, a enzima fica com os mesmos estados de protonação que
tinha no pH anterior.
• cofatores ou ligandos que se ligam fracamente a enzima, num
solvente orgânico a ligação é mais forte
• as reações das hidrolases são revertidas (temos síntese), isto é,
quando temos uma reação do tipo: AB + H 0 AOH + BH, em água 2

a reação não procede no sentido inverso, no entanto, em solventes


orgânicos conseguimos com que a reação seja no sentido inverso
NOTA: normalmente as enzimas são reversíveis pelo que catalisam a reação de hidrolise como a de síntese

• há enriquecimento enanteomérico (reage mais com um


determinado isómero porque as enzimas são específicas para um
determinado isómero) o qual depende da natureza do solvente
NOTA: atualmente utilizam-se líquidos iónicos e não solventes orgânicos ao trabalhar com enzimas.

Efeito molecular de crowding


Dentro das células existe uma grande concentração de biomoléculas, e
consequentemente, existe uma aglomeração de moléculas visto que
cerca de 20-40% do volume das células são biomoléculas. Portanto, ao
fazer uma experiência com uma enzima no laboratório, esta tem um
ambiente muito diferente ao que teria dentro da célula pelo que podem
existir dois tipos de defeitos ao fazer experiências laboratoriais com
enzimas:
• volume excluído
• interações quaternárias
Volume excluído
Ao ter uma molécula pequena, se for colocada num volume com outras
biomoléculas distribuídas aleatoriamente esta consegue-se “acomodar”
facilmente neste meio, no entanto, se no mesmo meio queremos colocar
uma molécula maior isto será mais difícil porque para fazer isto será
necessário comprimir todas as outras moléculas umas com as outras
sendo que isto é chamado o volume excluído e ao fazer isto irão existir
efeitos nas reações.
Por exemplo, nas reações bi-moleculares onde uma
molécula se tem de encontrar com a outra isto será mais
difícil num ambiente como o do B do que se tiverem um
espaço livre ou quando as proteínas são desenroladas se estas estiverem
num ambiente como o B estas terão menos tendência a desenrolar.
Portanto, o efeito do volume excluído é que como as moléculas estão
mais compactas isto vai alterar a sua estrutura o qual altera as suas
características cinéticas.
Interações quinárias
As interações quinárias são interações de quinto nível as quais são
realizadas entre as várias proteínas sendo que estas interações são
transientes pelo que são difíceis de estudar. Hoje em dia existem
técnicas, como o RMN e a fluorescência, que nos permitem “ver” estas
interações as quais são originadas por forças fracas.
Os ribossomas mimetizam interações quinárias. À medida que
aumentam os ribossomas, formam-se mais interações entre enzimas
(como por exemplo a piruvato cinase) que aumentam a velocidade de
reação destas enzimas.

Você também pode gostar