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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO TRÊS RIOS


DEPARTAMENTO DE DIREITO, HUMANIDADES E LETRAS

Paola Alves Lemos

A DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR


PATERNO EM RAZÃO DO ABANDONO AFETIVO

Três Rios, RJ
2020
PAOLA ALVES LEMOS

A DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR


PATERNO EM RAZÃO DO ABANDONO AFETIVO

Monografia apresentada como requisito


parcial para obtenção do título de Bacharel
em Direito, em curso de graduação
oferecido pela Universidade Federal Rural
do Rio de Janeiro, Instituto Três Rios.

Orientadora: Profª. Drª. Ludmilla Elyseu Rocha

Três Rios, RJ
Novembro de 2020
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UFRRJ – ITR / BIBLIOTECA
A destituição do poder familiar paterno em razão do abandono afetivo.
Lemos, Paola Alves / Paola Alves Lemos – 2020.
41 f.
Orientadora: Ludmilla Elyseu Rocha
1. Direito de Família – Monografia. 2. Poder Familiar – Monografia. 3.
Abandono Afetivo - Monografia.
Monografia (Graduação em Direito). Instituto Três Rios,
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial


desta tese, desde que citada a fonte.

_______________________________ ______________________________
Assinatura Data
PAOLA ALVES LEMOS

A DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR


PATERNO EM RAZÃO DO ABANDONO AFETIVO

Monografia apresentada como requisito


parcial para obtenção do título de Bacharel
em Direito, em curso de graduação
oferecido pela Universidade Federal Rural
do Rio de Janeiro, Instituto Três Rios.

Aprovado em:
Banca Examinadora:

Professora Doutora Ludmilla Elyseu Rocha (Orientadora)


Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – Instituto Três Rios

Professor Doutor
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – Instituto Três Rios

Professor Doutor
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – Instituto Três Rios
Aos meus pais e filho pelo apoio incondicional em todos
os momentos difíceis da minha trajetória acadêmica.
AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus, que ao longo do curso me cuidou e por ajudar a ultrapassar


por cada obstáculo que encontrei no decorrer, me dando força para sempre continuar.

Aos meus pais e filho que sempre me incentivaram nos momentos mais difíceis e
compreenderam minha ausência enquanto me dedicava à realização deste trabalho.

Aos professores, pelas correções e ensinamentos que me permitiram apresentar um


melhor desempenho no meu processo de formação profissional.

A todos que participaram, direta ou indiretamente do desenvolvimento deste trabalho


de pesquisa, enriquecendo o meu processo de aprendizado.
É direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua família e,
excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e
comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral.

Estatuto da Criança e do Adolescente (1990)


RESUMO

LEMOS, Paola Alves. A destituição do poder familiar paterno em razão do


abandono afetivo. 2020. 41 p. Monografia (Graduação em Direito). Instituto Três
Rios, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Três Rios, RJ, 2020.

Nesse estudo é demonstrado o crescente abandono dos filhos pelos genitores e a


importância do nosso ordenamento jurídico nessa questão que inclusive vem se
modificando para atender a necessidade da sociedade onde cabe dar a devida
atenção às necessidades manifestas pelos filhos em termos, justamente, de afeto e
proteção. O direito de família deve cada vez mais se adequar as inovações do instituto
família e amparar juridicamente a cada situação, o que envolve não somente os
genitores, mas também os filhos e tudo o que é inerente à família. Este trabalho vem
exemplificar as consequências psicológicas e emocionais para o filho abandonado, a
perda do poder familiar em decorrência do abandona afetivo, os danos decorrentes
aos genitores pela falta de cuidado com os filhos e a possibilidade de reparação. Não
há como obrigar um pai a amar um filho, mas a legislação lhe assegura um direito de
ser cuidado. Os responsáveis que negligenciam ou são omissos quanto ao dever geral
de cuidado podem responder judicialmente por terem causado danos a seus próprios
filhos.

Palavras-chave: Pode familiar. Destituição. Abandono afetivo.


ABSTRACT

LEMOS, Paola Alves. The destination of parental family power for affective
abandonment. 2020. 41 p. Monograph (Law Degree). Three Rivers Institute, Federal
Rural University of Rio de Janeiro, Três Rios, RJ, 2020.

This study demonstrates the growing abandonment of children by their parents and
the importance of our legal system in this matter, which has been changing to meet the
needs of the society where it is necessary to give due attention to the needs expressed
by the children in terms, precisely, of affection protection. Family law must increasingly
adapt to the innovations of the family institute and provide legal support to each
situation, which involves not only the parents, but also the children and everything that
is inherent to the family. This work exemplifies the psychological and emotional
consequences for the abandoned child, the loss of family power as a result of
emotional abandonment, the damage to parents due to the lack of care for their
children and the possibility of reparation. There is no way to compel a father to love a
child, but the legislation guarantees him a right to be cared for. Those responsible for
neglecting or neglecting the general duty of care can respond in court for having
caused harm to their own children.

Keywords: Family power. Dismissal. Affective abandonment.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................... 10

CAPÍTULO 1

A ORIGEM E A EVOLUÇÃO HISTÓRICA RELACIONADA À FAMÍLIA ....................... 11

1.1 Os princípios no contexto familiar ...................................................... 14


1.2 O princípio da dignidade da pessoa humana ...................................... 15
1.3 Princípio da proteção integral a crianças, adolescentes, jovens e
idosos ................................................................................................. 16
1.4 Princípio da afetividade ....................................................................... 18
1.5 Princípio da paternidade responsável e planejamento familiar ........... 19
1.6 Princípio da igualdade jurídica de todos os filhos .............................. 19
1.7 Do dano afetivo ................................................................................... 20
1.8 Do poder familiar ................................................................................. 21
1.9 Visão histórica .................................................................................... 22
1.10 Dos direitos e deveres dos pais com os filhos .................................... 24

CAPÍTULO 2
O ABANDONO AFETIVO .................................................................................... 27

2.1 Consequências do abandono afetivo na psicologia ............................. 28


2.1.1 Para os pais .......................................................................................... 28
2.1.2 Para a criança ....................................................................................... 29
2.2 Do dano afetivo e suas consequências na relações paterno-filiais ..... 30
2.3 Configuração de dano pelo abandono afetivo ..................................... 30
2.4 A perda do poder familiar .................................................................... 32
2.5 A perda ou destituição do poder familiar em razão do abandono ....... 34
2.6 Da destituição do poder familiar ......................................................... 35
2.7 A responsabilidade dos pais ............................................................... 36
2.8 Do dever de reparação ........................................................................ 37

CAPÍTULO 3
RESPONSABILIDADE CIVIL ............................................................................... 40
3.1 Responsabilidade civil no direito de família ........................................ 41
3.2 Dano moral por abandono afetivo ....................................................... 42
3.3 O caso principal do Superior Tribunal de Justiça ............................... 43
3.4 Divergências doutrinárias ................................................................... 46
3.5 Projeto de Lei 3212/2015 ..................................................................... 48

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 49

REFERÊNCIAS .................................................................................................. 52
10

INTRODUÇÃO

O objetivo do presente trabalho visa analisar a possibilidade da destituição do


poder familiar em razão do abandono afetivo tendo em vista o descumprimento do
dever paterno de cuidado e interesse do desenvolvimento integral de sua prole, como
essa falta de afeto do genitor com o filho, acarreta diversos problemas psicológicos
muitas vezes irreversíveis na vida do menor.
Para isto foi utilizado o estudo bibliográfico como meio do desenvolvimento
metodológico, onde foi realizada uma comparação por parte do de grandes
doutrinadores do Direito de Família Brasileiro em citações, sobre os mesmos
conceitos importantes ao estudo, diante dos objetivos e finalidades.
Para o melhor entendimento do tema, foram estruturados em capítulos e
subcapítulos a origem e a história da evolução da família e sua relevância na
sociedade, bem como os princípios principais do direito de família relacionados a
filiação, nesta toada, o poder familiar e sua visão histórica, que se faz de grande
relevância no estudo, adentrando nos direitos e deveres inerentes aos pais com
relação aos filhos e ao afeto decorrente desse dever dos pais e as consequências
quando ocorre o abandono afetivo.
Apresenta uma breve análise da evolução da família brasileira com o instituto
família, bem como o avanço do instituto no nosso ordenamento jurídico, referente a
mudança da sociedade que se faz necessário ressaltar a importância da afetividade
nas relações familiares, como um dos principais fatores determinantes. Com isso,
quando ocorre ausência dos pais em seu dever de cuidado que é protegido inclusive
pelo ordenamento jurídico, viola os direitos da criança e do adolescente, podendo ter
graves problemas no desenvolvimento deles.
Por esse motivo, foi exposta a importância da afetividade nas relações
familiares, analisando os danos e problemas psicológicos ocasionados na vida das
crianças e jovens, bem como suas consequências, ressalta a necessidade de
condenar essa prática pelos pais, quando não cumprem seus deveres inerentes ao
poder familiar.
Dessa forma, também foi elucidado o que pode ser feito no âmbito jurídico
referente ao poder familiar que os pais biológicos têm para com seus filhos, quando
os genitores são ausentes, principalmente afetivamente.
11

CAPÍTULO 1

A ORIGEM E A EVOLUÇÃO HISTÓRICA RELACIONADA A FAMÍLIA

A instituição família nasce de um impulso de da perpetuação da espécie, ou


seja, é um privilégio da espécie humana os vínculos afetivos segundo Dias “seja pela
verdadeira aversão que todos têm a solidão. Parece que as pessoas só são felizes
quando tem alguém para amar”. Nesse mesmo entendimento, a necessidade do
instituto família nasce de vínculos afetivos onde estão inseridas.1
No entendimento de Hironaka a compreensão de família vai além do lugar ou
agrupamento em que ela está inserida, mas sim a busca constante do bem estar.

Não importa a posição que o indivíduo ocupe na família ou a qual a espécie


de grupamento familiar a que ele pertence, o que importa é pertencer ao
âmago, é estar naquele idealizado lugar onde é possível integrar sentimentos,
esperanças, valores e se sentir, por isso, a caminho da realização de seu
projeto de felicidade.2

Portanto, os valores são de grande importância no âmbito familiar, o ser


humano necessita sentir-se parte de um grupo, pois, tem como referência o seu grupo
de origem, que é o grupo familiar, no qual ele pertence. Dessa forma, a família se faz
um lugar de valores e não só de pessoas que convivem umas com as outras em certa
residência, a convivência vai além disso, é um aprendizado constante tanto moral
como intelectual. A união de pessoas desse modo, é uma eterna construção da
aprendizagem onde é possível se sentir acolhido e expressar os sentimentos,
esperanças e valores trazendo a sensação de acolhida e por certo de felicidade.
O aspecto histórico da família foi fundado e a sociedade foi se ordenando
através desse instituto, dessa forma, o Estado tendo como base a família que já estava
estruturada de certa forma fez sua interferência.

1 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2013, p. 27.
2 HIRONAKA, Giselda. Família e casamento em evolução. In: Revista Brasileira de direito de
Família, Porto Alegre: IBDFAM/Síntese, n. 1, p. 7-17, abr./jun. 1999, p. 27.
12

Portanto, para Dias, “a própria organização da sociedade se dá em torno da


estrutura familiar. E foi o intervencionismo estatal que levou à instituição do
casamento: nada mais do que uma convenção social para organizar os vínculos
interpessoais”.3
Dessa forma, a família já estruturada serviu como base para a organização da
sociedade de forma que a intervenção do Estado aconteceu com o desfecho
regularizador. A instituição do casamento vista como organizadora da convivência e
vínculos interpessoais de certa forma contribuiu para a fixação dessa estrutura.
Nessa vertente, trouxe o doutrinador Carlos Roberto Gonçalves
esclarecimentos sobre como era regulado o casamento na antiga constituição de 1916
e leis posteriores, válidos a mencionar.

O Código Civil de 1916 e leis posteriores, vigentes no século passado,


regulavam a família constituída unicamente pelo casamento, de modelo
patriarcal e hierarquizada, como foi dito, ao passo que o moderno enfoque
pelo qual é identificada tem indicado novos elementos que compõem as
relações familiares, destacando-se os vínculos afetivos que norteiam a sua
formação. Nessa linha, a família socioafetiva vem sendo priorizada em nossa
doutrina e jurisprudência.4

A família brasileira possuía um modelo patriarcal, qual a necessidade de


procriação para as numerosas tipas de trabalho rural se fazia necessária. Nesse
sentido, quanto maior era o número de filhos, maior era a segurança de subsistência
da própria família. Com isso a família seguindo tais preceito tinha a garantia de se
sustentar e manter seu patrimônio, visto que era ela que a guarnecia por completo. A
doutrinadora Maria Berenice Dias acompanha essa afirmação quando diz: “[…] como
era entidade patrimonializada, seus membros representavam força de trabalho. O
crescimento da família ensejava melhores condições de sobrevivência a todos. O
núcleo familiar dispunha de perfil hierarquizado e patriarcal”.5
O poder patriarcal que prevalecia antes da Constituição Federal, tinha o pátrio
poder centralizado na figura paterna, posto que para todas as relações da família e o
corpo social dependia de sua outorga. Com isso, o genitor direcionava todas as

3 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2013, p. 27.
4 BRASIL. Planalto. Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Código Civil. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm>. Acesso em: 20 jun. 2020
5 DIAS, Maria Berenice. Op. Cit., p. 28.
13

decisões da família e a mulher genitora não tinha voz ativa diante da família e nem da
sociedade. Essa dependência que a genitora não tinha voz ativa diante da família e
nem da sociedade. Essa dependência que a genitora e os filhos tinham para com a
pessoa do genitor era resultante da autoridade que lhe era imposta, pois nesse
contexto que se encontravam era de profunda subordinação. Dessa forma, se fazia
necessário perante a sociedade o matrimônio como vínculo jurídico.
Em contrapartida, com a vinda da revolução industrial ocorreu uma forte
mudança nesse contexto familiar, consequentemente a falta da mão de obra para o
ofício da indústria trouxe aspectos definitivos de inovação da família tradicional
patriarcal. Nesse sentido, Dias complementa “foi assim que a mulher ingressou no
mercado de trabalho, deixando o homem de ser a única fonte de subsistência da
família. “Portanto, a família antes vista como o pai o principal responsável pelo
sustento, depois da revolução industrial essa realidade foi alterada. Com isso, a antiga
família rural foi aos poucos se introduzindo na área urbana e a antiga visão de
procriação e produção foi perdendo espaço no decorrer da história.6
Ocorre que, o vínculo afetivo com a chegada da revolução industrial se tornou
a principal forma dos indivíduos da família permanecerem unidos, como forma de
afeto propriamente dito. A família que antes era vista como modelo patriarcal, depois
se tornou unida pelo o vínculo afetivo, sendo assim, a principal forma de dar
continuidade a família é existindo o afeto entre eles. Como se fosse a supervalorização
do afeto, no instituto da família.
Essa valorização do afeto é considerada importantíssima como base para as
relações com os familiares, conforme narra Farias, apud Dias.

A valorização do afeto nas relações familiares deixou de se limitar apenas ao


momento de celebração do matrimônio, devendo perdurar por toda relação.
Disso resulta que, cessado o afeto, está ruída a base de sustentação da
família, e a dissolução do vínculo do casamento é o único modo de garantir a
dignidade da pessoa.7

Por conseguinte, é de grande relevância o afeto no instituto família, dado que,


as pessoas nutrem a relação com esse sentimento. O afeto é tão necessário na

6 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2013, p. 28.
7 Ibidem.
14

relação com a família e visto que se esse sentimento acaba a mesma relação está
propícia a terminar.
Por conseguinte, é de grande relevância o afeto no instituto família, dado que,
as pessoas nutrem a relação com esse sentimento. O afeto é tão necessário na
relação com a família e visto que se esse sentimento acaba a mesma relação está
propícia a terminar.

1.1 Os princípios no contexto familiar

Os princípios aplicados à família são muito importantes para o melhor


desenvolvimento do caso em qual o poder judiciário vai analisar. No sentido que os
princípios se tornam a direção para qual seguir de melhor entendimento em tantos
casos complexos familiares. Dessa forma, as referências dos princípios na família se
tornam essenciais.

[…] é no direito das famílias onde mais se sente reflexo dos princípios que a
Constituição Federal consagra como valores sociais fundamentais e que não
podem se distanciar da atual concepção da família, com sua feição
desdobrada em múltiplas facetas. Daí a necessidade de revisitar os institutos
de direito das famílias, adequando suas estruturas e conteúdo à legislação
constitucional, funcionalizando-os para que se prestem à afirmação dos
valores mais significativos da ordem jurídica.8

Seguindo este conceito é possível identificar que a nossa Carta Magna traz
relevância aos desdobramentos em que teve o progresso da sociedade. Pelos os
valores propriamente ditos em que a sociedade teve de forma ampla, são necessários
os princípios como forma de base. Nesse contexto, a estrutura do instituto da família
será permanentemente analisada pela constituição com o intuito de se adequar e dar
funcionalidade para a garantia dos valores.
Dessa forma, analisamos que o desenvolvimento social necessitou se encaixar
no Código, no contexto a verificar todo o desenvolvimento como da legislação que se
fez presente no decorrer dos anos. Essa mudança social que ocorreu fez com que
aspectos relevantes da sociedade fossem introduzidos na legislação. Com isso, surgiu
essa base constitucional e também de princípios necessários ao estudo das famílias.

8 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2013, p. 64.
15

O Código Civil de 2002 procurou adaptar-se à evolução social e aos bons


costumes, incorporando também as mudanças legislativas sobrevindas nas
últimas décadas do século passado. Adveio, assim, com ampla e atualizada
regulamentação dos aspectos essenciais do direito de família à luz dos
princípios e normas constitucionais. As alterações introduzidas visam
preservar a coesão familiar e os valores culturais, conferindo-se à família
moderna um tratamento mais consentâneo à realidade social, atendendo-se
às necessidades da prole e de afeição entre os cônjuges ou companheiros e
aos elevados interesses da sociedade.9

É necessário compreender a importância que os princípios têm para a


comunidade em sua forma ampla, pois visam a garantia dos próprios valores. Pois
visa proporcionar a família o adequado cuidado que necessitam as relações
familiares. É imprescindível todo esse zelo com a parentela, no intuito a preservar os
interesses da sociedade.

1.2 O princípio da dignidade da pessoa humana

O princípio da dignidade da pessoa está elencado no artigo 1º,III, da nossa


Carta Magna de 1988, que se faz de grande relevância no nosso ordenamento
jurídico. O princípio assegura a todo o povo o cumprimento do que é essencial a vida
humana, com isso faz refletir valores inerentes que devem ser respeitados. “A
dignidade da pessoa humana é o núcleo existencial que é essencialmente comum a
todas as pessoas humanas, como membros iguais do gênero humano, impondo-se
um dever geral de respeito, proteção e intocabilidade”.10
Ressalta-se que a exigência dos deveres gerais com a população com base no
princípio, decorre do que é essencial para todas as pessoas. Nesse sentido, o
princípio visa resguardar o que é indispensável a vida das pessoas. Portanto, esses
valores quando não respeitados estão contra ao princípio.
No mesmo sentido, versa o entendimento do princípio, ser o maior dos demais
princípios, pois dele se propaga os outros princípios inerentes a vida humana. Dessa
forma, a valoração desse macro princípio é reconhecida na forma que espelha tantos
princípios que são de grande relevância para a sociedade.

9 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. V. 6, 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 21.
10 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito civil: famílias. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 60.
16

O princípio da dignidade da pessoa humana é o mais universal de todos os


princípios. É um macro princípio do qual se irradiam todos os demais:
liberdade, autonomia privada, cidadania, igualdade e solidariedade, uma
coleção de princípios éticos.11

O referido princípio, é muito utilizado em diversas áreas do direito,


principalmente quando os advogados percebem que o mesmo capaz de resguardar a
própria dignidade da pessoa em sua totalidade. Eles mencionam esse princípio no
sentido de garantir que um dos maiores direitos da pessoa não seja passado
despercebido.
No mesmo aspecto que o princípio é uma garantia de ter segurança do seu
direito para com todas as áreas, ele também é intimamente ligado a família visto que
a dignidade para com todas as famílias é necessária. A família em si tem inúmeros
formatos de composição e a garantia de resguardar a não diferenciação entre elas por
esse e outros motivos é fundamental. Portanto, o princípio se faz de grande valia para
a sociedade em geral.

O direito das famílias está umbilicalmente ligado aos direitos humanos que
têm por base o princípio da dignidade da pessoa humana, versão axiológica
da natureza humana. O princípio da dignidade humana significa, em última
análise, igual dignidade para todas as entidades familiares. Assim, é indigno
dar tratamento diferenciado às várias formas de filiação ou aos vários tipos
de constituição de família, com o que se consegue visualizar a dimensão do
espectro desse princípio, que tem contornos cada vez mais amplos. 12

Ressalta-se que esse princípio tem uma grande proporção sendo de difícil
visualização de sua totalidade e os seus amplos desdobramentos. Nesse sentido, é
de fundamental importância a análise do fato da sociedade para com esse princípio,
pois é amplo com intuito a garantir a verdadeira dignidade.

1.3 Princípio da proteção integral a crianças, adolescentes, jovens e idosos

Encontra-se elencado no artigo 227 da Constituição Federal de 1988, o direito


das crianças, adolescentes e jovens, tendo como objetivo a proteção integral delas,

11 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2013, p. 65.
12 Idem, p. 66.
17

posto que dependem de atenção total por parte não só da família, mas como do
Estado de maneira a garantir seu pleno desenvolvimento. Com isso, é necessária uma
atenção especial relacionada ao desenvolvimento delas, posto que é necessária sua
integral formação.
Dessa forma, afirma Lôbo “O princípio não é uma recomendação ética, mas
diretriz determinante nas relações da criança e do adolescente com seus pais, com
sua família, com a sociedade e com o Estado”.13 É indispensável o tratamento especial
para com elas, em consequência que são indivíduos em formação necessitando de
diversos cuidados para que cresçam saudavelmente em de todas as formas.
Esses cuidados para com as crianças, jovens e adolescentes se desenvolvem
primeiramente no núcleo familiar, onde tiram como base toda a questão social e
aprendem valores inerentes a vida humana e também para a comunidade. Dessa
forma, a comunidade e o Estado também contribuem para sua formação com a
convivência comunitária. Enquanto esses cuidados não decorrem da família em geral
que tem a paternidade responsável, o Estado tem a função de garantir para que sua
formação seja integral.
Essa disposição de direitos para com os menores encontra disposição e
implemento no ECA Lei 8.069/1990. Onde tem garantia aos menores que necessitam
de atenção por toda a família, Estado e sociedade, pois são indivíduos em formação
e necessitam ter garantia dos seus direitos de forma plena. Com essa segurança elas
têm a possibilidade de desenvolvimento integral.

A forma de implementação de todo esse leque de direitos e garantias, que


devem ser assegurados pela família, pela sociedade e pelo o Estado, está no
ECA (Lei 8.069/1990), microssistema que traz normas de conteúdo material
e processual, de natureza civil e penal, e abriga toda a legislação que
reconhece os menores como sujeitos de direito. O Estatuto rege-se pelos
princípios do melhor interesse, paternidade responsável e proteção integral,
visando a conduzir o menor à maioridade de forma responsável, constituindo-
se como sujeito da própria vida, para que possa gozar de forma plena dos
seus direitos fundamentais.14

O ECA regido por princípios indispensáveis aos menores de modo a garantir


seus direitos como pessoa e priorizar o seu pleno crescimento. Como sujeitos em

13 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito civil: famílias. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 77.
14 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2013, p. 70.
18

pleno desenvolvimento, essa garantia é fundamental. Com isso, os filhos dependem


de uma atenção especial da família sobre sua formação integral visando proteger seus
direitos essenciais.

1.4 Princípio da afetividade

Esse princípio vem como orientador das famílias, conforme Dias “talvez nada
mais necessário dizer para evidenciar que o princípio norteador do direito das famílias
é o princípio da afetividade”.15 Nesse sentido, temos muito a tratar sobre a afetividade
no decorrer dos assuntos de família. Dessa forma, enfatiza que o afeto norteia as
relações familiares de forma ampla, fazendo assim reconhecer a afetividade de
maneira muito necessária no contexto familiar.
A entidade familiar, possuidora do vínculo afetivo como base faz referência a
relação mais abrangente de afeto entre os indivíduos que juntos convivem. Dessa
maneira, a forma em que é referenciada traz a valoração do afeto no contexto familiar
que se nutrem desse sentimento.
Com isso, ocorreu uma evolução sobre o entendimento do afeto como
precursor de todo o contexto familiar, devendo ter o Estado como protetor. A família
brasileira foi se modificando e com isso, o valor do afeto surgiu abrindo diversas
maneiras de lidar com os variados tipos de família que muitas vezes não eram
reconhecidas pelo nosso ordenamento jurídico. Nesse sentido, traz a baila a
Doutrinadora Dias.

Tal nada mais é do que o compromisso de assegurar afeto: o primeiro


obrigado a assegurar o afeto por seus cidadãos é o próprio Estado. Mesmo
que a palavra afeto não esteja no texto constitucional, a Constituição enlaçou
o afeto no âmbito de sua proteção. Ao serem reconhecidas como entidade
familiar merecedora de tutela jurídica as uniões estáveis, que se constituem
sem o selo do casamento, isso que significa que a afetividade, que une e
enlaça duas pessoas, adquiriu reconhecimento e inserção no sistema
jurídico. Ou seja, houve a constitucionalização de um modelo de família
eudemonista e igualitário, com maior espaço para o afeto e a realização
individual.16

15 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2013, p. 74.
16 Idem, p. 72.
19

O afeto advém de diversas formas e também pela convivência entre as pessoas


que buscam a realização profunda de felicidade. O reconhecimento desse afeto
perante a sociedade inexistindo o vínculo matrimonial foi possível, com o necessário
reconhecimento. Dessa forma, a afetividade é principal, garantidora a integral
realização dos indivíduos.

1.5 Princípio da paternidade responsável e planejamento familiar

Com previsão legal no artigo, §7 da Constituição Federal de 1988, o


planejamento familiar é instituído a dois grandes princípios que são da dignidade da
pessoa humana e o da paternidade responsável.
Nesse sentido, o planejamento familiar é da vontade do casal de forma livre,
conforme assegura o artigo 1565 do Código Civil, e o Estado não poderá interferir
nessas decisões familiares, como a de escolha a manutenção da família. O Estado
nesse sentido deve propiciar recursos bem como acesso a eles.17
Esse princípio da paternidade responsável assegura ao dever que os
responsáveis possuem com os menores, eles tem que exercer cuidado, zelo, estar
sempre interessados na instrução deles, e ser de fato responsável pelo
desenvolvimento além da assistencial material. Com isso, a responsabilidade é de se
interessar pela sua formação integral e ajudá-los a crescerem e se formarem cidadãos
de bem.
Conforme ressalta Gonçalves “essa responsabilidade é de ambos os genitores,
cônjuges ou companheiros”.18 A paternidade responsável visa a responsabilidade que
exercem e que é necessária para ao pleno desenvolvimento necessitando de todo
apoio e cuidado possível. Com isso, a responsabilidade exercida pelos genitores com
os menores é necessária para a integral formação deles.

1.6 Princípio da igualdade jurídica de todos os filhos

Conforme artigo 227, §6 da Constituição Federal, o princípio assegurou a não

17 BRASIL. Planalto. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil 03/leis/20021110406.htm>. Acesso em: 18 jun. 2020.
18 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. V. 6, 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 24.
20

distinção dos filhos, independentemente de ser gerados dentro ou fora do casamento,


adotivos ou não. Com isso, todos vão ter os mesmos direitos sem discriminação
alguma por estarem protegidos contra todo tipo de discriminação, gerando assim,
igualdade entre eles.19
A distinção que havia no antigo Código Civil de 1916 sobre a prole, legítimos e
ilegítimos, era extremamente discriminatória. O código proporcionava proteção para
os filhos legítimos e discriminava os ilegítimos gerando assim, desigualdade jurídica
entre eles. Portanto, com o decorrer do tempo a evolução jurídica que ocorreu fez o
direito igual entre os filhos fosse protegido e respeitado.20

O dispositivo em apreço estabelece absoluta igualdade entre todos os filhos,


não admitindo mais a retrógrada distinção entre filiação legítima ou ilegítima,
segundo os pais fossem casados ou não, e adotiva, que existia no Código
Civil de 1916. Hoje todos são apenas filhos, uns havidos fora do casamento,
outros em sua constância, mas com iguais direitos e qualificações. 21

Nesse sentido, o tratamento é de isonomia entre os menores,


independentemente se foram gerados dentro ou fora do casamento ou por adesão. E
com isso, não é permitido qualquer tipo de discriminação. Portanto, o respeito e
valorização de todos os filhos são importantíssimos para o indivíduo ser digno e ter
proteção do seu direito.

1.7 Do dano afetivo

Entre os direitos das crianças e jovens têm em contrapartida, os deveres dos


genitores perante a preservação desses direitos. Como os pais são garantidores do
melhor desenvolvimento dos filhos, conforme o artigo 1634, inciso I e II, é necessário
a criação e toda sua formação amparada pelos pais.
Ressalta-se que é protegido o direito do desenvolvimento pleno dos filhos,
preservando-os de vários meios de omissão dos genitores com sua prole, previsto na
nossa Carta Magna no seu artigo 227 e no ECA, afirma Dias, “[...] acolheram a

19 BRASIL. Planalto. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 20 jun. 2020.
20 ______. Planalto. Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Código Civil. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm>. Acesso em: 20 jun. 2020.
21 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. V. 6, 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 23.
21

doutrina da proteção integral. Modo expresso, crianças e adolescentes foram


colocados a salvo de toda forma de negligência”.22
Dessa forma, os pais tem a responsabilidade de proporcionar os filhos a sua
formação integral, dado que as crianças precisam de amor, cuidado, carinho e que os
pais tem essa função de passar os valores da vida ajudando-os a crescer de forma
plena.23

O conceito atual da família, centrada no afeto como elemento agregador,


exige dos pais o dever de criar e educar sem lhes omitir o carinho necessário
para a formação plena de sua personalidade. A grande evolução das ciências
que estudam os psiquismos humanos veio a escancarar a decisiva influência
do contexto familiar para o desenvolvimento sadio de pessoas em
formação.24

Porém, quando faltam alguns dos aspectos importantes para a formação das
crianças, pode acarretar sequelas irreparáveis na vida da pessoa, vindo a apresentar
problemas psicológicos por tamanha falta que é difícil reparar. Com isso, o
desenvolvimento é total, abrange vários aspectos para a construção de sua
personalidade.
O reflexo que ocasionam a falta desse cuidado dos genitores na vida dos filhos,
é visto como influenciadores na formação deles. E a família tem como papel oferecer
esse afeto a complementar seu desenvolver. Não oferecendo o amparo e amor
necessários, pode vir a causar transtornos na vida dos filhos.

1.8 Do poder familiar

A autoridade que os genitores possuem perante os menores até atinge a


maioridade decorre do poder familiar conforme Gonçalves “o poder familiar é o
conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais no tocante a pessoa e aos bens dos
filhos menores”.25 Ou seja, no que diz respeito aos menores, os pais exercem um
dever de cuidado e zelo com a prole antes de atingirem a maioridade.

22 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2013, p. 469.
23 BRASIL. Planalto. Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Código Civil. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm>. Acesso em: 20 jun. 2020.
24 DIAS, Maria Berenice. Op. Cit, p. 469.
25 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. V. 6, 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013,
22

Esse poder decorre dessa frequente e necessária obrigação que os genitores


têm com sua prole, atribuindo a eles a educação desde os primeiros meses de vida,
sendo que é muito importante que os pais tenham essa preocupação e que os
mesmos tenham um diálogo para assim se formar a educação, passando os
conhecimentos de vida e os amparando quando necessitarem.
Além do mais, é importante ressaltar que os filhos até atingirem a maioridade
precisam de quem os represente perante a comunidade e o judiciário, que também é
dever dos genitores. Ou seja, é importantíssimo ter quem os ampare de forma integral.
Com isso, é de fundamental necessidade dos filhos, da família e sociedade
como do Estado todo esse desenvolvimento por parte dos genitores com sua prole,
de certo que são pessoas e cidadãos em pleno conhecimento, dependentes de apoio
intelectual, moral, material e psicológico. “Desse modo, o poder familiar nada mais é
do que um múnus público, imposto pelo Estado aos pais, a fim de que zelem pelo
futuro de seus filhos”.26

1.9 Visão histórica

O poder familiar em sua visão histórica traz em determinado momento da nossa


história que o comando a autoridade era centralizado nas mãos do pai, genitor e até
mesmo era difícil saber identificar se realmente o poder era dele para toda a família
ou só do pai genitor com os filhos. Esse poder visível do pai, genitor para a prole era
de um grande machismo e esse machismo tornava-se de extrema nitidez frequente
para a família e a sociedade.

A expressão “poder familiar” adotada pelo Código Civil corresponde ao antigo


pátrio poder, termo que remota ao direito romano: pater potestas – direito
absoluto e ilimitado conferido ao chefe da organização familiar sobre a
pessoa dos filhos. A conotação machista de o vocábulo pátrio poder é
flagrante, pois só menciona o poder do pai com relação aos filhos. Como se
trata de um termo que guarda resquícios de uma sociedade patriarcal, o
movimento feminista reagiu daí o novo termo: poder familiar. A emancipação
da mulher e o tratamento legal isonômico dos filhos impuseram a mudança.27

p. 417.
26 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. V. 6, 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013,
p. 418.
27 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2013, p. 434.
23

Com essa visão remota pelo “pátrio poder” assegurada pelo Código Civil de
1916, a mãe genitora era “esquecida” e sempre centralizando o poder unicamente nas
mãos do pai. Só nas situações de extrema necessidade que a mulher dentro do
casamento tinha voz em casa. No decorrer do tempo, as mulheres ganharam forças
assumindo o papel de chefes de família junto com os genitores e esse termo que antes
era centralizado para o pai foi dos dois.
A concepção do machismo perdeu forças, e as mulheres deram um avanço na
história.

O estatuto da mulher casada (Lei 4.121/62), ao alterar o Código Civil de 1916,


assegurou o pátrio poder a ambos os pais, que era exercido pelo marido com
a colaboração da mulher. No caso de divergência entre os genitores,
prevalecia a vontade do pai, podendo a mãe socorrer-se de justiça.28

Até mesmo a forma de lidar com a filiação como indivíduos de direitos iguais foi
de certa forma contribuintes para a essa nova fase.
Dessa forma as mulheres ganharam voz perante o judiciário com o advento da
possibilidade de usar as vias judiciais caso não concordasse com o pai em situações
que aconteciam dentro de casa. Com isso, essa transformação foi muito importante
no ordenamento jurídico.
Nessa toada, complementa Lôbo que os filhos têm a real necessidade de zelo
pelos pais, uma vez que são pessoas em desenvolvimento.29
Ademais, até atingirem a maioridade precisa de uma presença que indique
quais caminhos seguir, educando-os e amparando-os, ensinando os valores da vida.
No decorrer do tempo, com a mudança das relações familiares onde
predominava a voz do pai, é interessante ressaltar não só “poder” que agora, é
exercido pelos dois genitores, 226 §5º, da Constituição Federal. Mas, o que prevalece
são os “deveres” que os genitores tem com a prole.

O poder familiar é o exercício da autoridade dos pais sobre os filhos, no


interesse destes. Configura uma autoridade temporária, exercida até a
maioridade ou emancipação dos filhos. Ao longo do século XX, mudou
substancialmente o instituto, acompanhando a evolução das relações

28 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2013, p. 434.
29 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito civil: famílias. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 295.
24

familiares, distanciando-se de sua função originária – voltada ao interesse do


chefe da família e ao exercício de poder dos pais sobre os filhos ¬– para
constituir um múnus, em que ressaltam os deveres.30

Nesse diapasão, os pais tem a responsabilidade geral com sua prole,


decorrente de deveres com eles, e não só o fato de ter o poder mencionado. Com
isso, é necessário antes de vir o “pátrio” relembrar que existe os deveres dos genitores
com sua prole. Dever esse que necessita de enormes cuidados, zelo, entre outras.
Com isso, essa obrigação é presente e necessária para o desenvolvimento dos filhos,
desfocando a ideia antes vista como apenas de “poder” para com eles.

A denominação ainda não é a mais adequada, porque mantém a ênfase no


poder. Todavia é melhor que a resistente expressão “pátrio poder”, mantida
inexplicavelmente, pelo o Estatuto da Criança e do Adolescente ( lei
n.8.069/90 ), somente derrogada com o Código Civil. Com a implosão, social
e jurídica, da família patriarcal, cujos últimos estertores se deram antes do
advento da Constituição de 1988, não faz sentido que seja reconstruído o
instituto apenas deslocando o poder do pai pátrio para o poder compartilhado
dos pais (familiar). A mudança foi muito mais intensa, na medida em que o
interesse dos pais está condicionado ao interesse do filho, na medida em que
o interesse da sua realização como pessoa em desenvolvimento. 31

É notório ressaltar que a proteção para a criança, jovem e adolescente é


obrigação dos responsáveis, pois são pessoas de obrigação com eles. Com isso, essa
responsabilidade decorre da autoridade que possuem com os menores que de certa
forma complementa seu desenvolvimento. E que se faz indispensável realizar a
formação integral dos filhos priorizando o melhor para eles.

1.10 Dos direitos e deveres dos pais com os filhos

Dos direitos e deveres inerentes aos genitores para com os menores estão
elencados no nosso Código Civil em seu artigo 1.634, onde ressalta a importância
referentes a criação das crianças, adolescentes dentro do exercício do poder familiar.
É necessário ressaltar todos os incisos, pelo fato que fazem parte da educação
integral aos menores.

30 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito civil: famílias. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 295.
31 Ibidem.
25

Neste modelo os pais tem a obrigação de assegurar o melhor para os filhos,


oferecendo a possibilidade de crescimento sendo amparados de maneira total. Posto
que, a obrigação que os genitores possuem é para a sua formação e assegurar que
tudo ocorra da melhor forma possível para que o desenvolva a personalidade.
Ressalta-se, que está elencado no artigo 229 da Constituição Federal de 1988
sendo este uma garantia fundamental “Os pais tem o dever de assistir, criar e educar
os filhos menores e os filhos têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice,
carência ou enfermidade”.32 Com isso, podemos entender que o citado artigo da nossa
carta magna na atribuição das obrigações dos genitores faz alusão ao amparo integral
que tem que desenvolver junto aos filhos, proporcionando recursos para o
desenvolvimento intelectual junto a eles, bem como instrução para as diversas
situações da vida.
Ademais, o ECA em seu artigo 22, é claro quanto a obrigação dos genitores de
serem guardiões de forma ampla dos menores, além de deterem a guarda judicial
propriamente dita. Dessa forma, proporcionar o que os filhos necessitam para a sua
formação, o “sustento” vai além do que entendemos como alimento que é inclusive
necessário à vida humana, mas esse sustento é entendido de forma integral. “A
expressão correta e justa é: o pai não deve alimentos ao filho menor, deve-lhe
sustento. Enquanto o filho se encontra sob o poder familiar, a obrigação dos pais
decorre do dever de sustento”.33
Portanto em sua formação plena, é necessária toda a atenção possível no
decorrer da formação dos filhos, pois necessita de todo cuidado para se
desenvolverem e tornarem cidadãos competentes a exercer seus atos em
comunidade. E esse desenvolver de atenção e cuidado é inerente ao dever dos pais
ampará-los integralmente.

Essa regra permanece aplicável, pois aos poderes assegurados pelo o


Código Civil somam-se os deveres fixados na legislação especial e na própria
Constituição. A partir desta, têm-se todos como deveres cometidos aos pais
no melhor interesse dos filhos menores.34

32 BRASIL. Planalto. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 20 jun. 2020.
33 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2013, p. 555.
34 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito civil: famílias. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 302.
26

Por esta razão, torna-se possível e importante aplicabilidade quando temos a


união da nossa Carta Magna junto ao ECA acrescentando com o Código Civil, onde
temos os direitos e obrigações fixados. Fazendo assim, a integralidade do mais
essencial na vida dos filhos tendo a possibilidade de observar o melhor para eles. A
psicologia tem por entendimento que quando um bebê nasce, ele não sabe diferenciar
quem é ele, quem é a mãe, quem é o pai, para ele todos são somente um, existe
somente ele, o ser único.
Em torno do primeiro ano de vida, o bebê consegue entender que ele é um e a
mãe é outra, e ao fazer essa divisão, o pai é a primeira pessoa que ele identifica como
“inteiro”, o bebê vivencia esse processo de se diferenciar da mãe e descobrir essa
“terceira pessoa” que é a figura paterna, esse homem (pai ou cuidador) precisa ser
um suporte nessa relação desde o início, se envolvendo nesse ambiente da criança,
pois assim, estará alinhado com a mãe para dar o suporte necessário a ela e ao bebê.
Então a criança é totalmente dependente, ao perceber que tem a mãe para
atender suas necessidades, ela começa a desenvolver a confiança e exigir cada vez
mais da sua mãe, na medida em que isso acontece, estabelece o processo de
confiança entre mãe e bebê.
A partir dessa confiança estabelecida, os pais vão passando seus valores e
princípios à criança e com o tempo a criança percebe que aquilo faz parte dela
também.
A influência da família no desenvolvimento do psiquismo infantil é um tema
amplamente debatido por diversos autores do saber.
As vivências da primeira infância são decisivas para o desenvolvimento do
psiquismo, o ambiente familiar e as relações pais/filho (os) são de extrema importância
para a formação da personalidade da criança, é ali que a criança experimentará os
afetos que posteriormente serão reproduzidos em suas relações com o mundo externo.
Sendo assim, as figuras parentais e a relação estabelecida com estas são
fundamentais para o desenvolvimento psíquico da criança e para a qualidade das
relações estabelecidas posteriormente.
27

CAPÍTULO 2

O ABANDONO AFETIVO

O abandono afetivo em sua amplitude é ausência da obrigação que os


genitores têm de cuidado com o filho, mais do de forma pecuniária, mas que se dá de
diversas nuance que se originam do cuidar, de se importar, de estar presente em
situações importantes da vida da prole, incentivando-o, educando, ensinando valores
morais, ajudando-o a crescer em diversos aspectos em que é necessária a presença
de uma autoridade para mostrar os caminhos a percorrer durante a vida.
Nesse sentido, entende-se que os genitores tem a obrigação jurídica para com
sua prole, priorizando a formação integral deles, com isso independentemente dos
genitores estarem separados no convívio é de fundamental importância o não
distanciamento do que não possua a guarda. Com isso, evitando diversas situações
provenientes do afastamento dos pais, preservando o direito dos filhos, conforme
assegura o artigo 1.589 do Código Civil 2002.35
Em contrapartida, a hipótese que muitas vezes não decorrer do desejo dos
pais, considerando que não podemos impor afeição para as pessoas:

Sob esta expressão, a doutrina e a jurisprudência brasileiras atentaram para


o fato de o pai, que não convive com a mãe, contentar-se em pagar alimentos
ao filho, privando-o de sua companhia. A questão é relevante, tendo em conta
a natureza dos deveres jurídicos do pai para com o filho, o alcance do
princípio jurídico da afetividade e a natureza laica do Estado de Direito, que
não pode obrigar o amor ou afeto às pessoas. 36

Com isso, se é muito importante ser discutida a questão da afeição entre as


pessoas, em demandas judiciais, posto que o fato de dar em pecúnia a pensão
alimentícia é ou não suficiente para a vida da prole. Com isso, o abandono afetivo
envolve diversas nuances a serem acompanhadas pelo poder judiciário para o melhor
desenvolver das relações paterno-filiais. Sendo que é obrigação dos genitores

35 BRASIL. Planalto. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil 03/leis/20021110406.htm>. Acesso em: 18 jun. 2020.
36 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito civil: famílias. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 310.
28

independentemente se estão juntos ou não, cuidar dos filhos, conforme ressalta o


artigo 1.634 do Código Civil/2002.37
É importante esclarecer que decorrente do abandono afetivo pode analisar
diversas situações que ocasionam problemas na vida dos menores, ocasionando
danos irreparáveis a vida deles muitas vezes pelo descaso pelo genitor ou genitora
que o abandonou afetivamente. Dessa forma, um terceiro próximo acaba suprindo
esse amor e zelo que falta.

Portanto, o “abandono afetivo” nada mais é que inadimplemento dos


deveres jurídicos da paternidade. Seu campo não é exclusivamente o da
moral, pois o direito o atraiu para si, conferindo-lhe consequências jurídicas
que não podem ser desconsideradas. 38

Assim, devemos destacar a importância que o afeto tem dentro das famílias,
visto que, com a falta deste decorrente das obrigações paterno-filiais, o prejuízo é
muito grande para o desenvolvimento da prole. Sendo assim, haja vista os grandes
transtornos causados, analisamos meios possíveis para a reparação por esses danos
ocasionados.

2.1 Consequências do abandono afetivo na psicologia

É muito difícil materializar os danos do abandono afetivo, uma vez que é


permeado de subjetividade. A questão de “compensar” o abandono afetivo é polêmica
e dividem diversas opiniões, é algo delicado e deve ser analisado com cautela.
No entanto, estudos em Psicologia Clínica tem demonstrado que as funções
paternas e maternas são essenciais para uma formação saudável da personalidade
da criança. E ao mesmo tempo tem apontado as consequências negativas tanto para
as crianças quanto para próprios pais.

2.1.1 Para os pais

O pai ou a mãe que não cumpre com a obrigação de dar suporte para o

37 BRASIL. Planalto. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil 03/leis/20021110406.htm>. Acesso em: 18 jun. 2020.
38 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito civil: famílias. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 312.
29

desenvolvimento psicossocial da criança deve saber que isso poderá lhe acarretar
futuramente danos psicológicos causados pelo arrependimento e frustração. A maioria
das pessoas é dotada de sentimento de arrependimento e culpa e esse sentimento
tende a aflorar mais quanto mais passa a idade.
Então mesmo que na hora se queira ignorar, colocar a culpa no outro ou fugir
da responsabilidade é preciso saber que assumir essa obrigação faz parte do
processo saudável de se tornar adulto. Esse investimento afetivo nos filhos trás
conforto e sensação de missão cumprida na velhice. Para Freud, no longo período da
infância, onde a criança vive na dependência, os pais deixam como “herança” toda a
influência parental.

Esta influência parental, naturalmente, inclui em sua operação não somente


a personalidade dos próprios pais, mas também a família, as tradições raciais
e nacionais por eles transmitidas, bem como as exigências do ambiente social
imediato que representam.

Quando não existe esse vínculo, o pai deixou de colaborar e cumprir com sua
função paterna com a criança.

2.1.2 Para a criança

A ruptura das relações pessoais e da ligação de afeto, assim como a ausência


de familiaridade entre pais e filhos, podem provocar sequelas psicológicas e
comprometerem o desenvolvimento saudável da criança. Através da visão jurídica “o
amor é facultativo, porém, o cuidar é dever”. Ou seja, a função dos pais não se
restringe somente ao alimentar, mas também ao dever de possibilitar o
desenvolvimento humano pleno.
Como dito anteriormente, a criança depende do amor e afeto dos pais (ou
responsáveis) para se desenvolver saudavelmente, os mesmos são espelhos para a
criança, e quando ela se vê sem a convivência com um deles, se sente perdida.
Somente com o apoio, intervenção e amor dos pais, a criança pode se tornar
um adulto capaz de também cumprir com suas obrigações de forma natural.
Os estímulos de carinho devem começar antes mesmo do bebê nascer e é
extremamente importante também na primeira infância (de 0 a 3 anos).O sofrimento
da criança abandonada pode ocasionar deficiências no seu comportamento mental e
30

social para o resto da vida, a criança pode se isolar do convívio de outras pessoas,
apresentar problemas escolares, depressão, tristeza, baixa autoestima, além de
problemas de saúde.
Existem diversos estudos que comprovam os danos mentais em menores
negligenciados pelos pais. Vale ressaltar que, na ausência de pai e mãe biológicos, é
de extrema importância para a criança que haja alguém (tios, avós, padrinhos …) que
possa cumprir essa função de forma equilibrada e com carinho.

2.2 Do dano afetivo e suas consequências nas relações paterno-filiais

Os pais têm a obrigação de cuidar da sua prole e quando não cumprem o que
o decorre desse dever, surge a falta que muitas vezes pode ser fatal em questões
psicológicas na vida dos filhos, dificultando o crescimento deles de forma plena. Dado
que, o genitor tem seu papel inerente a aspectos importantes a passar para os filhos
pois os filhos o possuem como intermediador deles com o mundo.

A falta de convívio dos pais com os filhos, em face do rompimento do elo de


afetividade, pode gerar severas sequelas psicológicas e comprometer seu
desenvolvimento saudável. A figura do pai é responsável pela primeira e
necessária ruptura da intimidade mãe e filho e pela introdução do filho no
mundo transpessoal, dos irmãos, dos parentes e da sociedade. Nesse outro
mundo, imperam ordem, disciplina, autoridade e limites. A omissão do genitor
em cumprir os encargos decorrentes do poder familiar, deixando de atender
ao dever de ter o filho em sua companhia, produz danos emocionais
merecedores de reparação.

Nesse sentido, com a falta desse amor que o genitor não oferece ao filho em
razão da ausência da presença dele, as consequências ocasionadas na vida dos
menores em danos psicológicos e danos emocionais de responsabilidade do pai que
o abandonou, posto que esse transtorno possa vir a ser motivo ensejador de reparo
como vamos analisar a diante.

2.3 Configuração de dano pelo abandono afetivo

A valorização do afeto nas relações paterno-filiais é de relevância, certo que,


o desenvolvimento emocional psicológico que lhe são inerentes. Nessa toada, quando
31

o pai é ausente e com isso causa sérios abalos na vida do filho, como graves
problemas de abalo mental, sendo esse problema reconhecido leva a indenização por
esse dano causado.

[...] Assim, a ausência da figura do pai desestrutura os filhos, tira-lhes o rumo


de vida e debita-lhes a vontade de assumir um projeto de vida. Tornam-se
pessoas inseguras. Tal comprovação, facilitada pela interdisciplinaridade, tem
levado ao reconhecimento da obrigação indenizatória por dano afetivo. Ainda
que a falta da afetividade não seja indenizável, o reconhecimento da
existência do dano psicológico deve servir, no mínimo, para gerar o
comprometimento do pai com o pleno e sadio desenvolvimento do filho. Não
se trata de impor um valor ao amor, mas reconhecer que o afeto é um bem
que tem que ter valor.39

Nesse contexto, de fato, o sentimento de amor não temos a possibilidade de


dar valor que mensure, mas temos a possibilidade de ver que é muito importante o
afeto na vida das pessoas. E a partir do momento que a ausência desse afeto
prejudica em áreas reconhecidas como a da psicologia, é possível que possa ter o
interesse no desenvolvimento pleno do filho por parte dos pais.
Podemos analisar que de acordo com o artigo 1.638, inciso II do Código Civil
que ambos os pais têm como perder o poder familiar pelo o abandono do filho. Dessa
forma, pelos danos causados inerentes ao abandono, falta de cuidado e gerando
danos a sua formação e ausência por parte dos pais enseja danos ao filho, é possível
de indenização. Nessa toada, complementa o pensamento Dias.

A lei obriga e responsabiliza os pais no que toca aos cuidados com os filhos.
A ausência desses cuidados, o abandono moral, viola a integridade
psicofísica dos filhos, bem como o princípio da solidariedade familiar, valores
protegidos constitucionalmente. Esse tipo de violação configura dano moral.
E quem causa dano é obrigado a indenizar. A indenização deve ser em valor
suficiente para cobrir as despesas necessárias para que o filho possa
amenizar as sequelas psicológicas.40

O afeto é valor jurídico a ser protegido pela nossa carta magna, e nela possui
inúmeras garantias constitucionais relacionadas aos cuidados dos filhos em sua forma
integral, existindo a preocupação com toda falta que os pais fazem para com o filho,

39 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2013, p. 470.
40 Id. Ibidem, p. 471.
32

sendo dessa forma, violação dos seus direitos assegurados dependendo da situação
ocorrida.
Com isso, pelo dano que pode ocorrer e partindo do pressuposto de quem
comete o dano tem que indenizar, a indenização se configura em valor justo que de
para pagar o valor inerente aos psicólogos e outros para tentar melhorar o que ficou
abalado psicologicamente.

[...] Dessa forma, o dano à dignidade da pessoa humana do filho em estágio


de formação deve ser passível de reparação material, não apenas para que
os deveres parentais deliberadamente omitidos não fiquem impunes, mas,
principalmente, para que, no futuro, qualquer inclinação ao irresponsável
abandono possa ser dissuadida pela firme posição do judiciário, ao mostrar
que o afeto tem um preço muito alto na nova configuração familiar. 41

A indenização pelo abandono afetivo, de certa forma atenta o convívio dos


genitores com os filhos, no fato que abandonar o filho no inicio de sua formação pode
ensejar em diversos e infinitos transtornos na vida dele. Pois o afeto em sua amplitude
tem um valor significativo na vida dos filhos e os pais quando não dão a atenção
devida inerente ao poder familiar não devem ficar sem ser responsabilizados. Dessa
forma, o papel pedagógico para que fiquem claro para posteriores discussões
relacionadas ao descumprimento relativo ao poder familiar são dignas de medidas de
reparação.

2.4 A perda do poder familiar

A obrigação dos genitores com sua prole que decorre do poder familiar é de
proporcionar meios para que os menores se desenvolvam de forma plena. Nesse
sentido, é importante priorizar o que é melhor para o filho decorrente de seus
interesses, dando-lhes atenção necessária e protegendo-os de tudo que possa
prejudica-los dentro do alcance.
Desse modo, o Estado tem essa preocupação de defesa aos interesses dos
jovens e adolescentes, com intuito de protegê-los. Com isso, quando falta essa

41 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2013, p. 472.
33

atenção dos genitores com sua prole, o interesse do Estado é de fiscalização em


decorrência dessa omissão da obrigação que os genitores possuem.

O poder familiar é um dever dos pais a ser exercido em interesse do filho. O


Estado moderno sente-se legitimado ao a entrar no recesso da família, a fim
de defender os menores que aí vivem. Assim, reserva-se o direito de fiscalizar
o adimplemento de tal encargo, podendo suspender e até excluir o poder
familiar. Quando um ou ambos os genitores deixam de cumprir com os
deveres decorrentes do poder familiar, mantendo comportamento que possa
prejudicar o filho, o Estado deve intervir. É prioritário o dever de preservar a
integridade física e psíquica de crianças e adolescentes, nem que para isso
tenha o Poder Público afastá-los do convívio de seus pais.42

Em decorrência dessa omissão dos genitores com sua prole, partindo


pressuposto que só irá prejudica-los na sua formação integral, o Estado fiscaliza a
ponto dependendo do caso concreto, aplicar sanções aos pais responsáveis de
suspender que seria uma medida um pouco grave e até mesmo a exclusão que é mais
grave. Dessa forma, é necessário o cumprimento das obrigações inerentes ao poder
familiar que são atribuídas aos genitores, pois com a falta desse dever o Estado
deverá intervir.
É necessário que tenha zelo com a formação das crianças e adolescentes,
uma vez que necessitam de atenção para o seu desenvolvimento físico, psicológico,
moral, intelectual e quando não são preservadas podem ocasionar diversos
problemas na vida delas. Em razão disso, essa fiscalização por parte do Estado para
assegurar o real cumprimento da obrigação dos genitores com a prole, nada mais é
que garantir o melhor para as crianças e adolescentes.

A moral e os bons costumes são aferidos objetivamente, segundo Standards


valorativos predominantes na comunidade, no tempo e no espaço, incluindo
as condutas que o direito considera ilícitas. Não podem prevalecer os juízos
de valor-subjetivos do juiz, pois constituíram abuso de autoridade. Em
quaisquer circunstâncias, o supremo valor é o melhor interesse do menor,
não podendo a perda familiar orientar-se, exclusivamente, no sentido de pena
ao pai faltoso.43

42 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2013, p. 444.
43 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito civil: famílias. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 309.
34

Ressalta ainda, que essa sanção visa garantir o interesse dos menores, posto
que necessitem de proteção. Dessa forma, não se caracteriza apenas ao fato de
punição aos pais que deixaram de cumprir com suas obrigações.
Com isso, é importante destacar que de acordo com o caso concreto a análise
é necessária para visar o melhor interesse dos menores, posto que como afirma Dias.

Em face das sequelas que a perda do poder familiar gera, deve somente ser
decretada quando sua mantença coloca em perigo a segurança ou a
dignidade do filho. Assim, havendo possibilidade de recomposição dos laços
de afetividade, preferível somente a suspensão do poder familiar. 44

Ocorrendo a possibilidade de melhorar a situação antes vista como muito


difícil de resolver em razão de diversas situações que atentam contra o filho, mas que
ainda tem possibilidade de se adequar, torna-se mais leve a medida prevista sendo
ela a de suspensão, uma vez que como é de interesse dos menores, o afeto se faz
muito presente. Complementa esse pensamento Lôbo.

Por sua gravidade, a perda do poder familiar somente deve ser decidida
quando o fato que a ensejar for de tal magnitude que ponha em perigo
permanente a segurança e a dignidade do filho. A suspensão do poder
familiar ou adoção de medidas eficazes devem ser preferidas à perda,
quando houver possibilidade de recomposição ulterior dos laços de
afetividade. A perda é imposta no melhor interesse do filho, se sua decretação
lhe trouxer prejuízo, deve ser evitada.45

A partir do momento que os pais detentores do poder familiar fazem os filhos


de certa forma entrar em risco comprometendo-os e colocando em situações
perigosas não há que se falar em suspensão do poder familiar, mas sim, em perda do
poder familiar. Em razão do grave dano que pode ser gerado nos menores.

2.5 A perda ou destituição do poder familiar em razão do abandono

Está previsto no artigo 1.635, inciso V do Código Civil que a perda do poder
familiar por decisões judiciais é decorrente de causas graves que não tenham

44 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2013, p. 445.
45 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Op. Cit., p. 308.
35

alternativas a não ser extinção do poder familiar. Dentre elas, mais especificamente o
artigo 1638, inciso II do Código Civil traz que por atos judiciais o poder familiar pode
ser perdido em razão do abandono que pode ser o abandono material ou intelectual.
A partir do que é assegurado em nossa Constituição Federal no artigo 227, o
direito que os filhos possuem de convívio familiar e também convívio com a
comunidade, e esse convívio não se toma possível em razão do abandono, afetando
assim o seu desenvolver de diversas formas. Nesse sentido, ressalta Gonçalves.

Prevê o art. 227 da Constituição Federal que a criança e o adolescente têm


direito a “convivência familiar e comunitária”. O abandono priva o filho desse
direito, além de prejudica-lo em diversos sentidos. A falta de assistência
material coloca em risco a saúde e sobrevivência, mas não constitui a única
forma de abandono. Este pode ser também moral e intelectual, quando
importa em descaso com a educação e moralidade do infante. 46

O abandono dos filhos não é exclusivamente material quando não cumpre


mas se dá de formas como abandono intelectual e também moral, onde analisa a
omissão dos pais pelos filhos na criação deles. Com isso o desenvolvimento dos filhos
fica prejudicado por necessitarem de alguém para ensiná-los e educa-los.
Dessa forma, como forma de reprimenda a essa conduta de abandono,
caracterizando todos os tipos de abandono como crimes previstos no Código Penal,
complementa Gonçalves.

Código Penal, visando reprimir as diversas formas de abandono de filho,


prevê os crimes de “abandono material' (CP, art. 244), “abandono intelectual”
(art. 245), “abandono moral” (art. 247), “abandono de incapaz” (art. 133),
“abandono de recém de nascido” (art. 134). 47

2.6 Da destituição do poder familiar

A destituição pelos pais biológicos acontece a partir que é deferida onde se


toma fácil o procedimento da adoção, uma vez que antes era difícil a possibilidade de
cumulação da ação de destituição do poder familiar com a adoção. Por exigir que

46 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. V. 6, 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013,
p. 434.
47 Ibidem.
36

antes do procedimento de adoção pela discordância dos pais biológicos se fizesse a


ação de desconstituição, para posterior ação de adoção. Dessa forma, entende Dias:

Como a adoção assegura todos os direitos decorrentes da filiação. Seu


deferimento leva à destituição do poder familiar dos pais biológicos. Não
havendo a concordância dos genitores com a adoção, a tendência sempre foi
exigir a prévia demanda de desconstituição.48

Dessa forma, surgiu a jurisprudência concordando com a cumulação das


ações, todavia, em ações que zelam pelos interesses de crianças e adolescentes a
melhor forma para lidar é não ter um formalismo exacerbado nos processos, verifica-
se que de que é necessário para a ação de adoção o procedimento da perda do poder
familiar dos pais biológicos, dessa forma, a solicitação não expressa da destituição
não causa dano à ação.

[...] A jurisprudência, em um primeiro momento, passou a admitir a


acumulação das demandas de destituição e de adoção. Porém, formalismos
de ordem processual não devem prevalecer em processos atinentes aos
direitos de crianças e adolescentes. Como a concessão da adoção implica,
necessariamente, na perda do poder familiar (CC 1.635 IV e ECA 41) não
ocasiona prejuízo a ausência de expresso pedido de destituição. Tal
pretensão passou a ser considerada implícita. Assim, a destituição do poder
familiar é reconhecida como efeito reflexo da sentença concessiva da adoção.
A única exigência é a citação dos genitores como litisconsortes necessários.49

Nesse sentido implícito da destituição uma vez que para ocorrer o


procedimento de adoção é necessária à destituição do poder familiar dos pais
biológico faz necessário apenas que os genitores sejam chamados ao Juízo a fim de
responder a demanda como litisconsortes necessários.

2.7 A responsabilidade dos pais

O artigo 932 inciso I do Código Civil traz a responsabilidade que os pais tem
sobre os filhos, de ser responsável pelos menores que estão em sua companhia.
Complementa Gonçalves "Considerando-se que ambos os pais exercem o poder

48 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2013, p. 524.
49 Id. Ibidem, p. 524.
37

familiar, pode-se afirmar, pois, que a presunção de responsabilidade dos pais resulta
antes da guarda que do poder familiar".50
Nesse sentido, por força do poder familiar aos pais inerentes. Essa
responsabilidade que eles possuem é total. Até mesmo em suas relações
patrimoniais. Por isso, enquanto os filhos são menores os pais tem o dever de
responder por tudo o que fazem.

O poder familiar não apenas diz respeito às relações entre pais e filhos
interessam suas repercussões patrimoniais em relação a terceiros. Os pais
respondem pelos danos causados por seus filhos menores, que estejam
submetidos a seu poder familiar. Trata-se de responsabilidade civil subjetiva,
pois a responsabilidade pela reparação é imputável a quem não causou
diretamente o dano.51

Dessa forma, compete aos pais representar os filhos menores de dezesseis


anos em todas as situações, uma vez que são detentores do poder familiar que lhe é
exigido a responsabilidade. Bem como, prestar assistência aos filhos com dezesseis
anos em diante, auxiliando-os e acompanhando-os.

2.8 Do dever de reparação

O artigo 927 do Código Civil disciplina que quando uma pessoa comete um
ato ilícito que ocasiona dano a outra pessoa tem 0 dever de reparar esse dano, onde
analisamos o dever indenizatório por parte do agente causador do dano pois configura
um ato ilícito. De igual forma, o artigo 186 do Código Civil, traz o cometimento do dano
como ato ilícito. Nesse sentido, analisamos o que o ilustre doutrinador Sérgio Cavalieri
Filho ressalta.

Portanto, a partir do momento em que alguém, mediante conduta culposa,


viola direito de outrem e causa-lhe dano, está-se diante de um ato ilícito, e
deste ato deflui o inexorável dever de indenizar, consoante art. 927 do Código
Civil. Por violação de direito deve-se entender todo e qualquer direito
subjetivo, não s6 01 relativos, que se fazem mais presentes no campo da
responsabilidade contratual, como também e principalmente os absolutos,

50 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. V. 6, 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013,
p. 124.
51 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito civil: famílias. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 312.
38

reais e personalíssimos, nestes incluídos o direito à vida, à saúde, à


liberdade, à honra, à intimidade, ao nome e à imagem.52

Ocorre que, quando alguém viola o direito subjetivo e restando comprovado


dolo ou culpa por parte da pessoa que o fez temos a responsabilidade, além do mais,
é necessário determinar o dano e a conduta da pessoa com o cometimento do ato ilícito.
A falta que os genitores omissos têm para com os filhos, muitas vezes
causando diversos transtornos na vida deles dentre esses transtornos psicológicos.
Entende-se que é de difícil comprovação uma vez que, o tempo que eles ficaram
ausentes ou que causaram o transtorno é como se fosse tentar corrigir o que o
incorrigível, sendo que ficou no passado, tendo seus reflexos agora no presente pela
omissão de afetividade. Nesse entendimento, concorda Nader, que:

Para que haja a indenização se faz necessárias as provas, no entanto, seriam


raros na prática os casos de sucesso, pois o ônus de todas as provas seria
do lesado, a quem caberia comprovar o dano, a conduta nociva e o nexo, que
seja ela de difícil comprovação caso as lesões tenham sido de natureza
psíquica.53

Dentre as causas jurídicas que geram o dever indenizatório está presente a


relação que os pais têm com os filhos de responsabilidade indireta, uma vez que a lei
impõe a obrigação dos genitores para com os filhos. Onde analisamos as questões
que decorrem dos pais quando o filho tem a ele como responsável, entre outras que
são de responsabilidade dos genitores, como já analisamos nesse estudo. Nesse
entendimento, Sergio Cavalieri Filho:

As causas jurídicas que podem gerar a obrigação de indenizar são


múltiplas.·[...] Violação de deveres especiais impostos pela lei àquele que se
encontra numa determinada relação jurídica com outra pessoa (casos de
responsabilidade), como os pais em relação aos filhos menores, tutores e
curadores em relação aos pupilos e curatelados. 54

Ademais, o dano moral sofrido tem sua função de ressarcimento que são

52 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 11. ed, São Paulo: Atlas, 2014,
p. 19.
53 NADER, PAULO Curso de direito civil: responsabilidade civil. V. 7, Rio de Janeiro: Forense, 2010,
p. 365.
54 CAVALIERI FILHO, Sergio. Sergio. Op. Cit., p. 18.
39

duas, uma punitiva com o intuito que desestimule o causador do dano a não fazer
novamente a conduta omissiva e a compensatória como se fosse uma recompensa
pelos danos que sofreu. Dessa forma. Caio Mário da Silva Pereira complementa que:

Quando se cuida do dano moral, o fulcro do conceito ressarcitório acha-se


deslocado para a convergência de duas forças: caráter punitivo para que o
causador do dano, pelo fato da condenação se veja castigado pela ofensa
que praticou e o caráter compensatório para a vítima, que receberá uma
soma que lhe proporcione prazeres como contrapartida do mal sofrido. 55

Com isso, adentrando a Indenização pela falta de assistência emocional na


responsabilidade civil, uma vez que quem causa o dano é obrigado a reparar. No
entanto, não desconsiderando que tem que existir o dano, quem o fez, as
consequências na vida do filho e como ocorreu. No judiciário essa situação será
analisada com cautela, e, além disso, a criança ou adolescente será submetido a
psicólogos, psiquiatras a fim de terem base.
Com a vinda do Projeto de Lei 3212/2015, onde apresenta sobre a
indenização pelo dano moral e o pagamento dele que inclusive, o Senado Federal já
aprovou. Atualmente encontra-se esse projeto de lei na Comissão de Constituição e
Justiça e de Cidadania, pendente de análises, caso não exista vícios, vem a ser
aprovado perante a Câmara dos Deputados e promulgado pelo Presidente da
República.
A partir que o Senado Federal aprova, fica evidente a preocupação que o
direito tem sobre os casos decorrentes da omissão dos pais quanto a assistência
emocional dos filhos. O afeto e o tempo perdido ocasionado pela omissão dos pais,
são de complicada reparação, uma vez que o tempo não volta. Com isso, a
indenização serve também de base para que outros genitores não cometam tal
atitude, de cunho pedagógico inclusive.
Os pais omissos na criação dos filhos não os proporcionando apoio e
assistência emocional estão fazendo dano ao filho de modo a ensejar a posterior
reparação em decorrência desse dano. Portanto, a reparação pelo dano moral é
possível, em razão dos diversos transtornos que podem ser ocasionados por essa
falta afetiva dos pais.

55 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. V. 5, 22. ed. Rio de Janeiro: Revista
dos Tribunais, 2014, p. 55.
40

CAPÍTULO 3

RESPONSABILIDADE CIVIL

A noção de responsabilidade civil é anterior à ideia de Estado como titular do


poder regenerador e punitivo sendo calçada na ideia de vingança, Lei de Talião, olho
por olho, dente por dente. Ao longo da história foi sendo aperfeiçoada com os
conceitos de culpa, reparação, dano, ato ilícito e, hoje, está no artigo 186 do Código
Civil nos seguintes termos: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência
ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente
moral, comete ato ilícito”.56
Segundo Maria Helena Diniz:

Responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa


a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiro em razão de ato por
ela mesmo praticado, por pessoa por quem responda, por algo que a
pertença ou de simples imposição legal.57

Para o Direito, a responsabilidade é uma obrigação derivada, precedida de


dever jurídico, de assumir consequências jurídicas de um fato de acordo com o
interesse lesado.
Em síntese, a definição de responsabilidade civil se dá por meio da obrigação
de reparar o dano que uma pessoa causa a outra. Para o direito brasileiro, a
responsabilidade civil é definida por procurar determinar em quais as condições que
o responsável tem no dano e qual a possibilidade de reparação do mesmo na tentativa
de sanar o dano sofrido. “O efeito da responsabilidade civil é o dever de reparação”.58
Para que determinada conduta resulte em reparação civil são necessários os
pressupostos ato ilícito, dano, nexo causal e culpa. O Código Civil traz dois tipos de
responsabilidade por culpa: a responsabilidade subjetiva, como regra geral, e a

56 BRASIL. Planalto. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil 03/leis/20021110406.htm>. Acesso em: 18 jun. 2020.
57 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 29ª ed., São Paulo: Saraiva, 2015. Volume
VII.
58 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. V. 5, 22. ed. Rio de Janeiro: Revista
dos Tribunais, 2014, p. 458.
41

responsabilidade objetiva, exceção. Aquela é residual, pois primeiro se verifica se é


objetiva, se não for, será subjetiva por exclusão. A responsabilidade objetiva dispensa
a comprovação da culpa assumindo o risco.

3.1 Responsabilidade civil no direito de família

A responsabilidade civil no Direito de Família projeta-se para adiante do grau


de parentesco de casamento ou união estável, existindo eventual aplicação na
parentalidade ou filho, ou de acordo, nas ligações entre pais e prole. Uma das
circunstâncias em que surge diz ao modo de responsabilidade civil por abando afetivo,
também denominado abandono paterno-filial ou teoria do desamor.
Trata-se de emprego do princípio da solidariedade social ou familiar,
prenunciado no art. 3º, inc. I, da Constituição Federal, de forma imediata a uma
vinculação privada, isto é, em capacidade horizontal. Como explica Rodrigo da Cunha
Pereira, pioneiro da tese que admite tal reparação.

O exercício da paternidade e da maternidade – e, por conseguinte, do estado


de filiação – é um bem indisponível para o Direito de Família, cuja ausência
propositada tem repercussões e consequências psíquicas sérias, diante das
quais a ordem legal/constitucional deve amparo, inclusive, com imposição de
sanções, sob pena de termos um Direito acéfalo e inexigível.59

O hermeneuta igualmente fundamenta a hipotética reparação pelos danos


decorrentes do abandono dentro do princípio da dignidade da pessoa humana.

O Direito de Família somente estará em consonância com a dignidade da


pessoa humana se determinadas relações familiares, como o vínculo entre
pais e filhos, não forem permeados de cuidado e de responsabilidade,
independentemente da relação entre os pais, se forem casados, se o filho
nascer de uma relação extraconjugal, ou mesmo se não houver conjugalidade
entre os pais, se ele foi planejado ou não. (...) Em outras palavras, afronta o
princípio da dignidade humana o pai ou a mãe que abandona seu filho, isto
é, deixa voluntariamente de conviver com ele.60

59 PEREIRA. Rodrigo da Cunha. Responsabilidade civil por abandono afetivo. In: Responsabilidade
civil no direito de família. Coord. Rolf Madaleno e Eduardo Barbosa. São Paulo: Atlas, 2015, p. 401.
60 Ibidem.
42

A compreensão é que, todo aquele que de alguma forma abandona seu filho,
onde simplesmente é cortado a relação familiar e junto toda uma porcentagem de
direitos e princípios garantidos constitucionalmente e infraconstitucional como vimos até
o momento, deve receber a devida sanção.

3.2 Dano moral por abandono afetivo

Pablo Stolze conceitua acerca do principal eixo a ser trazido a tona no caso
de uma ação de danos morais em prol do abandono afetivo:

Logicamente, dinheiro nenhum efetivamente compensará a ausência, a


frieza, o desprezo de um pai ou de uma mãe por seu filho, ao longo da vida.
Mas é preciso se compreender que a fixação dessa indenização tem um
acentuado e necessário caráter punitivo e pedagógico, na perspectiva da
função social da responsabilidade civil, para que não se consagre o
paradoxo de se impor ao pai ou a mãe responsável por esse grave
comportamento danoso (jurídico e espiritual), simplesmente, a “perda do
poder familiar”, pois, se assim o for, para o genitor que o realiza, essa suposta
sanção repercutiria como um verdadeiro favor.61

O abandono afetivo e a propositura da ação por danos morais já possui


julgamento de uma ação por indenização por danos morais que decorreu de abandono
afetivo paterno em favor de sua prole, onde a primeira decisão foi favorável ao
reconhecimento do dano foi proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, onde Caio
Mário relembra com afinco.

Na primeira decisão do STJ que reconheceu o direito à indenização por dano


moral na hipótese de abandono afetivo, sob a liderança da Ministra Nancy
Andrighi, foi destacada a ofensa ao dever do cuidado. Em seu voto no Resp
nº 1.159.242/SP (julgado pela Terceira Turma em 24.04.2012) a Ilustre
Relatora destaca a percepção do cuidado como valor jurídico já incorporado
ao nosso sistema jurídico, com locuções e termos que manifestam suas
diversas desinências, como se observa no art. 227 da Constituição Federal.
Completa a Ministra Nancy: “aqui não se fala ou discute o amar e, sim, a
imposição biológica e legal de cuidar, que é dever jurídico, corolário da
liberdade das pessoas de gerarem ou adotarem filhos”. E conclui: “Em suma,
amar é faculdade, cuidado é dever”.62

61 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. V. 5, 22. ed. Rio de Janeiro: Revista
dos Tribunais, 2014, p. 49.
62 Ibidem.
43

O leque de cabimentos e possibilidades onde corrobora a propositura da ação


de danos morais em torno do abandono afetivo são vários, podendo ser pelo princípio
da afetividade e paternidade responsável assim como pelo dever de cuidado com a
prole. Vale ressaltar, que os princípios aqui citados se encontram fundamentados na
Magna Carta, seja eles de forma implícita ou explícita.
O que verdadeiramente falta no âmbito jurídico das decisões que cercam o
dano moral pelo abandono afetivo seja talvez a compreensão e lucidez de entender
que o jurídico e as tutelas de direitos envolvem não apenas o ser, mas o sentimento
de uma forma imaterial e que devem receber o mesmo zelo que o legislador oferece
aos demais bens patrimoniais regido por nossa legislação.
Para Dias, as questões legais que estão em torno do abandono afetivo trazem
junto o dano psicológico causado

A grande evolução das ciências que estudam o psiquismo humano veio a


escancarar a decisiva influência do contexto familiar para o desenvolvimento
sadio de pessoas em formação. Não mais se podendo ignorar essa
realidade, passou-se a falar em paternidade responsável. Assim a
convivência dos filhos com os pais não é direito do pai, mas direito do filho.63

A omissão em cuidado do menor, é algo que refletirá por toda a vida do


indivíduo, sejam elas acarretando diversas áreas da vida, como por exemplo o
psicológico e até mesmo o material, o que poderá causar distúrbios e uma
consequente depressão, ou inclusive a falta do básico para sua sobrevivência
financeira. O princípio da paternidade responsável foi dado como previsão para uma
possível reparação de dano causada pela falta de convivência familiar.

3.3 O caso principal do Superior Tribunal de Justiça

Aprofundando os estudos acerca dos julgados, percebe-se a existência de um


leading case julgado no Superior Tribunal de Justiça, datado sua entrada no dia 09 de
Outubro de do ano de 2009, Recurso Especial número 1.159.242-SP (2009/0193701-

63 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2007, p. 407.
44

9), sendo distribuído a 3ª (terceira) Turma, ficando como Relatora a Nobre Ministra
Nancy Andrighi.64
Partes do Recurso Antonio Carlos Jamas dos Santos, ora recorrente, e
Luciane Nunes de Oliveira Souza, recorrida. A Recorrida vem a ser fruto de um
relacionamento extraconjugal de seu pai Antonio Carlos Jamas dos Santos com sua
mãe. Mesmo depois de reconhecida a paternidade, o genitor ao menos cumpriu com
seu papel de pai. Luciane para receber o amparo material necessário teve que recorrer
ao judiciário para só assim ser conferida a ela o que é por direito. O pai de Luciane
possui outros filhos do seu casamento e ambos recebem tratamento extremamente
diferenciado o que gera a quebra do princípio da isonomia entre partes iguais.
Na decisão em primeira instância o magistrado julgou improcedente o pedido
feito de indenização de danos morais feito por Luciane, se fundamentando que o
afastamento do pai com sua prole, seu deu pelo fato da mãe ter se tornado agressiva
com o mesmo após o fim do relacionamento.
Após decisão desfavorável, Luciane recorreu ao Tribunal de Justiça de São
Paulo, onde o relator julgou procedente a apelação, fixando o valor da indenização
em um montante de R$ 450.000,00 (quatrocentos e cinquenta mil reais). O agora
recorrente Antônio, alega em recurso especial que não abandonou sua prole e que
mesmo se assim tivesse feito, tal ocorrência deveria se pautar no que tange o Código
Civil sobre a perda do poder familiar paterno. Em contrarrazões Luciane, alega que o
pai a abandonou desde seu nascimento de forma material, moral, psíquica e humana.
Em Recurso Especial nº 1.159.242/SP a Excelentíssima Ministra Relatora
Nancy Andrigh, discorre a respeito da possibilidade de dano moral nas relações
familiares, o que inclui o abandono afetivo, onde a relatora conclui que não versam
empecilhos legais a aplicação da responsabilidade civil e o dever de indenizar no ramo
do direito de família, fundamentando que a estrutura jurídica que normatiza a matéria
– Constituição Federal e Código Civil – o substanciam de maneira ampla, sem
restrições, onde é possível verificar sua regulamentação nas relações de família, em
suas mais variadas formas.

64 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.159.242 - SP. Relator: Min. Nancy
Andrighi. Julgado em: 24 abr. 2012. Publicado em: 10 mai. 2012. Disponível em:
<https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/865731390/recurso-especial-resp-1159242-sp-2009-
0193701-9/inteiro-teor-865731399>. Acesso em: 28 ago. 2020.
45

A relatora rebate ao recorrente de que a única forma de punição que cabe aos
pais que abandonam seus filhos deixando de cumprir com as obrigações paternas é
a perda do exercício familiar. A Ministra afirma que a perda do exercício familiar de
forma alguma afasta a possibilidade de reparação pelos danos causados. Lembrando
que existente na relação entre pais e filhos, justificado pelo vínculo biológico que faz
nascer obrigações legais e constitucionais.
A Ministra discorre sobre o entendimento majoritário da doutrina que de todos
os deveres que são atribuídos de forma parental, alguns merecem destaques, entre
eles, o dever de convivência, de cuidado, de educação e criação da prole, necessários
a formação e desenvolvimento social e psicológico sadio dos filhos. Esses deveres
devem ser tutelados de forma máxima para que assim a prole seja resguardada no
seu direito de melhor convivência e estreitamento dos laços com seus genitores.
O entendimento é que o amor ultrapassa todas as vias legais que se
reconhecem, pois é impossível mensurar o tamanho de algo imaterial e subjetivo. Já
o cuidado com o filho, se distingue de amor, pois o mesmo tem a possibilidade de
comprovação e materialização, onde se encontra as ações concretas, como a
presença, mesmo que não física e a distinção entre partes iguais quando elas
existirem, todas elas devem ser apreciadas pelo julgador de forma zelosa.
O valor indenizatório foi julgado parcial, onde havia sido arbitrado pelo
Tribunal de Justiça de São Paulo o valor de R$450.000,00 ( quatrocentos e cinquenta
mil reais ), onde o Superior Tribunal de Justiça, diminuiu a condenação para o valor
de R$200.000,00 ( duzentos mil reais ) por entender que o valor era extremamente
elevado. Ao finalizar do julgamento do Recurso Especial nº 1.159.242/SP, proferiram
decisão nos seguintes termos:

RECURSO ESPECIAL Nº 1.159.242 - SP (2009⁄0193701-9)


RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE: ANTONIO CARLOS JAMAS DOS SANTOS
ADVOGADO: ANTÔNIO CARLOS DELGADO LOPES E OUTRO(S)
RECORRIDO: LUCIANE NUNES DE OLIVEIRA SOUZA
ADVOGADO: JOÃO LYRA NETTO
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO.
COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE.
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS E MATERIAIS. FILHA HAVIDA
DE RELAÇÃO AMOROSA ANTERIOR. ABANDONO MORAL E MATERIAL.
46

PATERNIDADE RECONHECIDA JUDICIALMENTE. PAGAMENTO DA


PENSÃO ARBITRADA EM DOIS SALÁRIOS MÍNIMOS ATÉ A MAIORIDADE.
ALIMENTANTE ABASTADO E PRÓSPERO. IMPROCEDÊNCIA.
APELAÇÃO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. [...]
Aqui não se fala ou se discute o amar e, sim, a imposição biológica e legal de
cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de gerarem
ou adotarem filhos.
O amor diz respeito à motivação, questão que refoge os lindes legais,
situando-se, pela sua subjetividade e impossibilidade de precisa
materialização, no universo meta-jurídico da filosofia, da psicologia ou da
religião.
O cuidado, distintamente, é tisnado por elementos objetivos, distinguindo-se
do amar pela possibilidade de verificação e comprovação de seu
cumprimento, que exsurge da avaliação de ações concretas: presença;
contatos, mesmo que não presenciais; ações voluntárias em favor da prole;
comparações entre o tratamento dado aos demais filhos – quando existirem
–, entre outras fórmulas possíveis que serão trazidas à apreciação do
julgador, pelas partes.

A partir da decisão apresentada, criou-se jurisprudências para demais casos,


porém com algumas divergências doutrinárias e entendimentos diferenciados acerca
do assunto em tela. Onde coloca-se em questionamentos sobre a cobrança de afeto
do pai com sua prole ou responsabiliza-los por omitir em fazer.

3.4 Divergências doutrinárias

Com o julgamento favorável ao reconhecimento do dano moral por abandono


afetivo proferido pela egrégia terceira turma, verificou-se que quando existe a análise
do caso concreto e os requisitos necessários para a sua configuração, poderá sim
haver a reparação pecuniária baseada no abandono afetivo e suas sequelas oriundas
sendo devidamente comprovadas, apesar da jurisprudência não ser unânime em
relação ao tema.
O principal conflito encontrado hoje para se pautar sobre o devido ou não dano
por abandono afetivo entre a jurisprudência e os doutrinadores ocorre acerca da
monetarização do sentimento, onde a reparação se dar por moeda corrente.
Se faz uma necessária análise sobre o bom senso para a configuração do
dano, conforme cita o doutrinador Almeida.
47

Na falta de critérios objetivos à configuração do dano imaterial, entendemos


que se deve ponderar, ter prudência e bom-senso prático para a sua aferição,
no sentido da busca do seu reconhecimento e das consequências. Ocorre o
dano imaterial quando a dignidade da pessoa humana é agredida, não
bastando, desta forma, qualquer contrariedade para configurar abalo. 65

Dias entende que o abandono afetivo é sim passível de indenização,


salientando que o princípio familiar respalda a concessão do pedido e que deve ter
uma delimitação para ponderação de valores a serem arbitrados.
.
A lei obriga e responsabiliza os pais no que toca aos cuidados com os filhos.
A ausência desses cuidados, o abandono moral, viola a integridade
psicofísica dos filhos, bem como o princípio da solidariedade familiar, valores
protegidos constitucionalmente. Esse tipo de violação configura dano moral.
Quem causa dano é obrigado a indenizar. A indenização deve ser em valor
suficiente para cobrir as despesas necessárias, para que o filho possa
amenizar as seqüelas psicológicas mediante tratamento terapêutico.66

Como não é um reconhecimento unânime da doutrina, os doutrinadores


Farias e Rosenvald lecionam acerca da diferença.

[…] não se pode admitir que a pura e simples violação de afeto enseje uma
indenização por dano moral. Somente quando uma determinada conduta
caracterizar-se como ilícita é que será possível indenizar os danos morais e
materiais dela decorrentes. Afeto, carinho, amor, atenção… são valores
espirituais, dedicados a outrem por absoluta e exclusiva vontade pessoal, não
por imposição jurídica. Reconhecer a indenizabilidade decorrente da negativa
de afeto produziria uma verdadeira patrimonialização de algo que não possui
tal característica econômica. Seria subverter a evolução natural da ciência
jurídica, retrocedendo a um período em que o ter valia mais do que o ser.67

Para Farias e Rosenvald:

o afeto não deve ser juridicamente exigível, pois ele baseia-se em sua
espontaneidade e, dessa forma impossibilita qualquer demanda judicial que
verse por seu descumprimento ou imposição para um indivíduo dedicar afeto
e amor a outrem. E afirmam ainda, que o arcabouço das normas jurídicas

65 ALMEIDA, Felipe Cunha de. Responsabilidade civil no direito de família: angústias e aflições nas
relações familiares. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015, p. 73.
66 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2007, p. 408.
67 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: direito das famílias. V.
6. 4. ed. Salvador: JusPODIVM, 2012, p. 129.
48

somente deverá ser empregado como instrumento capaz de gerar decisões


justas e congruentes, com fulcro em sanar os diversos problemas existentes
na sociedade contemporânea.68

Entende-se que a convivência, o acompanhamento e o amor dos pais para com


seus filhos não podem ser tratados como mera opção de vida, todas essas decorrem
em de acordo com a lei e não apenas por vontade própria. O grande embate da
doutrina com a repercussão do caso é que possa ocorrer a monetarização do afeto
deixando de algo imaterial, passando a ser algo de valor palpável.

3.5 Projeto de Lei 3212/201569

Vale lembrar que como citado anteriormente no presente trabalho, tramita na


câmara a Proposta de Lei 3212/2015, originário do PLS 700/2007, já aprovada
anteriormente pelo Senado que tem proposta de alterar o Estatuto da Criança e do
Adolescente onde determina que cabe aos pais prestar todo e qualquer tipo de
assistência afetiva a sua prole, tanto por convívio frequente ou periódico, tendo como
prioridade acompanhar o crescimento, desenvolvimento psicológico, social e moral.
O projeto de lei encontra-se aguardando aprovação na Câmara dos
Deputados, o texto tem a presunção de definir a assistência afetiva assim como a
ação ou omissão dos pais quanto aos direitos dos filhos sendo eles, as oportunidades
educacionais, culturais e profissionais, a solidariedade e apoio nos momentos de
dificuldades e sofrimentos, a presença física que é extrema importância quando
solicitada pelo menor com o progenitor, onde a conduta ilícita com qualquer um desses
direitos estará sujeita a reparação de danos, além de outras sanções cabíveis.
A aprovação desse projeto de lei dará um novo norte ao direito brasileiro ao
julgar com mais afinco os casos em que a prole sofre com o abandono afetivo por
parte de seus genitores, o que ajudará ter um ordenamento jurídico isonômico entre
os casos que se entender a necessidade de reparação por danos morais.

68 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: direito das famílias. V.
6, 4. ed. Salvador: JusPODIVM, 2012, p. 121.
69 BRASIL. Câmara Legistativa. PL 3212/2015. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/
proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1999535 Acesso em: 07 ago. 2020.
49

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Perante o exposto, analisando a origem e a história do instituto família,


verificamos Que a evolução da sociedade contribuiu para o avanço positivo do
ordenamento jurídico relacionado à família, uma vez que, antes nas relações
familiares a predominância da vontade era apenas do genitor, pátrio poder, com uma
visão patriarcal sendo muitas vezes esquecida a vontade genitora perante a família e
sociedade.
Aos poucos as mulheres adquiriram voz ativa e com isso, vale destacar a
chegada do Estatuto da Mulher Casada, onde as mulheres puderam discutir seus
Interesses no judiciário. Além disso, o que atribuiu de igual modo para o avanço do
instituto, foi a revolução industrial, visto também como ponto determinante de
mudanças nas relações familiares, onde as pessoas passaram a se relacionar
priorizando o afeto e cuidados de mútuos. De modo geral, pode-se afirmar que a
família tem sua função e que se faz de extrema importância para a caracterização da
sociedade necessário, a atenção com 0 desenvolvimento dos filhos em sua forma
ampla, protegendo seu direito de convívio familiar adentrando ao exercício do poder
familiar os pais tem o dever de assegurar a formação integral dos filhos.
Nesse sentido, é assegurado à criança e adolescente, ter um
desenvolvimento pleno. Com cuidado, zelo, onde possuam um lar em que possam
crescer saudavelmente, com os pais proporcionando assistência moral, intelectual,
materiais e protegendo-os de tudo que coloque em risco tanto o físico quanto o
psicológico deles.
Dessa forma, o presente trabalho verificou a possibilidade da destituição do
poder familiar pelo fato do abandono afetivo, na qual observou consequências
psicológicas causadas na vida dos filhos muitas vezes irreversíveis por razão dessa
ausência de afeto e pela falta de responsabilidade dos genitores com desenvolvimento
do filho.
A doutrina analisada concluiu que é possível a fundamentação acerca do
ordenamento jurídico com o intuito da perda do poder familiar, quando existem meios
de provas que de fato ocorreu abandono afetivo e que não
tenha possibilidade de restabelecer o vínculo, uma vez que a questão é
analisada com muita cautela perante os tribunais, priorizando o melhor interesse da
50

criança e adolescente.
Em análise dos prejuízos causados por esse abandono afetivo na vida dos
filhos, que tem a possibilidade de perdurar pela vida toda deles, analisou-se a
necessidade de reparação por esses danos morais sofridos pela ausência do afeto
por parte dos genitores, que se faz de difícil quantificação essa reparação.
Com isso, ressalta a necessidade e o cabimento de configuração de danos
morais pela ausência de afetividade por parte dos genitores com os filhos, que é
confirmada a ideia pelo Projeto de Lei 3212/2015, em trâmite no Congresso Nacional,
se aprovado o projeto, confirma a presente proposta de reparação pelos danos
afetivos, já referenciados no trabalho.
Dessa forma, conclui-se com este trabalho monográfico que o nosso
ordenamento jurídico vem se modificando juntamente com a evolução da família e
suas necessidades particulares, pois prioriza o melhor para a criança e para o
adolescente, trazendo a necessidade em determinados casos para melhor atendê-los
na possibilidade de ação de destituição do poder familiar dos pais biológicos pelo
abandono afetivo. Neste sentido, a expectativa de reparação por danos morais pelo
abandono afetivo está no Projeto de lei em trâmite, caso ocorra a aprovação do
referido Projeto de Lei, será mais uma evolução do poder Judiciário em questão do
direito de família.
A relação paterno filial ocorre em todas as famílias e consequentemente e
infelizmente o abandono afetivo acontece em grande parte delas, entende-se que há
a necessidade de os juristas lidarem de maneira mais assídua com a matéria de
responsabilização do abandono afetivo. É necessário que haja uma normatização pois
não está se lidando apenas direito e sim com vidas e sentimentos e claro um valor
fundamentalmente humano. O bem maior a ser protegido é a dignidade da pessoa
humana.
A discussão acerca do tema de possibilidade e cabimento nem deveria existir,
contudo sua complexidade por envolver uma esfera cível na questão de
responsabilidade civil no ambiente familiar e a pressão que a mesma sofre dentro
âmbito social.
Mesmo com esse embate acalorado ocorrendo entre a doutrina e a
jurisprudência que se arrasta a anos, o que se espera neste momento é que com as
mudanças que estão ocorrendo com este tema, a indenização por dano moral
51

decorrente do abandono afetivo, receba mais zelo e atenção dos julgadores, e


entendam que “amar é faculdade, cuidar é dever”.70

70 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.159.242 - SP. Relator: Min. Nancy
Andrighi. Julgado em: 24 abr. 2012. Publicado em: 10 mai. 2012. Disponível em:
<https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/865731390/recurso-especial-resp-1159242-sp-2009-
0193701-9/inteiro-teor-865731399>. Acesso em: 28 ago. 2020.
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REFERÊNCIAS

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e aflições nas relações familiares. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015.

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em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil 03/leis/20021110406.htm>. Acesso em: 18 jun.
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Min. Nancy Andrighi. Julgado em: 24 abr. 2012. Publicado em: 10 mai. 2012.
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