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Monopólio 101

Victor Calvete
(Excerto de Sobre as Origens do Antitrust)

Em mercado de monopólio, o produtor/vendedor é livre de fixar o preço ou as


quantidades que quer oferecer no mercado, mas não ambas as coisas 1. Por outro lado, o
seu interesse é obter o custo unitário de produção mais baixo e o preço de venda mais
elevado, de modo a maximizar as suas receitas. Se desse preferência à redução de custos,
produziria no ponto de intersecção da curva do custo marginal com a curva dos custos
médios – ou seja, no ponto de equilíbrio de concorrência perfeita (é onde se alcança um
custo médio mínimo). Se desse preferência ao preço mais elevado produziria no ponto
correspondente às quantidades escoadas ao preço máximo. Dando preferência à
maximização da diferença entre preços e custos – de modo a maximizar os lucros2 –,
produzirá num ponto intermédio3.

1
Entre nós é corrente designar essa alternativa como princípio de Cournot (M. PORTO,
2014, p. 140; M. PEGO, 2007, p. 25). Em língua inglesa, o princípio de Cournot designa
prioritariamente um princípio da teoria das probabilidades (sob duas formas: um evento de baixa
probabilidade raramente ocorre; ou um evento de baixa probabilidade não ocorre).
Para lá do sentido técnico, pode considerar-se que há elementos de monopólio quando
um agente económico tem o controlo da oferta ou a possibilidade de fixar os preços – cfr.
McKENZIE/LEE, 2008, p. 25.
2
L. WHITE, 2013, p. 8, enuncia a fórmula de maximização dos lucros de monopólio: “If
the monopolist’s profits are represented by π, its price by P, the quantity produced/sold by Q, and
its costs of producing the requisite gadgets as C, then:
π = PxQ – C ”.
3
No diagrama abaixo, o ponto óptimo é aquele em que a curva dos custos marginais (Cm)
intersecta a curva da receita marginal (Rm), determinando o preço pela sua projecção

vertical na curva da procura (D). Sendo o custo médio de cada unidade produzida dado pela curva
CM, como em cada ponto de produção se ganha a diferença entre aquele preço e o custo médio
unitário, o montante dos lucros de monopólio é dado pela área sombreada. Como explica C. das
Defrontando uma curva da procura negativamente inclinada e produzindo a custos
marginais crescentes, o preço óptimo de monopólio será o que ajusta a procura àquela
oferta cujo custo marginal é igual à receita marginal. Pode dizer-se que o monopolista
escolhe então a quantidade a produzir em função desse equilíbrio, e, na representação
diagramática, prolonga a vertical desse ponto de determinação da oferta até à
correspondente quantidade na curva da procura. Só um preço realiza o ajuste da oferta e
da procura (o preço que limpa o mercado é o que corresponde à leitura, no eixo vertical,
do ponto de encontro entre a curva da procura e o prolongamento vertical das quantidades
determinadas pela intersecção das curvas do custo marginal e da receita marginal) 4.
Assim, em monopólio, a receita marginal (como o custo marginal) é sempre inferior ao
preço praticado no mercado. E a receita marginal é inferior ao preço porque, podendo o
produtor monopolista vender a qualquer preço mas carecendo de descer o preço para
vender mais (tal como se subir o preço vende menos), essa receita marginal tem sempre
duas componentes inversas:
- se descer o preço (de P para P1), a componente de ganho é dada pela
multiplicação do número de unidades adicionais (a diferença entre as unidades vendidas
antes – n – e as vendidas depois – n1) pelo novo preço ([n1 - n] P1) enquanto que a
componente de perda é dada pela multiplicação do número de unidades vendidas
anteriormente pela diferença entre o anterior e o novo preço (n [P - P1]), ou seja é
dada pela fórmula [(n1 - n) P1] - [n (P - P1)];
- se subir o preço (de P para P2 , mantendo a convenção de que o sufixo assinala
a nova situação nos preços ou quantidades), a componente de ganho é dada pelo produto
do número de unidades remanescentes vendidas, vezes o novo preço (n2 P2), e a

NEVES, 2011, p. 222, “A Rm é agora representada por uma curva, sempre abaixo da curva da
procura que, para cada valor de q, nos informa de qual a variação no rectângulo (p.q), com p
medido na curva da procura.”
4
Na verdade, trata-se de uma reconstrução formal de um processo que não terá sido assim
modelado. Supondo que a empresa monopolista faz cálculos marginais (nem as curvas da procura,
nem as dos custos marginais são verdadeiramente conhecidas), segue o procedimento inverso:
compara valores sucessivos de pares de vendas-custos de modo a deduzir a sua curva dos custos
marginais e a curva da procura, e escolhe o par que assegura a diferença máxima. Nas palavras
de R. BORK, 1993, p. 126: “Nobody knows this curves. Even the companies involved do not. The
clarity of the graphs of firm behavior misleads many people. Companies do not compute these
curves and then adjust output to equate marginal cost and marginal revenue. Rather, by a process
of groping, by trial and error, they continually attempt, under constantly changing conditions, to
make as much money as possible (or to loose as little as possible).”
componente de perda é dada pelo produto da diferença entre o número de unidades
vendidas antes e as vendidas depois, vezes o antigo preço ([n – n2] P), ou seja é dada
pela fórmula [n2 P2] - [(n – n2) P].
O monopolista pode ainda excluir-se do dilema de vender menos a um maior
preço, ou vender mais a um preço menor, aumentando assim os seus lucros, se puder
praticar preços múltiplos (ie: se puder discriminar os preços)5, compartimentando o
mercado, até aí único, no tempo6 ou no espaço7, ou diferenciando objectiva8 ou

5
“one can say that price discrimination exists when two “similar” products that have the
same marginal cost to produce are sold by a firm at different prices.” – M. ARMSTRONG, 2008,
p. 433. Cfr. também G. STIGLER, 1962, pp. 214-220, que adopta uma definição ligeiramente
diferente (“sales of technically similar products at prices which are not proportional to marginal
costs”).
6
No mercado editorial de língua inglesa é frequente editarem-se os livros em hard-cover
e mais tarde em paperback, desdobrando uma curva de procura única em duas e indo ao encontro
de dois tipos de adquirentes. Nos EUA chegou a ser o caso dos cinemas de estreia, que praticavam
preços mais elevados do que os que exibiam os filmes passado algum tempo. Actualmente em
vez de mudarem de local de exibição, os filmes mudam de suporte: estreiam em cinema
(eventualmente em 3D e versão “normal”), passam para DVD, chegam depois aos canais por cabo
(eventualmente em “pay per view” antes de integrarem a programação geral) e, finalmente, aos
canais generalistas. Sobre a Dynamic Price Discrimination e os seus ambíguos efeitos em
monopólio, v. M. ARMSTRONG, 2008, pp. 454-456.
7
Um exemplo é o da segregação de espaços em recintos de espectáculos ou meios de
transporte. Algumas cadeias hoteleiras chegam a ter dois ou mais conceitos – com diferentes
“posicionamentos de mercado” no mesmo edifício ou em edifícios contíguos.
8
As gamas de objectos (tipologia de apartamentos no mesmo edifício, automóveis da
mesma marca, diferentes modelos do mesmo gadget electrónico, ...) servem para decompor a
curva da procura segundo o poder aquisitivo dos potenciais adquirentes ou responder a diferentes
elasticidades das curvas da procura.
subjectivamente9 os produtos, de modo a segmentar a procura que lhes é dirigida10. Se o
fizer, faz reverter para si uma parte maior do excedente dos consumidores11.

Aceitando a perfeita discriminação de preços12 e admitindo algumas economias


de escala ou de gama – ou, mais genericamente, a subaditividade dos custos –, a produção
total seria maior, a procura total satisfeita também, o último preço praticado inferior ao
que se estabeleceria em concorrência, e os lucros de monopólio ainda maiores. Ora, como
notou V. NORMAN13, “Generally, a seller with market power will search for ways to

9
Se a distinção entre diferenciação subjectiva e objectiva tem razão de ser (normalmente
andam a par), pode ser o caso das marcas: estas tanto podem recobrir diferentes objectos
(Maybach/Mercedes), como fazer crer que o mesmo objecto é diferente (pólos de produção única
sob diferentes chancelas). O objectivo da diferenciação através da marca é diminuir a
substituibilidade do bem e, portanto, diminuir a elasticidade da sua procura face a aumentos de
preços, e aumentá-la face a descidas de preços.
10
A taxonomia aceite da discriminação de preços recorre aos seus “graus”:
- discriminação de primeiro grau é a que que permite que cada venda se faça ao
preço de reserva do adquirente (sendo este o máximo preço que este está
disposto a pagar para adquirir o bem) e, portanto, exige da parte do vendedor
o conhecimento das características de cada comprador e da sua procura;
- discriminação de segundo grau é a que depende de um indicador objectivo
independente das características dos compradores (vg: quantidades
adquiridas); noutra lógica, é a que depende de excessos de capacidade do
produtor;
- discriminação de terceiro grau é a que depende de indicadores sobre os
adquirentes dos bens (vg: localização geográfica; sexo; idade; estado civil)
como índices da elasticidade da sua procura.
11
Diz-se – e escreve-se (v. infra, nota 1644) – que a maximização do lucro se obtém
quando, para a produção total, a receita marginal (r’) é igual ao custo marginal (c’), e a receita
marginal em cada um dos diferentes mercados é também igual (r’ 1 = r’2). Parece óbvio que esta
última condição pode ser inatingível: o monopolista não pode, como se diz, transferir ad libitum
unidades do mercado “fraco” para o mercado “forte”, de modo a parificar as receitas marginais:
pense-se nos descontos de idade, na venda sucessiva de duas versões de um bem, ou na
diferenciação regional de preços. Em nenhum destes casos (e em outros) é provável que as receitas
marginais geradas nos diferentes mercados sejam idênticas.
12
Se o monopolista puder praticar preços iguais aos preços de reserva de cada adquirente
do bem, diz-se, “the firm appropriates the entire gains from trade and consumers are left with
nothing. Thus the benefits of allowing first-degree price discrimination depend on the chosen
welfare standard: with a total welfare standard such discrimination is beneficial, whereas with a
consumer standard it is not.” – M. ARMSTRONG, 2008, p. 438. Sobre o ponto, cfr. infra Ponto
4.2.5.1..
13
2000, p. 41.
exploit the market power efficiently, since an efficient outcome means that some of the
profit potential is wasted.”
Do ponto de vista da satisfação dos interesses dos consumidores, esta situação –
impossível em concorrência perfeita – seria ambígua: por um lado, todos os anteriores
adquirentes do bem perderiam o seu excedente. Por outro lado, haveria consumidores a
terem, pela primeira vez, acesso ao bem (se bem que também sem dele retirarem qualquer
excedente). Aparentemente, a questão teria de ser resolvida pela ponderação das novas
necessidades satisfeitas e da valoração relativa de excedentes e necessidades.

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