Você está na página 1de 6

ANESTÉSICOS LOCAIS

Victor Miguel - Odontologia

COMO AGEM OS ANESTÉSICOS LOCAIS


Os anestésicos locais são fármacos que suprimem a condução do estímulo nervoso de
forma reversível, promovendo a insensibilidade de uma determinada região do corpo.
Sabe-se que o estímulo doloroso é transmitido pelas fibras nervosas desde sua origem (p.
ex., polpa dental, periósteo, etc.) até o cérebro, na forma de potenciais de ação, que são
propagados por despolarizações transitórias das células nervosas, devido à entrada de íons
sódio (Na+ ) através dos canais de sódio.
● A hipótese mais aceita para explicar o mecanismo de ação dos anestésicos locais se
baseia na teoria do receptor específico. Segundo essa teoria (Fig. 5.1), os
anestésicos locais, na sua forma não ionizada, atravessam a membrana do axônio e
penetram na célula nervosa. No interior da célula nervosa, as moléculas ionizadas de
anestésico local se ligam a receptores específicos nos canais de sódio, reduzindo ou
impedindo a entrada do íon na célula. Isso resulta no bloqueio da condução nervosa
e, consequentemente, na percepção da dor.

CARACTERÍSTICAS GERAIS DOS ANESTÉSICOS LOCAIS


Os anestésicos locais são bases fracas, pouco solúveis em água e instáveis quando
expostos ao ar. Para uso clínico, são adicionados ao ácido clorídrico, formando um sal, o
cloridrato, que apresenta maior solubilidade e estabilidade na solução. Na forma de
cloridrato, apresentam pH ácido, variando de 5,5 (soluções anestésicas sem vasoconstritor)
a 3,3 (soluções com vasoconstritor).

Quanto à configuração química, os anestésicos locais exibem três porções bem


definidas em sua estrutura:
● Porção hidrofílica, que permite sua injeção nos tecidos.
● Porção lipofílica, responsável pela difusão do anestésico através da bainha
nervosa.
● Cadeia intermediária, que une as porções hidrofílica e lipofílica e, de acordo
com sua estrutura química, permite classificar os anestésicos locais em
ésteres ou amidas.

Os ésteres foram os primeiros anestésicos locais a serem sintetizados, tendo como


precursor a cocaína. Além da cocaína, fazem parte desse grupo a procaína, a cloroprocaína,
a tetracaína e a benzocaína. Desses, a benzocaína é o único atualmente empregado em
odontologia, apenas como anestésico de superfície em mucosas, na forma de
pomadas ou géis
As amidas surgiram a partir de 1948, com a síntese da lidocaína. A menor capacidade de
produzir reações alérgicas foi determinante para o sucesso desse grupo de
anestésicos. Além da lidocaína, fazem parte do grupo: mepivacaína, prilocaína, articaína,
bupivacaína, ropivacaína e etidocaína.
Lidocaína
● Anestésico local mais empregado em todo o mundo, considerado como padrão
do grupo, para efeito de comparação com os demais anestésicos. Porém, em
alguns países, como a Alemanha, a articaína já está sendo usada em maior
escala do que a lidocaína. Início de ação (tempo de latência) entre 2-4 min.
● Devido a sua ação vasodilatadora, o que promove sua rápida eliminação do local da
injeção, a duração da anestesia pulpar é limitada a apenas 5-10 min. Por isso,
praticamente não há indicação do uso da solução de lidocaína 2% sem
vasoconstritor em odontologia.
● Quando associada a um agente vasoconstritor, proporciona entre 40-60 min de
anestesia pulpar. Em tecidos moles, sua ação anestésica pode permanecer em
torno de 120-150 min
● É metabolizada no fígado e eliminada pelos rins.
● Sua meia-vida plasmática é de 1,6 h.5
● Toxicidade: os níveis plasmáticos para o início de reações tóxicas são de 4,5 μg/mL
no SNC e de 7,5 μg/mL no sistema cardiovascular.
● A sobredosagem promove a estimulação inicial do SNC, seguida de depressão,
convulsão e coma

Mepivacaína
● Potência anestésica similar à da lidocaína.
● Início de ação entre 1,5-2 min.
● Produz discreta ação vasodilatadora. Por isso, quando empregada na forma pura,
sem vasoconstritor (na concentração de 3%), promove anestesia pulpar mais
duradoura do que a lidocaína (por até 20 min na técnica infiltrativa e por 40 min na
técnica de bloqueio regional).
● Sofre metabolização hepática, sendo eliminada pelos rins.
● Meia-vida plasmática de 1,9 h.5
● Toxicidade semelhante à da lidocaína.

Prilocaína
● Potência anestésica similar à da lidocaína.
● Sua ação tem início entre 2-4 min. Por sua baixa atividade vasodilatadora (50%
menor do que a da lidocaína), pode ser usada sem vasoconstritor, na concentração
de 4%. No Brasil, não é comercializada na forma pura, o que ocorre em países como
os Estados Unidos e o Canadá.
● É metabolizada mais rapidamente do que a lidocaína, no fígado e nos pulmões.
● Eliminação renal.
● Meia-vida plasmática de 1,6 h.5
● Apesar de ser menos tóxica do que a lidocaína e a mepivacaína, em casos de
sobredosagem produz o aumento dos níveis de metemoglobina no sangue. Portanto,
é recomendado maior cuidado no uso deste anestésico em pacientes com deficiência
de oxigenação (portadores de anemias, alterações respiratórias ou
cardiovasculares).

Articaína
● Rápido início de ação, entre 1-2 min.
● Potência 1,5 vezes maior do que a da lidocaína.
● Possui baixa lipossolubilidade e alta taxa de ligação proteica.
● É metabolizada no fígado e no plasma sanguíneo. Como a biotransformação começa
no plasma, sua meia-vida plasmática é mais curta do que a dos demais anestésicos
(~ 40 min), propiciando a eliminação mais rápida pelos rins. Por essas características
farmacocinéticas, a articaína reúne as condições ideais de ser o anestésico de
escolha para uso rotineiro em adultos, idosos e pacientes portadores de disfunção
hepática.
● Sua toxicidade é semelhante à da lidocaína.
● A presença de um anel tiofeno em sua estrutura química parece ser responsável pela
maior difusão tecidual da articaína, permitindo seu uso em técnica infiltrativa, mesmo
na mandíbula, dispensando assim o uso de técnicas anestésicas de bloqueio.7 Já
foram documentados alguns casos em que foi possível realizar exodontias na maxila
apenas com a infiltração de articaína na região vestibular. Seu uso em técnicas de
bloqueio regional tem sido associado a um aumento na incidência de parestesia,
provavelmente devido à concentração de 4%, maior do que a dos demais
anestésicos disponíveis no Brasil.

Bupivacaína
● Sua potência anestésica é 4 vezes maior do que a da lidocaína.
● Por ser mais potente, sua cardiotoxicidade também é 4 vezes maior em relação à
lidocaína. Por isso, é utilizada na concentração de 0,5%.
● Ação vasodilatadora maior em relação à lidocaína, mepivacaína e prilocaína.
● Quando associada à epinefrina, apresenta, em técnica de bloqueio do nervo alveolar
inferior, tempo de latência variando de 10-16 min na região de molares e
pré-molares.
● Possui longa duração de ação. No bloqueio dos nervos alveolar inferior e lingual,
produz anestesia pulpar por 4 h e em tecidos moles, por até 12 h.
● Meia-vida plasmática de 2,7 h.15
● É metabolizada no fígado e eliminada pelos rins.
● Embora seja indicada para o controle da dor pós-operatória, tem sido demonstrado
que este é mais efetivo do que o proporcionado pela lidocaína apenas nas primeiras
4 h após o procedimento cirúrgico. Após 24 h do procedimento, a bupivacaína
promove aumento da concentração de prostaglandina E2 (PGE2 ) no local da
aplicação, aumentando a intensidade da dor sentida pelo paciente. Dessa forma, seu
uso para controle da dor pós-operatória tem sido questionado
● Não é recomendada para pacientes < 12 anos, pelo maior risco de lesões por
mordedura do lábio, em razão da longa duração da anestesia dos tecidos moles

Benzocaína
● Único anestésico do grupo éster disponível para uso odontológico no Brasil.
● É empregada apenas como anestésico tópico ou de superfície. Embora as reações
alérgicas aos anestésicos locais sejam raras, sua incidência é maior com o uso dos
ésteres. Por isso, a benzocaína não deve ser empregada em indivíduos com história
de hipersensibilidade aos ésteres.
● Na concentração de 20%, a benzocaína, após aplicação por 2 min, promove
anestesia da mucosa superficial (previamente seca), diminuindo ou eliminando a dor
à punção da agulha, especialmente na região vestibular. Na região palatina essa
ação é menos eficaz, da mesma forma que no local de punção para o bloqueio dos
nervos alveolar inferior e lingual.
Vasoconstritores
Propriedades gerais
● Todos os sais anestésicos possuem ação vasodilatadora. Portanto, quando são
depositados próximos das fibras ou dos troncos nervosos que se pretende
anestesiar, a dilatação dos capilares sanguíneos da região promove sua rápida
absorção para a corrente circulatória, limitando em muito o tempo de duração da
anestesia.
● Além disso, o risco de toxicidade é aumentado quando se empregam grandes
volumes da solução ou quando ocorre uma injeção intravascular acidental,
especialmente em relação ao SNC. Por esse motivo, a associação de
vasoconstritores aos sais anestésicos produz uma interação farmacológica
desejável, pois essa ação vasoconstritora faz com que o sal anestésico fique por
mais tempo em contato com as fibras nervosas, prolongando a duração da anestesia
e reduzindo o risco de toxicidade sistêmica.
● Ainda por meio dessa ação vasoconstritora, não apenas a vasodilatação exercida
pelos anestésicos locais é revertida, como há diminuição efetiva no calibre dos
vasos, podendo ser observada isquemia no local de injeção. Assim, outro importante
efeito observado é a hemostasia, ou seja, a redução da perda de sangue nos
procedimentos que envolvem sangramentos.

Classificação
● No Brasil, o cirurgião-dentista dispõe de soluções anestésicas locais que contêm
vasoconstritores de dois tipos: aminas simpatomiméticas ou felipressina
● As aminas simpatomiméticas, em sua estrutura química, podem apresentar ou não
um núcleo catecol, daí serem chamadas, respectivamente, de catecolaminas ou não
catecolaminas. As primeiras são representadas pela epinefrina, pela norepinefrina e
pela corbadrina. Entre as não catecolaminas, temos a fenilefrina.
● Os nomes genéricos epinefrina, norepinefrina e corbadrina são sinônimos de
adrenalina, noradrenalina e levonordefrina, respectivamente. Os primeiros estão de
acordo com a Denominação Comum Brasileira (DCB) – denominação do fármaco ou
princípio ativo aprovado pelo órgão federal responsável pela vigilância sanitária
● As aminas simpatomiméticas agem sobre os receptores adrenérgicos, encontrados
na maioria dos tecidos do organismo. Esses receptores são de dois tipos: alfa (α),
com os subtipos α1 e α2 , ou beta (β), com os subtipos β1 , β2 e β3 . A ação
vasoconstritora é exercida pela interação com os receptores α.

Epinefrina
● É o vasoconstritor mais utilizado em todo o mundo, devendo ser o agente de escolha
para a quase totalidade dos procedimentos odontológicos em pacientes saudáveis,
incluindo crianças, gestantes e idosos
● Após a infiltração na maxila ou o bloqueio mandibular, a epinefrina promove a
constrição dos vasos das redes arteriolar e venosa da área injetada por meio da
estimulação dos receptores α1 .
● Ao ser absorvida para a corrente sanguínea, e dependendo do volume injetado,
também interage com receptores β1 no coração, aumentando a frequência cardíaca,
a força de contração e o consumo de oxigênio pelo miocárdio.
● Por outro lado, produz dilatação das artérias coronárias, levando a um aumento do
fluxo sanguíneo coronariano. A epinefrina liga-se ainda aos receptores β2 ,
promovendo a dilatação dos vasos sanguíneos da musculatura esquelética. Por
essas ações, a dosagem de epinefrina deve ser minimizada para os pacientes
com doença cardiovascular, particularmente as doenças cardíacas isquêmicas,
como a angina do peito ou história de infarto do miocárdio.
● No Brasil, a epinefrina é incorporada às soluções anestésicas locais nas
concentrações de 1:50.000, 1:100.000 ou 1:200.000. Por sua ação na vasculatura
local, é eficaz na redução da perda de sangue durante os procedimentos cirúrgicos
odontológicos.
● Usada na concentração de 1:50.000, pode produzir isquemia intensa, com
consequente vasodilatação “rebote” depois de cessada a vasoconstrição α-induzida.
Isso pode acarretar aumento da perda de sangue após uma cirurgia. Apesar desse
quadro normalmente não ocorrer em odontologia, o bom senso fala a favor de
se empregar soluções anestésicas com epinefrina na concentração de
1:100.000, que também produz um bom grau de hemostasia.

Norepinefrina
● Atua nos receptores α e β, com predomínio acentuado sobre os receptores α (90%),
apesar de também estimular os receptores β1 (10%). Não apresenta vantagens
sobre a epinefrina, tendo 25% da potência vasoconstritora desta. Ao contrário, a
maioria dos relatos de reações adversas devidas ao uso de vasoconstritores parece
ter ocorrido com a norepinefrina, como cefaleia intensa decorrente de episódios
transitórios de hipertensão arterial, assim como casos de necrose e descamação
tecidual. Em função disso, seu uso em odontologia está sendo cada vez mais
restrito ou até mesmo abolido
● Corbadrina (levonordefrina) – Atua por meio da estimulação direta dos receptores α
(75%), com alguma atividade em β (25%). Tem somente 15% da ação vasopressora
da epinefrina, sem nenhuma vantagem em relação a esta.

Fenilefrina
● É um α-estimulador por excelência (95%), pois exerce pequena ou nenhuma ação
nos receptores β1 . Apesar de apresentar apenas 5% da potência vasoconstritora da
epinefrina, na concentração empregada (1:2.500), pode promover vasoconstrição
com duração mais prolongada. Em contrapartida, nos casos de sobredosagem de
fenilefrina (relativa ou absoluta), os efeitos adversos também são mais duradouros,
como o aumento da pressão arterial e cefaleia na região occipital. Não apresenta
qualquer vantagem em relação à epinefrina.

Felipressina
● Análogo sintético da vasopressina (hormônio antidiurético), está contida em soluções
cujo sal anestésico é a prilocaína. A felipressina não está disponível comercialmente
nos Estados Unidos. Nesse país, as soluções anestésicas à base de prilocaína são
apresentadas na forma pura (na concentração de 4%), ou associadas à epinefrina
1:200.000.
● A vasoconstrição promovida pela felipressina é decorrente de sua ação sobre os
receptores V1 da vasopressina, presentes no músculo liso da parede dos vasos
sanguíneos, com ação muito mais acentuada na microcirculação venosa do que na
arteriolar com ativação da fosfolipase C e liberação de cálcio. Por esse motivo, tem
valor mínimo no controle da hemostasia, o que explica o maior sangramento
observado durante os procedimentos cirúrgicos, quando se empregam soluções que
contêm esse vasoconstritor, em relação às que contêm epinefrina ou outros agentes
simpatomiméticos

Outros componentes das soluções anestésicas


● Os anestésicos locais não são usados isoladamente, mas sob a forma de soluções,
que podem conter, além do sal anestésico propriamente dito e de um vasoconstritor,
um veículo (geralmente água bidestilada) e um antioxidante.
● Nas soluções anestésicas locais que contêm vasoconstritores adrenérgicos
(epinefrina, norepinefrina, corbadrina e fenilefrina), é incorporada uma
substância antioxidante, o bissulfito de sódio, que impede a biodegradação do
vasoconstritor pelo oxigênio, que pode penetrar no interior do tubete quando
este for envasado ou difundir-se através do diafragma semipermeável durante
o armazenamento.
● A importância clínica disso é que o paciente pode sentir maior ardência ou
queimação durante a injeção, quando se emprega um tubete mais “antigo” de
anestésico com epinefrina ou similares, se comparado com um tubete novo.
● Algumas soluções anestésicas podem conter ainda uma substância
bacteriostática, geralmente o metilparabeno, para impedir a proliferação de
microrganismos. O uso dessa substância nas soluções anestésicas para uso
odontológico foi banido nos Estados Unidos e no Canadá na década de 1980.
Atualmente, é possível encontrar vários anestésicos produzidos no Brasil sem a
presença de parabenos. Isso é importante porque os parabenos apresentam como
radical o ácido para-aminobenzoico, que é um potente indutor de alergia.

● O cloreto de sódio é eventualmente adicionado ao conteúdo de uma solução


anestésica local para torná-la isotônica em relação aos tecidos do organismo. A água
bidestilada é usada como diluente para aumentar o volume da solução.

● Todos os anestésicos locais atravessam facilmente a barreira


hematoencefálica. Por isso, a toxicidade sistêmica dos anestésicos locais,
após sua absorção para a corrente sanguínea, ocorre primariamente pela
depressão do SNC, mais sensível à ação desses fármacos

CURIOSIDADE
Contraindicações do uso da epinefrina Como já dito, a epinefrina é o vasoconstritor mais
eficaz e seguro para uso odontológico. Todavia, como qualquer outro fármaco, também
possui limitações e contraindicações. Recomenda-se que as soluções anestésicas locais
com epinefrina (ou qualquer outro vasoconstritor adrenérgico) não sejam empregadas em
pacientes nas seguintes condições:

● Hipertensos (PA sistólica > 160 mmHg ou diastólica > 100 mmHg).
● História de infarto agudo do miocárdio, com capacidade metabólica < 6 MET
(equivalentes metabólicos), sem liberação para atendimento odontológico por parte
do cardiologista.
● Período < 6 meses após acidente vascular encefálico.
● Cirurgia recente de ponte de artéria coronária ou colocação de stents.
● Angina do peito instável (história de dor no peito ao mínimo esforço).
● Certos tipos de arritmias cardíacas, apesar do tratamento adequado (p. ex.,
síndrome de Wolff-Parkinson-White).
● Insuficiência cardíaca congestiva não tratada ou não controlada.
● Hipertireoidismo não controlado.
● Feocromocitoma.
● História de alergia a sulfitos (maior prevalência em asmáticos).
● Pacientes que fazem uso contínuo de derivados das anfetaminas (femproporex,
anfepramona, etc.), empregados nas “fórmulas naturais” de regimes de
emagrecimento, atualmente proscritos pela ANVISA, mas adquiridos por pacientes
como produtos de importação ilegal.
● Usuários de drogas ilícitas (cocaína, crack, óxi, metanfetaminas, ecstasy).

Você também pode gostar