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Anestesiologia, Dor e Medicina Intensiva| Aula 3 - Página |1

AULA 3 – Farmacologia dos anestésicos locais

São substâncias capazes de bloquear, de forma totalmente reversível, a geração e a propagação


do potencial de ação em tecidos eletricamente excitáveis.
HISTÓRICO:
COCAÍNA: foi o primeiro anestésico local. Extraído das folhas de Erytroxylon coca, uma planta
nativa utilizada pelos povos andinos.
Ações desejadas: bloqueio da transmissão nervosa e vasoconstrição (impede recaptação de
noradrenalina).
Ações inconvenientes: potencial toxicidade (excitante do SNC), risco de causar abuso e
dependência.
LINHA DO TEMPO: 1898 – Bier faz primeira raquianestesia (analgesia cirúrgica de joelho com
cocaína); 1903 – Braun faz associação de adrenalina e glicose a 5%; 1905 – Einhorn faz primeiro
anestésico local sintético com um derivado do éster, a procaína; 1943 - Lofgren sintetizou a
lidocaína, um anestésico local amino-amida; 1957 – Ekstam descobre a bupivacaína, uma amida de
ação mais prolongada; 1970 – Wang começa utilização de opióides; 1990 – uso da ropivacaína e da
levobupivacaína.
ESTRUTURA QUÍMICA: influência nos efeitos colaterais e na
velocidade de ação. Normalmente os anestésicos locais tem uma
estrutura básica com um anel benzeno (lipofílico), uma cadeia
intermediária (ligação éster ou amida) e uma amina quartenária
(hidrofílica). Geralmente são pouco solúveis em água.
CLASSIFICAÇÃO - CADEIA INTERMEDIÁRIA:
Ésteres - COO-(CH2)n:
+ Metabolização: plasmática por hidrolise (pseudocolinesterase), ou seja, não depende do fígado.
+ Efeito colateral: possui ácido paraaminobenzóico (PABA), que é potencial alergênico.
+ Meia vida: mais curta.
+ Exemplo: Benzocaína, Tetracaína (Pantocaínan), Cloroprocaína (Nesacainan), Procaína
(Novocaína). São mais usados por dentistas.
Amidas - NHCO-(CH2)n:
+ Metabolização: hepática (citocromo P450). N dealquilacão e hidrólise.
+ Efeito colateral: ação cardiotóxica e neurotóxica maior que em ésteres.
+ Meia vida: mais prolongada.
+ Exemplo: Lidocaína (Xilocaína), Prilocaína (Citanest), Etidocaina (Duranest), Mepivacaina
(Carbocaína), Bupivacaina (Marcaina), Ropivacaína (Naropin), Levobupivacaina (Chirocaine). São
mais usados por médicos que os ésteres – ex. Lidocaína muito usada por todos os médicos;
Bupivacaína, Ropivacaína e Levobupivacaína são muito usadas em cirurgias.
ANATOMIA E FISIOLOGIA:
NEURÔNIO: composto de núcleo, citoplasma, citoesqueleto e finos prolongamentos (neutritos -
dendritos e axônios).
Potencial de repouso da membrana (-60 a -90mV): a membrana plasmática do neurônio
transporta alguns íons ativamente, do líquido extracelular para o interior da fibra, e outros, do
interior, de volta ao líquido extracelular.
+ Bomba sódio potássio ATPase: em repouso os canais de sódio fechados. A membrana é
praticamente impermeável ao sódio, impedindo sua difusão a favor do gradiente de concentração.
O sódio é bombeado ativamente para fora pela bomba de sódio e potássio, criando um potencial
eletronegativo no interior da fibra nervosa.
Despolarização da membrana: um estimulo tira o neurônio do seu potencial de repouso,
formando um potencial de ação, ou seja, uma onda despolarização que ocorre pela abertura de
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canais de sódio voltagem dependentes (membrana interna positiva e membrana externa


negativa).
+ Condução saltatória: na membrana mielinizada o impulso vai pelos nódulos de Ranvier
(transmissão mais rápida).
MECANISMO DE AÇÃO: bloqueio de canais de sódio, deixando a membrana em potencial de
repouso. Com isso não ocorre o potencial de ação e estimulo nervoso e o paciente não sente dor.
+ É necessário que pelo menos 3 nódulos de Ranvier seguidos estejam bloqueados para que
ocorra a anestesia.
PROPRIEDADES FÍSICO-QUÍMICAS:
Lipossolubilidade: relacionado a potência do anestésico – quanto maior a lipossolubilidade, maior
potência e maior toxicidade. A lipossolubilidade, em farmacologia, significa a facilidade com que a
droga pode penetrar em uma membrana biológica. A propriedade físico-química que mede a
lipossolubilidade é o coeficiente de partição lipídio-água. Desta forma, uma droga com alto
coeficiente, tende a ser mais lipossolúvel e atravessar mais facilmente uma membrana. No
contexto farmacológico, as drogas que não se ionizam (HA), são as lipossolúveis.
Obs: quanto mais hidrossolúvel, mais facilmente a droga é excretada pelo rim.
pKa: relacionado ao início de ação do anestésico - pKa baixo tem grande fração da droga na forma
não ionizada (forma da droga que tem efeito farmacológico). O pKa é o pH em que 50% da droga
está na forma ionizada e 50% na forma não ionizada. Os anestésicos locais com pKa mais baixos
têm latência menor, ou seja, grande fração da molécula na forma não-ionizada.
Obs: droga só é excretada pelo rim drogas na forma ionizada (já passou pelo fígado).
Ligação proteica: relacionado a duração de ação – quanto mais ligações proteicas no sangue,
maior tempo de ação e menor o risco de toxicidade (controlar dose em hipoproteico).
Peso Molecular: relacionado a difusão da droga.
CLASSIFICAÇÃO – DURAÇÃO: curta (procaína, cloroprocaína), intermediária (lidocaína, prilocaína,
mepivacaína), e longa (brupivacaína, ropivacaína, levobupivacaína, etidocaína, tetracaína). Ou
seja, anestésicos usados em cirurgias tem uma duração maior.
BLOQUEIO NERVOSO:
TIPOS DE FIBRAS: para diminuir dor devem ser bloqueadas fibras Aδ e fibras C.
Mielinizadas: Aα - motora e propriocepção; Aβ - motora e propriocepção; Aγ - tônus muscular; Aδ
- dor, temperatura e tato.
Finamente mielinizada: B - sistema nervoso autônomo.
Amielínicas: C - dor, temperatura e tato.
SEQUÊNCIA DO BLOQUEIO: 1. Bloqueio das fibras simpáticas (fibras B) - vasodilatação periférica e
aumento da temperatura (ruborização, vasos aparentes e dilatados). 2. Perda da sensibilidade
térmica e dolorosa (fibras C). 3. Perda da sensibilidade ao tato e pressão (fibras A). 4. Paralisia
motora (fibras A). 5. Perda da propriocepção profunda (fibras A).
BLOQUEIO DIFERENCIAL DAS FIBRAS NERVOSAS:
+ Fibras de menor diâmetro são mais fáceis de serem bloqueadas (C é mais fácil que A).
+ Bloqueio diferencial por arranjo das fibras dentro do nervo. Ex. no plexo braquial as fibras
externas estão na parte proximal (ombro) e as fibras interna na parte distal (mão).
+ Bloqueio seletivo das fibras sensitivas. Ex. analgesia de parto (fibras Aδ e C).
TIPOS DE ADMINISTRAÇÃO:
Tópica: gel, spray, pomada (mucosa e pele), oral, nasal, árvore traqueobrônquica (spray), vias
urinárias.
Infiltrativa: infiltração direta nos tecidos. Geralmente utilizada em pequenas cirurgias.
+ Exempo: usado em lipoaspiração, onde o tecido adiposo é infiltrado com xilocaína associado a
adrenalina para diminuir o sangramento do tecido gorduroso (não para anestesiar – xilocaína é um
veículo condutor da adrenalina). O problema é o metabolismo demorado desse processo –

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adrenalina segura xilocaína na gordura por um tempo, mas pode liberar horas depois causando
um quadro tóxico.
Venosa: anestesia de Bier.
Troncular: raquianestesia, peridural, combinada raquiperidural, peridural sacral.
ADJUVANTES:
Bicarbonato de sódio: aumenta fração não ionizada do anestésico, o que diminui o tempo de
latência da droga (age mais rápido pois passa mais rápido pelas membranas).
Epinefrina: vasoconstrição dos tecidos, com diminuição da absorção do anestésico e aumento da
duração deste.
Opióides: age no receptor do corno dorsal da medula e tem efeito sinérgico com anestésico local -
aumenta intensidade do bloqueio sedativo, diminui a dose de ambos os agentes, menor bloqueio
simpático e motor. São usados na analgesia pós-operatória. Com uso de opióides o paciente fica
em média com analgesia de 24h.
+ Efeitos colaterais (na medula): prurido (em nariz – primeiro sinal de excesso de opióide); náuseas
e vômitos (prescrever de 6-6h antiemético); depressão respiratória (principalmente idosos – até
24h depois).
VASOCONSTRITOR: tem como finalidade reduzir absorção dos anestésicos locais, prolongar ação
dos anestésicos locais e vasoconstrição local. A concentração ideal é de 1:200.000.
Contraindicação do uso com anestésico local: hipertensão arterial grave, doença vascular cerebral
isquêmica, coronariopatas, hipertireoidismo descompensado, pré-eclâmpsia grave. É proibido o
uso em locais de circulação terminal (risco de necrose) - dedo, pênis, ponta de nariz, orelha.
EFEITOS ADVERSOS:
Efeitos sistêmicos: aumento do nível plasmático pode causar neurotoxicidade e cardiotoxicidade.
+ Cuidado com a dose e não injetar em vasos.
Outros efeitos: hipersensibilidade (ésteres), meta-hemoglobinemia (mais que 600mg de
Prilocaína, tratamento com azul de metileno).
TOXICIDADE: importante avaliar o nível plasmático.
Absorção: considerar local de administração (mucosas, plexos), características farmacológicas do
anestésico local (lipossolubilidade), presença de vasoconstritor (restrição), dose administrada.
+ Nível sanguíneo pelo local de bloqueio: há locais mais sensíveis que aumentam muito rápido o
nível sanguíneo, sendo o local mais sensível a região intercostal. Ex. mepivacaína 500mg
(intercostal > caudal > peridural > plexo braquial) e lidocaína 400mg (intercostal > peridural >
plexo braquial).
Neurotoxicidade: comum ocorrer em anestesias feitas por dentistas. Os sintomas são de acordo
com o aumento da dose - entorpecimento da língua, tontura, palidez, perturbação visual, abalos
musculares, taquicardia, inconsciência, convulsão, coma, parada respiratória, depressão total do
sistema nervoso central.
Cardiotoxicidade: depressão do inotropismo cardíaco (diminuição da força contrátil), depressão
do cronotropismo cardíaco (bradicardia), vasodilatação periférica (diminui pressão arterial).
Dose máxima em adultos: vasoconstritor permite aumentar a dose.
Sem vasoconstritor Com vasoconstritor Dose única Total em 24h
2-cloroprocaína 11 mg/kg 14 mg/kg Ropivacaína 3 mg/kg 11 mg/kg
Lidocaína 5,0 mg/kg 7 mg/kg Levobupivocaína 2 mg/kg 5,5 mg/kg
Bupivacaína 2,5 mg/kg 3 mg/kg
Fatores que elevam toxicidade:
+ Anamnese: febre; desnutrição, debilitados, choque; doença hepática; disfunção renal; anemia
grave; tireotoxicose; idosos.
+ Medicamentos: podem potencializar o efeito do anestésico (cloranfenicol [antibiótico],
meperidina, prometazina) ou podem proteger (fenobasbital, benzodiazepínicos).
Tratamento da intoxicação aguda:
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+ Profilático: técnica correta; dose e concentração máxima segura; potência do anestésico local;
alterações clínicas (ASA, idade); outras medicações em uso (interações); uso de vasoconstritor; uso
de benzodiazepínico; material e medicamentos acessíveis.
+ Corretivo: controle da convulsão; correção da depressão respiratória; suporte cardiovascular;
reanimação cardiorrespiratória.
Tratamento da convulsão:
+ Ventilação e oxigenação.
+ Medicamentos para convulsão: Diazepam 0,2-0,3 mg/kg (não usado mais, pois demora para
paciente acordar – usa-se Midazolam); Tiopental 5-7 mg/kg.
+ Intubação nos casos graves. Usar Succinilcolina 1,0 mg/kg para relaxar musculatura e ajudar na
intubação.
Tratamento da depressão respiratória: oxigenação e hiperventilação; tentar elevar o limiar
convulsivo com medicamentos. Fazer intubação em casos graves.
Suporte cardiovascular: mudança de decúbito (abaixar a cabeça e elevar as pernas para aumentar
retorno venoso), hidratação, vasopressores, cardiotónicos.
+ Tratamento da parada cardiorrespiratória: ventilação e oxigenação, massagem cardíaca externa
(60 a 90 min), intubação traqueal, medicamentos de emergência, desfibrilação cardíaca.
REGULAMENTAÇÃO: resolução do CFM maio/94 - incorporado resolução 1409/94 DOU 14/06/94.
+ Ambiente ambulatorial: menor que 10% da dose máxima permitida.
+ Centro cirúrgico com ECG, oximetria e presença de um médico: 10 a 50% da dose máxima
permitida.
+ Centro cirúrgico com monitorização e anestesiologista: mais que 50% da dose máxima
recomendada.

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