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Anestésicos Locais em Odontologia

Dor: experiência sensorial que ocorre através da sensibilização de nociceptores,


seguida da transmissão nervosa e posterior interpretação pelo SNC. Os nociceptores
são sensibilizados por várias substâncias, como prostaglandinas e substância P. O
estímulo se propaga na forma de potenciais de ação por despolarização transitória das
células nervosas devido à entrada de íons sódio pelos canais de sódio.

Anestesia local: bloqueio reversível da condução nervosa de uma área circunscrita do


corpo determinando perda das sensações sem alteração do nível de consciência.

Mecanismo de Ação

Teoria do receptor específico: Os anestésicos locais, em sua forma não ionizada,


atravessam a membrana do axônio e penetram na célula nervosa. No interior da célula
nervosa, ocorre o restabelecimento do equilíbrio das formas ionizadas e não
ionizadas, e as moléculas ionizadas de anestésico local se ligam a receptores
específicos nos canais de sódio, reduzindo ou impedindo a entrada do íon na célula.
Isso resulta no bloqueio da condução nervosa e, consequentemente, na percepção da
dor.

Os anestésicos locais podem inibir a condução nervosa não só do sistema nervoso


periférico, mas também no sistema nervoso central, do músculo cardíaco, esquelético
e liso. Isso é importante para explicar a toxicidade desses fármacos em caso de
sobredosagem.

Como o pH do tecido influencia na ação dos anestésicos locais?

Em pH ácido há um desvio para um aumento na formação da forma iônica do


anestésico, e esta forma não penetra nas membranas nervosas, só penetram as
formas não ionizadas (moleculares).

Características Gerais

Bases fracas, pouco solúveis em água e instáveis quando expostos ao ar. São
adicionados ao ácido clorídrico e formam o cloridrato, que apresenta maior
solubilidade e estabilidade na solução. Na forma de cloridrato apresentam pH ácido,
de 5,5 (sem vasoconstrictor) a 3,3 (com vasoconstrictor). São formados por três
porções:

1. Porção hidrofílica: confere as moléculas hidrossolubilidade.


2. Porção lipofílica: grupamento aromático essencial para a penetração nas fibras
nervosas.
3. Cadeia intermediária: une os grupamentos, pode ser amida ou éster.

Os ésteres foram os primeiros a serem sintetizados, tendo como precursor a cocaína.


Além da cocaína, temos a cloroprocaína, a tetracaína e a benzocaína, única utilizada
atualmente em odontologia, apenas como anestésico tópico, em forma de gel ou
pomada. Causam alergias e são tóxicos. São hidrolisados facilmente pela
colinesterase plasmática, então seu tempo de ação é curto.
As amidas surgiram depois, com a síntese da lidocaína. Também são amidas as
prilocaína, bupvacaína, mepvacaína... São degradadas pelas enzimas microssomais
do fígado, tem efeito mais prolongado.

Propriedades químico-físicas

Potencia: relacionada a lipossolubilidade


Latência: depende da proporção base não-ionizada/ ionizada. Quanto mais partes
não-ionizadas, mais rápido.
Duração de ação: relacionado a ligação com proteínas plasmáticas, quanto maior for a
ligação, maior tempo terá o efeito.

Lidocaína

 Mais empregado no mundo, considerado como padrão, para efeito de comparação


com os demais anestésicos.
 Tempo de latência de 2-4 min.
 Tem ação vasodilatadora, o que promove sua rápida eliminação do local e a
anestesia pulpar é limitada a 5-10 min. Por isso, praticamente não há indicação do
uso da solução de lidocaína 2% sem vasoconstrictor.
 Com vasoconstrictor, a anestesia pulpar vai para 1h e a de tecidos moles 2-3h.
 Metabolizada no fígado e eliminada nos rins.
 Meia vida plasmática de 90 min.
 Sobredosagem: estimulação do SNC, depressão, convulsão e coma.
 Disponível nas concentrações de 2 a 3%, associadas ou não a vasoconstrictor.
 Pode ser empregada na forma de anestesia tópica.

Mepvacaína

 Potencia similar à da lidocaína


 Início de ação de 1,5-2 min.
 Ação vasodilatadora menor, portanto, quando usada sem vasoconstrictor, promove
anestesia pulpar mais duradoura que a lidocaína (20 min. na técnica infiltrativa e
40 min. na técnica de bloqueio regional).
 Metabolização pelo fígado e excreção pelos rins.
 Meia vida plasmática de 2h.
 Toxicidade semelhante à da lidocaína.
 Disponível nas concentrações de 2% (com vasoconstrictor) e 3% (sem
vasoconstrictor)
 Não é utilizada em forma tópica.

Prilocaína

 Potência anestésica similar a da lidocaína


 Inicio de ação entre 2-4 min
 Baixa atividade vasodilatadora, pode ser usada sem vasoconstrictor na
concentração de 4%, mas no Brasil não é comercializada na forma pura, e sim na
concentração de 3% associada a felipressina.
 Metabolizada mais rapidamente que a lidocaína, no fígado e nos pulmões.
 Eliminação renal.
 Meia vida plasmática de 1,6h.
 É menos tóxica que a lidocaína e a mepivacaína, mas seu principal metabólito é
a orto-toluidina, e em caso de sobredosagem produz o aumento dos níveis de
metemoglobina no sangue, o que leva a metemoglobinemia e cianose. Portanto,
devemos ter maior cuidado no uso deste anestésico em pacientes com
deficiência de oxigenação (anemias, alterações respiratórias ou
cardiovasculares).

Articaína

 Inicio de ação entre 1-2min.


 1,5x mais potente que a lidocaína.
 Baixa lipossolubilidade e alta taxa de ligação proteica (maior tempo de duração).
 Metabolizada no fígado e no plasma.
 Meia vida plasmática mais curta, cerca de 40 min.
 Eliminação rápida pelos rins.
 Anestésico de escolha para o uso em pacientes com disfunções hepáticas.
 Toxicidade semelhante à da lidocaína.
 Anel tiofeno em sua estrutura: maior difusão tecidual
 Concentração de 4% com epinefrina.
 Duração de 2,6 a 4,5h na técnica de infiltração e 4,3 a 5,3 na técnica de bloqueio.
 Mais usada em técnicas infiltrativas
 Em técnica de bloqueio pode levar a parestesia

Bupvacaína

 4x mais potente que a lidocaína


 Início de ação 10-16 min.
 Cardiotoxidade também é 4x maior, por isso é utilizada em concentração de 0,5%.
 Maior ação vasodilatadora em relação a lidocaina, mepvacaina e prilocaina.
 Metabolizada no fígado e excreção renal.
 Meia vida plasmática de 3h.
 Não recomendada para pacientes com menos de 12 anos: lesão por mordedura.
 Longa duração de ação: anestesia pulpar de 4h e de tecidos moles de até 12h.
 Indicação de controle de dor pós-operatória intensa (cirurgia bucomaxilofacial).
 Após 24h de sua aplicação, ocorre um aumento da PGE2, o que aumenta a dor
no local da aplicação, por isso, seu uso para controle de dor pós operatória tem
sido questionado.

 O tempo de latência e a duração de ação dos anestésicos locais também podem


ser influenciados:

- Pelo pH do tecido e grau de vascularização do local onde a solução anestésica é


injetada.
- Pela técnica anestésica utilizada (infiltração ou bloqueio).
- Por possíveis variações anatômicas ou variações individuais na resposta à droga
administrada.
Benzocaína

 Único anestésico do grupo éster disponível para uso odontológico no Brasil


 Anestésico tópico
 Na concentração de 20%, promove anestesia da mucosa superficial após 2 min,
diminuindo a dor à punção da agulha.

SEM VASOCONSTRICTORES

 Aumento da velocidade de absorção.


 Maiores níveis plasmáticos (superdosagem).
 Redução da duração de ação.
 Redução da eficácia (rápida difusão)
 Aumento do sangramento no local de administração, devido a vasodilatação.

VASOCONSTRICTORES

 Aumento da duração da anestesia


 Redução do risco de toxicidade sistêmica
 Importantes para fazer hemostasia durante um procedimento cirúrgico (diminuir o
sangramento)
 Podem ser aminas simpatomiméticas ou análogos sintéticos da vasopressina.

1. Aminas Simpatomiméticas

Vão agir nos receptores adrenérgicos (alfa ou beta) encontrados nos tecidos. A ação
vasoconstrictora é exercida pela interação com os receptores alfa.

1.1 Epinefrina

- Mais utilizada em todo o mundo, deve ser o agente de escolha para os


procedimentos odontológicos de rotina em pacientes saudáveis, incluindo crianças,
gestantes e idosos.
- Concentrações disponíveis comercialmente: 1:50.000 / 1:100.000 / 1:200.000
- Efeito rebote: na concentração de 1:50.000, quando o efeito passa, provoca uma
vasodilatação muito maior, havendo risco de hemorragia.

1.2 Norepinefrina

- Atua em alfa-receptores (90%) e em beta-receptores (10%).


- Não apresenta vantagens quando comparado à adrenalina.
- Tem 25% da potência vasoconstrictora da epinefrina.
- Grande quantidade de efeitos adversos: dor de cabeça, descamação tecidual na
região da injeção.

1.3 Fenilefrina

- Agem exclusivamente em alfa-receptores presentes em vasos.


- Apresenta apenas 5% da potencia vasoconstrictora da adrenalina.
- Tem maior estabilidade e duração de ação.
- Disponível comercialmente na concentração de 1:2.500
- Maiores efeitos adversos quando em superdosagem, são mais duradouros
também

2. Análogos sintéticos da vasopressina

2.1 Felipressina

- Associado somente a prilocaína 3% no Brasil.


- Atua em receptores V1 presentes em músculo liso vascular
- Maior ação em microcirculação venosa do que na arteriolar, com ativação da
fosfolipase C e liberação de cálcio (pouca homeostasia, maior sangramento)
- Indicado para pacientes que não podem fazer uso de vasoconstrictores
adrenérgicos.

Outros componentes das soluções anestésicas

Geralmente é uma solução com o sal anestésico, um veiculo e um antioxidante.

1. Bissulfito de sódio: impede a biodegradação do vasoconstrictor pelo oxigênio,


reage primeiro com o oxigênio e forma o bissulfato de sódio, que possui pH
mais ácido. Clinicamente, o paciente pode sentir maior ardência ou queimação
durante a injeção quando se usa um tubete mais antigo.
2. Metilparabeno: conservante, propriedades bacteriostáticas e fungistáticas.
Diluído em cloreto de sódio e água destilada. (pode induzir a alergias, proibido
no EUA e Canadá).
3. Cloreto de sódio: torna a solução isotônica em relação aos tecidos do
organismo.
4. Água bidestilada: usada como diluente para aumentar o volume da solução.

Escolha da solução anestésica ideal

- Em função do tempo de duração da anestesia pulpar.


- Grau de hemostasia exigido para um determinado procedimento.
- Condições sistêmicas do paciente (ex.: paciente hipertenso deve-se evitar uso de
adrenalina)

1. Procedimento de curta ou média duração

 Anestesia pulpar acima de 30 min.


 Lidocaína 2% + epinefrina 1:100.000 ou 1:200.000
 Mepvacaína 2% + epinefrina 1:100:000
 Articaína 4% + epinefrina 1:100.000 ou 1:200.000
 Prilocaína 3% + felipressina 0.03 UI/mL (unidade interna).

Obs.: No caso de procedimentos em que haja necessidade de controle de


sangramento, a escolha deve recair nas soluções que contenham epinefrina
1:100.000, já que a epinefrina na concentração de 1:200.000 e a felipressina não
promovem hemostasia efetiva. Evitar bloqueios regionais com o uso das soluções de
articaína.

2. Procedimento muito invasivo ou de maior tempo de duração

 Enxertos, endodontia, extração de 3°M complicada


 Lidocaína 2% com epinefrina 1:200.000 (técnica de bloqueio maxila e
mandíbula)
 Mepvacaína 2% com epinefrina 1:200.000 (técnica de bloqueio maxila e
mandíbula)
 Articaína 4% com epinefrina 1:100.000 ou 1:200.000 (técnica infiltrativa
maxila)
 Bupivacaína 0,5% com epinefrina 1:200.000
(bloqueio regional mandíbula).

3. Procedimento de média duração, quando há contraindicação ao uso de


vasoconstrictor

 Anestesia pulpar de ate 30min – mepivacaína 3% sem vasconstrictor


 Anestesia pulpar por mais de 30min – prilocaína 3% com felipressina 0,03
UI/mL

Como calcular o volume máximo de uma solução anestésica local?

- Concentração do anestésico
- Dose máxima recomendada
- Peso corporal do paciente
- 1 tubete = 1,8 mL

ANESTÉSICO DOSE MÁXIMA MÁXIMO ABSOLUTO


Articaína 7 mg/kg 500mg
Prilocaína 6mg/kg 400mg
Lidocaína 4,4 mg/kg 300mg
Mepivacaína 4,4 mg/kg 300mg
Bupvacaína 1,3 mg/kg 90mg

Toxicidade dos anestésicos locais

A injeção de uma solução anestésica deve ser feita somente após aspiração negativa
de forma lenta na razão de 1 mL/min, para garantir que não atingiu nenhum vaso.
Então, o tempo de administração para cada tubete é de aproximadamente 90s.

Deve-ser respeitar a dose máxima de cada anestésico

O fator limitante para a dose máxima é o sal anestésico e não o vasoconstrictor


(exceção: soluções com epinefrina 1:50.000 ou fenilefrina 1:2.500).

Efeitos adversos
- Sobredosagem absoluta: dose maior de anestésico
- Sobredosagem relativa: dose adequada, porém administrada no interior de um vaso
sanguíneo, atingindo rapidamente concentrações muito superiores às habituais.
- Falta de conhecimento das doses máximas.
- Uso incorreto das técnicas anestésicas.

Aminas Simpatomiméticas + Cocaína

- Intensificação das respostas cardiovasculares.


- Maior risco de infarto, arritmia, parada cardíaca (maior risco na injeção intravascular).
- Evitar adrenalina com consumo de cocaína em menos de 24h.
- Em caso de necessidade, usar anestésico sem vasoconstrictor ou com felipressina.

Anfetaminas (medicamentos para emagrecimento)

- Taquicardia e hipertensão.

Precauções

- Anamnese detalhada
- Dose segura do anestésico
- Injeção lenta
- Aspiração negativa

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