Você está na página 1de 20

A hereditariedade e a etiologia das neuroses

(Um texto de Sigmund Freud de 1896)

Paulo Pedro P. R. Costa/ costapppr@gmail.com


http://medicinacomportamental.blogspot.com/

..."um psicótico se faz em três gerações" ...


Maud Mannoni

Esse conjunto de anotações da obra de Sigmund Freud sobre Hereditariedade


visa rever a sua posição de que “...a psiquiatria, ao eleger a hereditariedade,
como causa dos transtornos mentais, nos remete a uma etiologia geral e remota,
em vez de indicar, primeiro, as causas mais especiais e próximas, utilizando os
métodos técnicos da psicanálise acerca do conteúdo do delírio” (Freud - Teoria
geral das neuroses (1917)
A psiquiatria [portanto, que] ...não emprega os métodos técnicos da psicanálise;
[apenas] toca superficialmente qualquer inferência acerca do conteúdo
[psicossocial] do delírio, e, ao apontar para a hereditariedade, dá-nos uma
etiologia geral e remota [ ainda hoje na era pós "projeto genoma", 2003 ] em vez
de indicar, primeiro, as causas mais especiais e próximas, cujo acesso a
psicanálise nos proporciona. (Freud, 1896)
Essa releitura dos antigos textos de Freud, de certo modo, identifica e se constitui
como uma introdução à neuropsicanálise, pois parte da leitura das publicações
pré-psicanalíticas e contribuições de Freud à neurologia/ neuropsiquiatria.
Dado a importância que ele dá aos fatores epigenéticos, de certo modo, suas
contribuições aproximam-se das modernas descobertas da genética molecular,
com identificação de genes e genética clínica, advindas das tradicionais
reconstruções de antecedentes familiares e populacionais dos portadores de
transtornos mentais. Identificados na anamnese para realização de
heredogramas ou árvores genealógicas.
Epigenética é o estudo de características do genitor para a prole que não
resultam de uma mutação do DNA...o processo que leva à expressão de um
alelo que é herdado de um genitor e à inatividade de sua contraparte do outro
genitor é um fenômeno epigenético chamado imprinting gnômico... (Pasternak,
2015). O presente texto visa valorizar também as múltiplas acepções e
contribuições de Freud para genética evolutiva dos primeiros homens e a
psicogenética, ou seja a forma como identificou estruturação, gênese ou
regressão do sujeito e sua constituição psicofisiológica.
A Genética Evolutiva é o vasto campo de estudos que resultaram da integração
da genética e da teoria da evolução Darwiniana. Este campo busca dar
explicação para a evolução em termos de mudanças nas frequências gênicas e
genotípicas nas populações. (Santos; Santos, 2014) Freud, compartilhava [a
teoria] de origem única (fundamentada na Eva mitocondrial), ou seja,
aparentemente não apoiaria a teoria da evolução multirregional ou teoria
policêntrica (ela ainda não havia sido formulada).
Sem entrar no mérito das diferenças entre hominídeos, Freud, aderiu a hipótese
de Charles Darwin (1809 - 1882) sobre o estado social dos homens primitivos,
que tal como os símios superiores, o também o homem vivia originalmente em
grupos ou hordas relativamente pequenos e deduziu dos hábitos de ambos a
gênese de nossos sistemas de parentesco a partir da proibição do incesto, nessa
regra, através da qual, segundo Lévi-Strauss (1976) a natureza ultrapassa a si
mesma formando um estrutura ou ordem de novo tipo integrado essa
organização da vida animal à vida psíquica.
Em psicologia clínica, heredogramas são, modernamente, melhor descritos com
os recursos da antropologia e análise psicossocial da biografia de um sujeito; e
atualmente possivelmente complementados por exames de identificação de
padrões metabólicos e genes já identificados como por exemplo: variantes do
gene MAOA ligada ao comportamento antissocial; variante do gene 5HTT

2
(transportador de serotonina) ligado à depressão e variantes do gene COMT
ligada à esquizofrenia que vem orientando e interagindo com a
psicofarmacologia na identificação de endofenótipos e biomarcadores para um
tratamento personalizado, considerando inclusive a genética dos efeitos
colaterais induzidos por antipsicóticos, antidepressivos, etc. (Thapar,et al. 2008;
Gerretsen et. al. 2009)
A Neuropsicanálise é um movimento dentro da neurociência e da psicanálise
para combinar os conhecimentos de ambas as disciplinas para uma melhor
compreensão da mente e do cérebro (Nèmeth, 2011). Michael Harvey da
Sociedade internacional de Psicanálise (International Neuropsychoanalysis
Society) refere-se a neuropsicanálise como um campo emergente de estudos
que neste momento está envolvida na exploração interdisciplinar da associação
entre a neurologia, neuropsicologia, neuroanatomia, psicanálise tendo como
proposição o método clínico-anatômico observacional utilizado por Freud
quando trabalhava como neurologista e a neuropsicologia dinâmica notabilizada
por Alexander Luria (1902 - 1977) por volta de 1939 cujos princípios se
aproximam aos da psicanálise por aceitar que as funções da fisiologia cerebral
ocorrem na interação dinâmica de diversas áreas espalhadas pelo cérebro, e
não resultante de uma localização num centro. (Soussumi, 2004).
Cabe também a ressalva, como destacado por muitos autores, que se trata de
uma via de mão dupla, há tanto interesse dos psicólogos e especialistas em
ciências humanas nos processos neurológicos, como dos neuropsiquiatras e
psicofarmacologistas nos processos simbólicos, e possivelmente, como atestam
os trabalhos do neuroantropólogo, como ele se autodenomina, Oliver Sacks
(1933 - 2015), há mais contribuições da psicanálise à neurociência, ou seja de
estudos psicanalíticos e/ou investigações clínicas de pacientes com patologias
neurológicas baseadas na metodologia psicanalítica do que contribuições da
neurologia à psicanálise. (Caeiro, 2020)
A Neuropsicanálise apresentou-se em nossos dias como uma tendência natural
de retorno ao “projeto de uma psicologia científica para neurologistas” da
proposição inicial de Sigmund Freud, somadas às suas experiências com a
psicofarmacologia e dependência de drogas (especialmente a cocaína) e o atual
desenvolvimento da farmacopsicoterapia. A psicofarmacologia ou melhor
descrita como farmacopsicoterapia vem se consolidando no tratamento das
psicoses, depressão, e, em vias de desenvolvimento da psicoterapia assistida
com psicodélicos, aperfeiçoando a interpretação dos sonhos. Observe-se que na
psicoterapia psicodélica a eficácia se dá devido não só por fatores
neuroquímicos, mas também por fatores não-farmacológicos, como por
exemplo, a partir da intensidade do vínculo entre pacientes e terapeutas
(transferência, compliance) ou uma reorganização do self do paciente.
(Schenberg, 2018)
GENÉTICA E PSICANÁLISE
Um dos aspectos bastante conhecidos das contribuições da psicanálise à
genética evolutiva ou epigenética, veio a ser publicado por ele em 1912-1913
(Totem e tabu, algumas concordâncias entre a vida psíquica dos homens
primitivos e dos neuróticos) onde relaciona a estrutura básica do parentesco
humano (a proibição do incesto) ao processo civilizatório e ao que chamamos

3
hoje de jus naturalis, nas ciências jurídicas (corpo de doutrinas enraizadas das
leis naturais) que merece estudos à parte como já vem sendo realizados pelos
que compreendem a formação social da psique ou mente humana.
Contribuição relevante às relações genética evolutiva com a psicanálise também
devem ser concedidas a C. G Jung (1875 - 1961), a quem Freud atribui a
sugestão de explorar na teoria psicanalítica, juntamente a metodologia clínica, o
paralelismo entre os desenvolvimentos ontogenético e filogenético, no campo da
antropologia, juntamente com as leituras da psicologia dos povos/ etnopsicologia
[Völkerpsychologie], de Wilhelm Wundt (1832 1920)
Vale citar essa contribuição de Jung sobre a “oposição entre a carga hereditária
do ser natural primitivo e o recém-nascido” e ou a semelhança dos símbolos
míticos e oníricos. Literalmente:
...A natureza humana é caracterizada por uma instintividade ainda não abatida,
bem como pelo fato de estar totalmente à mercê de seus instintos. A carga
hereditária oposta a esta situação é constituída pelos sedimentos mnêmicos de
todas as experiências legadas pelos ancestrais. As pessoas muitas vezes se
sentem inclinadas a encarar tal hipótese com ceticismo, pensando que se trata
de "ideias herdadas". Evidentemente, não é disto que estamos falando. Trata-
se, pelo contrário, de possibilidades herdadas de ideias, de "pistas" que foram
traçadas gradualmente pelas experiências acumuladas pelos ancestrais. Negar
que estas pistas foram herdadas eqüivaleria a negar a hereditariedade do
cérebro. Por razões de coerência, tais pessoas deveriam afirmar que a criança
nasce com um cérebro de macaco. Mas, uma vez que a criança nasce com um
cérebro humano, este cérebro, mais cedo ou mais tarde, começará a funcionar
de maneira humana e o fará, necessariamente, ao nível dos ancestrais mais
recentes. Jung, 1928
HEREDITARIEDADE SIMILAR E DISSIMILAR
Uma outra questão interessante e relevante em nossos dias de ciência pós
genomas reflexões de Freud sobre a herdabilidade das patologias nervosas que
se diferenciam por uma hereditariedade similar e o que se conhece como
hereditariedade dissimilar. Ou seja, buscava explicar o que hoje reconhecemos
como padrões de herança recessiva e dominante e/ou monogênica e
multifatorial.
Observe-se que esse texto é de 1986, anterior, portanto à redescoberta de
Gregor Johann Mendel (Heinzendorf bei Odrau, 1822 - Brno, 1884). Decerto
Mendel foi um conterrâneo de Freud no império austro-húngaro (Brünn). Freud
(1856- 1939) nasceu em Příbor (em alemão Freiberg in Mähren), um município
na República Checa na região da Morávia Império Austro-Húngaro existiu de
1867 a 1918, quando entrou em colapso após a sua derrota na Primeira Guerra
Mundial. Sucedido por Áustria Alemã
Como se sabe o trabalho de Mendel ficou esquecido até que por volta de 1900-
1903, Hugo De Vries (Haarlem, 1848 - Lunteren, 1935), Carl Correns (Munique,
1864 - Berlim, 1933) e Erich von Tschermak (Viena, 1871 - 1962) por
investigação independente, chegaram a resultados semelhantes embora suas
publicações sejam quase simultâneas. (Freire-Maia, 1995)

4
Contudo apesar da relevância nas descobertas de Mendel e remota
probabilidade de Freud ter conhecido o conceito de recessividade é bem mais
provável que acompanhasse os progressos da genética médica.
Nora e Fraser (1991) cita como precursoras as observações de Hipócrates sobre
a concentração familiar e herança da cor dos olhos calvície e epilepsia. Foi
William Bateson (1861 - 1926) quem usou pela primeira vez o termo “genética”
(1905) para descrever o estudo da variação e hereditariedade, influenciado tanto
pela abordagem de Charles Darwin, quanto pela abordagem de Francis Galton
(1822 - 1911) sobre Métodos quantitativos ("biométricos").
No livro “A short history of medical genetics” de Peter S Harper (2008) no
capítulo "Antes de Mendel" descreve-se algumas das primeiras ideias sobre
distúrbios genéticos, com exemplos intrigantes, como o trabalho de Joseph
Adams (1756-1818), que não apenas distinguiu entre distúrbios congênitos
hereditários e "disposições" (onde o distúrbio se desenvolve gradualmente ao
longo da vida), mas também categorizou 'predisposições', onde um fator externo
também é necessário para que o transtorno se torne aparente em um indivíduo.
(Motulsky, 1959)
As principais contribuições de Freud além da genética evolutiva foram: o
reconhecimento de padrões diferenciados de herança das doenças nervosas,
ênfase nos fatores ambientais (tanto na etiologia como nas possibilidades de
intervenção clínica) e suas contribuições à genética do desenvolvimento e/ou
identificação (embora sem deter-se nos processos biológicos ou genéticos
propriamente ditos). São conhecidas as suas proposições sobre as fases ou
estágios de desenvolvimento da sexualidade e/ou maturação do sistema
nervoso autônomo (corticalização ou controle voluntário dos reflexos de
deglutição /sucção, defecação, micção) e neuroendócrino (como daríamos hoje
relacionando estes à sequência de desenvolvimento neuropsicomotora).
Em “Três ensaios sobre a sexualidade” (Freud 1905), talvez a principal obra
sobres os estágios e fases do desenvolvimento nos apresenta duas aplicações
dos conceitos, hoje integrantes da genética moderna: a noção de variações
constitucionais capazes, sem a ajuda de outros fatores ontogenéticos,
determinar a configuração de uma vida sexual anormal. Observe-se que ao longo
de sua obra destaca uma disposição contrária, a produção de fenocópias, ou
seja características originadas por influências principalmente ambientais, como
também epigenéticas.
Sobre a influência dos fatores psicossociais no desenvolvimento da fase de
latência escreveu:
...durante esse período de latência total ou parcial são formados os poderes
psíquicos que depois se colocarão como entraves no caminho do instinto sexual
e, ao modo de represas, estreitarão seu curso (o nojo, o sentimento de vergonha,
os ideais estéticos e morais). Com as crianças civilizadas temos a impressão de
que é obra da educação construir tais represas, e certamente a educação faz
muito nesse sentido. Na realidade, porém, esse desenvolvimento é
organicamente condicionado, fixado hereditariamente, e pode se produzir, às
vezes, sem qualquer auxílio da educação. Esta permanece inteiramente no
domínio que lhe foi assinalado, quando se limita a seguir o que foi organicamente
traçado, dando-lhe uma marca um tanto mais limpa e mais profunda.... (Freud,
1905)

5
Poderíamos citar ainda diversos psicanalistas e dissidentes de Freud que deram
continuidade a análise do desenvolvimento infantil e suas consequências na vida
adulta, a exemplo de sua filha Anna Freud (1895 - 1982) com sua publicação e
estudos sobre “a infância normal e patológica, Melanie Klein (1882 - 1960) mas
não há dúvidas que as principais contribuições ou melhor aproximações
interdisciplinares com a neurobiologia e genética do desenvolvimento vieram de
John Bowlby (1907- 1990) e Mary Ainsworth (1913-1999 indiretamente da
Etologia de Konrad Lorenz (1903-1989) e principalmente de René Spitz (1887 -
1974)
René Spitz desenvolveu uma "teoria genética e de campo" sobre as hipóteses
psicanalíticas da formação do ego onde sintetiza suas observações sobre o
desenvolvimento psicológico, traçando paralelos com a embriologia, taxa de
metabolismo diferenciada nas distas fases e outros componentes referentes ao
desenvolvimento do cérebro (anlage) e da psique a partir dos mecanismos
liberadores inatos e interação do binômio mãe filho. Fundamentava-se tanto na
metodologia clínica como nas técnicas de observação direta de crianças com um
método quase experimental (neuro-etológico) - estudando aspectos normais e
patológicos da relação afetiva e emocional do bebê com sua mãe. Pode ser
considerado pioneiro na utilização da fotografia e filmes de bebês em interações
com suas mães. Além do estudo da obra e contatos pessoais com Sigmund
Freud, também acompanhou a obra e as proposições Anna Freud e Melanie
Klein. Seus estudos o conduziram a novas concepções da posição depressiva
de Klein, caracterizando a síndrome resultante da privação extrema que
denominou de "hospitalismo". (Spitz, 1979 a e b)

REFERÊNCIAS
DAVID, Mário; CAEIRO, Lara. O nascimento e o desenvolvimento da neuro-
psicanálise. Vínculo, São Paulo , v. 17, n. 1, p. 01-24, jun. 2020 . Disponível
em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-
24902020000100002&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 18 out. 2022.
http://dx.doi.org/10.32467/issn.19982-1492v17n1p1-24.
FREIRE-MAIA. Newton. Gregor Mendel, vida e obra. SP: T.A Queiroz, 1995
FREUD, Sigmund. (1896) A hereditariedade e a etiologia das neuroses In:
_____. Primeiras publicações psicanalíticas (1893-1899). In S. Freud. Ed.
standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, Vol. 3.
Rio de Janeiro: Imago, 1976.
FREUD, Sigmund (1905) Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. Sigmund
Freud. Obras Completas, tradução Paulo César de Souza. Vol.6. São Paulo:
Companhia das Letras, 2016.
FREUD, Sigmund. (1917) Teoria geral das neuroses. Conferência XVI
(Psicanálise e psiquiatria In S. Freud. Edição standard brasileira das obras
psicológicas completas de Sigmund Freud (Vol.16). Rio de Janeiro: Imago, 1974.

6
FREUD, S. (1913). Totem e tabu. In S. Freud. Edição standard brasileira das
obras psicológicas completas de Sigmund Freud (Vol.13). Rio de Janeiro: Imago,
1974.
GERRETSEN P; MÜLLER DJ; TIWARI A; MAMO D; POLLOCK BG; The
intersection of pharmacology, imaging, and genetics in the development of
personalized medicine. Dialogues Clin Neurosci. 2009;11(4):363-376.
doi:10.31887/DCNS.2009.11.4/pgerretsen
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3181934/
HARPER Peter S. A short history of medical genetics”. UK: Oxford University
Press, 2008 apud: Hodgson S. A short history of medical genetics. Clin Med
(Lond). 2009;9(5):501-502. doi:10.7861/clinmedicine.9-5-501
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4953469/
JUNG, Carl Gustav (1928). A energia psíquica. Petrópolis: Editora Vozes, 2002
p.38
LÉVI-STRAUSS, Claude. AS ESTRUTURAS ELEMENTARES DO
PARENTESCO. SP Vozes/EDUSP, 1976, p.63
MANNONI, Maud. O psiquiatra, seu "louco" e a psicanálise. RJ: Zahar, 1971
MOTULSKY, ARNO G. (1959). Joseph Adams (1756-1818). A.M.A. Archives of
Internal Medicine, 104(3), 490–. doi:10.1001/archinte.1959.00270090144020
NÉMETH, N. Neuropsychoanalysis: the science of the unconscious in the 21st
century: definition and scientific roots. Psychiatr Hung. 2011;26(5):290-310.
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/22232520/ Aces. 18/10/2022
NORA, James J.; FRASER, F. Clarke. Genética médica. RJ: Guanabara
Koogan, 1991
NPSA - International Neuropsychoanalysis Society https://npsa-association.org/
Aces. 18/10/2022
PASTERNAK, Jack J. Uma introdução à genética molecular humana:
mecanismos das doenças hereditárias. RJ: Guanabara Koogan, 2015
SANTOS, Lilian Gomes dos; SANTOS, Rodrigo da Silva. Ensinando genética
evolutiva e evolução humana sob a ótica da teoria da Eva mitocondrial. Revista
Sapiência: sociedade, saberes e práticas educacionais – UEG/Câmpus de
Iporá, v.3, n. 2, p.158-177 – jul/dez 2014 – ISSN 2238-3565
https://www.revista.ueg.br/index.php/sapiencia/issue/view/171
SCHENBERG, Eduardo E. Psychedelic-Assisted Psychotherapy: A Paradigm
Shift in Psychiatric Research and Development. Front Pharmacol. 2018; 9:733.
Published 2018 Jul 5. doi:10.3389/fphar.2018.00733
SOUSSUMI, Yusaku. O que é neuro-psicanálise. Cienc. Cult., São Paulo , v.
56, n. 4, p. 45-47, Dec. 2004 . Available from
<http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0009-
67252004000400019&lng=en&nrm=iso>. access on 18 Oct. 2022.
SPITZ, René A. A formação do ego: uma teoria genética e de campo. SP:
Martins Fontes, 1979

7
SPITZ, René A. O primeiro ano de vida. SP: Martins Fontes, 1979
THAPAR A; STERGIAKOULI E. Influências genéticas no desenvolvimento de
transtornos psiquiátricos infantis. Psiquiatria . 2008;7(7):277-281.
doi:10.1016/j.mppsy.2008.05.009
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3303131/

...enfim vamos ao texto

Freud, Sigmund, 1856 - 1939


A hereditariedade e a etiologia das neuroses (1896)
TRAVAUX ORIGINAUX

L’HEREDITE ET L’ETIOLOGIE DES Nüvnosns


Pur In D- Sign. Freud, de Vienna (Antriebe).

https://www.freud-edition.net/werke/l-heredite-et-letiologie-des-
nevroses/druckversion

A HEREDITARIEDADE E A ETIOLOGIA DAS NEUROSES

Dirijo-me em particular aos discípulos de J.M. Charcot, para formular algumas


objeções à teoria etiológica das neuroses que nos foi legada por nosso mestre.
O papel atribuído naquela teoria à hereditariedade nervosa é bem conhecido: é
a única causa verdadeira e indispensável das afecções neuróticas, podendo as
outras influências etiológicas aspirar apenas ao nome de agents provocateurs.
Essa era a opinião sustentada pelo próprio grande homem e por seus discípulos,
M. M. Guinon, Gilles de la Tourette, Janet e outros, a respeito da neurose
maior, a histeria; e creio que a mesma visão seja sustenta da na França e na
maioria dos outros lugares a propósito das demais neuroses, embora, no que
concerne a esses estados análogos à histeria, ainda não tenha sido promulgada
de maneira tão solene e decidida.
Por muito tempo tive dúvidas sobre esse assunto, mas tive que esperar pela
descoberta de fatos corroborativos em minha experiência cotidiana como
médico. Minhas objeções são agora de ordem dúplice: argumentos fatuais e
argumentos derivados da especulação. Começarei pelos primeiros, dispondo-os
de acordo com a importância que lhes atribuo.

I
8
(a) Certas afecções que, muitas vezes, estão bem distantes do domínio da
neuropatologia, e que não dependem necessariamente de uma doença do
sistema nervoso, têm sido ocasionalmente consideradas como nervosas e como
demonstrativas da presença de uma tendência neuropática hereditária. É o
que tem ocorrido com as nevralgias faciais autênticas e com muitas dores de
cabeça que se acreditava serem nervosas, embora na verdade proviessem de
alterações patológicas pós-infecciosas e de supuração nas cavidades
faringonasais. Estou convencido de que os pacientes seriam beneficiados se
encaminhássemos com mais freqüência o tratamento dessas afecções aos
cirurgiões rinológicos.
(b) Todas as afecções nervosas encontradas na família do paciente, sem
consideração para com sua freqüência ou gravidade, têm sido aceitas como
fundamento para atribuir-lhe uma tara nervosa hereditária. Não implicará esse
modo de encarar as coisas o estabelecimento de uma nítida linha divisória entre
famílias livres de qualquer predisposição nervosa e famílias sujeitas a ela em
grau ilimitado? E será que os fatos não depõem a favor da concepção contrária
de que há transições e graus na predisposição nervosa, e de que nenhuma
família escapa a ela por completo?
(c) Nossa opinião sobre o papel etiológico da hereditariedade nas doenças
nervosas deve decididamente basear-se num exame estatístico imparcial, e não
numa petitio principii. Até que se faça tal exame, devemos acreditar que a
existência de distúrbios nervosos adquiridos é tão viável quanto a de
distúrbios hereditários. Contudo, se houver distúrbios nervosos
adquiridos por pessoas sem nenhuma predisposição, não mais se poderá
negar que as afecções nervosas encontradas em parentes de nosso
paciente talvez tenham surgido, em parte, dessa maneira. Não será mais
possível, então, citá-los como prova conclusiva da predisposição hereditária
imputada a nosso paciente em razão de sua história familiar, pois é raro
conseguir-se fazer com êxito um diagnóstico retrospectivo das doenças dos
ancestrais ou dos familiares ausentes.
(d) Os adeptos de M. Fournier e M. Erb quanto ao papel desempenhado pela
sífilis na etiologia da tabes dorsal e da paralisia progressiva aprenderam que é
preciso reconhecer poderosas influências etiológicas cuja colaboração é
indispensável para a patogênese de certas doenças, que não se
produziriam apenas pela hereditariedade. Contudo, M. Charcot se manteve,
até o fim (sei disso por uma carta particular que recebi dele), estritamente
contrário à teoria de Fournier, que no entanto vem ganhando terreno dia a dia.
Fournier no seu excelente trabalho sobre a "Syphilis du Cerveau" enumera as
síndromes do encéfalo, como a hemiplegia, a afasia, a epilepsia, as paralisias
oculares, etc., em que incontestavelmente encontramos o fator luésico como
causa eficiente.

Fournier no seu trabalho já citado afirmou que, em muitos casos de paralisia


geral, a sífilis era causa determinante dessa doença. Também demonstrou
Fournier que a sífilis cerebral podia apresentar-se com uma sintomatologia que
por vezes lembrava a paralisia geral e que a esses casos, alguns de diagnostico
difícil, denominava-os de "pseudo paralisia geral sifilítica".

9
A sífilis medular foi particularmente versada por Charcot e Gombault, os quais
nos deram um interessante ensaio sobre as mielites sifilíticas. Erb isolou entre
as mielites um novo tipo conhecido pelo nome de "paralisia espinhal luesica de
Erb". As relações da "Tabes dorsualis" com a sífilis foram firmadas pelas
pesquisas de Fournier em 1876 e de Erb em 1879. A paquimeningite cervical
hipertrófica faz parte hoje do domínio da sífilis.

Vianna, Ulysses. Sífilis do sistema nervoso. História, Ciências, Saúde-


Manguinhos [online]. 2010, v. 17, suppl 2 [Acessado 9 Março 2022] , pp. 683-
691. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0104-59702010000600026>.
Epub 04 Fev 2011. ISSN 1678-4758. https://doi.org/10.1590/S0104-
59702010000600026.
https://www.scielo.br/j/hcsm/a/rhJV5jKk9mRYz8t6Pw3ytNg/?lang=pt
(e) não há dúvida de que certos distúrbios nervosos podem desenvolver-se em
pessoas perfeitamente sadias cujas famílias estão acima de qualquer
recriminação. Esse é um fato cotidianamente constatado nos casos da
neurastenia de Beard; se a neurastenia estivesse restrita às pessoas
predispostas, nunca teria atingido a importância e a extensão com que
estamos familiarizados.
George Miller Beard (1839- 1883) Em 1879, introduz o termo "neurastenia" para
designar um estado crônico de esgotamento físico e mental, acompanhado por
sintomas vagos e generalizados de desconfortos e disfunções corporais. A
delimitação completa do quadro seria estabelecida em 1881, em um famoso
artigo intitulado "Sexual neurasthenia (nervous exhaution), its hygiene, causes,
symptoms and treatment". Assim, a neurastenia descrita por Beard era, segundo
Trillat (1991), bastante proxima a melancolia e a hipocondria. Caracterizava-se
por "um estado de fadiga física e psicológica permanente, acompanhada de
múltiplas indisposições de caráter corporal, tais como impotência sexual,
dispepsias, vertigens, cefaleias, insônia, sensação de plenitude gástrica e
neuralgias". Além disso, sintomas claramente ansiosos faziam parte da
descrição desse quadro: ansiedade, a pressão torácica, medos vagos e
inexplicáveis, vertigens, ondas de frios e calor pelo corpo, tremores de
extremidades e formigamentos. O estatuto atribuído a esse grupo específico de
manifestações ansiosas presentes na neurastenia seria radicalmente modificado
por Freud, ... propondo o conceito de Angstneurose - "neurose de angustia",
categoria psicopatológica reconhecida tanto pela psicanalise como pela
psiquiatria até o início dos anos 1980.

O titulo do artigo fundador dessa nova entidade era por si só explicativo da


proposta freudiana: "Sobre a justificativa de se distinguir na neurastenia um
grupo particular de sintomas sob titulo de neurose de angustia" (FREUD, 1895).
Nesse trabalho, Freud separa da neurastenia os sintomas especificamente
"ansiosos", reagrupando-os sob a designacao de Angstneurose. O termo de
neurastenia ficaria doravante reservado para as manifestações de fraqueza,
fadiga, cansaco, irritabilidade, falta de motivação e de impotência sexual. A
referida "justificativa" para tal distinção não repousava apenas em argumentos
semiológicos e descritivos, mas – mais audaciosamente - sobre a proposição de
que existiriam mecanismos psicopatológicos específicos na produção de cada
um dos dois transtornos. Assim, a neurastenia seria decorrente de um estado de
esgotamento sexual devido a masturbação excessiva. A neurose de angustia,
por sua vez, também seria resultante de um distúrbio da vida sexual atual do
sujeito, só que desta vez o mecanismo patogênico seria o acumulo de excitação

10
erótica que não encontra descarga através das representações mentais da
sexualidade adulta.
Portanto, na nosografia freudiana, fundada sobre critérios etiológicos, ambas
seriam agrupadas sob o título de "neuroses atuais", a diferença das
"psiconeuroses de defesa", cuja origem deveria ser buscada nas defesas
estabelecidas contra eventos traumáticos ocorridos na vida sexual infantil...
Mário Eduardo Costa Pereira. George Beard: neurastenia, nervosidade e cultura
CLÁSSICOS DA PSICOPATOLOGIA • Rev. Latino am. psicopatol. fundam 5
(1) Jan-Mar 2002 https://doi.org/10.1590/1415-47142002001012
https://www.scielo.br/j/rlpf/a/WbbR3CwYjbWM3GSPdsbpYcF/?lang=pt&format=
pdf
(f) Na patologia nervosa existe a hereditariedade similar e o que se conhece
como hereditariedade dissimilar. Não é possível fazer nenhuma objeção à
primeira; é realmente notável que, nos distúrbios que dependem da
hereditariedade similar (doença de Thomsen, doença de Friedrich, as miopatias,
a coréia de Huntington etc. **), nunca deparemos com vestígios de qualquer
outra influência etiológica acessória. Já a hereditariedade dissimilar, que é muito
mais importante do que a outra, deixa lacunas que teriam de ser preenchidas
antes que se pudesse chegar a uma solução satisfatória dos problemas
etiológicos. A hereditariedade dissimilar consiste no fato de membros de
uma mesma família serem afetados pelos mais diversos distúrbios
nervosos, funcionais e orgânicos, sem que se possa descobrir qualquer lei
determinante da substituição de uma doença por outra ou da ordem de sua
sucessão entre as gerações. Ao lado dos membros doentes dessas
famílias há outros que permanecem saudáveis; e a teoria da
hereditariedade dissimilar não nos diz por que uma pessoa tolera a mesma
carga hereditária sem sucumbir a ela, ou por que outra pessoa, doente, opta
por uma afecção nervosa específica dentre todas as doenças que compõem a
grande família das doenças nervosas, em vez de escolher uma outra - a histeria
em lugar da epilepsia ou da insanidade, e assim por diante. Desde que, tanto na
patogênese neurótica quanto em qualquer outra área, não se pode falar em
acaso, deve-se admitir que não é a hereditariedade que rege a escolha do
distúrbio nervoso específico a ser desenvolvido no membro predisposto de uma
família, mas que há motivos para se suspeitar da existência de outras influências
etiológicas de natureza menos incompreensível, que mereceriam então ser
chamadas de etiologia específica dessa ou daquela afecção nervosa. Sem a
existência desse fator etiológico especial, a hereditariedade nada poderia ter
feito; ter-se-ia prestado à produção de algum outro distúrbio nervoso, caso a
etiologia específica em questão tivesse sido substituída por alguma outra
influência.

** Patologias citadas por Freud:


MIOTONIAS/ MIOTONIA DE THOMSEN
Miotonia é o fenômeno da diminuição da velocidade de relaxamento muscular
após contração, estímulo mecânico ou elétrico. As miotonias podem ser
hereditárias ou adquiridas. As hereditárias compreendem dois grupos - o
primeiro associado à distrofia muscular (distrofia miotônica de Steinert) e o

11
segundo as miotonias hereditárias não distróficas, com herança autossômica
dominante (miotonia congênita de Thomsen, paramiotonia congênita, miotonia
flutuante e a paralisia periódica hipercaliêmica) e herança autossômica recessiva
(Miotonia Congênita de Becker). As miotonias apresentam alterações na
excitabilidade da fibra muscular esquelética, por disfunção dos canais de cloro,
sódio ou cálcio, sendo designadas como doenças de canais iônicos. A Miotonia
de Thomsen (MT) é caracterizada por miotonia e hipertrofia muscular
generalizada, devido a mutação no gene que codifica o canal de cloro do
músculo esquelético. Frequentemente, o diagnóstico da MT é retardado por falta
de conhecimento do fenótipo.
Paiva CG; Amaral MCA; Lettieri BR; Amaral RR; Bernardo RM; Ribeiro CD.
Distrofia miotõnica de Thomsen - o pediatra pode diagnosticar. Anais do X
Congresso de Pediatria do Estado do Rio de Janeiro. - Revista de Pediatria
SOPERJ. 2012;13 (supl 1)(2):104
http://revistadepediatriasoperj.org.br/detalhe_artigo.asp?id=535
..........................
DOENÇA DE FRIEDRICH
A necrose espontânea da extremidade esternal da clavícula foi descrita
inicialmente por Friedrich em 1924. Desde então, poucos casos têm sido
relatados na literatura (28 casos foram relatados na literatura inglesa). A doença
geralmente é unilateral e acomete com maior freqüência pacientes do sexo
feminino. O quadro clínico caracteriza-se pelo aumento de volume e dor na
região da articulação esternoclavicular, que progridem para insidiosa limitação
de função do ombro.
CARRERA EF; NETTO N A; NICOLAO FA; CARVALHO RL; PEDRO FJ.
Doença de Friedrich: relato de caso. Rev Bras Ortop. 2007;42(6):185-8.
https://rbo.org.br/how-to-cite/2436/pt-BR
..............................
DOENÇA DE HUNTINGTON
A doença de Huntington (coreia de Huntington) é um distúrbio autossômico
dominante, caracterizada por coreia, sintomas neuropsiquiátricos e degeneração
cognitiva progressiva, geralmente iniciada na meia-idade. O diagnóstico é feito
por exame genético. Os parentes de primeiro grau devem receber
aconselhamento genético antes de os exames genéticos serem feitos. O
tratamento é de suporte.
Afeta igualmente aos dois sexos, cerca de uma a dez em cada cem mil pessoas,
concentrando-se em algumas regiões. É causada pela degeneração gradual de
partes dos gânglios basais chamados de núcleo caudado e putâmen, na base
do telencéfalo. Os gânglios basais entre outras funções colaboram na
suavização e coordenação dos movimentos.
Testes genéticos para a doença de Huntington
A mutação genética que causa a doença de Huntington está localizada no
cromossomo 4. Envolve a repetição de uma determinada seção do código
genético no DNA.
O gene da doença de Huntington é dominante. Assim, ter apenas uma cópia do
gene anormal, herdado de um dos pais, é suficiente para causar a doença.
Quase todas as pessoas com a doença têm apenas uma cópia do gene anormal.

12
Os filhos dessas pessoas têm 50% de chance de herdar o gene anormal e,
consequentemente, a doença.
Pessoas com um dos pais ou avós com a doença de Huntington podem saber
se herdaram o gene da doença por meio de um teste genético. Para o teste, é
retirada e analisada uma amostra de sangue. Essas pessoas podem ou não
querer saber se herdaram o gene. Esse aspecto deve ser discutido com um
especialista em orientação genética antes de ser realizado o teste genético.
Hector A. Gonzalez-Usigli , mai 2020
https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/dist%C3%BArbios-
neurol%C3%B3gicos/transtornos-de-movimento-e-
cerebelares/doen%C3%A7a-de-huntington

II
Tem havido pouquíssimas pesquisas sobre essas causas específicas e
determinantes dos distúrbios nervosos, pois a atenção dos médicos
permaneceu deslumbrada pela grandiosa perspectiva da precondição
etiológica da hereditariedade. Tais causas merecem, no entanto, ser objeto de
estudo assíduo. Embora seu poder patogênico, em geral, seja apenas
secundário ao da hereditariedade, há um grande interesse prático ligado ao
conhecimento dessa etiologia específica; ela permitirá que nossos esforços
terapêuticos encontrem uma via de acesso, enquanto a predisposição
hereditária, previamente fixada para o paciente desde seu nascimento, leva
nossos esforços a um impasse com seu poder inacessível.
Há anos me venho empenhando em pesquisas sobre a etiologia das quatro
grandes neuroses (estados nervosos funcionais análogos à histeria), e é o
resultado desses estudos que me proponho descrever - lhes nas páginas
seguintes. Para evitar possíveis mal-entendidos, começarei por fazer dois
comentários sobre a nosografia das neuroses e sobre a etiologia das neuroses
em geral.
Fui obrigado a começar meu trabalho por uma inovação nosográfica. Julguei
razoável dispor ao lado da histeria a neurose obsessiva (Zwangsneurose), como
distúrbio autossuficiente e independente, embora a maioria das autoridades situe
as obsessões entre as síndromes constitutivas da degeneração mental ou as
confunda com a neurastenia. Por meu lado, examinando o mecanismo psíquico
das obsessões, eu havia aprendido que elas estão mais estreitamente ligadas à
histeria do que se poderia supor.
A histeria e a neurose obsessiva compõem o primeiro grupo das grandes
neuroses por mim estudadas. O segundo contém a neurastenia de Beard, que
dividi em dois estados funcionais separados tanto por sua etiologia como por seu
aspecto sintomático – a neurastenia propriamente dita e a neurose de angústia
(Angstneurose), nome com o qual, diga-se de passagem, eu mesmo não estou
satisfeito. Apresentei minhas razões detalhadas para fazer essa separação, que
considero necessária, num artigo publicado em 1895 |Freud, 1895b|.

13
No que se refere à etiologia das neuroses, penso que a teoria deve reconhecer
que as influências etiológicas, diferentes entre si tanto em importância quanto na
maneira como se relacionam com o efeito que produzem, podem ser agrupadas
em três classes:
(1) Precondições, que são indispensáveis para produzir o distúrbio em causa,
mas que são de caráter geral e igualmente encontráveis na etiologia de muitos
outros distúrbios;
(2) Causas Concorrentes, que compartilham com as precondições a
característica de funcionarem tanto na causação de outros distúrbios quanto na
do distúrbio em questão, mas que não são indispensáveis para a produção deste
último; e
(3) Causas Específicas, que são indispensáveis como as precondições, mas têm
natureza limitada e só aparecem na etiologia do distúrbio de que são específicas.
Na patogênese das grandes neuroses, portanto, a hereditariedade preenche o
papel de precondição, poderosa em todos os casos e até indispensável na
maioria deles. Ela não poderia prescindir da colaboração das causas
específicas, mas a importância da predisposição hereditária é comprovada pelo
fato de que as mesmas causas específicas, agindo num indivíduo saudável, não
produzem nenhum efeito patológico manifesto, ao passo que, numa pessoa
predisposta, sua ação provoca a emergência da neurose, cujo desenvolvimento
será proporcional em intensidade e extensão ao grau da precondição hereditária.
Assim, a ação da hereditariedade é comparável à de um multiplicador
num circuito elétrico, multiplicador este que exagera o desvio visível da
agulha, mas não pode determinar sua direção.
Há ainda outra coisa a ser notada nas relações entre a precondição hereditária
e as causas específicas das neuroses. A experiência mostra - como se poderia
imaginar de antemão - que, nessas questões de etiologia, não se devem
desprezar as quantidades relativas, por assim dizer, das influências etiológicas.
Mas não se poderia adivinhar o seguinte fato, que parece proceder de minhas
observações: a saber, que a hereditariedade e as causas específicas podem
substituir uma à outra no que tange à quantidade - que o mesmo efeito
patológico é produzido pela coincidência de uma etiologia específica muito grave
com uma predisposição moderada, ou de uma hereditariedade nervosa
intensamente carregada com uma leve influência específica. E estaremos
simplesmente nos deparando com exemplos extremos e esperáveis nessa série,
se encontrarmos casos de neurose nos quais procuremos inutilmente qualquer
grau apreciável de predisposição hereditária, desde que o que falta seja
compensado por uma poderosa influência específica.
Como causas concorrentes (ou auxiliares) das neuroses podemos enumerar
todos os agentes banais encontrados em outras situações: perturbação
emocional, esgotamento físico, doenças graves, intoxicações, acidentes
traumáticos, sobrecarga intelectual etc. Sustento que nenhum desses, nem
mesmo o último, integra regular ou necessariamente a etiologia das neuroses, e
estou ciente de que expressar essa opinião equivale a ficar em oposição direta
a uma teoria considerada universalmente aceita e irrepreensível. Desde que
Beard declarou a neurastenia como fruto de nossa civilização moderna, só tem

14
encontrado seguidores; entretanto, acho impossível aceitar essa visão. Um
laborioso estudo das neuroses ensinou me que a etiologia específica das
neuroses escapou à observação de Beard.
Não tenho qualquer desejo de depreciar a importância etiológica desses agentes
banais. Por serem muito diversificados, ocorrerem com grande freqüência e
serem na maioria das vezes nomeados pelos próprios pacientes, eles se tornam
mais preeminentes do que as causas específicas das neuroses - uma etiologia
que está oculta ou é desconhecida. Com freqüência considerável, cumprem
a função de agents provocateurs que tornam manifesta uma neurose antes
latente; e há um interesse prático ligado a eles, pois o exame dessas causas
banais pode oferecer linhas de abordagem para uma terapia que não tenha como
objetivo uma cura radical e se satisfaça em reprimir a doença a seu estado de
latência anterior.
Todavia, é impossível estabelecer qualquer relação constante e estreita entre
uma dessas causas banais e essa ou aquela forma de afecção nervosa. O
distúrbio emocional, por exemplo, encontra-se igualmente na etiologia da
histeria, das obsessões e da neurastenia, assim como na da epilepsia, da
doença de Parkinson, do diabetes e de muitas outras.
As causas concorrentes banais podem também substituir a etiologia específica
com respeito à quantidade, mas nunca tomar seu lugar inteiramente. Há
numerosos casos em que todas as influências etiológicas são representadas
pela precondição hereditária e pela causa específica, estando ausentes as
causas banais. Em outros casos, os fatores etiológicos indispensáveis não são
quantitativamente suficientes em si mesmos para acarretar a eclosão da
neurose; um estado de aparente saúde pode ser mantido por muito tempo,
embora seja, na realidade, um estado de predisposição à neurose. Basta então
que uma causa banal entre também em ação para que a neurose se torne
manifesta. Mas é preciso assinalar claramente que, nessas condições, a
natureza da causa banal que sobrevém é absolutamente indiferente - seja ela
uma emoção, um trauma, uma doença infecciosa ou qualquer outra coisa. O
efeito patológico não será modificado de acordo com essa variação; a natureza
da neurose será sempre dominada pela causa específica preexistente.
Quais são, então, as causas específicas das neuroses? Haverá uma só causa
ou várias? E será que é possível estabelecer uma relação etiológica constante
entre uma dada causa e um dado efeito neurótico, de tal modo que cada uma
das grandes neuroses possa ser atribuída a uma etiologia especial?
Com base num árduo exame dos fatos, afirmo que esta última suposição
concorda perfeitamente com a realidade, que cada uma das grandes neuroses
que enumerei tem como causa imediata uma perturbação específica da
economia do sistema nervoso, e que essas modificações patológicas funcionais
têm como fonte comum a vida sexual do sujeito, quer residam num distúrbio de
sua vida sexual contemporânea, quer em fatos importantes de sua vida passada.
Esta não é, para dizer a verdade, uma proposição nova e jamais ouvida. Os
distúrbios sexuais sempre foram admitidos entre as causas da doença nervosa,
mas têm sido subordinados à hereditariedade e coordenados com os demais
agents provocateurs; sua influência etiológica tem-se restringido a um número
limitado de casos observados. Os médicos haviam até mesmo caído no hábito

15
de não investigá-los, a menos que o próprio paciente os mencionasse. O que
confere um caráter distintivo a minha linha de abordagem é que elevo essas
influências sexuais à categoria de causas específicas, reconheço sua atuação
em todos os casos de neurose e, finalmente, traço um paralelismo regular, prova
de uma relação etiológica especial, entre a natureza da influência sexual e a
espécie patológica da neurose.
Estou certo de que essa teoria invocará uma tempestade de contestações por
parte dos médicos contemporâneos. Mas não é este o lugar para apresentar a
documentação e as experiências que me forçaram a minha convicção, nem
para explicar o verdadeiro sentido da expressão bastante vaga “distúrbios da
economia do sistema nervoso”. Isso será feito mais completamente, espero,
num trabalho que estou preparando sobre o assunto. No presente artigo limito-
me a relatar minhas descobertas.
A neurastenia propriamente dita, ao destacarmos dela a neurose de angústia,
tem um aspecto clínico muito monótono: fadiga, pressão intracraniana, dispepsia
flatulenta, constipação, parestesias raquidianas, fraqueza sexual etc. Sua única
etiologia específica é fornecida pela masturbação (imoderada) ou pelas
emissões espontâneas.
É a ação prolongada e intensa dessa perniciosa satisfação sexual que se revela
suficiente, por si mesma, para provocar uma neurose neurastênica, ou que
imprime no sujeito a marca neurastênica especial que depois se manifesta sob
a influência de uma causa acessória incidental. Deparei também com pessoas,
apresentando indicações de uma constituição neurastênica, nas quais não
consegui trazer à luz a etiologia que mencionei, mas ao menos mostrei que a
função sexual nunca se desenvolvera até seu nível normal nesses pacientes; a
hereditariedade parecia tê-los dotado de uma constituição sexual análoga à que
se produz no neurastênico em conseqüência da masturbação.
A neurose de angústia exibe um quadro clínico muito mais rico: irritabilidade,
estados de expectativa angustiada, fobias, ataques de angústia completos ou
rudimentares, ataques de medo e de vertigem, tremores, suores, congestão,
dispnéia, taquicardia etc., diarréia crônica, vertigem locomotora crônica,
hiperestesia, insônia etc. Ela se revela facilmente como sendo o efeito específico
de várias perturbações da vida sexual, todas as quais possuem uma
característica comum. A abstinência forçada, a excitação genital não consumada
(excitação não aliviada pelo ato sexual), o coito imperfeito ou interrompido (que
não termina em gratificação), os esforços sexuais que excedem a capacidade
física do sujeito etc. – todos esses agentes, que ocorrem tão freqüentemente na
vida moderna, parecem concordar quanto ao fato de que perturbam o equilíbrio
das funções psíquicas e somáticas nos atos sexuais, e de que impedem a
participação psíquica necessária para libertar a economia nervosa da tensão
sexual.
Estes comentários, que talvez contenham o germe de uma explicação teórica do
mecanismo funcional da neurose em questão, já levantam a suspeita de que
uma exposição completa e verdadeiramente científica do assunto não é possível
no momento, e de que seria necessário começar por uma abordagem do
problema fisiológico da vida sexual a partir de um novo ângulo.

16
Direi, finalmente, que a patogênese da neurastenia e da neurose de angústia
pode facilmente prescindir da cooperação de uma predisposição hereditária.
Este é o resultado da observação cotidiana. Contudo, quando a hereditariedade
está presente, o desenvolvimento da neurose é afetado por sua poderosa
influência.
No que concerne à segunda classe das grandes neuroses, a histeria e a neurose
obsessiva, a solução do problema etiológico é de surpreendente simplicidade e
uniformidade. Devo meus resultados a um novo método de psicanálise, o
procedimento exploratório de Josef Breuer; é um pouco intrincado, mas
insubstituível, tal a fertilidade que tem demonstrado para lançar luz sobre os
obscuros caminhos da ideação inconsciente. Por meio desse procedimento -
este não é o lugar para descrevê-lo -, os sintomas histéricos são investigados
até sua origem, sempre encontrada em algum evento da vida sexual do sujeito,
apropriado para a produção de uma emoção aflitiva. Percorrendo
retrospectivamente o passado do paciente, passo a passo, e sempre guiado pelo
encadeamento orgânico dos sintomas e das lembranças e representações
despertadas, atingi finalmente o ponto de partida do processo patológico; e fui
obrigado a verificar que, no fundo, a mesma coisa estava presente em todos os
casos submetidos à análise - a ação de um agente que deve ser aceito como
causa específica da histeria.
Esse agente é, de fato, uma lembrança relacionada à vida sexual, mas que
apresenta duas características de máxima importância. O evento do qual o
sujeito reteve uma lembrança inconsciente é uma experiência precoce de
relações sexuais com excitação real dos órgãos genitais, resultante de abuso
sexual cometido por outra pessoa; e o período da vida em que ocorre esse
evento fatal é a infância - até a idade de 8 ou 10 anos, antes que a
criança tenha atingido a maturidade sexual.
Uma experiência sexual passiva antes da puberdade: eis, portanto, a etiologia
específica da histeria.
Acrescentarei sem demora alguns detalhes fatuais e alguns comentários sobre
o resultado que anunciei, a fim de combater o ceticismo com que espero deparar-
me. Pude efetuar uma psicanálise completa em treze casos de histeria, três dos
quais eram combinações efetivas de histeria e neurose obsessiva. (Não me refiro
à histeria com obsessões.) Em nenhum desses casos faltou um evento do tipo
definido acima. Este era representado quer por um ataque brutal praticado por
um adulto, quer por uma sedução menos rápida e menos repulsiva, mas
chegando à mesma conclusão. Em sete dos treze casos a relação se dera entre
duas crianças - relações sexuais entre uma garotinha e um menino um pouco
mais velho (na maioria das vezes, um irmão), que fora por sua vez vítima de
sedução anterior. Essas relações por vezes perduraram durante anos, até os
pequenos culpados atingirem a puberdade; o menino repetia reiteradamente
com a garotinha as mesmas práticas, sem alteração - práticas às quais ele
próprio fora submetido por alguma criada ou governanta e que, em virtude de
sua origem, eram freqüentemente de natureza repugnante. Em alguns casos,
havia a combinação de um ataque com relações entre crianças, ou a repetição
de um abuso brutal.

17
A data dessa experiência precoce era variável. Em dois casos, a série foi iniciada
no segundo ano de vida da criaturinha (?); a idade mais comum em minhas
observações é o quarto ou quinto ano. Talvez ela seja um tanto acidental, mas
formei a opinião, a partir disso, de que uma experiência sexual passiva que só
ocorra após a idade de oito a dez anos não pode mais servir como fundação da
neurose.
Como é possível ficar convencido da realidade dessas confissões analíticas, que
alegam ser lembranças guardadas da mais tenra infância? E como precaver-se
contra a tendência a mentir e a facilidade de invenção atribuídas aos sujeitos
histéricos? Eu me acusaria de censurável credulidade se não dispusesse de
provas mais conclusivas. Mas o fato é que esses pacientes nunca repetem tais
histórias espontaneamente, nem jamais apresentam ao médico, repetidamente,
no curso do tratamento, a recordação completa de uma cena desse gênero. Só
se consegue despertar o vestígio psíquico de um evento sexual precoce sob a
mais vigorosa pressão da técnica analítica e vencendo uma enorme resistência.
Além disso, a lembrança tem que ser extraída dos pacientes pouco a pouco e,
enquanto vai sendo despertada em sua consciência, eles se tornam presa de
uma emoção difícil de ser forjada.
No fim, virá a convicção, mesmo que não se seja influenciado pelo
comportamento do paciente, desde que se possa acompanhar com detalhes o
relato da psicanálise de um caso de histeria.
O evento precoce deixa uma marca indelével na história clínica, sendo nela
representado por uma profusão de sintomas e traços especiais que não
poderiam ser explicados de nenhum outro modo; é peremptoriamente exigido
pelas interconexões sutis, mas sólidas, da estrutura intrínseca da neurose; o
efeito terapêutico da análise se retarda quando não se penetra tão fundo, e
então não resta outra escolha senão rejeitar ou aceitar o conjunto.
Será compreensível que esse tipo de experiência sexual precoce, sofrida por um
indivíduo cujo sexo mal se diferenciou, pode tornar-se fonte de uma
anormalidade psíquica persistente como a histeria? E como se enquadraria essa
suposição em nossas ideias atuais sobre o mecanismo psíquico daquela
neurose? É possível dar uma resposta satisfatória à primeira dessas questões.
É precisamente por estar o sujeito em sua primeira infância que a excitação
sexual precoce surte pouco ou nenhum efeito na época; mas seu traço psíquico
é preservado. Mais tarde, na puberdade, quando as reações dos órgãos sexuais
se desenvolvem num nível desproporcional a seu estado infantil, esse traço
psíquico inconsciente é de algum modo despertado. Graças à transformação
devida à puberdade, a lembrança exibe um poder que esteve totalmente ausente
do próprio evento. A lembrança atua como se ele fosse um evento
contemporâneo. O que acontece é, por assim dizer, a ação póstuma de um
trauma sexual.
Ao que eu sabia, esse despertar de uma lembrança sexual após a puberdade,
quando o próprio evento ocorreu muito antes desse período, constitui a única
situação psicológica em que o efeito imediato de uma lembrança suplanta o
efeito de um evento atual. Mas trata-se de uma constelação anormal, que afeta
o lado fraco do mecanismo psíquico e está fadada a produzir um efeito
psíquico patológico.

18
Creio poder constatar que essa relação inversa entre o efeito psíquico da
lembrança e o do evento contém a razão pela qual a lembrança permanece
inconsciente.
Nesse aspecto chegamos a um problema psíquico muito complexo, mas que,
uma vez adequadamente apreciado, promete lançar luz sobre as mais delicadas
questões da vida psíquica.
As ideias aqui apresentadas, que têm como ponto de partida a descoberta, pela
psicanálise, de que a lembrança de uma experiência sexual precoce é sempre
encontrada como causa específica da histeria, não se harmonizam com a teoria
psicológica das neuroses sustentada por M. Janet, nem com qualquer outra;
concordam perfeitamente, porém, com minhas próprias especulações sobre as
“Abwehrneurosen” |neuroses de defesa|, tais como as desenvolvi em outro texto.
Todos os eventos subseqüentes à puberdade a que se deva atribuir influência
no desenvolvimento da neurose histérica e na formação de seus sintomas são,
de fato, apenas causas concorrentes - “agents provocateurs”, como Charcot
costumava dizer, embora, para ele, a hereditariedade nervosa ocupasse o lugar
que reivindico para a experiência sexual precoce. Esses agentes acessórios não
estão sujeitos às condições estritas impostas às causas específicas; a análise
demonstra de modo irrefutável que eles só desfrutam de uma influência
patogênica na histeria graças a sua faculdade de despertarem o traço psíquico
inconsciente do evento infantil. É também graças à ligação deles com a
impressão patogênica primária, e inspirada nela, que a lembrança desses
agentes torna-se por sua vez inconsciente e passa a contribuir para o
desenvolvimento de uma atividade psíquica retirada do poder das funções
conscientes.
A neurose obsessiva (Zwangsneurose) emerge de uma causa específica muito
semelhante à da histeria. Também aqui encontramos um evento sexual precoce,
ocorrendo antes da puberdade, cuja lembrança torna-se ativa durante ou depois
desse período; e os mesmos comentários e argumentos que apresentei em
conexão com a histeria se aplicarão as minhas observações sobre a outra
neurose (seis casos, três dos quais puros). Há apenas uma diferença que parece
capital. Na base da etiologia da histeria encontramos um evento de sexualidade
passiva, uma experiência à qual alguém se submeteu com indiferença ou com
um pequeno grau de aborrecimento ou medo. Na neurose obsessiva, trata-se,
por outro lado, de um evento que proporcionou prazer, de um ato de agressão
inspirado no desejo (no caso do menino) ou de um ato de participação nas
relações sexuais acompanhado de gozo (no caso da menina). As
representações obsessivas, quando seu significado íntimo é reconhecido pela
análise, quando se reduzem, por assim dizer, a sua expressão mais simples,
nada passam de recriminações dirigidas pelo sujeito a si mesmo por causa desse
gozo sexual antecipado, mas recriminações distorcidas por um trabalho psíquico
inconsciente de transformação e substituição.
O próprio fato de agressões sexuais desse tipo ocorrerem em tão tenra idade
parece revelar a influência de uma sedução prévia, da qual a precocidade do
desejo sexual seria uma conseqüência. Nos casos por mim analisados, a análise
confirma essa suspeita. Assim se explica um interessante fato que é sempre

19
encontrado nesses casos de obsessão: a complicação regular do quadro de
sintomas por certo número de sintomas simplesmente histéricos.
A importância do elemento ativo na vida sexual como causa das obsessões, e
da passividade sexual na patogênese das histerias, parece até mesmo
desvendar a razão da conexão mais íntima da histeria com o sexo feminino e da
preferência dos homens pela neurose obsessiva. Às vezes deparamos com um
par de pacientes neuróticos que formaram um casal de pequenos amantes em
sua mais remota infância - o homem sofrendo de obsessões e a mulher, de
histeria. Quando se trata de irmão e irmã, pode-se cometer o equívoco de tomar
como resultado da hereditariedade nervosa o que é, de fato, conseqüência de
experiências sexuais precoces.
Há, sem dúvida, casos puros e isolados de histeria ou de obsessões,
independentes da neurastenia ou da neurose de angústia; mas essa não é a
regra. A psiconeurose aparece mais freqüentemente como um acessório da
neurose neurastênica, provocada por esta e acompanhando seu declínio. Isso
ocorre porque as causas específicas da neurastenia, as perturbações
contemporâneas da vida sexual, atuam ao mesmo tempo como causas
auxiliares da psiconeurose, cuja causa específica, a lembrança da experiência
sexual precoce, elas despertam e revivem.
No que concerne à hereditariedade nervosa, estou longe de poder estimar
corretamente sua influência na etiologia das psiconeuroses. Admito que sua
presença é indispensável para os casos graves; duvido que seja necessária para
os leves, mas estou convencido de que a hereditariedade nervosa, por si só, é
incapaz de produzir as psiconeuroses se faltar sua etiologia específica, isto é, a
excitação sexual precoce. Creio mesmo que a decisão quanto ao
desenvolvimento de uma das duas neuroses, histeria ou obsessões, em
determinado caso, não provém da hereditariedade, mas de uma característica
especial do evento sexual na tenra infância.

20

Você também pode gostar