Você está na página 1de 22

Dinis Abrantes Figueiredo

Medicina Legal

Ano letivo de 2023/2024


“A Medicina Legal só pode concluir aquilo que objetivamente consegue comprovar. Logo, se
não consegue comprovar, não pode concluir.”

1. Primeira aula
1.1 A organização médico-legal e forense portuguesa
O Decreto-Lei n. 146/2000, com o objetivo de uniformizar a atividade pericial 1, procedeu à
reunião dos três Institutos de Medicina Legal que até então existiam e, consequentemente, à
criação de um único Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses.
O INMLCF:
O Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses (INMLCF) pertence ao
Ministério da Justiça, abrange todo o território nacional e tem a sua sede em Coimbra. Tem
três Delegações que têm atividade própria e que são responsáveis pelos Gabinetes Médico-
Legais e Forenses (27, no total) que funcionam nos edifícios ou nos recintos hospitalares da
respetiva região:
- A Delegação de Lisboa é responsável pela Região Sul.
- A Delegação do Porto é responsável pela Região Norte.
- A Delegação de Coimbra é responsável pela Região Centro e pelas Regiões Autónomas da
Madeira e dos Açores.
O CML:
A responsabilidade civil e criminal dos médicos é apurada pelos tribunais que determinam a
emissão de um parecer por parte do Conselho Médico-Legal. O Conselho Médico-Legal é
composto por especialistas de várias áreas: se há uma queixa contra um cirurgião o processo
é distribuído a um conselheiro especializado em cirurgia que elabora um parecer que é
submetido ao plenário do Conselho Médico-Legal.
A emissão de um parecer por parte do Conselho Médico-Legal só pode ser solicitada pelo
membro do Governo responsável pela Justiça, pelo Conselho Superior da Magistratura, pela
Procuradoria-Geral da República e pelo Presidente do Conselho Diretivo do INMLCF. Sendo
assim, um particular que pretenda um parecer por parte do Conselho Médico-Legal terá de
intentar uma ação em tribunal para que este, depois, determine a sua realização.
Os serviços técnicos do INMLCF:
- Clínica Forense: À Clínica Forense compete a realização de perícias e exames de avaliação
de danos no âmbito civil, penal e do trabalho, a realização de perícias e exames de natureza
psiquiátrica e psicológica forenses (Delegações e Gabinetes Médico-Legais).
- Patologia Forense: À Patologia Forense compete a realização de autópsias médico-legais, a
realização de perícias de identificação de cadáveres e de restos humanos, a realização de
embalsamamentos, o estudo de peças anatómicas (Delegações e Gabinetes Médico-Legais e
Forenses) e a realização de exames de anatomia patológica forense (Delegações).2
- Química e Toxicologia Forenses: À Química e Toxicologia Forenses compete a realização
de perícias e exames laboratoriais químicos e toxicológicos (Delegações).2
- Genética e Biologia Forenses: À Genética e Biologia Forenses compete a realização de
perícias e exames de identificação genética (Delegações).2

1 Antigamente, cada Instituto funcionava de forma diferente. Havia um Instituto que achava que o médico perito
que fizesse uma autópsia tinha de dizer se tinha havido ou não intenção de matar. No entanto, na maior parte das
vezes, tal é impossível de determinar (ex. A tem uma faca na região do coração. Isso não significa que houve
intenção de matar – A poderia ter estado na posse de uma faca, tropeçado e caído sobre a faca que lhe trespassou
o coração).
2 Tudo o que deve ser feito em laboratórios só é realizado pelas Delegações!

2
O transporte de colheitas:
O transporte de colheitas entre Gabinetes Médico-Legais e Forenses e Delegações deve
obedecer a determinadas regras (utilização de frascos e sacos de transporte próprios, etc.) e
garantir a cadeia de custódia, ou seja a sequência de procedimentos que tem em vista a
preservação do valor probatório de uma colheita.
As despesas de deslocação:
As pessoas que se deslocam aos serviços médico-legais têm o direito a ser ressarcidas pelas
despesas de deslocação.
1.2 As perícias médico-legais
1) As perícias médico-legais são ordenadas pelos tribunais e realizadas, obrigatoriamente,
nas Delegações e nos Gabinetes Médico-Legais e Forenses do INMLCF. Perante manifesta
impossibilidade dos serviços médico-legais, as perícias médico-legais podem ser realizadas
por entidades terceiras, públicas ou privadas, contratadas ou indicadas pelo INMLCF.
2) O INMLCF pode celebrar protocolos com instituições públicas ou privadas ou celebrar
contratos com médicos ou outros técnicos, com vista à realização de exames periciais
complementares e de diagnóstico.
3) Os peritos médicos podem solicitar informações clínicas aos hospitais, companhias de
seguro e outras entidades públicas ou privadas que as devem prestar no prazo máximo de 30
dias (ex. A teve um acidente de viação e queixa-se de dores na coluna. O médico perito pode
solicitar ao médico de família anterior ao acidente de viação informações clínicas de A). Não
existe, todavia, penalizações para o incumprimento desse prazo. Por isso, o INMLCF vê-se
obrigado a recorrer aos tribunais para que tais informações sejam prestadas.
4) O INMLCF pode receber denúncias de crimes, devendo remetê-las ao Ministério Público.
5) Em situações urgentes, o INMLCF pode fazer a colheita de vestígios, mesmo não havendo
ainda uma queixa.3
6) Os peritos médicos têm autonomia técnico-científica e são responsáveis pelas perícias,
relatórios e pareceres por si realizados. Isto significa que um relatório ou um parecer emitido
pelo INMLCF não vincula a instituição, mas apenas o médico perito que o realizou.
7) Os peritos médicos encontram-se obrigados a respeitar as normas e metodologias periciais
em vigor no INMLCF (ex. Todas as autopsias médico-legais têm de ser autópsias completas).
8) Ninguém pode recusar-se a ser submetido a qualquer exame médico-legal quando este se
mostrar necessário ao inquérito ou à instrução de qualquer processo e desde que ordenado
pela autoridade judiciária competente. Tal é controverso, uma vez que, por um lado, os
médicos fazem um juramento, segundo o qual não farão exames contra a vontade dos seus
clientes e, por outro lado, pode acontecer que o magistrado, que não tem nem tem de ter
conhecimentos médicos, ordene a realização de um determinado exame que põe em risco a
saúde da pessoa. Apesar disso, uma coisa é certa: Nas situações de colheita para efeitos de
realização de exame de investigação genética, que não envolve qualquer risco para a saúde,
se o investigando se recusar, o tribunal pode ordenar a realização de uma colheita coerciva.
9) O INMLCF só remunera os peritos médicos após a realização de perícia ou a emissão de
relatório ou de parecer que lhes incumbe realizar.
10) Sempre que possível, o tribunal deve privilegiar a utilização de meios de
videoconferência quando necessite de esclarecimentos complementares à realização de
perícia ou à emissão de relatório ou de parecer.
11) As amostras ficam depositadas no serviço médico-legal durante o período de dois anos,
findo o qual o serviço médico-legal pode proceder à sua destruição, salvo se, entretanto, o
tribunal tiver comunicado determinação em contrário.

3 O tempo é o pior inimigo da Medicina Legal!

3
2. Segunda aula
2.1 Os crimes de natureza sexual
O conceito de agressão sexual:
A agressão sexual consiste em toda a atividade sexual na qual uma vítima é forçada ou
constrangida por um determinado agressor a participar, com ele próprio, consigo mesma ou
com uma terceira pessoa, contra a sua vontade, por manipulação afetiva, física, material ou
abuso de autoridade, de maneira evidente ou não, seja o agressor conhecido ou não, haja ou
não evidência de lesão ou traumatismo físico ou emocional, e independentemente do sexo das
pessoas envolvidas.
O enquadramento jurídico:
Dos crimes contra a liberdade sexual e autodeterminação sexual (163º a 176º-B CP)
Os fatores de risco:
- Características da vítima: vulnerabilidade, dependência do agressor, perturbação da saúde
mental ou física, etc.
- Características do agressor: alcoolismo e toxicodependência, perturbação da saúde mental
ou física, antecedentes de comportamentos desviantes, antecedentes de maus-tratos, etc.
- Características do contexto familiar: famílias carenciadas e disfuncionais, etc.
- Características do contexto sociocultural: desigualdade, violência enquanto método para
resolução de problemas, etc.
A conduta no caso de suspeita de agressão sexual:
1. Colher informação sumária sobre o caso para confirmar se se trata ou não de uma urgência:
- O quê? - Como?
- Quando? - Denúncia?
→ Evitar vitimização secundária!
2. Estabelecer a urgência da situação e a necessidade de chamar médico legista
3. Fornecer informação à vítima sobre preservação de vestígios biológicos e não-biológicos
- Não mudar de roupa - Não pentear o cabelo
- Não tomar banho - Evitar urinar ou defecar
- Não lavar as mãos, nem limpar as unhas - Não comer, beber ou fumar
- Não escovar os dentes - Preservar o local da ocorrência da agressão
4. Tranquilizar e transmitir confiança à vítima
5. Definir a forma de intervenção inicial
6. Contactar outros profissionais da rede
7. Orientar e proteger a vítima
O exame sexual forense:
1) Entrevista – planeamento prévio, adequar o local da entrevista, colher informação no mais
curto espaço de tempo possível após o evento, vítima desacompanhada, explicar as regras da
entrevista, adequar linguagem, entrevista única, sem interrupções, sem repetições, perguntas
abertas, convidar a vítima à narrativa, etc.
2) Exame do vestuário – a vítima deve despir-se em cima de um lençol branco de captação;
secagem das peças de vestuário; acondicionamento individual em sacos de papel; importância
de desalinho, manchas, rasgões; etc.
3) Exame físico – estado geral (tipo de discurso, estadio psicológico, peso, altura, evolução
sexual-corporal, etc.); lesões relacionáveis com a ocorrência (superfície corporal em geral,
cavidade oral, região genital e peri-genital); lesões não-relacionáveis com a ocorrência.
4) Exames complementares – psiquiatria e psicologia forenses, genética e biologia forenses,
criminalística, toxicologia, microbiologia, teste de gravidez, etc..
5) Relatório pericial

4
2.2 A violência doméstica e os maus-tratos
O conceito de violência doméstica e maus-tratos:
A violência doméstica e maus-tratos consiste em toda a forma de tratamento violento, físico
e/ou emocional, não-acidental e inadequado, num contexto de uma relação de dependência,
confiança e/ou poder.
O enquadramento jurídico:
Dos crimes contra a integridade física (152º a 152º-B CP)
Lei n. 147/99, de 1 de Setembro (Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo)
Os fatores de risco:
- Fatores do menor: idade, sexo, prematuridade, perturbação da saúde mental ou física,
perturbação de hiperatividade e défice de atenção, etc.
- Fatores do cuidador: antecedentes de maus-tratos, défice de competências parentais, família
disfuncional, insegurança socioeconómica, antecedentes criminais, etc.
- Fatores sociais/situacionais: estrato socioeconómico baixo, falta de acesso social,
desemprego parental, habitação pobre/ausência de habitação, isolamento social,
discriminação, baixo nível educacional, violência comunitária, etc.
- Fatores familiares/parentais: alcoolismo e toxicodependência, perturbação da saúde mental
ou física, antecedentes de maus-tratos, depressão, ansiedade, elevado número de filhos, etc.
Os sinais de alerta:
- mudança nas explicações - carência de higiene
- atraso na procura de assistência médica - vestuário desadequado
- discrepância entre aspeto observado a história contada - carência nutricional
- lesões em diferentes estádios de evolução - inexistência de rotinas
- lesões em locais incomuns - falta de acompanhamento médico
- lesões em diferentes localizações - episódios de urgência repetidos
- comportamento desadequado dos cuidadores
A conduta no caso de suspeita de violência doméstica ou maus-tratos:
1) Primeira abordagem à vítima – apresentação, tranquilizar e transmitir confiança à vítima
2) Exame médico-legal – alterações do estado nutricional (desidratação, emagrecimento,
obesidade), perturbações do desenvolvimento (peso, estatura, linguagem), lesões
3) Exame de Psicologia Forense – avaliação do desenvolvimento da criança, avaliação do
seu enquadramento sociofamiliar, informações sobre o evento, avaliação do impacto
psicológico, apuramento da veracidade ou credibilidade de testemunho
4) Exames complementares
5) Relatório pericial

3. Terceira aula
3.1 As autópsias médico-legais
As autópsias:
As autópsias são voltadas para o estudo de mortes violentas, de mortes não-naturais e de
mortes que decorrem de uma ação externa (suicídio, homicídio, morte por acidente da mais
variada índole). A palavra “autópsia” tem a sua raiz etimológica nas palavras autos (“o
próprio”) e ophis (“vista”) e significa “ver com a própria vista”. Ora, a autópsia vive muito da
visão, mas também do tato (fratura, patologia externamente invisível mas diagnosticada
através da palpação), do olfato (decomposição, intoxicação), da audição (toda a informação
prévia à autópsia é fundamental, pois as técnicas e metodologias a utilizar variam em função
da informação obtida), com exceção do paladar (se tudo correr bem).

5
As modalidades das autópsias:
Existem duas modalidades de autópsias que, apesar de partilharem aspetos comuns,
apresentam diferenças umas das outras:
- Autópsias anátomo-clínicas: As autópsias anátomo-clínicas visam investigar a causa da
morte e proporcionar ao médico o conhecimento das alterações provocadas nos diversos
órgãos e tecidos por um determinado processo mórbido e das alterações que poderão ter
provocado os sintomas funcionais manifestados em vida. Estas autópsias têm um grande
interesse em termos de controlo da qualidade dos cuidados médicos. Em Portugal, não existe
nenhuma legislação que regule as autópsias anátomo-clínicas, mas apenas e só um parecer da
Procuradoria-Geral da República que diz que só se pode realizar autópsias anátomo-clínicas
desde que a familia não se oponha à sua realização nas 12h após ter conhecimento do óbito.
- Autópsias médico-legais: As autópsias médico-legais visam estudar o cadáver em casos
com interesse judicial e esclarecer a causa da morte e as circunstâncias da morte.
O contexto de realização das autópsias médico-legais:
A autópsia médico-legal não consiste apenas e só na realização de exames internos e externos
no cadáver, mas também na realização de exames do local, de autópsias psicológicas, de
exames do vestuário, de exames complementares (toxicologia, criminalística, biologia,
histologia, microbiologia, radiologia, etc.).
As limitações das autópsias médico-legais:
- cadáveres com mutilações intensas - restos cadavéricos
- cadáveres mumificados - restos esqueletizados
A realização das autópsias médico-legais:
1) Quem ordena a realização de autópsias médico-legais?
Apenas o Ministério Público pode ordenar a realização de autópsias médico-legais. Já a
dispensa da realização de autópsias médico-legais, todavia, cabe ao Ministério Público 4 ou ao
Presidente do Conselho Diretivo do INMLCF5.
2) Quando são feitas as autópsias médico-legais?
As autópsias médico-legais têm lugar em situações de morte violenta ou de causa ignorada,
com a possível brevidade (em regra, nas 24h seguintes).
3) Quem realiza as autópsias médico-legais?
As autópsias médico-legais são realizadas por um médico perito, coadjuvado por um auxiliar
de perícias tanatológicas e, se necessário, com a colaboração de um médico dentista perito
para a realização de perícias de Medicina Dentária Forense. Havendo fundadas suspeitas de
crime doloso, as autópsias médico-legais são obrigatoriamente realizadas por dois médicos
peritos, coadjuvados por um auxiliar de perícias tanatológicas.
4) Onde se realizam as autópsias médico-legais?
As autópsias médico-legais são realizadas nos serviços médico-legais (Delegações e
Gabinetes Médico-Legais e Forenses) do INMLCF.

4 O Ministério Público pode dispensar a realização de autópsias médico-legais se existirem informações clínicas
suficientes que associadas aos demais elementos permitam concluir, com segurança, pela inexistência de
suspeita de crime. Esta dispensa nunca pode verificar-se em situações de morte violenta atribuível a acidente de
trabalho ou acidente de viação dos quais tenha resultado morte imediata, bem como em situações de morte sob
custódia policial ou associada a uma intervenção policial ou militar, ou em c asos em que haja suspeita de tortura
ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.
5 Ainda que a autópsia médico-legal tenha sido ordenada pelo Ministério Público, ela pode ser dispensada pelo

Presidente do Conselho Diretivo do INMLCF nos casos em que a sua realização pressupõe o contacto com
fatores de risco particularmente significativo suscetíveis de comprometer de forma grave as condições de
salubridade, afetar a saúde pública ou colocar em risco a saúde dos trabalhadores nela envolvidos.

6
Os objetivos gerais e particulares das autópsias médico-legais:
Objetivos gerais das AML Objetivos particulares das AML
Identificação do cadáver (WHO?) Determinação da data da morte
Determinação do momento da morte Cronologia dos ferimentos
(WHEN?)
Determinação do local da morte (WHERE?) Identificação do agressor
Determinação da causa da morte (WHY?) Distância do disparo
Determinação da natureza da morte Etc.
(HOW?) – natural ou violenta (acidental,
suicida, homicida)
Determinação das circunstâncias da morte
(WHAT?)

4. Quarta aula
4.1 A Psiquiatria e Pedopsiquiatria Forenses
1) Quando a perceção ou a apreciação dos factos exige especiais conhecimentos técnicos,
científicos ou artísticos em Psiquiatria e Pedopsiquiatria Forenses, o tribunal pode solicitar ao
INMLCF a realização de exames e perícias nestas áreas. Sempre que o INMLCF não
disponha de especialistas nestas áreas em número suficiente para assegurar a resposta às
solicitações, pode deferir os exames e as perícias a serviços especializados do SNS.
2) O perito é uma pessoa que detém conhecimentos especiais que o julgador não detém e que,
por essa razão, colabora com ele através da realização de relatório pericial. 6
3) A perícia tem como objetivos: recolha de informação factual relativa à história de vida do
examinando; recolha do relato dos factos segundo o examinando; despiste de eventual
perturbação da personalidade, doença mental ou orgânica.
As perícias em sede de Processo Penal:
- Perícia sobre a personalidade: compreensão do funcionamento do sujeito e motivação
subjacente para os factos alegadamente praticados, avaliação das características psíquicas e
grau de socialização
- Perícia para avaliação da capacidade e dever de testemunhar
- Perícia psiquiátrica: apuramento das questões relacionadas com a inimputabilidade e
perigosidade em virtude da anomalia psíquica
As perícias em sede de Processo Civil:
- Perícias no âmbito do Regime Jurídico do Maior Acompanhado (Lei n. 49/2018, de 14
de Agosto)
- Avaliação da capacidade testamentária
As perícias em sede de Direito de Família e Menores:
- Perícias no âmbito do Regime Geral do Processo Tutelar Cível: compreensão das
dinâmicas familiares
- Perícias no âmbito da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo
- Perícias no âmbito da Lei Tutelar Educativa
As perícias em sede de Direito do Trabalho:
- Perícia para avaliação da incapacidade permanente por doença natural
- Perícia para verificação de incapacidade temporária para o trabalho pela entidade
empregadora

6 As funções de terapeuta e perito forense são incompatíveis, não devendo ser exercidas pela mesma pessoa.

7
5. Quinta aula
5.1 A Genética Forense
1) A Genética Forense é, talvez, a única das ciências forenses clássicas que consegue
quantificar a força dos seus resultados (ex. A pode ser pai de B com um cálculo de
probabilidade de 99,99% | A mancha pode pertencer ao suspeito C com um cálculo de
probabilidade de 80%).7 Tal tem vantagens (aproximação à Verdade) e desvantagens
(invocação do erro associado). É ao tribunal que incumbe qualificar a força desses resultados.
2) A Genética Forense desenvolve-se em três grandes áreas:
- Investigações de parentesco: investigações de paternidade, de maternidade, de filiação
- Criminalística biológica 8
- Identificação genética individual: identificação de cadáveres
3) A Genética Forense classifica as amostras em duas categorias:
- Amostra-problema: não está identificada e que se pretende identificar (mancha de sangue)
- Amostra-referência: está identificada (suspeito)
→ É através da comparação entre a amostra-problema e a amostra-referência que a Genética
Forense cumpre a sua função.
4) As células não-sexuais do corpo humano têm 46 cromossomas (44 não-sexuais e 2 sexuais
(XY (homem), XX (mulher)). As células sexuais do corpo humano têm 23 cromossomas (22
não-sexuais e 1 sexual (X ou Y (homem), X (mulher)). Se estudarmos um par cromossómico
do/a filho/a, existem dois alelos que constituem o marcador genético – um dos alelos vem do
pai, o outro vem da mãe. Como se determina qual dos alelos vem do pai e qual dos alelos
vem da mãe? Comparando os alelos do/a filho/a com os alelos do pai e da mãe.
5) Os alelos são identificados pelo número de unidades repetitivas (ex. TAGGTCGGTCAT:
repete-se 2 vezes, logo: alelo 2).

7 Em Genética Forense nunca se atinge 100% de certeza, uma vez que tal só seria possível se a informação
genética de toda a população mundial estivesse devidamente armazenada .
8 Nesta área, o Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses (INMLCF) e o Laboratório de

Polícia Científica da Polícia Judiciária (LPCPJ) cooperam entre si. Quem tem a amostra-problema, fica com o
caso (ex. A, alegada vítima de violação, dirige-se ao INMDCF, onde lhe é feita uma zaragatoa vaginal para
apurar se existe sémen do alegado agressor (amostra-problema). Se o alegado agressor se dirigir ao LPCPJ para
se submeter a uma zaragatoa local (amostra-referência), esta será enviada ao INMLCF que, a final, procederá à
comparação entre a amostra-problema e a amostra-referência e, assim, chegar a um determinado resultado).

8
5.2 As investigações de parentesco (paternidade)
No âmbito de uma investigação de paternidade, o primeiro passo consiste em procurar saber
se o sujeito pode ser excluído de ser pai da criança. Existem dois tipos de exclusões:
- Exclusões de 1ª ordem: Quando aparece no filho um alelo novo (7 9) que não existe nem no
pai (8 3) nem na mãe (6 9). Quais são as hipóteses explicativas desta exclusão?
1. Ele não é o pai da criança.
2. Ele pode ser o pai da criança, porque houve uma mutação e o 8 transformou-se num 7.9
-» Exemplo: A, filho (7 9); B, mãe (6 9); C, pai (7 3). Qual é o alelo que pertence à
mãe? 9. O 7 existe no pai? Sim. → Inclusão.
A, filho (7 9); B, mãe (6 9); C, pai (8 3). Qual é o alelo que pertence à
mãe? 9. O 7 existe no pai? Não. → Exclusão de 1ª ordem.
- Exclusões de 2ª ordem: Quando o pai (1 1) não transmitiu ao filho (2 2) um alelo que
deveria ter transmitido. Quais são as hipóteses explicativas desta exclusões?
1. Ele não é o pai da criança.
2. Ele pode ser o pai da criança, porque houve uma mutação e o 8 transformou-se num 7.9
3. Ele pode ser o pai da criança, porque se trata de um alelo silencioso, i.e. um alelo que
não é possível identificar (casos: quando o ADN está degradado).
-» Exemplo: A, filho (2 2); B, mãe (2 2); C, pai (1 1). Qual é o alelo que pertence à
mãe? 2. O 2 existe no pai? Não. → Exclusão de 2ª ordem.
Se não for possível excluir, ter-se-á de concluir que o sujeito pode ser pai da criança com um
certo cálculo de probabilidade.

Nota fundamental:
A comunidade científica internacional estabeleceu a regra, segundo a qual havendo três
exclusões de 1ª ordem, o sujeito pode ser excluído de ser pai da criança.

A probabilidade de paternidade calcula-se através da comparação da probabilidade que o


pretenso pai tem de ser o verdadeiro pai da criança (X) com a probabilidade de que outro
homem qualquer da população de referência seja o verdadeiro pai da criança (Y).
- Cálculo do valor X: A, filho (A B); B, mãe (A B); C, pai (A A). Filhos possíveis deste
casal: AA, AA, BA, BA. Logo, o filho tem 50% de probabilidade de ser filho de C.
- Cálculo do valor Y: Frequência do alelo transmitido pelo pai na população de referência.
-» População de referência: Escolhe-se 100 pessoas ao acaso e calcula-se a frequência
alélica: em 100 pessoas existem 80 alelos A e 20 alelos B.
-» Cálculo de Y: O alelo transmitido pelo pai é o A. Logo, a frequência do alelo
transmitido pelo pai na população de referência é de 80%.
→ A probabilidade de C ser pai de A é de: 0.5/0.5 + 0.8 = 0.38 = 38%.10 [X/X+Y]
Deve-se atingir uma probabilidade de paternidade no mínimo de 99.99%.
-» Exemplo: Imagine-se que se utilizam 15 marcadores genéticos e atinge-se um cálculo
de probabilidade de 99.98%. Neste caso, ter-se-á de estudar mais marcadores genéticos. 11

9 As mutações são o grande problema da Genética Forense. A taxa de mutação de um marcador genético é de
1/1000, i.e. 1 em cada mil espermatozoides tem uma mutação. A taxa de mutação de dois marcadores genéticos
é de 1/1000 x 1/1000 = 1/1’000’000, i.e. 1 em cada milhão de espermatozoides tem duas mutações . A taxa de
mutação de três marcadores genéticos é de 1/1’000’000’000…
10 Isto significa que quanto mais raro for o alelo transmitido pelo pai na população de referência, menor será o

denominador na equação e, portanto, maior será a probabilidade de o pretenso pai ser o verdadeiro pai da
criança; quanto mais frequente for o alelo transmitido pelo pai na população de referência, maior será o
denominador na equação e, portanto, menor será a probabilidade de o pretenso pai ser o verdadeiro pai da
criança.
11 Quanto mais marcadores se estuda, maior a probabilidade, se não houver exclusões.

9
Quantos marcadores genéticos é necessário estudar para se atingir uma probabilidade de
paternidade de 99.99%? Nunca se sabe, uma vez que tal depende da frequência do alelo
transmitido pelo pai na população de referência. 8
Pode não ser possível atingir uma probabilidade de paternidade de 99.99% em duas situações:
1) Quando o pretenso pai está desaparecido e se tiver de estudar através de familiares
afastados; quanto mais afastados forem os familiares, mais baixa a probabilidade.
2) Quando o ADN está degradado, quanto menor for o número de marcadores genéticos, mais
baixa a probabilidade.

5.3 A Criminalística Biológica


Os cuidados a ter na realização de colheitas em Genética Forense:
- Evitar a degradação da amostra: evitar a proliferação bacteriana (calor e humidade)
- Evitar a contaminação entre amostras: usar luvas, máscara, toca, etc. (quem faz a colheita),
utilizar materiais diferentes para fazer colheitas diferentes, etc. (modo como se faz a colheita)
- Garantir a cadeia de custódia: cumprimento de regras de preservação do valor probatório de
uma amostra (transporte, armazenamento, etc.)
A interpretação da amostra criminalística:
A, suspeito (7 8); mancha (7 9). Esta mancha pode ser de A? Não. → Exclusão
A, suspeito (7 8); mancha (7 8). Esta mancha pode ser de A? Sim, pode ser. → Coincidência.
Isto não significa que a mancha seja de A; ter-se-á de fazer ainda o cálculo de probabilidade.
A probabilidade de a mancha ser do suspeito calcula-se através da comparação da
probabilidade do resultado se a mancha for do suspeito (X) com a probabilidade do resultado
se a mancha for de outro homem qualquer da população de referência (Y). Sendo assim, com
base numa frequência do perfil de A na população de referência de 5%, a probabilidade de a
mancha ser de A é de: 1/0.05 = 0.2 = 20%. 12 [X/Y]

12Isto significa que quanto mais raro for o perfil na população de referência, menor será o denominador na
equação e, portanto, maior será a probabilidade de a mancha ser do suspeito; quanto mais frequente for o perfil
na população de referência, maior será o denominador na equação e, portanto, menor será a probabilidade de a
mancha ser do suspeito.

10
O cromossoma Y e o ADN mitocondrial:
- O cromossoma Y serve para realizar investigações de paternidade em crianças do sexo
masculino e para a criminalística biológica em crimes sexuais.
→ O cromossoma Y, existente em homens, identifica uma família pela linhagem paterna, na
ausência de mutação. Logo, é bom para excluir, mas mau para incluir.
- O ADN mitocondrial serve para realizar estudos em amostras degradadas, em células sem
núcleo (ex. cabelo cortado) e investigações de maternidade (o ADN mitocondrial vem da
mãe) – não serve para realizar investigações de paternidade.
→ O ADN mitocondrial, existente em homens e em mulheres, identifica uma família pela
linhagem materna.

6. Sexta aula
6.1 A Antropologia Forense
A Antropologia Forense:
A Antropologia é uma ciência que estuda o Homem e que se divide em dois grandes ramos:
- Antropologia social e cultural: tem por objeto de estudo o Homem na sua componente
social e cultural.
- Antropologia biológica: tem por objeto de estudo o Homem na sua componente biológica
(evolução humana, nutrição, anatomia, populações do passado, etc.).
→ A Antropologia Forense nasceu como uma subdisciplina da Antropologia biológica,
ligada à investigação criminal (ex. qualidade de criminoso em função da medida do crânio).
Hoje, é uma disciplina forense autónoma que se serve das metodologias da Antropologia
para, por um lado, estudar corpos em avançado estado de decomposição, esqueletos, ossos
isolados, fragmentos ósseos, corpos e/ou ossos carbonizados e, por outro lado, analisar
indivíduos vivos, designadamente no contexto da sua identificação e estimativa da idade.
A avaliação do método (critérios Daubert) e do antropólogo forense (certificação):
Ainda que, enquanto juristas, não seja necessário saber realizar perícias em Antropologia
Forense, importa saber avaliar se uma perícia em Antropologia Forense é ou não fidedigna.
Para tanto, é necessário saber se os métodos utilizados na realização das perícias em
Antropologia Forense são bons (1) e se o antropólogo forense que as realiza são bons (2).
1) Quanto à avaliação do método, ainda não existem regras na Europa. Na América do Norte,
todavia, já existem alguns critérios (critérios Daubert) que devem ser cumpridos pelos
métodos utilizados na realização das perícias em Antropologia Forense:
- Os métodos utilizados foram testados? Em caso afirmativo, aquilo que sabemos sobre
esses métodos é suficiente para que se possa replicar o teste e obter um resultado idêntico?
- Os métodos utilizados foram revistos pelos pares, i.e. foram publicados em revistas
cientificas de qualidade?
- Os métodos utilizados são aceites pela comunidade cientifica?
- Qual é o erro associado dos métodos utilizados? (ex. estimação do sexo do esqueleto –
50% | 50%. Se um antropólogo forense disser que estimou o sexo do esqueleto através de
determinado método que deu uma percentagem de acerto de 65%, o método não serve)
- Os métodos utilizados são consistentes entre investigadores diferentes?
→ Um bom método tem de ser testado várias vezes, preferencialmente em coleções
esqueléticas de referência (sujeitos identificados).
2) Quanto à avaliação do antropólogo forense, existem processos de certificação que, embora
não sejam obrigatórios, permitem comprovar a experiência do antropólogo forense. 13
- submissão de currículo e trabalhos científicos

13 Não importa há quanto tempo se é antropólogo forense; importa há quanto tempo investiga e trabalha na área.

11
- realização de exames escritos e práticos
→ Os certificados têm um prazo de validade de curta duração.
O contexto de realização de perícias em Antropologia Forense:
As perícias em Antropologia Forense tanto podem ser realizadas no cadáver, como no vivo:
- No cadáver: Importa estabelecer a seguinte distinção:
- no campo: recuperação de restos cadavéricos através dos métodos da Arqueologia
Forense para expor vestígios humanos (objetivo: saber que o osso X pertence à perna X que
pertencem ao sujeito A) e objetos associados (objetivo: saber que o objeto Y pertence ao
sujeito B); identificação do cadáver; documentação de pistas para determinar causas e
circunstâncias da morte (posição dos corpos, balas dentro do crânio ≠ balas na terra, etc.).
-» em contexto de desastres de massa (incêndios, inundações, etc.)
-» em contexto de crimes contra a humanidade (escravatura, tortura, genocídio, etc.)
- na sala de autópsias: identificação do cadáver e auxílio ao médico patologista na
determinação das causas e circunstâncias da morte. 14
- No vivo: identificação por imagem, fotografia ou vídeo (ex. pedopornografia,
videovigilância), estimativa da idade.
A identificação:
Antigamente, “identificação” era definida como sendo o ato forense que dá um nome a um
sujeito com um grau de certeza científica, através da comparação entre os dados antemortem
e os dados postmortem. Recentemente, o Comité Internacional da Cruz Vermelha publicou
um trabalho onde se alega que, enquanto não for possível identificar um cadáver, não se pode
concluir que o sujeito está morto. Sendo assim, passou-se a definir “identificação” como
sendo o ato forense que dá um nome a um sujeito com um grau de certeza científica, através
da comparação entre os dados da pessoa desaparecida e os dados da pessoa não-identificada.
- Pessoa desparecida: Pessoa ausente cuja identidade é conhecida
- Pessoa não-identificada: Pessoa presente cuja identidade é desconhecida
Os métodos de identificação:
- Genéticos - Próteses e implantes com número de série
- Dactiloscópicos - Características médicas e antropológicas
- Odontológicos - Radiológicos
→ É importante que os métodos de identificação forneçam a exatidão (veracidade da
estimativa), a precisão (capacidade de dar sempre o mesmo resultado) e o erro associado.
O processo de identificação:
1. Primeiro, analisam-se os parâmetros genéricos de identificação que, só por si, não
identificam, mas ajudam a excluir (ex. 10 crianças estão desaparecidas. Aparece um cadáver
de um adulto) – perfil biológico (sexo, ancestralidade populacional, idade, estatura).
2. Segundo, analisam-se os parâmetros individualizantes de identificação que identificam
– características anatómicas únicas, características de natureza patológica.
3. Terceiro, comparam-se os dados da pessoa desaparecida e os dados da pessoa não-
identificada.
As questões a responder no âmbito do processo de identificação:
- É osso? - Qual é o perfil biológico?
- É humano? - Existem características anatómicas únicas?
- É um caso forense? - Quais foram as causas e as circunstâncias da morte?

14É o médico patologista que assina o óbito, mas os antropólogos fornenses auxiliam-no na determinação das
causas e circunstâncias da morte.

12
Os parâmetros genéricos de identificação:
- Sexo15: Para estimar o sexo, é possível utilizar dois tipos de métodos:
-» Métodos morfológicos: análise das características ósseas (ossos coxais, ossos longos)
-» Métodos métricos: medida dos ossos (ossos coxais, ossos longos)
- Ancestralidade populacional: Para estimar a ancestralidade populacional, é possível
utilizar dois tipos de métodos:
-» Métodos morfológicos: análise das características do crânio, em particular da fase
-» Métodos métricos: medida do crânio, em particular da fase
- Idade16: Para estimar a idade de sujeitos não-adultos, analisa-se a maturação dentária, o
comprimento dos ossos longos e o estado de desenvolvimento. Para estimar a idade de
sujeitos adultos, analisam-se as alterações nos dentes, nas costelas e nos ossos coxais.
- Estatura: Para estimar a estatura, analisa-se o comprimento do fémur.
Os parâmetros individualizantes de identificação:
- Variações anatómicas
- Patologias ósseas
- Procedimentos cirúrgicos
- Próteses e implantes com número de série
A determinação das causas e das circunstâncias da morte:
Em caso de mortes violentas, algumas intoxicações crónicas e asfixias mecânicas deixam
marcas nos ossos. No entanto, o campo de atuação por excelência são os traumatismos:
- Traumatismos antemortem: traumatismos que aconteceram muito antes da morte e que estão
cicatrizados (parâmetro individualizante de individualização); traumatismos que aconteceram
pouco antes da morte e que não estão cicatrizados (indicador de tortura, violência?)
- Traumatismos perimortem: traumatismos que aconteceram no momento da morte (indicador
de tortura, violência?)
- Traumatismos postmortem: traumatismos que aconteceram durante o processo de
decomposição
Os resultados possíveis da identificação:
A identificação pode conduzir a três resultados possíveis:
- Identificação: Todas as informações relevantes para o caso médico-legal são coerentes,
concluindo-se que a pessoa que se pretende identificar é a pessoa esperada.
- Exclusão: Todas as informações relevantes para o caso médico-legal são incoerentes,
concluindo-se que a pessoa que se pretende identificar não é a pessoa esperada.
- Inconclusivo: Todas as informações relevantes para o caso médico-legal não são suficientes
para se chegar à conclusão sobre a identidade da pessoa que se pretende identificar, sendo
necessário ampliar as investigações sobre o caso.

7. Sétima aula
7.1 O exame do local
O regime jurídico das perícias médico-legais e forenses:
O regime jurídico das perícias médico-legais e forenses encontra-se estabelecido na Lei n.
45/2004, de 19 de Agosto que, na alínea b) do n. 1 do seu artigo 16º, prevê que em situações
de morte violenta ou de causa ignorada, e quando o óbito for verificado fora de instituições
de saúde, deve a autoridade policial providenciar, nos casos de crime doloso ou em que haja

15 É muito difícil estimar o sexo e a ancestralidade populacional a partir de restos esqueléticos de sujeitos não-
adultos!
16 É mais fácil estimar assertivamente a idade de sujeitos não-adultos (ex. “esta criança tem X anos”) do que a

idade de sujeitos adultos (ex. “este adulto tem entre X e Y anos”).

13
suspeita de tal, que um perito médico da Delegação do Instituto ou do Gabinete Médico-
Legal que se encontre em serviço de escala para as perícias médico-legais urgentes
compareça no local, o qual procede à verificação do óbito e ao exame do local. A informação
elaborada pelo perito médico é remetida à autoridade judiciária, com base na qual se irá
tomar uma decisão quanto à ordenação ou à dispensa de realização da autópsia médico-legal.
A conduta no local da ocorrência:
Quando um perito médico comparece no local, deve:
- Avaliar o meio ambiente e as circunstâncias do local da ocorrência
- Registar o local, a data, a hora e a via de acesso
- Identificar o responsável pelo local e registar a sua identidade e os seus contactos
- Procurar obter alguma informação preliminar que possa orientar a sua investigação pericial
- Procurar saber quem foi a primeira pessoa a encontrar o cadáver e a tomar conhecimento da
ocorrência e registar a sua identidade e os seus contactos
- Colaborar com todos os intervenientes
- Isolar a área e preservar o local da ocorrência
- Não tocar em nada que não seja necessário
- Analisar a posição e o estado em que se encontra o cadáver
- Observar muito e falar pouco
- Tirar fotografias do local, áreas contíguas e do cadáver e da sua posição (caso o cadáver
tiver sido removido, não recoloca-lo na posição em que se encontrava para tirar fotografias)
- Utilizar material de proteção (luvas, botas, máscara e bata) para não deixar qualquer objeto
ou vestígios biológicos
- Analisar e preservar os vestígios e objetos
- Pesquisar áreas de entrada e de saída, armas, objetos, impressões digitais
- Pesquisar sinais de deslocação do cadáver (pegadas, marcas de arrastamento, marcas de
pneus, vestuário inapropriado para o local, livores não-compatíveis com a posição do
cadáver, material estranho ao local)
O exame do cadáver:
Quando o perito médico examina o cadáver, deve:
- Proceder a um exame preliminar da posição e da condição do cadáver (lesões,
arrefecimento, livores, rigidez cadavérica, grau de decomposição, etc.)
- Registar a presença de eventuais sinais de tratamentos e manobras de reanimação
- Proceder a um exame do vestuário
A identificação do cadáver:
Quando o perito identifica o cadáver, deve analisar um conjunto de sinais distintivos:
- Aspeto facial - Deformações ou próteses
- Cor dos olhos - Estatura
- Cor de cabelo - Sexo
- Pigmentação da pele - Afinidade populacional
- Tatuagens - Idade
- Cicatrizes - DNA
A elaboração de uma hipótese sobre a causa da morte:
Quando o perito elabora uma hipótese sobre a causa da morte, pode confrontar-se com duas
hipóteses: morte natural ou morte violenta – suicídio, homicídio, acidente.
7.2 A verificação e certificação do óbito
São da competência do médico a verificação e a certificação do óbito. Para não suscitar
qualquer confusão, importa estabelecer a seguinte distinção:
- O assento ou certidão de óbito consiste no documento, emitido pelas conservatórias, no

14
qual se identifica a pessoa que morreu e se indica a data, a hora e o local da sua morte.
- A verificação do óbito consiste no ato médico que se destina a estabelecer, com segurança,
que uma determinada pessoa morreu.
- A certificação do óbito consiste no ato médico que se destina a indicar a causa da morte da
pessoa que morreu.
A verificação do óbito:
Os princípios em que se baseia a verificação do óbito encontram-se estabelecidos na Lei n.
141/99, de 28 de Agosto.
- 2º: Durante muito tempo, a morte era aferida pela falta de batimento cardíaco (morte
cardiorrespiratória). Atualmente, a morte é aferida pela cessação irreversível das funções
do tronco cerebral (morte cerebral).
- 3º e 4º, n. 1: A verificação do óbito compete ao médico a quem está cometida a
responsabilidade pelo doente no momento da sua morte ou que em primeiro lugar compareça
(médico do INEM, etc.). O médico que realiza a verificação do óbito baseia-se
essencialmente na identificação clínica dos sinais negativos de vida ou sinais positivos de
morte (ausência de movimentos respiratórios, ausência de batimentos cardíacos, ausência de
resposta a estímulos dolorosos, ausência de movimentos, ausência de reflexos, etc.), devendo
excluir determinadas situações que possam aparentar que a pessoa está morta quando, na
realidade, pode não estar (hipotermia, intoxicação por fármacos depressores do sistema
nervoso central, alterações metabólicas, etc.). Diferentes dos sinais negativos de vida ou
sinais positivos de morte são os sinais de certeza de morte (arrefecimento, livores, rigidez
cadavérica, desidratação, decomposição, putrefação, etc.).
- 4º, n. 4: Nos casos de sustentação artificial das funções cárdio-circulatória e respiratória a
verificação da morte deve ser efetuada por dois médicos.
Relativamente à utilização de cadáveres, destacam-se a Lei n. 12/93 de 22 de Abril que
regulamenta a colheita de tecidos e órgãos para fins terapêuticos e o Decreto-Lei n. 244/94,
de 26 de Setembro que regula a organização e o funcionamento do Registo Nacional de Não
Dadores – RENNDA.
A certificação do óbito:
A certificação do óbito é dividida em duas partes:
- Parte I: Na parte I, o médico indica a causa da morte. A este propósito, a Organização
Mundial de Saúde (OMS) recomenda que se distingam vários tipos de causa de morte:
-» Causa direta: Estado patológico ou lesão traumática que provocou diretamente a morte.
-» Causa básica: Estado patológico responsável pelo desencadeamento da causa direta.
-» Causa intermédia: Estado patológico que, quando existe, relaciona a causa básica com
a causa direta; quando não existe, apenas há lugar à causa básica e à causa direta.
- Parte II: Na parte II, o médico indica outros estados mórbidos, fatores ou estados
fisiológicos que contribuíram para a morte, mas não mencionados na Parte I.
A Lei n. 15/2012, de 3 de Abril instituiu o Sistema de Informação dos Certificados de Óbito
(SICO) que prossegue quatro objetivos:
- A desmaterialização dos certificados de óbito
- O tratamento estatístico das causas de morte
- A atualização da base de dados de utentes do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e do
correspondente número de identificação atribuído no âmbito do registo nacional de utentes
(RNU)
- A emissão e a transmissão eletrónica dos certificados de óbito para efeitos de elaboração
dos assentos de óbitos

15
7.3 O exame pericial do hábito externo do cadáver
De acordo com o artigo 16º, n. 13 da Lei n. 45/2004, de 19 de Agosto, os cadáveres que
derem entrada nos serviços médico-legais devem ser sujeitos a um exame pericial do hábito
externo, cujo resultado será comunicado por escrito no mais curto prazo à autoridade
judiciária competente.
Exame pericial do hábito externo
Exame externo do cadáver Exame do vestuário Colheita de amostras
Sinais relativos à identificação - -
(idade, sexo, estatura, peso,
estado de nutrição, cor dos
olhos, cor de cabelo,
dentadura, tatuagens,
cicatrizes, deformidades ou
próteses, impressões digitais)
Sinais relativos à data da morte
Sinais relativos à causa da
morte (processos patológicos
espontâneos, lesões
traumáticas, cor dos livores,
posição do cadáver)
Sinais relativos ao meio em
que permaneceu o cadáver

8. Oitava aula
8.1 Os tipos de ferimentos resultantes da ação de um agente externo
Os agentes externos:
Os agentes externos são toda a fonte de energia física ou química externa capaz de produzir
no corpo humano lesões traumáticas. Podem ser de várias naturezas:
- Agentes externos físicos (resultantes da ação do calor, do frio, da eletricidade, etc.)
- Agentes externos químicos (resultantes da ação de substâncias químicas, etc.)
- Agentes externos biológicos (resultantes da ação de seres vivos)
- Agentes externos mecânicos (resultantes da ação de uma força mecânica)
Os agentes externos mecânicos:
A ação que os agentes externos mecânicos podem exercer pode ser de diversa natureza e é
das lesões que dela resultam que se poderá apurar a natureza daquela ação 17:
- Ação de natureza contundente → Lesões externas (contusões superficiais18 [equimoses19 e
hematomas20], abrasões21 [esfoliações e escoriações], feridas contusas22, lesões

17 No entanto, nem sempre resulta da ação de um determinado agente externo mecânico uma lesão traumática.
Para que dele resulte uma lesão, é necessário que a intensidade e a força aplicada exceda a capacidade de
resistência dos tecidos.
18 A contusão superficial resulta de uma ação de natureza contundente exercida perpendicular ou obliquamente

sobre a superfície corporal, com integridade a nível da epiderme.


19 A equimose consiste na rotura dos vasos sanguíneos com extravasamento de sangue que infiltra os tecidos –

nódoa negra. A sua coloração vai variando com o decorrer do tempo: vermelho, azul, verde, amarelo. A
evolução da cor de uma equimose não fornece dados precisos sobre o seu tempo de evolução!
20 O hematoma consiste na coleção de sangue em cavidade neoformada – galo.
21 A abrasão resulta de uma ação de natureza contundente exercida obliquamente por deslizamento entre a

superfície corporal e a superfície do agente externo mecânico, com lesões a nível da epiderme.
22 A ferida contusa resulta de uma ação de natureza contundente exercida perpendicular ou obliquamente sobre

a superfície corporal com maior intensidade, com lesões a nível das três camadas da pele.

16
modeladas23, estigmas ungueais24, mordeduras) e lesões internas [contusões profundas25,
fracturas ósseas, lacerações de órgãos]
- Ação de natureza cortante → Feridas incisas
- Ação de natureza perfurante → Feridas perfurantes
- Ação de natureza mista (corto-contundente (ex. machado), corto-perfurante (ex. faca),
perfuro-contundentes (ex. projétil de armas de fogo)) → Feridas corto-contundentes,
feridas corto-perfurantes, feridas perfuro-contundentes
A etiologia médico-legal:
Na maioria dos casos, a observação e o estudo das lesões produzidas pelos agentes externos
resultantes dos instrumentos utilizados não basta, sendo necessário conjugar as suas
características com outras informações (exame do local, antecedentes pessoais, etc.).
A identificação da arma:
Em regra, apenas se consegue determinar a natureza da ação exercida pelo instrumento
utilizado. No entanto, existem situações em que, havendo um instrumento suspeito, se pode
pronunciar sobre se ele poderia ou não ter produzido as lesões que o cadáver apresenta.
Raramente será possível determinar, com segurança o instrumento que produziu as lesões que
o cadáver apresenta (ex. lesões figuradas).
A posição relativa agressor-vítima:
Por vezes, é possível determinar a posição do agressor em relação à vítima.
A violência das lesões:
Por vezes, é possível estimar a violência com que se produziu a lesão, avaliando o número, a
profundidade dos ferimentos e o grau de destruição tecidular.
As lesões de defesa e as lesões autoinfligidas:
As lesões de defesa indicam que a vítima estava consciente, capaz de usar os membros para
se proteger das lesões e não foi apanhada de surpresa. As lesões de defesa classificam-se em:
- Lesões de defesa passiva: ocorrem quando a
vítima levanta as mãos ou os braços para proteger a
região corporal atacada.
- Lesões de defesa ativa: ocorrem quando a
vítima agarra a faca com a(s) mão(s).
As lesões autoinfligidas são lesões superficiais, que
não atingem áreas sensíveis, são regulares e são produzidas por indivíduos com intuito de
autodestruição, obtenção de lucro, simular agressão ou por alterações mentais.

9. Nona aula
9.1 O estabelecimento do nexo de causalidade médico-legal
O nexo de causalidade médico-legal permite admitir a existência de uma relação entre um
determinado evento traumático e os danos corporais alegadamente dele resultantes e cujo
estabelecimento é garantido através da verificação de certos e determinados critérios, dentre
os quais se destacam:
- Adequação do traumatismo para provocar os danos corporais alegadamente dele resultantes
- Continuidade sintomatológica

23 As lesões modeladas são lesões que permitem a identificação do instrumento que as produziu.
24 Os estigmas ungueais são lesões resultantes da ação das unhas na superfície corporal.
25 As contusões profundas resultam de um traumatismo de grande intensidade que dá origem a infiltrações

sanguíneas ao nível dos órgãos.

17
9.2 A avaliação pericial do dano corporal em Direito Civil
Em Direito Civil, a avaliação
pericial tem por objetivo avaliar a
gravidade dos danos corporais que
resultaram da prática de um facto
ilícito para efeitos de indemnização
(direitos patrimoniais 26) ou
compensação (direitos não-
patrimoniais27) ao lesado.
Estabelecido o nexo de causalidade
médico-legal entre o evento
traumático e os danos corporais
dele resultantes, ter-se-á que
determinar a data da cura/da consolidação médico-legal (1) e analisar e valorar os parâmetros
de dano temporários (2) e os parâmetros de dano permanentes (3):
1) Data da cura/da consolidação médico-legal:
A data da cura não se confunde com a data da consolidação médico-legal:
- A data da cura corresponde à data em que se atinge o ponto máximo de recuperação do
lesado, não tendo ficado afetado por qualquer dano permanente.
- A data da consolidação médico-legal corresponde à data em que se atinge o ponto máximo
de recuperação do lesado, tendo ficado afetado por danos permanentes (sequelas).
2) Parâmetros de dano temporários:
- Défice Funcional Temporário Total (DFTT): Período de tempo durante o qual o lesado viu
condicionada a sua autonomia na realização dos atos correntes da vida diária.
- Défice Funcional Temporário Parcial (DFTP): Período de tempo a partir do qual o lesado
adquiriu a sua autonomia na realização dos atos correntes da vida diária, ainda que limitada.
- Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total (RTAPT): Período de tempo
durante o qual o lesado esteve impedido de exercer totalmente a sua atividade profissional.
- Repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial (RTAPP): Período de tempo
durante o qual o lesado esteve impedido de exercer parcialmente a sua atividade profissional.
- Quantum Doloris (QD): Avaliação, através de uma escala quantitativa de sete graus de
gravidade crescente, do sofrimento físico e psicológico vivenciado pelo lesado resultante, não
só dos danos corporais, mas também dos tratamentos a que foi sujeito.
3) Parâmetros de dano permanentes:
- Afetação Permanente da Integridade Físico-Psíquica (APIFP): Avaliação, através de uma
tabela de avaliação de incapacidades permanentes de 100 pontos de gravidade crescente, da
repercussão dos danos permanentes na realização dos atos da vida diária do lesado.
- Repercussão na Atividade Profissional (RAP): Avaliação qualitativa da compatibilidade
entre os danos permanentes e a atividade profissional do lesado.
- Dano Estético (DE): Avaliação do dano estético no lesado através de uma escala
quantitativa de sete graus de gravidade crescente.
- Repercussão nas Atividades Desportivas e Lúdicas (RADL): Avaliação da repercussão dos
danos permanentes no exercício de atividades desportivas e lúdicas que o lesado costumava
exercer através de uma escala quantitativa de sete graus de gravidade crescente.

26 Os danos patrimoniais consistem no prejuízo que tem uma repercussão negativa na esfera jurídico -
patrimonial do lesado, devendo este ser indemnizado.
27 Os danos não-patrimoniais consistem no prejuízo que não tem uma repercussão negativa na esfera jurídico-

patrimonial do lesado, devendo este ser compensado.

18
- Repercussão na Atividade Sexual (RAS): Avaliação da repercussão dos danos permanentes
no desempenho de atividade sexual do lesado através de uma escala quantitativa de sete graus
de gravidade crescente.
- Dependências: Ajudas técnicas (prótese, cadeira de rodas, óculos, etc.), tratamentos.
9.3 A avaliação pericial do dano corporal em Direito Penal
Em Direito Penal, a avaliação
pericial tem por objetivo avaliar a
gravidade dos danos corporais que
resultaram da prática de um crime
para efeitos de aplicação da
correspondente consequência
jurídico-penal ao agente.
Estabelecido o nexo de causalidade
médico-legal entre o evento
traumático e os danos corporais
dele resultantes, ter-se-á que
determinar a data da cura/da consolidação médico-legal e analisar e valorar os parâmetros de
dano temporários (1) e os parâmetros de dano permanentes (2):
1) Parâmetros de dano temporários:
- Período de doença: Período de tempo que decorre entre o evento traumático e a cura ou
consolidação médico-legal.
- Alteração da Capacidade de Trabalho Geral (ACTG): Período de tempo durante o qual a
vítima viu condicionada a sua autonomia na realização dos atos correntes da vida diária.
- Alteração da Capacidade de Trabalho Profissional (ACTP): Período de tempo durante o
qual a vítima viu condicionada a sua autonomia no exercício da sua atividade profissional.
2) Parâmetros de dano permanentes:
- Determinação dos danos permanentes
9.4 A avaliação pericial do dano corporal em Direito do Trabalho
Em Direito do Trabalho, a
avaliação pericial tem por objetivo
avaliar a gravidade dos danos
corporais que resultaram da
ocorrência de um acidente de
trabalho para efeitos de
compensação da perda da
capacidade de ganho para o
trabalho.
Estabelecido o nexo de causalidade
médico-legal entre o evento
traumático e os danos corporais
dele resultantes, ter-se-á que
determinar a data da cura/da consolidação médico-legal e analisar e valorar os parâmetros de
dano temporários (1) e os parâmetros de dano permanentes (2):
1) Parâmetros de danos temporários:
- Incapacidade Temporária Absoluta (ITA): Período de tempo durante o qual a pessoa viu
condicionada a sua autonomia no exercício da sua atividade profissional.

19
- Incapacidade Temporária Parcial (ITP): Período de tempo durante o qual a pessoa adquiriu
a sua autonomia no exercício da sua atividade profissional, ainda que limitada.
2) Parâmetros de danos permanentes:
- Incapacidade Permanente Absoluta (IPA): Avaliação, através de uma tabela de avaliação de
incapacidades permanentes de 100 pontos de gravidade crescente, da repercussão dos danos
permanentes no exercício de qualquer atividade profissional.
- Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual (IPATH): Avaliação, através
de uma tabela de avaliação de incapacidades permanentes de 100 pontos de gravidade
crescente, da repercussão dos danos permanentes no exercício do seu trabalho habitual.
- Incapacidade Permanente Parcial (IPP): Avaliação, através de uma tabela de avaliação de
incapacidades permanentes de 100 pontos de gravidade crescente, da repercussão dos danos
permanentes no exercício da sua atividade profissional.

10. Décima aula


10.1 As lesões por asfixias mecânicas
O conceito de asfixia mecânica:
Etimologicamente, asfixia significa ausência de pulso. Esta ausência de pulso pode ser
causada através de várias formas, dentre as quais se realça a forma mecânica. Os mecanismos
de morte podem ser agrupados em três categorias: compressão externa do pescoço
(enforcamento, estrangulamento por laço, esganadura), sufocação (oclusão extrínseca ou
intrínseca das vias aéreas, compressão toraco-abdominal, confinamento) e afogamento.
A compressão externa do pescoço:
Dentro da categoria da compressão externa do pescoço, importa distinguir:
- O enforcamento consiste na suspensão do corpo a partir de um ponto fixo que constringe o
pescoço com ação dependente do peso do corpo.
Exame do hábito externo Exame do hábito interno
Livores Infiltração sanguínea das partes moles
Palidez facial Linha argêntea
Máscara equimótica/congestão crânio-facial Lesões na íntima dos vasos por tração
longitudinal
Sufusões hemorrágicas nas conjuntivas Equimose retrofaríngea
Protusão da língua entre as arcadas dentárias Fraturas do aparelho laríngeo
Sulco Espuma na laringe e na traqueia
Escoriações no dorso das mãos ou membros Lesões raquidianas
inferiores
Saída de esperma pelo meato urinário Sufusões hemorrágicas pleurais e
epicárdicas
Congestão generalizada dos órgãos
Sangue fluido e escuro
- O estrangulamento por laço consiste na constrição violenta do pescoço, por meio de laço,
devida a ação independente do peso do corpo.
Exame do hábito externo Exame do hábito interno
Máscara equimótica/congestão crânio-facial Infiltração sanguínea do pescoço
Sufusões hemorrágicas nas conjuntivas Fracturas do aparelho laríngeo
Sulco Sinais gerais de asfixia
Sufusões hemorrágicas pleurais e
epicárdicas

20
- A esganadura consiste na constrição do pescoço por meio das mãos.
Exame do hábito externo Exame do hábito interno
Máscara equimótica/congestão crânio-facial Infiltração sanguínea das partes moles
Sufusões hemorrágicas nas conjuntivas Equimose retrofaríngea
Ausência de sulco Fracturas do aparelho laríngeo
Estigmas ungueais Sufusões hemorrágicas pleurais e
epicárdicas
Equimoses Sinais gerais de asfixia
Escoriações no pescoço e/ou face
Exoftalmia
A sufocação:
Dentro da categoria da sufocação, importa distinguir:
- A oclusão extrínseca ou intrínseca das vias aéreas consiste no impedimento das vias aéreas
por meio de mecanismo externo (ex. mãos, fita adesiva, papel, saco plástico, almofada, etc.)
ou por meio de corpos estranhos (ex. bolo alimentar, objetos vários, etc.).
- A compressão toraco-abdominal consiste na redução do volume do tórax ou do abdómen
por meio de pressão.
- O confinamento consiste na permanência num espaço reduzido, dispondo de uma
quantidade de oxigénio limitada.
Exame do hábito externo Exame do hábito interno
Petéquias Sinais gerais de asfixia
Lesões traumáticas diversas
O afogamento:
O afogamento consiste na intromissão de meio líquido no interior das vias aéreas.
Exame do hábito externo Exame do hábito interno
Depósito de areias, algas, lama na superfície Presença de corpos estranhos na via aérea e
corporal digestiva
Livores mais ténues que o habitual Congestão generalizada dos órgãos
“Cogumelo de espuma” a cobrir a boca e Sangue fluido e escuro
fossas nasais
“Pele de galinha” por arrefecimento cutâneo Pulmões insuflados com congestão muito
marcada e saída abundante de líquido de
edema nas secções de corte
Maceração da pele Sufusões hemorrágicas pleurais e
Escoriações no dorso das mãos e membros epicárdicas
inferiores
Espuma nos brônquios principais

10.2 As lesões por armas de fogo e por queimaduras


As lesões por armas de fogo:
As características dos orifícios de entrada dependem das características da arma de fogo, do
ângulo de incidência do disparo, da distância do disparo e da superfície fulgurante do projétil.
As lesões por queimaduras:
As queimaduras são lesões resultantes da ação de agentes (biológicos (ex. plantas, animais)),
químicos (ex. ácidos, bases, sais) ou físicos (ex. calor, frio, eletricidade, radiações)) sobre os
tecidos cuja gravidade está relacionada com a sua extensão e profundidade.

21
11. Décima primeira aula
11.1 A Medicina Dentária Forense
A identificação pelos dentes:
O perfil dentário é constituído pelo número e pelo tipo da dentição definitiva de um
determinado sujeito, bem como pelo seu alinhamento nas arcadas dentárias; presta um grande
auxílio no reconhecimento de um sujeito quando esse reconhecimento não é possível (ex.
estado tardio de putrefação, alteração da fisionomia por doença, etc.), estimar a idade desse
sujeito, identificar hábitos e costumes que tenha (ex. roer as unhas, fumar, etc.) e reabilitação
e patologias óssea e dentária de que padeça, etc.
É através de um odontograma que se analisa o estado da cavidade oral de um determinado
sujeito e que se classifica cada elemento dentário, existindo, para esse efeito, uma
nomenclatura de classificação dos elementos dentários. Nesta nomenclatura, usa-se quatro
quadrantes (quadrante superior direito, quadrante superior esquerdo, quadrante inferior
esquerdo, quadrante inferior direito), bem como símbolos diferentes (preto: amálgama;
verde: qualquer material que substitua o dente (cerâmica, compósito); vermelho: ligas
preciosas (ouro)). Cada elemento dentário é determinado através de dois algarismos:
- O primeiro algarismo corresponde ao quadrante em que o elemento dentário se posiciona.
- O segundo algarismo corresponde à posição do elemento dentário em relação ao plano
sagital mediano que divide o organismo em duas partes iguais (esquerda – direita).
Alcance: Poder discriminatório da combinação de distintas características morfológicas
e individualizantes do sistema estomatognático
Limitações: Ausência de registo antemortem

12. Décima segunda aula


12.1 Toxicologia Forense
A Toxicologia Forense:
A Toxicologia Forense é uma área da Toxicologia que tem como objetivo auxiliar no
esclarecimento de questões judiciárias e judiciais que possam estar relacionadas com
intoxicações no âmbito dos diversos domínios do Direito e tem aplicabilidade tanto no vivo
(análises antemortem), como no morto (análises postmortem – cálculo retrospetivo da
alcoolémia28).

Nota fundamental:
A toxicologia da PJ tem por objeto a análise de material não-biológico, enquanto que a
toxicologia do INMLCF tem por objeto a análise de vestígios biológicos.
Os tipos de amostras:
Sangue venoso (periférico ou central), urina, fezes, saliva, suor, cabelo, órgãos de eliminação,
humor vítreo, etc.
As substâncias:
Álcool, substancias ilícitas, medicamentos, etc.

28A tem um acidente de viação às 20h00. É transportado para o hospital, não tendo sido colhida uma amostra de
sangue, onde acaba por morrer. É autopsiado. É colhida uma amostra de sangue e determinada a alcoolémia.
Esta alcoolémia foi determinada horas depois do acidente. Para se determinar a alcoolémia ao tempo do
acidente, efetua-se um cálculo retrospetivo da alcoolémia. Contudo, o cálculo retrospetivo da alcoolémia não
deve ser solicitado, uma vez que é pouco rigoroso.

22

Você também pode gostar