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Imunologia
1. Introdução
Durante toda a disciplina, aprendemos quais são as moléculas, células e processos que fazem parte
do sistema imune. Depois, começamos a ver como todas estas “peças” se encaixavam, para que a
resposta imune pudesse ocorrer contra antígenos não-próprios. Entre estes antígenos, encontramos
aqueles que fazem parte dos agentes infecciosos e dos transplantes de tecidos/órgãos. Agora, falta
entender como o sistema imune pode atuar contra o próprio organismo, causando diversas doenças
que são conhecidas como “doenças autoimunes”. Também deixamos para este tópico o estudo sobre
os grupos sanguíneos e a resposta imune que pode ocorrer nestes casos, porque a transfusão de
sangue entre indivíduos compatíveis é praticamente idêntica a um transplante autólogo de tecido,
que não deveria gerar problemas ao indivíduo pela ausência de antígenos estranhos.
As doenças autoimunes podem ser sistêmicas (como no lúpus, pela formação e deposição de
imunocomplexos em vários locais do corpo) ou órgão-específicas (como na esclerose múltipla,
pela destruição da bainha de mielina, após ativação de células T CD4).
A resposta autoimune iniciada contra um antígeno próprio leva ao início da destruição do tecido
alvo; esta destruição se torna a fonte de novos antígenos próprios e isto pode levar à ativação de
outros clones de células T autorreativos. Este processo de geração de novos clones autorreativos é
chamado “epitope spreading”.
Há fatores genéticos e ambientais (entre eles, infecções) que contribuem para o desenvolvimento da
autoimunidade, os quais citamos abaixo:
Fatores genéticos: estudos de doenças autoimunes mostram que estas doenças têm um grande
componente genético. Por exemplo: diabetes tipo 1 tem uma concordância de 35 a 55% em gêmeos
monozigóticos e 5 a 6% em gêmeos dizigóticos; há também as diferenças de incidência de doenças
autoimunes entre gêneros distintos, como verificamos na esclerose múltipla, que tem incidência 3x
maior em mulheres do que em homens. Muitas doenças autoimunes são poligênicas, assim, os
indivíduos afetados herdam vários genes polimórficos que estão localizados em determinados loci e
que contribuem para a susceptibilidade à doença. Alguns loci estão associados a vários tipos de
doenças autoimunes, sugerindo que estes estão envolvidos em mecanismos genéricos de controle
da tolerância. Outros loci estão associados a doenças autoimunes específicas, indicando que estes
estão envolvidos na lesão tecidual final. Contudo, os loci podem ter dezenas a centenas de genes,
dificultando suas associações com as doenças autoimunes. Entre os genes que estão nestes loci,
encontramos genes associados ao MHC. Caracterizações de HLA de pacientes com doenças
autoimunes mostraram que existem certos tipos de HLA que ocorrem em maior frequência. Destes
estudos, calcularam-se os riscos relativos de indivíduos portadores destes tipos de HLA. A
associação mais forte é vista na espondilite anquilosante (doença autoimune que leva à inflamação
das juntas vertebrais), em que pacientes com expressão de HLA-B27 (MHC classe I) têm 90 a 100x
mais chance de desenvolver a doença. Contudo, a expressão de determinados tipos de moléculas do
MHC não é por si só, a causa da doença autoimune. Não sabemos quais os fatores que levam à
associação de determinados tipos de MHC com o desenvolvimento de doenças autoimunes, mas
pode-se inferir que a apresentação de um determinado epítopo leva à ativação das células T
autorreativas ou à falha na eliminação destes clones durante a seleção negativa. Outras anomalias
gênicas não-relacionadas com os genes do MHC podem influenciar no aparecimento de doenças
autoimunes. Por exemplo: o polimorfismo de CTLA-4 está associado com tireoidite autoimune e
diabetes tipo 1; mutações no gene AIRE causam poliendocrinopatia autoimune tipo 1 (ou síndrome
poliglandular autoimune tipo 1); mutações no gene Foxp3 causam deficiência na geração de Tregs e
desenvolvimento de autoimunidade sistêmica; deficiência genética de proteínas do complemento
(C1q, C2, C4) estão associadas ao lúpus (por deficiência na eliminação de imunocomplexos); e
mutações em Fas ou FasL levam ao desenvolvimento de doença autoimune sistêmica.
Além dos fatores genéticos e ambientais, há outros fatores que podem ter influência nas doenças
autoimunes. É possível que traumas e isquemias dos tecidos possam levar a exposição ao sistema
imune de antígenos que, em situações fisiológicas, não aconteceriam. Esta exposição ativaria as
células autorreativas e desencadearia a resposta autoimune.
Um fator que prejudica a saúde destes pacientes é a exposição à luz UV, uma vez que aumenta a
morte e substituição de células da pele, gerando um aumento de antígenos nucleares.
Quando pensamos nas transfusões de sangue, e sabendo que o sangue é um tecido do corpo,
podemos assumir que estas transfusões são, na verdade, transplantes de tecido. De acordo com o
que já aprendemos sobre os transplantes, eles envolvem antígenos que não são próprios do
organismo receptor. Portanto, as transfusões de sangue poderiam ser incluídas dentro do estudo da
resposta imune contra antígenos não-próprios. Porém, voltando aos estudos de Landsteiner, eles
eram anteriores à descoberta das moléculas do MHC, que são as moléculas responsáveis pela
rejeição de tecidos. Deste modo, sendo o sangue um tecido transplantado, como ele não era
rejeitado pelo doador, importando apenas a compatibilidade de antígenos A e B? A resposta para
esta pergunta está numa constatação que foi feita muito depois dos estudos de Landsteiner: as
células anucleadas não expressam MHC classe I; ou seja, a rejeição da doação de sangue entre
pacientes não ocorre porque não há moléculas do MHC para serem reconhecidas, direta ou
indiretamente, conforme vimos no estudo da resposta imune nos transplantes. Com base nesta
constatação, decidiu-se incluir o estudo da resposta imune contra os antígenos das hemácias dentro
do estudo de respostas imune contra antígenos próprios.
Nas transfusões de sangue, os antígenos do sistema AB0/O são os mais importantes; ao contrário
do que muitos imaginam, não só os eritrócitos, mas todas as células do organismo, expressam
antígenos do sistema AB0/O. Além disso, já existem anticorpos da classe IgM previamente
formados nos indivíduos contra os antígenos que eles não expressam. Por exemplo: um indivíduo
com tipo sanguíneo A possui anticorpos da classe IgM na sua circulação contra o antígeno B. Estes
anticorpos que ocorrem sem a exposição prévia do sistema imune ao antígeno são chamados de
anticorpos naturais e a sua produção não envolve a cooperação entre linfócitos B e T.
Como não há anticorpos naturais contra o antígeno D, as respostas anti-Rh só ocorrem após
exposição prévia ao antígeno D. A exposição leva à produção de anticorpos da classe IgG contra o
antígeno D e é esta produção que é responsável pela doença hemolítica do recém-nascido, ou
eritroblastose fetal, observada nos bebês Rh-positivos nascidos no segundo parto de mães Rh-
negativas. Nestes casos, ocorreu a exposição da mãe Rh-negativa ao sangue Rh-positivo do feto, em
um primeiro parto, fazendo que a mãe fosse imunizada contra o antígeno D, produzindo IgG contra
este antígeno. Como IgG é transportada ativamente pela placenta, quando ocorre a gestação de um
segundo filho Rh-positivo, estes anticorpos chegam até o feto e começam a destruir as hemácias
dele, gerando a doença. A eritroblastose fetal pode ser evitada se a mãe for tratada 72 h antes do
parto do primeiro filho com anticorpos anti-Rh. O mecanismo pelo qual este tratamento funciona é
desconhecido, mas, aparentemente, funciona através de eliminação rápida dos eritrócitos fetais, ou
pela supressão da ativação de células B maternas via FcγRIIB.
As transfusões de sangue só ocorrem em pacientes que sejam compatíveis nos sistemas AB0/O e
Rh. Antes da descoberta destes grupos sanguíneos, quando ocorria a transfusão de sangue entre
indivíduos incompatíveis, observávamos uma rejeição hiperaguda do sangue recebido. Nesta
reação, era observada a hemólise (lise de hemácias), extensiva fagocitose de eritrócitos por
macrófagos do fígado e do baço, necrose de células do tubo renal (por acumulação de
hemoglobina), febre, choque e coagulação intravascular disseminada (por secreção massiva das
citocinas TNF-a, IL-1), e consumo de fatores de coagulação, levando à morte por hemorragia.
Na rejeição hiperaguda dos transplantes, ocorria a reação dos anticorpos naturais do receptor
contra os antígenos do sistema ABO do doador. Este tipo de rejeição, por incompatibilidade do
sistema ABO, já não ocorre mais, porque os transplantes, além da tipagem para haplótipos do MHC,
também são feitos entre pacientes de tipos sanguíneos compatíveis.
5. Conclusão
Ao terminarmos este tópico, aprendemos como a resposta imune pode ser direcionada aos nossos
próprios antígenos, causando as enfermidades que conhecemos como doenças autoimunes.
Aprendemos também sobre quatro destas doenças (Lúpus, Diabetes tipo 1, Esclerose Múltipla e
Artrite Reumatóide), pois são as doenças mais comumente encontradas na população. Com a
conclusão deste tópico, o aluno deve estar apto a responder questões relativas ao papel do sistema
imune e quais são as moléculas e células que promovem o aparecimento das autoimunidades.
6. Referências
ABBAS, A. K.; LICHTMAN, A. H. H.; PILLAI, S. Imunologia Celular e Molecular. 8a Edição
ed. [s.l.] Elsevier Inc., 2015.