Você está na página 1de 8

AUTOIMUNIDADE

O Sistema Imune não é somente um mecanismo de defesa, é considerado


como uma parte dos mecanismos responsáveis pela homeostase do nosso
organismo, ou seja, com o equilíbrio do meio interno.
Nosso sistema monta respostas contra patógenos, toxinas, tumores e até
respostas ao próprio, que são denominadas autoimunidade e podem levar a
doenças autoimunes caracterizadas por lesão tecidual.
O sistema imunológico vai atuar basicamente de duas formas:

1 – Gerando aquilo que podemos chamar de imunidade, importante


principalmente no que se refere às respostas aos bioagentes patogênicos,
toxinas e tumores.
2 – Gerando também o estabelecimento da tolerância, um processo tão
importante quanto a imunidade. Tanto a tolerância, quanto a imunidade
dependem do antígeno. A tolerância é muito importante e desejável para os
antígenos próprios (self), alimentos, transplantes, implantes e também controla
aquelas coisas as quais não se deve gerar resposta imune, pois essas
substâncias são inócuas, ou seja, os alérgenos, como pelo de gato, grão de
pólen ou medicamentos.
Desse modo, podemos entender que o sistema imune apresenta sua “balança”,
em que, de um lado temos a resposta (ataque) e de outro temos a tolerância. O
equilíbrio é essencial na manutenção da homeostase e prevenção de
problemas adicionais.

Tolerância
Existem dois tipos de tolerância: tolerância central e a periférica.
Os mecanismos de tolerância central eliminam linfócitos autorreativos recém-
formados, tanto na medula óssea quanto no timo. Em contraposição, linfócitos
maduros autorreativos que não reconhecem fortemente o próprio nos órgãos
linfoides primários – porque seus antígenos próprios não estão presentes aí,
por exemplo – podem ser eliminados ou inativados na periferia.
O processo de geração de receptores de linfócitos é randômico e controlado
pelas recombinases I e II. Depois da geração dessas células, com diferentes
receptores, elas passam por um sistema de seleção.
No processo de seleção negativa, temos eliminação de linfócitos
autorreativos. A enzima AIRE é uma reguladora autoimune que permite a
expressão, por uma APC, de genes para diversos antígenos ectópicos (que
estão em outros tecidos e não somente no timo). Dessa maneira, as células
que são autorreativas são eliminadas. Essa enzima “desenrola” a fita de DNA,
fazendo com que genes de outros tecidos possam ser expressos.
Permanecem as células que vão fazer com que o sistema imunológico ou o
repertório de linfócitos gerem uma resposta quando necessário (quando se
entra em contato com o antígeno). Esse sistema elimina a grande maioria das
células autorreativas.

Com os linfócitos B acontece a mesma coisa: acontece a diferenciação na


medula óssea, e elas também passam por uma seleção negativa, no entanto,
sem a participação da enzima AIRE; outro processo de tolerância que acontece
na medula é a edição do receptor.
Mesmo com todos esses mecanismos, a tolerância central não é 100%
eficiente, sendo papel da tolerância periférica impedir o desenvolvimento de
doenças autoimunes nas pessoas saudáveis.
A tolerância periférica acontece com células já maduras, e temos a deleção,
anergia, Tregs e o “mecanismo salvador” (moléculas CTLA-4 e PCD1).
Sabe-se que as células T reguladoras (Tregs) são produzidas no timo a partir
de células T específicas para antígeno próprio, expressam FoxP3, e atuam na
periferia, na modulação da ativação imune, funcionando como mediadores
críticos da homeostasia imune e da autotolerância.
As Treg, através da liberação de mediadores, principalmente TGF-β e IL-10,
fazerem com que a APC deixe de expressar MHC de classe II. Sem MHC-II, a
APC não consegue apresentar antígeno, impedindo que as células T se tornem
células efetoras.

Para que a célula T virgem se torne uma célula T efetora, além do contato
com o antígeno, é necessário a ação de moléculas co-estimuladoras, como
B7, expressa na superfície da APC, que irá interagir com o CD28, presente na
célula T virgem.
A anergia é um mecanismo no qual a célula T torna-se incapaz de responder
ao antígeno devido à deficiência de moléculas co-estimuladoras: 1) Devido à
ausência ou baixa expressão de B7 nas APCs em repouso. 2) Ou a presença
de moléculas que competem com CD28 por B7, como CTLA-4. CTLA-4 ao se
ligar com B7, ativa uma fosfatase, que remove os fosfatos utilizados em
receptores imunes (efeito contrário ao da quinase induzida pela ligação CD28-
B7). Com a remoção dos fosfatos, a função efetora dessas células se finda, e
ela morre em pouco tempo. Dessa maneira, CTLA-4 possui importante papel
na autotolerância.
As células que saíram dos órgãos linfoides secundários, quando chegam ao
tecido, expressam uma molécula chamada PD-1 (proteína de morte tipo 1). E,
quando há uma interação entre PD-1 do linfócito e PD-1L tissular, ativa-se
também uma fosfatase e a célula T deixa de ser efetora. Então, bloqueia-se a
reação efetora, criando-se tolerância.
As terminações da resposta por PD-1 e CTLA-4 é o preço que pagamos para
não desenvolvermos doenças autoimunes.
Uma consequência disso é que, nas terapêuticas efetivas contra tumores,
frequentemente problemas relacionados à autoimunidade aparecem. Isso
porque, nesse processo, visa-se a fazer com que as células efetoras
reconheçam e ataquem as células tumorais (“quase self”).
Doenças autoimunes
A quebra dos mecanismos de tolerância podem levar as doenças autoimunes.
As doenças autoimunes são de natureza multifatorial:
Classificação das doenças autoimunes
Da perspectiva clínica, é útil distinguir dois padrões principais de doença
autoimune: as doenças nas quais a expressão da autoimunidade é restrita a
órgãos específicos do corpo, conhecidas como doenças autoimunes órgão-
específicas; e aquelas em que muitos tecidos do corpo são afetados, as
doenças autoimunes sistêmicas. As doenças autoimunes sistêmicas afetam
múltiplos órgãos e têm uma tendência a se tornarem crônicas, pois os
autoantígenos não podem ser totalmente removidos do corpo.

A maioria das doenças autoimunes apresenta padrão Th1 e em um padrão


bias, ou seja, se apresentar padrão Th1 vai seguir somente esse padrão.
Entretanto, podemos citar como exceção, Doença de Graves (Th2) e Artrite
Reumatoide (Th1 e Th17), por exemplo.
o Doença de Hashimoto: Doença autoimune da tireoide em que se gera uma
resposta autoimune contra uma proteína chamada tireoglobulina e a
tireoperoxidase. A tireoglobulina é muito importante para gerar o T3 e T4.
Essa pessoa vai ter a tireoide destruída, portanto vai ter um quadro de
hipotireoidismo.
o Doença de Graves: O anticorpo autoimune que é gerado na doença de
Graves liga no receptor do TSH, agindo contra os tireócitos. O indivíduo tem
hipertireoidismo, mas, com o tempo, ela vai ter hipotireoidismo também,
porque os anticorpos, uma vez ligados nos seus antígenos, permitem a
fixação de complemento, que levam à lise do tireócito.
o Diabetes Tipo I: Resposta contra insulina ou contra a enzima glutamato
descarboxilase, presente nas células β.
o Artrite Reumatoide: Resposta contra IgA e IgG, havendo formação de
imunocomplexos que se depositam em locais determinados pela
hemodinâmica e dificultam a circulação.
Obs.: drogas anti-inflamatórias bloqueiam citocinas pró-inflamatórias enquanto
drogas imunodepressoras atuam matando linfócitos.

As doenças autoimunes são de causa multifatoriais, possuindo grande viés


genético. Um exemplo disso é a maior frequência delas em mulheres, já que
níveis suprafisiológicos de estrógeno e progesterona induzem maior
diferenciação de células B em plasmócitos e de células T em T efetoras.
Fatores que podem desencadear doenças autoimunes
 Deficiência de células Treg (gene Foxp3 – mais severos casos de DA).
 Deficiência de AIRE, que assim não estará presente na seleção negativa
para expressão de antígenos próprios.
 Vários genes relacionados a doenças autoimunes estão ligados ao X.
Por isso, as doenças autoimunes tendem a ser prevalentes nas
mulheres.
 Moléculas de MHC (HLA): existem três alelos para classe II (Dr, Dp e
Dq), portanto, podemos apresentar várias moléculas de MHC II e
algumas podem apresentar propensão a Das.
o Dr3 gera propensão à esclerose múltipla
o Dr4 gera propensão à artrite reumatoide e diabetes tipo 1
Embora a propensão exista, a expressão, por si só, não é suficiente para o
desenvolvimento de DAs. As infecções parecem ser gatilhos importantes para
o desenvolvimento.
Infecções são um mecanismo muito importante que pode favorecer o
surgimento de doenças autoimunes
- A primeira coisa que uma infecção faz é aumentar a disponibilidade de
antígenos self no organismo.
- APCs são sinalizadas, levando a uma maior ativação de células T (expressão
de B7)
- Consequentemente, há maior disponibilização de citocinas instrutivas para
diferenciação de células T.
- Mimetismo antigênico: em algumas infecções, o fato de ser gerado uma
resposta contra o patógeno, pode fazer com que ocorra uma reação do tipo
cruzada de uma molécula do antígeno com alguma molécula análoga do
organismo.
Exe.: febre reumatoide. É uma lesão da valva cardíaca causada pela infecção
por estreptococos β-hemolíticos (produzem toxinas capazes de lisar hemácias).
Esses estreptococos possuem uma proteína M, contra a qual o sistema imune
produz anticorpos. Porém, há uma proteína semelhante na valva cardíaca,
resultando em um ataque da valva (ligação cruzada).
Logo, o mimetismo antigênico consiste em um epitopo do agente patogênico
possuir estrutura conformacional semelhante a alguma estrutura self.
Tratamento das doenças autoimunes:
Até o momento, não há cura. Somente tratamentos paliativos.
Quando o indivíduo é acometido por uma doença autoimune, também é gerado
células de memória contra esses antígenos autorreativos. E é aí que está o
grande problema: eliminar seletivamente essas células de memória. Se
retiramos todas as células de memória, perdemos o efeito das vacinas, ficamos
susceptíveis à infecção....
Além disso, não se pode tratar doenças autoimunes de forma intermitente. Por
exemplo: no caso do lúpus mede-se o anticorpo contra o DNA e, somente em
casos de crise, é administrado a droga imunossupressora. Do contrário, o
indivíduo fica extremamente imunossuprimido.

Você também pode gostar