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Imunopatologia I – Thalita Madeira

TOLERÂNCIA IMUNOLÓGICA E AUTOIMUNIDADE

Tolerância imunológica – não responsividade aos antígenos próprios. Os linfócitos capazes de reconhecer
antígenos próprios são constantemente gerados durante o processo normal de maturação de linfócitos, mas existem
muitos mecanismos para prevenir a resposta autoimune. Se esses mecanismos falham, ocorrem as doenças
autoimunes.

TOLERÂNCIA IMUNOLÓGICA: SIGNIFICADO E MECANISMOS


Quando linfócitos com receptores para determinado antígeno são expostos a esse antígeno, uma de três
coisas pode ocorrer: 1) os linfócitos podem ser ativados, proliferam e se diferenciam em células efetoras (antígenos
imunogênicos – microorganismos); 2) os linfócitos podem ser funcionalmente inativados ou eliminados, resultando
em tolerância (antígenos tolerogênicos – antígenos próprios) ou 3) os linfócitos podem não reagir de qualquer
maneira (ignorância imunológica).
 Indivíduos normais são tolerantes aos seus antígenos porque os linfócitos que reconhecem antígenos
próprios são destruídos ou inativados, ou porque a especificidade desses linfócitos é alterada.
 A tolerância é antígeno específico (diferente da imunossupressão ou das imunodeficiências, que afetam
linfócitos de muitas especificidades). A exposição de antígenos estranhos aos linfócitos em desenvolvimento
induz tolerância a estes antígenos.
 A autotolerância pode ser induzida em linfócitos autorreativos imaturos nos órgãos linfoides primários
(tolerância central) ou em linfócitos maduros em locais periféricos (tolerância periférica).
 A tolerância ocorre durante a maturação dos linfócitos nos órgãos linfoides centrais, onde todos os linfócitos
em desenvolvimento devem passar por um estágio no qual um encontro com um antígeno pode levar à
morte da célula ou à substituição de um antígeno receptor autorreativo por um novo antígeno receptor
autorreativo. Órgãos linfoides primários contêm majoritariamente antígenos próprios, porque os antígenos
estranhos são capturados e transportados para órgãos linfoides periféricos. O reconhecimento de antígenos
próprios por linfócitos imaturos pode resultar em morte por apoptose; mudança dos receptores (edição de
receptor) e algumas células podem se diferenciar em T reg.
 A tolerância periférica ocorre quando, em consequência do reconhecimento dos antígenos próprios, os
linfócitos maduros tornam-se incapazes de responder a esses antígenos ou são induzidos a morrer, ou
células T maduras são ativamente suprimidas por células T reg.
 Na ausência de sinais coestimulantes, antígenos estranhos podem inibir a resposta imunológica por indução
de tolerância em linfócitos específicos.
 A tolerância imunológica pode ser explorada como uma abordagem terapêutica para prevenir uma resposta
imune indesejável

TOLERÂNCIA DOS LINFÓCITOS T


Tolerância central dos linfócitos T
A seleção negativa dos timócitos é responsável pelo fato de o repertório de células T maduras, que deixam o
timo e vão povoar os órgãos linfoides periféricos, não responder aos antígenos próprios que estão presentes no
timo. Dois principais fatores determinantes: presença do antígeno no timo e afinidade dos timócitos que o
reconhecem.
Proteínas que são produzidas em órgãos periféricos são normalmente expressas em baixos níveis em células
epiteliais medulares do timo, e células T imaturas que reconhecem estes antígenos são eliminadas do timo. Na
ausência de AIRE (reguladora autoimune), esses antígenos não são exibidos no timo, e as células T específicas para
os antígenos escapam da deleção, maturam e entram na periferia, onde atacam tecidos-alvos nos quais os antígenos
são expressos. [Mutações no gene AIRE são a causa de síndrome poliendócrina autoimune, caracterizada por lesão mediada
por anticorpos e linfócitos em múltiplos órgãos endócrinos.]
Imunopatologia I – Thalita Madeira

A seleção negativa ocorre nas células T duplamente positivas no córtex tímico ou em células unicamente
positivas recém-geradas na medula. Nestes locais, os timócitos que encontra estes antígenos morrem por apoptose.
Algumas células TCD4 autorreativas que vêem antígenos próprios no timo não são eliminadas, mas se
diferenciam em células T reguladoras específicas, que saem do timo e inibem respostas contra tecidos próprios na
periferia. A deficiência de AIRE não parece evitar o desenvolvimento de células T reg de origem tímica específicas
para os mesmos antígenos próprios.

Tolerância periférica dos linfócitos T


A tolerância periférica é induzida quando as células T maduras reconhecem os antígenos próprios nos tecidos
periféricos, levando à inativação funcional (anergia) ou morte, ou quando os linfócitos autorreativos são suprimidos
pelas células T reg.
Anergia: inativação funcional que ocorre quando os linfócitos T reconhecem antígenos sem níveis adequados de
coestimuladores necessários para total ativação das células T (recordando: os linfócitos T virgens precisam de 2 sinais para
proliferar e se diferenciar: 1º sinal – antígeno, 2º sinal – coestimuladores). Sob estas condições, os TCRs podem perder sua
habilidade de transmitir sinais ativadores ou as células T podem englobar um dos receptores inibitórios da família
CD28, CTLA-4 ou PD1, resultando em anergia.
Supressão imune mediada por células T reguladoras: a maioria dessas células se desenvolvem no timo. São
geralmente CD4+ e expressam altos níveis de CD25 (cadeia a da IL-2). A geração e função dessas células dependem
do fator de transcrição Foxp3 e da citocina IL-2. TGF-B também é importante por estimular a expressão de Foxp3.
Células T reg produzem citocinas (TGF-B e IL-10) que bloqueiam a ativação dos linfócitos e macrófagos. Células
reguladoras também podem interagir diretamente com e suprimir linfócitos ou APCs por contato entre células.
Deleção: morte celular induzida pela ativação: o reconhecimento de antígenos próprios pode estimular vias de
apoptose que resultam na deleção dos linfócitos T autorreativos. Dois mecanismos prováveis: 1) o reconhecimento
antigênico induz a produção de proteínas pró-apoptóticas nas células T que induzem morte celular por via
mitocondrial (na reposta a micro-organismos, a atividade dessas proteínas é neutralizada por proteínas
antiapoptóticas induzidas pela coestimulação e por fatores de crescimento produzidos durante a resposta
imunológica, mas antívenos próprios não estimulam proteínas antiapoptóticas); 2) o reconhecimento de antígenos
próprios pode levar à coexpressão de receptores para a morte e de seus ligantes, de modo que a interação ligante-
receptor gera sinais que culminam na ativação de caspases e apoptose (via dos receptores da morte – principal: Fas
(CD95) e ligante Fas (expresso em células T ativadas), cuja interação induz morte de células T e B expostas a
antígenos próprios). [Síndrome linfoproliferativa autoimune: único defeito na apoptose que causa um complexo fenótipo
autoimune em humanos.]
Antígenos próprios Antígenos microbianos
Presentes no timo, induzem delação ou geração de T reg Ativamente transportados e concentrados nos órgãos linfoides
periféricos
Apresentados pelas APCs em repouso na ausência da imunidade Produzem reações imunes inatas, levando à expressão de
inata e segundos sinais, favorecendo anergia e morte das células coestimuladores e citocinas (2º sinal), resultando em proliferação
T e diferenciação em células efetoras
Presentes durante toda a vida, podem causar ativação repetida Vida curta, resposta imunológica elimina o antígeno.
ou prolongada do TCR

TOLERÂNCIA DOS LINFÓCITOS B


Polissacarídios, lipídios e ácidos nucléicos próprios são antígenos T-independentes, não sendo reconhecidos pelas
células T. Para prevenir a produção de autoanticorpos, devem induzir tolerância nos linfócitos B. [Evidências indicam
que o lúpus seria causado por tolerância defeituosa tanto em linfócitos B quanto em T].

Tolerância central dos linfócitos B


Quando um linfócito B imaturo interage fortemente com um antígeno próprio na medula óssea, as células B
tanto podem ser destruídas quanto podem alterar a especificidade do seu receptor.
Imunopatologia I – Thalita Madeira

Editoramento do receptor: se células B imaturas reconhecem antígenos próprios na medula óssea, podem
reativar sua estrutura de recombinação do gene da Ig e passar a expressar uma nova cadeia leve de Ig, que se
associará à cadeia pesada de Ig previamente expressa para produzir novo receptor antigênico que anteriormente era
específico para antígenos próprios. Se a edição falhar, as células B imaturas que reconhecem os antígenos próprios
com alta afinidade morrem por apoptose ou sofrem anergia (saem da medula irresponsívas ao antígeno). A seleção
negativa de células B imaturas elimina linfócitos com receptores de alta afinidade para antígenos da membrana
celular ou antígenos próprios solúveis que são abundantes e amplamente expressos. Não existem exemplos
conhecidos de doenças autoimunes atribuíveis à perda de tolerância das células B centrais.

Tolerância periférica dos linfócitos B


Linfócitos B maduros que encontram antígenos próprios em altas concentrações nos tecidos linfoides
periféricos entram em anergia e não podem responder novamente àquele antígeno próprio. Se os linfócitos B
reconhecem um antígeno e não recebem estímulo da célula T (tolerantes ou ausentes), as células B tornam-se
anérgicas. Essas células anérgicas deixam os folículos linfoides e podem morrer porque não recebem estímulo de
sobrevivência.

AUTOIMUNIDADE: PRINCÍPIOS E PATOGÊNESE


Autoimunidade: resposta imune contra antígenos próprios (autólogos). Principais fatores no desenvolvimento
da autoimunidade: herança de genes susceptíveis e estímulos do meio (infecções). A autoimunidade pode resultar
na produção de anticorpos contra antígenos próprios ou na ativação de células T reativas aos antígenos próprios. Os
genes de suscetibilidade podem interferir com vias da tolerância própria e levar à persistência de linfócitos T e B
próprio-reativos. Estímulo ambiental e injúria tecidual podem resultar em ativação desses linfócitos próprios
reativos.

FATORES GENÉTICOS NA AUTOIMUNIDADE


Muitas doenças autoimunes são poligênicas e estão associadas a múltiplos loci de genes, sendo os mais
importantes os genes do MHC. Um alelo do HLA pode aumentar o risco de desenvolvimento de uma doença
autoimune particular, mas não é em si a causa da doença. Alelos particulares do MHC podem contribuir para o
desenvolvimento da autoimunidade, pois são ineficientes na apresentação de antígenos próprios, levando à seleção
negativa defeituosa das células T, ou porque os peptídios antigênicos apresentados por esses alelos podem falhar
em estimular células T reg.
Várias doenças estão relacionadas a genes não relacionados ao HLA (ver tabela da página 181 do Abbinhas).

PAPEIS DAS INFECÇÕES NA AUTOIMUNIDADE


As manifestações clínicas da autoimunidade são frequentemente precedidas por pródromos infecciosos. Uma
infecção tecidual pode induzir resposta local da imunidade inata, que pode levar ao aumento da expressão de
coestimuladores e citocinas pelas APCs teciduais. Essas APCs ativadas são capazes de estimular as células T
autorreativas que encontram antígenos próprios nos tecidos (a infecção pode “quebrar” a anergia da célula T).
Algumas infecções podem produzir peptídios antigênicos que são similares e que reagem de maneira cruzada com
antígenos próprios, de modo que a resposta imune contra os peptídios microbianos pode resultar no ataque contra
antígenos próprios (mimetismo molecular). Existem algumas desordens nas quais os anticorpos produzidos contra
proteínas microbianas se ligam a proteínas próprias (Ex: febre reumática – ac contra estreptococos fazem reações
cruzadas com ag do miocárdio). As infecções também podem causar lesão tecidual e liberar antígenos que
normalmente são sequestrados do sistema imune e que, quando liberados, podem iniciar uma reação autoimune
contra o tecido.

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