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NICHOLS

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Os conceitos fundamentais
da terapia familiar

dificuldade em atender às expectativas criadas


Uma maneira totalmente nova de pensar por uma irmã mais velha muito bem-sucedida.
sobre o comportamento humano Suponha que você é o terapeuta. Você aten-
de o menino e a família e descobre que ele não
está preocupado com os pais nem sente ciúme
A terapia familiar muitas vezes é mal- da irmã. De fato, “está tudo bem” em casa. O
compreendida como apenas mais uma varia- menino simplesmente está deprimido. E agora?
ção de psicoterapia, na qual a família inteira é Esse sentimento e agora é uma experiên-
levada a tratamento. É isso, claro, mas o mais cia comum quando começamos a atender fa-
importante é que envolve uma maneira nova mílias. Mesmo quando existe alguma coisa ob-
de pensar sobre o comportamento humano – viamente errada – o menino está preocupado
isto é, como fundamentalmente organizado com os pais, ou todos gritam, e ninguém pare-
pelo contexto interpessoal. ce escutar –, geralmente é difícil saber por onde
Antes do advento da terapia familiar, o começar. Você pode começar tentando resol-
indivíduo era visto como o lócus dos problemas ver os problemas da família para eles, mas en-
psicológicos e o alvo óbvio do tratamento. Se tão você não os estaria ajudando a lidar com o
uma mãe telefonasse dizendo que o filho de 15 motivo de estarem com problemas.
anos estava deprimido, o terapeuta atenderia o Para tratar aquilo que torna difícil para a
menino para descobrir o que havia de errado família enfrentar seus problemas, você precisa
com ele. Um rogeriano poderia procurar uma saber onde procurar. Para isso, você necessita
baixa auto-estima; um freudiano, raiva repri- de uma maneira de compreender o que move
mida; um comportamentalista, ausência de ati- as famílias. Você precisa de uma teoria.
vidades reforçadoras; mas todos eles acredita- Quando começaram a observar famílias
riam que as principais forças que moldam o com- discutindo seus problemas, os terapeutas per-
portamento do menino estavam localizadas den- ceberam, imediatamente, que nem todos esta-
tro dele e que a terapia, portanto, requeria ape- vam envolvidos. No clamor de brigas barulhen-
nas a presença do paciente e de um terapeuta. tas, todavia, é difícil enxergar além das perso-
A terapia familiar mudou tudo isso. Hoje, nalidades – a adolescente mal-humorada, a
se uma mãe buscasse ajuda para um adoles- mãe controladora, o pai distante – e perceber
cente deprimido, a maioria dos terapeutas aten- os padrões que os conectam. Em vez de se con-
deria o menino e os pais, juntos. Se um adoles- centrar em indivíduos e suas personalidades,
cente de 15 anos estiver deprimido, não é in- os terapeutas familiares consideram como os
sensato supor que pode estar acontecendo algo problemas podem, pelo menos em parte, ser
na família. Talvez os pais do menino não este- produto dos relacionamentos que os cercam.
jam se relacionando bem e ele esteja com medo Como compreender esses relacionamentos é o
de que se divorciem. Ou talvez ele esteja com assunto deste capítulo.
TERAPIA FAMILIAR 101
CIBERNÉTICA A

O primeiro e talvez mais influente mode-


lo de como as famílias funcionam foi a ciber-
nética, o estudo dos mecanismos de feedback
em sistemas que se auto-regulam. O que a fa-
mília compartilha com outros sistemas ciberné- C B
ticos é uma tendência a manter a estabilidade
usando como feedback informações sobre seu
desempenho.
No âmago da cibernética está o circuito FIGURA 4.1 Causalidade circular de um circuito de
feedback.
de feedback, o processo pelo qual um sistema
obtém a informação necessária para manter um
curso estável. Esse feedback inclui informações
sobre o desempenho do sistema em relação ao mostra um circuito de feedback semelhante
seu ambiente externo e sobre as relações entre para um casal. Nesse caso, as tarefas de limpe-
as partes do sistema. Circuitos de feedback po- za e arrumação da casa que Jan realiza (output)
dem ser negativos ou positivos. Essa distinção afetam quanto do trabalho doméstico é feito,
refere-se ao efeito que eles têm sobre os desvi- o que subseqüentemente afeta quantas tarefas
os em relação a um estado homeostático, não de limpeza e arrumação Billie precisa fazer, o
significando que são benéficos ou prejudiciais. que então retroalimenta (input) quantas tare-
O feedback negativo indica que o siste- fas de limpeza Jan acha que ainda precisam
ma desvia-se do alvo e quais as correções ne- ser realizadas, e assim por diante.
cessárias para trazê-lo de volta ao curso. Ele O sistema cibernético acabou se tornan-
sinaliza que o sistema precisa restaurar seu do uma metáfora particularmente útil para
status quo. Assim, o feedback negativo não é de descrever como as famílias mantêm sua esta-
forma alguma algo negativo. Sua informação bilidade (Jackson, 1959). Às vezes isso é bom,
vital para corrigir erros dá ordem e autocon- por exemplo, quando uma família continua
trole a máquinas automáticas, ao corpo e ao funcionando como uma unidade coesa apesar
cérebro e às pessoas em seu cotidiano. O feed- de estar ameaçada por um conflito ou estresse.
back positivo é a informação que confirma e Outras vezes, no entanto, não é bom resistir à
reforça a direção que o sistema toma. mudança, como quando uma família não con-
Um exemplo conhecido de feedback ne- segue se reajustar para acomodar o crescimento
gativo ocorre no sistema de aquecimento de ou a mudança de um de seus membros.
uma casa. Quando a temperatura cai abaixo Como no feedback negativo, o feedback
de certo ponto, o termostato aciona a fornalha positivo pode ter conseqüências desejáveis ou
para aquecer novamente a casa até os limites indesejáveis. Se não forem verificados, os efei-
preestabelecidos. É este circuito de feedback tos reforçadores do feedback positivo tendem
autocorretivo que constitui a cibernética dos a compor os erros de um sistema, levando a
sistemas e é a resposta do sistema à mudança
como um sinal para restaurar seu estado pré-
vio que ilustra o feedback negativo.
A Figura 4.1 mostra a circularidade básica Contribuição de Jan
envolvida em um circuito de feedback. Cada
elemento tem um efeito sobre o seguinte, até
que o último elemento “retroalimente” o efeito
cumulativo para a primeira parte do ciclo. As-
Contribuição de Billie Limpeza e arrumação da casa
sim, A afeta B, que por sua vez afeta C, que
retroalimenta para afetar A, e assim por diante.
No exemplo do sistema de aquecimento
da casa, A poderia ser a temperatura da sala; FIGURA 4.2 Circuito de feedback nas tarefas de limpeza e
B, o termostato, e C, a fornalha. A Figura 4.2 arrumação da casa de um casal.
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processos de descontrole. O infeliz motorista demais em direções imprudentes. Para sobre-


em uma estrada gelada que envia feedback po- viver e se adaptar ao mundo que os cerca, to-
sitivo para o motor de seu carro, pisando no dos os sistemas de comunicação – inclusive as
acelerador, pode derrapar fora de controle, por- famílias – precisam de um equilíbrio saudável
que o freio será inútil para fornecer o feedback de feedback negativo e positivo. Como veremos,
negativo que vai parar o carro. Igualmente, a todavia, os primeiros terapeutas familiares ten-
preocupação perniciosa, a evitação fóbica e diam a enfatizar demasiado o feedback negati-
outras formas de comportamento neurótico vo e a resistência à mudança.
podem começar com uma preocupação relati- Aplicada às famílias, a cibernética con-
vamente trivial e ir aumentando, em um pro- centrou-se em diversos fenômenos:
cesso destrutivo fora de controle.
Considere, por exemplo, como um ata- 1. regras familiares, que governam a varia-
que de pânico pode começar como uma situa- ção de comportamento que um sistema
ção relativamente inócua de respiração ofegan- familiar é capaz de tolerar (a variação
te, mas uma resposta de pânico à dificuldade homeostática da família);
de respirar pode se transformar em uma expe- 2. mecanismos de feedback negativo que as
riência aterrorizante de perda de controle. To- famílias empregam para impor essas re-
mando um exemplo um pouco mais comple- gras (culpa, punição, sintomas);
xo, considere a estrutura de funcionamento do 3. seqüências de interação familiar em torno
governo federal. Já que o presidente geralmen- de um problema que caracterizam a rea-
te se cerca de conselheiros que compartilham ção de um sistema a ele (os circuitos de
seu ponto de vista e estão ansiosos para man- feedback em torno de um desvio);
ter este contato, esses conselheiros tendem a 4. o que acontece quando o feedback nega-
apoiar qualquer posição que o presidente as- tivo costumeiro do sistema é inefetivo, de-
sume. Este feedback positivo pode resultar na sencadeando circuitos de feedback positivo.
adoção e implementação de uma política ina-
dequada – como na época de Lyndon Johnson, Exemplos de circuitos de feedback positi-
com a escalação da Guerra do Vietnã. Feliz- vo são aqueles “ciclos viciosos” incômodos, nos
mente, no entanto, a fiscalização e o equilí- quais as ações postas em prática só pioram as
brio exercidos pelos poderes Legislativo e Ju- coisas. A bem-conhecida “profecia autocumpri-
diciário normalmente fornecem o feedback ne- dora” é um desses circuitos de feedback positi-
gativo que impede a administração de ir longe vo: as apreensões da pessoa levam a ações que

A cibernética foi fruto da imaginação do matemático do MIT (Massachussets Institute of Technology) Norbert Wiener
(1948), que desenvolveu o que se tornaria o primeiro modelo de dinâmica familiar em um ambiente muito improvável.
Durante a Segunda Guerra Mundial, Wiener foi solicitado a estudar o problema de como as armas de defesa antiaérea
poderiam derrubar os aviões alemães, que voavam tão rápido que era impossível ajustar as baterias de artilharia com
rapidez suficiente para atingir os alvos. Sua solução foi incorporar um sistema de feedback interno, em vez de confiar
em observadores para reajustar as armas depois de cada erro de alvo.
Gregory Bateson entrou em contato com a cibernética em uma série notável de encontros multidisciplinares,
as conferências Macy, que iniciaram em 1942 (Heins, 1991). Bateson e Wiener travaram uma camaradagem imediata
nesses encontros, e seus diálogos tiveram um profundo impacto sobre Bateson, levando-o a aplicar a teoria dos
sistemas à terapia familiar.
Visto que a cibernética surgiu do estudo das máquinas, em que os circuitos de feedback positivo levavam a
“descontroles” destrutivos, fazendo com que a máquina estragasse, a ênfase foi no feedback negativo e na manuten-
ção da homeostase. O ambiente do sistema mudaria – a temperatura subiria ou baixaria – e esta mudança desencadearia
mecanismos de feedback negativo para reconduzir o sistema à homeostase – o calor aumentaria ou diminuiria. Os
circuitos de feedback negativo controlam tudo, do sistema endócrino ao ecossistema. As espécies animais são equi-
libradas pela morte por inanição e por predadores, quando ocorre uma superpopulação, e por aumento nos índices
de nascimento, quando seu número se reduz demais. Os níveis de açúcar no sangue são equilibrados pelo aumento
da produção de insulina quando sobem demais e pelo aumento do apetite quando baixam demais.
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precipitam a situação temida, o que, por sua ruins: se eles não escapam ao controle, podem
vez, justifica os medos do indivíduo, e assim ajudar o sistema a se ajustar às circunstâncias
por diante. Outro exemplo de feedback positi- modificadas. A família de Marcus precisaria
vo é o “efeito modismo” – a tendência de uma recalibrar suas regras relativas à raiva, para
causa de ganhar apoio simplesmente devido acomodar a assertividade aumentada de um
ao crescente número de adeptos. Podemos pen- adolescente. A crise que esse circuito de feedback
sar em algumas modas passageiras e um bom positivo produziu poderia levar ao reexame das
número de grupos de música pop que devem regras familiares, se a família conseguisse sair
muito de sua popularidade ao modismo. do circuito o tempo necessário para obter cer-
Como exemplo de uma profecia autocum- ta perspectiva. Ao fazer isso, eles estariam fa-
pridora, imagine uma jovem terapeuta que es- zendo uso da metacomunicação, comunican-
pera que os homens não se envolvam na vida do-se a respeito de sua maneira de se comuni-
familiar. Ela acredita que o pai deveria desem- car, um processo que pode levar a uma mu-
penhar um papel ativo na vida dos filhos, mas dança nas regras do sistema (Bateson, 1956).
sua experiência a ensinou a não esperar muito Como já deve estar claro, os ciberneticis-
dos homens. Suponha que ela está tentando tas familiares focaram os circuitos de feedback
agendar uma consulta familiar e a mãe diz que dentro das famílias, também conhecidos como
o marido não poderá estar presente. Como a padrões de comunicação, enquanto a fonte fun-
nossa terapeuta hipotética provavelmente res- damental de disfunção familiar. Por isso, os
ponderá? Ela poderia aceitar ao pé da letra a teóricos da família mais influenciados pela ci-
declaração da mãe e, assim, entrar em um con- bernética passaram a ser conhecidos como a
luio para garantir exatamente o que esperava. escola das comunicações (ver Capítulos 3 e 6).
Ao contrário, ela poderia objetar agressivamen- Comunicações falhas ou pouco claras resultam
te à afirmação da mãe, deslocando assim para em um feedback inadequado ou incompleto, de
o relacionamento com a mãe a sua atitude em modo que o sistema não consegue se autocorri-
relação aos homens – ou empurrando a mãe gir (mudar suas regras) e, conseqüentemente,
para uma posição antagonista em relação ao reage à mudança de modo exagerado ou insu-
marido. ficiente.
Passando a um exemplo familiar, em uma
família com baixo limiar para a expressão da
raiva, Marcus, o filho adolescente, explode com TEORIA DOS SISTEMAS
os pais diante de sua insistência para que ele
esteja em casa antes da meia-noite. A mãe fica O maior desafio enfrentado por aqueles
chocada com sua explosão de raiva e começa a que tratam famílias é enxergar além das per-
chorar. O pai responde deixando Marcus de sonalidades e perceber os padrões de influên-
castigo por um mês. Ao invés de reduzir o des- cia que determinam o comportamento dos mem-
vio de Marcus – fazendo sua raiva voltar para bros da família. Estamos tão acostumados a ver
os limites homeostáticos –, este feedback nega- o que acontece nas famílias como produto de
tivo produz o efeito oposto: Marcus explode e qualidades individuais, como egoísmo, gene-
desafia a autoridade deles. Os pais respondem rosidade, rebeldia, passividade, tolerância, sub-
com mais choro e castigos, o que aumenta ain- missão e assim por diante, que aprender a ver
da mais a raiva de Marcus, e assim por diante. padrões de relacionamento requer uma mudan-
Desta maneira, o feedback negativo pretendi- ça radical de perspectiva.
do (choro e castigo) se torna um feedback po- A experiência ensina que o que se mani-
sitivo. Ele amplifica, ao invés de diminuir, o festa como o comportamento de uma pessoa
desvio de Marcus. A família fica presa em um pode ser produto de relacionamentos. O mes-
“descontrole” de feedback positivo, também mo indivíduo pode ser submisso em um relacio-
conhecido como ciclo vicioso, que aumenta até namento e dominante em outro. Como tantas
Marcus fugir de casa. qualidades que atribuímos aos indivíduos, a
Mais tarde, ciberneticistas como Walter submissão é apenas metade de uma equação
Buckley e Ross Ashby reconheceram que os cir- de duas partes. De fato, os terapeutas familia-
cuitos de feedback positivo nem sempre são res empregam vários conceitos para descrever
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como duas pessoas em um relacionamento con- Vamos tomar um exemplo simples. Se


tribuem para o que acontece entre elas, incluin- uma mãe repreende o filho, o marido lhe diz
do ciclos de perseguidor-distanciador, superfun- para não ser tão dura e o menino continua se
cionamento-subfuncionamento, controle-rebel- comportando mal, uma análise sistêmica se
dia, e assim por diante. A vantagem desses con- concentraria nesta seqüência, pois é esta
ceitos é que qualquer uma das partes do rela- interação observável que revela como o siste-
cionamento pode mudar sua participação no ma funciona. Para focar os inputs e outputs,
padrão. Contudo, embora seja relativamente uma análise sistêmica evita perguntar por que
fácil descobrir temas no relacionamento entre os indivíduos fazem o que fazem. A expressão
duas pessoas, é mais difícil enxergar padrões mais radical dessa perspectiva sistêmica foi a
de interação em grupos maiores como famí- metáfora da “caixa-preta”:
lias inteiras. É por isso que os terapeutas fami-
liares passaram a considerar tão útil a teoria A impossibilidade de ver a mente “em ação”
dos sistemas. levou, nos últimos anos, à adoção do conceito
A teoria dos sistemas teve origem na de caixa-preta das telecomunicações [...] apli-
matemática, física e engenharia da década de cado ao fato de que o hardware eletrônico é
1940, quando os teóricos começaram a cons- atualmente tão complexo que às vezes é mais
truir modelos da estrutura e funcionamento de vantajoso desconsiderar a estrutura interna de
um aparelho e se concentrar no estudo de suas
unidades mecânicas e biológicas organizadas.
relações específicas de input-output [...] Esse
O que esses teóricos descobriram foi que coisas conceito, se aplicado aos problemas psicoló-
tão diversas como máquinas simples, aviões a gicos e psiquiátricos, apresenta a vantagem
jato, amebas e o cérebro humano compartilham heurística de não se precisar invocar nenhu-
os atributos de um sistema – isto é, uma mon- ma hipótese intrapsíquica não-verificável e de
tagem organizada de partes que formam um podermos nos limitar às relações de input-out-
todo complexo. Bateson e seus colegas con- put observáveis, isto é, à comunicação (Watz-
sideraram a teoria dos sistemas o veículo per- lawick, Beavin e Jackson, 1967, p. 43-44).
feito para esclarecer as maneiras pelas quais
as famílias funcionavam como unidades or- Ver as pessoas como caixas-pretas pode
ganizadas. parecer a expressão máxima do pensamento
Segundo a teoria dos sistemas, as proprie- mecanicista, mas esta metáfora tem a vanta-
dades essenciais de um organismo, ou siste- gem de simplificar o campo de estudo ao eli-
ma, vivo são propriedades do todo, que nenhu- minar especulações sobre a mente e as emo-
ma das partes tem. Elas surgem das interações ções e se concentrar no input e output das pes-
e relações entre as partes. Essas propriedades soas (comunicação, comportamento).
são destruídas quando o sistema é reduzido a Entre as características dos sistemas per-
elementos isolados. O todo é sempre maior que cebidas pelos primeiros terapeutas familiares,
a soma de suas partes. Assim, sob uma pers- poucas foram mais influentes – ou posterior-
pectiva sistêmica, não faria muito sentido ten- mente mais controversas – do que a homeos-
tar entender o comportamento de uma crian- tase, a auto-regulação que mantém os siste-
ça entrevistando-a sem o restante da família. mas em um estado de equilíbrio dinâmico. A
Embora algumas pessoas usem termos noção de Don Jackson de homeostase fami-
como teoria dos sistemas ou sistêmica para sig- liar enfatizou que a tendência das famílias
nificar pouco mais do que considerar as famílias disfuncionais de resistirem à mudança expli-
como unidades, o sistema na verdade possui cava por que, apesar de esforços heróicos para
algumas propriedades mais específicas e inte- melhorar, tantos pacientes continuavam na
ressantes. Para começar, a mudança de olhar mesma (Jackson, 1959). Hoje, vemos essa ên-
apenas para o indivíduo e passar a considerar fase na homeostase como uma injustiça com
a família como um sistema significa mudar o as famílias, um exagero de suas propriedades
foco dos indivíduos para os padrões de seus conservadoras e uma subestimação de sua fle-
relacionamentos. De uma perspectiva sistê- xibilidade e recursos.
mica, a família é mais que uma coleção de in- Portanto, embora muitos dos conceitos
divíduos – ela é uma rede de relacionamentos. cibernéticos utilizados para descrever as má-
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quinas possam ser estendidos, por analogia, a tema, surge algo novo, como quando a água
sistemas humanos como as famílias, acontece surge da interação do hidrogênio com o oxigê-
que os sistemas vivos não podem ser adequa- nio. Aplicadas à terapia familiar, essas idéias –
damente descritos pelos mesmos princípios dos de que um sistema familiar deve ser visto como
sistemas mecânicos. mais do que apenas uma coleção de indivíduos
e que os terapeutas devem focar as interações
em vez da personalidade – tornaram-se princí-
Teoria geral dos sistemas pios centrais no campo.
Bertalanffy utilizou a metáfora de um or-
Durante os anos de 1940, um biólogo aus- ganismo para os grupos sociais, mas um or-
tríaco, Ludwig von Bertalanffy, tentou combi- ganismo que era um sistema aberto, intera-
nar conceitos do pensamento sistêmico e da gindo continuamente com seu ambiente. Os
biologia em uma teoria universal dos sistemas sistemas abertos, como opostos aos sistemas
vivos – da mente humana à ecoesfera global. fechados (por exemplo, as máquinas), mantêm-
Partindo de investigações do sistema endócrino, se pelo intercâmbio contínuo de recursos com
ele começou a extrapolar para sistemas sociais seu ambiente – por exemplo, inalando oxigê-
mais complexos e desenvolveu um modelo que nio e exalando dióxido de carbono. Outra pro-
passou a ser conhecido como a teoria geral priedade dos sistemas vivos que os mecanicistas
dos sistemas. esqueceram foi que não só reagem aos estímu-
Mark Davidson (1983, p. 26), em sua fas- los como iniciam ativamente esforços para se
cinante biografia Uncommon sense, resumiu a desenvolver. Assim, nas famílias sadias, os pais
definição de sistema de Bertalanffy como: encaram as novas idéias que os filhos trazem
para casa como uma fonte de enriquecimento,
qualquer entidade mantida pela mútua inte- e essas famílias geralmente buscam maneiras
ração de suas partes, do átomo ao cosmo, e de beneficiar e apreciar uns aos outros.
incluindo exemplos mundanos como os siste- Durante toda a sua vida, Bertalanffy foi
mas telefônico, postal e de trânsito rápido. Um um cruzado contra a visão mecanicista dos sis-
sistema bertalanffiano pode ser físico, como temas vivos, em especial daqueles sistemas vi-
um aparelho de televisão, biológico, como um vos chamados pessoas. Ele acreditava que, di-
cocker spaniel, psicológico, como uma perso-
ferentemente das máquinas, os organismos vi-
nalidade, sociológico, como um sindicato, ou
simbólico, como um conjunto de leis [...] Um vos demonstram eqüifinalidade, a capacida-
sistema pode ser composto por sistemas me- de de atingir um objetivo final de maneiras
nores e também pode ser parte de um sistema diversas. (Nos sistemas mecânicos, o estado
mais amplo, exatamente como um estado ou final e os meios para esse estado são fixos.)
província é composto por jurisdições meno- Ele e outros biólogos empregaram esse termo
res e também é parte de uma nação. para identificar a capacidade do organismo
dirigida para o seu interior de proteger ou res-
O último ponto é importante. Todo siste- taurar sua integridade, como acontece no cor-
ma é um subsistema de um sistema maior, mas, po humano, que mobiliza anticorpos e é capaz
quando adotaram a perspectiva sistêmica, os de refazer a pele e os ossos (von Bertalanffy,
terapeutas familiares tendiam a esquecer essa 1950).
rede de influência que se alastra. Eles trata- Assim, os organismos vivos são ativos e
vam a família como um sistema, enquanto ig- criativos. Eles trabalham para manter sua or-
noravam em grande parte os sistemas mais ganização, mas não são motivados unicamen-
amplos da comunidade, cultura e política em te para preservar o status quo. Os terapeutas
que as famílias estão inseridas. familiares desenvolveram o conceito de ho-
Bertalanffy foi o pioneiro da idéia de que meostase, mas, segundo Bertalanffy, uma ên-
um sistema é mais que a soma de suas partes, fase exagerada nesse aspecto conservador do
no mesmo sentido de que um relógio é mais organismo reduziu-o ao nível de uma máqui-
que uma coleção de engrenagens e molas. Não na: “Se [esse] princípio da manutenção da
há nada de místico nisso; acontece apenas que, homeostase for tomado como uma regra de
quando as coisas estão organizadas em um sis- comportamento, o assim chamado indivíduo
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bem-ajustado será [definido] como um robô Muitas dessas questões reaparecerão em


bem-lubrificado” (citado em Davidson, 1983, discussões subseqüentes e por todo o livro.
p. 104).
Embora a homeostase continue sendo um
conceito importante na terapia familiar, sua li- CONSTRUCIONISMO SOCIAL
mitada capacidade de explicar a criatividade
humana foi repetidamente reconhecida por A terapia familiar nasceu em uma época
terapeutas familiares de uma maneira que ecoa em que o paradigma psicanalítico prevalente
as preocupações de Bertalanffy (Hoffman, enfatizava os conflitos inconscientes como a
1981; Speer, 1970; Dell, 1982). Os ciberneti- fonte da infelicidade humana. Para ser efetiva,
cistas tiveram de propor conceitos que soavam a terapia precisava sondar profundamente para
impressionantes, como morfogênese (Speer, descobrir esses conflitos – e esse era um pro-
1970), para explicar o que Bertalanffy acredi- cesso longo e lento. Ao rejeitar esse modelo
tava ser simplesmente uma propriedade natu- mentalista, os terapeutas familiares recorreram
ral dos organismos – procurar a mudança, além a metáforas sistêmicas que focavam o compor-
de resistir a ela. tamento, a interação e o feedback. A teoria dos
Bertalanffy também reconhecia que a sistemas nos ensinou a ver como a vida das
observação tinha efeito sobre o observado. Esse pessoas é moldada por seus intercâmbios com
entendimento reforçou sua convicção de que aquelas que as cercam, mas, ao focar padrões
devemos ser humildes em relação às nossas de interação, a teoria dos sistemas deixou uma
suposições. Um terapeuta bertalanffiano cui- coisa de fora, na verdade, duas: como as cren-
daria para não impor sua perspectiva aos clien- ças dos membros da família afetam suas ações
tes e tentaria compreender suas perspectivas e como as forças culturais determinam essas
em relação aos próprios problemas. Diferente- crenças.
mente de alguns pós-modernistas, que assu-
mem a posição de que, já que não podemos
conhecer a verdade absoluta, não podemos ter Construtivismo
valores sólidos porque nada é melhor do que
qualquer outra coisa, Bertalanffy acreditava O construtivismo capturou a imaginação
que devemos nos preocupar mais, em vez de dos terapeutas familiares na década de 1980,
menos, com nossos valores e suposições, pois quando estudos da função cerebral mostraram
algumas perspectivas são ecologicamente des- que jamais conheceremos o mundo como ele
trutivas. Assim, os terapeutas precisam escru- existe “lá fora”: tudo o que conheceremos é a
tinar suas suposições e as suposições implíci- nossa experiência subjetiva desse mundo. A
tas em suas teorias em termos de seu impacto pesquisa sobre redes neurais (von Foerster,
sobre as famílias e a sociedade. 1981) e os experimentos sobre a visão da rã
Resumindo, Bertalanffy levantou muitas (Maturana e Varela, 1980) indicaram que o cé-
das questões que moldaram e ainda moldam a rebro não processa as imagens literalmente,
terapia familiar: como uma câmera, mas registra a experiência
em padrões organizados pelo sistema nervoso
do observador.1 Nada é percebido diretamen-
• Um sistema como mais do que a soma de te. Tudo é filtrado pela mente do observador.
suas partes. Quando essa nova perspectiva em rela-
• Ênfase na interação dentro de e entre siste- ção ao conhecimento foi transmitida ao cam-
mas versus reducionismo. po da família por Paul Watzlawick (1984), Paul
• Sistemas humanos como organismos eco- Dell (1985) e Lynn Hoffman (1988), o efeito
lógicos versus mecanicismo. foi um grito de alerta – alertando-nos da im-
• Conceito de eqüifinalidade. portância da cognição na vida familiar e des-
• Reatividade homeostática versus atividade truindo a convicção dos terapeutas de que eles
espontânea. podiam ser peritos objetivos.
• Importância de crenças e valores ecologi- O construtivismo é a expressão moder-
camente certos versus ausência de valor. na de uma tradição filosófica que remonta, no
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mínimo, ao século XVIII. Immanuel Kant desencadeou uma mudança fundamental de
(1724-1804), um dos pilares da tradição inte- ênfase. As metáforas sistêmicas focavam a ação;
lectual ocidental, considerava o conhecimento o construtivismo mudou o foco para a explora-
como produto da maneira pela qual nossas ção das suposições que as pessoas têm sobre
imaginações são organizadas. O mundo exte- seus problemas. O significado, em si, tornou-se
rior não se imprime simplesmente na tábula o principal alvo. O objetivo da terapia, antes a
rasa (tela em branco) da nossa mente, como o interrupção de padrões problemáticos de com-
empiricista britânico John Locke (1632-1704) portamento, passou a ser ajudar os clientes a
acreditava. De fato, como Kant argumentou, a descobrir novas perspectivas em sua vida por
nossa mente é tudo, menos vazia. Ela é um meio do processo libertador do diálogo.
filtro ativo através do qual processamos, cate- Na vanguarda deste movimento estavam
gorizamos e interpretamos o mundo. Harry Goolishian e Harlene Anderson, cuja
O construtivismo encontrou seu caminho “abordagem sistêmica colaborativa baseada na
para a psicoterapia na teoria do constructo pes- linguagem” era definida menos pelo que o
soal de George Kelly (1955). Segundo Kelly, terapeuta faz do que por aquilo que ele não
compreendemos o mundo criando nossos pró- faz. Neste modelo, o terapeuta não assume o
prios construtos do ambiente. Interpretamos e papel de perito, não supõe que sabe como a
organizamos os acontecimentos e fazemos pre- família deve mudar e não a empurra em uma
dições que orientam nossas ações com base determinada direção. O papel do terapeuta não
nesses construtos. Você poderia comparar essa é mudar as pessoas, e sim abrir portas para
maneira de interpretar a experiência com ver que elas explorem novos significados em sua
o mundo através de óculos. Já que talvez pre- vida.
cisemos alterar ou descartar construtos, a te-
rapia se torna uma questão de revisar antigos O terapeuta não controla a entrevista ao in-
construtos e desenvolver novos – experimen- fluenciar a conversa em uma determinada di-
tar lentes diferentes para ver quais nos permi- reção, no sentido de conteúdo ou resultado,
tirão navegar pelo mundo de maneira mais nem é responsável pela direção da mudança.
satisfatória. O terapeuta só é responsável por criar um es-
O primeiro exemplo de construtivismo na paço em que possa ocorrer a conversa dialó-
terapia familiar foi a técnica estratégica de gica (Anderson e Goolishian, 1988, p. 385).
reenquadramento – reclassificar comporta-
mentos para modificar a reação da família a eles. O construtivismo nos ensina a olhar além
Os clientes reagirão de forma muito diferente a do comportamento, para a nossa maneira de
uma criança que é vista como “hiperativa” e a perceber, interpretar e construir a nossa expe-
uma criança que é percebida como “mal-com- riência. Em um mundo onde toda verdade é
portada”. Igualmente, os pais desencorajados de relativa, a perspectiva do terapeuta começou
um menino rebelde de 10 anos se sentirão me- a ser vista como se não tivesse maior direito à
lhor se ficarem convencidos de que, em vez de objetividade do que a perspectiva dos clientes.
serem “disciplinadores ineficientes”, eles têm um Assim, o construtivismo diminuiu o status do
“filho oposicionista”. O primeiro diagnóstico terapeuta como uma autoridade objetiva com
sugere que os pais devem ser mais duros, mas conhecimento privilegiado de causa e cura.
também que provavelmente não terão sucesso. Reconhecer que a nossa maneira de per-
O segundo sugere que lidar com uma criança ceber e entender a realidade é uma constru-
difícil pode exigir estratégia. O ponto não é uma ção não significa, evidentemente, que não exis-
descrição ser melhor que a outra, e sim que, se te nada de real lá fora a ser percebido e
o rótulo ou classificação que a família aplica aos compreendido. Paus e pedras podem quebrar
seus problemas leva a estratégias ineficazes de ossos. Além disso, mesmo os mais ardorosos
manejo, talvez um novo rótulo ou classificação construtivistas (por exemplo, Efran, Lukens e
altere seu ponto de vista o suficiente para eliciar Lukens, 1990) nos lembram de que algumas
respostas mais efetivas. construções são mais úteis que outras.
Quando o construtivismo tomou conta da Alguns contestaram a implicação contrá-
terapia familiar em meados da década de 1980, ria do construtivismo – que um terapeuta sem
108 MICHAEL P. NICHOLS

o status de perito é um terapeuta sem influên- de. Provavelmente convém lembrar que mes-
cia. Em sua cuidadosa análise da terapia pós- mo as nossas mais queridas metáforas para a
moderna, Back to reality, Barbara Held (1995, vida familiar – “sistema”, “emaranhamento”,
p. 244) salienta que “certamente existe uma “joguinhos sujos”, “triângulos” e assim por dian-
contradição a ser enfrentada por esses autores te – são simplesmente isto: metáforas. Elas não
quando eles tentam negar ou minimizar a pe- existem em alguma realidade objetiva; são
rícia que eles, aparentemente, também querem construções, algumas mais úteis que outras.
ter – que os terapeutas realmente precisam le- A construção preferida por Anderson e
gitimar sua atividade como uma profissão/dis- Goolishian era que a linguagem cria, mais do
ciplina”. que reflete, a realidade. Certamente não exis-
Um de nós teve sentimentos tão fortes a te nada de novo na descrição da terapia (“a
respeito do que percebeu como a abdicação da cura pela fala”) como diálogo. O novo era a
liderança que decidiu lembrar os terapeutas: elevação da narrativa pessoal ao pináculo do
interesse na terapia familiar – um campo nas-
Serão os terapeutas e os clientes parceiros em cido da descoberta de como o pessoal é mol-
um empreendimento conjunto? Serão eles dado pelo contexto interpessoal.
iguais? Não. Os clientes são, parafraseando Ao enfatizar a perspectiva idiossincrática
George Orwell, “mais iguais” no que se refere do indivíduo, os construtivistas foram acusa-
ao ponto de vista de quem, essencialmente, dos por alguns (por exemplo, Minuchin, 1991)
conta. Os terapeutas são, ou deveriam ser, mais de ignorar o contexto social. Quando esse cu-
iguais no que se refere à formação, perícia e
nho solipsístico foi apontado, os construtivistas
objetividade – e a conduzir o que acontece
durante a hora de terapia. Está certo criticar mais importantes esclareceram sua posição:
o poder – se poder significa dominação e con- quando disseram que a realidade é construída,
trole; não é tão certo abdicar da liderança queriam dizer socialmente construída.
(Nichols, 1993, p. 165).

E mais: A construção social da realidade

Se organizar e atuar como anfitrião de con- O construcionismo social expande o cons-


versas fosse tudo o que um terapeuta faz, ele trutivismo assim como a terapia familiar ex-
deveria ser chamado de mediador, ou o opos- pandiu a psicologia individual. O construtivis-
to de um apresentador de um programa de mo afirma que percebemos o mundo e nos re-
entrevistas na televisão (cujo objetivo é orga- lacionamos com ele baseados em nossas inter-
nizar conversas que seriam desagradáveis e
pretações. O construcionismo social salienta
abusivas). O terapeuta como anfitrião negli-
gencia o papel de professor – um aspecto mui- que essas interpretações são moldadas pelo
to difamado, mas essencial, de qualquer tera- contexto social em que vivemos.
pia transformadora. Os terapeutas ensinam, Se um adolescente de 14 anos desobede-
não dizendo às pessoas como levar sua vida, ce constantemente os pais, um construtivista
mas ajudando-as a aprender alguma coisa so- poderia dizer que o menino acredita que eles
bre si mesmas (Nichols, 1993, p. 164). não merecem seu respeito. Em outras palavras,
as ações do menino não são apenas um produ-
“Dizer às pessoas como levar sua vida” é to dos esforços disciplinares dos pais, mas tam-
exatamente o que preocupava Anderson e bém da sua construção da autoridade dos pais.
Goolishian (1988). O construtivismo era uma Um construcionista social acrescentaria que as
revolta contra um modelo autoritário de tera- atitudes de um adolescente em relação à auto-
pia, contra a imagem do terapeuta como um ridade parental são moldadas não apenas por
intimidador. Anderson e Goolishian preferiam aquilo que acontece na família, mas também
o que chamavam de uma atitude de “não-sa- por mensagens transmitidas pela cultura em
ber”, em que deixavam espaço para as idéias geral.
do cliente. Em vez de abordar as famílias com Na escola e no trabalho, no almoço, em
noções pré-concebidas de estrutura e funcio- conversas telefônicas, no cinema e na televi-
namento, eles manifestavam apenas curiosida- são, absorvemos atitudes e opiniões que carre-
TERAPIA FAMILIAR 109
gamos para dentro da nossa família. A televi- ria perguntar à mulher se ela lembra de alguma
são, para tomar uma influência muito podero- exceção a essa queixa. Talvez ela e o marido
sa sobre o adolescente comum de 14 anos, tor- mantenham conversas razoavelmente boas
nou as crianças de hoje mais sofisticadas e mais quando saem para caminhar ou para jantar.
cínicas. Conforme o estudioso das comunica- Nesse caso, o terapeuta poderia simplesmente
ções Joshua Meyrowitz (1985) argumenta em sugerir que façam isso mais vezes. No Capítulo
No sense of place, as crianças de hoje estão 12, veremos como a terapia focada na solução
expostas aos “bastidores” do mundo adulto, a baseia-se nos insights básicos do construtivismo.
dúvidas e conflitos sob outros aspectos escon- Como seus colegas focados na solução, os
didos, a loucuras e fracassos de modelos adul- praticantes da terapia narrativa criam uma
tos que eles vêem na televisão. Esta desmisti- mudança na experiência dos clientes, ajudan-
ficação diminui a confiança do adolescente em do-os a reexaminar como olham para as coi-
estruturas tradicionais de autoridade. É difícil sas. Ao passo que a terapia focada na solução
manter um ideal de sabedoria adulta quando transfere a atenção dos fracassos atuais para
a sua imagem de uma figura paterna é o Homer os sucessos passados a fim de mobilizar solu-
Simpson. ções comportamentais, o objetivo da terapia
Tanto o construtivismo quanto o constru- narrativa é mais amplo e tem mais a ver com
cionismo social focam a interpretação da ex- atitudes. A técnica decisiva desta abordagem –
periência como uma mediadora do comporta- externalização – envolve uma reconstrução
mento, mas, enquanto os construtivistas enfati- verdadeiramente radical da definição de pro-
zavam a mente subjetiva do indivíduo, os blemas, não como propriedades das pessoas
construcionistas sociais dão maior ênfase à in- que os sofrem, mas como opressores aliení-
terpretação social e à influência intersubjetiva genas. Assim, por exemplo, embora os pais de
da linguagem e da cultura. Segundo o cons- um menino que deixa sempre para depois o
trutivismo, as pessoas têm problemas não ape- tema de casa possam defini-lo como preguiço-
nas por causa das condições objetivas de sua so ou procrastinador, um terapeuta narrativo
vida, mas também por causa da sua interpre- falaria, em vez disso, sobre os momentos em
tação destas condições. O que o construcio- que a “Procrastinação” o vence – e os momen-
nismo social acrescenta é um reconhecimento tos em que “ela” não leva a melhor.
de como esses significados emergem no pro- Observe como a primeira construção – o
cesso de conversar com outras pessoas. menino é um procrastinador – é relativamente
A terapia, então, se torna um processo de determinista, enquanto a última – a procrasti-
desconstrução – de libertar os clientes da tira- nação às vezes leva a melhor – liberta o meni-
nia de crenças arraigadas. Como isso acontece no de uma identidade negativa e transforma a
na prática é ilustrado nas duas versões novas terapia em uma luta pela libertação. Falaremos
mais influentes de terapia familiar: o modelo mais sobre a terapia narrativa e o processo de
focado na solução e a terapia narrativa. externalização no Capítulo 13.
Inerente à maioria das formas de terapia Tanto os terapeutas focados na solução
é a idéia de que, antes de podermos resolver quanto os narrativos assumem um papel ativo
um problema, precisamos entender o que está ao ajudar os clientes a questionar construções
errado. Esta noção parece auto-evidente, mas autoderrotistas. Ambos baseiam-se na premis-
ela é uma construção – apenas uma maneira sa de que desenvolvemos nossas idéias sobre o
de olhar para as coisas. A terapia focada na mundo ao conversar com as pessoas (Gergen,
solução vira essa suposição de cabeça para 1985). Além disso, se algumas dessas idéias
baixo, empregando uma construção totalmen- nos atolam em nossos problemas, perspectivas
te diferente – a saber, que a melhor maneira novas e mais produtivas podem evoluir, de for-
de resolver problemas é descobrir o que as pes- ma útil, dentro de um berço de reconstrução
soas fazem quando não têm o problema. narrativa. Se os problemas são histórias que as
Suponha, por exemplo, que a queixa de pessoas aprenderam a contar a si mesmas,
uma mulher é que o marido jamais conversa desconstruir essas histórias pode ser uma ma-
com ela. Em vez de tentar entender o que está neira efetiva de ajudar as pessoas a aprende-
errado, um terapeuta focado na solução pode- rem a manejar seus problemas.
110 MICHAEL P. NICHOLS

Críticos, nós mesmos incluídos (Nichols Johnson, 2002), em que ajuda a explicar como
e Schwartz, 2001), salientaram que, ao enfa- mesmo os adultos sadios precisam depender
tizar a dimensão cognitiva dos indivíduos e sua um do outro. Nos primeiros anos da terapia
experiência, os construcionistas sociais viraram familiar, o tratamento de casal era uma tera-
as costas a alguns dos insights definidores da pia sem uma teoria. A maioria dos terapeutas
terapia familiar – a saber, que as famílias ope- tratava os casais com os mesmos modelos des-
ram como unidades complexas e que os sinto- tinados às famílias (por exemplo, Bowen,
mas psicológicos geralmente resultam de con- 1978; Haley, 1976; Minuchin, 1974). As ex-
flitos dentro da família. A nossa experiência e ceções foram os comportamentalistas, que su-
a nossa identidade são, parcialmente, constru- geriam que a intimidade era um produto do
ções lingüísticas, mas só parcialmente. Se os reforço, e os psicólogos cognitivos, que suge-
construcionistas sociais tendem a ignorar os riam que, se mudássemos a maneira de o casal
insights da teoria sistêmica e a dar pouca im- pensar e se comunicar, suas emoções acompa-
portância ao conflito familiar, não há nada ine- nhariam essa mudança. Ninguém falava mui-
rente no construcionismo social que torne isso to sobre amor, desejo ou confiança. Dependên-
necessário. Os tipos de interação polarizada cia poderia estar certo para crianças, mas nos
descritos por Bateson, Jackson e Haley há 40 adultos, fomos informados, era um sinal de
anos – em termos como complementar e simé- “emaranhamento”.
trica – podem ser compreendidos como refle- Na terapia de casal com foco emocional,
xos tanto de interações comportamentais quan- Susan Johnson emprega a teoria do apego para
to de construções sociais, em vez de ou uma desconstruir a dinâmica familiar em que um
ou outra. parceiro critica e se queixa enquanto o outro
A psiquiatra italiana Valeria Ugazio (1999) fica defensivo e se afasta. O que a teoria do
descreve como os membros da família diferen- apego sugere é que a crítica e a queixa são um
ciam-se não apenas por suas ações, mas tam- protesto contra a disrupção do laço de apego –
bém pela maneira de falar sobre si mesmos em em outras palavras, o parceiro queixoso pode
polaridades semânticas. Assim, por exemplo, estar mais inseguro do que zangado. Quando
em uma família cuja conversa sobre eles mes- o parceiro inseguro consegue admitir sua vul-
mos e sobre os outros pode ser caracterizada nerabilidade, é mais provável que o outro se
pela polaridade dependência/independência, aproxime para oferecer conforto e reassegu-
as conversas tenderão a ser organizadas em ramento.
torno do medo e da coragem, da necessidade A noção de que os casais lidam um com o
de proteção e do desejo de exploração. Em re- outro de uma maneira que reflete sua história
sultado dessas conversas, os membros dessa de apego pode ser localizada nos estudos pio-
família irão se definir como tímidos e cautelo- neiros de John Bowlby e Mary Ainsworth.
sos ou como ousados e aventureiros. Quando Bowlby graduou-se em Cambridge na
década de 1940, supunha-se que os bebês ape-
gavam-se às mães em conseqüência de serem
TEORIA DO APEGO alimentados. Todavia, Konrad Lorenz (1935)
mostrou que os filhotes de ganso se apegavam
Conforme o campo amadureceu, os tera- a pais que não os alimentavam, e Harry Harlow
peutas familiares demonstraram um renovado (1958) observou que, sob estresse, os filhotes
interesse pela vida interior dos indivíduos que de macaco preferiam não as “mães” de arame,
constituem a família. Atualmente, além das que forneciam alimento, e sim as “mães” de
teorias que nos ajudam a compreender as am- pano acolchoadas, que forneciam um consolo
plas influências sistêmicas sobre o comporta- de contato. Acontece que os bebês humanos,
mento dos membros da família, a teoria do também, apegam-se a pessoas que não os ali-
apego surgiu como um instrumento importan- mentam (Ainsworth, 1967).
te para descrever as raízes mais profundas da Nos anos de 1940 e 1950, alguns estudos
dinâmica dos relacionamentos próximos. descobriram que crianças pequenas separadas
A teoria do apego tem sido especialmente das mães atravessavam uma série de reações
produtiva na terapia de casal (por exemplo, que podem ser descritas como “protesto”, “de-
TERAPIA FAMILIAR 111
sespero” e, finalmente, “desligamento” (por Uma das coisas que distingue a teoria do
exemplo, Burlingham e Freud, 1944; Robertson, apego é ela ter sido extensivamente estudada.
1953). Ao tentar compreender essas reações, Está claro que esse é um traço estável e influen-
Bowlby (1958) concluiu que o vínculo entre te por toda a infância. O tipo de apego demons-
os bebês e os pais baseava-se em um impulso trado aos 12 meses prediz:
biológico para a proximidade, que evoluiu pelo
processo de seleção natural. Quando há peri- 1. o tipo de apego aos 18 meses (Waters,
go ou ameaça, os bebês que permanecem per- 1978; Main e Weston, 1981);
to dos pais correm menor risco de serem mor- 2. a frustrabilidade, a persistência, a coope-
tos por predadores. ratividade e o entusiasmo em tarefas aos
Apego significa buscar proximidade dian- 18 meses (Main, 1977; Matas, Arend e
te do estresse. (Podemos abraçar nosso cober- Stroufe, 1978);
tor, mas ele não nos abraça de volta.) O apego 3. a competência social em pré-escolares
pode ser observado no gesto de se aconchegar (Lieberman, 1977; Easterbrook e Lamb,
ao corpo macio e quente da mãe e ser acon- 1979; Waters, Wippman e Stroufe, 1979)
chegado por ela, olhar em seus olhos e ser olha- 4. a auto-estima, a empatia e a conduta em
do com carinho, e agarrar-se a ela e ser abra- sala de aula (Stroufe, 1979).
çado com firmeza. Essas experiências são pro-
fundamente confortadoras. De fato, a qualidade do relacionamento
Segundo Mary Ainsworth (1967), os be- aos 12 meses é um excelente preditor da qua-
bês usam sua figura de apego (geralmente a lidade do relacionar-se em várias situações até
mãe) como uma base segura para exploração. os 5 anos, com vantagens para o bebê que apre-
Quando um bebê se sente ameaçado, ele re- senta apego seguro comparado ao que apre-
correrá à cuidadora em busca de proteção e senta apego resistente ou esquivo.
conforto. Variações nesse padrão estão eviden- O que não está tão claramente confirma-
tes em duas estratégias de apego inseguro. Na do pela pesquisa é a proposição de que os esti-
estratégia esquiva, o bebê tende a inibir o com- los de apego na infância se correlacionam aos
portamento de apego; na estratégia resistente, estilos de apego em relacionamentos adultos
ele se agarra à mãe e evita a exploração. íntimos. No entanto, a idéia de que o amor
A segurança no relacionamento com uma romântico pode ser conceitualizado como um
figura de apego indica que o bebê é capaz de processo de apego (Hazan e Shaver, 1987) per-
confiar na cuidadora como uma fonte de con- manece uma proposição compelidora, mesmo
forto e proteção. Quando surge uma ameaça, que não comprovada até o momento. A pes-
os bebês em relacionamentos seguros são ca- quisa estabeleceu que os indivíduos ansiosos
pazes de dirigir o “comportamento de apego” nos relacionamentos relatam mais conflitos em
(aproximar-se, chorar, buscar) à cuidadora e suas relações, o que sugere que parte destes
se consolar com o reasseguramento desta. Os conflitos é provocado por inseguranças bási-
bebês com apegos seguros confiam na disponi- cas em relação a amor, perda e abandono. Pes-
bilidade da sua cuidadora e, conseqüentemen- soas ansiosas quanto aos seus relacionamen-
te, confiam em suas interações com o mundo. tos geralmente lidam com o conflito de manei-
Essa confiança não está evidente nos be- ra coercitiva e desconfiada, que tende a pro-
bês com relacionamentos de apego ansiosos. duzir o exato resultado que elas mais temem
Pedidos de atenção podem ter sido recebidos (Feeney, 1995).
com indiferença ou rejeição (Ainsworth, Blehar, Lyman Wynne (1984) estava entre os pri-
Walters e Wall, 1978; Bowlby, 1973). Em re- meiros terapeutas familiares a citar a teoria do
sultado, tais bebês permanecem ansiosos em apego quando descreveu o apego como a prio-
relação à disponibilidade da cuidadora. Além ridade maior no desenvolvimento dos relacio-
disso, Bowlby argumentou que, como as figu- namentos. A teoria do apego é aplicada ao tra-
ras de apego são internalizadas, essas expe- tamento clínico, ligando expressões sintomá-
riências iniciais moldam as expectativas em re- ticas de medo e raiva a perturbações nos
lacionamentos posteriores de amizade, pater- relacionamentos de apego. Os pais podem ser
nidade e amor romântico. ajudados a compreender alguns dos compor-
112 MICHAEL P. NICHOLS

tamentos disruptivos dos filhos como decor- sistemas de crenças, e os terapeutas dirigiram
rentes da ansiedade da criança em relação à suas intervenções a essas crenças subjacentes.
disponibilidade e responsividade dos pais. Os Mais recentemente, os terapeutas perceberam
casais podem ser ajudados a entender os me- que esses sistemas de crenças não surgiam em
dos e as vulnerabilidades de apego por trás de um vácuo, por isso o atual interesse pelas in-
interações raivosas e defensivas (Gottman, fluências culturais.
1994; Johnson, 1996). Os terapeutas familiares, naturalistas no
Os terapeutas podem utilizar a teoria do cenário humano, descobriram como o com-
apego para esclarecer relacionamentos atuais, portamento individual é moldado por transa-
mostrando como o mau comportamento de ções que nem sempre vemos. Os conceitos sis-
uma criança pode refletir um apego inseguro, têmicos – feedback, circularidade, e assim por
ou como a evitação de um marido pode ser diante – foram instrumentos úteis que aju-
devida a um apego ambivalente, ou como a daram a tornar predizíveis interações comple-
animosidade de uma mulher pode ser uma xas. Acompanhando nossa ênfase em como as
expressão de um apego ansioso. Quando os idéias são aplicadas atualmente na prática clí-
terapeutas familiares sentem-se levados a de- nica, agora examinaremos os conceitos de tra-
sempenhar um papel no roteiro familiar, eles balho fundamentais da terapia familiar.
não só devem evitar assumir um papel que fal-
ta na família como também podem utilizar a
teoria do apego para salientar a necessidade OS CONCEITOS DE TRABALHO DA TERAPIA FAMILIAR
de membros da família de serem cuidados e
protegidos. Em vez de ser recrutado para tran- Contexto interpessoal
qüilizar uma criança ansiosa ou consolar um
cônjuge infeliz, o terapeuta pode devolver a A premissa fundamental da terapia fami-
responsabilidade aos pais ou ao parceiro e liar é que as pessoas são produtos de seu con-
incentivá-los a serem menos defensivos e mais texto. Já que poucas pessoas são mais próxi-
carinhosos e apoiadores. mas a nós que nossos pais e parceiros, esta
noção pode ser traduzida na afirmação de que
o nosso comportamento é poderosamente in-
CONCLUSÕES fluenciado pelas interações com outros mem-
bros da família. Assim, a importância do contex-
Depois de ler esta cronologia de como to poderia ser reduzida à importância da famí-
evoluíram as teorias dominantes na terapia lia. Ela pode ser reduzida a isso, mas não deve.
familiar, o leitor pode se sentir esmagado pe- Embora a família imediata geralmente
las muitas mudanças de paradigma que o cam- seja o contexto mais relevante para se com-
po sofreu nas poucas décadas de sua existên- preender o comportamento, nem sempre é as-
cia. Convém salientar um padrão nesta apa- sim. Um universitário deprimido, por exemplo,
rente descontinuidade. O foco da terapia ex- poderia estar mais infeliz com o que acontece
pandiu-se continuamente para níveis de con- em seu dormitório do que com o que acontece
texto cada vez mais amplos. Esse processo co- em casa. Além disso, apesar de os terapeutas
meçou quando os terapeutas olharam além dos familiares focarem primeiro o contexto com-
indivíduos, para as suas famílias. Subitamen- portamental, o ambiente interpessoal também
te, comportamentos inexplicáveis passaram a inclui dimensões cognitivas como expectativas
fazer sentido. Os primeiros terapeutas familia- e suposições, assim como influências de fora
res concentraram-se em avaliar e alterar as da família, na escola, no trabalho, de amigos e
seqüências de interação comportamental que da cultura circundante.
cercavam os problemas. A seguir, reconheceu- A importância clínica do contexto é que
se que essas seqüências eram manifestações de tentativas de tratar os indivíduos com conver-
uma estrutura familiar subjacente, e a estrutu- sas de 50 minutos, uma vez por semana, pode
ra tornou-se o alvo da mudança. Depois, a es- ter menor influência do que suas interações
trutura foi vista como produto de um processo com outras pessoas durante as 167 horas res-
multigeracional de longo prazo, governado por tantes da semana. Positivamente: em geral, a
TERAPIA FAMILIAR 113
maneira mais efetiva de ajudar alguém a re- Se, em vez de esperar que ela se queixe,
solver seus problemas é conversar com ele e John começar a perguntar a ela como se sente,
com outras pessoas importantes em sua vida. Mary sentirá que ele se importa com ela, ou, pe-
lo menos, é provável que sinta isso. A comple-
mentaridade não significa que as pessoas em um
Complementaridade relacionamento se controlam mutuamente, sig-
nifica que elas se influenciam mutuamente.
O Relacionamento de complementa- Um terapeuta pode ajudar os membros
ridade se refere à reciprocidade, que é a carac- da família a ir além do culpar o outro – e da
terística definidora de um relacionamento. Em impotência que acompanha isso –, salientan-
qualquer relacionamento, o comportamento da do a complementaridade de suas ações. “Quan-
pessoa está ligado ao da outra. Você se lembra to mais você se queixar, mais ele vai ignorá-la.
do símbolo para yin e yang, as forças masculi- E quanto mais você ignorá-la, mais ela vai se
na e feminina do universo? Observe como elas queixar.”
são complementares e ocupam um espaço.

Causalidade circular

Antes do advento da terapia familiar, as


explicações da psicopatologia baseavam-se em
modelos lineares: médico, psicodinâmico ou
comportamental. A etiologia era concebida em
termos de acontecimentos anteriores – doen-
ça, conflito emocional ou história de aprendi-
zagem – que causavam sintomas no paciente.
Utilizando o conceito de circularidade, Bateson
ajudou a mudar nossa maneira de pensar so-
bre a psicopatologia, de algo causado por acon-
tecimentos do passado para algo que é parte
de circuitos de feedback contínuos, circulares.
A noção de causalidade linear baseia-se
no modelo newtoniano, no qual o universo é
Os relacionamentos são assim. Se uma como uma mesa de bilhar em que as bolas agem
pessoa muda, o relacionamento muda. Se John unidirecionalmente umas nas outras. Bateson
começa a fazer mais compras no supermerca- acreditava que, embora a causalidade linear
do para abastecer a casa, Mary provavelmente seja útil para descrever o mundo dos objetos,
fará menos compras. é um modelo inadequado para o mundo dos
Os terapeutas familiares devem pensar na seres vivos, porque não consegue explicar a
complementaridade sempre que ouvirem uma comunicação e os relacionamentos.
pessoa se queixar de outra. Tome, por exem- Para ilustrar essa diferença, Bateson
plo, um marido que diz que sua mulher é uma (1979) usou o exemplo de um homem chutan-
resmungona. “Ela está sempre atrás de mim do uma pedra. O efeito de chutar uma pedra
por alguma coisa, está sempre se queixando”. pode ser predito com precisão medindo-se a
Da perspectiva da complementaridade, um força e o ângulo do chute e o peso da pedra. Se
terapeuta familiar suporia que as queixas da o homem chuta um cachorro, por outro lado,
mulher são apenas metade de um padrão de o efeito seria menos previsível. O cachorro
influência mútua. Sempre que uma pessoa é poderia reagir ao chute de várias maneiras –
percebida como resmungona, isso provavel- encolhendo-se, fugindo, mordendo ou tentan-
mente significa que suas preocupações não são do brincar –, dependendo do temperamento
escutadas legitimamente. Não ser escutada faz do cachorro e de como ele interpretou o chu-
com que ela fique zangada e não se sinta apoia- te. Em resposta à reação do cachorro, o ho-
da. Não admira que pareça uma resmungona. mem poderia modificar seu comportamento, e
114 MICHAEL P. NICHOLS

assim por diante, de modo que o número de comporta mal com freqüência é apoiada por
possíveis resultados é ilimitado. um dos pais. Quando uma criança pequena é
As ações do cachorro (morder, por exem- desobediente, isso geralmente significa que os
plo) fazem o circuito de volta e afetam os pró- pais têm conflitos em relação às regras ou à
ximos movimentos do homem (praguejar, por forma de impô-las.
exemplo), o que por sua vez afeta o cachorro, Talvez o pai seja um disciplinador rígido.
e assim por diante. A ação original instiga uma Se for o caso, a esposa talvez sinta que precisa
seqüência circular em que cada ação subse- proteger a filha da dureza do pai e então se
qüente afeta recursivamente o outro. Causa e torne mais uma amiga e aliada da filha do que
efeito lineares são perdidos em um círculo de uma mãe no comando. Alguns pais estão tão
influência mútua. zangados um com o outro que suas discor-
Esta idéia de causalidade circular é imen- dâncias são evidentes, mas muitas são menos
samente útil para os terapeutas, porque tantas evidentes. Seus conflitos são dolorosos, de
famílias chegam procurando “a causa” de seus modo que eles os mantêm para si mesmos. Tal-
problemas e querendo determinar quem é res- vez eles pensem que o terapeuta não tem nada
ponsável. Em vez de se reunir à família em uma a ver com seu relacionamento pessoal, ou tal-
busca lógica, mas improdutiva, de quem come- vez o pai tenha decidido que, se a esposa não
çou o que, a causalidade circular sugere que os gosta do seu jeito de fazer as coisas, “Então ela
problemas são sustentados por uma série contí- que se encarregue!” O ponto é: problemas de
nua de ações e reações. Quem começou? Isso relacionamento em geral são triangulares
raramente é importante. (Bowen, 1978), mesmo que isso nem sempre
esteja aparente.
Um exemplo menos óbvio de complica-
Triângulos ções triangulares costuma ocorrer no caso de
pais divorciados que brigam pelos direitos de
A maioria dos clientes expressa suas preo- visitação. A maioria dos divórcios gera mágoa
cupações em termos lineares. Talvez seja uma e raiva suficientes para criar uma certa animo-
criança de quatro anos “ingovernável”, ou uma sidade inevitável entre os ex-cônjuges. Acres-
ex-esposa que “se recusa a cooperar” nos ar- cente a isso uma dose saudável de culpa paren-
ranjos de visitas aos filhos. Mesmo que essas tal (sentida e projetada), e você terá uma fór-
queixas sugiram que o problema está em um mula para brigas sobre quem fica com as crian-
único indivíduo, a maioria dos terapeutas pen- ças nas férias, de quem é a vez de comprar
saria em procurar questões de relacionamen- tênis novos e quem se atrasou para buscar ou
to. Acontece que as crianças de quatro anos entregar as crianças no último fim de semana.
“ingovernáveis” com freqüência têm pais que Conversar com os ex-cônjuges belicosos pro-
são disciplinadores inefetivos, e ex-esposas vavelmente não adiantará muito para fazer
“pouco razoáveis” provavelmente têm sua pró- com que aceitem que o problema é entre os
pria versão da história. Então o terapeuta, cer- dois. No entanto, mesmo duas pessoas muito
tamente um terapeuta familiar, provavelmen- zangadas uma com a outra acabarão encon-
te iria querer atender a criança de quatro anos trando uma maneira de resolver as coisas – a
junto com os pais e conversar simultaneamen- menos que uma terceira pessoa entre em cena.
te com o pai zangado e com a ex-esposa. O que você supõe que acontecerá se um
Suponhamos que o terapeuta que atende pai divorciado se queixar para a nova namora-
a criança de 4 anos e os pais percebe que o da da “insensatez” da sua ex? O que normal-
problema, realmente, é falta de disciplina. A mente acontece quando uma pessoa se queixa
mãe se queixa de que a menina jamais faz o de outra. A namorada concordará com ele e,
que lhe mandam, o pai concorda com a cabe- provavelmente, o incentivará a ser duro com a
ça, e a criança corre pela sala ignorando os ex-esposa. Enquanto isso, a mãe igualmente
pedidos da mãe para que sente quietinha. Tal- pode ter uma amiga que a estimule a ser mais
vez os pais pudessem receber alguns conselhos agressiva. Assim, em vez de duas pessoas que
sobre como estabelecer limites. Talvez, mas a precisam resolver juntas uma situação, uma ou
experiência ensina que uma criança que se ambas são incentivadas a aumentar o conflito.
TERAPIA FAMILIAR 115
A triangulação tende a estabilizar os re- sa ser feito com relação a isso. Todavia, à me-
lacionamentos – mas também a manter o con- dida que o terapeuta foca exclusivamente o
flito. Todos os problemas de relacionamento conteúdo, ele provavelmente não ajudará a
envolvem terceiras pessoas? Todos não, mas a família a se tornar um sistema com melhor fun-
maioria envolve. cionamento.

Processo/conteúdo Estrutura familiar

Focar o processo de comunicação, ou As interações familiares são previsíveis –


como as pessoas falam, em vez do seu conteú- alguns diriam inflexíveis – por estarem inse-
do, ou sobre o quê elas falam, talvez seja a ridas em estruturas poderosas, mas desperce-
mudança mais produtiva que um terapeuta bidas. Os padrões dinâmicos, como persegui-
familiar pode fazer. Imagine, por exemplo, que dor/distanciador, descrevem o processo da
um terapeuta incentiva uma caloura universi- interação; a estrutura define a organização
tária “de lua” a conversar com os pais. Imagine dentro da qual essas interações ocorrem. Ini-
também que a jovem raramente se expressa cialmente, as interações moldam a estrutura,
em palavras, e sim por um protesto passivo- mas, uma vez estabelecida, a estrutura molda
agressivo, e que os pais, ao contrário, são mui- as interações.
to faladores, sempre prontos a verbalizar suas As famílias, como outros grupos, têm
opiniões. Suponha que a jovem finalmente co- muitas opções de relacionamento. No entan-
mece a expressar seu sentimento de que a fa- to, interações que em algum momento foram
culdade é uma perda de tempo e que os pais livres para variar, muito rapidamente se tor-
contrapõem um argumento sobre a importân- nam regulares e previsíveis. Quando esses pa-
cia de continuar cursando a faculdade. Um drões são estabelecidos, os membros da famí-
terapeuta que fica ansioso com a possibilidade lia usam apenas uma pequena fração do leque
de a jovem de fato largar a faculdade e inter- completo de comportamentos disponíveis para
vém para apoiar o conteúdo da posição dos pais eles (Minuchin e Nichols, 1993). As famílias
perderá a oportunidade de apoiar o processo são estruturadas em subsistemas – determi-
pelo qual a jovem aprende a expor seus senti- nados por geração, gênero e função – demar-
mentos por palavras em vez de por ações cados por fronteiras interpessoais, barreiras
autodestrutivas. invisíveis que regulam a quantidade de conta-
As famílias que buscam tratamento ge- to com os outros (Minuchin, 1974). Como nas
ralmente focam o conteúdo. O marido quer o membranas de células vivas, as fronteiras pro-
divórcio, o filho se recusa a ir à escola, a mu- tegem a condição de estar separada e a auto-
lher está deprimida, e assim por diante. O tera- nomia da família e de seus subsistemas. Ao
peuta familiar conversa com a família sobre o passar um tempo sozinhos um com o outro e
conteúdo de seus problemas, mas pensa sobre ao excluir amigos e família de algumas de suas
o processo pelo qual eles tentam resolver as atividades, o casal estabelece uma fronteira que
questões. Enquanto a família discute o que fa- protege seu relacionamento de intrusões. Mais
zer a respeito da recusa do filho de ir à escola, tarde, se eles casarem e tiverem filhos, essa fron-
o terapeuta observa se os pais parecem estar teira será preservada pela criação de momen-
no comando e se apóiam um ao outro. O tera- tos que passarão juntos, sem os filhos. Se, por
peuta que diz aos pais como resolver o proble- outro lado, o casal incluir os filhos em todas as
ma (fazendo o menino ir à escola) está traba- suas atividades, a fronteira que separa as gera-
lhando com o conteúdo, não com o processo. ções fica tênue, e o relacionamento do casal é
A criança pode começar a ir à escola, mas os sacrificado pela paternidade. Se os pais se en-
pais não terão melhorado seu processo de to- volverem em todas as suas atividades, os filhos
mada de decisão. não desenvolverão autonomia ou iniciativa.
Às vezes, é claro, o conteúdo é importan- A teoria psicanalítica também enfatiza a
te. Se a mulher bebe para afogar suas preocu- necessidade de fronteiras interpessoais. Come-
pações ou o marido molesta a filha, algo preci- çando com “o nascimento psicológico do bebê
116 MICHAEL P. NICHOLS

humano” (Mahler, Pine e Bergman, 1975), os liberdade aos filhos, deveria se perguntar por
psicanalistas descrevem a progressiva separa- que não lhe ocorre desafiar o pai a se envolver
ção e individuação que culmina na resolução na situação.
dos apegos edípicos e, finalmente, na saída de
casa. Esta é uma ênfase unilateral em frontei-
ras mal-definidas. O significado (função) dos sintomas
Os psicanalistas não prestam a atenção
necessária aos problemas do isolamento emo- Quando os terapeutas familiares desco-
cional decorrente de fronteiras rígidas. Essa briram que os sintomas do paciente identifica-
crença na separação como modelo e medida do geralmente tinham uma influência estabili-
da maturidade pode ser um exemplo de psico- zadora na família, chamaram esta influência
logia masculina muito generalizada e não-ques- homeostática de função do sintoma (Jackson,
tionada. O perigo de as pessoas se perderem 1957). Em um artigo seminal, The emotionally
em relacionamentos não é mais real do que o disturbed child as a family scapegoat, Ezra Vogel
perigo de elas se isolarem da intimidade. e Norman Bell (1960) observaram que crian-
O que os terapeutas familiares descobri- ças emocionalmente perturbadas costumam
ram é que surgem problemas quando as fron- estar envolvidas nas tensões entre os pais. Ao
teiras são rígidas ou difusas demais. Frontei- desviar seus conflitos para um dos filhos, os
ras rígidas são demasiado restritivas e permi- pais conseguem manter um relacionamento
tem pouco contato com sistemas externos, o razoavelmente estável, embora o custo para a
que resulta em desvencilhamento. O desven- criança possa ser grande.
cilhamento torna os indivíduos e subsistemas Segundo Vogel e Bell, alguma contingên-
independentes, mas isolados; ele estimula a cia característica da criança pode ser escolhi-
autonomia, mas limita a afeição e o carinho. da como objeto de uma atenção ansiosa, em
Subsistemas emaranhados têm fronteiras um processo que estereotipa a criança como o
difusas; eles transmitem um sentimento maior membro desviante da família. Enquanto os pais
de apoio, mas à custa da independência e da focam sua preocupação na criança, seus con-
autonomia. Pais emaranhados são amorosos e flitos podem ser ignorados.
atentos; todavia, seus filhos tendem a ser de- A idéia de que os sintomas de um mem-
pendentes e podem ter dificuldade para se re- bro da família podem ter uma função homeos-
lacionar com pessoas de fora da família. Pais tática alertou os terapeutas e os fez olhar além
emaranhados respondem rápido demais aos das queixas apresentadas, para os conflitos la-
filhos; pais desvencilhados podem não respon- tentes que poderiam estar por trás. Se uma crian-
der quando necessário. ça tem um problema de comportamento, por
Outro ponto importante sobre as frontei- exemplo, geralmente os pais estão em conflito
ras é que elas são recíprocas. O emaranha- sobre como lidar com ela. Entretanto, isso não
mento de uma mãe com os filhos está direta- é o mesmo que dizer que o mau comportamen-
mente relacionado à distância emocional en- to da criança beneficia a família. O conflito dos
tre ela e o marido. Quanto menos receber do pais pode ser um resultado, e não a causa, dos
marido, mais ela precisará receber dos filhos – problemas da criança. A propósito, repare que
e quanto mais envolvida com os filhos, menos o termo bode expiatório é unilateral e avaliativo.
tempo e energia terá para o marido. Uma conseqüência da suposição de que
Não podemos deixar de observar que es- os sintomas estão a serviço dos propósitos da
ses arranjos estão ligados ao gênero. Isso não família é o estabelecimento de um relaciona-
os torna mais certos ou mais errados, mas deve mento antagonista entre famílias e terapeutas.
nos tornar cautelosos com relação a culpar uma Esse antagonismo é com freqüência reforçado
mãe por expectativas e arranjos culturais que pela tendência de simpatizar com as crianças
perpetuam seu papel como a principal cuida- e ver os pais como opressores. (Não era assim
dora dos filhos (Luepnitz, 1988). O terapeuta que muitos de nós se sentiam enquanto crescía-
que reconhece a natureza normativa da mos?) Não é fácil ser mãe e pai. Ter um filho
síndrome mãe-emaranhada/pai-desvencilha- difícil não facilita nem um pouco as coisas. Se
do, mas coloca na mãe a carga de dar maior os pais têm de lidar com um terapeuta que su-
TERAPIA FAMILIAR 117
põe que eles se beneficiam, de alguma forma, estar decepcionado com sua carreira e decidir
dos problemas da criança, quem poderia culpá- se envolver mais com a família exatamente no
los por apresentarem resistência? momento em que os filhos estão crescendo e
A idéia de que os sintomas têm uma fun- se afastando. Seu desejo de se aproximar pode
ção na família foi desacreditada, e a maioria frustrar a necessidade dos filhos de ficarem
das escolas terapêuticas atualmente defende sozinhos. Citando outro exemplo cada vez mais
um relacionamento colaborativo com os clien- comum, exatamente quando um homem e uma
tes. Entretanto, embora seja um erro supor que mulher começam a se envolver mais como ca-
os sintomas, necessariamente, têm uma função sal depois que os filhos saem de casa, eles se
homeostática para a família, vale a pena con- descobrem novamente vivendo com filhos (fi-
siderar a possibilidade de, em alguns casos, a lhos que largaram a faculdade, não conseguem
depressão da mãe ou a recusa da criança em ir se sustentar ou se recuperam de um divórcio
à escola terem uma função protetora para a precoce). O casal, então, se depara com uma
família. versão desajeitada de uma segunda paternida-
de.
Uma propriedade que as famílias compar-
Ciclo de vida familiar tilham com outros sistemas complexos é que
elas não mudam por um processo suave e gra-
Quando pensamos no ciclo de vida, tende- dual de evolução, e sim por pulos descontínuos.
mos a pensar em indivíduos que se movem no O amor romântico e as revoluções políticas são
decorrer do tempo, dominando os desafios de exemplos desses pulos. Ter um bebê é como se
cada período e, então, avançando para o próxi- apaixonar e viver uma revolução simultanea-
mo. O ciclo da vida humana pode ser ordenado, mente.
mas não é um processo regular, contínuo. Pro- Na década de 1940, os sociólogos Evelyn
gredimos em estágios, com platôs e obstáculos Duvall e Reuben Hill aplicaram uma estrutura
desenvolvimentais que exigem mudanças. Pe- desenvolvimental às famílias, dividindo a vida
ríodos de crescimento e mudança são segui- familiar em estágios distintos, com tarefas a
dos por períodos de relativa estabilidade, du- serem cumpridas em cada estágio (Duvall,
rante os quais as mudanças são consolidadas. 1957; Hill e Rodgers, 1964). As terapeutas de
A idéia de um ciclo de vida familiar adi- família Betty Carter e Monica McGoldrick
ciona dois pontos à nossa compreensão do de- (1980, 1999) enriqueceram essa estrutura
senvolvimento individual: primeiro, as famíli- acrescentando um ponto de vista multigera-
as precisam reorganizar-se para acomodar o cional, reconhecendo padrões culturalmente
crescimento e a mudança de seus membros; diversos e considerando estágios de divórcio e
segundo, desenvolvimentos em qualquer ge- novo casamento (Tabela 4.1).
ração da família podem ter um impacto em um É importante reconhecer que não existe
ou em todos os seus membros. Quando um fi- nenhuma versão padrão do ciclo de vida fami-
lho ingressa na pré-escola ou atinge a puber- liar. Não só as famílias existem em uma varie-
dade, não só a criança precisa aprender a lidar
com uma série de circunstâncias inteiramente
novas, como também toda a família precisa se
reajustar. Além disso, as transições desenvolvi-
mentais que afetam os filhos não são apenas
deles, são também dos pais. Em alguns casos,
até dos avós. A tensão no relacionamento de
um adolescente de 14 anos com os pais pode
ser devida tanto à crise de meia-idade do pai
ou à preocupação da mãe com a aposentado-
O trabalho de Monica
McGoldrick lembra os
ria do próprio pai, quanto algo que o adoles- terapeutas de que as famílias
cente mesmo vivencia. freqüentemente têm dificuldade
Mudanças em uma geração complicam os de lidar com mudanças no
ajustes em outra. Um pai de meia-idade pode ciclo de vida familiar.
118 MICHAEL P. NICHOLS

Tabela 4.1
Os estágios do ciclo de vida familiar

Estágio do ciclo Processo emocional de transição: Mudanças de segunda ordem no status familiar
de vida princípios fundamentais necessárias para o avanço desenvolvimental

Sair de casa: adulto Aceitar a responsabilidade a) Diferenciação do self em relação à família de origem
jovem solteiro emocional e financeira por si b) Desenvolvimento de relacionamentos íntimos com seus
mesmo pares
c) Estabelecimento do self com relação ao trabalho e à
independência financeira

União de famílias pelo Comprometer-se com o novo a) Formação do sistema conjugal


casamento: o novo sistema b) Realinhamento dos relacionamentos com as famílias
casal ampliadas e amigos para incluir o cônjuge

Famílias com filhos Aceitar novos membros no a) Ajustar o sistema conjugal para dar espaço aos filhos
pequenos sistema b) Unir-se na criação dos filhos, nas tarefas financeiras e
nas domésticas
c) Realinhamento dos relacionamentos com a família
ampliada para incluir papéis de pais e avós

Famílias com Aumentar a flexibilidade das a) Mudar relacionamentos pais-filhos para permitir que o
adolescentes fronteiras familiares para adolescente entre e saia do sistema
permitir a independência dos b) Mudar o foco para as questões conjugais e profissionais
filhos e a fragilidade dos avós da meia-idade
c) Começar uma mudança no sentido de cuidar da
geração mais velha

Lançando os filhos e Aceitar um grande número de a) Renegociar o sistema conjugal como uma díade
seguindo em frente saídas e entradas no sistema b) Desenvolvimento de relacionamentos adulto-adulto
familiar c) Realinhamento dos relacionamentos para incluir noras,
genros e netos
d) Lidar com a incapacidade e morte dos pais (avós)

Famílias na vida Aceitar a mudança nos papéis a) Manter o próprio funcionamento e interesses (ou os do
mais tardia geracionais casal) diante do declínio psicológico: explorar novas
opções de papel familiar e social
b) Apoiar um papel mais central da geração intermediária
c) Dar espaço no sistema para a sabedoria e experiência
dos mais velhos, apoiar a geração mais velha sem fazer
demais por ela
d) Lidar com a perda do cônjuge, irmãos e outros iguais e
se preparar para a morte

dade de formas – famílias monoparentais, ca- aprender o que é normal ou esperado em de-
sais do mesmo sexo, famílias de segundo casa- terminados estágios, e sim reconhecer que as
mento – como vários grupos religiosos, cultu- famílias muitas vezes desenvolvem problemas
rais e étnicos podem ter normas completamen- nas transições do ciclo de vida.
te diferentes para diversos estágios. O real va- Os problemas surgem quando a família
lor do conceito de ciclo de vida não é tanto encontra um desafio – ambiental ou desenvolvi-
TERAPIA FAMILIAR 119
mental – e não é capaz de se adaptar às novas fiança. Assim, é possível ver a resistência como
circunstâncias. Assim, os problemas normal- prudência, em vez de como teimosia. Os
mente são vistos não como sinal de uma “famí- terapeutas que reconhecem a função proteto-
lia disfuncional”, mas apenas como sinal de que ra da resistência percebem que é melhor fazer
a família não conseguiu se reajustar a um dos primeiro com que a família se sinta segura o
momentos críticos da vida. Sempre que alguém suficiente para baixar a guarda do que tentar
desenvolve sintomas psicológicos, pense na derrubar as suas defesas de forma sorrateira
possibilidade de a família estar simplesmente ou pela força. Eles tentam criar um ambiente
empacada na transição de um estágio desenvol- terapêutico acolhedor, não-acusatório, que gere
vimental para o próximo. a esperança de solucionar até as questões mais
ameaçadoras.
Ao se imaginar fazendo terapia familiar,
Resistência você talvez se pergunte de que maneira, como
um terapeuta habilidoso e respeitoso, poderia
Já que as famílias geralmente temem o evitar que membros zangados de uma família
que pode acontecer se seus conflitos forem gritassem uns com os outros ou mantivessem
expostos, elas talvez relutem em examinar seus um silêncio gélido enquanto os ponteiros do
problemas mais delicados. Os primeiros tera- relógio avançam. Criar uma atmosfera segura
peutas familiares interpretavam mal a resistên- envolve mais do que apenas estabelecer credi-
cia – medo seria uma palavra melhor – como bilidade e esperança. O terapeuta também pre-
inflexibilidade ou oposição à mudança (ho- cisa mostrar que é capaz de impedir que os
meostase). Mais recentemente, os terapeutas membros da família se machuquem uns aos
reconheceram que todos os sistemas humanos outros, para que saibam que podem deixar cair
relutam em fazer mudanças que percebem sua armadura de proteção sem medo de ata-
como arriscadas. As famílias devem resistir à ques. Nos primeiros anos da terapia familiar,
mudança – mesmo a mudanças que parecem imaginava-se ser necessário empurrar os mem-
benéficas para quem olha de fora – até ficar bros da família para crises emocionais, a fim de
claro que as conseqüências dessas mudanças descongelar seus padrões homeostáticos. Com
são seguras e que o terapeuta é digno de con- o passar do tempo, todavia, os terapeutas per-
ceberam que, embora o conflito seja real e não
deva ser temido – como diz o ditado, “Não se
pode fazer uma omelete sem quebrar ovos” –, a
Estudo de caso mudança ainda é possível quando os membros
da família interagem com respeito e compaixão.
Emily era uma mãe solteira cujas tentativas de disciplinar o É nesses momentos que eles se sentem suficien-
filho eram solapadas pela proteção da avó materna. Emily
temente seguros para serem reais uns com os
evitava enfrentar a mãe por acreditar que isso de nada adian-
taria. Ela achava que, se desafiada, a mãe a apoiaria ainda
outros.
menos e ela se sentiria ainda mais deprimida. Esses medos Uma das características distintivas da te-
não eram irreais. No passado, era exatamente isso que acon- rapia familiar é a sua visão otimista das pessoas.
tecia quando Emily criticava a mãe por alguma coisa. As de- Alguns modelos de terapia familiar supõem que
fesas das pessoas nos parecem pouco razoáveis apenas por- por trás da fortaleza protetora da raiva ou an-
que não enxergamos suas lembranças. siedade está um self central sadio, capaz de
Para que Emily se convencesse a tentar conversar com ser razoável, respeitoso, empático, tolerante e
a mãe sobre seus sentimentos, o terapeuta precisava aumen- disposto a mudar. Quando os membros da fa-
tar sua confiança de que trabalhar com ele melhoraria as coi- mília interagem neste estado, geralmente des-
sas com a mãe. Para conseguir essa credibilidade, o terapeuta cobrem que são capazes de resolver seus pro-
precisava respeitar o ritmo de Emily e reconhecer seus me-
blemas sozinhos. São as suas emoções prote-
dos, em vez de confrontar ou manipular sua resistência. Os
terapeutas encontrarão bem menos resistência se aborda- toras que produzem impasse.
rem a família como parceiros, tentando ajudá-la a identificar Independentemente da técnica do tera-
o que a impede de se relacionar como gostaria, em vez de peuta, o segredo para criar interações produti-
como peritos que dão conselhos e apontam suas falhas. vas, mesmo em sessões acrimoniosas, é a cren-
ça de que esse potencial construtivo existe em
120 MICHAEL P. NICHOLS

todo o mundo. Com essa crença, os terapeutas ciam futuros comportamentos, e assim por
são capazes de assumir um papel colaborativo, diante.
pois acreditam que os clientes possuem os re- O interesse pela narrativa familiar pas-
cursos necessários. Sem essa confiança, o sou a ser identificado com uma escola especí-
terapeuta é empurrado para o papel do perito fica, a terapia narrativa de Michael White, que
que supre os ingredientes ausentes – conselhos, enfatiza o fato de que as famílias com proble-
insight, cuidados parentais, instrução ou me- mas chegam à terapia com narrativas pessimis-
dicação. Isso não quer dizer que o terapeuta tas que tendem a impedir que ajam de forma
familiar que tem essa visão respeitosa das pes- efetiva. Mas uma parte importante do traba-
soas nunca oferece esses ingredientes – ele só lho de qualquer terapeuta é ser sensível à im-
não supõe que sempre sabe o que é melhor. portância das narrativas pessoais. A terapia é
conduzida como um diálogo. Por mais que o
terapeuta esteja interessado no processo da
Narrativas familiares interação ou na estrutura dos relacionamentos
familiares, também precisa aprender a respei-
Os primeiros terapeutas familiares olha- tar a influência de como eles experienciam o
vam além dos indivíduos, para os relaciona- que acontece – incluindo o input do terapeuta.
mentos familiares, a fim de compreender como
os problemas se desenvolveram e foram per-
petuados. Acontece que as ações estão inseridas Gênero
em interações – e, evidentemente, as interações
mais óbvias são comportamentais. Duplos vín- Quando os terapeutas familiares começa-
culos, seqüências que mantêm o problema, ram a aplicar a metáfora dos sistemas – uma
controle aversivo, triângulos, emaranhamento organização de partes mais a maneira de as
e desvencilhamento – esses conceitos todos partes funcionarem juntas –, prestaram mais
focavam o comportamento. Além de serem ato- atenção à maneira pela qual as famílias funcio-
res na vida uns dos outros, os membros da fa- navam do que às suas partes. As famílias eram
mília também são contadores de histórias. compreendidas em termos de abstrações como
Ao reconstruir os acontecimentos de sua “fronteiras”, “triângulos” e “subsistemas paren-
vida em narrativas coerentes, os membros da tais”, e os membros da família eram, às vezes,
família conseguem compreender suas experiên- tratados como engrenagens de uma máquina.
cias (White e Epston, 1990). Assim, não são As “partes” de um sistema familiar nunca dei-
apenas ações e interações que moldam a vida xam de ser seres humanos individuais, mas a
de uma família, mas também as histórias que preocupação com a organização da família ten-
seus membros constroem e contam. Os pais de dia a obscurecer a qualidade de pessoa separa-
uma criança de dois anos de idade que dizem da dos indivíduos que a constituíam, incluindo
a si mesmo que a filha é “do contra” reagirão sua psicodinâmica, psicopatologia, responsa-
de forma muito diferente se comparados aos bilidade pessoal – e gênero.
pais que dizem que sua pequenina é “corajosa”. O senso comum nos diz que o gênero é
As narrativas familiares organizam e ex- um fato da vida. (Embora ninguém deva su-
plicam a experiência. Elas enfatizam certos bestimar a capacidade dos cientistas sociais de
acontecimentos que reforçam a linha da tra- transcender ao senso comum.) Enquanto a so-
ma e deixam de fora outros eventos que não ciedade esperar que os principais cuidados
combinam. É mais provável que os pais que parentais sejam prestados pela mãe, as meni-
vêem a filha de dois anos como “do contra” nas moldarão sua identidade em relação a al-
lembrem mais dos momentos em que ela disse guém com quem elas esperam se parecer, ao
não do que daqueles em que disse sim. As in- passo que os meninos reagirão à sua diferença
terações familiares e sua narrativa dos acon- como um motivo para se separar das mães. O
tecimentos relacionam-se de maneira circular: resultado é o que Nancy Chodorow (1978)
os eventos comportamentais são percebidos e chamou, apropriadamente, de “a reprodução
organizados de forma narrativa; essa narrati- da maternagem”. Tradicionalmente, a mulher
va, por sua vez, cria expectativas que influen- foi criada para ter fronteiras psicológicas mais
TERAPIA FAMILIAR 121
permeáveis, para desenvolver sua identidade Um terapeuta sensível ao gênero também
em termos de conexão, para cultivar sua ca- precisa evitar potenciais desigualdades em al-
pacidade de empatia e para correr um risco gumas das suposições básicas da terapia fami-
maior de perder a si mesma nos relacionamen- liar. A noção de causalidade circular, por exem-
tos. O homem, por outro lado, tende a desen- plo, que aponta os padrões repetitivos de com-
volver fronteiras psicológicas mais rígidas, a portamentos mutuamente reforçadores, quan-
não reconhecer suas necessidades de depen- do aplicada a problemas como espancamento
dência e a temer ser engolfado, e geralmente da mulher, incesto ou alcoolismo, tende a ig-
tem uma dificuldade relativamente maior de norar questões de responsabilidade e faz com
empatizar com os outros. Todos nós conhece- que seja difícil considerar influências externas
mos homens que são amorosos e mulheres que à interação, tais como crenças culturais sobre
não são, mas essas são as exceções que con- comportamentos de gênero apropriados. O
firmam a regra. conceito de neutralidade sugere que todas as
A consciência do gênero e da desigualda- partes do sistema contribuem igualmente para
de de gênero há muito tempo penetrou não seus problemas e, portanto, torna invisíveis as
apenas na terapia familiar, mas em toda a nos- diferenças de poder e de influência entre os
sa cultura. Traduzir essa consciência em uma membros da família. O mesmo vale para a com-
prática clínica concreta, todavia, é complicado plementaridade, a qual sugere que, em relacio-
e controverso. namentos tradicionais entre homens e mulhe-
Há espaço para discordância entre os que res, os papéis são iguais, apesar de diferentes.
lutam para manter uma neutralidade clínica e Conciliar essas contradições nem sempre é fá-
os que acreditam que não erguer questões de cil, mas ignorá-las não é a resposta.
gênero no tratamento – dinheiro, poder, cui-
dado dos filhos, justiça, e assim por diante –
cria o risco de reforçar papéis e arranjos so- Cultura
ciais tradicionais (Walters, Carter, Papp e
Silverstein, 1988). Entretanto, não é possível Entre as influências que moldam o com-
ser um terapeuta justo e efetivo sem ser sensí- portamento da família, poucas são mais po-
vel a como as questões de gênero permeiam a derosas que o contexto cultural. Uma família
vida da família. O terapeuta que ignora o gê- de Porto Rico, por exemplo, pode ter expecta-
nero pode, inadvertidamente, demonstrar me- tivas muito diferentes de lealdade e obrigação
nor interesse e sensibilidade pela carreira de em relação aos filhos adultos se comparada,
uma mulher, supor que os problemas dos fi- digamos, a uma família de classe média de
lhos e os cuidados dos filhos de modo geral Minnesota. Uma razão para os terapeutas se-
são responsabilidade principalmente da mãe, rem sensíveis à diversidade cultural é evitar
ter um duplo padrão para casos extraconjugais impor valores e suposições da maioria a gru-
e esperar – ou pelo menos tolerar – a não-par- pos minoritários. Atualmente existem livros e
ticipação do pai no tratamento da família. artigos excelentes para familiarizar os terapeu-
Se o patriarcado começa em casa, um tas com famílias de origens variadas, inclusive
terapeuta sensível ao gênero precisa reconhe- afro-americanas (Boyd-Franklin, 1989), latinas
cer a importância duradoura das primeiras (Falicov, 1998), haitianas (Bibb e Casimir, 1996),
experiências e fantasias inconscientes. Como ásio-americanas (Lee, 1996) e de zonas urbanas
as crianças reagem aos pais tem importância pobres (Minuchin, Colapinto e Minuchin, 1998),
não apenas para como elas vão se sair, mas tam- para mencionar apenas algumas. Esses textos
bém para os homens e mulheres que se torna- servem de guia para os terapeutas que estão
rão. Quando uma menina ridiculariza sua mãe prestes a se aventurar em territórios relativa-
“detestável”, ela pode, involuntariamente, es- mente desconhecidos, embora a melhor ma-
tar desprezando sua própria condição femini- neira de compreender pessoas de outras cul-
na. Além da identificação com o progenitor do turas seja passar um tempo com elas.
mesmo sexo, o relacionamento da criança com Alguns alunos ficam em dúvida sobre a
o outro progenitor é parte do que programa a diferença entre cultura e etnicidade. Cultura
futura experiência com o sexo oposto. refere-se a padrões comuns de comportamen-
122 MICHAEL P. NICHOLS

to e experiência, derivados dos ambientes em cultura dominante. Além disso, o contexto cul-
que as pessoas vivem. Etnicidade refere-se à tural pode variar entre os membros da família.
genealogia comum pela qual os indivíduos de- Em famílias imigrantes, por exemplo, não é
senvolvem valores e costumes compartilhados – raro haver conflitos entre pais que mantêm um
especialmente nos grupos que não são protes- forte senso de identidade étnica e filhos que
tantes anglo-saxões. Cultura é o termo mais estão mais ansiosos para adotar os costumes
genérico, e nós o escolhemos aqui para enfati- do país hospedeiro. Pais de primeira geração
zar que o contexto cultural é sempre uma ques- podem acusar os filhos de abandonar os anti-
tão, mesmo para as famílias que têm back- gos costumes e desonrar a família, enquanto
grounds semelhantes ao do terapeuta. os filhos podem acusar os pais de estarem pre-
Embora as influências culturais possam sos ao passado. Mais tarde, os filhos dos filhos
ser mais óbvias nas famílias de distinta origem podem resgatar suas raízes e tradições cultu-
estrangeira, é um erro supor que os membros rais.
da mesma cultura necessariamente comparti- O primeiro erro que um terapeuta pode
lham valores e suposições. Um jovem terapeuta cometer ao trabalhar com clientes de diferen-
judeu, por exemplo, poderia ficar surpreso com tes origens é patologizar diferenças culturais.
a atitude desaprovadora de um casal judeu de Embora uma ausência de fronteiras entre uma
meia-idade diante da decisão de seus filhos de família e seus vizinhos e parentes possa pare-
adotar um bebê negro. Só porque um terapeuta cer problemática para um terapeuta branco de
é afro-americano, italiano ou irlandês, isso não classe média, redes familiares mais inclusivas
significa que ele compartilha as mesmas expe- não são atípicas entre as famílias afro-ameri-
riências ou atitudes das famílias de origem se- canas. O segundo erro é pensar que a tarefa
melhante. Cada família é única. do terapeuta é se tornar um especialista nas
Apreciar o contexto cultural das famílias várias culturas com as quais ele trabalha. Em-
é complicado pelo fato de a maioria das famí- bora possa ser útil para o terapeuta familiari-
lias ser influenciada por múltiplos contextos, zar-se com a língua, com os costumes e com os
o que dificulta a generalização. Por exemplo, valores dos grupos mais importantes em sua
conforme salientado por Nancy Boyd-Franklin área de captação, uma atitude de respeito e
(1989), as famílias afro-americanas de classe curiosidade em relação à cultura das pessoas é
média apresentam três culturas. Existem ele- mais útil do que impor estereótipos étnicos ou
mentos culturais com raízes africanas, elemen- supor que você já entende essas pessoas. É im-
tos que são parte da cultura americana domi- portante reconhecer o que você não sabe.
nante e, por fim, as adaptações que as pessoas O terceiro erro que os terapeutas come-
negras precisam fazer diante do racismo da tem ao trabalhar com famílias de outras cultu-

E ntre as famílias latinas, a lealdade


familiar geralmente é uma virtude suprema.
TERAPIA FAMILIAR 123
ras é aceitar como funcional tudo o que se su- REFERÊNCIAS
põe ser uma norma cultural. O bom terapeuta
precisa respeitar os costumes das pessoas sem Ainsworth, M. D. S. 1967. Infancy in Uganda: Infant
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parecem ser contraprodutivos. Embora frontei- Hopkins University Press.
ras fluidas possam ser típicas entre as famílias Ainsworth, M. D. S., Blehar, M. C., Waiters, E., e
urbanas pobres, isso não significa que é inevi- Wall, S.1978. Patterns of attachment: A psychological
tável que essas famílias dependam de vários study of the strange situation. Hillsdale, NJ: Erlbaum.
serviços sociais ou que a equipe presuma que Anderson, H., e Goolishian, H. A. 1988. Human
as necessidades familiares autorizam os pro- systems as linguistic systems: Evolving ideas about
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ser tudo o que realmente precisamos saber se giques et les alterations pathologiques des liquides de
nosso principal interesse na vida é pegar mos- l’organsime. Paris: Balliere.
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