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NICHOLS
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Os conceitos fundamentais
da terapia familiar
A cibernética foi fruto da imaginação do matemático do MIT (Massachussets Institute of Technology) Norbert Wiener
(1948), que desenvolveu o que se tornaria o primeiro modelo de dinâmica familiar em um ambiente muito improvável.
Durante a Segunda Guerra Mundial, Wiener foi solicitado a estudar o problema de como as armas de defesa antiaérea
poderiam derrubar os aviões alemães, que voavam tão rápido que era impossível ajustar as baterias de artilharia com
rapidez suficiente para atingir os alvos. Sua solução foi incorporar um sistema de feedback interno, em vez de confiar
em observadores para reajustar as armas depois de cada erro de alvo.
Gregory Bateson entrou em contato com a cibernética em uma série notável de encontros multidisciplinares,
as conferências Macy, que iniciaram em 1942 (Heins, 1991). Bateson e Wiener travaram uma camaradagem imediata
nesses encontros, e seus diálogos tiveram um profundo impacto sobre Bateson, levando-o a aplicar a teoria dos
sistemas à terapia familiar.
Visto que a cibernética surgiu do estudo das máquinas, em que os circuitos de feedback positivo levavam a
“descontroles” destrutivos, fazendo com que a máquina estragasse, a ênfase foi no feedback negativo e na manuten-
ção da homeostase. O ambiente do sistema mudaria – a temperatura subiria ou baixaria – e esta mudança desencadearia
mecanismos de feedback negativo para reconduzir o sistema à homeostase – o calor aumentaria ou diminuiria. Os
circuitos de feedback negativo controlam tudo, do sistema endócrino ao ecossistema. As espécies animais são equi-
libradas pela morte por inanição e por predadores, quando ocorre uma superpopulação, e por aumento nos índices
de nascimento, quando seu número se reduz demais. Os níveis de açúcar no sangue são equilibrados pelo aumento
da produção de insulina quando sobem demais e pelo aumento do apetite quando baixam demais.
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precipitam a situação temida, o que, por sua ruins: se eles não escapam ao controle, podem
vez, justifica os medos do indivíduo, e assim ajudar o sistema a se ajustar às circunstâncias
por diante. Outro exemplo de feedback positi- modificadas. A família de Marcus precisaria
vo é o “efeito modismo” – a tendência de uma recalibrar suas regras relativas à raiva, para
causa de ganhar apoio simplesmente devido acomodar a assertividade aumentada de um
ao crescente número de adeptos. Podemos pen- adolescente. A crise que esse circuito de feedback
sar em algumas modas passageiras e um bom positivo produziu poderia levar ao reexame das
número de grupos de música pop que devem regras familiares, se a família conseguisse sair
muito de sua popularidade ao modismo. do circuito o tempo necessário para obter cer-
Como exemplo de uma profecia autocum- ta perspectiva. Ao fazer isso, eles estariam fa-
pridora, imagine uma jovem terapeuta que es- zendo uso da metacomunicação, comunican-
pera que os homens não se envolvam na vida do-se a respeito de sua maneira de se comuni-
familiar. Ela acredita que o pai deveria desem- car, um processo que pode levar a uma mu-
penhar um papel ativo na vida dos filhos, mas dança nas regras do sistema (Bateson, 1956).
sua experiência a ensinou a não esperar muito Como já deve estar claro, os ciberneticis-
dos homens. Suponha que ela está tentando tas familiares focaram os circuitos de feedback
agendar uma consulta familiar e a mãe diz que dentro das famílias, também conhecidos como
o marido não poderá estar presente. Como a padrões de comunicação, enquanto a fonte fun-
nossa terapeuta hipotética provavelmente res- damental de disfunção familiar. Por isso, os
ponderá? Ela poderia aceitar ao pé da letra a teóricos da família mais influenciados pela ci-
declaração da mãe e, assim, entrar em um con- bernética passaram a ser conhecidos como a
luio para garantir exatamente o que esperava. escola das comunicações (ver Capítulos 3 e 6).
Ao contrário, ela poderia objetar agressivamen- Comunicações falhas ou pouco claras resultam
te à afirmação da mãe, deslocando assim para em um feedback inadequado ou incompleto, de
o relacionamento com a mãe a sua atitude em modo que o sistema não consegue se autocorri-
relação aos homens – ou empurrando a mãe gir (mudar suas regras) e, conseqüentemente,
para uma posição antagonista em relação ao reage à mudança de modo exagerado ou insu-
marido. ficiente.
Passando a um exemplo familiar, em uma
família com baixo limiar para a expressão da
raiva, Marcus, o filho adolescente, explode com TEORIA DOS SISTEMAS
os pais diante de sua insistência para que ele
esteja em casa antes da meia-noite. A mãe fica O maior desafio enfrentado por aqueles
chocada com sua explosão de raiva e começa a que tratam famílias é enxergar além das per-
chorar. O pai responde deixando Marcus de sonalidades e perceber os padrões de influên-
castigo por um mês. Ao invés de reduzir o des- cia que determinam o comportamento dos mem-
vio de Marcus – fazendo sua raiva voltar para bros da família. Estamos tão acostumados a ver
os limites homeostáticos –, este feedback nega- o que acontece nas famílias como produto de
tivo produz o efeito oposto: Marcus explode e qualidades individuais, como egoísmo, gene-
desafia a autoridade deles. Os pais respondem rosidade, rebeldia, passividade, tolerância, sub-
com mais choro e castigos, o que aumenta ain- missão e assim por diante, que aprender a ver
da mais a raiva de Marcus, e assim por diante. padrões de relacionamento requer uma mudan-
Desta maneira, o feedback negativo pretendi- ça radical de perspectiva.
do (choro e castigo) se torna um feedback po- A experiência ensina que o que se mani-
sitivo. Ele amplifica, ao invés de diminuir, o festa como o comportamento de uma pessoa
desvio de Marcus. A família fica presa em um pode ser produto de relacionamentos. O mes-
“descontrole” de feedback positivo, também mo indivíduo pode ser submisso em um relacio-
conhecido como ciclo vicioso, que aumenta até namento e dominante em outro. Como tantas
Marcus fugir de casa. qualidades que atribuímos aos indivíduos, a
Mais tarde, ciberneticistas como Walter submissão é apenas metade de uma equação
Buckley e Ross Ashby reconheceram que os cir- de duas partes. De fato, os terapeutas familia-
cuitos de feedback positivo nem sempre são res empregam vários conceitos para descrever
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o status de perito é um terapeuta sem influên- de. Provavelmente convém lembrar que mes-
cia. Em sua cuidadosa análise da terapia pós- mo as nossas mais queridas metáforas para a
moderna, Back to reality, Barbara Held (1995, vida familiar – “sistema”, “emaranhamento”,
p. 244) salienta que “certamente existe uma “joguinhos sujos”, “triângulos” e assim por dian-
contradição a ser enfrentada por esses autores te – são simplesmente isto: metáforas. Elas não
quando eles tentam negar ou minimizar a pe- existem em alguma realidade objetiva; são
rícia que eles, aparentemente, também querem construções, algumas mais úteis que outras.
ter – que os terapeutas realmente precisam le- A construção preferida por Anderson e
gitimar sua atividade como uma profissão/dis- Goolishian era que a linguagem cria, mais do
ciplina”. que reflete, a realidade. Certamente não exis-
Um de nós teve sentimentos tão fortes a te nada de novo na descrição da terapia (“a
respeito do que percebeu como a abdicação da cura pela fala”) como diálogo. O novo era a
liderança que decidiu lembrar os terapeutas: elevação da narrativa pessoal ao pináculo do
interesse na terapia familiar – um campo nas-
Serão os terapeutas e os clientes parceiros em cido da descoberta de como o pessoal é mol-
um empreendimento conjunto? Serão eles dado pelo contexto interpessoal.
iguais? Não. Os clientes são, parafraseando Ao enfatizar a perspectiva idiossincrática
George Orwell, “mais iguais” no que se refere do indivíduo, os construtivistas foram acusa-
ao ponto de vista de quem, essencialmente, dos por alguns (por exemplo, Minuchin, 1991)
conta. Os terapeutas são, ou deveriam ser, mais de ignorar o contexto social. Quando esse cu-
iguais no que se refere à formação, perícia e
nho solipsístico foi apontado, os construtivistas
objetividade – e a conduzir o que acontece
durante a hora de terapia. Está certo criticar mais importantes esclareceram sua posição:
o poder – se poder significa dominação e con- quando disseram que a realidade é construída,
trole; não é tão certo abdicar da liderança queriam dizer socialmente construída.
(Nichols, 1993, p. 165).
Críticos, nós mesmos incluídos (Nichols Johnson, 2002), em que ajuda a explicar como
e Schwartz, 2001), salientaram que, ao enfa- mesmo os adultos sadios precisam depender
tizar a dimensão cognitiva dos indivíduos e sua um do outro. Nos primeiros anos da terapia
experiência, os construcionistas sociais viraram familiar, o tratamento de casal era uma tera-
as costas a alguns dos insights definidores da pia sem uma teoria. A maioria dos terapeutas
terapia familiar – a saber, que as famílias ope- tratava os casais com os mesmos modelos des-
ram como unidades complexas e que os sinto- tinados às famílias (por exemplo, Bowen,
mas psicológicos geralmente resultam de con- 1978; Haley, 1976; Minuchin, 1974). As ex-
flitos dentro da família. A nossa experiência e ceções foram os comportamentalistas, que su-
a nossa identidade são, parcialmente, constru- geriam que a intimidade era um produto do
ções lingüísticas, mas só parcialmente. Se os reforço, e os psicólogos cognitivos, que suge-
construcionistas sociais tendem a ignorar os riam que, se mudássemos a maneira de o casal
insights da teoria sistêmica e a dar pouca im- pensar e se comunicar, suas emoções acompa-
portância ao conflito familiar, não há nada ine- nhariam essa mudança. Ninguém falava mui-
rente no construcionismo social que torne isso to sobre amor, desejo ou confiança. Dependên-
necessário. Os tipos de interação polarizada cia poderia estar certo para crianças, mas nos
descritos por Bateson, Jackson e Haley há 40 adultos, fomos informados, era um sinal de
anos – em termos como complementar e simé- “emaranhamento”.
trica – podem ser compreendidos como refle- Na terapia de casal com foco emocional,
xos tanto de interações comportamentais quan- Susan Johnson emprega a teoria do apego para
to de construções sociais, em vez de ou uma desconstruir a dinâmica familiar em que um
ou outra. parceiro critica e se queixa enquanto o outro
A psiquiatra italiana Valeria Ugazio (1999) fica defensivo e se afasta. O que a teoria do
descreve como os membros da família diferen- apego sugere é que a crítica e a queixa são um
ciam-se não apenas por suas ações, mas tam- protesto contra a disrupção do laço de apego –
bém pela maneira de falar sobre si mesmos em em outras palavras, o parceiro queixoso pode
polaridades semânticas. Assim, por exemplo, estar mais inseguro do que zangado. Quando
em uma família cuja conversa sobre eles mes- o parceiro inseguro consegue admitir sua vul-
mos e sobre os outros pode ser caracterizada nerabilidade, é mais provável que o outro se
pela polaridade dependência/independência, aproxime para oferecer conforto e reassegu-
as conversas tenderão a ser organizadas em ramento.
torno do medo e da coragem, da necessidade A noção de que os casais lidam um com o
de proteção e do desejo de exploração. Em re- outro de uma maneira que reflete sua história
sultado dessas conversas, os membros dessa de apego pode ser localizada nos estudos pio-
família irão se definir como tímidos e cautelo- neiros de John Bowlby e Mary Ainsworth.
sos ou como ousados e aventureiros. Quando Bowlby graduou-se em Cambridge na
década de 1940, supunha-se que os bebês ape-
gavam-se às mães em conseqüência de serem
TEORIA DO APEGO alimentados. Todavia, Konrad Lorenz (1935)
mostrou que os filhotes de ganso se apegavam
Conforme o campo amadureceu, os tera- a pais que não os alimentavam, e Harry Harlow
peutas familiares demonstraram um renovado (1958) observou que, sob estresse, os filhotes
interesse pela vida interior dos indivíduos que de macaco preferiam não as “mães” de arame,
constituem a família. Atualmente, além das que forneciam alimento, e sim as “mães” de
teorias que nos ajudam a compreender as am- pano acolchoadas, que forneciam um consolo
plas influências sistêmicas sobre o comporta- de contato. Acontece que os bebês humanos,
mento dos membros da família, a teoria do também, apegam-se a pessoas que não os ali-
apego surgiu como um instrumento importan- mentam (Ainsworth, 1967).
te para descrever as raízes mais profundas da Nos anos de 1940 e 1950, alguns estudos
dinâmica dos relacionamentos próximos. descobriram que crianças pequenas separadas
A teoria do apego tem sido especialmente das mães atravessavam uma série de reações
produtiva na terapia de casal (por exemplo, que podem ser descritas como “protesto”, “de-
TERAPIA FAMILIAR 111
sespero” e, finalmente, “desligamento” (por Uma das coisas que distingue a teoria do
exemplo, Burlingham e Freud, 1944; Robertson, apego é ela ter sido extensivamente estudada.
1953). Ao tentar compreender essas reações, Está claro que esse é um traço estável e influen-
Bowlby (1958) concluiu que o vínculo entre te por toda a infância. O tipo de apego demons-
os bebês e os pais baseava-se em um impulso trado aos 12 meses prediz:
biológico para a proximidade, que evoluiu pelo
processo de seleção natural. Quando há peri- 1. o tipo de apego aos 18 meses (Waters,
go ou ameaça, os bebês que permanecem per- 1978; Main e Weston, 1981);
to dos pais correm menor risco de serem mor- 2. a frustrabilidade, a persistência, a coope-
tos por predadores. ratividade e o entusiasmo em tarefas aos
Apego significa buscar proximidade dian- 18 meses (Main, 1977; Matas, Arend e
te do estresse. (Podemos abraçar nosso cober- Stroufe, 1978);
tor, mas ele não nos abraça de volta.) O apego 3. a competência social em pré-escolares
pode ser observado no gesto de se aconchegar (Lieberman, 1977; Easterbrook e Lamb,
ao corpo macio e quente da mãe e ser acon- 1979; Waters, Wippman e Stroufe, 1979)
chegado por ela, olhar em seus olhos e ser olha- 4. a auto-estima, a empatia e a conduta em
do com carinho, e agarrar-se a ela e ser abra- sala de aula (Stroufe, 1979).
çado com firmeza. Essas experiências são pro-
fundamente confortadoras. De fato, a qualidade do relacionamento
Segundo Mary Ainsworth (1967), os be- aos 12 meses é um excelente preditor da qua-
bês usam sua figura de apego (geralmente a lidade do relacionar-se em várias situações até
mãe) como uma base segura para exploração. os 5 anos, com vantagens para o bebê que apre-
Quando um bebê se sente ameaçado, ele re- senta apego seguro comparado ao que apre-
correrá à cuidadora em busca de proteção e senta apego resistente ou esquivo.
conforto. Variações nesse padrão estão eviden- O que não está tão claramente confirma-
tes em duas estratégias de apego inseguro. Na do pela pesquisa é a proposição de que os esti-
estratégia esquiva, o bebê tende a inibir o com- los de apego na infância se correlacionam aos
portamento de apego; na estratégia resistente, estilos de apego em relacionamentos adultos
ele se agarra à mãe e evita a exploração. íntimos. No entanto, a idéia de que o amor
A segurança no relacionamento com uma romântico pode ser conceitualizado como um
figura de apego indica que o bebê é capaz de processo de apego (Hazan e Shaver, 1987) per-
confiar na cuidadora como uma fonte de con- manece uma proposição compelidora, mesmo
forto e proteção. Quando surge uma ameaça, que não comprovada até o momento. A pes-
os bebês em relacionamentos seguros são ca- quisa estabeleceu que os indivíduos ansiosos
pazes de dirigir o “comportamento de apego” nos relacionamentos relatam mais conflitos em
(aproximar-se, chorar, buscar) à cuidadora e suas relações, o que sugere que parte destes
se consolar com o reasseguramento desta. Os conflitos é provocado por inseguranças bási-
bebês com apegos seguros confiam na disponi- cas em relação a amor, perda e abandono. Pes-
bilidade da sua cuidadora e, conseqüentemen- soas ansiosas quanto aos seus relacionamen-
te, confiam em suas interações com o mundo. tos geralmente lidam com o conflito de manei-
Essa confiança não está evidente nos be- ra coercitiva e desconfiada, que tende a pro-
bês com relacionamentos de apego ansiosos. duzir o exato resultado que elas mais temem
Pedidos de atenção podem ter sido recebidos (Feeney, 1995).
com indiferença ou rejeição (Ainsworth, Blehar, Lyman Wynne (1984) estava entre os pri-
Walters e Wall, 1978; Bowlby, 1973). Em re- meiros terapeutas familiares a citar a teoria do
sultado, tais bebês permanecem ansiosos em apego quando descreveu o apego como a prio-
relação à disponibilidade da cuidadora. Além ridade maior no desenvolvimento dos relacio-
disso, Bowlby argumentou que, como as figu- namentos. A teoria do apego é aplicada ao tra-
ras de apego são internalizadas, essas expe- tamento clínico, ligando expressões sintomá-
riências iniciais moldam as expectativas em re- ticas de medo e raiva a perturbações nos
lacionamentos posteriores de amizade, pater- relacionamentos de apego. Os pais podem ser
nidade e amor romântico. ajudados a compreender alguns dos compor-
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tamentos disruptivos dos filhos como decor- sistemas de crenças, e os terapeutas dirigiram
rentes da ansiedade da criança em relação à suas intervenções a essas crenças subjacentes.
disponibilidade e responsividade dos pais. Os Mais recentemente, os terapeutas perceberam
casais podem ser ajudados a entender os me- que esses sistemas de crenças não surgiam em
dos e as vulnerabilidades de apego por trás de um vácuo, por isso o atual interesse pelas in-
interações raivosas e defensivas (Gottman, fluências culturais.
1994; Johnson, 1996). Os terapeutas familiares, naturalistas no
Os terapeutas podem utilizar a teoria do cenário humano, descobriram como o com-
apego para esclarecer relacionamentos atuais, portamento individual é moldado por transa-
mostrando como o mau comportamento de ções que nem sempre vemos. Os conceitos sis-
uma criança pode refletir um apego inseguro, têmicos – feedback, circularidade, e assim por
ou como a evitação de um marido pode ser diante – foram instrumentos úteis que aju-
devida a um apego ambivalente, ou como a daram a tornar predizíveis interações comple-
animosidade de uma mulher pode ser uma xas. Acompanhando nossa ênfase em como as
expressão de um apego ansioso. Quando os idéias são aplicadas atualmente na prática clí-
terapeutas familiares sentem-se levados a de- nica, agora examinaremos os conceitos de tra-
sempenhar um papel no roteiro familiar, eles balho fundamentais da terapia familiar.
não só devem evitar assumir um papel que fal-
ta na família como também podem utilizar a
teoria do apego para salientar a necessidade OS CONCEITOS DE TRABALHO DA TERAPIA FAMILIAR
de membros da família de serem cuidados e
protegidos. Em vez de ser recrutado para tran- Contexto interpessoal
qüilizar uma criança ansiosa ou consolar um
cônjuge infeliz, o terapeuta pode devolver a A premissa fundamental da terapia fami-
responsabilidade aos pais ou ao parceiro e liar é que as pessoas são produtos de seu con-
incentivá-los a serem menos defensivos e mais texto. Já que poucas pessoas são mais próxi-
carinhosos e apoiadores. mas a nós que nossos pais e parceiros, esta
noção pode ser traduzida na afirmação de que
o nosso comportamento é poderosamente in-
CONCLUSÕES fluenciado pelas interações com outros mem-
bros da família. Assim, a importância do contex-
Depois de ler esta cronologia de como to poderia ser reduzida à importância da famí-
evoluíram as teorias dominantes na terapia lia. Ela pode ser reduzida a isso, mas não deve.
familiar, o leitor pode se sentir esmagado pe- Embora a família imediata geralmente
las muitas mudanças de paradigma que o cam- seja o contexto mais relevante para se com-
po sofreu nas poucas décadas de sua existên- preender o comportamento, nem sempre é as-
cia. Convém salientar um padrão nesta apa- sim. Um universitário deprimido, por exemplo,
rente descontinuidade. O foco da terapia ex- poderia estar mais infeliz com o que acontece
pandiu-se continuamente para níveis de con- em seu dormitório do que com o que acontece
texto cada vez mais amplos. Esse processo co- em casa. Além disso, apesar de os terapeutas
meçou quando os terapeutas olharam além dos familiares focarem primeiro o contexto com-
indivíduos, para as suas famílias. Subitamen- portamental, o ambiente interpessoal também
te, comportamentos inexplicáveis passaram a inclui dimensões cognitivas como expectativas
fazer sentido. Os primeiros terapeutas familia- e suposições, assim como influências de fora
res concentraram-se em avaliar e alterar as da família, na escola, no trabalho, de amigos e
seqüências de interação comportamental que da cultura circundante.
cercavam os problemas. A seguir, reconheceu- A importância clínica do contexto é que
se que essas seqüências eram manifestações de tentativas de tratar os indivíduos com conver-
uma estrutura familiar subjacente, e a estrutu- sas de 50 minutos, uma vez por semana, pode
ra tornou-se o alvo da mudança. Depois, a es- ter menor influência do que suas interações
trutura foi vista como produto de um processo com outras pessoas durante as 167 horas res-
multigeracional de longo prazo, governado por tantes da semana. Positivamente: em geral, a
TERAPIA FAMILIAR 113
maneira mais efetiva de ajudar alguém a re- Se, em vez de esperar que ela se queixe,
solver seus problemas é conversar com ele e John começar a perguntar a ela como se sente,
com outras pessoas importantes em sua vida. Mary sentirá que ele se importa com ela, ou, pe-
lo menos, é provável que sinta isso. A comple-
mentaridade não significa que as pessoas em um
Complementaridade relacionamento se controlam mutuamente, sig-
nifica que elas se influenciam mutuamente.
O Relacionamento de complementa- Um terapeuta pode ajudar os membros
ridade se refere à reciprocidade, que é a carac- da família a ir além do culpar o outro – e da
terística definidora de um relacionamento. Em impotência que acompanha isso –, salientan-
qualquer relacionamento, o comportamento da do a complementaridade de suas ações. “Quan-
pessoa está ligado ao da outra. Você se lembra to mais você se queixar, mais ele vai ignorá-la.
do símbolo para yin e yang, as forças masculi- E quanto mais você ignorá-la, mais ela vai se
na e feminina do universo? Observe como elas queixar.”
são complementares e ocupam um espaço.
Causalidade circular
assim por diante, de modo que o número de comporta mal com freqüência é apoiada por
possíveis resultados é ilimitado. um dos pais. Quando uma criança pequena é
As ações do cachorro (morder, por exem- desobediente, isso geralmente significa que os
plo) fazem o circuito de volta e afetam os pró- pais têm conflitos em relação às regras ou à
ximos movimentos do homem (praguejar, por forma de impô-las.
exemplo), o que por sua vez afeta o cachorro, Talvez o pai seja um disciplinador rígido.
e assim por diante. A ação original instiga uma Se for o caso, a esposa talvez sinta que precisa
seqüência circular em que cada ação subse- proteger a filha da dureza do pai e então se
qüente afeta recursivamente o outro. Causa e torne mais uma amiga e aliada da filha do que
efeito lineares são perdidos em um círculo de uma mãe no comando. Alguns pais estão tão
influência mútua. zangados um com o outro que suas discor-
Esta idéia de causalidade circular é imen- dâncias são evidentes, mas muitas são menos
samente útil para os terapeutas, porque tantas evidentes. Seus conflitos são dolorosos, de
famílias chegam procurando “a causa” de seus modo que eles os mantêm para si mesmos. Tal-
problemas e querendo determinar quem é res- vez eles pensem que o terapeuta não tem nada
ponsável. Em vez de se reunir à família em uma a ver com seu relacionamento pessoal, ou tal-
busca lógica, mas improdutiva, de quem come- vez o pai tenha decidido que, se a esposa não
çou o que, a causalidade circular sugere que os gosta do seu jeito de fazer as coisas, “Então ela
problemas são sustentados por uma série contí- que se encarregue!” O ponto é: problemas de
nua de ações e reações. Quem começou? Isso relacionamento em geral são triangulares
raramente é importante. (Bowen, 1978), mesmo que isso nem sempre
esteja aparente.
Um exemplo menos óbvio de complica-
Triângulos ções triangulares costuma ocorrer no caso de
pais divorciados que brigam pelos direitos de
A maioria dos clientes expressa suas preo- visitação. A maioria dos divórcios gera mágoa
cupações em termos lineares. Talvez seja uma e raiva suficientes para criar uma certa animo-
criança de quatro anos “ingovernável”, ou uma sidade inevitável entre os ex-cônjuges. Acres-
ex-esposa que “se recusa a cooperar” nos ar- cente a isso uma dose saudável de culpa paren-
ranjos de visitas aos filhos. Mesmo que essas tal (sentida e projetada), e você terá uma fór-
queixas sugiram que o problema está em um mula para brigas sobre quem fica com as crian-
único indivíduo, a maioria dos terapeutas pen- ças nas férias, de quem é a vez de comprar
saria em procurar questões de relacionamen- tênis novos e quem se atrasou para buscar ou
to. Acontece que as crianças de quatro anos entregar as crianças no último fim de semana.
“ingovernáveis” com freqüência têm pais que Conversar com os ex-cônjuges belicosos pro-
são disciplinadores inefetivos, e ex-esposas vavelmente não adiantará muito para fazer
“pouco razoáveis” provavelmente têm sua pró- com que aceitem que o problema é entre os
pria versão da história. Então o terapeuta, cer- dois. No entanto, mesmo duas pessoas muito
tamente um terapeuta familiar, provavelmen- zangadas uma com a outra acabarão encon-
te iria querer atender a criança de quatro anos trando uma maneira de resolver as coisas – a
junto com os pais e conversar simultaneamen- menos que uma terceira pessoa entre em cena.
te com o pai zangado e com a ex-esposa. O que você supõe que acontecerá se um
Suponhamos que o terapeuta que atende pai divorciado se queixar para a nova namora-
a criança de 4 anos e os pais percebe que o da da “insensatez” da sua ex? O que normal-
problema, realmente, é falta de disciplina. A mente acontece quando uma pessoa se queixa
mãe se queixa de que a menina jamais faz o de outra. A namorada concordará com ele e,
que lhe mandam, o pai concorda com a cabe- provavelmente, o incentivará a ser duro com a
ça, e a criança corre pela sala ignorando os ex-esposa. Enquanto isso, a mãe igualmente
pedidos da mãe para que sente quietinha. Tal- pode ter uma amiga que a estimule a ser mais
vez os pais pudessem receber alguns conselhos agressiva. Assim, em vez de duas pessoas que
sobre como estabelecer limites. Talvez, mas a precisam resolver juntas uma situação, uma ou
experiência ensina que uma criança que se ambas são incentivadas a aumentar o conflito.
TERAPIA FAMILIAR 115
A triangulação tende a estabilizar os re- sa ser feito com relação a isso. Todavia, à me-
lacionamentos – mas também a manter o con- dida que o terapeuta foca exclusivamente o
flito. Todos os problemas de relacionamento conteúdo, ele provavelmente não ajudará a
envolvem terceiras pessoas? Todos não, mas a família a se tornar um sistema com melhor fun-
maioria envolve. cionamento.
humano” (Mahler, Pine e Bergman, 1975), os liberdade aos filhos, deveria se perguntar por
psicanalistas descrevem a progressiva separa- que não lhe ocorre desafiar o pai a se envolver
ção e individuação que culmina na resolução na situação.
dos apegos edípicos e, finalmente, na saída de
casa. Esta é uma ênfase unilateral em frontei-
ras mal-definidas. O significado (função) dos sintomas
Os psicanalistas não prestam a atenção
necessária aos problemas do isolamento emo- Quando os terapeutas familiares desco-
cional decorrente de fronteiras rígidas. Essa briram que os sintomas do paciente identifica-
crença na separação como modelo e medida do geralmente tinham uma influência estabili-
da maturidade pode ser um exemplo de psico- zadora na família, chamaram esta influência
logia masculina muito generalizada e não-ques- homeostática de função do sintoma (Jackson,
tionada. O perigo de as pessoas se perderem 1957). Em um artigo seminal, The emotionally
em relacionamentos não é mais real do que o disturbed child as a family scapegoat, Ezra Vogel
perigo de elas se isolarem da intimidade. e Norman Bell (1960) observaram que crian-
O que os terapeutas familiares descobri- ças emocionalmente perturbadas costumam
ram é que surgem problemas quando as fron- estar envolvidas nas tensões entre os pais. Ao
teiras são rígidas ou difusas demais. Frontei- desviar seus conflitos para um dos filhos, os
ras rígidas são demasiado restritivas e permi- pais conseguem manter um relacionamento
tem pouco contato com sistemas externos, o razoavelmente estável, embora o custo para a
que resulta em desvencilhamento. O desven- criança possa ser grande.
cilhamento torna os indivíduos e subsistemas Segundo Vogel e Bell, alguma contingên-
independentes, mas isolados; ele estimula a cia característica da criança pode ser escolhi-
autonomia, mas limita a afeição e o carinho. da como objeto de uma atenção ansiosa, em
Subsistemas emaranhados têm fronteiras um processo que estereotipa a criança como o
difusas; eles transmitem um sentimento maior membro desviante da família. Enquanto os pais
de apoio, mas à custa da independência e da focam sua preocupação na criança, seus con-
autonomia. Pais emaranhados são amorosos e flitos podem ser ignorados.
atentos; todavia, seus filhos tendem a ser de- A idéia de que os sintomas de um mem-
pendentes e podem ter dificuldade para se re- bro da família podem ter uma função homeos-
lacionar com pessoas de fora da família. Pais tática alertou os terapeutas e os fez olhar além
emaranhados respondem rápido demais aos das queixas apresentadas, para os conflitos la-
filhos; pais desvencilhados podem não respon- tentes que poderiam estar por trás. Se uma crian-
der quando necessário. ça tem um problema de comportamento, por
Outro ponto importante sobre as frontei- exemplo, geralmente os pais estão em conflito
ras é que elas são recíprocas. O emaranha- sobre como lidar com ela. Entretanto, isso não
mento de uma mãe com os filhos está direta- é o mesmo que dizer que o mau comportamen-
mente relacionado à distância emocional en- to da criança beneficia a família. O conflito dos
tre ela e o marido. Quanto menos receber do pais pode ser um resultado, e não a causa, dos
marido, mais ela precisará receber dos filhos – problemas da criança. A propósito, repare que
e quanto mais envolvida com os filhos, menos o termo bode expiatório é unilateral e avaliativo.
tempo e energia terá para o marido. Uma conseqüência da suposição de que
Não podemos deixar de observar que es- os sintomas estão a serviço dos propósitos da
ses arranjos estão ligados ao gênero. Isso não família é o estabelecimento de um relaciona-
os torna mais certos ou mais errados, mas deve mento antagonista entre famílias e terapeutas.
nos tornar cautelosos com relação a culpar uma Esse antagonismo é com freqüência reforçado
mãe por expectativas e arranjos culturais que pela tendência de simpatizar com as crianças
perpetuam seu papel como a principal cuida- e ver os pais como opressores. (Não era assim
dora dos filhos (Luepnitz, 1988). O terapeuta que muitos de nós se sentiam enquanto crescía-
que reconhece a natureza normativa da mos?) Não é fácil ser mãe e pai. Ter um filho
síndrome mãe-emaranhada/pai-desvencilha- difícil não facilita nem um pouco as coisas. Se
do, mas coloca na mãe a carga de dar maior os pais têm de lidar com um terapeuta que su-
TERAPIA FAMILIAR 117
põe que eles se beneficiam, de alguma forma, estar decepcionado com sua carreira e decidir
dos problemas da criança, quem poderia culpá- se envolver mais com a família exatamente no
los por apresentarem resistência? momento em que os filhos estão crescendo e
A idéia de que os sintomas têm uma fun- se afastando. Seu desejo de se aproximar pode
ção na família foi desacreditada, e a maioria frustrar a necessidade dos filhos de ficarem
das escolas terapêuticas atualmente defende sozinhos. Citando outro exemplo cada vez mais
um relacionamento colaborativo com os clien- comum, exatamente quando um homem e uma
tes. Entretanto, embora seja um erro supor que mulher começam a se envolver mais como ca-
os sintomas, necessariamente, têm uma função sal depois que os filhos saem de casa, eles se
homeostática para a família, vale a pena con- descobrem novamente vivendo com filhos (fi-
siderar a possibilidade de, em alguns casos, a lhos que largaram a faculdade, não conseguem
depressão da mãe ou a recusa da criança em ir se sustentar ou se recuperam de um divórcio
à escola terem uma função protetora para a precoce). O casal, então, se depara com uma
família. versão desajeitada de uma segunda paternida-
de.
Uma propriedade que as famílias compar-
Ciclo de vida familiar tilham com outros sistemas complexos é que
elas não mudam por um processo suave e gra-
Quando pensamos no ciclo de vida, tende- dual de evolução, e sim por pulos descontínuos.
mos a pensar em indivíduos que se movem no O amor romântico e as revoluções políticas são
decorrer do tempo, dominando os desafios de exemplos desses pulos. Ter um bebê é como se
cada período e, então, avançando para o próxi- apaixonar e viver uma revolução simultanea-
mo. O ciclo da vida humana pode ser ordenado, mente.
mas não é um processo regular, contínuo. Pro- Na década de 1940, os sociólogos Evelyn
gredimos em estágios, com platôs e obstáculos Duvall e Reuben Hill aplicaram uma estrutura
desenvolvimentais que exigem mudanças. Pe- desenvolvimental às famílias, dividindo a vida
ríodos de crescimento e mudança são segui- familiar em estágios distintos, com tarefas a
dos por períodos de relativa estabilidade, du- serem cumpridas em cada estágio (Duvall,
rante os quais as mudanças são consolidadas. 1957; Hill e Rodgers, 1964). As terapeutas de
A idéia de um ciclo de vida familiar adi- família Betty Carter e Monica McGoldrick
ciona dois pontos à nossa compreensão do de- (1980, 1999) enriqueceram essa estrutura
senvolvimento individual: primeiro, as famíli- acrescentando um ponto de vista multigera-
as precisam reorganizar-se para acomodar o cional, reconhecendo padrões culturalmente
crescimento e a mudança de seus membros; diversos e considerando estágios de divórcio e
segundo, desenvolvimentos em qualquer ge- novo casamento (Tabela 4.1).
ração da família podem ter um impacto em um É importante reconhecer que não existe
ou em todos os seus membros. Quando um fi- nenhuma versão padrão do ciclo de vida fami-
lho ingressa na pré-escola ou atinge a puber- liar. Não só as famílias existem em uma varie-
dade, não só a criança precisa aprender a lidar
com uma série de circunstâncias inteiramente
novas, como também toda a família precisa se
reajustar. Além disso, as transições desenvolvi-
mentais que afetam os filhos não são apenas
deles, são também dos pais. Em alguns casos,
até dos avós. A tensão no relacionamento de
um adolescente de 14 anos com os pais pode
ser devida tanto à crise de meia-idade do pai
ou à preocupação da mãe com a aposentado-
O trabalho de Monica
McGoldrick lembra os
ria do próprio pai, quanto algo que o adoles- terapeutas de que as famílias
cente mesmo vivencia. freqüentemente têm dificuldade
Mudanças em uma geração complicam os de lidar com mudanças no
ajustes em outra. Um pai de meia-idade pode ciclo de vida familiar.
118 MICHAEL P. NICHOLS
Tabela 4.1
Os estágios do ciclo de vida familiar
Estágio do ciclo Processo emocional de transição: Mudanças de segunda ordem no status familiar
de vida princípios fundamentais necessárias para o avanço desenvolvimental
Sair de casa: adulto Aceitar a responsabilidade a) Diferenciação do self em relação à família de origem
jovem solteiro emocional e financeira por si b) Desenvolvimento de relacionamentos íntimos com seus
mesmo pares
c) Estabelecimento do self com relação ao trabalho e à
independência financeira
Famílias com filhos Aceitar novos membros no a) Ajustar o sistema conjugal para dar espaço aos filhos
pequenos sistema b) Unir-se na criação dos filhos, nas tarefas financeiras e
nas domésticas
c) Realinhamento dos relacionamentos com a família
ampliada para incluir papéis de pais e avós
Famílias com Aumentar a flexibilidade das a) Mudar relacionamentos pais-filhos para permitir que o
adolescentes fronteiras familiares para adolescente entre e saia do sistema
permitir a independência dos b) Mudar o foco para as questões conjugais e profissionais
filhos e a fragilidade dos avós da meia-idade
c) Começar uma mudança no sentido de cuidar da
geração mais velha
Lançando os filhos e Aceitar um grande número de a) Renegociar o sistema conjugal como uma díade
seguindo em frente saídas e entradas no sistema b) Desenvolvimento de relacionamentos adulto-adulto
familiar c) Realinhamento dos relacionamentos para incluir noras,
genros e netos
d) Lidar com a incapacidade e morte dos pais (avós)
Famílias na vida Aceitar a mudança nos papéis a) Manter o próprio funcionamento e interesses (ou os do
mais tardia geracionais casal) diante do declínio psicológico: explorar novas
opções de papel familiar e social
b) Apoiar um papel mais central da geração intermediária
c) Dar espaço no sistema para a sabedoria e experiência
dos mais velhos, apoiar a geração mais velha sem fazer
demais por ela
d) Lidar com a perda do cônjuge, irmãos e outros iguais e
se preparar para a morte
dade de formas – famílias monoparentais, ca- aprender o que é normal ou esperado em de-
sais do mesmo sexo, famílias de segundo casa- terminados estágios, e sim reconhecer que as
mento – como vários grupos religiosos, cultu- famílias muitas vezes desenvolvem problemas
rais e étnicos podem ter normas completamen- nas transições do ciclo de vida.
te diferentes para diversos estágios. O real va- Os problemas surgem quando a família
lor do conceito de ciclo de vida não é tanto encontra um desafio – ambiental ou desenvolvi-
TERAPIA FAMILIAR 119
mental – e não é capaz de se adaptar às novas fiança. Assim, é possível ver a resistência como
circunstâncias. Assim, os problemas normal- prudência, em vez de como teimosia. Os
mente são vistos não como sinal de uma “famí- terapeutas que reconhecem a função proteto-
lia disfuncional”, mas apenas como sinal de que ra da resistência percebem que é melhor fazer
a família não conseguiu se reajustar a um dos primeiro com que a família se sinta segura o
momentos críticos da vida. Sempre que alguém suficiente para baixar a guarda do que tentar
desenvolve sintomas psicológicos, pense na derrubar as suas defesas de forma sorrateira
possibilidade de a família estar simplesmente ou pela força. Eles tentam criar um ambiente
empacada na transição de um estágio desenvol- terapêutico acolhedor, não-acusatório, que gere
vimental para o próximo. a esperança de solucionar até as questões mais
ameaçadoras.
Ao se imaginar fazendo terapia familiar,
Resistência você talvez se pergunte de que maneira, como
um terapeuta habilidoso e respeitoso, poderia
Já que as famílias geralmente temem o evitar que membros zangados de uma família
que pode acontecer se seus conflitos forem gritassem uns com os outros ou mantivessem
expostos, elas talvez relutem em examinar seus um silêncio gélido enquanto os ponteiros do
problemas mais delicados. Os primeiros tera- relógio avançam. Criar uma atmosfera segura
peutas familiares interpretavam mal a resistên- envolve mais do que apenas estabelecer credi-
cia – medo seria uma palavra melhor – como bilidade e esperança. O terapeuta também pre-
inflexibilidade ou oposição à mudança (ho- cisa mostrar que é capaz de impedir que os
meostase). Mais recentemente, os terapeutas membros da família se machuquem uns aos
reconheceram que todos os sistemas humanos outros, para que saibam que podem deixar cair
relutam em fazer mudanças que percebem sua armadura de proteção sem medo de ata-
como arriscadas. As famílias devem resistir à ques. Nos primeiros anos da terapia familiar,
mudança – mesmo a mudanças que parecem imaginava-se ser necessário empurrar os mem-
benéficas para quem olha de fora – até ficar bros da família para crises emocionais, a fim de
claro que as conseqüências dessas mudanças descongelar seus padrões homeostáticos. Com
são seguras e que o terapeuta é digno de con- o passar do tempo, todavia, os terapeutas per-
ceberam que, embora o conflito seja real e não
deva ser temido – como diz o ditado, “Não se
pode fazer uma omelete sem quebrar ovos” –, a
Estudo de caso mudança ainda é possível quando os membros
da família interagem com respeito e compaixão.
Emily era uma mãe solteira cujas tentativas de disciplinar o É nesses momentos que eles se sentem suficien-
filho eram solapadas pela proteção da avó materna. Emily
temente seguros para serem reais uns com os
evitava enfrentar a mãe por acreditar que isso de nada adian-
taria. Ela achava que, se desafiada, a mãe a apoiaria ainda
outros.
menos e ela se sentiria ainda mais deprimida. Esses medos Uma das características distintivas da te-
não eram irreais. No passado, era exatamente isso que acon- rapia familiar é a sua visão otimista das pessoas.
tecia quando Emily criticava a mãe por alguma coisa. As de- Alguns modelos de terapia familiar supõem que
fesas das pessoas nos parecem pouco razoáveis apenas por- por trás da fortaleza protetora da raiva ou an-
que não enxergamos suas lembranças. siedade está um self central sadio, capaz de
Para que Emily se convencesse a tentar conversar com ser razoável, respeitoso, empático, tolerante e
a mãe sobre seus sentimentos, o terapeuta precisava aumen- disposto a mudar. Quando os membros da fa-
tar sua confiança de que trabalhar com ele melhoraria as coi- mília interagem neste estado, geralmente des-
sas com a mãe. Para conseguir essa credibilidade, o terapeuta cobrem que são capazes de resolver seus pro-
precisava respeitar o ritmo de Emily e reconhecer seus me-
blemas sozinhos. São as suas emoções prote-
dos, em vez de confrontar ou manipular sua resistência. Os
terapeutas encontrarão bem menos resistência se aborda- toras que produzem impasse.
rem a família como parceiros, tentando ajudá-la a identificar Independentemente da técnica do tera-
o que a impede de se relacionar como gostaria, em vez de peuta, o segredo para criar interações produti-
como peritos que dão conselhos e apontam suas falhas. vas, mesmo em sessões acrimoniosas, é a cren-
ça de que esse potencial construtivo existe em
120 MICHAEL P. NICHOLS
todo o mundo. Com essa crença, os terapeutas ciam futuros comportamentos, e assim por
são capazes de assumir um papel colaborativo, diante.
pois acreditam que os clientes possuem os re- O interesse pela narrativa familiar pas-
cursos necessários. Sem essa confiança, o sou a ser identificado com uma escola especí-
terapeuta é empurrado para o papel do perito fica, a terapia narrativa de Michael White, que
que supre os ingredientes ausentes – conselhos, enfatiza o fato de que as famílias com proble-
insight, cuidados parentais, instrução ou me- mas chegam à terapia com narrativas pessimis-
dicação. Isso não quer dizer que o terapeuta tas que tendem a impedir que ajam de forma
familiar que tem essa visão respeitosa das pes- efetiva. Mas uma parte importante do traba-
soas nunca oferece esses ingredientes – ele só lho de qualquer terapeuta é ser sensível à im-
não supõe que sempre sabe o que é melhor. portância das narrativas pessoais. A terapia é
conduzida como um diálogo. Por mais que o
terapeuta esteja interessado no processo da
Narrativas familiares interação ou na estrutura dos relacionamentos
familiares, também precisa aprender a respei-
Os primeiros terapeutas familiares olha- tar a influência de como eles experienciam o
vam além dos indivíduos, para os relaciona- que acontece – incluindo o input do terapeuta.
mentos familiares, a fim de compreender como
os problemas se desenvolveram e foram per-
petuados. Acontece que as ações estão inseridas Gênero
em interações – e, evidentemente, as interações
mais óbvias são comportamentais. Duplos vín- Quando os terapeutas familiares começa-
culos, seqüências que mantêm o problema, ram a aplicar a metáfora dos sistemas – uma
controle aversivo, triângulos, emaranhamento organização de partes mais a maneira de as
e desvencilhamento – esses conceitos todos partes funcionarem juntas –, prestaram mais
focavam o comportamento. Além de serem ato- atenção à maneira pela qual as famílias funcio-
res na vida uns dos outros, os membros da fa- navam do que às suas partes. As famílias eram
mília também são contadores de histórias. compreendidas em termos de abstrações como
Ao reconstruir os acontecimentos de sua “fronteiras”, “triângulos” e “subsistemas paren-
vida em narrativas coerentes, os membros da tais”, e os membros da família eram, às vezes,
família conseguem compreender suas experiên- tratados como engrenagens de uma máquina.
cias (White e Epston, 1990). Assim, não são As “partes” de um sistema familiar nunca dei-
apenas ações e interações que moldam a vida xam de ser seres humanos individuais, mas a
de uma família, mas também as histórias que preocupação com a organização da família ten-
seus membros constroem e contam. Os pais de dia a obscurecer a qualidade de pessoa separa-
uma criança de dois anos de idade que dizem da dos indivíduos que a constituíam, incluindo
a si mesmo que a filha é “do contra” reagirão sua psicodinâmica, psicopatologia, responsa-
de forma muito diferente se comparados aos bilidade pessoal – e gênero.
pais que dizem que sua pequenina é “corajosa”. O senso comum nos diz que o gênero é
As narrativas familiares organizam e ex- um fato da vida. (Embora ninguém deva su-
plicam a experiência. Elas enfatizam certos bestimar a capacidade dos cientistas sociais de
acontecimentos que reforçam a linha da tra- transcender ao senso comum.) Enquanto a so-
ma e deixam de fora outros eventos que não ciedade esperar que os principais cuidados
combinam. É mais provável que os pais que parentais sejam prestados pela mãe, as meni-
vêem a filha de dois anos como “do contra” nas moldarão sua identidade em relação a al-
lembrem mais dos momentos em que ela disse guém com quem elas esperam se parecer, ao
não do que daqueles em que disse sim. As in- passo que os meninos reagirão à sua diferença
terações familiares e sua narrativa dos acon- como um motivo para se separar das mães. O
tecimentos relacionam-se de maneira circular: resultado é o que Nancy Chodorow (1978)
os eventos comportamentais são percebidos e chamou, apropriadamente, de “a reprodução
organizados de forma narrativa; essa narrati- da maternagem”. Tradicionalmente, a mulher
va, por sua vez, cria expectativas que influen- foi criada para ter fronteiras psicológicas mais
TERAPIA FAMILIAR 121
permeáveis, para desenvolver sua identidade Um terapeuta sensível ao gênero também
em termos de conexão, para cultivar sua ca- precisa evitar potenciais desigualdades em al-
pacidade de empatia e para correr um risco gumas das suposições básicas da terapia fami-
maior de perder a si mesma nos relacionamen- liar. A noção de causalidade circular, por exem-
tos. O homem, por outro lado, tende a desen- plo, que aponta os padrões repetitivos de com-
volver fronteiras psicológicas mais rígidas, a portamentos mutuamente reforçadores, quan-
não reconhecer suas necessidades de depen- do aplicada a problemas como espancamento
dência e a temer ser engolfado, e geralmente da mulher, incesto ou alcoolismo, tende a ig-
tem uma dificuldade relativamente maior de norar questões de responsabilidade e faz com
empatizar com os outros. Todos nós conhece- que seja difícil considerar influências externas
mos homens que são amorosos e mulheres que à interação, tais como crenças culturais sobre
não são, mas essas são as exceções que con- comportamentos de gênero apropriados. O
firmam a regra. conceito de neutralidade sugere que todas as
A consciência do gênero e da desigualda- partes do sistema contribuem igualmente para
de de gênero há muito tempo penetrou não seus problemas e, portanto, torna invisíveis as
apenas na terapia familiar, mas em toda a nos- diferenças de poder e de influência entre os
sa cultura. Traduzir essa consciência em uma membros da família. O mesmo vale para a com-
prática clínica concreta, todavia, é complicado plementaridade, a qual sugere que, em relacio-
e controverso. namentos tradicionais entre homens e mulhe-
Há espaço para discordância entre os que res, os papéis são iguais, apesar de diferentes.
lutam para manter uma neutralidade clínica e Conciliar essas contradições nem sempre é fá-
os que acreditam que não erguer questões de cil, mas ignorá-las não é a resposta.
gênero no tratamento – dinheiro, poder, cui-
dado dos filhos, justiça, e assim por diante –
cria o risco de reforçar papéis e arranjos so- Cultura
ciais tradicionais (Walters, Carter, Papp e
Silverstein, 1988). Entretanto, não é possível Entre as influências que moldam o com-
ser um terapeuta justo e efetivo sem ser sensí- portamento da família, poucas são mais po-
vel a como as questões de gênero permeiam a derosas que o contexto cultural. Uma família
vida da família. O terapeuta que ignora o gê- de Porto Rico, por exemplo, pode ter expecta-
nero pode, inadvertidamente, demonstrar me- tivas muito diferentes de lealdade e obrigação
nor interesse e sensibilidade pela carreira de em relação aos filhos adultos se comparada,
uma mulher, supor que os problemas dos fi- digamos, a uma família de classe média de
lhos e os cuidados dos filhos de modo geral Minnesota. Uma razão para os terapeutas se-
são responsabilidade principalmente da mãe, rem sensíveis à diversidade cultural é evitar
ter um duplo padrão para casos extraconjugais impor valores e suposições da maioria a gru-
e esperar – ou pelo menos tolerar – a não-par- pos minoritários. Atualmente existem livros e
ticipação do pai no tratamento da família. artigos excelentes para familiarizar os terapeu-
Se o patriarcado começa em casa, um tas com famílias de origens variadas, inclusive
terapeuta sensível ao gênero precisa reconhe- afro-americanas (Boyd-Franklin, 1989), latinas
cer a importância duradoura das primeiras (Falicov, 1998), haitianas (Bibb e Casimir, 1996),
experiências e fantasias inconscientes. Como ásio-americanas (Lee, 1996) e de zonas urbanas
as crianças reagem aos pais tem importância pobres (Minuchin, Colapinto e Minuchin, 1998),
não apenas para como elas vão se sair, mas tam- para mencionar apenas algumas. Esses textos
bém para os homens e mulheres que se torna- servem de guia para os terapeutas que estão
rão. Quando uma menina ridiculariza sua mãe prestes a se aventurar em territórios relativa-
“detestável”, ela pode, involuntariamente, es- mente desconhecidos, embora a melhor ma-
tar desprezando sua própria condição femini- neira de compreender pessoas de outras cul-
na. Além da identificação com o progenitor do turas seja passar um tempo com elas.
mesmo sexo, o relacionamento da criança com Alguns alunos ficam em dúvida sobre a
o outro progenitor é parte do que programa a diferença entre cultura e etnicidade. Cultura
futura experiência com o sexo oposto. refere-se a padrões comuns de comportamen-
122 MICHAEL P. NICHOLS
to e experiência, derivados dos ambientes em cultura dominante. Além disso, o contexto cul-
que as pessoas vivem. Etnicidade refere-se à tural pode variar entre os membros da família.
genealogia comum pela qual os indivíduos de- Em famílias imigrantes, por exemplo, não é
senvolvem valores e costumes compartilhados – raro haver conflitos entre pais que mantêm um
especialmente nos grupos que não são protes- forte senso de identidade étnica e filhos que
tantes anglo-saxões. Cultura é o termo mais estão mais ansiosos para adotar os costumes
genérico, e nós o escolhemos aqui para enfati- do país hospedeiro. Pais de primeira geração
zar que o contexto cultural é sempre uma ques- podem acusar os filhos de abandonar os anti-
tão, mesmo para as famílias que têm back- gos costumes e desonrar a família, enquanto
grounds semelhantes ao do terapeuta. os filhos podem acusar os pais de estarem pre-
Embora as influências culturais possam sos ao passado. Mais tarde, os filhos dos filhos
ser mais óbvias nas famílias de distinta origem podem resgatar suas raízes e tradições cultu-
estrangeira, é um erro supor que os membros rais.
da mesma cultura necessariamente comparti- O primeiro erro que um terapeuta pode
lham valores e suposições. Um jovem terapeuta cometer ao trabalhar com clientes de diferen-
judeu, por exemplo, poderia ficar surpreso com tes origens é patologizar diferenças culturais.
a atitude desaprovadora de um casal judeu de Embora uma ausência de fronteiras entre uma
meia-idade diante da decisão de seus filhos de família e seus vizinhos e parentes possa pare-
adotar um bebê negro. Só porque um terapeuta cer problemática para um terapeuta branco de
é afro-americano, italiano ou irlandês, isso não classe média, redes familiares mais inclusivas
significa que ele compartilha as mesmas expe- não são atípicas entre as famílias afro-ameri-
riências ou atitudes das famílias de origem se- canas. O segundo erro é pensar que a tarefa
melhante. Cada família é única. do terapeuta é se tornar um especialista nas
Apreciar o contexto cultural das famílias várias culturas com as quais ele trabalha. Em-
é complicado pelo fato de a maioria das famí- bora possa ser útil para o terapeuta familiari-
lias ser influenciada por múltiplos contextos, zar-se com a língua, com os costumes e com os
o que dificulta a generalização. Por exemplo, valores dos grupos mais importantes em sua
conforme salientado por Nancy Boyd-Franklin área de captação, uma atitude de respeito e
(1989), as famílias afro-americanas de classe curiosidade em relação à cultura das pessoas é
média apresentam três culturas. Existem ele- mais útil do que impor estereótipos étnicos ou
mentos culturais com raízes africanas, elemen- supor que você já entende essas pessoas. É im-
tos que são parte da cultura americana domi- portante reconhecer o que você não sabe.
nante e, por fim, as adaptações que as pessoas O terceiro erro que os terapeutas come-
negras precisam fazer diante do racismo da tem ao trabalhar com famílias de outras cultu-
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