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O novo ordenamento político e socioeconómico

(1832/34-1851)

 A ação reformadora da regência de D. Pedro

 Desde que assumiu a regência liberal nos Açores, a 3 de março de 1832, D. Pedro não se
poupou a esforços para que o cartismo triunfasse e à sua sombra se construísse o Portugal
novo.

 Decorria ainda a guerra civil e o primeiro ministério liberal já promulgava as adequadas


reformas económicas e sociais, administrativas, judiciais e fiscais.

 Importância da legislação de Mouzinho da Silveira e outras reformas

 A Mouzinho da Silveira, ministro da Fazenda e da Justiça do primeiro ministério liberal,


coube a autoria das grandes reformas legislativas que consolidaram o liberalismo. Na
verdade, se D. Pedro destruiu o absolutismo com a força das armas, foi o seu ministro que
demoliu o Antigo Regime ao legislar nos mais variados domínios:
 Propriedade – aboliram-se de vez os pequenos morgadios, os forais e os dízimos e
extinguiram-se os bens da Coroa e respetivas doações;
 Comércio – aboliram-se as portagens e demais encargos sobre a circulação interna de
mercadorias e, no que respeita ao comércio externo, diminuíram-se os direitos de
exportação; suprimiram-se os monopólios do sabão e do vinho do Porto; publicou-se o
primeiro Código Comercial, da autoria de Ferreira Borges, que refletiu os princípios
de livre produção e circulação dos produtos, isto é, liberalismo económico;
 Administração – desenhou-se uma nova organização administrativa, de índole mais
centralizadora; o país ficou dividido em províncias, comarcas e concelhos, tendo à
frente funcionários de nomeação régia;
 Finanças – substituiu-se o secular sistema de tributação local, através do qual grande
parte dos impostos revertia a favor da nobreza e do clero, por um sistema de tributação
nacional centralizado no Tribunal do Tesouro Público;
 Justiça – introduziu-se o princípio do júri nos tribunais e dividiu-se o território em
círculos judiciais; no topo da hierarquia, erguia-se o Supremo Tribunal da Justiça,
instalado em Lisboa, composto por juízes-conselheiros e com jurisdição sobre todo o
reino.

 O clero foi especialmente afetado pela legislação liberal. O facto de muitos mosteiros
terem apoiado ativamente o absolutismo miguelista permitiu ao Ministério de D. Pedro
efetivar uma serie de medidas tendentes à eliminação do clero regular. Expulsaram-se os
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Jesuítas, que D. Miguel acolhera em 1829, e proibiram-se os noviciados em qualquer
mosteiro. Finalmente, por um decreto de 1834, da autoria de Joaquim António de Aguiar,
extinguiram-se todos os conventos, mosteiros, colégios e hospícios das ordens religiosas
masculinas, cujos bens foram confiscados pelo Estado.

 Esta nacionalização de bens atingiu igualmente os nobres identificados com a causa


miguelista e nem as propriedades da Coroa escaparam. Em 1834-35, o Estado liberal
procedeu à venda dos bens nacionais em hasta pública para pagar as dividas contraídas e,
assim, evitar um impopular aumento de impostos.

 Os projetos setembristas e cabralista


 A Revolução de Setembro de 1836

 A vitória definitiva do liberalismo, em 1834, não trouxe a estabilidade que o país há tanto
ansiava. Enquanto os miguelistas, atraves de guerrilhas espalhadas pelo país, procuravam
regressar ao poder, a “família” liberal acentuou a sua divisão em doi grandes grupos: os
vintistas, defensores da Constituição de 1822, e os cartistas, adeptos da Carta
Constitucional. Na prática, a guerra civil não acabara e logo em 1836, em Lisboa, a
Revolução de Setembro agitou a cena política.

 Protagonizada pela pequena e media burguesias e com largo apoio das camadas
populares, a Revolução de Setembro reagiu tanto aos excessos de miséria, em que a
guerra civil mergulhara o país, como à atuação do Governo cartista, acusado de beneficiar
a alta burguesia com a concessão de títulos de nobreza e com a venda dos bens nacionais
em hasta pública.

 Os acontecimentos precipitaram-se em 9 e 10 de setembro de 1836, com a chegada a


Lisboa dos deputados eleitos no Norte para as Cortes. Ouviram-se “vivas” à Constituição
de Cádis fora reinstaurada, Portugal afastava-se do liberalismo moderado e abraçava a via
mais radical e revolucionária.

 O novo Governo saído da Revolução de Setembro, onde sobressaíram as figuras do


visconde Sá da Bandeira e do parlamentar nortenho Passos Manuel, declarou-se mais
democrático, empenhando-se em valorizar a soberania da nação e, inversamente, reduzir
a intervenção régia, o que suscitou uma pronta reação de D. Maria II ao setembrismo.

 Atuação do Governo setembrista

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 Acabou por se encontrar uma solução de compromisso entre o radicalismo democrático
da Constituição de 1822 e o espirito monárquico da Carta de 1826, que se concretizou
num novo diploma constitucional, a Constituição de 1838: manteve-se a separação de
poderes, mas o monarca perdeu o poder moderador; voltou a vigorar o sufrágio direto,
mantendo-se, porém, o sufrágio censitário; embora o rei pudesse sancionar e vetar em
definitivo as leis saídas das Cortes, a instituição da Câmara dos Senadores, com carater
eletivo e temporário, limitou o poder régio.

 No que se refere à política económica, o setembrismo procurou corresponder aos


propósitos de desenvolvimento nacional da pequena e da média burguesia, com
demonstram as seguintes medidas:
 Proteção da indústria nacional, através de uma pauta alfandegária protecionista: todos
os produtos que entrassem no país ficavam obrigados ao pagamento de direitos,
especialmente aqueles que faziam concorrência às produções portuguesas;
 Valorização dos territórios africanos, como forma de compensar a perda do mercado
brasileiro: a fim de atrair o investimento de capitais para outras áreas que não o
comércio de escravos, proibiu-se este tráfico nos territórios portugueses a sul do
equador;
 Reforma do ensino primário, secundário e superior: preocupados com a formação de
elites qualificadas e com a instrução de amplas camadas da população, os setembristas
criam Escolas Médico-cirúrgicas, Escolas Politécnicas e Academias de Belas-Artes no
Porto e em Lisboa, reformaram a Universidade e inauguraram o ensino liceal.

 Os resultados destas medidas não corresponderam ao esperado. A falta de capitais e de


vias de comunicação e a instabilidade que continuou a marcar a vida nacional ditaram o
relativo fracasso da política económica setembrista. Mesmo no plano industrial, apesar
industrial, apesar do protecionismo adotado, os resultados mostraram-se bem aquém do
pretendido.

 O cabralismo e o regresso à Carta Constitucional

 Com efeito, o Governo setembrista enfrentou constantes tentativas da restauração da


Carta Constitucional. Em janeiro de 1842, num golpe de Estado pacifico, foi o próprio

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ministro da Justiça, António Bernardo da Costa Cabral, quem, finalmente, pôs termo à
Constituição de 1838.

 A nova governação, conhecida por cabralismo, alicerçou-se nos princípios da Carta e fez
regressar ao poder a grande burguesia.

 Sob a bandeira da ordem pública e do desenvolvimento económico, Costa Cabral apostou


nas seguintes áreas:
 Fomento industrial: difundiu-se a energia a vapor;
 Reforma administrativa e fiscal: promulgou-se um Código Administrativo (1842) de
cariz centralizador e criou-se o Tribunal de Contas (1849) para fiscalizar todas as
receitas e despesas do Estado;
 Obras públicas: procedeu-se à construção e reparação de estradas e levantaram-se
algumas pontes;
 Reforma da saúde: proibiram-se o enterramento nas igrejas.

 A inovação e a exigência das medidas de Costa Cabral, aliadas ao autoritarismo que


rodeou a sua implementação, estiveram na origem de uma serie de motins populares.

 As primeiras movimentações sucederam no Minho, em abril e maio de 1846 e são


conhecidas pelo nome de revolta da “Maria da Fonte”, uma reação popular à seguinte
legislação: a Lei das Estradas, que obrigava os camponeses a trabalharem gratuitamente
para o Estado quatro dias por ano na abertura e arranjo de caminhos; as Leis da Saúde,
nomeadamente a que proibia os enterramentos nas igrejas.

 Na verdade, em 1846-1847, viveu-se um clima de verdadeira guerra civil entre os adeptos


do cabralismo e uma ampla frente de setembristas, cartistas puros e até miguelistas.

 A demissão do Governo e saída de Costa Cabral para Espanha não foram suficientes para
trazer a acalmia social e política. A guerra civil reacendeu com a chamada “Patuleia”, que
decorreu de outubro de 1846 a junho de 1847, tendo como pretexto a demissão de
ministros anticabralistas, ordenadas por D. Maria II. Iniciadas no Porto, alastrou ao resto
do país, chegando-se a colocar a hipótese da deposição da rainha e da instauração de uma
república.

 Na impossibilidade de um acordo político, a intervenção de Espanha e da Inglaterra ditou


os termos da Convenção de Gramido, a 29 de junho de 1847, garantindo uma amnistia
geral e prevendo a nomeação de um governo em que não figurassem representantes dos
partidos em luta. Na prática, a rainha e os cartistas saíram vitoriosos, enquanto a força
política do setembrismo estava definitivamente liquidada.
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O Estado como garante da ordem liberal

 O liberalismo, uma ideologia centrada na defesa dos direitos


do indivíduo
 Os direitos naturais ou direitos do Homem

 No rescaldo das Revoluções Liberais, no dealbar da Época Contemporânea, o mundo


ocidental assistiu à implantação de um novo sistema de organização política, económica e
social conhecido por Liberalismo. De uma forma genérica, podemos dizer que o
Liberalismo se opõe ao Absolutismo e a qualquer forma de tirania política, defende a
soberania da nação, a livre iniciativa económica e promove as classes burguesas.

 A ideologia liberal sobrevalorizava os direitos do indivíduo, uma vez que considera ser a
sociedade composta de indivíduos e não de grupos. Esses direitos são, antes de mais, a
liberdade, a igualdade, a segurança e a propriedade.

 O Liberalismo apelida-os de direitos naturais, pois derivam da condição humana que é


naturalmente livre e igualitária. Logo em 1789, em França, a famosa Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão reconheceu, no seu artigo 1.º, que” os Homens nascem
e são livres e iguais em direitos”.

 Os direitos do cidadão; o cidadão, ator político

 Para além do Homem, o indivíduo é, segundo o Liberalismo, um cidadão que intervém


na governação. No seu novo papel de ator político, o cidadão passou a exercer a soberania
nacional e a representar a vontade de maioria.

 De várias maneiras se expressava a intervenção política dos cidadãos. Como eleitores,


escolhia, os representantes para as assembleias e demais cargos políticos. Como
detentores de cargos, elaboravam as leis e administravam o país, a nível central e local.
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Mas, também, participando entusiasticamente nos clubes, assistindo às assembleias onde
apresentavam petições e interpelavam os deputados ou, simplesmente, escrevendo nos
jornais, o cidadão anonimo intervinha na vida publica e condicionava, tantas vezes, as
decisões dos Estados.

 O Liberalismo vigente na primeira metade do século XIX fez depender o exercício


político da cidadania de critérios baseados no dinheiro e na propriedade. Por isso, coube à
burguesia, a classe mais rica e instruída, tomar a iniciativa politica. Através do sufrágio
censitário, reservou para si o poder político e controlou o acesso às funções públicas e
administrativas. Este foi o liberalismo moderado, que fez do Estado o gerente dos
interesses burgueses.

 O liberalismo político; a secularização das instituições

 Para evitar o despotismo, quer o resultante do exercício do absolutismo régio, quer o


proveniente da ditadura popular, o liberalismo político socorreu-se de uma variedade de
fórmulas que limitam o poder. Este deveria fundamentar-se em diplomas constitucionais,
funcionar na base da separação de poderes e da soberania nacional exercida por uma
representação, bem como proceder à secularização das instituições.

 Foi através dos textos constitucionais que os liberais legitimaram o seu poder político.

 As constituições liberais resultaram de dois processos: as Constituições propriamente


ditas, votadas pelos representantes da nação; e as Cartas Constitucionais, outorgadas
pelos soberanos. Na verdade, embora manifestassem a sua admiração pelo regime
republicano, os liberais não rejeitaram a monarquia. Para o liberalismo moderado ou
conservador, alias, devia ser o rei, fazendo uso das prerrogativas e privilégios que
historicamente detinha, a outorgar um documento constitucional que se transformasse no
código político da nação.

 Os liberais moderados faziam também depender os direitos e garantias dos cidadãos da


observância rigorosa da separação e do equilíbrio dos poderes politico-constitucionais.
Para evitar que uma assembleia legislativa ou o supremo magistrado chamasse a si a
totalidade das competências políticas, fazendo o regime revelar para o despotismo,
advogavam a necessidade de se proceder à distribuição dos diversos poderes pelos
diferentes órgãos de soberania.

 Para os liberais moderados, o princípio da separação e do equilíbrio dos poderes não


invalidava, porém, o reforço do poder executivo, característica existente na Grã-Bretanha
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e à qual atribuíam a prosperidade económica e a concordância civil do país. Foi essa
também a tendência seguida em França, com a Carta de 1814, e em Portugal, com a
Carta Constitucional de 1826.

 O Liberalismo pôs em prática o princípio iluminista da soberania nacional. No entanto, a


nação soberana não exercia o poder de forma direta, mas confiava-o a uma “assembleia
representativa” constituída por “ilustres” cidadãos possuidores de um certo grau de
fortuna.

 Os parlamentos, denominados de Câmara, Dieta, Estados Gerais ou simplesmente


Assembleia, eram o cerne deste sistema representativo, a quem cabiam as funções
legislativas e a supervisão do poder executivo. O liberalismo moderado revelou-se
partidário do bicamaralismo, segundo o qual uma Câmara Baixa, de deputados eleitos, se
comtemplava com uma Câmara Alta, composta pelos descendentes da aristocracia ou
outros vultos influentes, todos eles da escolha do monarca.

 Além de um Estado neutro que respeitasse as liberdades e que fizesse aplicar uma lei
igual para todos, o Liberalismo pretendia um Estado laico que separasse a esfera política
da religiosa e secularizasse as instituições.

 Defensores da liberdade religiosa e das liberdades de consciência, de pensamento, de


expressão, de ensino, os liberais defenderem uma serie de reformas destinadas a
emancipar o indivíduo e o Estado da tutela da Igreja:
 Legislação sobre o registo civil para os nascimentos, casamentos e óbitos que, até
então, constavam sobretudo dos registos paroquiais;
 Criação de uma rede de assistência e de ensino absolutamente laicos, revelando-se a
escola pública um poderoso instrumento de divulgação dos ideais liberais, que se
substituíram à fé, obediência e caridade cristas pregadas pelos párocos;
 Expropriação e nacionalização do património das ordens religiosas, medidas que
contribuíram para debilitar o poderio económico da Igreja, base da sua indiscutível
influência política;
 Privação do clero dos privilégios judiciais e fiscais que tradicionalmente auferia.

 Esta retirada de poder à Igreja acompanhou uma certa descristianização dos costumes,
bem como episódios de anticlericalismo, que atingiram o auge no século XX, com a
publicação das Leis de Separação da Igreja e do Estado.

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