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GruposEspontâneos:

As Tirrmase Ganguesde
Adolescentes
DAVID E. ZIMERMAN

O ser humano é essencialmentegregário.Por essarazão,semprehaveráuma busca


naturaldaspessoasentresi, com a inevitável formaçãoespontâneados mais distintos
tipos de grupos.
O que importa consignar,no entanto,é que todo e qualquer grupo, quer tenha
sido formado espontâneaou artificialmente,quer tenhaum ou outro tipo de finalida-
de, sempreestarásujeito a uma mesmasériede fenômenospsicológicos,tanto cons-
cientescomo inconscientes,os quais se reproduzemde forma análogaem todos os
camposgrupais formados,com algumasvariantesespecíficas,é claro. Assim, é útil
lembrar a diferençaque existe enlÍe os pequenosgrupos, que pertencemà área da
psicologia,e os grandesgrupas, como são os das comunidades,sociedades,nações,
seitase multidões,e que pertencemtanto ao campo da psicologia como da sociolo-
gia.

A formação dos diferentes tipos de grupos. O grupofan i/lar nuclearpode ser


consideradoo protótipo de todos os demaisgrupos.De fato, em qualquerfamília há
a existênciade um campogrupal dinâmico por onde circulam todos os fenômenosdo
campo grupal, tal como estesúltimos foram descritosno capítulo referenteaos fun-
damentosteóricos.
Destarte,acompanhandoa conceituaçãoformuladaparaa caracterizaçãodo que
é um grupo, pode-sedizer que uma família, muito mais do que uma somaisoladados
indivíduos que a compõem,constitui-secomo uma novâ e abstrataentidadepeculiar;
existe uma vivência de experiênciasemocionaise uma interaçãoafetiva entre todos
(com os ingredientesda ambivalência:amol agressão),assimcomo tambémhá uma
interaçãocomunicativa entre cada um e todos; existe uma hierarquia de posições,
funçõese desempenhode papéis;há um contínuojogo de projeçõese introjeções;e
existe, sobretudo,uma formaçãode identidades,resultantesdas identificaçõescom
os valores,predições,proibiçõese expectativasdos pais,e destescom os seusrespec-
tivos pais, em uma combinaçãode, no mínimo, três gerações.De acordo com estes
aspectos,as famflias estruturam-secom um perfil caracterológicovariável de uma
para outra, porém com uma especificidadetípica de cadauma delas,que, por exem-
plo, pode ser de naturezaexcessivamentesimbiótica ou de característicaspredomi-
60 . znreRMeÌ{
a osonro

nantemente obsessivas, narcisistas, paranóides, fóbicas,psicossomatiza


psicóticas,psicopáticas, etc, ou, naturalmente,apresentam-se como famílias
estruturadas e sadias.
A dinâmicapsicológicadasmultüõesobedecea um esquemadiferente,
quanto,conformeosestudos deFreud,diantedesituações traumáticas
depulsõesinconscientes - como,porexemplo,diantedeum tumultosocial,
emrecintofechado,um estadodeindignação coletiva,etc.-, osindivíduosperde
controlesobreos seusvaloreshabituaise, ou entramem um caótico"salve-seou
e comopuder",ou seguemcegamente uma liderançaforte.Um comprovante d
assertivaó o de gruposqueseestruturam em moldesde fanatismoem tomo de
líder de funçãoaltamente carismática,poÍador de um conteúdoideacionalde
inspiraçãomísticae messiânica.
Doisexemplosservemparaclareara dinâmicadosgruposfanáticos:o da A
manhahitleristae o do episódiodo suicídiocoletivoocorridohá algunsanos
Guianas.Esteúltimofatoilustrao quantoumamultidãodefiéis,fixadosemum ní
de um predominante primitivismono desenvolvimento biopsicossocial,
podem
formaordeirae disciplinada, sacrificara própriavidaemtrocade promesiasilus
asprovindasde um líderpsicótico(nocaso,o pastorJ. Jones),quediziaquea mo
representava o ingressoem um mundomuitomelhor,o paraísocelestial.
O exemplodo fanatismoocorridona Alemanhasoba liderançadeHitler é m
siqlificativo queo anterior,porquantoa multidãofanatizada nãoeracomposta
indivíduos,separadamente, primitivos;muito pelocontrário.O que ocorreuent
Atravésda montagemde umafantásticamáquinade propaganda queproduziac
altaeficiênciaa ilusãocoletivade umajustae nobrecausade reivindicação nacio
(nomínimodiscutível),a cúpulahitleristaconseguiu atingiro núcleoíntimode c
indivíduoque não toleravainjustiças,que queriaresgataro que perdeuou lhe
roubado,e assimelesmobilizaramumaindignação da totalidadeda sociedade ale
da época.A partir daí, o passoseguintefoi o de escolherum bodeexpiatórioq
fosseo portadorda projeçãode todaa maldade,iniqüidadee sededepoder:a prin
pj9, gssgpapelfoi depositado noscomunistas e, logo a seguir,aosjudeus,que
eliminados, abririamo caminhoparaumaraçasuperior, umarianismopuro queprom
tia serum novoéden.
Essaloucaorganização fanáticafoi fortementeconsolidada com o empreg
recursosquefacilitamumahipnosecoletiva,comosãoosauditivose visuais,atra
de comíciosgigantescos, hinosmarciais,bandeiras e faixasmulticoloridas,um p
lanquequeficassenumaposiçãoalta,de formaquea multidãoficasseapequena
infantilizada,olhandode baixoparacimae com a forteluz dosholofotesnosolh
enquantoa fala místicapenetrando pelosouvidosía provocando um estadode d
lumbramento, ou sej4 quandoumaluz é fortedemais- tal comoa deum farol alto
um carroquevememdireçãocontráriaà nossa-,priva-nos("des")daluz ("lumbr

FORMAçÃO DE TURMASE GANGUES


Comonãocabeaquiesmiuçarcom maiorprofundidade os gruposantescitados,v
mosnosater,emparticular,na formaçãodosgruposespontâneos,
comoo dasturm
e gangues,de modomaisrestritono âmbitodosadolescentes.
Antesdemaisnada,cabefazerumabreverevisãosobreasprincipaiscaracte
ticasda adolescência
normal.
coM cRUPos .
coMo TRABALHAMoS 61

1. A etimologia da palavra "adoÌescência",compostados prefixos latinos ad


(para a frente) + dolescere(crescer,com dores),designaclaramenteum período de
mutação,portânto,de crise.
2. A palavra "crise", por sua vez, deriva do étimo grego krinen, que quer dizer
"separação"(daí o sentido de palavrascomo crivo, critério, discriminar, etc.). De
fato, o adolescenteestá fazendo uma importante separaçãoentre o seu estado de
criançaem dependênciados pais e a suapreparaçãopara a condiçãode adulto eman-
cipado.Além disso,ele estáfazendoseparações e modificaçõesde seusvalores,pro-
jetos e de sua corporalidadee sexualidade.
O termo adolescênciaabrangetrês níveis de maturaçãoe desenvolvimento:a
puberdade,a adolescênciapropriamentedita e a adolescênciatardia, cadauma delas
com caracteísticaspróprias e específicas.
Assim, a puberdade,no períododos l2 aos 14 anos,caracteriza-sepelasmudan-
çascorporais, como,por exemplo,o aparecimentode pêlospubianos(e, daí, o termo
"púbere"). A adolescênciapropriamentedita se estendedo período dos 15 aos 17
anose a sua característicamais marcanteé a das mudançaspsicológlcas. A adoles-
cênciatardia é a que vai dos l8 aos2l anose secaracteriza,sobretudo,pela buscade
uma identidadeprópria, não só a individual e a grupal, mas também a da identidade
social.
3. Essasinevitáveismudançasnormais comumentesão acompanhadasdas se-
guintes manifestações:
. Uma buscade "si mesmo" atravésdos processosde diferenciação,separaçãoe de
individuação.
. Uma testagemconstantede como ele é visto e recebidopelos demais,devido ao
fato de que, como toda criatura humana,tambémeles se reconhecematravésdo
reconhecimentodosoutros.É importanteassinalarque, muitas vezes,as condu-
tas bizarrasindividuais ou grupaisque tanto provocampreocupaçõesnos famili-
aresvisam a essatestageme à necessidadede seremreconhecidoscomo pessoas
autônomas.
. Uma necessidadede fantasiar,intelectualizare criar.
. Uma atitude de idealizaçãotanto de pessoascomo de crenças,assimcomo tam-
bém de uma permanentecontestação.As dificuldadespara adaptar-seàs mudan-
çasdo mundo intemo os levam a querermodificar o mudo fora de si mesmo,sob
a forma de quererreformar a humanidade,atravésda filosofia, religião, etc.
. Uma inconstânciade humor e tomadade posições.
. Há uma certaconfusãoquantoà imagem corporal e não é raro que isso atinja um
grau de surgimentode sentimentosde despersonalìzação.
. Decorredaíuma supervalorizaçãodo corpo, a qual setraduzna buscado impacto
estéticoou, pelo contrário, pela antiestética.Tanto uma como a outra costumam
se rnanifestaratravésde roupas,penteados,uso de espelhosdurantehoras,even-
tuarstatuagens,etc.
. Incremento do estadode paixões, assim como o de uma ambivalênciaentre os
sentimentosde amor e de ódro.
. Costumahaver um estadode taràulência com os pais. Isso se deve tanto ao fato
de os adolescentesnecessitaremtestara flexibilidade, a sensibilidadee o grau de
interessedos seuspais por eles,assimcomo uma forma de se diferenciaremde-
les. Portanto,é de importânciafundamentalo comportamentodos pais diante das
crises adolescentesquanto à determinaçãoda qualidade estruturante ou
desestruturante, na passagempara â condiçãode adulto.
62 . & osoF.lo
ZMERMAN

. O pontoprincipalda influênciadospaisna formaçãoda identidadede seufilho


consisteno fato de queelessãoosprincipaismodelosde identificação.
. Noscasospatogênicos, asprincipaisfalhasdospaisresidememfatorescomoos
de querer,à força,modelarosseusfilhossegundoa suaimageme feição,seguin
do o modelodosseusrespectivos pais,numaverdadeira compulsãoà repetiçã
atravésdasgerações. Um outro fator, muito comume igualmenteprejudicia
consisteno fato dospaistentaremcompletarsuasambiçõesnão-realizadas atra
vésdosseusfilhos,criandoassimum clima de expectativas que,muitasveze
sãoimpossíveis de seremrealizadas. Outrosproblemas equivalentespodemsero
deumamãemuitosimbiotizante ou deprimida,deum pai ausenteou superintole
rante,depaisincoerentes nadeterminação doslimitese daslimitações,nadesign
çãode papéis a seremestereotipadamente cumpridosao longoda vida,na esco
lha de um filho comoo bodeexpiatórioou porta-vozda patologiafamiliar,e
assimpor diante.
. Em funçãodosfatoresatéaquiapontados, é importantereconhecer quea típic
condutadesafiadora e provocativapor partedosadolescentes podedever-seao
propósitoinconsciente deserempunidos,assimaliviandoassuasculpase fortifi-
cândoa tesede quesãovítimas,o quejustificariaa suaposiçãoagressiva, num
círculoviciosoquepodesetomârcrescente e intermirúvel.
. Outraconseqüência importante é queo adolescente podepreferirserumnadaou
ninguéma ter queassumirum feixede identidades quelhe estãosendoimposta
de formascontraditórias e fragmentadas.
. Por último, uma característica maÍcanteda adolescência e que se constituino
principalenfoquedestecapítuloé o quediz respeitoà suafortetendênciaà gru
palidade.

Desdelogo,é necessário discriminaros trêstiposbásicosde gruposformado


espontaneamente por adolescentes:osnormais,osdrogativose osdelinqüentes.
Os gruposnonnais assumem típicasqueconespondem
ascaracterísticas à faixa
etáriadasuaadolescência. Assim,no gntpodepúberes prevalece
a linguagemcorpo
ral e lúdica,de acordocomassuasmudanças corporais,comoantesfoi frisado.Po
conseguinte, é comumqueasmeninasandemde mãosdadase criemum espaçode
jogoscoleúvos,enquantoosmeninossenotabilizampelacomunicação por meiode
empurrões, socose de espoíesmaisagressivos.
Naadolescência propriamente ditae naíardia,prevalecea linguagemverbalde
tipo contestatório,
e a não-verbalatravésdasatuações nasatitudese conduta.O pon
to de vistafundamental é que se leveem contaa diferençaentre"agressividadee
"agressão". Explicomelhor:o verbo"agredir"seoriginadosétimoslatinosad (par
a frente) + gradior (movimento)e issocorrespondeao fato de que a agressividad
não só é natural,masé indispensável parao serhumano,da mesmaforma que no
reinoanimal,comoum recursode lutapelasobrevivência e deumamelhorqualidad
e sucessona vida. O termo"agressão", por suavez, designaa predominância do
intentosdestÍutivos.
Como se observa,a agressividadeconstrutivâe a agressãodestrutivatanto po
dem semanifestarde formaclaramentedelimitadae diferenciadaumada outÍa como
podemtangenciar, altemar,confundir-seentresi e assumirformasqueconfundemo
observador extemo.
Um exemploclarodesteúltimoaspecto podeserdadopelâcostumeira contest
çãoveemente queum adolescente possaestarfazendocontraosvaloreshabituaisdo
establishment dos pais,escolae sociedade. Estaníessacontestação, nasmúltipla
c'Mo TRAaALHAM'' co" c*r"os . 63

formas como pode se apresentar,a serviço de uma agressãodestrutiva,ou ela pode


estarsignificando movimentosimportantesde uma agressividadevoltada para o ob-
jetivo de uma auto-afirmaçãona construçãode sua identidadede adulto?
Transportandopara um plano sociológico, creio ser válida uma comparação
com as guerrasde independênciadas nações(como as do continenteamericanono
século passadoou as africanasneste)contra os paísescolonizadores,quando elas
atingemum grau adolescentede desenvolvimentoe de identidadede cidadania.
Vale a penainsistir nesteponto,pois ele é de fundamentalimportânciana discri-
minação, nem semprefácil de ser feita, entre a agressividadesadia dos indivíduos
nos grupose o da patologiada violência, tanto a auto quantoa heterodestrutiva.Por
conseguinte,um cuidadoespecialque os educadoresdevemexerceré o de evitar um
apressadorótulo depreciativoao caráterbelicosodo adolescente,pois a imagem que
devolvermosa eles é a que subsistiráe formará a sua própria imagem e, portanto, a
sua identidade.
Cabeuma outra analogia,agoracom uma quedad'água: a força avassaladorada
mesma tanto poderá destruir tudo o que ela atingir como poderá ser utilizada para
fins benéficos- por exemplo, quandoa energiamecânicaé devidamentedrenadae
canalizada,ou é transformadaem alguma outra forma de energia,como, por exem-
plo, a térmicaou a luminosa.Aliás, essaparidadeentreenergiaconstrutivae destrutiva
está bem expressanas palavras"vigor" e "violência", ambasoriginadasdo mesmo
étimo latino vrs, qu.equ'erdízerforça.
Da mesmamaneira,em grandeparte,competeaoseducadoresa responsabilida-
de pelo destinoconstrutivoou destrutivoda energiado adolescente.O passoinicial é
a de que os educadores- pais, mestres,etc. - entendamo porquê da formação de
gruposem condiçõesnormaise sadias,aindaque aparentementedoentias.Paratanto,
vamos listar algunspontos mais relevantes:

. O grupo é o àabitat naf:'l,ral


do adolescente.Nos casossadios,vamos denominar
turmas, e nos que são destrutivos,Bangues.
. O grupo funciona como um objeto e um espaçotransicional,ou seja,ele permite
a saudávelcriaçãode uma zonaimagináriaonde ainda existeuma mesclado real
com um forte sentimento,ilusão e magia onipotente.A diferençaé que, nas tur-
mas, essaonipotência é transitória, e, nas gangues,peÍÍnanecemais intensa e
permanente.
. Dessaforma, a turma propicia a formaçãode uma nova identidade,intermediária
entre a família e a sociedade,com a assunçãoe o exercício de novos papéis.
Igualmente,a turma cria um novo modelo de superegoou de ideaisde ego quan-
do os adolescentessentemque não podem,ou não querem,cumprir com os valo-
res e ideaispropostose esperadospelos pais.
Costuma haver - por vezes com um colorido manifestamentehistérico - uma
busca por ídolos que consubstanciemuma imagem - não importa se fabricada
pela mídia- de alguémque sejaportadore porta-vozdos ideaisdos adolescentes
tanto sob a forma de belezaquantode prestígio,talento, riqueza ou de contesta-
ção libertária.
A tendênciaa se agruparemtambém se deve ao fato de que: sentem-semenos
expostosàs críticas diretas;discriminam-sedos adultos;confiam mais nos valo-
res de seuspares;diluem os sentimentosde vergonha,medo,culpa e inferiorida-
de quandoconvivem com outrosiguais a eles;reassegurama auto-esÍimaatravés
da imagem que os outros lhe remetem.
64 . z-"*na*l a osonro

O grupo propicia um jogo de projeçõese introjeções,de idealizaçõese


mentos,de múltiplas dissociaçõese integrações.Da mesmaforma, o
está ancoradona fantasiade que a "união faz a forçt", e com isso ele se
mais forte, e a sua voz ressoamais longe e mais potente. Ao mesmo tempo,
turma possibilita que cadaum reconheçae sejareconhecidopelos outros,
alguém que, de fato, existe como um indivíduo, e que tem um espaçopróprio.
. A turma orooicia o fortalecimentoda identidadesexual ainda não definida.
fácil entenderque a "turma do Bolinha", cuio lema é o de "meninasnão entram"
ou a contraDartena "turma da Luluzinha" atestamnão uma ho
latenteque um juízo mais apressadopoderiapressupor,
mas,sim, como
formade fugir do sexooposto.Essafugatantoserveparamarcar
as diferençasentre os gênerossexuais,e assimconsolidara suaidentidade
al, comotambémparaproteger-se
dosriscosinerentesàsrenascentes
e
fantasiasligadas à reativaçãohormonal-libidinal.
. Uma outra forma de as turmas firmarem a sua diferenciaçãocom os adultos
pela via da obtençãode um reconhecimentopropiciado com sinars
como são as roupas-uniformes,o uso de motos potentes,a exibição de
de surf, o uso de insígnias,os penteadosaìgo bizarros,um tipo de música
moda, etc. Nessescasos,pode-sedizer que, muitas vezes,as "modas" tomam
lugar das identidades,enquantoestasainda não estãoclaramentedefinidas.
. Nas turmas que denominamosdrogativos - é diferente de drogadictos -,
estar acontecendoque se trate de um grupo normal, no qual a droga está
degrffi decorageme
menteservindocomoum modismo,umaespêcie
çãojunto aosrespectivospares.Nessecaso,as drogasestariam
o mesmopapelque a proibiçãorigorosado cigarro
na atualidade,
para as geraçõesmais antigas.Assim, paradoxalmente,a droga pode estar
um fetiche que une e integra a turma.
. Dessaforma. é imDortanteassinalarque a tendênciaantissocialda turma
a princípio,não é preocupante.
centereferidoanteriormente, Os indivíduose
grupoassimespontaneamente formadonecessitam apenasseremcontidos
seusexcessosnas transgressões das leis que regem a sociedade,sem
los para uma orientaçãoadulta.

A FORMAÇAO DE GANGUES
de uma gangueé o
o aspectomaiscaracterístico
Tal como antesfoi consignado.
predominância
daspulsõesagressivo-destrutivas,
muitasvezescomrequintesde
versidade e de crueldade. Por oue isso? A resoosta não é fácil. oois as
nãosãoúnicase nemsimples,pelocontrário,sãomúltiplas,comple
determinantes
xas e abrangemfatores tanto da naturezado psiquismo intemo como aqueles
dizem respeitoàscircunstânciasda família, os aspectossócio-culturais,econômicog
oolíticos e também a influência da mídia.
Sabemosque existeuma constanteinteraçãoentre o indivíduo e a sua socieda
de, e que a identidadedo sujeito - especialmentea do adolescente- fica seriamentc
ameaçadaquandohá um incrementode angústias,quer as provindasde dentro dele'
quer aquelasque, vindasde fora, abatem-sesobreele com exigênciase privaçõesde
todaordem.
COMOTRABAL}IAMOSCOM GRUPOS . 65

F Assim, uma primeira e óbvia razãoé a de que uma gangueagressivarepresenta


vn grito de desesperoe de protesto contra uma sociedadeque não só não os
entende,como ainda os desampara,humilha, mente, corrompe e degrada.Vale
a assinalarque, nessabuscadesesperada por uma libertação,forma-seum grande
o paradoxo,porquantoa organizaçãoda ganguesegueum tão rígido codigo de leal-
dadeaos seusvalores,que ele próprio acabapor se constituirnum novo cativeiro.
E Como a maioria das ganguesse forma no seio das classesmais humildes, temos
uma tendênciaem aceitar essaexplicaçãode naturezasócio-econômicacomo
suficientepara entendero porquê da condutapredatóriadessasganguescontra a
E sociedadeburguesa.No entanto, em classesmais favorecidas,essefenômeno
tambémnão âconteceraramente,o que comprovaque o extravasamentode senti-
l- mentosde ódio, inveja destrutivae ímpetosde vingançacruel não é exclusivida-
ls de de classese de pessoaseconomicamentecarenciadas.A carênciaé mais pro-
funda e sériado que aquelaunicamenteeconômicae diz respeitoàsprivaçõesde
ordem afetiva e do caosemocionalde certasfamílias.
Outra causaexplicativa da empáfia arrogantee onipotenteque caracterizacada
ls um dos indivíduos que pertencemà gangueconsisteno fato de que, muito refor-
la çadapela antesaludida idéia de que a união faz a força, exacerba-seuma sensa-
ção de onipotência e prepotência.Sabemostodos que, muitas vezes, o sujeito
necessitarecorrerao recursomágico da onipotênciacomo uma forma de fugir da
depressãosubjacente,do reconhecimentoda sua fragilidade e da dependência
dos outros.Da mesmaforma,um grupofavorecea diluição do fardo de responsabi-
lidadese de culpas de cadaum, separadamente, em relaçãoaos danoscausados
aos outros.
Um aspectoimportantea ser levado em conta é o fato de que, assim como, nas
turmas sadias,a supervalorizaçãodo tipo de vestimenta,penteado,gosto musi-
cal, etc., pode estar sendo o emblema designativoda sua diferenciaçãocom o
establishment - ou,nasturmasdrogativaso fetichesupervalorizado e diferenciador
seja representadopela droga nas ganguesdeliquenclals,a violência, por si mes-
ma, pode seconstituir como insígniaprincipal. Dessaforma, o ideal da ganguese
organizaem tomo daidealizaçãoda violência,a qualnáo só não é criticadapelos
pares,como ainda o seu propósito antisocial é significado por eles como uma
demonstraçãode audáciae valentiae, portanto,como um passaportepara a acei-
taçãoe â admiraçãodos demais.
Modelo de uma cúpula diretiva corrompida,sejano âmbito familiar, sejano nível
govemamental.
A influência da mídia como um fator modeladorda formação de ganguesnão
deve ser exageradapor partedos estudiososdo assunto,porém tambémnão deve
ser depreciadae estápor merecerum estudomais profundo.
Por último, um aspectomuito importanteé aqueleque diz respeitoà dificuldade
em se conseguirmodificar a progressivaexpansão,numérica e destrutiva, das
ganguesnascidasnasclassesmarginalizadas.Prendem-seao fato de que os indiví-
duos nasceme crescemem um ambienteque tem uma cultura própria, com o
cultivo de valores outros que não aqueleshabitualmenteconsideradospor nós
como sendoos construtivose saudáveis.Eles se organizamem uma sociedade
paralelae, por isso, a regraé que eles não se sentemcomo marginalizados,mas,
sim, como orgulhososportadoresde uma cultura diferente,umâ anticultura,com
um código de valoresmorais, éticos e jurídicos inteiramenteà parte dos valores
vleentes.
66 . zrt.,tenr,aeL
a osonro

COMO EMRENTAR O PROBLEMA?

Estaé a partemaisdifícil do presente no quetangeaos


capítulo,especialmente
vesproblemas dasgangues Talveznenhumoutroproblemade
deliquenciais.
conseqüênciÍìssociaise econômicastenhamerecidotantosestudos,conferências,
gressose divulgaçãoem todosveículosda imprensae tantotenhamobilizadoa
paçãonacionalcomoesteque serefereàscriançasmarginalizadas e abandonadas,
comoconseqüência direta,à formaçãode bandospredatórios
cadavezmais
Apesarde tudoisso,o problemacontinuacrescente,
semsoluçãodefinitivaà vista.
No entanto,algumacoisapodeserditae feita.
Assim,em relaçãoàslrrmas quetantocostumampreocupar ospais,a primei
que
medida seimpõeé a de propiciar que
instrumentos possibilitemuma
dosvalorese dosproblemas entreasgerações,
dos"mal-entendidos" de modoa
gataro diálogoentrepaise Íìlhos.
Uma forma de favoreceresseintercâmbioafetivo e atenuaro crucial
do mal-entendidona comunicaçãoconsistena promoçáode grupos de reflexão,
denadospor técnicosbem preparados,não necessariamente grupoterapeutas.
grupospodemsercompostos por adolescentes,
exclusivamente pelospai
ou apenas
ou ainda serem constituídos iuntamenteoor diferentes adolescentese
podeclarearmuita
pais.Os problemassãocomuns,e a trocade experiências
reduzir culpase temoresexagerados,bem como abrirum espaçoparaa tolerânciae
respeitorecíproco.
Um dos aspectosmais importantesem relaçãoàs atitudesdos pais consiste
que estestenhamcondiçõesde perceberque,muitasvezes.a aparênciade
desaforoe desafiopor partedosfilhos representa
um saudávelintentode
de suapersonalidadeinstávele que a bizarria da turma do seufilho secomporta
um espaçointermediárioentreo seumundofamiliare o mundosocialadulto.
outraspalavras,
ospaisdevementender queosconflitosinerentes
àsmudanças
nassãoprojetadose atuadossoba formade mudanças extemas.
Em relação àstanz as drogativas com adolescentes,antesde mais nada é
sávelestabelecer
a diferença entreasexpressões
conceitual "drogadiqto'e "drogativol
deumaadicçãoquímic-a,
No primeirocaso.trata-se ponanto.deumadóençaaltament
preocupante.No segundo caso,trata-se
do usode drogasativas,as quais.porém
estãosendoconsumidasnão pela compulsoriedadede um vício (em cujo caso,já
estabeleceuum círculo vicioso entreo organismoe o psiquismo,de sorteque a
requeruma saciedadeurgentee irrefreável),mas,sim, o adolescenteda turma experi
menta a droga como um ilusório ritual de passagemà condição de adulto livre
reconhecidopelos seuspares.
A perguntamaisprovávelquedeveestarocorrendoao leitorcostumaser
Não há o risco de um adolescentedrogativo passarà condição de drogadicto?
responderiaque sim e que não, tudo dependendoda estruturaemocional básica
cadãadolescèntes em particular.É a meì-a coisaqueperguntarpor que a maiori
daspessoas bebecervejaou vinho,socialmente, e somentealgumasdelas
parao alcoolismo?Por que,entretantaspessoas quejogam cartaspor lazer,
delassetomamjogadorescompulsivos? E assimpor diante.
A estrutura
básicadecadaadolescente, porsuavez,depende
de comofoi e comocontinuasendoforiadona suafamílianuclear.Comoo
da relaçãogrupalentrepaise filhosé muitoextenso,nãocabeaquio seu
mento, mas bastadizer que um fator de primeira importânciaé o tipo de modelo
condutatransmitidopelos pais. Assim, é muito comum encontrarmosuma
COMOTRABALHAMOSCOM CRUPOS . 67

cia entre o que os pais dizem,Íazem, e o que, de fato, eles rdo. Por exemplo, os pais
podem pregar verdadeirosdiscursosde alertacontra os vícios, ao mesmotempo que
ostensivamentecultivam o seu vício ao cigarro, à comida, ou a remédios,etc.
O que essencialmentediferenciaâ existênciade uma turma e de uma gangueé
que,na primeira,alémdeuma buscasadiapor emancipação, prevalecemos sentimentos
amorosos,ainda que essesestejamcamuflados por uma capa de onipotência e de
pseudo-agressão. A turma se dissolve ao natural, porquanto os seus componentes
crescem,tomam diferentescaminhosna vida e ficam absorvidospelo eslúlishment.
É diferente nas gangues:neste câso, há a predominânciados sentimentosde
ódio e vingança, com a ausênciamanifestade sentimentosde culpa e de intentos
reparatórios,ancoradosque aquelesestãona idealizaçãode sua destrutividade.Em
casode dissoluçãoda gangue,os seusmembrosseguema mesmatrilha de delinqüên-
cia ao longo da vida, tantoporqueos conflitos sócio-econômicosestãocontinuamen-
te reforçandoe justificando a violência como porque o processode separaçãoentre
elesnãofoi devidoa um Drocesso naturaldecrescimento. mas. de
um foco infeccioso,cadaum delesvai inoculandoo vírus nas
o
ter a violência provinda das ganguesorganizadasem tomo de líderesque fazem da
crueldadeo seu ideal de vida. Mesmo em paísesdo primeiro mundo, com todos os
recursoseconômicose com técnicosespecializadosà disposiçãodas autoridades,o
desafiodo problemadeliqüencialnão estásendovencido; pelo contrário.
Não se pode esquecer,no entanto,que, melhor do que simplesmentecruzar os
braçosou fazer o inútil jogo da retórica bonita - é efetivar uma real tomadade inici-
ativasque sedirijam não tantounicamenteà necessáriaaçãorepressivadirigida isola-
damentea indivíduos ou algumasgangues,mas sim ao investimentoem processos
educacionais,de tal sorteque,desdemuito cedo,a criançamarginalizadapossarespei-
tar, admirar, e assim incorporar novos modelos de valores provindos de técnicos,
educadores.
É desnecessárioesclarecerque a ênfase aqui tributada à educaçãode forma
nenhumaexclui a necessidade simultâneade uma açãorepressivapor partedasautori-
dades competentes,especialmenteporque a melhor maneira de mostrar amor por
uma criançaou adolescenteé saberimpor limites adequadosà sua onipotência.
As outrasmedidasque idêalmentepoderiamsolucionaro problemadasgangues
violentassãoutópicase totalmenteinviáveis para a nossarealidadeatual,porém não
custafazer algumascogitações:

. Uma mudançana mentalidadedas classesdirigentese na elite econômica,de tal


soÍe que o modelo que vem de cima para baixo não viesseimpregnadocom os
valoresda hipocrisiae da comrpção.
. Uma profunda modificaçãona distribuiçãode renda,de maneiraque se propici-
assecondiçõesde vida, no mínimo dignas,principalmentepara as crianças.
. Uma participaçãomais profunda do Estadojunto às comunidades,de forma a
propiciar a disseminaçãode grupos operativoseducativosdirigidos a crianças,
adolescentes,pais e educadoresem geral.

Embora a já mencionadaobviedadede que as duas primeiras cogitaçõessão


totalmenteinalcançáveìsem nosso meio, a terceiradelas é bastanteviável e talvez
possibilitasse,mais precocemente,uma mudançade mentalidadenas classessociais
mais desfavorecidas,no sentido de substituir a idealizaçãoda violência por outros
valorese por uma outra ética de convívio grupal e social.
Processos Obstrutivosnos
SistemasSociais,nosGru-
pos e nasInstituições
LUIZ CARLOSOSORIO

Qualquersistemasocial, sejaum casal,uma famíia, um gmpo terapêuticoou uma


instituição,nãoé um merosomatóriode individualidades. Issoo sabemos todosnós,
mastê-lo em contana práxisde nossasatividadesgnpais nem sempreé tão óbvio
quantosepoderiasupor.
Sabemos, portanto,queum sistema(nocaso,o sistemagrupal)nãoé a somade
suas paÍes. E o chamadoprincípioda não-somatividade, umadaspedrasangulares
da teoria dos sistemas,mencionadopor Watzlawick(1967). O conceitopsicológico
de "gestú" deriva-sedesteprincípioe sinalizaa importânciadeconsiderÍìr-se o gÍu-
po comoumaentidadepeculiar,cujo perfìl psicodinâmiconãopodesersimplistamente
reduzidoà resultantêdosvetoÍespsicológicosde seuscomponentes.
Logo, os grupostêm suadinâmicaprópriae leis inerentesa seufuncionamento.
Não podemoscompreendê-los tão somentea partir da dinâmicaintrapsíquicade seus
membros.Não obstante,sendomeu vértice de aproximaçãoao estudodos gnrposo
psicanalítico,é a partir decertascaracteísticaspsicológicasdossereshumanose que
semanifestamemsuasinteraçõssociaisqueprocuroentendero funcionamentogrupal.
Sefiz a ressalvainicialé paraquenãosesuponhaqueingenuamente tenhoa preten-
sãode abarcartodo o universodasmanifestações e vicissitudesdasatiüdadesgrupais
apenassoba óticada psicanáIise: essa,comoasdemaisabordagens propostaspelos
estudiosos do comportamento socialdossereshumanos, é apenasumadasinúmeras
vias de entradaà compreensão dosprocessosgrupais.
O fenômenoque centralizaa atividadede qualqueragrupamentohumanoé a
interaçãoentreseuscomponentes. Na dinâmicadessainteraçãoé quetemosquefocar
nossointeresseespeculativo,independentemente do vértice teórico sob o qual nos
para
posicionamos, compreender tantoosaspectos construtivoscomoosobstrutivos
da atividadegrupaldosindivíduos.
Diz-sequeo Homemé um sergregário,aludindo-secomissoà suainatatendência
a agrupar-separa íuisegurarsuaidentidadee sobrevivênciacomo espécie.Mas, ao
contráriode outrasespéciesanimais,o Homemnáo seagrupaapenaspíua defender-
sedosperigosnaturaisou paramultiplicar suacapacidadede proversustentoe prote-
ção paraa prole. O Homemtambémseagrupaparainstrumentalizarseudomínio e
podersobreseusiguais,mesmoquandoestedomínionãoestávinculadoa questõ€s
70 . zuenurNaosonlo

de sobrevivência ou preservaçâo da espécie. E é quandoissoocorrequenosdefr


tamoscom osmecanismos obstrutivosnossistemas sociais,gruposou instituiçõ
Os sistemas sociais,asinstituições e os gruposem geralsãosempre- a par
seusobjetivosespecíficos - instrumentos de buscae manutenção do Poder(as
mesmo,maiusculado, paraenfatizarsuamagnitudee inadjetivadoparacaracte
suaabrangência). Essaaspiração ou desejode Poderestáligadoàsorigensda con
çãohumanae é o substrato dinâmicoparaasvicissitudes dosindivíduosna suav
de relação.
Sabemos queossereshumanos sãocapazes deinibirseudesenvolvimento psíq
co e comprometer seriamente a realizaçãodeseusprojetosdevidaa partirdemeca
mos autodestrutivos, que vão desdeas "inofensivas"somatizações que afetam
indivíduosem geral até condutas francamente suicidas.
De formaanáloga,poderíamos dizerquetambémos sistemassociais"aniq
lam-se"ou "suicidam-se". Aí estáa desintegração do LesteEuropeucomoevidêr
contemporânea desses processos autodestrutivos num sistemasocial.Em escalam
nor, os gmpostambémse autoflagelam, como nasdissidências ou fragmenta
institucionais.
Porémnão é a essasformasextremasde aniquilaçãoinstitucionalque vam
nosreferirnestetextoe, sim,aosprocessos obstrutivoslentos,insidiosos,crônic
nemsempreperceptíveis e queestãocontínuae reiteradamente debilitandoosorga
mosgrupaise minandoseusobjetivosimanentes. Taisprocessos seriamcompaní
àsdetenções no desenvolvimento, ou aosfenômenos regrgssivosnosindivíduos.E
quiséssemos continuarna analogia,diríamosque seestendemnumagamaque
desdeasfronteirasda normalidade atéo nívelpsicótico,quenãocontemplaase
gências darealidade e acabaconstituindo-se numa"morteemvida"pelaimpossibi
dede darcursoa um projetoexistencial. Paralhesdarumaidéiamaisclaradaqui
queme refiro aqui,precisorecorrera algunsconceitose noções,aparentemen
parsase desconexas,mas que aos poucosserãoarticuladaspara dâr sustentaç
estaexposição.
Paraum psicanalist4falar em processos obstrutivosou autodestrutivos ée
carinevitavelmente a idéiadeum instintoou pulsão demorte,tal comooriginalm
te a formulouFreud(1920).Esseé sabidamente um dosmaiscontroversos conce
da teoriapsicanalítica e há quemafirmequenemmesmoFreudseconvenceuc
suaprópriaaÍgumentação a favor de suaexistência. O-saggggqpsicanalistas qu
adotaramçqnó ferramêntaepistemológica- M. Klein èìÍlóçlõ:ìãfr guraãÍn-
tal sorte
de-Èì:meìa que Douco lembra a forma coúo Freud inicialmenteo concebeu.
meómílibèidãdèdé transTorm-raÇão õo èonieito ilara aÌtíptáJo a
objetivosdestecapítulo.Tomarei,então,o instintodemoÍe nãocomoum hipoté
impulsoao auto-aniquilamento, mascomoumaformade inérciaao movimento
direçãoà vida,aocrescimento, à evoluçãoe suasexigênciasdediferenciação e recon
cimentodapresença do Outro - como algo,enfim,que boicotaou sabota o desenv
mentopsíçico do indivíduo.
Sirvo-meda intuiçãodospoetas- essessutisantecipadores do conhecim
científico- paradadhesumasintéticaidéiado instintode mortecomoo visualiz
apresento _aqui.Diz-nosM. Quintana(1973):" A única mortepossívelé não
nascido".E a estarecusaàsvicissitudesdaexistênciae ao desejodemanlerad aete
o estadodeonipotência originalqueestoualudindoaquiquandomerefrroaoinsti
de morte.
COMOTRABALHAMOSCOM CRUPOS . 71

\ÍAS O QUE VEM A SER O ESTADODE ONIPOTENCIA ORIGINAL


A\TES REFERIDO?

Suponhamos,para melhor entendê-lo,que o bebêdentro do útero matemo tem de si


e do que o rodeia a idéia de um todo fusionadoe indissociável.Se um feto pensasse,
diria:;'O Universo sou Eu". Essafórmula solipsistaresumea essênciapsicoiógicado
estadode indiferenciaçãoinicial do ser humanona vida intra-uterina.Essa fórmula
transforma-se, pelacontingênciado nascimento,na premissa"O Universo(Mãe)existe
em função de Mim", que serámantidaao longo dos primeiros mesesde vida do bebê,
em razáo de sua condição neotênica,ou seja, sua incapacidadede sobreviver sem
cuidadosextemos(maternagem).
A cisãoprimordial do nascimentoe a conseqüentenecessidadede adaptar-seàs
exigênciasde uma realidadeque confronta o ser humano com a evidência de sua
incompletude(e, posteriormente,com suafinitude) o levam a anelaÍo retomo ao que
chamamosestadode onipotênciaoriginal, representação mentaldo paraísonirvânico,
sem angústias,sem conflitos, sem desejosa demandarsatisfaçõese, conseqüente-
mente, o corolário da negaçãoda vida e suasvicissitudes.O impulso que se opõe à
vida e às suasmanifestações,tais como o desejode crescere aceitaros desafiosdo
périplo existencial,é o que aqui entendemospor instinto de morte, e seu objetivo
seria,portanto,o retomo ao estadode onipotênciaoriginal, cujo paradigmaé o narci-
sismo primário do bebêno "nirvana" uterino.
Narcisismo, noção intimamenterelacionadae articuladacom as anteriores,é
nossapróxima referênciaconceitual.Narcisismoque não é o amor a si próprio como
postulou-seinicialmente, fundamentando-sena expressãoplástica da lenda que o
inspirou como conceito metapsicológico,mas, sim, q incapacidadede amar até_asi
próprio, conteúdoque transcendea imagem de Narciso mirando-seno espelhodas
águasparaevocar o aspectoautodestrutivosubjacentena representaçãoalegóricada
voltâ ao estadoonipotenteoriginal, pela fusão com a Mãe, simbolizada nas águas
onde se deixa afogar.
Outra vez os poetasvêm em meu auxílio para me adequarà necessidadede ser
breve.Destafeita é V. de Moraesquem nos alertaque "quem de dentro de si não sai
vai morrer semamarninguém". Narcisismoé, pois, como aqui o estamosconsideran-
do, esta impossibilidadede sair de dentro de si para a interaçãocom o Outro, esteja
esseOutro externalizadono seu mundo de relaçõespessoaisou intemalizado sob a
forma de representações de objetosafetivos no aparelhopsíquico.
O narcisismo seria, então, a expressãoda libido represadae que no contexto
grupal se evidencia por uma menor disponibilidade às interaçõesafetivas e a uma
menor consideraçãopelos direitos alheios, alimentando,dessaforma, os processos
obstrutivospelo estancamentoda cooperaçãogrupal indispensávelà consecuçãoda
tarefa a que o grupo se propõe, seja qual for esta.Por outro lado, a libido represada
impedea admiração,porqueestaimplica o reconhecimentodo valor alheio. Destarte,
as posturasnarcísicasensejama eclosãode sentimentosinvejosos.
A inveja lançasuasraízesno solo que lhe é propício,o narcisismo,medraregada
pela hostilidadee se espalha,qual erva daninha,no pasto da mediocridade.Outros-
sim, a inveja articula-secom o instinto de morte por ser um sentimentoparalisante,
impeditivo do progressode quem o albergae que o deixa à margemdos movimentos
evolutivos de qualquergrupo do qual participe,aosquais irá sabotar,pois a emergên-
cia da criatividade grupal exarcerbao mal-estardo indivíduo invejoso que, via de
regÍa,pertenceà parcelamenostalentosaou criativa dos gruposou instituições.Como
72 . zIt,lrnulN a osonlo

sóiacontecer queo invejosonãotenhaconsciência dapr6priainveja(porquepara


lo é precisoteracessoaoprocessocriativoa quechamamoslnsrgftle esteestá
do pela açãodeletéria do instinto de morte enquantoagentebloqueador do
ou evolução) põe-seelea atacarosmovimentos do gmpo,i
construtivos
as práticas
sabotadoras das transformações criativas.
Outrossentimentos ou emoções humanas comparecem e causam
na malhainterativados processos grupais,gerando ou exarceúando
obstrutivos a seufuncionamento. Entretantosquedeixaremos de mencionare
tir paranãoexcederos limitesconvenientes a estaexposição,destacaremos,por
relevânciapara o tema em pauta, a arrogância(outro subprodutonarcísico)e
contrapartida, o servilismointeresseiro,umaformade mimetismocomasopiniõe
intenções daslideranças grupaise queconsisteemabrir-semãodadignidade
paraa obtenção dasbenesses do podercirculanteno gmpoe aoqualo postulante
sesupõecapazde ter acessoa nãoserpeloexpediente da bajulação.
Taiscondutas, decorrentes querda arrogância de quemnarcisicâmente se
bui um valorquenãoteme desqualifica o méritoalheio,querdo peleguismode
se humilha para contemplar seu triunfo narcísico espelhadono Outro, têm
estagnantessobrea evoluçãodo processogrupale, conseqüentemente, podem
arroladascomoelementos obstrutivosdossistemas sociais.
A hipocrisiaé outroagenteobstrutivogrupalquenãopodemos deixarde
nar.Comosugeremsuasraízesetimológicas, é a hipocrisiao redutodasatitudes
subvertema mudançasocialpor manterabaixodo nívelcrítico(hipo-crisis)a
cia dosaspectosconflitivosinerentesa qualqueragnrpamento humano.
Ao impedir-se, pelaviacínicaou intermediação hipócrita,quevenhamà tona
sentimentosconflitantes,tamponam-se artificialmente ascrisesinstitucionais
e
tam-seasiniciativaspaÍapromoverasmudanças capazes de assegurar a
de dosprocessos grupaise, conseqüentemente, a manutenção da saúde
Recorde-se,en passanl, que a expressãocrise (do grego kri.ris - ato ou facu
de de distinguir, escolher,decidire./ouresolver),como lembra Erikson (1968),já
não padeceem nossosdias do significado de catástrofeiminente que em certo
chegoua constituir-seem obstáculoà compreensão do real significadodo
Atualmente,aceita-sequecrisedesignaum pontoconjunturalnecessário ao
vimentotantodosindivíduoscomodesuasinstituições. As crisesmobilizamas
riênciasacumuladas e ensejamumamelhor(re-)definiçãode objetivospessoaio
coletivos.
Todoe qualquersistemasocialé uma caixade ressonância que amplifica
emoções humanas e asreverbera na tramainterpessoal quelhe servede sustenta
Como,então,apresentam-se e interagern,napráxissocietária,grupalou institucion
elementos comoos mencionados instintode morte,narcisismo, buscae manuten
de estados de poder,inveja,anogância, hipocrisia
servilismo, e outrostantosapen
sugeridose não explicitamentemencionadosno texto?E como se exteriorizame
processos obstrutivos?
Vamosnosvalera seguirde uma situaçãofictíciaquenospermita,atravésd
ilustração,preencheraslacunasda digressãoteórica.Apenasdescreveremos a alud
da situação,deixandoaosleitoresa tarefade correlacioná-la comosconteúdos sob
osquaisestivemos a dissertaratéagora.
Imaginemosqueestamosreunidosnum grupoinformal pzrÍaestudÍtÍos proce
sosobstrutivos nasinstituiçõessociaisemgeral.A motivaçãoquenosaproximoué
curiosidadecompartidasobreessesfenômenose o desejode compreendêJos e
coMo TRABALHAM''co" o*u"or . 73

Ë- maiorprofundidade. Tambémcompartilhamos a convicçãodequeé numgrupomul-


z- tidisciplinarquemaiorproveitoadviránossointercâmbiode idéias.
rto Eis quandoalguémrepentinamente propõe:" - E sefundássemos umasocieda-
do de para estudar os processos obstrutivos nos sistemas sociais e pudéssemos através
delaveicularnossacontribuição a tãorelevante questãonosdiasqueconem?Ponho-
ias medesdejáà disposição do grupo para tomar as primeirasprovidências cabíveis".(O
les proponente trai assimseuinefreávelanseiode liderartal sociedade.) Ato contínuo,
cu- outromembrodo grupo,salientando suapréviaexperiência comocomunicador, su-
ma gereumasiglaparaa nascente instituição:" - Chamemo-la SPEPOS (Sociedade para
a o EstudodosProcessos Obstrutivos Sociais)",aoqueum terceiro,vocacionado prag-
: se maticamentepara a codificaçãoinformática, contrapõe: " - Muito extensa.
oal Condensemo-la paraSPOS.E suficienteparaidentificá-lae soamelhor".
trão Entrementes, outroaspirante à liderançado gruposugerequesecogitemnomes
paracompora diretoria,e vai logo indicandodois ou trêsparacargosde secretiírio
úri- tesoureiroe relaçõespúblicas,deixandoestrategicamente vacanteo de presidente
EM logo preenchidocom seupróprionomepor propostado secretáriorecém-indicado
itos antigocompanheiro de lutaspolíticasnoutrosanaiais.O tesoureiro, confirmandoo
Lsef acertoda proposiçãode seunomeparao caÍgo,vai logo calculandoe sugerindoo
valordeumacontribuição inicialparaossóciose...pronto!Lá sefoi por águaabaixo
piG o objetivooriginaldo grupo,carregado pelo desejocoletivode abrir espaçoparao
que exercíciodos jogos de poder, a serviço núcleosnarcísicos
dos de cadaum doscom-
gên- ponentes. E nãohá comoa promessa de um cargodiretivoparaacionarasvaidades
circulantese preencheras valênciasnarcísicassempredisponíveisparauma nova
Eì OS tentativade resgatedo estadoonipotente original.
bor- O grupoinstitucionalpassaa ser,então,o continente propícioa estabuscairre-
úda- freávelderestauração do poder original perdido e que,no registro existencialdecada
tnal. um deseusmembros, jaz no passado arcaicoqueremontaaoestadodeindiferenciaçã
úda- inicial do bebê,ondeimperasoberana a condiçãonarcísicaprimordial,quenãoreco-
ique nhecea existênciado outroporqueissoimplicarevelara si própriosuafragilidadee
Ento incompletude.
rmo. Abstraindo-se o carátercaricaturaldo exemploproposto,pode-seimaginarme-
rvol- lhor caldodeculturado quea institucionalização deum grupocomofoi descritopara
xpe- o florescimento da inveja,da arrogância, do mimetismoservilista,da hipocrisiaaco-
is ou modatícia,dadesqualificação do valoralheioe outrostantoselementos pemiciososà
integidadee ao progresso de um sistemasocial?São esses alguns dos mecanismos
;a as obstrutivosque sabotamo crescimento de um grupoe erosamseusobjetivosorigi-
rção. nais,trazendocomoconseqüência a inérciae a estagnação queidentificama presen-
onal, ça do instintode morte,na acepção em queo consideramos.
nção Sequisermoscorrelacionar taiseventoscom a teoriapsicanalítica dosgrupos'
,enas conformeenunciada por Bion (1961), poderíamos acrescentar, a estaaltura,que os
nem processos obstrutivosseinstalamna vigênciadossupostos básicosde dependência
iuta-e-fugae acasalamento messiânico; ou seja,um grupo deixade cumprir seus
ésda objetivose apresenta um movimentodedetenção evolutivaou regressão sempreque
rludi- abandona a condiçãode grupodetrabalhoparatomar-seum grupode supostos bási-
sobre cos,segundo a terminologia bioniana.
Uma última reflexão à guisa de conclusão:
0ces- Quandoum grupoinstitucionaliza-se a serviçodo podere do culto ao narcisis-
o u éa mo de seusmembrose desvia-se de seusobjetivosoriginais,eleesclerosa-se, perde
)s em vitalidade,e,mesmoquenãovenhaa seaniquilare desaparecer por inteiro,sofreum
lento,insidiosoe gradativoprocesso de degradação' Se esteprocesso de instituciona-
pelacarapaçâ constritivadasestruturas narcísicasde seusmembroscomponentes, ta
qual o cérebrodc um infanteesmagadopelaossificação prcmaturado crânio.
Então- aÌguém poderá indagar-se, fazcndo ulna leitura parcializadaou equivo
cadado que estoudizendo- todo o processode institucionalização ó nocivo?
Obviamente,não.A instituição seja ela a família, o clube esportivo, o partid
políticoou a sociedade científica- é o arcabouço, o esqueÌeto do corposocietário.E
o que o sustentac possibilitasua estruturação. Sem dúvida,contudo,a instituiçã
sofreum inevitávelprocessode pauliìtinaarÌtodestnÌição na medidaem que seafast
de seusobjetivosprecípuos paraserviraosintcresses narcísicos de seusmembros,ou
se restringea opcrarcomo mero instrumento para o exercício do poder.
A aceitaçãoda premissade que os gÌxpos,como os indivíduos,sãolimitadose
finitose quenãopodemsujeitar-se a sacrificarsuasfinalidadesespccíficas paraaten
der às demandasnarcísicas de seuscomponentes e à sua aspiraçãode resgatarur
poderilusórioé condítìosürcquír/ralÌpariìque se atenuemos pÍoccssosobstrutivo
quepossamvir a ameaçara sobrevivôncia operativade qualquergrupo,instituiçãooL
sistemasocial.
Em outraspalavras,nãosãoasideologiase sim os indivíduosquefracassam er
suastentativas de construirum mundomelhor,porquena suapri'txisinstitucionalest
mundonão ultrapassar as fronteirasde seusprópriosegos.
Pensoque adquirirrnslgÀtdessesmccanismos obstrutivosvinculadosà buscae
manutenção de estadosde podera serviçode pressupostos naÍcísicosque solapamc
funcionamento dasinstituiçõeshumanase âmeâçamsuacontinuidadee existênciaé
de sumaimpoíânciaparatodosnósquctrabalhamos com grupos.E precisoidentific
los conetae precocemente para,então, podermos introduzir asmudanças necessár
à remoçãodospontosde estrangulamcÌ'Ìto que impedemo fluxo criativodos proce
sos grupais.Sem isso,os sistemassociaistornam-seantioperativos e contribue
parao mal-estarexistencialdos que nelesconvivem.

REFERÊNCIASBIBLIOGRÁFICAS
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