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SEMINÁRIO PRESBITERIANO NOROESTE DO BRASIL

NILTON MOTA DE OLIVEIRA

Exegese – Romanos 1.16-17


O Poder do Evangelho

Ji-Paraná
2023
NILTON MOTA DE OLIVEIRA

Exegese – Romanos 1.16-17


O Poder do Evangelho

Trabalho apresentado à SPNB – Seminário


Presbiteriano Noroeste do Brasil, como parte dos
requisitos da disciplina de Exegese do Novo
Testamento 3, entregue como cumprimento
parcial para a obtenção do título de Bacharel em
Teologia.

Prof. Rev. Luciano Marinho amorim

Ji-Paraná
2023
2

Sumário
Índice de tabelas........................................................................................................4

Índice de Figuras....................................................................................................... 4

INTRODUÇÃO............................................................................................................ 5

1 ESTUDO TEXTUAL................................................................................................7

1.1 VARIANTE TEXTUAL – ROMANOS 1.16-17................................................7

1.1.1 Leitura da Variante...............................................................................7

1.2 TRADUÇÃO LITERAL...................................................................................8

1.3 ESBOÇO MECÂNICO DO TEXTO................................................................9

1.3.1 Texto Grego..........................................................................................9


1.3.2 Texto Português................................................................................. 10

1.4 JUSTIFICAÇÃO DOS LIMITES E DIVISÕES DA PERÍCOPE....................11

1.4.1 Delimitação inicial da perícope...........................................................11


1.4.2 Delimitação final da perícope..............................................................11
1.4.3 Elementos ao longo do texto..............................................................11

2 ESTUDO CONTEXTUAL......................................................................................12

2.1 CONTEXTO HISTÓRICO.............................................................................12

2.1.1 Situação Política de Roma..................................................................12


2.1.2 A cidade de Roma..............................................................................12
2.1.3 A fundação da Igreja...........................................................................14

2.2 CONTEXTO LITERÁRIO.............................................................................15

2.2.1 Contexto Geral....................................................................................15


2.2.2 Contexto remoto.................................................................................19
2.2.3 Contexto próximo................................................................................20

2.3 CONTEXTO CANÔNICO.............................................................................21

2.4 COMENTÁRIO.............................................................................................21

2.4.1 O evangelho é o poder de Deus para a salvação (16-17)..................21

2.5 MENSAGEM PARA A ÉPOCA DA ESCRITA.............................................30


3

2.6 MENAGEM PARA TODAS AS ÉPOCAS....................................................31

2.7 TEOLOGIA DO TEXTO................................................................................32

2.7.1 Implicações para a teologia Bíblica....................................................32


2.7.2 Implicações para a teologia sistemática.............................................33
2.7.3 Implicações para a teologia prática....................................................36

2.8 SERMÃO:.....................................................................................................37

2.9 ESBOÇO...................................................................................................... 38

3 Conclusão............................................................................................................ 39

4 Bibliografia...........................................................................................................40
4

Índice de tabelas
Tabela 1 - Variante Textual 1 7
Tabela 2 - Tradução Literal 8
Tabela 3 - Esboço de Romanos 19
Tabela 4 - Contexto Canônico Rm 16 21
Tabela 5 - Contexto Canônico Rm 17 21
Tabela 6 - Significado negativo e positivo da salvação 24

Índice de Figuras
Figura 1 - Texto NA28 Apresentando a Variante 1........................................................7
Figura 2 - Esboço Mecânico do Texto Grego..............................................................9
Figura 3 - Esboço Mecânico do Texto em Português................................................10
Figura 4 - Infográfico Justificação Pela Fé.................................................................33
5

INTRODUÇÃO
Nos dias atuais a pregação do evangelho tem sido cada vez mais
negligenciada e está sendo, aos poucos, retirada dos púlpitos. Ao contrário do que o
apóstolo Paulo diz, muitos se envergonham do evangelho por não o considerarem
suficiente para o crescimento da igreja e edificação dos crentes. Os cristãos têm
esquecido que a pregação genuína do evangelho é poderosa o suficiente, não
somente para o crescimento e edificação da igreja, mas para a salvação de todo
aquele que crê.
Paulo, ao escrever aos romanos, deixa bem claro que seu principal
objetivo é compartilhar dons espirituais com aqueles irmãos, e o principal dom que o
apóstolo quer dividir é o dom do conhecimento do evangelho, pois Paulo sabia que
tanto os judeus quanto os gentios precisavam conhecer o as verdades contidas na
Palavra para serem salvos. É no evangelho que a justiça de Deus é revelada, e o
apóstolo sabia disso, e sabia também que esse conhecimento era fundamental para
que aqueles irmãos pudessem viver pela fé, confiando em Jesus e em sua obra
salvífica.
O livro de Romanos é considerado o maior compêndio teológico do novo
testamento, nenhuma carta exerceu tanta influência sobra a teologia protestante
quanto esta. Estudar este livro é de fundamental importância para compreendermos
as nuances sobre as doutrinas do evangelho.
No texto que vamos estudar (Rm 1.16-17), Paulo trata explicitamente da
doutrina da justificação pela fé e do chamado eficaz, e trata implicitamente de outras
doutrinas como a eleição. Essas doutrinas estão inclusas dentro do estudo teológico
da soteriologia, que é estudo concernente a salvação. A importância dessas
doutrinas é tamanha que o apóstolo Paulo as ensina em toda a carta aos romanos e
em outras de sua autoria, fora o ensinamento do próprio Cristo e de outros escritores
bíblicos, tanto do Novo como do Antigo Testamento. Com isso percebemos a
relevância deste trabalho, pois desvendar e conhecer esses ensinamentos pode nos
ajudar a trazer mais esperança para aqueles que nos ouve, dizendo a eles que não
somos salvos por aquilo que fazemos, mas nossa salvação vem através da obra de
Cristo.
Outro ponto que acredito ser relevante em nosso estudo é o fato da
importância que Paulo dá para o evangelho, chegando ao ponto de dizer que não se
6

envergonha dele. Isso é importante para percebermos que não devemos


negligenciar algo tão valioso como o evangelho e a pregação fiel deste, pois
devemos entender que não são apenas palavras escritas em um livro, mas é o
poder de Deus e sua justiça revelada, para que através deste livro os homens
possam conhecer quem Deus é, e quem nós somos.
7

1 ESTUDO TEXTUAL
1.1 VARIANTE TEXTUAL – ROMANOS 1.16-17

Tabela 1 - Variante Textual 1

Verso WH Treg NA28 RP


16 εὐαγγέλιον + τοῦ χριστοῦ

Figura 1 - Texto NA28 Apresentando a Variante 1

Fonte: SBLGNT

1.1.1 Leitura da Variante

(WH) Brooke Foss Westcott e Fenton John Anthony Hort, O Novo Testa-
mento no Grego Original, vol. 1: Texto; vol. 2: Introdução [e] Apêndice (Cambridge:
Macmillan, 1881), (Treg) Samuel Prideaux Tregelles, The Greek New Testament,
Edited from Ancient Authorities, with their various Readings in Full, and the Latin Ver-
sion of Jerome (Londres: Bagster; Stewart, 1857–1879). (NA28) Representante da
edição NA28, Trazem a tradução (εὐαγγέλιον – Evangelho – “Pois não me envergonho
do Evangelho...”). (RP) O Novo Testamento no Grego Original: Texto Bizantino
2005, compilado e organizado por Maurice A. Robinson e William G. Pierpont
(Southborough, Mass.: Chilton, 2005) acrescenta (τοῦ χριστοῦ - de Cristo), com a
tradução: “Pois não me envergonho do Evangelho de Cristo...”.1
Conclusão:
Adotamos a primeira tradução (Pois não me envergonho do Evangelho),
sem o acréscimo da palavra (τοῦ χριστοῦ - de Cristo), pelos seguintes motivos:
 É aceito pelas versões mais antigas e mais confiáveis das
1
HOLMES, M. W. Apparatus for the Greek New Testament: SBL Edition. 1ª. ed. [S.l.]: Logos Bible
Software, 2010. Rm 1.16
8

traduções do Novo Testamento (WH, Treg e NA28).


 É adotada pela grande maioria das traduções modernas, exceto a
Revista e Corrigida.
 Quanto a tradução final não altera o sentido e a compreensão do
texto, pois o contexto já traz o pressuposto de que o evangelho
citado pelo escritor bíblico é o evangelho de Jesus Cristo.

1.2 TRADUÇÃO LITERAL

Tabela 2 - Tradução Literal

Verso Texto Grego Tradução Literal

Οὐ γὰρ ἐπαισχύνομαι2 τὸ Não Pois (me) envergonho do Evangelho,


εὐαγγέλιον, δύναμις γὰρ θεοῦ ἐστιν3 poder, porque, (de) Deus é, para salvação
16 εἰς σωτηρίαν παντὶ τῷ πιστεύοντι4, de todo o que crê, (do) Judeu primeiro e
Ἰουδαίῳ τε πρῶτον καὶ Ἕλληνι também (do) Grego.

δικαιοσύνη γὰρ θεοῦ ἐν αὐτῷ5 Justiça, pois, Deus dele (se) revela de fé
ἀποκαλύπτεται6 ἐκ πίστεως εἰς em fé, como (está) escrito: O, mas justo a
17
πίστιν, καθὼς γέγραπται7. Ὁ δὲ partir da fé viverá
δίκαιος ἐκ πίστεως ζήσεται8.

Fonte: (ALMEIDA, 1999)

2
verbo, presente, médio-passivo, indicativo, primeira pessoa, singular (ἐπαισχύνομαι – Me
envergonho)
3
verbo, presente, ativo, indicativo, terceira pessoa, singular (ἐστιν – ele é, está)
4
verbo, presente, ativo, particípio, singular, dativo, masculino (πιστεύοντι – Crê)
5
Algumas traduções modernas traduzem a expressão (ἐν αὐτῷ), como “no evangelho”, mas no
original grego essa expressão se traduz simplesmente como “nele”, tendo em vista que o contexto
da frase já se pressupõe que o escritor fala do evangelho, ou seja, “...a justiça de Deus se revela
nele (Evangelho) de fé em fé...”
6
verbo, presente, passivo, indicativo, terceira pessoa, singular (ἀποκαλύπτεται – Se revela)
7
verbo, presente, passivo, indicativo, terceira pessoa, singular (γέγραπται – Está escrito)
8
verbo, futuro, médio, indicativo, terceira pessoa, singular (ζήσεται – Viverá)
9

1.3 ESBOÇO MECÂNICO DO TEXTO

1.3.1 Texto Grego


Figura 2 - Esboço Mecânico do Texto Grego

Fonte: Software Bíblico Logos

Fonte: Software Bíblico Logos


10

1.3.2 Texto Português


Figura 3 - Esboço Mecânico do Texto em Português

Fonte: Software Bíblico Logos


11

1.4 JUSTIFICAÇÃO DOS LIMITES E DIVISÕES DA PERÍCOPE

Analisando o texto em questão identificamos os seguintes elementos que


nos dão base textual para a delimitação do início e do término da perícope:
A bíblia grega do novo testamento edição SBL e a NA 28 fazem a divisão
da perícope levando em consideração os versos 16 e 17 como uma sentença
completa.
Traduções modernas como a ARA, ARC, NTLH, NAA, TB2010 seguem as
divisões proposta pela SBL e NA28. Já a NVI considera uma perícope completa do
verso 8 ao 17.
Neste trabalho seguiremos a divisão proposta pela maioria das versões,
no caso dos versos 17 e 18, pelas seguintes razões:

1.4.1 Delimitação inicial da perícope

1.4.1.1 Anúncio do tema9


No versículo 15 o apóstolo Paulo encerra parte de sua argumentação
dizendo estar pronto para pregar o evangelho, com isso ele faz uma introdução,
antecipando o assunto que será tratado a seguir, que no caso é o fato do apóstolo
não se envergonhar deste evangelho que ele está pronto para pregar. Isso indica o
anúncio de um tema no verso 15 que será tratado no verso 16 e 17 e em grande
parte da carta.

1.4.2 Delimitação final da perícope

1.4.2.1 Ruptura do diálogo


A justificação aqui se dá pelo fato de o apóstolo iniciar o verso 16 falando
que o evangelho é o poder de Deus para a salvação de todo o que crê e, em
seguida, no verso 17, ele rompe esse diálogo, levando a discussão ao clímax,
falando sobre a justiça de Deus que se revela nesse evangelho de fé em fé. Logo
após Paulo faz uma citação do antigo testamento encerrando e justificando seu
argumento.

9
SILVA, C. M. D. D. Metodologia de Exegese Bíblica. 2ª. ed. São Paulo: Paulinas, 2000. Pág. 71
12

1.4.3 Elementos ao longo do texto

1.4.3.1 Campo semântico


O tema levantado pelo apóstolo Paulo nesta perícope é que o Evangelho
é o poder de Deus que traz salvação para todo aquele que crê, tanto judeu como
grego. Este evangelho revela a justiça de Deus que produz fé no coração daquele
que crê, e depois dessa fé produzida o crente viverá por meio dela. Com isso, o
campo semântico relacionado com a perícope, ou seja, o tema a ela relacionado, é o
evangelho como poder de Deus.
Portanto esses fatos são o indicativo de que Romanos 1.16-17 se trata de
uma perícope completa.

2 ESTUDO CONTEXTUAL
2.1 CONTEXTO HISTÓRICO

2.1.1 Situação Política de Roma

Quando Paulo chegou a Roma, Nero era imperador. Nesta época existia
uma crescente tensão entre Nero e as classes altas da sociedade que estavam
descontentes, pois caia sobre o Imperador uma acusação de que ele iniciou o
grande incêndio de 64 d.C., que destruiu a cidade de Roma e levou Nero a culpar os
cristãos e taxá-los de inimigos públicos. Durante este incêndio, Paulo estava na
prisão em Roma e sua execução se deu na época em que Nero iniciou sua
perseguição aos cristãos.

2.1.2 A cidade de Roma

Nos dias de Paulo, Roma ainda estava sendo preparada para o seu auge
e esplendor. O Coliseu só seria construído dez anos mais tarde, o grande templo de
Cláudio estava em processo de construção, e a maioria dos banhos e palácios
demorariam mais de um século para serem construídos. No entanto, Roma era a
maior cidade do mundo conhecido e o centro de poder de toda a Europa e do antigo
Oriente Próximo.
A seguir temos um infográfico que nos ajuda a ter uma visão mais
detalhada de como era a cidade naquela época:
13

Figura 4 - Roma na Época de Paulo

Fonte: Software Bíblico Logos

A cidade de Roma era a mais importante da época. Na época do apóstolo


Paulo a cidade já tinha em torno de um milhão de habitantes, era uma cidade
cosmopolita que abrigava cidadãos de todo o mundo. Roma era uma cidade muito
rica e seus moradores usufruíam dessa riqueza, mas juntamente com tudo isso
crescia a promiscuidade, e seus moradores eram praticantes de terríveis atos
pecaminosos.
Charles Erdman (1993, p. 13) diz que

Roma era o empório em que tinham todos os povos despejando suas


idolatrias e corrupções, seus desregramentos e seu pecado; era Roma um
14

espelho do mundo pagão, com sua sordidez, e miséria, e tremendo


pressentimento da ira vindoura.

Este era o contexto em que a igreja estava envolvida naquela época,


contexto nada favorável para a igreja romana.

2.1.3 A fundação da Igreja

A maioria dos estudiosos concluem que não foi o apóstolo Paulo quem
fundou a igreja em Roma. Essa conclusão se dá pelo fato histórico, relatado por
Suetônio, em que o imperador Cláudio baniu os judeus de Roma em 49 ou 50 d.C.,
devido a agitações provocadas por um homem chamado “Chrestus”, que
provavelmente era uma forma errônea de se referir a “Christus”, que é a forma latina
do nome de Cristo. Essa agitação era provocada pelos desentendimentos entre
cristãos e judeus que residiam na cidade.
Em Atos 18.2 relata que, quando o Apóstolo estava em Corinto, na sua
segunda viagem missionária, ele encontra Priscila e Áquila que estavam fugindo de
Roma devido ao decreto de Cláudio. Por causa desses fatos, os estudiosos
acreditam que antes do apóstolo escrever esta carta já havia uma igreja
estabelecida na cidade, pois a carta só foi escrita entre 55 e 57 d.C, após estes
acontecimentos.10 A grande probabilidade é que a igreja foi fundada por crentes que
estavam presentes nos eventos do dia de Pentecostes (At 2.1-10).
Em 54 d.C., o imperador Cláudio morre e grande número de cristãos
retornam para Roma. E são essas tensões sociais que Paulo aborda em sua carta.
Em Rm 13.1-7, Paulo aborda o senário político-social em Roma
orientando os cristãos a pagar impostos e se sujeitarem às autoridades.
Provavelmente existia alguma resistência entre os cristãos devido ao tratamento
dado a eles pelo império Romano.11
Outro fator histórico importante é que quando os cristãos de origem
judaica foram expulsos de Roma, os cristãos de origem gentílica ficaram impedidos
de frequentarem as sinagogas, por isso passaram a se reunir em casas particulares.
Quando os cristãos judeus retornam a Roma em 54 d.C., cria uma grande tensão
entre os cristãos gentios, que agora estavam mais independentes dos ritos judaicos.
Esta situação é tratada pelo apóstolo nos capítulos 14 e 15 de romanos quando este
10
GUNDRY, R. H. Panorama do Novo Testamento. 3ª Revisada e Ampliada. ed. São Paulo: Vida
Nova, 1998. Pág. 213
11
BARRY, J. D.; ESPINOZA, B. Dicionário Bíblico Lexham. 1ª. ed. Bellingham: Lexhan Press, 2020.
“Roma”
15

discute sobre os cristãos fracos (Judeus) e cristãos fortes (gentios). Agora esses
grupos devem aprender a conviver (Rm 17.5), os judeus não devem fazer
reivindicações baseadas em sua etnia (Rm 9), e os cristãos gentios devem
reconhecer que têm uma dívida com o povo judeu e crescer honrando os irmãos
(Rm 11).12

2.2 CONTEXTO LITERÁRIO

2.2.1 Contexto Geral

2.2.1.1 Autoria
Existem poucos estudiosos sérios que rejeitam a autoria paulina da carta
aos romanos, pois está explícito no capítulo 1 onde Paulo se apresenta como autor.
Mas existem alguns estudiosos que colocam em xeque a autoria de
alguns trechos da carta, apesar dessas teorias serem desprovidas de qualquer
evidência textual. O texto colocado em xeque é a saudação feita pelo apóstolo no
capítulo 16. A argumentação é de que este capítulo se encaixaria melhor na carta
aos efésios, pois em Éfeso o apóstolo conhecia muitas dessas pessoas que foram
saudadas ali, pois o apostolo esteve pessoalmente na cidade de Éfeso, ao contrário
de Roma.
(BORING, 2016, p. 487) traz a seguinte argumentação daqueles que
defendem essa tese:

As gerações de críticos passada têm argumentado algumas vezes que Rm


16 não pertence ao texto original de Romanos, mas fazia parte de uma carta
a Éfeso adicionada a Romanos, durante o processo editorial que produziu o
corpus paulino. Esta conclusão foi apoiada por dois argumentos principais:
(1) O capítulo é apropriado a Éfeso, mas não a Roma. Em Éfeso, Paulo tem
muitos amigos e contatos, mas nunca foi a Roma. Romanos 16 contém
saudações a 28 indivíduos, 26 por nome, 16 destes com uma nota adicional.
Como ele poderia saudar muitas pessoas na igreja romana? Em particular,
algumas das pessoas que foram saudadas foram finalmente localizadas em
Éfeso (cf. 1 Co 16,19; At 18,18-19.24-28; 2 Tm 4,19 [Áquila e Priscila]; Rm
16,5 [Epêneto]). A polêmica contra o falso ensino em Romanos 16,17-20 se
encaixa em Éfeso, onde Paulo viveu e trabalhou, mas não com a igreja de
Roma, com a qual ele não estava pessoalmente familiarizado, nem se
encaixa com o tom do restante de Romanos.13

A outra argumentação é de que a carta aos romanos escrita por Paulo


não continha o capítulo 16.17-20 e 16.25-27, o qual foi adicionado posteriormente.

12
BORING, M. E. Introdução ao Novo Testamento: História, Literatura e Teologia. 1ª. ed. Santo
André: Academia Cristã e Paulus, v. I, 2016.
13
16

Para defender essa tese os estudiosos analisam alguns manuscritos antigos nos
quais não continham a parte final da carta.
Mas a maioria dos estudiosos rejeitam essas duas teses. Quanto a
primeira a contra argumentação é de que Paulo escreveu a saudação para a igreja
de Roma e não de Éfeso, e a teoria de que Paulo não conhecia os irmãos de Roma
por não ter ido até lá, pode ser derrubada pelo fato de Roma ser uma cidade
cosmopolita e muitas pessoas que conheciam o apóstolo podem ter se mudado para
lá.

É importante ressaltar que Paulo foi o grande bandeirante do cristianismo no


primeiro século, especialmente no meio gentílico. Seus contatos
transcendiam as fronteiras geográficas visitadas pessoalmente por ele.
Além disso, Roma era a cidade mais cosmopolita do império. Pessoas
chegavam a essa cidade diariamente de todas as partes do mundo e dela
saíam para os rincões mais longínquos. Assim, é absolutamente legítimo
Paulo ter vários amigos que se haviam mudado para Roma e a quem ele
envia suas calorosas saudações. 14

Outra contra argumentação a essa tese é a de que na maioria das cartas


o apóstolo envia saudações coletivas e não pessoais, para não gerar ciúmes entre
os irmãos, o que nos leva a crer que em Romanos, igreja que nunca visitou, Paulo
tinha a intenção de estabelecer laços de amizades entre os irmãos de lá.

A razão é muito simples. Se Paulo tivesse enviado saudações pessoais a


igrejas que conhecia bem, teria provocado ciúmes; entretanto, quando
escrevia às igrejas que nunca havia visitado, queria estabelecer tantos laços
pessoais quanto fosse possível.15

Quanto ao segundo argumento, os estudiosos dizem que os manuscritos


encontrados eram alterações feitas por um herege chamado Marcião, que retirou
todas as seções das cartas de Paulo que tinham ligação pró-judaicas, por considerá-
la um acréscimo aos escritos de Paulo.

Isso significa que uma edição truncada de Romanos circulou sem a parte
final, com seus elementos de tom judaico, incluindo a designação específica
de Jesus como "servo da circuncisão" (15,8). No processo de transmissão e
edição, a versão mais curta Marcionita aparentemente interagiu com a
edição original mais longa, gerando uma variedade de conclusões. A
maioria dos estudiosos agora vê Rm 16, não apenas como parte da carta
original, mas tão importante para a compreensão da carta como um todo.
(BORING, 2016, p. 488)

Portanto, para o nosso trabalho, seguiremos a maioria dos estudiosos e


trabalharemos com o fato de ser o apóstolo Paulo o escritor de toda a carta aos
14
LOPES, H. D. Romanos: O Evangelho Segundo Paulo. 1ª. ed. São Paulo: Hagnos, 2010. Pág. 17
15
BARCLAY, W. Comentario al Nuevo Testamento. 1ª. ed. Barcelona: CLIE, v. 8, 2012. Pág. 19
17

Romanos incluindo o capítulo 16.

2.2.1.2 Data e Local da Escrita


Assim como há consenso entre a maioria dos estudiosos de que Paulo
escreveu a carta, também há consenso de que esta carta foi escrita na Grécia (At
20.2-3), mais especificamente na província da Acaia, próximo a Corinto no ano de
57 – 58 d.C.
Romanos foi escrita quando o apóstolo estava encerrando a terceira
viagem missionária (At 20.2), foi ditada pelo apóstolo e escrita por um homem
chamado Tércio (Rm 16.22).
Há três fatos que nos levam a crer que Paulo escreveu esta carta na
cidade de Corinto:

1. Ele recomenda Febe à igreja, a quem ele chama de “uma serva da igreja
de Cencreia”. Ora, Cencreia era o porto oriental de Corinto. Presume-se, no
geral, e provavelmente isso está correto, que Febe levou a carta de Paulo a
seu destino.
2. Ele chama Gaio de seu “hospedeiro”. Esta pessoa pode muito bem ser
aquela cujo nome é mencionado em 1Coríntios 1.14, onde o apóstolo
informa os coríntios de que havia batizado esse membro de sua
congregação. Em Romanos 16.23, Gaio está enviando saudações.
3. Outro a também enviar saudação é Erasto. Cf. 2Timóteo 4.20: “Erasto
permaneceu em Corinto”. Em uma inscrição descoberta num bloco do
pavimento em Corinto se lê: “Erasto pôs este pavimento às suas próprias
custas”. Se essas referências são ao Erasto de Romanos 16.23, elas
confirmam a teoria de que Romanos foi composta em Corinto.16

Portanto Romanos foi escrita da cidade de Corinto e provavelmente é a


última carta escrita por Paulo antes de ir para a prisão em Cesaréia (At 23.31; 26.32)
e depois em Roma (At 28.16-31).

2.2.1.3 Propósito da Carta


Quando Paulo escreveu esta carta ele já tinha concluído a terceira viagem
missionária e com isso o seu ministério no oriente já tinha terminado. Agora ele tinha
em seu coração o propósito de alcançar o ocidente, ou seja, a Espanha. Então para
isso ele precisava de um ponto de apoio, que neste caso seria a Itália, onde a igreja
já estava instituída e poderia dar apoio a ele em sua nova missão (Rm 15.22-29). 17
Tendo esse contexto em mente podemos relacionar quatro propósitos que
levaram Paulo a escrever aos romanos:
16
HENDRIKSEN, W. Comentário do Novo Testamento: Romanos. 2ª. ed. São Paulo: Cultura Cristã,
2011. Pág. 28
17
GERHARD, H. Introdução e Síntese do Novo Testamento. 1ª. ed. Curitiba: Evangélica Esperança,
1996. Pág. 86
18

A. Apelar por ajuda para sua viagem missionária à Espanha. Paulo


compreendeu que seu trabalho missionário no leste do Mediterrâneo estava
terminado (16.20-23).
B. Resolver problemas entre crentes judeus e gentios na igreja romana,
como provável resultado da expulsão de todos os judeus de Roma e seu
posterior retorno. Por aquela época, os líderes dos judeus cristãos tinham
sido substituídos por líderes cristãos gentios.
C. Apresentar a si mesmo à igreja em Roma. Havia muita oposição a Paulo
por parte de judeus convertidos sinceros em Jerusalém (Concílio de
Jerusalém, em At 15), de judeus falsos (Judaizantes, em Gálatas e 2Co
3.10-13) e de gentios (Colossenses, Efésios) que tentaram misturar o
evangelho com suas teorias ou filosofias de estimação.
D. Tendo Paulo sido acusado de ser um inovador perigoso, fazendo
acréscimos imprudentes aos ensinos de Jesus, o livro de Romanos é sua
forma de defender-se de maneira sistemática, mostrando seu evangelho
como verdadeiro, para isso usando o Velho Testamento e os ensinos de
Jesus (os Evangelhos).18

Portanto utilizando e harmonizando o conteúdo da carta com a ocasião


em que foi escrita podemos determinar esses quatro pontos acima como os
propósitos de Paulo ao escrever Romanos. Vale lembrar que a ocasião citada acima
é uma ocasião específica a qual levou o apóstolo a escrever a carta.19

2.2.1.4 Destinatários
Os destinatários da carta de Paulo eram os cristãos que residiam na
cidade de Roma (Rm 1.7; Rm 1.15). Mas a questão que levanta discussões, é se os
cristãos romanos eram de gentios ou judeus. O apóstolo Paulo se denominava “o
apóstolo dos gentios (Rm 1.5; 1.13), deixando a evangelização dos judeus para o
apóstolo Pedro (Gl 2.7), por isso podemos perceber, que no decorrer da carta, o
apóstolo está em constante disputa teológica com os judeus fiéis a lei, seja
debatendo sobre a necessidade da salvação, discutindo sobre a salvação em si, da
eleição de Deus ou da vida conduzida pela fé. O detalhe é que nessas discussões o
apóstolo sempre se dirige aos dois grupos: judeus e gentios, mas acima de tudo
Paulo se refere aos seus leitores como cristãos gentios (Rm 11.13; 11.17-24; 9.3;
10.1), o que podemos perceber é que Paulo está falando do povo judeu a cristãos
gentios (Rm 11.23, 28, 31).
(GERHARD, 1996, p. 91) concorda, e complementa argumentando o
seguinte:

Por isso tenho a convicção de que a igreja de Roma era constituída, na sua
maioria, de cristãos-gentios na época da redação da carta. Várias pessoas
que já eram cristãs provavelmente mudaram do oriente para Roma. A longa
18
UTLEY, D. B. Comentário Bíblico: Romanos. Texas: [s.n.], 1996. Pág. 19
19
CARSON, D. A.; MOO, D. J.; MORRIS, L. Introdução ao Novo Testamento. 1ª. ed. São Paulo: Vida
Nova, 1997. Pág. 279
19

lista de saudações no capítulo 16 mostra provavelmente que Paulo os


conheceu nas suas viagens pela Ásia Menor.

Mas provavelmente a igreja de Roma não era constituída unicamente de


gentios, podemos perceber isso quando vemos a controvérsia sobre os fracos na fé
relatada em Rm 14.
(CARSON, MOO e MORRIS, 1997, p. 274) acompanha esse raciocínio
defendendo que Paulo se dirige a uma comunidade mista. Ele escreve:

Devemos, por isso, concluir que, em Romanos, Paulo se dirige a uma


comunidade mista de cristãos judeus e gentílicos. Quase certamente,
contudo, os cristãos gentios constituíam uma maioria suficientemente
grande para justificar o fato de Paulo incluir a comunidade cristã em Roma
dentro da esfera daqueles gentios para quem seu apostolado estava
especialmente voltado.

Mas o interesse do apóstolo é que haja respeito mútuo entre esses dois
grupos de irmãos (Rm 15.7). portanto cremos que o apóstolo escreve sua carta
visando os gentios sem excluir os judeus.

2.2.2 Contexto remoto

O livro de Romanos é dividido de diferentes maneiras conforme o autor


que estuda a carta, mas para a nossa análise do contexto remoto vamos utilizar a
divisão feita em 5 partes, que é a mais comum entre os estudiosos.
Os versos do capítulo 1.1.17, é composto pela parte introdutória da carta
onde Paulo escreve o cabeçalho (1.1-7), o prólogo (1.8-15) e o tema da carta (1.16-
17). A primeira parte do conteúdo compõe os capítulos 1.18 – 5.21, a segunda parte
compõe os capítulos 6.1 – 8.39, a terceira parte com os capítulos 9.1 – 11.31, a
quarta parte fica com os capítulos 12.1 a 15.12, e a última parte compõe os capítulos
15.13 – 16.27. Para melhor visualização e detalhes dessa composição segue a lista
detalhada da divisão:

Tabela 3 - Esboço de Romanos

CAPÍTULO DIVISÃO VERSÍCULOS-CHAVE


1:1–17 Introdução
Cabeçalho
Prólogo
Tema: O evangelho de Jesus Cristo 1:16s
1ª parte
1:18–5:21 O ato de Deus por meio de Jesus Cristo salva
Todos pecaram
1:18–31 - Gentios
2:1–27 - Judeus
20

3:1–20 - Todos
3:21–31 O ato de Deus vale para a salvação de todos 3:23s,28
4:1–25 Aceitação da salvação por meio da fé; ex. Abraão
5:1–11 A consequência da salvação é paz com Deus
5:12–21 A salvação de Deus é abrangente: A tipologia Adão-Cristo
2ª parte
6:1–8:39 O ato de Deus por meio de Jesus Cristo liberta
6:1–23 do poder do pecado 6:23
7:1–25 do domínio mortal da lei (especialmente 7:14–25)
8:1–30 para a vida no Espírito Santo 8:1s,14,16,28.
8:31–39 LOUVOR A DEUS
3ª parte
9:1–11:36 O ato de Deus por meio de Jesus Cristo vale para os judeus
9:1–5 Israel é o povo escolhido de Deus
9:6–33 Deus também escolhe gentios para o seu povo
10:1–21 Israel permanece no caminho da lei e perde a salvação 10:4,14,17
11:1–10 Deus não abandonou Israel
11:11–24 Salvação dos gentios como estímulo para Israel
11:25–31 A conversão futura de Israel
11:32–36 LOUVOR A DEUS
4ª parte
12:1–16:27 O ato de Deus por meio de Jesus Cristo transforma o viver
12:1–2 Base
12:3–8 Colaboração na igreja
12:9–21 Amor aos irmãos e aos inimigos
13:1–7 Responsabilidade política 13:1
13:8–10 Amor
13:11–14 Preparo para segunda vinda
14:1–15:12 Liberdade evangélica 14:7–9; 15:7
15:13–16:24 Final
15:13 Bênção
15:14–33 Observações pessoais
16:1–24 Saudações
16:25–27 LOUVOR A DEUS

Fonte: (GERHARD, 1996, p. 87, 88)


Como podemos perceber, a perícope que vamos estudar (Rm 1.16-17),
está inserida na parte introdutória do livro, onde o apóstolo traz o tema do livro: O
evangelho de Jesus Cristo e a Justificação pela fé.

2.2.3 Contexto próximo

Como vimos na tabela acima, a perícope que vamos estudar está inserida
na parte introdutória do livro onde o apóstolo, após se identificar como apóstolo de
Jesus Cristo (1. 1-7), continua com um prólogo escrevendo que ora incessantemente
pelos irmãos, e que em suas orações pede a Deus que ofereça ocasião oportuna
para visitar a igreja em Roma (1.8-10).
Paulo tem o desejo de visitar os romanos (At 19.21) para que com essa
oportunidade possa pregar o evangelho àqueles irmãos (Rm 1.15). Esse desejo de
pregar o evangelho, contido no verso 15, é uma fala introdutória preparando os
21

leitores para os versos 16 e 17 onde ele inicia dizendo que “...estou pronto para
anunciar o evangelho a vós outros em Roma. Pois não me envergonho do
evangelho, porque é o poder de Deus...”, neste caso Paulo estaria pronto para
pregar o evangelho aos Romanos sem detenção nenhuma, pois ele sabia que este
evangelho é o poder de Deus para salvar todos os que crê, seja judeu ou grego.
Toda essa introdução sobre o evangelho, a fé e a salvação, serve de
base para a argumentação de Paulo nos versos seguintes, pois o pecado alcançou
Gentios 1.18-31; judeus 2.1-27 e todas as pessoas sem exceção (3.1-20), esses
temas tomam conta de toda a carta de Romanos.

2.3 CONTEXTO CANÔNICO

Nesta perícope o apóstolo Paulo faz uma alusão direta ao Antigo


Testamento e algumas alusões indiretas tanto ao antigo como ao Novo Testamento.
Para entendermos melhor essas alusões feitas pelo apóstolo, vamos nos valer da
seguinte tabela:

Tabela 4 - Contexto Canônico Rm 16

Romanos 1.16
1Co 1.22-24 2Co 4.1-15 Ef 3.1-13 Fl 1.12-18 Col 1.23 At 16.31 Sl 119.46

Tabela 5 - Contexto Canônico Rm 17

Romanos 1.17
Hc 2.4 Gl 2.16-17 Gl 3.23-27 Fp 3.5-14

A referência canônica mais importante desta perícope, sem dúvidas, é a


citação que Paulo faz de Hc 2.4, onde o apóstolo faz uma alusão direta ao texto
bíblico do Antigo Testamento. Ali Habacuque estava fazendo uma comparação entre
os soberbos e o justo, onde os soberbos não têm a alma reta, pois confiam em si
mesmos, e o justo viverá pela fé confiando na ação de Deus.

2.4 COMENTÁRIO

2.4.1 O evangelho é o poder de Deus para a salvação (16-17)

Neste bloco da carta (vide tabela 3), que vai até o verso 17 Paulo
apresenta suas credenciais como apóstolo dos gentios, com vista a validar seu
esperado ministério em Roma (1.1-7). Logo após o apóstolo traz um sentimento de
22

dívida para com todos, e o desejo de partilhar seus dons com os romanos com a
finalidade de fortalecê-los através da pregação do evangelho (1.8-15), e, portanto, “a
confiança de Paulo no poder do evangelho para dar salvação por meio da fé pela
imputação da justiça divina lhe dá coragem para proclamá-lo a judeus e a gentios
(1.16-17).”20

Verso 16 – Pois não me envergonho do evangelho, porque é o poder


de Deus para a salvação de todo aquele que crê, primeiro do judeu e também
do grego;
Pois não me envergonho do evangelho... Por este motivo, e por se
considerar devedor tanto a gregos como a judeus (Rm 1.14), é que o apóstolo
deseja pregar o evangelho aos romanos.
Paulo inicia o verso 16 utilizando um adverbio de negação Οὐ para
expressar sua opinião sobre o evangelho. Ele utiliza uma figura de linguagem, que
chamamos no português de “lítotes”, essa figura de linguagem é uma afirmação de
efeito retórico que tem como objetivo negar uma coisa ao invés de afirmar o
contrário, por exemplo: (Não me envergonho do evangelho ou Tenho orgulho do
evangelho), apesar da construção grega não nos permitir alterar para “tenho orgulho
do evangelho”, (Οὐ γὰρ ἐπαισχύνομαι τὸ εὐαγγέλιον) a ideia está implícita no texto.21
Essa expressão dificilmente combina com a forma ousada com que o
apóstolo apresenta o evangelho em outras ocasiões. 22 Portanto quando Paulo diz,
não se envergonhar do evangelho, ele está demonstrando, não um desprezo tácito a
ele, mas muita confiança em sua pregação, pois o apóstolo está certo de que a
esperança que ele deposita na mensagem do evangelho não será frustrada.
Se levarmos em conta que a nossa cultura é hostil ao evangelho, a
cultura do século primeiro era muito mais. Com isso percebemos que não ter
vergonha do evangelho traz uma importância de grande valor, pois não se
envergonhar de algo em que a sociedade rejeitava era por demais desafiador.
Mas o apóstolo estava cumprindo aquilo que o próprio Cristo havia
predito, que se nos envergonhássemos dele diante dos homens, ele se
envergonharia de nós diante do Pai (Mc 8.38; Lc 9.26).23
20
PINTO, C. O. C. Foco & Desenvolvimento no Novo Testamento. 2ª. ed. São Paulo: Hagnos, 2014.
Pág. 237
21
STOTT, J. A Mensagem de Romanos. 1ª. ed. São Paulo: Ultimato, 2007. Pág. 29
22
MURRAY, J. Romanos: Comentário Bíblico. 2ª. ed. São Paulo: Fiel, 2016. Pág. 63-64
23
PROUL, R. C. Estudos Bíblicos Expositivos em Romanos. 1ª. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2011.
23

Pregar o evangelho era algo irresistível para Paulo, pois ele amava a
mensagem da verdade. “Ao escrever “Não me envergonho” etc., provavelmente
quisesse dizer: “Sinto-me orgulhoso e muitíssimo feliz por alcançar a oportunidade
de pregar o evangelho.”” (HENDRIKSEN, 2011, p. 78). Ele sabia que a pregação do
evangelho era loucura para alguns e escândalo para outros (1Co 1.18-23), mas para
ele era motivo de grande orgulho, por isso Paulo expressava seu desejo de pregar o
evangelho de Jesus aos Romanos (Rm 1.15).
...porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê...
Notamos aqui um progressivo desdobramento de motivos. Em primeiro lugar Paulo
nos revela por que estava pronto para pregar o evangelho em Roma (Ele não se
envergonhava do evangelho). Em seguida nos mostra a razão para não se
envergonhar do evangelho (O evangelho é o poder de Deus para a salvação). E
finalmente ele nos diz por que o evangelho é o poder de Deus para a salvação
(porque nele a justiça de Deus se revela).
Quando lemos “É o poder de Deus para a salvação”, notamos que o
sujeito oculto é o evangelho. Não devemos negligenciar o fato de que o pleno
significado dessa posição é que a mensagem do evangelho é o poder de Deus para
a salvação, Deus salva através da mensagem do evangelho.
John Murray (2016, p. 64) diz que:

“O poder de Deus” é o poder que pertence a Deus; portanto, é o poder


caracterizado por aquelas qualidades especificamente divinas. A fim de
expressar tal pensamento, teríamos de nos referir à onipotência de Deus;
por conseguinte, significa que este evangelho é o da onipotência divina,
operando para a salvação. E “salvação” precisará ser entendida tanto no
conceito negativo quanto no positivo, ou seja, livra da morte e do pecado e
introduz na justiça e na vida. Os vários aspectos envolvidos nesta
“salvação” são desenvolvidos ao longo da carta.

A onipotência de Deus opera no evangelho para a salvação de todo


aquele que crê, não importa a sua nacionalidade ou etnia, pois o evangelho
incorpora o poder de Deus. O apóstolo utiliza a palavra grega δύναμις que significa
“poder”. É dessa palavra que tiramos a palavra “dinamite”, ou seja, o evangelho é
literalmente um poder devastador no coração de todo o que crê.
Naquela época os romanos se vangloriavam de seu poder, foça que levou
o império a conquistar o mundo. Mas o evangelho que Paulo proclama é
infinitamente superior, pois ele oferece salvação eterna, ele opera para o bem do

Pág. 26
24

homem, em contraste, o poder humano destrói, mas o “o poder de Deus é para a


salvação”.
Nos escritos do apóstolo Paulo podemos notar que a salvação tem dois
significados, um negativo e outro positivo:

Tabela 6 - Significado negativo e positivo da salvação

Negativo: Positivo:
Resgatar os homens do estado de: conduzir os homens ao estado de:
Culpa: (Ef 1.7; Cl 1.14) justiça (Rm 3.21–26; 5.1)
contaminação (Rm 6.6, 17; 7.21–25a) santidade (Rm 6.1–4; 12.1–2)

escravidão (Rm 7.24–25; Gl 5.1) liberdade (Gl 5.1; 2Co 3.17)

alienação de Deus (Ef 2.12) comunhão com Deus (Ef 2.13)


o amor de Deus “derramado” no coração
ira de Deus (Ef 2.3)
(Rm 5.5)
morte eterna (Ef 2.5–6) vida eterna (Ef 2.1–5; Cl 3.1–4)

Fonte: (HENDRIKSEN, 2011, p. 79)

Podemos notar que para cada significado negativo se contrapõe um


significado positivo. “Portanto ser salvo significa ser emancipado do maior mal e ser
colocado no maior bem” (HENDRIKSEN, 2011, p. 79).
Outro tema importante dessa passagem é a fé que está implícita na
expressão “todo aquele que crê”. Essa expressão significa que onde o evangelho for
pregado e a fé for produzida no coração do homem, haverá salvação. Mas esse
poder salvífico não opera de forma incondicional e universal, mas é eficaz a todo
aquele que foi destinado a crer, a salvação nunca está desvinculada da fé. O ato da
salvação, que o apóstolo desenvolverá em toda a carta, não se dará à parte da fé ou
desvinculada dela.
A fé nada mais é do que a confiança, segurança e convicção de que por
meio de Cristo e seu sacrifício expiatório, meus pecados estão perdoados e meus
débitos foram cancelados. Como o autor de Hebreus expressa muito bem “Ora, a fé
é a certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos que se não veem” (Hb
11.1).
... do judeu primeiro, e também do grego. Devido ao fato de o apóstolo
Paulo ser o “apóstolo dos gentios” e a igreja de Roma ser constituída em sua
25

maioria de gentios, era de se esperar que Paulo ensinasse, de maneira clara, a


prioridade dos judeus na salvação. Era de grade valia fazer conhecer aos gentios a
ordem divina que revelou o evangelho e a salvação primeiro aos judeus, na antiga
aliança, e depois aos gentios (gregos), na nova aliança, e que em Israel foram
lançados os alicerces para uma revelação mais completa do evangelho, e por esse
motivo o evangelho, de maneira preeminente, visa os judeus.24
Durante a antiga aliança os judeus era a nação mais privilegiada, pois a
eles estava destinado os oráculos de Deus (Rm 3.1-2; Sl 147.19-20; Amós 3.2). E
mesmo com a inauguração da nova aliança, esse privilégio não cessou de imediato,
como podemos perceber nesses versos: (Rm 3.1-2; 9.4-5; Mt 10.5-6), e o próprio
apóstolo Paulo, quando chegava em uma cidade, nas suas viagens missionárias, ele
procurava anunciar o evangelho primeiro em uma sinagoga.
Mas, mesmo durante a antiga aliança, o Senhor deixava bem claro que a
salvação não era limitada a uma só nação (Gênesis 12.3; 22.18; Salmo 72; 87;
Isaías 60.1–3 (à luz de Lucas 4); Malaquias 1.11. O próprio Jesus abriu a porta mais
amplamente (Mt 8.10–12; 28.19–20; Lc 14.23; 17.11–19; 20.9–16; 24.45–47; Jo
3.16; 4.35–42; 10.16).25 Quando Paulo, e os outros apóstolos, pregaram aos judeus
e estes se recusaram a aceitar o evangelho, eles saíam e proclamavam aos gentios
(At 13.46; 18.5–6; 19.8–9).
Escrevendo aos Efésios Paulo diz que o muro de separação entre judeus
e gentios foi derrubado, e que na nova aliança não há mais distinção entre judeu e
grego (Ef 2.11-22; Rm 10.11-12). Por isso a salvação é ampla, para alcançar todas
as nações da terra, e eficaz, para que nessas nações apenas os eleitos que
respondem ao evangelho com fé, podem ser salvos.
Verso 17 - visto que a justiça de Deus se revela no evangelho, de fé
em fé, como está escrito: O justo viverá por fé.
Visto que a justiça de Deus se revela no evangelho... Aqui Paulo nos
dá a razão do porquê o evangelho é o poder de Deus para a salvação, pois nele a
“justiça de Deus se revela”. A palavra grega traduzida por justiça é δικαιοσύνη que
pode ser traduzida por “retidão, justiça, integridade, vida correta em pensar, sentir e
agir.

δικαιοσύνη (dikaiosynē). n. feminino. justiça, retidão. A qualidade de estar de


24
(MURRAY, 2016, p. 66)
25
(HENDRIKSEN, 2011, p. 81)
26

acordo com a lei de Deus.


O substantivo grego δικαιοσύνη (dikaiosynē) refere-se tanto à retidão moral
quanto à justiça legal. Embora δικαιοσύνη (dikaiosynē) implique mais
comumente viver de acordo com a lei moral de Deus, o foco desta seção
será na sua relação com a justiça e a justificação. O substantivo dikaiosynē
pode referir-se à capacidade de alguém seguir a lei (Mt 5:20; Fp 3:6). Julgar
em dikaiosynē é julgar com equidade ou misericórdia (Atos 17:31; Romanos
3:25). Paulo afirma que dikaiosynē é a base da justificação, embora possa
ser obtida pela fé quando há ignorância da lei (Rm 4:3-13, 22). Ser
condenado em relação a dikaiosynē é ter a capacidade de agir de acordo
com a lei de Deus avaliada num processo legal (João 16:8). Em vários
casos, “ilegalidade” (ἀνομία, anomia) é usada como antônimo de dikaiosynē
(Rm 6:19; 2Co 6:14; Hb 1:9).26

Esta justiça que Paulo fala é a justiça divina, e não humana, é essa justiça
que é revelada no evangelho. Esta é uma das frases chave em Romanos e nas
outras cartas de Paulo, por exemplo (Rm 3.5; 3.21-26; Rm 10.3 e 2Co 5.21).
Paulo se refere a justiça que vem de Deus, ou seja, a condição justa e
correta que Deus concede a todos que têm fé em Jesus Cristo. Esta justiça é um
atributo de Deus que se manifesta na sua obra de salvação, e o resultado é que,
pela obra de Deus, aqueles que, após ouvirem o evangelho e creem, recebem o
status de justos diante de Deus.
MacDonald (2011, p. 416-417) diz que o termo “justiça” é utilizado de
várias formas no Novo Testamento, em seu livro ele relaciona três formas:

Em primeiro lugar, é empregado para descrever a característica de Deus


segundo a qual ele sempre faz o que é certo, justo, apropriado e coerente
com todos os seus outros atributos. Quando dizemos que Deus é justo,
indicamos que nele não há nenhuma iniquidade, desonestidade ou injustiça.
Em segundo lugar, a justiça de Deus pode se referir ao seu método de
justificar os pecadores ímpios. Deus pode justificá-los e continuar sendo
justo porque Jesus, o substituto sem pecado, cumpriu todas as exigências
da justiça divina.
Por último, a justiça de Deus se refere à condição perfeita concedida por
Deus aos que creem em seu Filho (2Co 5:21). Aqueles que, por si mesmos,
não são justos são considerados justos porque Deus os vê pela lente da
perfeição de Cristo, e a justiça de Cristo lhes é imputada.27

Apesar dos três sentidos serem possíveis, a justiça de Deus, a que Paulo
se refere neste verso, é onde os pecadores são justificados pela fé em Jesus e,
desta forma, levados à salvação.
No decorrer da história da igreja tem se debatido sobre a expressão
δικαιοσύνη θεοῦ (Justiça de Deus), o debate se dá por três motivos: se a expressão
se refere a justiça que procede de Deus ou que pertence a Deus, devido ao genitivo
θεοῦ que no grego significa “de origem ou autoria”; se a expressão significa a justiça
26
MAGNUM, Douglas;, et. al. The Lexham Glossary of Literary Types. 1ª. ed. δικαιοσύνη
27
MACDONALD, William. Comentário Bíblico Popular: Novo Testamento. 2ª. ed. Pág. 416 - 417
27

aprovada por Deus, que é defendida por Calvino; ou se refere a justiça que tem valor
diante de Deus, e por isso é eficaz na sua execução final. A interpretação que é
mais aceita, e se encaixa com os escritos paulinos e com a carta de Romanos é a
que se refere a expressão como um genitivo que denota posse, ou seja, essa justiça
é a que pertence a Deus ou procede dele.
Não resta dúvidas que Paulo usa a expressão “justiça de Deus” neste
último sentido ao qual acabamos de nos referir, mas ao considerarmos a justiça de
Deus como um todo, podemos fazê-lo levando em consideração que é um atributo
divino (Ele é justo), uma ação divina (Ele vem ao nosso socorro), ou uma aquisição
divina (Ele nos concede o status de justos). Stott argumenta sobre esses conceitos
da seguinte maneira:

Os três conceitos são verdadeiros e são sustentados por vários estudiosos,


muitas vezes relacionados entre si. Eu, particularmente, nunca consegui
entender por que se precisaria optar por um ou outro, ao invés de combiná-
los. Até o professor Fitzmyer — que, ao invés de "justiça de Deus", usa a
estranha expressão "a integridade de Deus", dizendo que ela "é uma
descrição do ser íntegro e do reto agir de Deus"23 — vai mais além e
admite que ela expressa também "o status de retidão transmitido aos seres
humanos pelo dom gracioso de Deus". Em outras palavras, é ao mesmo
tempo uma qualidade, uma ação e uma dádiva. (STOTT, 2007, p. 31).

Portanto a “justiça de Deus” é a iniciativa justa, tomada por Deus ao


justificar pecadores consigo mesmo, dando a eles uma justiça que não lhes
pertence. Stott conclui:

"A justiça de Deus" é a justificação justa do injusto, sua maneira justa de


declarar justo o injusto, através da qual ele demonstra sua justiça e, ao
mesmo tempo, nos confere justiça. Ele o fez através de Cristo, o justo, que
morreu pelos injustos, como Paulo explica mais adiante. E ele o faz pela fé
quando confiamos nele, clamando a ele por misericórdia. (STOTT, 2007, p.
31)

E como essa justiça é revelada no evangelho? Primeiro ele mostra que


essa justiça exige a punição dos pecadores com a morte eterna (Rm 6.23), porém,
pela graça de Deus, ele proveu um modo de cumprir essa exigência, enviando seu
Filho para morrer, substituindo os pecadores e pagando a pena totalmente. Agora
com sua justa exigência cumprida, Deus pode salvar, de forma justa, os que creem
em Cristo pela fé.
De fé em fé... Existem três possibilidades pelo qual cremos que Paulo
utilizou esta expressão. A primeira é que o apóstolo estava dizendo que a justiça de
Deus se revela no evangelho, partindo da fidelidade de Deus para a nossa fé, ou da
28

fidelidade de Deus, que faz a oferta, à fé do homem que a recebe. 28 A segunda é


que a justiça de Deus se revela no evangelho seguindo de um grau de fé para outro,
neste caso, pode se referir ao crescimento da fé. A terceira é que a justiça de Deus
se revela no evangelho do começo ao fim, neste caso seria puramente uma
expressão retórica que poderia ser traduzida como “do princípio ao fim ... pela fé”.
A possibilidade mais provável é a última, pois “A justiça de Deus não é
imputada com base em obras ou oferecida aos que procuram merecê-la. Antes, é
revelada exclusivamente com base na fé”. (MACDONALD, 2011, p. 417). E isso se
encaixa perfeitamente com o texto de Habacuque 2.4 citado por Paulo no final do
verso.
O justo viverá por fé... Agora, valendo-se do testemunho do Antigo
Testamento, citando Habacuque 2.4, o apóstolo faz a sua fundamentação dando
mais ênfase ao seu argumento a favor da fé. Quando Habacuque escreveu isso,
Israel estava sob uma terrível crise moral, pois a lei era afrouxada, a justiça era
esquecida, pois o perverso cercava o justo. Diante disso o profeta questiona, e
pergunta ao Senhor, até quando tudo isso aconteceria sem que ele não fizesse nada
(Hc 1.1-4).
O Senhor então responde a indagação do profeta dizendo que o castigo
viria através dos Caldeus (Babilônia), uma nação ímpia e poderosa, pavorosa e
terrível (Hc 1.5-11), uma nação que foi fundada para servir de disciplina ao povo
rebelde (Hc 1.12).
Mas, a resposta do Senhor não agrada o profeta e o deixa desesperado,
com isso Habacuque questiona dizendo, como que o Senhor castigaria a injustiça de
um povo (Israel), utilizando outro povo mais injusto ainda? Como um Deus que é tão
puro de olhos que não pode contemplar o mal pode utilizar um povo injusto para
castigar Israel, que na sua minoria era constituída de pessoas justas (Hc 1.12-17)?
Então o profeta se coloca na torre de vigia para aguardar a resposta do
Senhor ao seu novo questionamento. O Senhor responde dizendo que o cativeiro
será inevitável, que ele certamente virá e não falhará.
Então no verso 4 o Senhor faz uma comparação entre o soberbo, e o
justo. O soberbo tem um estilo de vida onde a confiança recai sobre a sua própria
força, enquanto o justo tem um estilo de vida em que sua confiança recai no Senhor.
Por isso o justo viverá baseado na confiança em Deus, e isso se resume em fé, e é
28
(STOTT, 2007, p. 31)
29

essa confiança depositada no Senhor que manterá o justo vivo e seguro.


Existe uma discussão entre os estudiosos quanto a tradução desse verso,
isto é, se “pela fé” deve ser entendido juntamente com o sujeito (O justo viverá por
fé) ou com o predicado (O justo por fé viverá).
Murray (2016, p. 70) nos assegura que:

A proposição tem o significado de que o justo viverá ou o sentido de indicar


como viverá o justo, ou seja, pela fé? Há boas razões para preferirmos esta
última alternativa. (1) Habacuque 2.4 não pode ser naturalmente
interpretado de outra maneira, e a pontuação massorética favorece esse
ponto de vista. (2) A verdade que o apóstolo desejava estabelecer é que a
justiça de Deus realiza-se pela fé — a ênfase recai sobre a maneira pela
qual um homem se torna o beneficiário dessa justiça. Devemos esperar que
a referência à “fé”, na citação, teria força idêntica. (3) A expressão “a justiça
pela fé” não pode reivindicar a analogia de seu uso nas Escrituras. 29

Palmer Robson no seu comentário sobre o livro de Habacuque assevera


que:

Nesta estrutura, o sujeito aparece primeiro, precedendo uma oração verbal


(em contraste com o padrão normal em hebraico). O sujeito é então seguido
por uma oração independente que frequentemente inclui um sufixo
retrospectivo (ou seja, uma referência retroativa ao substantivo inicial).
Exemplos desta estrutura são comuns: “Ó Senhor – na tempestade (está)
teu caminho” (Na 1.3); “Ó Deus – perfeito (é) teu caminho” (Sl 18.32 [Eng.
31); “Meu filho Siquém – sua alma enamora sua filha” (Gn 34.8); “E eu
[quanto a mim] – esta (é) minha aliança com eles” (Is 59.21). Seguindo este
padrão, o texto disponível traz: “mas o justificado – por sua sólida confiança
viverá” (Hc 2.4). Por causa desta estrutura, por sua sólida confiança deve
ser tomada na construção com viverá, em vez de mas o justificado.30

Nesta tradução a fé se torna o caminho para a justiça e não o caminho


para a vida. O argumento de Habacuque 2.4 infere-se que somente o homem justo e
confiante em Deus viverá, o profeta tinha a intenção de dizer que os judeus que
acreditassem em Deus e que colocasse sua confiança nas promessas divinas,
seriam libertados do cativeiro da Babilônia e suas vidas seriam mantidas. Quando
Paulo utiliza essa citação ele a aplica aos “justos” do Novo Testamento.

Ao citar o texto, Paulo adota a versão da LXX, mantém a partícula


adversativa δέ, suprime o pronome possessivo μου depois de πίστεώς.
Conserva também a tradução da LXX do termo hebraico ‫ֱאמּוָּנה‬, fidelidade, fé
–, atribuindo-lhe um matiz próprio.31

A dificuldade maior encontrada entre os estudiosos gira em torno do


29
(MURRAY, 2016, p. 70)
30
ROBERTSON, O. P. Comentário do Antigo Testamento: Naum, Habacuque e Sofonias. 1ª. ed.
Pág. 226
31
DA PAZ, Roberto A. Justiça de Deus e Justificação: Estudo Exegético de Romanos 1.16-17. 1ª. Ed.
Pág. 78
30

significado original de (ζήσεται – viverá) e (πίστεως – fé). Com essa discussão surgem
duas perguntas importantes:

Em ambos os termos deve-se vislumbrar reciprocamente: a fidelidade às


prescrições da Lei ou o abandono confiante nas “mãos de” Deus. A
sobrevivência à morte – prometida a Judá libertando-o do invasor – ou a
vida como salvação – σωτηρία –, em seu sentido religioso?32

O que podemos perceber é que o apóstolo não deixa totalmente explícito


o sentido que ele atribuiu ao significado do texto, pois:

[...] não deixa entrever a que se deve associar por força da fé ao sujeito
“quem é justo” – ὁ δίκαιος – ou ao verbo “terá a vida” – ζήσεται. Entretanto,
na tradução transparece o primeiro sentido. Este é comumente preferido
pela maioria dos exegetas, pois elucida o que o apóstolo pretende
demonstrar baseando-se no texto sagrado, a saber: o δίκαιος é tal porque
crê.33

Portanto percebemos, pela tradução, que o sentido dado a Paulo para o


uso do texto é de que o Justo a partir da fé, ou começando pela fé, viverá ou terá
vida. Esta vida que para Habacuque significava a libertação do cativeiro, e o
livramento da morte que seria provocada pelos Caldeus, e Paulo contextualiza,
utilizando o verbo “viverá” para se referir a salvação em Jesus e a libertação da
escravidão do pecado, ou seja, o justo (aquele que é justificado pela obra
substitutiva de Cristo) viverá (será livre do pecado) a partir da fé em Jesus.

2.5 MENSAGEM PARA A ÉPOCA DA ESCRITA

Paulo escreve esta carta para uma igreja que estava cercada por judeus
incrédulos que pretendiam perverter a fé dos irmãos em Roma. Por isso o apóstolo
escreve esta carta demonstrando aos irmãos como se defender contra a constante
investida desses oponentes, e podemos perceber isso pelo estilo argumentativo
utilizado por Paulo em algumas passagens da carta (4.1; 6.1; 7.7; 8.31; 9.14, 30).
Paulo considerava a igreja de Roma uma igreja fiel (1.8; 15.14; 16.19),
mas isso não significa que aqueles irmãos não tinham as suas fraquezas, eles eram
carentes de instrução quanto às promessas de Deus a Israel, portanto esse é um
dos propósitos de Paulo (9-11), aqueles irmãos também precisavam de instrução
quanto a questão de alimentos puros e impuros (14.13-18). Mas o apóstolo não se
firma em ensinar essas coisas, também traz admoestações e exortações, como o

32
(DA PAZ, 2018, p. 79)
33
(DA PAZ, 2018, p. 80)
31

respeito a autoridade civil (Capítulo 13), a forma com que o forte deve tratar o fraco
(14. 1-12; 15.1-4). Paulo também se preocupa com a necessidade de os romanos
praticarem virtudes como unidade, humildade, e prioritariamente o amor (capítulo
12).
Portanto, apesar de Paulo não ter fundado a igreja de Roma, ele nutria
um grande amor por aqueles irmãos, e como grande missionário que era, e pelo
amor que nutria pela verdade do evangelho, não podia deixar aqueles irmãos sem
instrução quanto a graça salvadora de Deus e como que, através da obra de Cristo,
homens culpados e dignos de condenação são tornados justos. Consequentemente
esse ensinamento levava esperança para uma igreja que vivia em constante perigo
e rodeada de ensinamentos judaizantes que firmava a sua esperança na lei e não na
obra libertadora de Cristo.

2.6 MENAGEM PARA TODAS AS ÉPOCAS

Paulo traz inúmeros ensinamentos preciosos nesses dois pequenos


versos que podem ser utilizados para todos a igreja de Deus, e não somente para os
Romanos.
Quando o apóstolo inicia no verso 16 declarando que não se envergonha
do evangelho pelo fato deste ser o poder de Deus para a salvação, ele está
afirmando algo extremamente relevante para a nossa época, pois se tem algo do
qual não devemos nos envergonhar é do evangelho, é neste que está a verdade que
liberta, devemos pregar esta verdade com a mesma convicção que o apóstolo tinha
de que estas palavras são poderosas para libertar aqueles que estão cativos.
Devemos ter confiança tal que se preciso for dar a nossa vida em função desta
verdade, que assim seja. Devemos sempre estar prontos para pregar esse
evangelho, assim com Paulo estava pronto para pregar aos romanos, mas tendo em
mente que onde esse evangelho for pregado haverá algum tipo de resistência por
parte dos incrédulos, pois o evangelho é o poder de Deus que luta contra o desejo
pecaminoso do coração humano, e revela a justiça de Deus para condenar o
pecador e absolver aqueles que são justificados pela obra substitutiva de Cristo.
Outro ensinamento importante para todas as épocas é a linda mensagem
de que, através de Cristo, o pecador, que seria justamente condenado ao inferno por
causa de seus pecados, é justificado pela morte vicária de Jesus. Esse ensinamento
traz esperança, pois mesmo diante da nossa infidelidade ao Senhor, ele nos
32

perdoou em Cristo Jesus, e temos a certeza da vida eterna baseada nessa obra
magnífica e preciosa de nosso Senhor. Mesmo que o mundo inteiro desabe sobre os
filhos de Deus e eles venham a perder a vida terrena, eles estão seguros para a vida
eterna.

2.7 TEOLOGIA DO TEXTO

2.7.1 Implicações para a teologia Bíblica

O verso 16 traz uma grande ligação com a teologia bíblica devido a


doutrina da pregação do evangelho para a salvação de todo aquele que crê. A
princípio nos parece que esse conceito se relaciona apenas com o Novo
Testamento, mas se analisarmos de perto as referências cruzadas percebemos que
esse conceito também era ensinado no antigo testamento, como por exemplo no
Salmos 40.9-10 onde o salmista diz que proclamou as boas-novas de justiça diante
da congregação e não se calou, e não escondeu essa verdade da grande
congregação.
Outro texto do Antigo Testamento que traz esse conceito é o Salmo
71.15-16 onde o salmista descreve que a boca dele relatará a justiça de Yahweh, e
que se sente na força do Senhor, e através disso lembra da justiça que vem de
Deus. Aqui o conceito de poder de Deus e pregação do evangelho estão bem claros
no texto.
Outro texto, ainda no Antigo Testamento, é o Salmo 119.46, desta vez o
salmista fala que não sente vergonha de falar dos testemunhos do Senhor, nem
diante dos reis, uma clara alusão a mesma ideia de Paulo no verso 16 de Romanos.
Quanto ao novo testamento temos o ensinamento do próprio Cristo
alertando que aquele que se envergonhar dele e de suas palavras, o Senhor
também se envergonharia dele quando viesse na sua glória (Marcos 8.38). O próprio
apóstolo Paulo quando escreveu a Timóteo, adverte ao jovem pastor que não se
envergonhe do testemunho de Jesus, e nem das cadeias de Paulo, pelo contrário
que o jovem pastor seja participante desses sofrimentos em favor do evangelho
segundo o poder de Deus (2Tm 1.8-16).
No verso 17, além de percebermos algumas alusões ao Antigo
Testamento, vemos também uma citação direta do apóstolo. As alusões se
encontram no conceito de Justiça de Deus, conceito bem amplo e utilizado de forma
33

abundante no AT e no NT. Já em Gênesis 15.6, vemos a Justiça de Deus sendo


imputada sobre Abraão devido a fé do patriarca. O profeta Isaías no capítulo 45.24-
25 trazia um alerta ao povo contra a idolatria, e no final da perícope o profeta
confirma que no SENHOR será justificada toda a descendência de Israel, fazendo
uma alusão a doutrina da justificação pela obra substitutiva de Cristo. O profeta não
faz somente essa alusão à justiça do SENHOR, podemos perceber essa doutrina
em textos como (46.13; 51.8; 54.17; 61.10 etc.). Outros profetas também
profetizaram sobre a Justiça de Deus como (Jeremias 23.5-6; 33.16; 9.24). Os
salmos também falam sobre esse tema Sl 97.2.
No novo testamento, o conceito de Justiça de Deus é ampliado e
ensinado por Jesus e por todos os apóstolos. (Mt 5.1-12; 17-20; 6.1-4; Hb 1.9; Tg
1.20, 3.18; 1Pe 2.24, 3.18; 2Pe 2.5-8; 2Pe 3.13; 1Jo 1.9, 2.1, 2.29; 3.7-10; Ap 15.3,
16.5).
O verso 17 não tem apenas alusões, mas contém uma citação direta feita
pelo Apóstolo Paulo do texto de Hc 2.4 “Eis o soberbo! Sua alma não é reta nele;
mas o justo viverá pela sua fé”.

2.7.2 Implicações para a teologia sistemática

Soteriologia:
A Soteriologia é a doutrina que trata das coisas concernentes a salvação.
Dentro da soteriologia está a doutrina da justificação e da fé, que é tratado pelo
apóstolo Paulo nestes versos de Romanos, no qual a teologia chama de “justificação
pela fé”.
Justificação pela fé: A justificação é uma aceitação judicial do cristão por
Deus como não culpado, porque seus pecados não são considerados contra ele.
Abaixo temos um infográfico feito no texto de Gálatas 2.16, que nos ajuda a,
visualmente, entender esse conceito da soteriologia:

Figura 4 - Infográfico Justificação Pela Fé


34

Fonte: https://justificacaopelafe.com.br/justificacao-pela-fe-galatas-2-16-infografico-
teologia-visual/. Acessado dia 11.09.2023
A justificação é um ato judicial de Deus perdoando pecadores, aceitando-
os como justos e, assim, tornando-os definitivamente aceitos.
Parker (2014) em sua teologia concisa escreve que essa justificação
parece ser estranha, pois como um Juiz justo pode inocentar pessoas
comprovadamente culpadas, sendo que isso o tornaria um Juiz injusto, como
prescreve a própria lei? (Dt 25.1; Pv 17.15). A resposta é que:

[...] trata-se realmente de um julgamento justo, porque sua base é a justiça


de Jesus Cristo, que, como o último Adão (1Co 15.45), nosso representante
agindo em nosso favor, obedeceu à lei que nos sujeitava e suportou o
castigo pela ilegalidade que era nossa dívida e, assim (para usar um termo
técnico medieval), “mereceu” nossa justificação. Portanto, somos
justificados legitimamente, com base na justiça feita (Rm 3.25, 26), e a
justiça de Cristo foi lançada em nossa conta (Rm 5.18, 19).34

Em outras palavras, os crentes são considerados justos diante de Deus,


não por causa de suas obras, como vimos no infográfico acima, mas por causa do
que Cristo alcançou para eles através de sua obra salvífica na cruz do Calvário.
Outra doutrina, que também está dentro do campo da Soteriologia, e é
ensinado pelo apóstolo nesses versos, é a doutrina da fé. O texto bíblico que melhor
define a fé é Hebreus 11.1 “Ora, a fé é a certeza de coisas que se esperam, a
convicção de fatos que se não veem.”
A fé defendida por Paulo nesses versos de Romanos é a fé salvífica, é a
fé produzida no coração do homem, que o capacita a crer em Jesus (que ele não
vê), e o prepara para uma vida de obediência aos preceitos divinos e abandono da
vida mundana.
Parker (2014), defende que a fé em Jesus é o meio necessário ou causa
instrumental da justificação, ele escreve:

Isso porque a base meritória de nossa justificação está inteiramente em


34
PACKER, J. I. Teologia Concisa: Uma Guia de Estudo das Doutrinas Cristãs Históricas. 3ª. ed.
Pág. 145
35

Cristo. À medida que nos entregamos pela fé a Jesus, ele nos concede seu
dom de justiça, de sorte que, no mesmo ato de “fechar com Jesus”, como os
velhos mestres reformados diriam, recebemos o perdão divino e a
aceitação, que de outra forma não poderíamos obter (Gl 2.15, 16; 3.24).

É por isso que o apóstolo Paulo declara que não se envergonha do


evangelho, pois o poder contido na proclamação da Palavra de Deus, através da
pregação fiel, é suficiente para criar fé no coração do pecador, e esse é capacitado a
crer em Jesus, que o justifica e dá a ele o dom da salvação.
O Breve Catecismo na sua pergunta 90 diz o seguinte:
Como se deve ler e ouvir a Palavra a fim de que ela se torne eficaz para
salvação? Resposta: Para que a Palavra se torne eficaz para a salvação devemos
ouvi-la com diligência (Dt 6.6–9), preparação (1Pe 2.1–2) e oração (Sl 119.11–18);

recebê-la com fé (Rm 1.16; Hb 4.2) e amor (2Ts 2.10), guardá-la em nosso coração

e praticá-la em nossa vida (Tg 1.21–25). Portanto, a Palavra pregada com fidelidade,
é o meio pelo qual o Espírito Santo produz fé no coração do pecador, levando este
ao arrependimento e consequentemente a salvação.
Foi a justificação pela fé que fez o reformador Martinho Lutero (1483-
1546) iniciar a Reforma Protestante do Séc. XVI. Lutero entendia que a justiça de
Deus era dada de forma meritória, ou a chamada Justiça Retributiva, onde o homem
deveria trabalhar de forma a merecer essa justiça. Mas um dia, por divina
iluminação, ele compreendeu que a justiça era imputada ao pecador pela soberana
graça de Deus através de Cristo Jesus, e o pecador era justificado, não pelas obras
da autopenitencia, mas unicamente pela fé em Jesus. O próprio Lutero escreveu:

Ansiava muito por compreender a Epístola de Paulo aos Romanos, e nada


me impedia o caminho, senão a expressão: ‘a justiça de Deus’, porque a
entendia como se referindo àquela justiça pela qual Deus é justo e age com
justiça quando pune os injustos... Noite e dia refleti até que... captei a
verdade de que a justiça de Deus é aquela justiça pela qual, mediante a
graça e a pura misericórdia, Ele nos justifica pela fé. Daí por diante, senti-
me renascer e atravessar os portais abertos do paraíso. Toda a Escritura
ganhou novo significado e, ao passo que antes ‘a justiça de Deus’ me
enchia de ódio, agora se me tornava indizivelmente bela e me enchia de
maior amor. Esta passagem veio a ser para mim uma porta para o céu.”
(Obras de Lutero, edição de Weimar, vol. 54) (BAITON, 1950, p. 65)
(Tradução: Google35)
35
I greatly longed to understand PauFs Epistle to the Romans and nothing stood in the way but that
one expression, “the justice of God,” because I took it to mean that justice whereby God is just and
deals justly in punishing the unjust. My situation was that, although an impeccable monk, I stood
before God as a sinner troubled in conscience, and I had no confidence that my merit would as-
suage him. Therefore I did not love a just and angry God, but rather hated and murmured against
him. Yet I clung to the dear Paul and had a great yearning to know what he meant.
36

Segundo historiadores, o comentário à epístola aos Romanos escrito por


Lutero, em 1516, foi o verdadeiro ponto de partida da Reforma Protestante. A
experiência que Lutero teve mudou sua visão bíblica, deste ponto em diante as
Escrituras se tornaram, para Lutero, um ponto de luz onde ele elaborou suas 95
teses que deu início a Reforma Protestante do Século XVI.
Vocação eficaz: Ao declarar que o evangelho é o poder de Deus para a
salvação de todo aquele que crê, Paulo está falando de uma vocação eficaz. Essa
argumentação é a base para sabermos que esta mensagem só se torna poderosa e
eficaz se for internalizada no coração do homem, não é somente algo externo, mas
é produzido eficazmente de forma interna no pecador. Sobre isso Berkhof destaca:

Pode-se dizer que a vocação de Deus é uma só, e a distinção entre uma
vocação externa e uma vocação interna ou eficaz simplesmente chama a
atenção para o fato de que esta vocação única tem dois aspectos. Não
significa que estes dois aspectos estão sempre unidos e sempre andam
juntos. Não afirmamos, com os luteranos, que “a vocação interna é sempre
concorrente com o ouvir a palavra”. Significa, porém, que onde a vocação
interna chega aos adultos, é mediada pela pregação da Palavra. A mesma
Palavra ouvida na vocação externa torna-se eficiente no coração, na
vocação interna. Pela poderosa aplicação feita pelo Espírito Santo, a
vocação externa passa direto para a vocação interna. Mas, embora esta
vocação esteja estreitamente relacionada com a vocação externa e forme
uma unidade com ela, há certos pontos de diferença: (a) É uma vocação
pela Palavra, salvadoramente aplicada pela operação do Espírito Santo,
1Co 1.23,24; 1Pe 2.9; (b) É uma vocação poderosa, isto é, uma vocação
que é eficaz para a salvação, At 13.48; 1Co 1.23, 24; e (c) É sem
arrependimento, isto é, não está sujeita a mudança e jamais será retirada,
Rm 11.29.

A vocação eficaz é produzida no coração do homem de forma externa e


interna. A vocação é eficaz externamente quando o pecador ouve a pregação do
evangelho, e é eficaz internamente quando, após ouvir o evangelho, o pecador crê
em Jesus através da fé produzida em seu coração. Mas, como defende Berkhof, não
são duas vocações, mas apenas uma com duas características, e nem sempre
andam juntas.
O chamado eficaz distingue-se do chamado geral, pois não é dirigido a
todas as pessoas, mas àqueles a quem Deus escolheu salvar. Paulo mostra isso
claramente ao dizer que o evangelho é o poder de Deus para a salvação de todo o
que crê, não importa se esse crente seja judeu ou grego. Ao receber o chamado de
Deus não importa se ele pertence a nação de Israel ou a alguma outra nação pagã,
o homem é levado a fé através da pregação do evangelho (vocação externa), e
então o pecador é chamado, pela fé, a crer em Cristo (vocação interna).
37

2.7.3 Implicações para a teologia prática.

Uma verdade que fica bem claras nesse texto quanto a teologia prática é
a importância da pregação da Palavra. Paulo sempre deixou claro em suas cartas a
importância de se pregar fielmente a palavra (2Tm 4.2, Ef 1.13).
No verso anterior o apóstolo diz que devemos estar prontos para pregar o
evangelho (Rm 1.15), sem nos envergonharmos de suas palavras (Rm 1.16). Esse
evangelho é o poder de Deus que transforma a vida das pessoas, e é o meio pelo
qual o Espírito Santo produz fé no coração do pecador, o levando a se arrepender
de seus pecados e a crer em Jesus Cristo para a salvação. E essa salvação é para
todos os que foram destinados a crer, seja judeu ou grego.
É neste evangelho, que Paulo nos estimula a pregar, que está revelada a
justiça de Deus, é onde o SENHOR resolveu, de forma especial, demonstrar toda a
sua retidão, e tudo o que ele requer de seu povo e de toda a humanidade.
É através da pregação fiel da Palavra que vamos anunciar ao povo que
eles são salvos pela graça em Jesus, mediante a fé, e isso não vem deles, mas é
dom de Deus, por isso, na pregação do evangelho, devemos anunciar que o justo
viverá por fé.

2.8 SERMÃO:

Título: A Necessidade da Pregação do Evangelho


Tema: Motivos que tornam a pregação do Evangelho necessária
Doutrina: Justiça de Deus, Justificação pela Fé, Chamado Eficaz,
Salvação, Eleição.
Ideia Exegética: Paulo declara que o Evangelho é poderoso e suficiente
para a salvação.
Ideia Homilética: Paulo declara aos Romanos que se sente devedor a
eles e diz que por isso está preparado para pregar o evangelho em Roma, porque
não se envergonha do evangelho, por ser o poder de Deus para a salvação de todo
o que crê, tanto de judeu quanto de grego, pois devido a isso o justo viverá pela fé.
Necessidade: A confiança, fidelidade, amor e dedicação que o apóstolo
Paulo deposita no evangelho deve nos motivar a confiar no poder que emana das
sagradas Escrituras. Devemos pregar o evangelho fielmente confiando que ele é o
poder de Deus que pode transformar vidas e trazer salvação a todo aquele que crê.
38

Imagem: Narrativa – Narra o pensamento do apóstolo Paulo referente ao


Evangelho, mostrando que este é o poder de Deus para a salvação do pecador.
Objetivo: Espero que este sermão desperte nos ouvintes a necessidade
de anunciar o evangelho com coragem, sem ter vergonha das palavras que emanam
deste livro sagrado. De fazerem isso com fidelidade e honestidade, sabendo que é
isso que o Senhor demanda de seu povo. Alertar aqueles que ainda estão no
caminho do pecado, que a justiça de Deus, que se revela no evangelho, está sobre
todos e que no devido tempo cairá sobre justos e injustos. Animar os ouvintes a
viverem pela fé, pois isso é louvável aos que são justificados por Cristo e sua obra
salvífica.

2.9 ESBOÇO

Introdução:
Após se identificar como apóstolo de Jesus Cristo (1. 1-7), Paulo continua
com sua introdução escrevendo que ora pelos irmãos, e que em suas orações pede
a Deus que ofereça ocasião oportuna para visitar a igreja em Roma (1.8-10).
Paulo tem o desejo de visitar os romanos (At 19.21) para que com essa
oportunidade possa pregar o evangelho àqueles irmãos (Rm 1.15). Esse desejo de
pregar o evangelho, contido no verso 15, é uma fala introdutória, preparando os
leitores para os versos 16 e 17. Onde, no verso 15, ele diz estar pronto para
anunciar evangelho, e nos versos 16 e 17 ele complementa dizendo que esta
prontidão se dá pelo fato de não se envergonhar do evangelho. Neste caso Paulo
estaria pronto para pregar o evangelho aos Romanos sem detenção nenhuma, pois
ele sabia que este evangelho é o poder de Deus para salvar todos os que crê, seja
judeu ou grego.
Toda essa introdução sobre o evangelho, a fé e a salvação, serve de
base para a argumentação de Paulo nos versos seguintes, pois o pecado alcançou
Gentios 1.18-31; judeus 2.1-27 e todas as pessoas sem exceção (3.1-20), esses
temas tomam conta de toda a carta de Romanos.
Baseado nessas informações quero falar sobre os motivos que tornam a
pregação do evangelho necessária:
1. O Evangelho é o poder de Deus (v 16a)
2. Somente o Evangelho Salva (v 16b)
3. Somente o Evangelho Transforma (v 17)
39

Conclusão:
Vimos como é grande a necessidade de pregarmos o evangelho, somente
ele transforma a vida das pessoas. O evangelho é o poder de Deus, pois é a palavra
de um Deus onipotente, todo-poderoso, é a palavra que destrói o coração de pedra
e coloca um coração de carne, que é sensível a voz do Senhor. É o evangelho que
produz fé no coração do pecador, fazendo com que este viva confiando unicamente
no Senhor e não em suas forças ou no poder de suas obras. É este evangelho que
revela a toda a humanidade a justiça de um Deus misericordioso que, pela sua
graça, tona justos àqueles que nunca poderiam se auto justificar.

Aplicação:
Esta mensagem de Paulo nos leva a perceber a necessidade de
confiarmos exclusivamente no evangelho para a edificação de nossas igrejas, não
devemos confiar em métodos ou no poder financeiro de nossas congregações, mas
confiar unicamente na pregação fiel das escrituras. As igrejas de nossos dias não
precisam de dinheiro, de membros, de templos enormes e luxuosos, mas precisam
da pregação do evangelho que transforma. Os nossos jovens não precisam de
acampamentos e programações baseadas em técnicas mundanas de persuasão,
mas precisam ser convencidos pelo poder do evangelho. Os casais cristãos
precisam basear suas vidas conjugais no evangelho que transforma, e não em
métodos humanos. Diante de tudo isso a pergunta que fica é: Será que ainda
confiamos no poder do evangelho como ferramenta poderosa para transformar a
vida de todo aquele que crê?

3 Conclusão
Este estudo nos levou a ver a importância que o evangelho tem para a
igreja em todas as épocas, assim como era na época de Paulo, foi na época dos
pais da igreja, e continua sendo nos dias de hoje. Vemos que este evangelho é o
poder de Deus, ele transforma, regenera, e traz fé ao coração do pecador, mostra a
justiça de Deus sendo derramada justificando o pecador e o tornando justo através
da obra expiatória de Jesus. Esse evangelho traz salvação a todo aquele que crê
independente de sua nacionalidade e faz com que o justo viva pela fé em Jesus
Cristo.
Este trabalho é relevante pelo fato de vivermos em uma sociedade que a
40

cada dia se volta para dentro de si mesma, creem que somos independentes de
Deus e que sua mensagem não é mais relevante. Essa mensagem do apóstolo
Paulo é urgente para nós pois precisamos voltar a crer no poder do evangelho, crer
na suficiência das Escrituras para a salvação de todo o povo escolhido do Senhor.
O poder do evangelho é suficiente para a salvação do perdido, não
precisamos acrescentar mais nada, o que nos resta a fazer é proclamar a todos,
aquilo que o Senhor nos ordenou, e nada mais.

4 Bibliografia

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BORING, M. E. Introdução ao Novo Testamento: História, Literatura e Teologia.


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Testamento. 1ª. ed.

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