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24/02/2021 Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra

Acórdãos TRC Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra


Processo: 702/05.5TBPMS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: GONÇALVES FERREIRA
Descritores: SOCIEDADES COMERCIAIS
DISSOLUÇÃO
LIQUIDAÇÃO
Data do Acordão: 07-09-2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: PORTO DE MÓS
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 804, 1009 CC, 141 CSC, 3, 14, 15, 70 E 71 CRP
Sumário: 1.- A dissolução e liquidação das sociedades comerciais regem-se pelo
disposto nos artigos 141.º e seguintes do Código das Sociedades
Comerciais.
2.- As sociedades comerciais extinguem-se com o registo do
encerramento da liquidação.
3.- Em relação a terceiros, no entanto, a extinção só opera depois da
publicação do facto, a menos que se prove que o mesmo está registado
e que o terceiro tem conhecimento dele.
4.- Extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo
social, mas só até ao montante que receberam na partilha.

5.- Incumbe ao credor alegar e provar que os sócios receberam bens


na partilha do património da sociedade.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
I. Relatório:
F V (…), casado, comerciante, residente na Rua (…), ..., Porto de
Mós, intentou acção declarativa comum, com forma de processo sumário,
contra M A (…), A C (…), M C (…) e A C (…), casados e comerciantes,
os dois primeiros, e solteiras, as restantes, todos residentes em ...,
Carregal do Sal, alegando, em resumo, que:
No exercício da sua actividade comercial de projecção de rebocos,
prestou a CA (…) Lda., a pedido do réu M C (…), que invocou a
qualidade de sócio e gerente da mesma, serviços no valor de € 11.245,50.
Mais tarde, porém, quando procurava obter o pagamento dos
serviços prestados, descobriu que a Argomaral se encontrava dissolvida
desde momento anterior àquele em que o réu M C (…) o contactou.
Porque se encontrava de boa fé quando celebrou o negócio e
porque o acto praticado pelo réu M C (…) não foi meramente
conservatório, todos os sócios da dissolvida sociedade são responsáveis
pela dívida.
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Concluiu, pedindo que os réus fossem condenados a pagar-lhe a


importância de € 12.895, 50, acrescida de juros comerciais vincendos,
sobre a quantia de € 11.254, 45, desde a citação e até efectivo pagamento.
Regularmente citados os réus, só a ré A G (…) contestou, tendo
alegado, em síntese, que nem ela nem nenhuma sociedade comercial em
que tenha participado como sócia ou gerente contrataram o que quer que
seja com o autor e que se alguém contratou com este foi o réu M C (…),
seu ex-marido, de quem se encontra separada desde pouco tempo depois
de a sociedade C (…), Lda., da qual foi sócia, ter sido constituída.
Terminou pela sua absolvição da instância, por ilegitimidade, ou,
no caso de assim se não entender, pela improcedência da acção, com a sua
absolvição do pedido.
O autor respondeu à contestação, sustentado a legitimidade da ré.
No despacho saneador foi relegado o conhecimento da excepção
para decisão ulterior, tendo-se afirmado, no mais, a validade e a
regularidade da lide.
A selecção da matéria de facto foi objecto de reclamação do autor,
desatendida.
Realizado o julgamento e fixada, sem reparos, a matéria de facto,
foi proferida sentença, que julgou a acção procedente e condenou os réus
a pagar ao autor a quantia de € 11.245,50, acrescida de juros de mora
legais, vencidos e vincendos, desde 1 de Novembro de 2003 até efectivo e
integral pagamento.
Inconformada, a ré A G (…) interpôs recurso e apresentou a sua
alegação, que concluiu assim:
1) A sentença julgou a acção procedente, sob a invocação de se ter
demonstrado que os serviços foram prestados e a factura emitida antes da
publicação da dissolução da sociedade (…) não sendo, por isso, o registo
oponível ao autor;
2) O certo, porém, é que lhe não cabe a responsabilidade no facto
de a publicação do registo da dissolução só ter ocorrido em 18.10.2003,
quase oito meses depois desse mesmo registo, que teve lugar em
25.02.2003, mas sim ao Conservador, que levou três meses a requisitar a
publicação à Imprensa Nacional, quando a lei lhe impõe o dever de o
fazer no prazo de 30 dias, e à Imprensa Nacional, que, só perto de cinco
meses depois, logrou fazer o seu trabalho.
3) Tendo promovido o registo da dissolução e não lhe podendo ser
imputada a culpa pelo atraso na respectiva publicação, a sua condenação,
assim como a das restantes sócias, configura uma solução não conforme
com o direito e com a justiça.
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4) A sentença recorrida violou os artigos 804.º e 1009.º do Código


Civil e os artigos 70.º e 71.º do Código do Registo Predial.
Acabou por requerer a procedência do recurso e a sua absolvição
do pedido.
O autor não respondeu à alegação da recorrente.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
É uma a questão a resolver: saber se os réus são responsáveis pelo
pagamento dos serviços efectuados pelo autor.
II. A matéria de facto:
Na sentença impugnada deu-se por provado o seguinte:
A) O autor é comerciante e dedica-se à actividade de projecção de
blocos – A) dos factos assentes.
B) O réu M A (…) foi nomeado gerente da sociedade C (…), Lda.
– B) dos factos assentes.
C) A sociedade C (…), Lda. encontra-se dissolvida desde
25.02.2003 – C) dos factos assentes.
D) A ré A (…) e as restantes co-rés, suas filhas, (…) e (…), são as
sócias da sociedade C (…), Lda., constituída em 1996 – D) dos factos
assentes.
E) Foi publicado no Diário da República n.º 242 – III Série, de
18/10/2003, o registo da dissolução e encerramento da liquidação da
sociedade C (…) Lda., identificação de pessoa colectiva n.º 503624012 –
E) dos factos assentes.
F) Em Agosto de 2003, o autor prestou à sociedade C (…) Lda.
serviços de projecção de rebocos, nos termos constantes de factura n.º
0169, junta a folhas 4, no valor de € 11.245,50, a pedido do réu M (…) –
1, 2, e 3 da base instrutória.
G) A factura referida em F) vencia-se a 30 dias da data da sua
emissão – 4 da base instrutória.
H) O réu M (…) invocou a qualidade de sócio-gerente da
sociedade C (…) Lda., no negócio referido em F) – 5 da base instrutória.
I) Os serviços referidos em F) foram facturados à sociedade C
(…) Lda., conforme indicação do réu M (…)– 6 da base instrutória.
J) A factura referida em F) encontra-se em dívida – 7 da base
instrutória.

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K) A ré (…) não contratou com o autor qualquer prestação de


serviços – 8 da base instrutória.
L) Em 10/03/2003, a ré (…) apresentou junto das Finanças
declaração de cessação de actividade da sociedade C (…), Lda., com
efeitos a 07/03/1996 – 10 da base instrutória.
M) A ré (…) não manteve com o réu (…) qualquer tipo de relação
pessoal, profissional ou de interesses, após a separação e a cessação de
actividade da dita sociedade – 11 da base instrutória.
N) Não teve a ré (…) qualquer interesse, intervenção ou relação
com o negócio referido em F) – 12 da base instrutória.
O) A ré (…) não conhece os acordos efectuados entre o autor e o
co-réu (…) – 13 da base instrutória.
P) A ré (…), bem como as restantes sócias da sociedade, não
obtiveram pessoalmente qualquer benefício ou compensação, pelos
serviços prestados pelo autor ao réu (…) – 14 da base instrutória.
III. O direito:
A sentença recorrida julgou a acção procedente, com base na
seguinte linha argumentativa:
A dissolução das sociedades comerciais tem de ser
obrigatoriamente registada e publicada, sem o que não produz efeitos em
relação a terceiros – artigos 3.º, alínea q), 14.º, n.º 2, 15.º, n.º 1, e 70.º, n.º
1, do Código do Registo Predial.
Por outro lado, nos termos do artigo 1009.º do Código Civil –
aplicável às sociedades comerciais por força do artigo 2.º do Código das
Sociedades Comerciais –, a dissolução implica a limitação dos poderes
dos administradores à prática de actos meramente conservatórios, sendo
que a sociedade e os outros sócios só respondem pelas obrigações
assumidas em contrário pelos administradores perante terceiros, se estes
estavam de boa fé ou, no caso de ser obrigatório o registo da dissolução,
se este não tiver sido efectuado.
Os regimes de ambos aqueles diplomas têm de ser conjugados
entre si, de forma a entender-se que o registo referido no artigo 1009.º do
Código Civil abrange, não, apenas, o registo propriamente dito, mas,
também, a respectiva publicação.
Resultou provado que a dissolução da sociedade C (…), Lda., da
qual o réu (…) era gerente e as demais rés sócias, foi registada em
25.02.2003 e que a publicação do registo ocorreu em 18.10.2003.
Mais se provou que, no período de tempo compreendido entre a
data do registo da dissolução e a data da sua publicação, o autor prestou
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serviços à (…), a pedido do réu (…), agindo na qualidade de gerente


daquela.
Não sendo o acto praticado por aquele réu de natureza meramente
conservatória, nem o registo da dissolução oponível ao autor, os sócios e
o gerente respondem solidariamente por ele, devendo, em consequência,
pagar a dívida contraída.
A recorrente não questiona propriamente este raciocínio; diz é que
fez aquilo que lhe competia fazer, ou seja, a promoção do registo da
dissolução da sociedade e que não pode ser responsabilizada pela demora
na sua publicação, já que isso cabe à Conservatória, que não a si mesma.
Se bem se vê a questão, não parece que a solução seja de recorte
tão simples quanto o desenhado tanto pela sentença como pela recorrente.
Relativamente àquela, o menos que se pode dizer é que aceitou
sem discussão uma tese que não é de todo líquida, ou seja, a resolução do
caso à luz do Código Civil, concretamente, do disposto no seu artigo
1009.º, quando as normas das sociedades civis apenas se aplicam às
sociedades comerciais nos casos omissos e, mesmo assim, só na hipótese
de não ser possível recorrer à analogia, como deflui do artigo 2.º do
Código das Sociedades Comerciais. Este diploma prevê um regime
específico de dissolução e liquidação das sociedades, bem como de
responsabilidade dos administradores ou gerentes e dos sócios no período
subsequente à dissolução, que tem, obviamente, de ser considerado em
primeiro lugar.
A recorrente, por seu turno, fundamentou o recurso num
argumento marginal (o incumprimento do prazo a que se refere o n.º 1 do
artigo 71.º do Código do Registo Comercial, por parte da Conservatória
do Registo Comercial de Carregal do Sal, situação que, em princípio,
apenas daria lugar a responsabilidade civil do Estado) e, para mais, com
um evidente efeito de boomerang, visto que levou muito mais tempo para
requerer o registo do encerramento da dissolução (quase sete anos) do que
as entidades oficiais para o publicar. Se é de incúria que fala, talvez
precise de fazer um exame de consciência.
Posto que o problema que se nos depara tem a ver com a assunção
de passivo por sociedade comercial já depois da dissolução, vejamos
como se acha regulamentada a dissolução e liquidação das sociedades
comerciais e, bem assim, a responsabilidade dos administradores ou
gerentes e dos sócios no Código das Sociedades Comerciais (diploma de
que serão os restantes preceitos que venham a ser citados sem indicação
de origem):
São vários os casos em que as sociedades comerciais podem ser
dissolvidas, contando-se, entre eles, o que se achar previsto no contrato de
sociedade e a deliberação dos sócios (artigo 141.º do Código das
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Sociedades Comerciais, diploma de que serão os restantes preceitos que


venham a ser citados sem indicação de origem).
A sociedade dissolvida entra imediatamente em liquidação, mas
mantém a personalidade jurídica, devendo ser aditada à firma a menção
“sociedade em liquidação” ou “em liquidação” (artigo 146.º, n.ºs 1, 2 e 3).
A menos que o contrato de sociedade contenha cláusula de sentido
diverso ou que os sócios deliberem de outra forma, os administradores da
sociedade assumem a posição de liquidatários (artigo 151.º, n.º 1),
detendo, em geral, os deveres, os poderes e a responsabilidade dos
membros do órgão de administração da sociedade. Autorizados pelos
sócios, podem continuar a actividade anterior da sociedade, contrair
empréstimos, desde que necessários à efectivação da liquidação, alienar
em globo o património social e trespassar o estabelecimento; por
imposição legal, devem ultimar os negócios pendentes, cumprir as
obrigações e cobrar os créditos da sociedade, reduzir a dinheiro o
património social e propor a partilha dos haveres (artigo 152.º).
Concluído o processo de liquidação, os liquidatários submetem a
deliberação dos sócios as contas finais, acompanhadas por um relatório
completo da liquidação e por um projecto de partilha do activo restante,
devendo ser declarado, naquele, que estão satisfeitos ou acautelados os
direitos dos credores (artigo 157.º).
Aprovadas as contas finais pelos sócios, incumbe aos liquidatários
requerer o registo do encerramento da liquidação (artigo 160.º), com o
qual “(…), finalmente, a sociedade exala o último suspiro, isto é, se
considera extinta, mesmo entre os sócios e sem prejuízo das acções
pendentes ou do passivo ou activo superveniente” (acórdão do STJ de
26.06.2008, CJ/STJ, Ano XVI, Tomo II, pág. 138).
A extinção da pessoa colectiva fá-la perder a personalidade
jurídica, mas não cessar as relações jurídicas de que era sujeito activo ou
passivo.
Havendo acções pendentes, as mesmas continuam, só que com a
substituição da sociedade por todos os sócios, que passam a ser
representados pelos liquidatários (artigo 162.º).
Se houver passivo social não satisfeito ou acautelado, é dos sócios a
respectiva responsabilidade, até ao montante do que receberam na
partilha, sendo as acções necessárias para tanto propostas contra eles, mas
na pessoa dos liquidatários, considerados, para o efeito, como seus
representantes legais (artigo 163.º).
Finalmente, o activo não partilhado que eventualmente possa existir é
levado a partilha adicional pelos liquidatários, que podem propor as
acções que se revelarem necessárias para a cobrança de créditos, caso em
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que serão considerados representantes legais dos sócios, sem embargo de


cada qual destes poder propor acção limitada ao seu interesse (artigo
164.º).
Para a matéria de que nos ocupamos, interessam, ainda, as disposições
sobre a publicidade dos actos sociais, nomeadamente os artigos 166.º,
167.º, n.º 1, e 168.º, n.º 2, de cujos termos resulta que os actos relativos à
sociedade estão sujeitos a registo e publicação, em conformidade com a
lei do registo (artigo 166.º), que as publicações obrigatórias têm de ser
feitas no Diário da República (artigo 167.º, n.º 1) e que a sociedade não
pode opor a terceiros actos cuja publicação seja obrigatória, sem que esta
esteja efectuada, a menos que prove que o acto está registado e que o
terceiro tem conhecimento dele (artigo 168.º, n.º 2).
Em conformidade com tal imposição, determina o Código do Registo
Comercial o registo e a publicação obrigatórios da dissolução e do
encerramento da liquidação das sociedades comerciais – alíneas q) e s) do
artigo 3.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º –, e esclarece que os factos
sujeitos a registo e publicação obrigatória só produzem efeitos contra
terceiros depois da data da publicação, excepto se a sociedade provar que
o acto está registado e que o terceiro tem conhecimento dele (artigo 14.º,
n.º 2).
Postas estas breves considerações, três notas:
A primeira, para constatar que se não conheceu na sentença da excepção
de ilegitimidade suscitada pela ré Arminda, que, no saneador, se havia
relegado para decisão final. Poderá dizer-se, talvez, que a condenação da
ré no pedido conduz à decisão implícita da excepção, no sentido da
respectiva improcedência. Ainda assim, relevaria da melhor técnica
jurídica que a questão fosse expressamente apreciada, como claramente
decorre do n.º 1 do artigo 660.º do Código de Processo Civil. Como quer
que seja, a questão está ultrapassada, porque não trazida a recurso.
A segunda, para dizer que o recurso, apesar de interposto só pela ré (…),
aproveita aos co-réus, por força do disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo
683.º do último diploma citado; é que a sentença concluiu pela
responsabilidade solidária de todos os réus e o recurso não se funda em
causa que seja pessoal à recorrente (o Prof. Alberto dos Reis aponta como
exemplo nítido de pessoalidade o caso de o recorrente invocar como
fundamento do recurso a sua incapacidade para se obrigar – Código de
Processo Civil Anotado, volume V, pág. 300).
A terceira, para observar, entrando no domínio do recurso em si, que a
sociedade (…), Lda., de futuro designada, apenas, por sociedade, foi
dissolvida (é o que consta do registo), mas não se sabe quando, como,
nem porquê, já que nenhuma das partes se deu ao trabalho de juntar o
instrumento de dissolução.

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Daí, que se afigure destituída de rigor a matéria de facto plasmada na


alínea C) dos factos dados por assentes na sentença: “A sociedade (…)
Lda. encontra-se dissolvida desde 25.02.2003”. O que nesta data ocorreu
foi o registo da dissolução e encerramento da liquidação e não a
dissolução em si. Como acima se esclareceu, o processo que conduz à
extinção começa com a dissolução, continua com a liquidação e termina
pelo encerramento desta, cujo registo determina o fim da sociedade.
É certo que, por vezes, os sócios dão a sociedade por liquidada no
instrumento de dissolução, declarando não haver activo nem passivo, o
que significa que a fase de liquidação, tal como a lei a prevê, não tem
existência efectiva. E terá sido isso o que, muito provavelmente,
aconteceu no caso em apreço, dada a simultaneidade do registo da
dissolução e do encerramento da liquidação.
Como quer que seja, a dissolução teve de ocorrer muito antes de
25.02.2003, visto que as contas finais a que se refere o artigo 157.º foram
aprovadas em 07.03.1996.
A situação acaba por não ter interesse prático, porque o que para aqui
importa é a extinção da sociedade, que só produziu efeitos relativamente
ao autor a partir da publicação do encerramento da liquidação em Diário
da República, ou seja, no dia 20 de Outubro de 2003.
A acção foi instaurada em 16 de Março de 2005, mais de 17 meses depois
da dita publicação, o que significa que estamos perante a hipótese de
passivo superveniente a que alude o artigo 163.º.
A responsabilidade é dos antigos sócios (no caso, as rés (…), (…) e (…)e
já não o réu (…), que não era sócio da sociedade, antes e apenas, seu
gerente), mas só até ao montante que receberam na partilha (tratando-se
de sócios de responsabilidade limitada, como ora se verifica).
E é neste ponto que tudo se decide, independentemente da aferição da real
existência da dívida. O que conta é que a causa de pedir e o pedido se
reportam a um negócio jurídico celebrado pela sociedade antes de a
respectiva extinção produzir efeitos em relação a terceiros, do qual
decorreu, para ela, uma obrigação de natureza pecuniária; passivo social
não satisfeito ou acautelado, portanto.
Neste contexto, competia ao autor alegar e provar, como elemento
constitutivo do seu direito, que a sociedade tinha bens e que eles foram
partilhados entre os sócios. É o que resulta das regras gerais do ónus da
prova estabelecidas no artigo 342.º do Código Civil, maxime do seu n.º 1,
quando prescreve que “àquele que invocar um direito cabe fazer a prova
dos factos constitutivos do direito alegado”.
Neste sentido, aliás, se tem vindo a pronunciar a mais recente
jurisprudência do nosso mais alto Tribunal (acórdãos de 15.11.2007,
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23.04.2008 e 26.062008, o primeiro e o terceiro em CJ/STJ, Ano XV,


Tomo III, pág. 124, e Ano XVI, Tomo II, pág. 138, respectivamente, e o
segundo em www.dgsi.pt – processo n.º 07S4745)
Não o fez o autor, preferindo arrimar-se ao substrato fáctico-jurídico
emergente do artigo 1009.º do Código Civil, que não parece ser aplicável
à situação vertente, dado o minucioso regime de dissolução e liquidação
das sociedades comerciais previsto no respectivo Código.
Diga-se, no entanto, que não seria por aí que alcançaria melhor resultado,
ao contrário do que se decidiu na sentença.
Isto, porque está por demonstrar, até porque não alegado, que o acto
praticado pelo gerente não fosse de conservação ou de liquidação do
património social. A sentença limitou-se a dizer que o gerente da
sociedade “praticou actos de gestão, que não são meramente
conservatórios”, mas não explicou em que é que eles consistiam. E nem,
em boa verdade, o podia fazer, já que a única coisa que se sabe (e só pela
factura junta com a petição inicial, porque o autor não alegou
materialidade concretamente apreensível, limitando-se a remeter para a
dita factura), é que o autor forneceu material e mão-de-obra à ré. Para
quê, ignora-se.
Ora, o fornecimento de material e mão-de-obra não é, à partida,
incompatível com a noção de conservação ou de liquidação. Suponha-se
que se tratou da aplicação de reboco (já que o autor exerce a actividade
comercial de projector de rebocos) em obra de terceiro, em consequência
de obrigação assumida pela sociedade antes da dissolução (ou, até, no
decurso da liquidação, ao abrigo dos poderes/deveres conferidos ao
liquidatário pelo artigo 152.º).
A contratação do serviço, enquanto destinado ao cumprimento de
obrigações da sociedade, é, manifestamente, um acto de liquidação.
Objectar-se-á que, tendo a sociedade sido já dissolvida e encerrada a
liquidação, não tinha obrigações pendentes.
Puro equívoco, porque nada há que garanta que a liquidação (se é que
existiu, de facto) retratasse a realidade social.
A ignorância absoluta do que foi o negócio celebrado (referimo-nos à
natureza dos materiais e da mão-de-obra e ao fim a que se destinaram,
como é óbvio) não permite qualificar o acto e, como tal, enquadrá-lo na
disposição do referido normativo.
Em conclusão, à luz do regime do Código das Sociedades Comerciais,
não são as rés responsáveis pela dívida ajuizada, por falta de alegação e
prova de que tenham recebido em partilha bens da sociedade; e não o é o
réu, por não ter a qualidade de sócio.

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O regime do Código Civil, por seu lado, não será aplicável ao caso em
presença; mas, ainda que o fosse, continuariam os réus a não ser
responsáveis pela dívida, por não terem sido alegados factos dos quais se
pudesse concluir que o acto praticado excedeu o que seria necessário para
a conservação ou liquidação do património social.
Assim, e com os fundamentos acabados de expor, diversos dos alegados,
terá a sentença de ser revogada, com a consequente absolvição dos réus
do pedido.
IV. Em resumo:
1) A dissolução e liquidação das sociedades comerciais regem-se pelo
disposto nos artigos 141.º e seguintes do Código das Sociedades
Comerciais.
1) As sociedades comerciais extinguem-se com o registo do encerramento
da liquidação.
2) Em relação a terceiros, no entanto, a extinção só opera depois da
publicação do facto, a menos que se prove que o mesmo está registado e
que o terceiro tem conhecimento dele.
3) Extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social,
mas só até ao montante que receberam na partilha.
4) Incumbe ao credor alegar e provar que os sócios receberam bens na
partilha do património da sociedade.
V. Decisão:
Em face do exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação e,
por via disso, em julgar a acção improcedente, com a absolvição dos réus
do pedido.
Custas em ambas as instâncias pelo autor/recorrido.

GONÇALVES FERREIRA ( Relator )


VIRGÍLIO MATEUS
CARVALHO MARTINS

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