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Na hermenêutica se encontra a relação entre pensamento e linguagem – Presente

DIR 200 - HERMENÊUTICA JURÍDICA - Prof. Paulo Cesar – PER 3/2021 no primeiro tratado de Aristóteles chamado Peri hermeneias2.

Unidade I – Conceitos preliminares (plano aula 1) Nesta obra, Aristóteles irá dizer que a hermenêutica se realiza através do logos
apofântico (expressão da epistêmia). A “expressão” (logos, linguagem) tinha uma
(AULA 1 20/07) relação direta com o ser.
1) Noção ou sentidos da expressão “Hermenêutica”: Para os gregos o pensamento não conseguiria se exprimir com clareza e perfeição em
sua totalidade por meio da linguagem. Sempre ficava algo de fora! Por exemplo, para
Hermenêutica é uma atividade que procura realizar a mediação de sentido para Platão a ideia nunca se exprimiria com perfeição na coisa sensível.
que aconteça a compreensão. Logo, pode-se dizer que, historicamente o objetivo
da Hermenêutica é permitir a compreensão. Na mesma seara, para os gregos o “nous” (pensamento) nunca se realiza plenamente
em palavras, ficando sempre algo para trás. É neste momento que se identifica a
Para que compreensão acontecesse, era imprescindível a mediação por parte do hermenêutica. Pois, diante desse déficit, desse hiato entre pensamento e linguagem,
hermeneuta, ou do intérprete (em sentido amplo). Diante disso, para hermenêutica o intérprete torna-se fundamental para tentar, a partir da palavra exterior (aquilo que
a compreensão (ou seja, superação da obscuridade) estava atrelada a mediação de é dito) procurar reconstruir o pensamento que se encontra como base daquele
sentido. discurso.
Assim, o trabalho do intérprete é justamente permite que algo que até então não Isto é, o Hermeneuta é aquele que realiza a ponte entre a palavra exterior (o discurso)
era compreensível/claro /expresso ganhasse compreensão/expressão através do e palavra interior (pensamento). Aproxima pensamento e linguagem, porque a
seu trabalho. [aproximação do eu para com o outro pela atividade interpretativa] linguagem não dá conta de se exprimir plenamente em pensamento.
Ex: tradução.

A hermenêutica surge num contexto puramente religioso, derivada de duas


expressões gregas: hermeneuien (verb.) e hermeneias (subs.) Com relação as palavras, hermeneuien (verb) e hermeneias (subs) que significam
declarar, enunciar e explicar, temos:

declarar e enunciar = movimento que ocorre de dentro para fora (expressar de dentro
a) Expressões próximas, porém distintas: Hermenêutica, interpretação e exegese; para fora.)
b) Raiz grega da expressão Hermenêutica – hermeneuien e hermeneias – Deus Explicar= ocorre o contrário: parte daquilo que é dito, exteriorizado para procurar o
Hermes; conteúdo que a anima, ou seja, o pensamento que deu voz, que se exteriorizou por
meio da linguagem. Mais uma vez, conforme Santo Agostinho, o Hermeneuta é
Possuem o radical referentes ao Deus Hermes1, Deus responsável por trazer a
aquele que procura a palavra interior para animar a palavra exterior, objetivando
mensagem dos Deuses aos homens, fazia a mediação (aproximação dos homens do
tornar clara aquela compreensão.
Olimpo).

OBS: Essa atividade de mediação, de aproximação, nem sempre era realizada de


maneira plena, adequada, as vezes tem certo componente de esperteza e artimanha diante d) Raiz grega da expressão exegese: ex-gestain;
da atividade interpretativa.
os gregos não utilizavam a palavra interpretação. Mas sim, a expressão exegese (ex-
Tanto hermeneuien (verb.), quanto hermeneias (subs.) são vocábulos que gestain- trazer para fora). A palavra interpretação só surge em Roma, no contexto
basicamente possuem o mesmo significado: declarar, enunciar e explicar. (3 significados) religioso assim como ocorre com o vocábulo hermenêutica na Grécia3.

Dessa forma, tem-se no ocidente uma tradição que busca se apegar ao logos/ a
episteme como forma de libertação (esotérica), e a segunda tradição, que é a exotérica
c) Jean Grondin: sentidos possíveis de hermeneuien: declarar, anunciar e explicar;
que procura a libertação por meio do culto religioso. Hermes é uma figura presente
relação entre pensamento e linguagem;
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Tradução: Da Interpretação, Aristóteles.
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O Deus Hermes era cultuado, celebrado pelos ladrões e comerciantes, desde o culto exotérico na Grécia, Na Grécia existia dois tipos de religião: a pública, dos deuses do Olimpo (exotérica); e a privada, que não
por sua esperteza e malandragem em torno da atividade interpretativa. era cultuada na ágora, apenas em espaços privados, ex: orfismo (esotérica).
nas duas tradições. sentido advém dos modos de produção normativa4, isto é, fontes do direito. Logo, o
intérprete do direito é aquele que busca o sentido de suas fontes, sendo que este
sentido se traduz basicamente de 3 formas: direito subjetivo, dever jurídico e sanção.
Em síntese, interpretar o direito significa, basicamente, detectar o direito subjetivo
e) Raiz latina da expressão interpretação: inter-praetatio; em evidencia, o dever jurídico correlato ao direito subjetivo e a sanção. Mas
interpretar também consiste em fixar o alcance, que por sua vez, se refere até a onde
Como visto, assim como a hermenêutica surge na Grécia em um contexto religioso, esse sentido pode alcançar. Em outras palavras, quais são as situações fáticas que
a expressão interpretação surge em Roma sob essa influência sacro. A palavra podem receber a incidência daquele sentido.
interpretação surge com atividade do sacerdote romano que desentranhava as
vísceras de um pássaro para identificar se o dia era apto ou inapto ao exercício da Entretanto, além da interpretação, a hermenêutica também trabalha com a integração
jurisdição. Então, surge a palavra interpretação, que significa literalmente “entre do direito. Ou seja, o interprete não só interpreta o direito, também detecta que falta
partes” – (entre as entranhas). fonte, origem legislativa ou costumes. Devendo para tanto utilizar para preencher
essas lacunas os métodos de integração de direitos (analogia, costumes, princípios
O interprete é aquele que trazia algo do interior para o exterior, algo que não era gerais do direito)
compreendido (escondido) para trazê-lo a superfície para se tornar claro,
compreensível. Ademais, a hermenêutica jurídica não só trabalha com a interpretação e com a
integração, mas também com a aplicação. A aplicação/ decisão é um ato de vontade
racional5 que deve ser fundamentado, a partir do direito e dos fatos. O fato, neste
caso, é o fato jurídico, que deve ser provado6 no processo. Assim, decidir significa
f) Sentidos comuns às expressões: mediação, trazer à superfície algo que é
justificar a sua aplicação com base em fatos e direitos
obscuro;

Até então, nem na Grécia, tampouco em Roma, havia a distinção entre essas três
palavras: exegese, hermenêutica e interpretação. Eram utilizadas de forma indistinta. 2) Situação gnosiológica da disciplina:
Somente a partir da hermenêutica clássica-romântica, transição do sec. XVIII p/ o a) Emprego da expressão Hermenêutica como gênero gnosiológico: Dannhauer e
sec. XIX, especialmente com a figura de Schleiermacher, é que se tem a precisão Chlaudenius – séculos XVII e XVIII – hermeneutica generalis;
vocabular dessas expressões: Hermenêutica passa a ser um gênero cujo o objetivo é
alcançar a compreensão. Esse gênero (hermenêutica) tem como espécie a b) Hermenêutica enquanto disciplina autônoma e unificada – século XIX:
interpretação. Friedrich Schleiermacher; exegese e interpretação a espécie do gênero hermenêutica;
para que a hermenêutica valer

c) Unificação das modalidades de interpretação setorizadas: interpretação teológica,


Schleiermacher = Hermenêutica (gênero) interpretação (espécie) bíblica e literária;

d) Hermenêutica e interpretação;
A interpretação passa ser espécie da disciplina chamada hermenêutica que irá e) Da inexistência de uma Hermenêutica Jurídica enquanto disciplina – técnica de
permitir que se chegue à compreensão. Para que a Hermenêutica cumpra o seu papel, interpretação, de aplicação e de integração do direito.
que é realizar a compreensão, precisa passar pela etapa interpretativa, isto é, se valer
de uma técnica chamada interpretação. Hermenêutica jurídica não é hermenêutica – Com a hermenêutica filosófica7 ficou claro
que a hermenêutica não é mais uma técnica, não é mais uma ciência. Mas, um traço
Por outro lado, para hermenêutica filosófica subverte esse significado. Pois, a estrutural da relação do homem com o mundo, isto é, simplesmente por existirmos em
compreensão faz parte da hermenêutica da facticidade e a interpretação é a efetivação
do compreendido. 4
Os modos de produção do direito também são denominados fontes do direito. Atos e fatos que

Já a hermenêutica jurídica é uma disciplina que se vale das distintas modalidades de produzem normas são fontes.
interpretação (gramatical, histórica, sistemática) para alcançar a compreensão, que 5
não quer dizer que pode se manifestar arbitrariamente essa vontade
no caso do Direito é justamente o entendimento do sentido e alcance das suas 6
Aquilo que não está nos autos não está no mundo.
expressões.
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A hermenêutica filosófica surge com Husserl, Heideger e Gadamer, que irá demonstrar como a
O intérprete do Direito é aquele que objetiva o sentido e o alcance do Direito. O hermenêutica clássica romântica errou ao acreditar que ao se valer do método se chega a compreensão.
mundo histórico, a hermenêutica constitui a demonstração dessa relação histórica entre como sinônimo de interpretação ou de exegese. Ou seja, não havia ainda uma distinção
vidas. (tudo que existe no interior de uma época é histórico e atende a solicitação dela) técnica entre os 3 vocábulos, entre as 3 expressões: hermenêutica, interpretação e exegese.
Por isso essas expressões eram usadas como sinônimos, muitas vezes. Com o
A hermenêutica busca demonstrar o ponto de partida das ciências, e como esse Schleiermacher, então, a hermenêutica passou a ser uma disciplina que dispunha da
ponto de partida atende a solicitação de um tempo. interpretação e da exegese como técnicas, como etapas que permitiam chegar ao objetivo
da hermenêutica que é a obtenção da compreensão.
Logo, a hermenêutica jurídica não pode ser considerada hermenêutica, pois
enquanto a primeira é tida como uma técnica de interpretação, integração e aplicação. A Dessa forma, a partir do Schleiermacher a hermenêutica passou a ser essa
segunda, após a hermenêutica filosófica não constitui técnica, pelo contrário visa disciplina cujo objetivo era a compreensão, e para tanto ela se valia da interpretação e da
demonstrar como a técnica/ o método é ingênuo. exegese. E foi, então, o sentido de ciência, cunhado pelo Schleiermacher que se transmitiu
ao direito. Quando falamos em hermenêutica jurídica, nós estamos nos reportando ao
PC então critica o nome da disciplina em questão dizendo que o nome adequado sentido epistemológico da disciplina, que foi estabelecido pelo Schleiermacher no século
seria Teoria da interpretação, integração e aplicação do Direito. XIX, e que foi utilizada no direito pela primeira vez pelo Savigny, por isso podemos dizer
que ele é o “pai da hermenêutica jurídica”. Podemos dizer, sem dúvida, que o Savigny é
o pai da ciência do direito, a ciência do direito como estudamos hoje nas universidades,
é produto do ofício intelectual do Savigny. O Savigny é muito mais importante para a
Unidade II – História da Hermenêutica (plano aula 2)
ciência do direito que o próprio Hegel, por exemplo. Aliás, eles tinham uma rivalidade
1) Situação Histórica Inicial: as interpretações setorizadas intelectual absurda. O Savigny foi aposentado compulsoriamente da Universidade de
Berlim pelo Hegel.
a) Hermenêutica e interpretação – mediação noético-linguística;
Como vimos na aula anterior, a expressão hermenêutica jurídica não é apropriada,
b) Interpretações setorizadas: relação entre interpretado e interpretação; sobretudo, a partir das construções filosóficas do século XX. Com a hermenêutica
filosófica, falar em hermenêutica jurídica soou inadequado, pois com a hermenêutica
c) Modalidades: interpretação religiosa, jurídica e filológica; filosófica, a palavra hermenêutica, a disciplina hermenêutica deixou de ser vista como
“método” que permitiria o acesso à compreensão. O que a hermenêutica filosófica
d) Platão: Oráculo de Delfos e Pitonisas; Musas, poesia e rapsódia; demonstrou, é que não há a necessidade de um método para que a compreensão se
estabeleça. Porque a compreensão deixou de ser obtida através de resultado, de um ofício,
e) Aristóteles: Peri hermeneias – Órganon e logos apophanticos; de uma artimanha metodológica, para ser um elemento que acompanha a vida. Por isso
que hermenêutica passou a ser “um traço estrutural da relação do homem com o mundo”.
2) Interpretação Religiosa: Isso que dizer que, a palavra hermenêutica significando técnica de interpretação ela é
inadequada à luz da hermenêutica filosófica.
a) Tradição judaico-cristã: a primazia do texto;
Com a palavra, com a expressão hermenêutica jurídica, o que a gente ressalta é
b) Patrística: conciliação entre conhecimento e fé; c) Fílon de Alexandria e Orígenes:
justamente uma técnica de interpretação, de aplicação e de integração do direito. Por isso
a interpretação alegórica e a tipologia;
que a partir da hermenêutica filosófica chamar essa técnica de hermenêutica é
inadequado. Hoje é mais comum se usar uma “teoria da decisão judicial” do que o termo
d) Santo Agostinho: Da Doutrina Trinitária: intellige ut credas, crede et intelligas;
“hermenêutica jurídica metodológica”, e a hermenêutica filosófica foi fundamental para
e) Lutero: relação entre corpus e membra – o círculo hermenêutico e a retórica que se chegasse a tal conclusão. Tentar chegar a uma decisão hoje a partir de um método
antiga (Flácius Iliricus); princípio do sola scriptura – sui ipsus interpres; requisição é estranho, principalmente com toda a crítica que a hermenêutica filosófica desenvolveu
entre contextus e scopus; a iluminação e a necessidade da graça da fé; em cima da disciplina.

f) Consequências da interpretação bíblica: necessidade de visualização do fenômeno Vimos que a expressão hermenêutica surge no contexto grego, já a expressão
à luz da totalidade de sua vida; problema: apagamento da distinção temporal. interpretação surge no contexto romano, ao passo que a palavra exegese também surge
no contexto grego. O que é importante frisar, é que antes do Schleiermacher, então,
Aula 2 (29/07) transcrição existiam, em sentido amplo, modalidades de interpretação setorizadas, ou seja, existiam
tipos distintos de interpretação, tipos esses, que se guiavam especificamente pelo objeto
Na aula passada, analisamos a interpretação, a exegese e sobretudo, a em questão, de modo tal que, a partir das características especificas desse objeto, havia
hermenêutica jurídica. A palavra hermenêutica significando então, uma disciplina, um tipo também específico da interpretação. Isso quer dizer que antes de Schleiermacher
situada no plano epistemológico, só vai surgir no século XIX com o Schleiermacher, é não existia uma técnica interpretativa unificada que pudesse ser aplicada a toda e qualquer
ele que cria uma disciplina unificada, metodologicamente estruturada que se chamou disciplina. Isso só veio com Schleiermacher. Antes dele, o tipo do objeto a ser interpretado
hermenêutica. Antes de Schleiermacher, a expressão hermenêutica era utilizada, mas pautava o modo como a interpretação se desenvolveria. Por isso se fala que, antes do
Schleiermacher e a partir dos gregos, existem interpretações autônomas, setorizadas, necessário o trabalho de interpretação, de mediação das pitonisas, que faziam essa
esparsas, que se conduzem pela coisa em questão. Essas modalidades de interpretação mediação de sentidos permitindo que a mensagem dos deuses chegasse até os homens.
basicamente podem ser reunidas em 3 tipos: a interpretação religiosa, que vai dar Esse culto se repete em Roma a divindade Mercúrio, que equivale ao Grego “Hermes”.
origem à interpretação bíblica, sobretudo no contexto da reforma protestante; a Dizem os historiadores que o culto a Mercúrio era o mais “badalado”. As pessoas iam ao
interpretação jurídica que surge em Roma, porque em Roma surge, obviamente, o templo e ficavam de frente a sua estátua no momento de fazer uma pergunta. E ao
direito romano, então antes de Roma não havia interpretação jurídica porque antes de caminhar de costas até a porta do templo, sempre de frente para a estátua, ouviriam a
Roma não havia direito; e uma terceira modalidade que é a interpretação filológica, que resposta do burburinho do povo que estava nas ruas, não havia acesso direto à mensagem,
surge na transição da Baixa Idade Média para o Renascimento, onde houve a necessidade daí surgiu o ditado “a voz do povo é a voz do deus”. Ditado esse que virou “a voz do povo
de se retomarem os pergaminhos clássicos que chegam à Europa e são recepcionados é a vos de deus”, ou seja, surgiu naquele contexto romano em que por meio da voz do
pelas universidades. Dito de outra forma, havia a necessidade de se ter uma técnica de povo se teria acesso à voz do deus, do deus mercúrio.
lida adequada com os pergaminhos de Platão e Aristóteles.
Também havia o culto privado, a tradição esotérica com “s”, que era realizado,
A chamada interpretação filológica, ou interpretação dos clássicos, interpretação sobretudo, através do orfismo. O acesso à verdade era feito através de duas vias: da
humanista, que ganha corpo sobretudo no Renascimento. Logo, existem 3 tipos de objeto ciência e da religião. Na nossa tradição filosófica ocidental somente a razão permite
que vão pautar 3 tipos de interpretação: o objeto direito, que vai dar origem à acesso à verdade, a alétheia nada mais é que a demonstração da arché, e isso se dá através
intepretação jurídica; o objeto texto clássico, interpretação filológica, e o objeto texto do conhecimento discursivo, filosofia pro Platão é reduzir a distância entre logos e physis,
religioso (resumindo-se, interpretação da bíblia) que dá origem à interpretação mas para a tradição órfica, do orfismo, a demonstração lógica, o acesso à verdade não se
religiosa. Com Schleiermacher essas interpretações se unificam numa disciplina que dava através da episteme, mas se dava através do rito, através do ritual religioso, e essa
passa a se chamar então, hermenêutica. tradição, por exemplo, chega ao pitagorismo, dizem que Pitágoras foi um dos iniciados
na religião esotérica grega, e o curioso, é que o Hermes era uma divindade cultuado na
Quando a palavra hermenêutica surge no contexto grego, esse contexto era tradição esotérica grega com “s”, então, temos que essa divindade Hermes/Mercúrio está
especificamente religioso, a hermenêutica nasce desse contexto. Numa análise rápida, a desde o início relacionada a essa ideia de mediação de sentido.
palavra hermeneia (ἑρμηνεία) que é ancestral da palavra hermenêutica, o radical aponta
para a figura do deus grego “Hermes”. Isso aponta, então, o caráter religioso de fundação O importante é demonstrar que a interpretação surge nesse caráter religioso. Platão
da hermenêutica. Esse caráter religioso, ele é narrado sobretudo pela obra do Platão. O foi o primeiro a demostrar o caráter técnico da interpretação, isso está no Íon e no Fedro.
Platão em dois diálogos, o Íon e o Fedro, são tratados em que o Platão discute, sobretudo, Platão disse que a interpretação acontece no ofício do rapsodo, que é aquele que consegue
a questão da beleza, eles vão apontar essa relação religiosa da hermenêutica e essa relação explicar a poesia para a população em geral. Para Platão, o poeta só escreve a partir da
com a arte, com a técnica que aparece também no interior do contexto platônico. Os inspiração das musas, as musas estabelecem o dito poético, o que o poeta faz é abrir
diálogos apontam, primeiro, a uma origem religiosa da hermenêutica, e segundo a espaço para que a mensagem das musas tome corpo. Para Platão é impossível falar e não
transformação dessa origem num artifício, numa técnica. O Platão é aquele a relegar o dizer, por isso ele é o inimigo número um da retórica, a palavra para o Platão é sempre o
intérprete o papel de técnico, uma artimanha de interpretação. Por isso, que dentro do logos tinós, o que é esse logos tinós? Literalmente “palavra de” ou “palavra sobre”. Em
contexto de construção filosófica platônica, a hermenêutica ocupa uma posição inferior Platão a palavra sempre remete a campos ideais, por isso é impossível falar e não dizer,
em relação à episteme, ela é inferior em relação a sofia, em relação ao conhecimento. quando se fala de algo, aquilo de que se fala, aparece de forma plena. Por exemplo,
quando ele fala da justiça na República, ou quando nós falamos de justiça, essa ideia de
Se nos lembramos, a religião grega é dividida em dois tipos de culto: o culto justiça, o nosso discurso sobre a justiça nunca vai ser definitivo, pois as ideias nunca se
público e o culto privado. O culto aberto e o culto restrito. Daí surgirem, então, as duas realizam plenamente nas coisas sensíveis. Isso é o logos tinós, a palavra sempre é
tradições, exotérica (com “x”) e esotérica (com “s”). O culto aberto exotérico era aquele orientada pelo apalavrado. Isso está presente no Crátilo de Platão, que é o primeiro
que se desenvolvia na cidade, na Pólis, principalmente em tributo a Apolo, que era a diálogo sobre filosofia da linguagem.
divindade que tinha o maior número de adeptos na cidade. E é no interior do oráculo de
Delfos que surge a atividade interpretativa. No oráculo de Delfos, havia as sacerdotisas Para o Platão, a poesia é a articulação da ideia por meio da inspiração das musas,
chamadas pitonisas. E qual era a função das pitonisas? Os grandes generais, comandantes, contudo, nem sempre o povo consegue ter acesso a essa mensagem de maneira plena,
antes de irem para as guerras agendavam uma “audiência com deus”, com o deus Apolo. para ele a poesia é mais universal do que a história, isso está na Poética de Aristóteles
Portanto, eles não falavam diretamente com deus, havia a necessidade de um também. Isso pode parecer absurdo, pois tomamos a poesia hoje como algo subjetivo, que
intermediário, um mediador que aproximaria Apolo dos generais, que aproximaria deuses o poeta é aquele que diz através da linguagem emocional (essa é a imagem vulgar que se
dos homens, e esses intermediários recebiam o nome de hermeneuta ou intérprete. tem da poesia) então como para o grego a poesia poderia ser mais universal que a história,
se a história é uma ciência? Para o grego a história era a narrativa dos grandes feitos,
A hermenêutica é, antes de tudo, uma atividade de mediação. O que é mediar? É sobretudo de mostrar que o paradigma existiu, ora, se a história é uma narrativa de feitos,
aproximar idêntico e distinto, é permitir que através da linguagem própria, tome corpo o logo ela tem um déficit de universalidade, ela é a reconstrução de fatos pro grego. A
conteúdo alheio. A atividade compreensiva surge a partir do ofício do intérprete, ele é poesia já teria a capacidade de permitir que o universal se articule discursivamente. Que
quem permite a compreensão. E esse contexto religioso retrata isso de maneira fidedigna, a aprendizagem, que a essência apareça, por isso ela é mais universal. E para que a poesia
porque para que a mensagem de Apolo pudesse ser entendida pelos comandantes, era consiga atingir o maior número de pessoas há a necessidade do rapsodo. Rapsódia então
é um discurso, uma articulação que permite retomar a mensagem poética e torná-la elementos do ocidente com o oriente. Alexandria, a biblioteca, esse “farol do
compreensível de uma outra forma. Por isso o rapsodo também é um mediador, um conhecimento do mundo” permitiu que as primeiras teses de conciliação entre razão e fé
intérprete. Claro, para o Platão essa era uma função secundária, assim como a função do aparecerem. O primeiro pensador da patrística foi Fílon de Alexandria, que é o primeiro
artista em geral é secundária, pois o artífice transforma a ideia em matéria, as artes em a desenvolver uma técnica de interpretação dos textos bíblicos, essa técnica se chama
geral têm aspecto secundário em relação a filosofia para Platão, o artista fazia a alegorese, ou interpretação alegórica.
mimetização, a reprodução, o artista realiza mimesis, ou seja, a cópia. Há a ideia de
artificialidade, através da qual a ideia seria transmitida a matéria sensível. O rapsodo, se A interpretação literal é o ponto de partida de qualquer interpretação, e isso surge
formos pensar, seria o intérprete do intérprete, então estaria num nível abaixo ainda do com Fílon de Alexandria, onde a interpretação da mensagem sagrada era a interpretação
artista. O artista é o poeta, aquele que transforma, que traz a mensagem das musas para literal do texto bíblico, contudo, ela sozinha não permite ver a mensagem da salvação, é
as palavras, o rapsodo é aquele que pega a palavra dita e procura explicá-la de outra necessário que se conjugue interpretação literal com outro tipo de interpretação, a
maneira. Então, por isso, Platão chama a interpretação de técnica, e ela teria esse papel alegorese. Para Fílon, há uma mensagem que não é dita literalmente, mas que está
intermediário. escondida nas palavras. O bom intérprete é aquele que pega o texto, as palavras e
consegue enxergar através do texto. Isso só é alcançado através do esforço interpretativo.
Gadamer vai retomar essa tese platônica, mas a eleva a um plano superior. “A arte
articula toda a compreensão de mundo”. Claro, isso está num texto num Heidegger Essa interpretação alegórica se reflete, sobretudo, em Santo Agostinho. Para ele,
também, “A origem da obra de arte”. A obra de arte estabelece a contenda, a luta entre a razão humana é finita, é limitada, sobretudo pela corrupção original do pecado, que é a
mundo e Terra, entre a história e presença efetiva, mas para o Platão a arte tem esse papel tese do cristianismo como um todo. Então o homem só vai ter acesso à verdade pela
secundário e a interpretação ainda mais inferior que a arte. Essa tese platônica é retomada concessão de deus, pela iluminação que se dá através da graça. Daí a frase famosa de
no Aristóteles, o grande livro da lógica dele, o Órganon, traz essa questão da interpretação Agostinho: Intellige ut credas, crede ut intelligas, entender para crer e crer para entender.
como técnica. No Órganon existe um capítulo chamado peri hermenéias, literalmente “da Contudo, essa interpretação alegórica era somente para o corpo de iniciados, era
interpretação”. Então a ideia de interpretação pro Aristóteles é técnica, e o que o intérprete necessário passar por uma iniciação interior dos membros do clero para depois ter acesso
faz? Para entendermos isso temos que entender o que Aristóteles chama de logos a essa verdade. Por isso surge o monopólio das escrituras por parte da igreja, só os
apophântico, que é a proposição, o juízo. O que é um juízo? É um ato de predicação, de membros do clero teriam condição de argumentar a fé com a razão e permitir então o
atribuição de predicado a um sujeito, para Aristóteles, a predicação é um ato através do acesso à mensagem da salvação.
qual a essência atua, e há uma estrutura, uma base responsável por receber a incidência
da essência, que é o chamado hypokeimenon, o antecessor do sujeito. O que é importante Orígenes é segundo pensador da patrística que se certa maneira trabalha as
é saber que a predicação é um ato de transmutação da essência. É o ato através do qual a mesmas teses. Ele desenvolve uma interpretação chamada tipologia. Pro Orígenes, a
essência atua. A proposição lógica consegue aproximar ontologia e razão, ontologia e grande dificuldade da interpretação bíblica é conciliar antigo e novo testamento, para que
discurso. A proposição, então, permite a ligação entre ser e linguagem. Isso é o logos isso aconteça, valia-se da tipologia, que funciona assim: quando o intérprete se deparar
apophantico, é a proposição linguística que permite ver a essência, que permite ver a com uma passagem bíblica difícil de ser entendida, basta que ele leia essa passagem
substância. Então, o intérprete para Aristóteles é aquele que vai receber a proposição obscura a partir da “chave”: “a volta do cristo”. O cristianismo resgata um termo
linguística, vai clarificar o seu texto para que a essência apareça. Então o intérprete fundamental da filosofia platônica: a parosia. Parosia na filosofia platônica significa
prepara a atividade do filósofo, que é aquele que vai discutir a essência das coisas. Para “mostração sensível da ideia, e no cristianismo significa a volta do cristo, onde o logos se
que o filósofo procure a substância é necessário, antes de tudo, clareza linguística, clareza tornará carne, o logos se encarnará, o corpo do cristo se fará ´presente na Terra uma vez
proposicional, clareza discursiva. O intérprete é aquele que esclarece o significado de mais. Santo Agostinho é aquele que reúne essa tradição de interpretação bíblica que se dá
cada uma das palavras da proposição para que as palavras permitam ver essências, antes dele. Ele acha que só se alcança a verdade através da fé, tanto que quando ele
essências essas trabalhadas pelo filósofo. Portanto, para Aristóteles a interpretação é uma escrevia as teses dele, do nada ele começava a rezar pedindo “iluminação”. Isso se reflete
técnica de esclarecimento, que é muito próxima daquilo que chamamos de exegese. na arquitetura dos templos medievais, por exemplo na abóbada, cujas vigas são a razão
que se concentram num tijolinho central que mantem as vigas de pé, que é a fé.
Apesar da interpretação ter surgido com a religião, é no cristianismo que ela toma Aparentemente a fé é pequena em virtude da magnitude da razão, mas se tiramos a fé tudo
mais corpo, sobretudo no Império Romano, quando o imperador Constantino libera o desaba, é a representação arquitetônica da cosmovisão do homem medieval.
culto do cristianismo em 313 d.C., onde ele deixou de ser perseguido como religião. Em
381, o imperador Teodosino vai mais além e eleva o cristianismo a religião oficial do Já com Lutero isso muda, pois ele acredita que qualquer pessoa, e não só um
império romano. E nesses primeiros anos surge um corpo técnico que tem por objetivo iniciado na igreja, pode encontrar a verdade através da fé. Qualquer um pode interpretar
esclarecer o texto religioso. Essa obtenção técnica das mensagens sagradas surge primeiro as escrituras. Então o Lutero é importantíssimo para a história da hermenêutica e
com o judaísmo, que através da interpretação que o sacerdote fazia do texto, buscava principalmente para o Schleiermacher, pois sem o Lutero ele não conseguiria criar a
alcançar a salvação. Daí através dessa técnica judaica, se desenvolve também a escola hermenêutica unificada. Lutero vai resgatar a tese cristã de que o ponto de partida da
cristã que é a patrística, primeira vertente de filosofia cristã. É chamada de patrística interpretação é o texto, e vai dizer que só as escrituras são suficientes para se trabalhar as
porque é desenvolvida pelos padres da igreja, e eles tem essa missão de conciliar filosofia questões religiosas, contudo, as escrituras também têm um método, uma técnica
grega (razão) com tradição religiosa cristã que se apoia em textos. Isso só foi possível em específica de interpretação. O Fílon desenvolvia a alegorese e o Orígenes, a tipologia.
virtude do trabalho de Alexandre, que promoveu o helenismo, que é a junção dos Lutero também vai ter uma técnica de interpretação que nasce no interior da retórica do
Renascimento, a tese do “círculo hermenêutico” (esquema parte e todo). Essa tese é
criada por Flacius Illyricus e desenvolvida por Lutero. O círculo hermenêutico no interior
da retórica é bem simples: para se entender uma passagem temos que entendê-la à luz da Unidade II – História da Hermenêutica (Plano aula 3)
totalidade do texto. Da mesma maneira, para se entender o todo do texto, temos que passar
pelas partes que compõem esse todo do texto. O texto é interpretável por ele mesmo, para 3) Friedrich Schleiermacher e a formação da hermenêutica clássica
Lutero, não há necessidade de alegoria ou tipologia, por exemplo, para se chegar à
salvação. Só a partir do texto que se pode ter acesso à verdade. Mas a simples a) Sentido da expressão “Hermenêutica Clássica”;
interpretação literal também é insuficiente, é necessário a fé, a iluminação, a graça. Por
b) Hermenêutica Clássica: Hermenêutica Romântica e Hermenêutica Historicista;
isso a reforma protestante é fundamental para a formação do homem moderno, pois
qualquer um podia conseguir isso. c)Hermenêutica Clássico-Romântica:-Objetivo: arte da compreensão–influência do
Iluminismo e do Romantismo alemão;
Duas são as características essenciais de toda e qualquer tradição
hermenêutica: -Objeto: discurso em geral;
- 1° Relação imediata entre parte e todo (texto e contexto) -Unificação das modalidades esparsas de interpretação;
O fenômeno só é compreendido à luz da totalidade da sua vida, para entendermos -Ponto de partida: distinção entre interpretação laxa e interpretação austera;
a particularidade de um fenômeno, temos que inserir esse fenômeno no todo da sua vida.
Então, tem uma relação indissociável entre parte e todo e todo e parte. - Para Lutero, - Problema da interpretação bíblica de Lutero e a formação das duas características
corpus e membra, todo e parte – A interpretação jurídica faz isso o tempo todo, numa fundamentais da tradição de pensamento hermenêutica;
interpretação sistemática, você não interpreta um parágrafo sem ler conjuntamente o
caput, nem os incisos sem a totalidade do artigo, não entendemos o artigo isolado da -Modalidades de interpretação: gramatical e psicológica (ou divinatória ou
sessão que ele se encontra no código, tampouco um código sem vê-lo à luz da adivinhatória);
Constituição.
-Importância do método: etapas a serem percorridas na interpretação gramatical e
Contudo, Lutero não apresentou a segunda característica essencial à na interpretação psicológica –01) suspensão dos pré-conceitos; 02) coetaneidade; 03)
hermenêutica, que é esse nexo que liga parte e todo e que é construído historicamente. estética da congenialidade ou a retomada do princípio estruturante da obra;

2° O aspecto histórico que une a parte e o todo. -A figura do gênio: compreender o autor melhor do que ele mesmo;

Para Schleiermacher, Distância temporal. Ou o que Gadamer vai chamar de -Críticas à Hermenêutica Romântica: coetaneidade e salto congenial.
consciência histórica. Lutero desconsidera que o texto bíblico fora escrito em contextos
diferentes, ele passa por uma unidade do texto como se ele fosse coetâneo, escrito ali de
uma vez só, então a fé acaba por retirar toda essa miríade de contextos históricos que são
a base do texto. Como se passasse uma borracha no contexto histórico em que o texto é AULA 3 (05/08) assíncrona – transcrição
produzido. Schleiermacher resgata então essa ideia do círculo hermenêutico, unidade
indissociada entre parte e todo. O grande erro do Schleiermacher foi achar que a distância
temporal precisaria ser ultrapassada, eliminada (ideia de eliminar coetaneidade, veremos
na próxima aula). Ele reconhece a distância, mas quer eliminá-la. É o que o Gadamer vai Nessa aula nós vamos falar da hermenêutica epistemológica, ou da formação da
chamada "hermenêutica clássica no século XIX" que até então nós temos discutido nas
dizer: “o passado não está lá atrás, o passado está aqui e agora”. O passado não ficou lá
aulas. Bom, o principal autor que hoje aqui nos guiará no estudo, é justamente o
no século V a.C., ele está aqui e agora, a ideia de “história efeitual”, como veremos
Schleiermacher, que é tido como o autor, o pai da hermenêutica epistemológica, então,
adiante.
Schleiermacher é o autor que pela primeira vez pensou a hermenêutica na forma de uma
O grande propósito da hermenêutica filosófica de Gadamer, além de corrigir essa ciência, o objetivo da hermenêutica clássica que veremos daqui a pouco, é justamente
eliminação da coetaneidade de Schleiermacher, é conciliar Dilthey e Heidegger. Conciliar lançar as bases científicas, bases essas, sobretudo, metodológicas que vão estruturar todo
o projeto hermenêutico de Dilthey, de articulação de “história e vida” através da o pensamento hermenêutico como todo. Bom, nós vimos nas últimas aulas o modo de
fenomenologia, através das teses heideggerianas e do Husserl. Muita gente acha que o formação das chamadas interpretações setorizadas, que são aquelas modalidades
Gadamer é uma continuação do Heidegger, esse é o grande erro, pois Gadamer é mais interpretativas em que o objeto em questão, o objeto a ser interpretado, vai pautar o modo
uma continuação do Husserl que do Heidegger. adequado de se desenvolver a interpretação.

Existia objetos específicos, destacadamente três, a tradição religiosa que se a porta


em textos, como a hermenêutica bíblica, a tradição jurídica, hermenêutica jurídica, e a
tradição literária que ganha corpo no Renascimento, permitindo, então, a formação da vieram antes dele, o objetivo da hermenêutica como um todo é garantir a compreensão, é
chamada hermenêutica filológica, ou interpretação filológica que é aquela que na Europa a arte da compreensão, Só que essa expressão de compreender no Schleiermacher passa
se destaca, sobretudo, no modo adequado de se interpretar os textos clássicos, Platão e por um sentido um pouco distinto. Para ele, arte da compreensão significa entender o
Aristóteles. Essas modalidades interpretativas vão faltar todo modo de se desenvolver autor melhor do que ele mesmo. Para Schleiermacher, a hermenêutica só alcançaria o seu
uma teoria da interpretação centralizadas até o século XIX, então, essas modalidades objetivo a partir do momento em que ela permitisse que o intérprete compreendesse o
interpretativas esparsas vírgulas e autorizadas entre o objeto em questão orienta o modo autor melhor do que ele mesmo, autor, se compreenderia.
de interpretação elas são unificadas quando o pensamento do Schleiermacher, então, se
dedica à formação de uma ciência hermenêutica. Por isso é que a hermenêutica tem uma ligação muito grande com a arte. Tem uma
ligação com a detecção do estilo, como é um traço característico do Romantismo alemão,
Até então, essas interpretações setorizadas, não tinham encontrado um princípio então, o objetivo da hermenêutica, claro, é a compreensão, mas a compreensão aqui no
de unificação, por mais que a palavra hermenêutica tenha surgido no século XVII, e no sentido de arte de entender o autor melhor do que ele mesmo. Por outro lado, o objeto
século XVIII, apontando para uma tentativa de unificação, como vimos na primeira aula, dessa disciplina, dessa hermenêutica clássica romântica, é diferente do objeto até então
com aqueles 2 pensadores, Dannhauer e Chlaudenius, que foram os primeiros a tentar visualizado no interior das distintas modalidades de interpretação setorizadas, o objeto
pensar uma disciplina chamada hermenêutica, eles chamam de hermenêutica universalis então não é mais o objeto, texto bíblico, objeto direito, objeto texto clássico, objeto agora,
uma disciplina que seria auxiliar na lógica de Aristóteles com o objetivo de entender a é o discurso em geral, independentemente de sua natureza, Independente de seu conteúdo
proposição para que o pensamento do autor pudesse então, aparecer. Contudo, essa seja ele discurso jurídico, seja ele discurso bíblico, seja ele discurso artístico, seja ele
mesma empreitada que foi buscada pelo Chlaudenius, havia sido desenvolvida de certa discurso oral, seja o texto. Então, essa hermenêutica tem por objeto todo e qualquer tipo
maneira, lá no Peri hermeneias do Aristóteles. Por isso que podemos dizer que a despeito de discurso, seja oral, narrado, historiográfico, seja discurso escrito, como visto nas
e essa tentativa de se criar uma hermenêutica epistemológica ela tivesse acontecido antes tradições de hermenêutica bíblica e da jurídica. Então, a partir do objeto destacado como
de Schleiermacher, é com ele que se desenvolve então a ciência hermenêutica ou no discurso em geral, o objetivo fundamental de Schleiermacher é também alcançar a
hermenêutica em sentido amplo. unificação das modalidades espaços de interpretação. Como veremos, Schleiermacher é
um autor que tem nítida influência tanto do Iluminismo como do Romantismo alemão.
Então, o século XIX, permite a formação da hermenêutica epistemológica que Isso se verifica no modo peculiar como ele observa, como ele analisa, como ele enxerga
aqui é chamada então de hermenêutica clássica. A primeira questão que aqui se coloca, a atividade interpretativa. Início de conversa, a gente consegue perceber a influência do
então, é uma questão de ordem terminológica: O que se entende por hermenêutica Iluminismo em Schleiermacher a partir da distinção que ele faz entre interpretação laxa
clássica? Hermenêutica clássica é essa disciplina que surge no século XIX, a partir do e interpretação austera.
trabalho do Schleiermacher e, que procura então criar uma ciência interpretativa
unificando as técnicas vírgulas as modalidades esparsas e setorizadas de interpretação que Interpretação laxa e interpretação austera em Schleiermacher: a interpretação, tal
se observarão antes do século 19. como se desenvolveu antes de Scheiermacher, ela é pensada como uma arte, mas o que é
uma arte aqui especificamente falando? Uma arte nada mais é que uma técnica de
Ao invés, então, do intérprete se guiar pelo objeto específico em questão na esclarecimento sobretudo de textos obscuros, ou seja o intérprete Então realizava essa
interpretação, agora se pensa numa técnica, numa ciência metodológica que se aplicaria atividade interpretativa procurando realizar a compreensão que requisitava uma expertise
a todo e qualquer tipo de objeto possível. A primeira característica dessa chamada específica a partir do momento em que o intérprete sobretudo de textos se deparasse com
hermenêutica clássica é a tentativa de se pensar uma estrutura metodológico-científica um texto com qual ele não consegue se obter a primeira compreensão, ou do qual ele não
que se aplicaria a todo e qualquer tipo de objeto interpretativo possível. Essa conseguisse obter a compreensão. Então, a interpretação conseguia se verificar com mais
hermenêutica clássica, ou essa ciência hermenêutica metodológica, ela é desenvolvida em clareza a partir do momento em que o intérprete se deparasse com passagens que
dois momentos, existem duas escolas que podem ser inseridas no grande gênero da permitissem o mal entendido, de uma forma ainda mais clara, a interpretação era tão mais
chamada hermenêutica clássica: a hermenêutica do Romantismo alemão, que é aquela requisitada, sobretudo diante de uma passagem textual obscura de uma passagem textual
que nós veremos hoje aqui desenvolvida por Schleiermacher e a hermenêutica do que não permitisse então a compreensão correta e adequada. Para Schleiermacher, a partir
historicismo Alemão, que é desenvolvida principalmente, por Dilthey. Schleiermacher e das teses do Iluminismo, esse tipo de interpretação é uma interpretação laxa, é uma
Dilthey, então, são os representantes respectivamente das modalidades: de hermenêutica interpretação digamos diz cuidar da, uma interpretação que não tem um tal grau de
clássica e hermenêutica romântica com Schleiermacher e hermenêutica historicista segurança, porque, ela só se preocupa em compreender adequadamente quando ela se
com Dilthey. depara com a não compreensão. Para o Schleiermacher, então, o ponto de partida deve
ser justamente a atenção que a razão deve ter com a atividade interpretativa, sobretudo
Então, não se esqueçam, quando ouvirem essa expressão: hermenêutica clássica, Saiba em relação aos preconceitos que circundam o intérprete. Essa é uma tese típica da
que essa expressão é um gênero que comporta duas espécies de hermenêutica: a modernidade filosófica é uma tese que é desenvolvida sobretudo pelo pensamento
hermenêutica romântica e a hermenêutica historicista. Hoje estudaremos a hermenêutica cartesiano Descartes, tanto no discurso do método quanto nas meditações metafísicas, ele
clássica romântica a partir do trabalho do Schleiermacher. Como eu disse, é uma ciência, vai chamar a atenção para a possibilidade do erro filosófico. O erro para o Descartes era
e essa ciência tem um objetivo destacado, um objetivo específico. Qual é esse objetivo? sobretudo o produto da falta de conciliação entre a Razão Humana que é finita e a vontade
É aquilo que o Schleiermacher chama de A Arte da compreensão. O objetivo da que é infinita. Nós erramos, então, para o Descartes, justamente pelo fato de nos enxergar
hermenêutica assim como se verificou nas modalidades de interpretação setorizadas que
mus como portadores de razão infinita que nos permitiria compreender a tudo e vontade fundamentais de todo e qualquer tradição de pensamento hermenêutica: a primeira o
também infinita. fenômeno só é completamente entendido Ou seja a particularidade do fenômeno só é
entendida a partir do momento em que ele é visto a luz da totalidade da sua vida . final
Para Descartes, contudo, o homem tem razão finita, nós não podemos conhecer então, entender, compreender o fenômeno significa perceber que esse fenômeno se insere
todas as coisas da mesma maneira, apesar de termos vontade infinita, o erro é o produto num todo maior, não todo linguístico, não todo é pokal, não todo histórico. Contudo, isso
da falta de conexão entre razão finita e vontade infinita: e ele se manifesta sobretudo em não significa dizer que só há o todo e não a parte, ou isso não significa dizer que a parte
duas formas: dois tipos de pré-conceitos segundo a expressão do Descartes. Preconceito deve se sacrificar a partir do momento em que ela se insere no todo, não, pensar
por precipitação e Preconceito por autoridade. Preconceito por autoridade se dá quando hermenêutica a mente significa ver a parte na sua particularidade mas ao mesmo tempo
aquele que procura compreender alguma coisa, possui um discurso filosófico a respeito perceber que essa particularidade está imediatamente articulada com uma totalidade, a
das coisas que se pauta a partir dos argumentos de autoridade, Claro, que aqui, o Descartes parte é sempre parte de um todo, um todo se forma a partir da reunião de suas partes, é
está rivalizando com o pensamento aristotélico ele está rivalizando com a tradição aquilo que mais tarde lá na primeira investigação lógica, o Husserl vai chamar de
Escolástica, porque com a tradição Escolástica, quando uma discussão, uma disputatio se universalidade da espécie.
estabelecia a partir do momento em que alguém chegasse e dissesse que o filósofo disse
isso ou aquilo, ou comentador disse isso, naquele exato momento você tinha que parar a A espécie não é simplesmente particular, a espécie é ao mesmo tempo, modo de
sua argumentação porque eles tinham razão. E quem era o filósofo e o comentador aqui mostrar ação da universalidade. Essa tese que surge no pensamento hermenêutico envolve
nesse contexto medieval? “O filósofo” era o Aristóteles e o “comentador” era o Averróis. de maneira ainda mais clara na tradição fenomenológica como veremos em seguida. Pois
bem, a parte então, é parte por óbvio, mas está intimamente articulada como um todo.
Para Descartes, essa tese da Escolástica era completamente errônea Pois ela vai Essa tese, essa primeira característica do pensamento hermenêutico, se desenvolveu na
macular o processo de entendimento porque ela se pauta em preconceitos. Esses hermenêutica Luterana, na hermenêutica bíblica protestante, porque o Lutero é aquele
preconceitos precisam ser eliminados. A segunda modalidade de erro para o Descartes, é que retira a tese da retórica medieval do Círculo hermenêutico para analisar as passagens
aquela que advento preconceito por precipitação, é justamente aquele modo de realização bíblicas. Então, o Lutero desenvolveu a importância de se pensar a conexão de parte todo
filosófica que se faz para além do método, sobretudo, aquele que acredita que é realidade com a tradição hermenêutica, Schleiermacher resgata a importância do Lutero para pensar
exterior existe por si mesma, ou seja, o erro por precipitação decorre do preconceito da a sua ciência hermenêutica. Contudo, A grande diferença entre o Schleiermacher e o
existência natural do mundo exterior. Então, as correntes filosóficas anteriores partiram Lutero, é aqui vai morrer vai apontar um ponto que na sua visão era marcado por uma
da tese de que o mundo exterior tal como os meus sentidos atestam ela é verdadeira, ela ingenuidade em relação ao pensamento de Lutero, pois o Lutero, ao se dedicar ao estudo
é objetiva a mente subsistente, e por isso não é digno de dúvida. É justamente contra essa da circularidade interpretativa da Bíblia, ele não percebeu que, a Bíblia era antes de tudo
tese que se lança a dúvida hiperbólica de Descartes. é necessário questionar racionalmente também um texto histórico composto por passagens que foram escritas em contextos
todas as teses inclusive as teses de existência do mundo exterior é o procedimento da históricos diferentes, a partir do momento em que a hermenêutica protestante, assim como
dúvida metódica O que é uma dúvida hiperbólica. Então, esse espírito de crítica dos as meninas católica, tentaram unificar a teoria interpretativa, unificar racionalmente a
preconceitos através da Razão permeia toda a ciência moderna. Ora, Schleiermacher é interpretação a partir do recurso do uso da Fé, ela simplesmente unificaram, passaram
um autor que quer desenvolver a ciência da compreensão, a hermenêutica epistemológica, uma régua em todas as diferenças históricas que permeavam o texto. De uma forma ainda
nada mais natural, então, que o ponto de partida seja justamente a crítica aos preconceitos. mais clara, o recurso da fé apagou todas as peculiaridades históricas envolvidas no texto
Como esses pré-conceitos se verificariam então, na hermenêutica de Schleiermacher? bíblico. Schleiermacher vai apontar isso, por isso ele é o primeiro a chamar a atenção para
a segunda característica fundamental do pensamento hermenêutico que é justamente
Para início de conversa, temos que quebrar o preconceito, aquela ideia básica, perceber o vínculo, o nexo que aproxima parte todo, é todo ele construído historicamente.
aquela pré compreensão de que a correta interpretação só se faria exigido quando eu não
compreendesse, na verdade, eu deveria me vigiar, eu intérprete deveria me vigiar desde De uma forma ainda mais clara: para que a interpretação austera se desenvolva, é
o início da atividade interpretativa, ou seja, é necessário que eu me pusesse um método preciso superar o preconceito que não consegue perceber a distância Histórica de texto e
de auto vigilância para que desde o começo eu tivesse atenção a atividade interpretativa presente, o que Schleiermacher está nos dizendo que o grande erro do intérprete é
para que o resultado pudesse ser um resultado certo seguro indubitável. Logo, aquilo que perceber que o texto que nos chega, sobretudo escrito, ele provém de um contexto
Schleiermacher vai chamar de interpretação austera, nada mais é que a atividade histórico distinto, o ponto de partida de uma interpretação austera é perceber a
interpretativa em que o intérprete está ciente do risco de os preconceitos contaminarem a relação imediata entre texto e contexto. O contexto originário de produção daquele
atividade interpretativa. Então, eu devo sempre ter atenção ao método interpretativo, ao texto ficou lá atrás o Chile é um grande e tradutor do Platão, ele foi o primeiro tradutor
modo como eu interpreto, para que eu então não caia nos mesmos vícios da chamada de Platão do grego para o alemão, inclusive, até pouco tempo na Alemanha se estudavam
interpretação laxa. os diálogos platônicos a partir da tradução dos ler, pois ele era também teólogo, ele
compõe a primeira geração do Romantismo alemão. Lá na filosofia do direito nós
A interpretação austera é aquela que tem consciência de sua atividade desde o estudamos um pouco do Romantismo alemão, o romantismo alemão é esse movimento
começo. Com isso, o Schleiermacher consegue apontar as principais falhas das que vai contestar todas as conquistas intelectuais, Racionais do Iluminismo valorizando
modalidades interpretativas anteriores, e aqui ele se volta sobretudo à hermenêutica aspectos, que, na visão do Iluminismo, eram aspectos secundários, ressaltando então, o
bíblica, a interpretação bíblica do Lutero. Bom, para quem acompanhou as aulas papel na história, o papel da linguagem, o papel do sentimento, papel da natureza, o papel
anteriores eu disse num determinado momento que duas são as características do mito, Sobretudo o papel da intuição como elemento de conhecimento, a técnica
científica ou filosófica da modernidade se desenvolve, sobretudo, a partir de dois grandes romantismo que se preocupa com a tradição histórica e cultural de um povo, o Savigny é
métodos o método dedutivo do racionalismo e o método indutivo do empirismo. A aquele autor que vai resgatar as teses do Schleiermacher para desenvolver uma
intuição, que é aquela apreensão imediata de parte todo, uma preensão sobretudo não hermenêutica jurídica clássica, como nós veremos, hermenêutica jurídica clássica é
discursiva, ela fica de fora do método científico moderno.O romantismo alemão que é aquela que separa o distintos métodos de interpretação, Savigny envolve quatro que são
resgatar o papel, a importância da intuição como elemento de acesso à verdade, como utilizados até hoje: método gramatical, método lógico sistemático, método histórico e
elemento de mediação do conhecimento. por isso que o Schleiermacher é aquela figura método teleológico para que se tem acesso ao sentido compreendido, para que se tenha
importante para a primeira geração do Romantismo alemão. acesso então, a verdade da compreensão. sem, sem metodologia, é impossível que o
intérprete consiga obter a compreensão, é um traço herdado imediatamente de perto da
Schleiermacher vai perceber a importância da história no processo de tradição Iluminista da tradição racionalista.
compreensão, o Platão é o autor do século VII a.C., então Platão está lá atrás. Bom, a
interpretação austera, séria, livre de preconceitos não é aquela que procura entender o Para que essas duas modalidades de interpretação que vão se conciliar para se
autor melhor do que ele mesmo? Para que eu consiga então alcançar esse objetivo, eu obter a arte da compreensão, é necessário que se utilizem métodos específicos. Quais são
tenho que encontrar um meio de acesso ao contexto originário de redação do texto então essas etapas a serem percorridas pelo intérprete para que ele consiga realizar a
platônico, ou seja é necessário que eu volte ao passado, que eu diminua a distância compreensão gramatical e a compreensão psicológica? Primeiro: suspensão de
temporal que separa presente e passado de alguma forma. Schleiermacher tem uma saída preconceitos. Segunda etapa: coetaneidade. Terceira etapa: estética da
para isso: estética na congenialidade. Veremos isso daqui a pouco. mas, para que a congenialidade ou a retomada do princípio estruturante da obra A partir da
compreensão aconteça é necessário que esse fosso, esse intervalo que separa passado e chamada estética do gênio, ou do salto hermenêutico. Vou explicar cada uma dessas
presente sejam superados ou seja, é necessário aproximar passado e presente para quem etapas de forma adequada.
então a compreensão como arte possa acontecer ponto final para que eu possa entender o
autor melhor do que ele mesmo, eu devo me reportar ao contexto histórico de produção Recapitulando:
do texto, para que eu tenha condição de compreender o autor melhor do que ele mesmo e
rearticular a continuidade da obra de dentro. Isso aqui, então, é peculiar na tradição 1- hermenêutica é uma ciência que tem por objetivo realizar a arte da
hermenêutica, perceber a relação de parte-todo e perceber o vínculo histórico nesse compreensão.
movimento entre parte todo. Isso mais tarde vai se chamar distância temporal ou
consciência da história, o Gadamer usa consciência histórica para chamar atenção a 2- para que isso aconteça é necessário que de imediato se abandone a interpretação
respeito da importância da história no interior da hermenêutica. Se não tem história não laxa e procure uma interpretação austera.
tem como entender hermenêutica, é uma tese que pela primeira vez é trazida para o
3- Uma interpretação austera é uma interpretação que de início de partida tem
discurso hermenêutico através de Schleiermacher, ele é aquele que vai conciliar as
consciência da importância da atenção do intérprete em relação ao seu procedimento, para
teses do Iluminismo com o romantismo para poder desenvolver uma ciência
que o processo de compreensão aconteça, significa dizer que o intérprete deve ter
interpretativa.
consciência de que existe uma distância temporal que separa texto do intérprete, distância
Outra influência destacada do Iluminismo no interior da hermenêutica clássica essa que precisa ser eliminada para que o intérprete tenha condição de entender o autor
romântica, e justamente resgatar a importância do método. Para isso, Schleiermacher melhor do que ele mesmo.
pensa a hermenêutica como ciência que é desenvolvida duas espécies de interpretação:
4- Para que essa interpretação austera se desenvolva, é necessário que se pense
interpretação gramatical e interpretação psicológica. Então, entendam isso bem,
duas modalidades de interpretação: e interpretação gramatical e interpretação psicológica.
hermenêutica é um gênero, uma ciência, uma disciplina, e tem duas espécies:
Ambas as modalidades de interpretação que se somarão para se obter a compreensão,
interpretação gramatical e interpretação psicológica. Essas duas modalidades de
devem se valer de métodos para que a compreensão aconteça.
interpretação, primeiro, devem ser realizadas conjuntamente, para que,
schleiermacher consiga resolver o problema da arte, da compreensão, de entender o Primeiro método: a velha tese do círculo hermenêutico que vai ser responsável,
autor melhor do que ele mesmo, é necessário que essas duas modalidades de primeiro, pela suspensão dos preconceitos, como acontece a interpretação pro
interpretação sejam trabalhadas conjuntamente. Segundo, essas modalidades de Schleiermacher? Assim como a hermenêutica bíblica o ponto de partida é o discurso, Seja
interpretação se desenvolvem necessariamente de forma metodológica. o discurso oral, seja o texto a, o ponto de partida é realizar uma interpretação gramatical
que consiga superar preconceitos.Através do método círculo hermenêutico. Vimos lá em
A característica imprescindível do pensamento hermenêutico a partir de uma, é
Lutero, que círculo hermenêutico é aquela tentativa de ler conjuntamente corpus e
justamente chamar a atenção para a necessidade do intérprete se valer de um método para
membra, parte e todo. Aqui, o círculo hermenêutico é visto de uma forma um pouco
que se tenha acesso ao sentido, para que se consiga obter a compreensão. Fora do método,
distinta. Ele vai ser utilizado no interior da interpretação gramatical para garantir a
é isso que a hermenêutica clássica nos ensina, tanto Schleiermacher como Dilthey tem,
superação dos preconceitos . final círculo hermenêutico significa então, primeiro,
não há como obter a compreensão, essa mesma característica chega a hermenêutica
entender aquela modalidade de texto inserida no todo do gênero linguístico daquele texto.
jurídica clássica, como vocês sabem, foi produzida pela primeira vez pelo Savigny.
Pegamos uma peça teatral, ela vai se inserir então numa modalidade discursiva dramática.
Savigny é um autor que é influenciado de perto pelo pensamento do Schleiermacher, tanto
O texto científico vai se inserir numa modalidade científica ligada ao discurso científico
que Savigny integra a terceira geração do Romantismo o romantismo jurídico,
acadêmico, você sempre vai situar a parte interpretativa do texto com a estrutura aquele que consegue se valer da linguagem convencional para utilizar a linguagem de
linguística na qual ele se insere você vai ter que analisar aquela parte linguística a luz de uma forma ainda não observada, é utilizar formas linguísticas, formas literárias de um
toda a língua, de toda a estrutura linguística, de todos os gêneros literários que comportam modo totalmente autêntico. criar uma expressão literária, criar um modo específico de
aquele texto. É perceber o nexo que une parte e todo. Mas não é só isso, a interpretação desenvolvimento de escrita, ou de desenvolvimento de um discurso Isso é que é um gênio
gramatical ao se utilizar do Círculo hermenêutico Ela também tem que perceber que a é aquele que cria a partir então, do cânone, que se utiliza das regras da estética da escritura
vida daquele autor é fundamental para que se entenda o seu texto. vigente para construir uma obra nova. Então, para, Schleiermacher, o autor que ficou lá
no passado e em relação ao qual eu tenho obrigação de trazer para o presente, e isso é
A primeira etapa do Círculo hermenêutico é inserir aquela espécie discursiva coetaneidade, ele é um gênio porque ele inovou no uso da linguagem. Contudo, o
no todo do gênero linguístico, esse texto aqui é de que espécie? Ele é um texto intérprete tem a obrigação de também desenvolver um gesto heróico, ele deve ser tão
dramático? É um texto poético? É um texto de comédia? Ele é um texto científico? Ele é genial como o criador daquela obra, ele tem que ser tão genial quanto seu autor. Então, o
um texto jurídico? De que se fala nele? É uma relação entre parte e todo. Segundo, intérprete é tão gênio quanto o autor, e estética da congenialidade significa, então,
analisar dentro do Círculo hermenêutico, a importância da vida do autor para o colóquio, conversa de gênios, um gênio falando ao outro. O intérprete, então, consegue
todo daquelas obras, perceber que aquele texto tem articulação com a vida daquele ser genial a partir do momento em que ele se lança para obra, procurando o estilo do autor
autor, um exemplo clássico, se pegarmos os textos do Dostoiévski, (noites brancas, ou esse estilo sempre aparece intuitivamente. O que eu dizia era que gênio para o romantismo
jogador, ou idiota,) vamos perceber que são textos que tem íntima relação com a vida de é aquele que cria de uma forma nova, o gênio por sua vez tem sua marca, tem seu estilo.
Dostoiévski, sobretudo “o jogador”, pois ele tinha o hábito de jogar, então, quando Isso é muito interessante e a linguagem nos diz muita coisa, estilo é uma palavra que vem
começamos a lançar luz sobre esses aspectos peculiares da vida do autor, nós começamos do latim Stillus, Stillus é que vai dar origem por exemplo, ao lápis que em francês é estillé,
a perceber alguns lances que se repetem então, no texto final é a estrutura do alter-ego, a que dá origem a nossa palavra estilete, stillus em latim está ligado ao vocabulário de
vida do autor tem repercussão na sua obra, tudo isso faz parte então da interpretação alfaiataria, quando o Alfaiate ia fazer o corte do tecido, ele precisaria então dar o traço e
gramatical que chama atenção a circularidade hermenêutica, a circularidade marcar o ponto que viria a ser cortado, esse traço, essa linha era chamada de estilos então
interpretativa. estilo é o traço específico, peculiar que cabe a cada um por isso o lápis é um instrumento
que permite o traço distintivo. Como o intérprete, então, vai determinar o estilo de um
Pois bem, o círculo hermenêutico, apesar de ser um método muito importante, ele artista? Bom, cada artista tem o seu estilo, o estilo constitui o homem, o estilo faz parte
apresenta uma limitação, que é aquilo que Schleiermacher vai chamar de circularidade desse elemento distintivo, característico, demarcador da individualidade. Você pode não
viciosa. O que é circularidade viciosa? Tem aquele mesmo problema do ovo e da galinha: gostar de quem tem Richard, mas você há de concordar que ele tem um estilo próprio de
qual veio primeiro, o ovo ou a galinha? Bom, o círculo hermenêutico não é aquele que tocar guitarra. Você pode gostar mais de um mais de outro Mas eles têm um modo mais
pretende ver parte à luz do todo? Se as partes permitem ver o todo, e se o todo é formado peculiar que o outro de tocar. Você pode não gostar do estilo de redação do José
pelas partes, qual tem mais importância? Essa é a questão, pois acaba levando a uma Saramago, mas você não pode negar que ele tem um estilo próprio, peculiar de redação.
viciosidade da interpretação, ele acaba andando em círculos, pois se o todo é formado por Você pode não gostar do estilo de redação do Guimarães Rosa, mas ele tem um estilo
partes e se as partes precisam ser entendidas em si para que se deu todo, eu fico naquela próprio. Você pode não gostar do estilo de pintura do Cezanne mas você não pode negar
mesma situação de saber qual que tem mais importância, todo ou parte, à parte ou todo? que Cezanne é aquele que vai no limite da cor para que a cor marque o objeto, o Cézanne
Por isso, para Schleiermacher, a interpretação gramatical é muito importante, mas ela é o é aquele pintor que abre mão do traço como elemento que configura para tentar configurar
início da interpretação. Para que a interpretação gramatical cumpra o seu objetivo ela a figura pela cor. Isso tá no "o olho e espírito" que é uma reunião de artigos do Merleau-
precisa do auxílio da interpretação psicológica, ou interpretação divinatória, ou Ponty, ele dizia que Cézanne tinha dúvida se ele estava pintando e vendo a realidade
interpretação adivinhatória. adequadamente, pois tem um traço específico, você pode não concordar com estilo do
Impressionismo na pintura, pois o Impressionismo procura retratar a imagem no momento
Interpretação psicológica, divinatória ou adivinhatória é aquela que permite em que ela recepcionada na retina antes que ela tenha então, a individuação, por isso da
superar a viciosidade do Círculo hermenêutico a partir da utilização da estética da aquela impressão meio borrada. O artista se vale do estilo e o papel do intérprete é
congenialidade. A estética da congenialidade significa que o intérprete vai se valer do alcançar esse estilo. Quando ele consegue alcançar esse estilo ele realiza o seu salto rumo
gesto heróico de saltar ao passado, e obter assim a coletânea idade. A palavra coetânea à obra, e isso acontece através da tentativa e erro.
significa aquilo que que existe temporalmente. Então, a estética da congenialidade é
uma etapa que se desenvolve no interior da hermenêutica , que vai permitir que o Um bom exemplo disso é o Guimarães Rosa, você pega Guimarães Rosa e se
intérprete volte ao texto, volte ao contexto de toda a produção do texto e consegui então, depara com uma passagem complicada. Aí você pensa o que ele está querendo dizer com
de alguma forma, articular a obra por dentro.Vejamos O que é gênio e o que é estética da aquilo. O intérprete volta no texto e percebe que o texto não sustenta aquele sentido, aí
congeneridade que se desenvolve no interior da interpretação psicológica?Gênio, na você vai ver outro sentido, Pode ser que significa isso ou aquilo, volta no texto, e vai
tradição da linguagem comum significa aquela pessoa que tem a inteligência Acima da fazendo esse movimento conjunto de secagem conjunta entre texto e intuição, ideia a
Média, o gênio é aquela pessoa que tem uma capacidade intelectual acima, que ver coisas respeito do texto até que você vai chegar no momento em que vai entender o que o autor
que demais pessoas não conseguem ver a gente ver o gênio como aquela pessoa que tem quis dizer. Ou seja, você não consegue aprender um estilo discursivamente, e aparece
a capacidade racional, intelectual Acima das demais. Gênio aqui, no interior do intuitivamente, através da leitura conjunta de texto com suas elucubrações, com suas
Romantismo alemão, não significa exatamente isso. Gênio é aquele que tem a capacidade impressões. Esse é um elemento típico do Romantismo alemão. A partir do momento que
de se situar a partir do nada, sobretudo, aqui no romantismo alemão, gênio significa
o intérprete consegue detectar o estilo do autor, o autor pode parar na elaboração da sua o passado não está lá atrás, está aqui. Segundo, ao acesso, a psique do autor através
roupa daquele momento, o intérprete consegue continuar a redação da obra por conta do salto congenial, eu não tenho como me lançar para o interior da obra para entender
própria. Isso é entender o autor melhor do que ele mesmo. Isso é perceber o estilo do o pensamento do autor, isso é impossível, porque a obra está aqui, o que importa é a
autor. E muitas vezes o autor não tem consciência do seu estilo, é o intérprete que vai configuração da obra na sua recepção pouco importa o que o Platão quis dizer com o
complementar o trabalho de geração da obra ao perceber o estilo do autor, por isso que a texto, o que importa é o texto do Platão que chegou, que chegou através de sua recepção,
hermenêutica para o Schleiermacher é uma ciência mas também é arte pois ela permite por exemplo, em Plotino. É impossível você estudar Platão sem estudar as decisões
entendeu autor melhor do que ele mesmo. Somente a posse do estilo permite suplantar a históricas da tradição envolvendo os textos do Platão, não tem como ponto final então,
distância temporal que separa intérprete de autor, agora eles são coetâneos, eles estão lado não é necessário um salto para que eu vá o passado para entender o pensamento do autor,
a lado. A interpretação psicológica, então, é justamente o modo de adentrar a psique do é necessário que eu lido com a obra, porque a medida em que eu lido com a obra, o ser
autor, obter o pensamento do autor através da análise de seu estilo. da obra se articula, é uma tese essencial da hermenêutica filosófica de gadameriana como
veremos mais adiante.
Surge, então, com a hermenêutica de schleiermacher, sobretudo com a
interpretação psicológica, um elemento que será muito importante nas meninas tipo De toda a forma, Scheiermacher é um autor fundamental para quem entendermos
jurídica, entender uma lei por exemplo, significa detectar a vontade do autor, a chamada a história da hermenêutica jurídica como todo.
voluntas legislatoris, é uma tese do Schleiermacher. O que a interpretação psicológica
desenvolve é justamente essa necessidade de entender o autor, de captar esse pensamento
que se manifesta em seu estilo, para isso é necessário salto congenial, eu tenho que me
lançar de cabeça na obra, checar com cuidado a obra na interpretação austera até que
intuitivamente o sentido da obra me apareça a partir do instante em que eu detectar o seu
estilo. Compreender o autor melhor do que ele mesmo. Unidade II – História da Hermenêutica (plano aula 4)

Claro, essa tese do romantismo alemão do Schleiermacher tem inúmeras críticas, AULA 4
pontos que são passíveis de contestação, e quem vai apresentá-los, sobretudo, é o
4) Hermenêutica Clássica: o Historicismo Alemão – Wilhelm Dilthey
Gadamer no “Verdade e Método”. Primeiro ponto de contestação: a ideia da distância
temporal. Schleiermacher é aquele autor que vai dizer que passado está lá atrás, e o A hermenêutica clássica8 aparece com Schleirmarcher por meio da hermenêutica
Gadamer vai dizer que não, que o passado não está lá atrás, que o passado está aqui, romântica.
não tem passado temporal pois o passado veio até mim através do movimento da
história. Através daquilo que o Gadamer vai chamar de história efeitual. Um exemplo, Com o historicismo alemão se tem a reformulação e o avanço de alguns aspectos
podemos dizer que uma pessoa que vive de aparências é uma pessoa superficial. Quando referentes a hermenêutica clássica de Schleirmarcher, e diante da figura de Dilthey
dizemos isso estamos nos reportando a um conceito Platônico, pois para Platão a também se tem a modificação da própria pretensão / objetivo da hermenêutica como um
aparência sensível era sempre uma forma deficitária da ideia. A ideia se mostra no todo.
sensível mas aquilo que eu vejo não é a plenitude da ideia. então, a tradição filosófica
ocidental, a tradição que acreditava que era necessário abandonar visível, para que eu vá a) Hermenêutica Clássico-Historicista;
até aquilo que eu não vejo, o supra-sensível, porque aquilo que eu não vejo estabelece a
verdade daquilo que eu vejo. Esse elemento que não se mostra é que estabelece a verdade O historicismo alemão buscará trabalhar ou destacar a história de forma adequada.
daquilo que se mostra. Isso pode ser considerado um ato de profunda loucura da tradição
filosófica ocidental. Da mesma maneira quando eu digo que uma pessoa é superficial eu Trata-se de uma corrente do pensamento da segunda metade do séc. XIX que surge
estou dizendo que é preciso ir mais afundo para que a Verdade apareça, pois a superfície especialmente a partir de duas características filosóficas que se observam nesse período
não me revela nada. Para o Merleau-Ponty, a percepção é corporal, porque o corpo histórico: o despertar do interesse em relação a história 9 e autonomização das
também percebe a realidade na mesma medida em que ele se percebe como ente corporal.
Não negar o que eu vejo, não posso negar o fenômeno. É uma tese platônica. A 8
Tem-se uma disciplina que se preocupa com a compreensão em geral, destacada para todo e qualquer
fenomenologia mostra para gente que é superfície não é superficial, a superfície nos
tipo de objeto. Ademais, o modo de se alcançar a compreensão na hermenêutica clássica se dá por meio
mostra muita coisa, pegamos um quadro de Manet, vemos que no quadro dele temos
biombos que é para que olhemos para características específicas do quadro bem diferente do método.
dos quadros renascentistas que tem um fundo e que chama atenção para esse fundo, dando 9
Antes do séc. XIX a história basicamente era tratada como narrativa (narrativa de grandes feitos, grandes
a questão de profundidade, perspectiva. O que o quadro do Manet quer não é chamar
guerras...). Com o séc. XVIII e séc. XIX surge um modo diferente de lidar como a história, que começa a se
atenção para o fundo, é chamar atenção para a superfície, por aqui e agora.
gestar no interior do ilumismo.
Percebam, Platão não está lá atrás, Platão está aqui. Então, a distância temporal é Voltaire e Kant (Kant pensa a história do ponto de vista racional e depois por meio de um postulado.) Mas
ingênua, porque a história joga o passado no presente e me abre o futuro, é isso que a
fenomenologia nos mostra. Então, a primeira crítica: a coetaneidade é ingenuidade, pois coube ao Hegel pensar na história articulada com a ciência, sob forte influência do idealismo alemão. Este
ciências – várias ciencias se autonomizam e discutem de forma específica os seus objetos Então, a primeira característica da ciência da história é que esta tem como seu
de conhecimento10. Assim, o historicismo alemão se insere nesse contexto de tentativa de objeto fundamental a documentação, já a segunda característica está relacionada com o
construção de uma ciência da história – construção de uma epstemologia histórica. sujeito histórico ou historiador: o cientista da história é aquele que irá se debruçar sobre
esse objeto a partir de um método capaz de garantir sua neutralidade – não pode emitir
No próximo tópico veremos 3 grandes representantes do historicismo alemão. suas preferencias, seu juízo de valor... A função do historiador é descrever esses fatos
históricos procurando apresentar os motivos de sua constituição11, isto é, recompor os
b) Historicismo alemão do século XIX: Gustav Droysen, Leopold von Ranke e nexos que explicam o modo pelo qual aquele fato histórico aconteceu (suas causas).
Wilhelm Dilthey;
Enquanto o Droysen quer construir uma ciência da história, o Dilthey, por outro
Destaque para o Droysen e Dilthey já que possuem dois modos distintos de lado, quer fazer com que a história seja a fundamentação de toda e qualquer ciência [todas
abordagem da história e da ciência. as ciências para que não sejam ingênuas, devem perceber que sempre se
movimentam em um campo histórico específico.]. Logo, o que Dilthey vai querer
- A construção da História como objeto de conhecimento; desenvolver é uma crítica da razão histórica: todas as ciências são necessariamente
históricas, pois a vida como um todo é histórica – tudo o que acontece no interior da vida
- Rejeição à utilização das categorias das ciências naturais – resgate de Vico – A
responde a um nexo histórico.
Ciência Nova e o princípio do verum-factum;
Com isso, Dilthey irá afirmar que tudo aquilo que ocorre no P/ recordar:
- Ciência histórica: sujeito histórico, descrição objetiva do fato histórico as duas características fundamentais do
interior de uma época responde a solicitações daquela época. Época
documentado e utilização do método; pensamento hermenêutico são: relação de
significa esse contexto histórico que vai permitir a articulação do articulação entre parte e todo- a parte aponta

- Droysen: a formação da historiografia como objeto de conhecimento; nexo vital – espaço de constituição da vida. Não obstante, irá imediatamente para o todo; e a historicidade –
esse vínculo que une parte e todo tem sempre
desenvolvimento da consciência histórica; afirmar que os seres humanos são finitos, justamente por responder um nexo histórico.
a solicitação de uma época, ou seja, acontecemos existencialmente
O Droysen é o pai da ciência da história, responsável por permitir que a história no interior de uma época. Logo, tudo o que acontece no interior de
uma época está imediatamente atrelado a uma época. [ESPÍRITO Necessário para entender a intenção de Dilthey;
viesse a se conceber enquanto ciência. Sua pretensão, portanto, é a construção de uma
ciência da história. Com isso, para que a ciência da história tivesse a mesma credibilidade OBJETIVO12]. Articulação imediata entre expressões vitais e todo histórico de uma
científica das ciencias naturais era necessário utilizar a mesma estrutura metodológica das época.
ciências naturais na ciência da história. (na ciência o método era necessário para se ter
certeza (objetividade, resultado) dos aspectos estudados). Nesse sentido, Droyser OBS: quando se fala que tudo é expressão vivencial de determinada época, já
assegurava ser o método fundamental, de modo que para este ser utilizado era necessário podemos observar as características do pensamento hermenêutico. EX: se eu pego uma
definir o próprio objeto da ciência da história. Sendo que o objeto agora estudado, isto é, lei (uma parte), ela responde a solicitação de um todo (vida), de modo que essa lei se
dessa historiografia nascente era o fato histórico documentado, e não mais a narrativa articule historicamente com as requisições daquela época.
dos grandes feitos / narrativa heroica.
Dessa forma, para o Dilthey não existe nada no interior de uma época que não seja
Assim, o ponto de partida da ciência histórica é a análise do fato histórico tomado expressão vital, histórica dessa época – contudo, essa circunstância é simplesmente
através de um documento, se não houvesse um documento aquele fato não era digno de esquecida (obnubilada) pela ciência. Por isso, pode-se dizer que a ciência é ingênua a
ser estudado cientificamente. [ex: Virassaia de Ouro Preto, Chica da Silva – essas partir do momento que ela não percebe sua fundamentação histórica – devem ter atenção
narrativas que entram para história sem a existência de um laço documental não podem histórica ao modo como a época se articula. Para o Dilthey, a ciência, quando não
ser estudadas]. considera esse aspecto histórico, é tida como desvivificantes, pois retiram o fenômeno do
contexto vital em que se desenvolve (recorte do objeto)13.

por sua vez, é aquela corrente que irá fazer com que a história seja o plano máximo de realização da razão. 11
Neste ponto, pode-se afirmar que a historiografia está trabalhando com uma categoria típica das
E essa razão que se desenvolve, se aperfeiçoa e se realiza na história é chamada por Hegel de ESPIRÍTO. ciencias naturais, a EXPLICAÇÃO CAUSAL ou CAUSALIDADE.
12
Expressão Hegeliana- tudo que se da no interior de uma época é uma requisição / uma expressão da
Assim, o séc. XIX é o período em que a história começa a ser examinada pela filosofia, sendo o historicismo
época. EX: moda, arte, direito, literatura, ciência, conversas cotidianas... –
13
alemão a corrente de pensamento que buscará recepcionar toda essa abordagem da história por parte As ciencias são explicativas, pois posicionam o objeto a ser estudado no espaço e no tempo procurando
recompor sua cadeia de formação. EXPLICAR vem do latim plica (dobras) => ex + plica = desdobrar. Ou
da filosofia.
seja, a causa do fenômeno está escondida, o que historiador faz é trazer esse fundamento oculto para a
10
História, biologia, psicologia, por exemplo, passam a serem vistas como ciencias específicas, presença. Já o cientista busca apresentar a motivação aparentemente escondida no modo de
funcionamento daquele fenômeno. Contudo, o aspecto que não pode ser esquecido é a fundamentação
desgarrando de outras ciências maiores.
histórica desse fenômeno particular, dessas ciencias, segundo Dilthey esse vai ser papel da hermenêutica.
Sendo a compreensão uma metodologia das ciências humanas. É um método que as
ciências humanas utilizariam para compreensão dos seus raciocínios. Assim, o historiador
- Dilthey: projeto distinto – a fundamentação histórica das ciências – ou filósofo ao utilizar o método compreensivo não tem interesse em eliminar a
desenvolvimento de uma filosofia da vida; unidade entre espírito e história, importância da ciência particular, pelo contrário, quer fornecer chaves para que o ofício
categorias e vida; do cientista se desenvolva ainda mais, de modo que ele ao estudar um determinado objeto,
entenda que ele atende uma solicitação de uma época.
- As categorias de conhecimento são necessariamente históricas: projeto de uma
Crítica da Razão Histórica; - Para o Dilthey as ciências humanas são complementares as ciências naturais,
auxiliam as ciências naturais.
- Fundo histórico da vida: a noção de época;
Os problemas desse método:
- As expressões objetivas no interior de uma época: as vivências e o espírito objetivo;
• As ciencias humanas devem ter uma metodologia compreensiva para que
- Características da tradição hermenêutica: unidade entre o particular e o universal se permitam a articulação vital .... mas, COMO reconstruir esse contexto
no esteio histórico; vital (como consigo articular, ver a história que une todas as
particularidades)?
OBS: O ponto em comum entre a hermenêutica clássica-romântica e a hermenêutica
historicista é a ideia de que a hermenêutica é uma chave para as demais modalidades de - 1) se tudo é expressão de uma época, se estudar cada uma das expressões vitais, consigo
conhecimentos (tanto Schleirmacher, quanto Dilthey podem ser empregados em distintas por adição (soma) recompor o nexo histórico. Ou seja, se tudo é expressão de uma época,
ciências) e também o método, ou seja, o modo de chegar ao resultado, e esse resultado basta que se analise todas as expressões, pois dessa forma consigo ver a época.
consiste na compreensão, é se valendo de um método. No caso do Schleimacher o método
é a congenialidade e para o Dilthey seria a descrição da consciência interior que me PROBLEMA desse raciocino – SER IMPOSSÍVEL. * Kant: não tem como se reconstruir
levaria a compreensão (articulação entre vivência e história). o mundo por dentro dele. Portanto, tem que se eleger expressões ou nas palavras de
Dilthey: “vozes mais audíveis de uma época”.

Logo, todas as vivências são expressão de uma época, mas tem algumas
- Hermenêutica das Ciências do Espírito: destacamento do nexo histórico que expressões que são mais reverberantes, isto é, conseguem dar voz com maior clareza ao
perpassa a tudo; - Reconstrução do Nexo Histórico: a compreensão, aproximação tempo em que elas se movimentam. Por exemplo, Dilthey vai falar que a poesia é uma
do eu e do tu; voz audível do tempo15.
- Metodologia: psicologia descritiva. Mas, entre as vozes mais audíveis do tempo, consiste no método da biografia.
Segundo Dilthey, ao se escrever uma biografia de um personagem, o mais importante não
Segundo Dilthey, a hermenêutica é aquela que irá fornecer as chaves de inserção
são as particularidades do biografado, mas o contexto vital em que o biografado se
do fenômeno no todo da vida. Compreensão14 é chamar a atenção para essa relação que
movimenta.
liga imediatamente parte e todo histórico. Assim, o que a compreensão faz é articular eu
e tu: apesar de nós, individualmente, acreditarmos que as nossas vidas particulares são
distintas, pensamos que somos totalmente distintos uns dos outros perante nossos hábitos
ou modos vitais de realização da existência. Contudo, as nossas vidas particulares apesar - Metodologia: psicologia descritiva
de distintas, elas têm o mesmo elemento de conexão: se desenrolam no mesmo todo
histórico. Não satisfeito, Dilthey vai além, assegurando o que o melhor método ainda, de se
articular o todo histórico a partir do perfil particular é a descrição da psicologia interior...
Portanto, a compreensão irá aproximar o eu e o tu ao chamar a atenção para o fato
que nós temos o elemento incomum que nunca irá nos abandonar- a existência em mesmo Ele está dizendo que ao analisar ou escrever a vida interior da consciência (imaginação,
mundo histórico concreto. Então, a compreensão é esse elemento que possibilita fantasia, percepção- vida psíquica interior) o que se encontra não é interioridade, mas
aproximar idêntico e distinto por meio da reconstrução do nexo histórico em que idêntico HISTÓRIA. Logo, descrever o interior me permite ver o exterior.16
e distintos se movimentam.

Dilthey afirma que as ciências hermenêuticas (ciências dos espíritos ou as


15
humanidades) são aquelas que tem o papel de reconstruir essa estrutura vital que O Heidegger II totalmente influenciado pelo método de Dilthey: o poeta, o homem de estado são
permitiria que as particularidades sempre tivessem atenção ao nexo que movimentam. pastores do ser.
16
Heidegger vai dizer que o Dilthey estava preste a fazer uma descoberta, mas recuou. Para ele, o Dilthey
estava a beira de descobrir que “não existe” interior, só existe o exterior. O interior é apenas um reflexo
14
Compreender vem do latim cum + prehendere = apreender com ou apreender conjuntamente. do exterior, não podendo o primeiro ser causa do segundo, pelo contrário.
O problema fundamental da hermenêutica Diltheyana será resolvido por Gadamer - Consciência: fluxo de vivências em que se desenvolve a relação entre ato e correlato
em sua obra: Verdade e Método. O problema fundamental se faz pelo relativismo intencional (ou noesis e noema – Ideias I);
histórico – tudo é uma resposta daquela época- mas existe o elemento trans-epocal? Algo
que se transporte para além de sua época? Que rompe a barreira monadológica17? - Autodação e princípio filosófico fundamental - §20, Ideias I;

Quem corrige esse problema do relativismo histórico será a fenomenologia de - Caminho filosófico: a) epoché – problema da existência externa do mundo natural;
Husserl, e Gadamer com a ideia de fusão de horizontes – a época se consegue traspor por b) redução [recondução] fenomenológica; c) redução transcendental: a evidência
meio da estória efeitual. como invariante na variação – o problema do alumbramento do campo correlativo
de objetos;
OBS: não precisa de congenialidade, pois não se precisaria voltar ao passado, já que este
para Dilthey tem uma estrutura epocal diferente. O passado precisa ser lido na sua
particularidade de passado, uma vez que se movimenta no interior de outra época.
c) As Meditações Cartesianas:

- Retomada do problema do problema das Lições para uma fenomenologia da


consciência interna do tempo: retenção e protensão; - Horizonte e mundo: estrutura
de concretização da experiência do ego meditante;
Aula 5 (19/08) Assíncrona
- A consciência cinestésica e o aparecimento análogo do outro.
5) Fenomenologia e Hermenêutica I – Edmund Husserl (1859-1938)

a) Vida e obra - textos e fases filosóficas fundamentais:


Aula 5
- Investigações Lógicas (1901): Primeiro Volume - Prolegômenos à Lógica Pura;
Segundo Volume: Introdução à Fenomenologia e à Teoria do Conhecimento;

- Ideias para a Fenomenologia Pura e para uma Filosofia Fenomenológica Nessa aula vamos ver essa relação entre fenomenologia e hermenêutica, então foi
feita a seguinte divisão: nessa aula vamos estudar o autor, o fundador de todo
I (1913); desenvolvimento fenomenológico, o alemão Edmund Husserl, e na próxima aula
estudaremos Martin Heidegger que foi aluno do Husserl, e que foi quem de certa maneira
- Meditações Cartesianas (1931); influenciou Gadamer que é o pai da hermenêutica filosófica com a construção das suas
obras. Hoje começaremos a analisar essa corrente de pensamento que é uma corrente
- A Crise da Ciência Europeia e a Fenomenologia Transcendental (1936); complexa, já deixo isso claro de antemão, mas que é uma corrente essencial para todo
pensamento filosófico que se desenvolveu a partir dela, então a fenomenologia assim
como a teoria crítica, são as duas grandes vertentes filosóficas importantes do século XX.
E todos os desdobramentos filosóficos da contemporaneidade, ou seja, a grande parte das
b) Intenção filosófica fundamental: Filosofia como Ciência Rigorosa;
discussões filosóficas que se desenvolvem hoje no século XXI assim como final do século
- Problemas filosóficos pretéritos: tese filosófica platônica – saber como crença XX, de certa maneira dialoga com essas duas grandes vertentes, ou com a fenomenologia
justificada; ou com a teoria crítica. Por isso Husserl é o autor essencial para se trabalhar grande parte
dos problemas filosóficos da contemporaneidade.
- O Psicologismo e a Lógica Pura: Hume e a particularidade do conhecimento;
A intenção aqui é fazer uma introdução breve com os principais pontos da obra
- Ciência rigorosa: dependência da invariante eidética e a busca da evidência; husserliana que tanto nos auxiliarão aqui na hermenêutica e principalmente na
hermenêutica filosófica, como também serão de valiosíssima valia para as disciplinas que
- Problemas pregressos: as hipostasias realista e idealista; os estudantes venham a estudar ao longo da graduação ou até mesmo sobretudo nos
estudos de pós-graduação.
- Fenomenologia e o conceito de fenômeno: a intencionalidade (in –tendere);
Bom, quem foi o Husserl? Desde já faço aqui uma advertência de caráter
terminológico, aqui estamos tratando de Husserl com H, em alemão, que é confundido
com o inglês Bertrand Russell. E há uma diferença abissal entre as duas filosofias, o
17
Expressão do Leibniz – monadológica = como se fosse uma esfera que abarca tudo que está em seu
Russell é um autor que se insere na tradição analítica e o Husserl, na tradição
interior. fenomenológica. Digo isso porque essas duas tradições são contrárias, responsáveis pelo
pensamento dicotômico da contemporaneidade. Ele nasce na Morávia (1859), território de 1913, que ficou famoso na tradição filosófica por “Ideias I”, pois postumamente, após
que hoje pertence à República Tcheca, mas na época de seu nascimento pertencia à as publicações de Louvain, se teve contato com as “Ideias II”.
Alemanha, e morre em 1938, no contexto da Guerra. O Husserl foi um autor que veio da
matemática e o que o levou à filosofia foi justamente a relação entre matemática e lógica, Em “Ideias I” nota-se um forte apelo idealista da tradição husserliana, em que
então, estudar o Husserl nem sempre é fácil porque ele tem essa linguagem Husserl se aproxima muito sobretudo do Kant e do idealismo alemão, principalmente para
“matematizante”, ele tem essa formação lógica que o acompanha ao longo de toda a sua tese de que a consciência em sua análise permitiria ver o mundo na sua clareza, na sua
obra. Por outro lado, esse traço lógico, essa fundamentação matemática do Husserl, ela é transparência, como veremos adiante. Então, o Ideias I representa aquela fase tipicamente
muito importante para que se entenda o rigor, ou a pretensão de rigor que o Husserl quer idealista da filosofia husserliana.
fornecer à toda a sua obra e que é um traço distintivo de toda a fenomenologia husserliana.
Por fim, o chamado “Husserl tardio”, que é representado por dois textos que são
Ele foi professor na universidade e na ascensão do nazismo ele foi perseguido por primorosos e profundos para aqueles que estudam fenomenologia, o primeiro, as clássicas
ser de origem judia, teve que fugir, e grande parte de seus textos que ainda não tinham “Meditações Cartesianas”, de 1931, que são manuscritos de uma conferência que ele
sido publicados quase veio à destruição, a não ser pelo seu discípulo, um monge ofereceu em Paris. “Meditações Cartesianas: da 1° a 5° meditação”, são textos de impacto
franciscano chamado Herman Leo Van Breda, que foi responsável por reunir esses textos profundo sobretudo na filosofia francesa, as meditações cartesianas foram essenciais para
para que eles não fossem queimados pelo III Reich, e o Van Breda acabou levando esses que Husserl fosse introduzido na França, e ao ser introduzido na França em francês e não
textos para Louvain, na Bélgica, por isso temos acesso à sua obra, publicada, sobretudo, em alemão, toda a filosofia francesa do contexto do existencialismo se formou a partir
em caráter póstumo. desse texto do Husserl. Autores como Sartre, Derrida, Merleau-Ponty, tomaram contato
com esse texto do Husserl, e desenvolveram suas teses filosóficas a partir dessa obra.
Foi a Universidade de Louvain que foi responsável, então, por receber a sua obra Então ela é fundamental para marcar a filosofia do Husserl na filosofia francesa,
e publicá-la, e onde fica hoje o Instituto Husserl, que é guarda sua obra e é a grande sobretudo nesse contexto em que a filosofia francesa alternava entre o existencialismo e
referência de estudos da obra do Husserl na Bélgica. A chamada “husserliana”, toda obra o marxismo. O Derrida é um autor paradigmático desse período, se analisarmos a obra do
do Husserl está lá. Derrida a gente percebe como Husserl foi fundamental para que o Derrida editasse,
desenvolvesse seus três grandes textos que vêm ao público em 1967: a “Gramatologia”,
Bom, vamos falar de quatro grandes textos do Husserl, que são textos que marcam “A Voz e o Fenômeno” e o “Escritura e Diferença”. São três textos do Derrida que são
a sua trajetória de pesquisa, a sua trajetória filosófica. De imediato ele não é um autor escritos sob influência imediata do Husserl. Assim como a Fenomenologia da Percepção,
fácil de ser lido, não só por conta da linguagem matemática, mas porque a sua obra que é um texto do Maurice Merleau-Ponty, são exemplos, então, da influência das
experimentou diversas alterações de caminho, de percurso ao longo de sua trajetória meditações cartesianas na obra dos autores franceses.
filosófica. E essas alterações de percurso são refletidas nos seus principais textos
filosóficos. Por último, a obra “As Crises da Ciências Europeias e a Fenomenologia
Transcendental” de 1936, que é um texto onde ele critica o projeto filosófico que surge
A primeira obra foram as chamadas “Investigações Lógicas”, de 1901, elas são com o iluminismo, um esclarecimento epistemológico-científico a partir da
divididas em dois volumes, em dois grandes livros, Primeiro Volume - Prolegômenos à fenomenologia da história. Esse texto é importante, pois é onde ele vai trabalhar a tese do
Lógica Pura; Segundo Volume: Introdução à Fenomenologia e à Teoria do “mundo da vida”, que já vem de certa maneira esboçada nas meditações cartesianas, mas
Conhecimento. que ganha corpo sobretudo na “Crise”, e essa tese do mundo da vida é fundamental para
Gadamer, porque a ideia de fusão de horizonte histórico ela ganha corpo nessas duas
Em Prolegômenos à Lógica Pura, é onde ele vai discutir a questão da lógica obras, nas “meditações” e na “crise” de 1936.
psicologista, onde vai se contrapor à lógica, sobretudo às grandes vertentes lógicas do
tempo, podemos citar o Karnak, por exemplo, que é um autor que tem muita influência, Bom, obviamente não temos aqui numa aula de introdução à hermenêutica,
um debate muito próximo com o Husserl. Já o segundo volume, Introdução à condições plenas de desenvolver cada um desses pontos de cada um desses textos, então
Fenomenologia e à Teoria do Conhecimento, é aquele que ele vai introduzir o estudo vamos dividir essa exposição voltada para dois momentos essenciais:
fenomenológico e sobretudo a questão da intencionalidade, que tão cara se demonstrou à
hermenêutica, sobretudo à hermenêutica filosófica. O Heidegger, por exemplo, em “Ser O primeiro, que se desenvolve nas “investigações lógicas e Ideias I”, a ideia de
e Tempo” pretende reunir o método fenomenológico husserliano e a sua pretensão de “filosofia como ciência rigorosa”, e o segundo, uma análise ainda que breve, do Husserl
desenvolver a sua proposta de desenvolver uma história da ontologia a partir da questão tardio, a partir das meditações cartesianas, chamando atenção, então, para a questão do
fundamental do “ser”. “horizonte do mundo”, que é essencial do Gadamer e para a filosofia gadameriana como
um todo, e por fim a ideia da “consciência cinestésica” que vai levar à ideia do
Na primeira fase husserliana ainda se nota uma influência da lógica matemática aparecimento análogo do outro, tão caro para a ética contemporânea. Como vimos,
muito grande, que se manifesta nos dois volumes das Investigações Lógicas. A segunda autores como Merleau-Ponty e Derrida desenvolveram seus estudos filosóficos a partir
fase da obra husserliana é conhecida como a fase genuinamente idealista, e é marcada do Husserl tardio.
pela obra Ideias para a Fenomenologia Pura e para uma Filosofia Fenomenológica I,
Então qual é a intenção filosófica fundamental do Husserl? A gente escuta dizer Então a tese platônica de justificação racional do conhecimento a partir de
que Husserl foi aquele que tentou desenvolver a filosofia como “ciência rigorosa”, e hipóteses, se expande, se arrasta ao longo de toda a tradição filosófica chegando, por
muitas vezes essa frase, esse projeto husserliano não são devidamente entendidos. O que exemplo, ao idealismo, chegando por exemplo, ao kantismo. O Kant é o autor que pensa
se procura dizer quando se propõe uma filosofia como ciência rigorosa? Por óbvio, por o transcendental justamente a partir da indagação das condições de possibilidade de
mais que imediatamente nós sejamos lançados a essa ideia, Husserl não vai desenvolver qualquer coisa que “seja”. Kant foi aquele filósofo que nos mostrou que antes de nós nos
uma epistemologia, pois ele não é um filósofo da ciência, Husserl é um filósofo que vai preocuparmos em conhecer as coisas, a razão deve ser capaz de saber o que ela de fato
procurar a todo instante, a ideia de evidência, a ideia de essência, para que então o projeto pode conhecer, aí vem a palavra “crítica”, que é justamente a indagação a respeito das
filosófico da contemporaneidade pudesse de certa maneira ser corrigido, superando condições de penseabilidade, de conhecimento, de experiencia de qualquer coisa que seja.
aqueles que foram, para Husserl, os dois problemas da filosofia e que se desenvolveu Esse modelo de crença justificada de certa forma é transmitido a toda a tradição filosófica
anteriormente a ele, os problemas das hipostasias realistas e idealistas, como veremos ocidental, o Kant é o autor que vai dizer que, para que se tenha o conhecimento, é
daqui a pouco. necessário que existam previamente “categorias”, o idealismo alemão resgata essa tese
kantiana, e para Husserl, essa ideia precisa ser superada, porque ela levou à “hipostasia
Então, pensar a filosofia como uma ciência rigorosa, significa sobretudo analisar idealista”.
os problemas filosóficos de uma forma crítica, a partir de uma segurança racional,
procurando então, sobretudo, a evidência das essências. Ou, na linguagem husserliana, Outro problema fundamental para Husserl e que precisaria ser superado além do
fazer uma filosofia da ciência rigorosa significa lidar com o problema das visões de problema das crenças justificadas, é o problema do “psicologismo da lógica pura”. Se
essências. nós pegarmos aquilo que Husserl vai enxergar como expressão máxima desse problema,
David Hume, o Hume vai afirmar que não é possível qualquer tipo de experiencia
Para lidar então com essa tese husserliana, a gente tem que perceber como é que universal de conhecimento porque nós somos seres, entes particularmente situados, então,
a filosofia se deu anteriormente a ele, quais foram então os principais problemas para Hume, a lógica, ela não teria condições de se pensar de forma universal porque nós
filosóficos pretéritos? Bom, se pegarmos um texto famoso pra trajetória da história somos seres particulares. Quando eu enuncio um princípio lógico, um princípio da não-
filosófica ocidental, a “Apologia”, do Platão, vamos ver que Sócrates foi condenado contradição, por exemplo, eu não tenho condição de fazer com que esse princípio seja
sobretudo, por corromper a religião da cidade, corrompendo os jovens da cidade com universalizado porque aquele que enuncia é particular, então o psicologismo vai mostrar
teses que de certa maneira, descredenciavam os deuses da cidade. O que Sócrates afirma que a lógica enquanto ciência pode ter falhas justamente diante do nosso caráter de
é que diferentemente dos seus contemporâneos ele se coloca na condição daquele que não particularidade. Logo, essa tese do empirismo mostra de certa maneira, que todo nosso
sabe, isso entrou pra história como uma certa ironia socrática, e podemos dizer que era conhecimento está ligado a sensações que são associativamente organizadas. Então o que
uma ironia porque era contraditório com a filosofia platônica. A tese do Sócrates é a nós chamamos de princípios universais, lógica, nada mais são do que hábitos que vão
seguinte: os seus contemporâneos, eles creem, visualizam que realmente sabem aquilo paulatinamente se sedimentando de forma associativa justamente porque o ponto de
que sabem, enquanto ele, Sócrates, na verdade, tem certeza de que ele não sabe. Para partida de qualquer experiência de conhecimento sempre será situado, sempre se parte de
entendermos essa fase socrática, precisamos entender como Platão entende o sensações localizadas.
conhecimento, como estudamos, o Platão é aquele que procura as estruturas universais
do conhecimento a partir da realidade sensível, claro que a realidade sensível ela não pode O Husserl é o autor que tenta a todo instante, então, desenvolver a fenomenologia
ser fonte última do saber, porque dentro da estrutura platônica a realidade sensível, então, para se justapor a essa tese. Para ele, as experiências particulares que nós vivenciamos
é uma cópia, é uma participação plena do mundo ideal. Contudo, o mundo sensível é o diariamente, apesar de elas se situarem em relação a entes que nos são particulares, o
ponto de partida do conhecimento porque, segundo Platão, não se tem o conhecimento conteúdo dessas experiências é sempre universalizado. Peguemos um exemplo, Balzac,
intuitivamente de uma vez por todas, ou seja, não se tem visão do universal (nous), o que por que a comédia humana dele é tão importante? Por que ele vai descrever personagens
nós temos, então, é apenas conhecimento discursivo, e o ponto de partida para a realização que tem caraterísticas interessantes? Ou por que o Balzac vai descrever uma época? Ou
desse conhecimento discursivo, dessa ciência dialógica (dianóia), é justamente colocar por que o Balzac vai descrever as tecituras, os arranjos, os encontros e desencontros do
em questão as crenças. Então, a diferença da filosofia para o sistema do senso comum, é dia a dia? Não! Balzac é tão importante a ponto de sua obra ser chamada de “a comédia
que a filosofia parte de crenças tal qual o senso comum, contudo, as crenças do senso humana”, porque a descrição das experiências dos seus personagens apesar de
comum são crenças injustificadas, são crenças que se aceitam simplesmente a partir de aparentemente serem particulares, têm conteúdo universais. De uma forma ainda mais
critérios não-filosóficos, como por exemplo, tradição, família e religião, a filosofia parte clara, o que acontece com os personagens do Balzac pode acontecer com qualquer um de
também de crenças, de hipóteses, e vai então discutindo discursivamente essas hipóteses nós, e a literatura é tanto melhor quando aquilo que eu descrevo deixa de ser uma
até que então os argumentos ideais permitam que essas crenças sejam aceitas. O experiência particular minha, quando através de mim se veiculam temas que são temas
movimento da ideia, então, é justamente a partir da dialética, a partir da dianóia, esse universais, a literatura também se torna universal.
movimento ascendente à crença justificada mais elevada, até que se chegue ao ponto
máximo que o Platão vai desenvolver na República como “argumento”, ou “alegoria da Para Husserl, apesar das experiências se desenvolverem entre entes particulares o
linha”. Vai chegar um momento em que eu não consigo mais ter conhecimento discursivo conteúdo dessas experiências não se confunde com a particularidade desses entes: o
da realidade justamente porque eu não tenho visão discursiva de aspectos como princípios conteúdo é universalizável. Husserl está dizendo para a gente, tá resgatando uma tese que
primeiro e o “uno”. depois aparece no Derrida, lá na Voz e o Fenômeno. Derrida nos diz a partir do Husserl,
que a linguagem quando ela enuncia, ela sempre vai enunciar conteúdos significativos
universalizáveis. De uma forma ainda mais clara: não tem como falar e não dizer. A É necessário, Platão chama isso de “segunda navegação”, ir em busca dos universais, “a
linguagem sempre vai articular conteúdos que são conteúdos ideais. Então, de certa fuga aos logói”, que vão permitir que a verdade apareça em meio as coisas, pois
maneira, essa procura da filosofia da linguagem por condições universais, sujeitos sensivelmente, perceptivelmente as coisas não estão então emanadas de sua verdade.
universais, como está tão na moda se estudar hoje em dia, no fundo se olharmos
fenomenologicamente elas são grandes ingenuidades, porque o campo estrutural da Esse modo então de pensar a verdade das coisas, o ser das coisas para além de seu
linguagem sempre nos coloca em relação com conteúdos universais. A palavra nunca é modo de aparição, é chamado na história da filosofia de hipostasia. Essas hipostasias,
uma palavra setorizada, particularizada, ela sempre abre espaço para a concretização de segundo Husserl, elas são de duas ordens, realista ou idealista.
significados que são universalizados. Derrida vai dizer que quando eu escuto ruído do
corredor do meu prédio, eu não escuto barulho, eu escuto voz, pois essa seria uma A hipostasia realista é aquela que se verificou sobretudo na filosofia greco-
experiencia de universalização. Com Husserl, então a partir da experiência da primeira romana-cristã, ou seja, no período filosófico conhecido tradicionalmente pela divisão do
investigação lógica, há uma diferença muito clara entre expressão e significado. O ato de Hegel, por metafísica do objeto.
expressar, que até então foi tratado de forma unificado na filosofia, no Husserl ele passa
a ser visto de três formas: Já a hipostasia idealista é aquela que se verificou no interior da filosofia moderna,
sobretudo no idealismo alemão. Kant, como ponto de introdução, e Hegel como ponto de
- Primeiro, há o ato de enunciar, esse ato de enunciar permite que um conteúdo chegada da filosofia idealista.
seja enunciado, seja dito, e esse conteúdo que é enunciado ele se autonomiza daquele
que enunciou, de modo tal que há possibilidade de ele ser concretizado no seu ouvinte. Como procedia a hipostasia realista? Tomemos como exemplo o próprio Platão
Então, o ato de enunciar, dizer qualquer coisa, vou aqui expressar o princípio da lógica ou Aristóteles, ou cristã, enfim a filosofia antiga, partia-se da ideia de que existiriam
pura, o princípio da não contradição: “o ente não pode ser ele mesmo e o seu contrário essências reais, verdadeiras, imutáveis, que estavam nas coisas para além de mim. O que
sob as mesmas condições”, quando eu enuncio esse princípio eu tenho aqui um ato que é que é conhecer para o mundo antigo? É justamente a verdade enquanto adequação
aparentemente é um só, o de enunciar, mas na verdade ele é “3 em 1”, o ato de enunciar (minuto 28:01) do pensamento às coisas. Então, as coisas teriam verdade em uma
abre espaço para o conteúdo, para que o conteúdo do princípio lógico apareça, e quando instancia para além daquilo que aparece, de modo tal que conhecer verdadeiramente
ele aparece ele se autonomiza em relação a aquilo que diz, por isso quando as pessoas significa buscar de alguma maneira o acesso a essas verdades eternas e imutáveis, Platão
falam coisas que são tidas como bobagens, tipo “não foi isso que eu quis dizer”, isso não vai chamar isso de ideia, Aristóteles vai chamar isso de substância, o Cristão vai chamar
resolve a situação, pois quando eu digo, aquilo que eu disse se autonomizou em relação isso de Deus. Então, existiria uma verdade nas coisas em si, verdade essa, que não se
ao dizer, de modo tal que ele passa a ter uma significação própria dele, e tem pretensão mostraria totalmente nas coisas sensíveis, conhecer significa então, ter acesso de alguma
de universalidade, e aquele que escuta pode concretizar, perceber, entender esse conteúdo forma a essa realidade verdadeira em si que permitiria então alcançar a medida de
de uma terceira forma, aquilo que Husserl vai chamar de “preenchimento de Constituição de todas as coisas sensíveis. A hipostasia realista tem um problema: que
significado”. Claro que a lógica jamais aceitaria isso, ela veria o simples ato de enunciar problema é esse? O meu acesso a essas coisas pode contaminar a própria verdade, meu
como uma experiência puramente particular, é isso que as investigações lógicas então aparato cognitivo limitado, aparato humano, finito, limitado, ao ter acesso a essas coisas
querem demonstrar o contrário, as investigações lógicas querem mostrar justamente o pode contaminar os modos de conhece-las ao transmitir a sua subjetividade a essas coisas,
conteúdo universal de todo ato enunciativo, de toda linguagem assim como de toda e logo a limitação da Razão Humana Ela poderia ser um obstáculo para que a essência
qualquer experiência pela qual nós passamos diariamente. verdadeira das coisas aparecesse. Então, o meu acesso poderia macular esse processo de
conhecimento.
Para que isso seja possível então, é necessário que se lance as bases de uma
“ciência rigorosa”, ou melhor dizendo, é necessário que a filosofia seja vista uma vez Com o idealismo, nós temos uma posição diametralmente oposta. Para o
mais como uma ciência rigorosa, e para que isso aconteça é necessário que a filosofia se idealismo, as coisas são verdadeiras ou encontram as suas medidas de verdade na
guie pelas evidências, pelas essências, ou por aquilo que Husserl chama de “invariante consciência, se nós pegarmos toda a virada copernicana da filosofia Kantiana, o que o
eidética”, invariante eidética são essências, o alcance das essências a partir de suas Kant vai deixar claro é que antes de me preocupar em conhecer as coisas eu, razão, tenho
evidências. que me preocupar a respeito das minhas próprias condições de conhecer, então, virada
copernicana porque, assim como a terra deixou de ser vista como o centro do universo,
Para entendermos isso, voltemos ao modo tradicional de colocação dos problemas passou a girar em torno do sol, as coisas devem girar em torno da Razão. Então, o mesmo
filosóficos, é aquilo que Husserl vai chamar de hipostasia. O que é uma hipostasia? Uma Ofício que o Copérnico empregou no movimento dos astros, o Kant emprega na sua
hipostasia é uma tese da filosofia que acredita que o ser do fenômeno está para além do filosofia, esse eu que cismo, dar um passo atrás em relação a própria experiência de
fenômeno. Ou de uma forma ainda mais clara, a verdade das coisas sempre está para além conhecimento para que a razão Perceba o que ela pode conhecer, até onde ela pode
do modo de aparição das coisas, aquilo que nós vemos nunca comporta em si mesmo, conhecer, o que me é dado conhecer, é a pergunta fundamental da grande primeira crítica,
sensivelmente, a sua verdade. É necessário então, partir daquilo que eu vejo, partir daquilo “A Crítica Razão Pura” Kantiana. Só que, a filosofia Idealista vai aos poucos
que aparece, e a partir daquilo que aparece procurar o elemento que não aparece, pelo radicalizando ainda mais essa posição ao ponto de um idealismo ver o objeto como a
menos sensivelmente, porque é esse elemento que não aparece que vai permitir a verdade outra face do sujeito, de uma forma bem clara, até correndo risco de ser simplório, o que
daquilo que aparece. De uma forma ainda mais clara: desde Platão, o mundo sensível é o o idealismo alemão vai fazer é reduzir Toda a realidade exterior a razão. Para o idealismo
mundo da doxa, é o mundo da opinião, é o mundo da crença, nunca o mundo da verdade. absoluto hegeliano, a realidade nada mais é que a razão experienciando a si própria no
tempo, o Hegel vai chamar isso de espírito. Então, o mundo exterior tal como eu vejo, o esses, lembranças, percepção imaginação, representação, fantasia, a consciência nunca é
objeto sensível nesse mundo exterior é uma etapa para que o objeto verdadeiro possa uma só, ela é sempre a soma desses atos que estão em fluxo, que estão em constante
aparecer que razão que se experimenta. Para o idealismo então, a realidade se desenvolvimento. Então, quando eu me relaciono com a experiência de um objeto, a
circunscreve, se limita, se identifica com a realidade da razão, as coisas da razão, a outra percepção de um objeto sensível, esta caneta na minha mão, aqui, eu não tenho
face da razão. Claro, que isso tem um grande defeito, claro que isso tem um grande perigo, simplesmente a percepção de um objeto que é atestado pelos sentidos, eu tenho também
acreditar que o mundo exterior nada mais é que uma grande sombra da Razão, ou seja, o representação, eu consigo fechar os olhos e imaginar a imagem dessa caneta, eu tenho
mundo exterior pode ser uma grande viagem, uma grande fantasia, e nós estaríamos também imaginação, eu consigo imaginar também contextos em que eu utilizo essa
lidando a todo tempo com alegoria, porque a realidade verdadeira plena é a realidade da caneta. Eu tenho sensação, consigo imaginar aspectos sensíveis ligados a essa
Razão. O Husserl vai dizer que as duas posturas e hipostáticas, as duas hipostasias, a consciência, eu tenho lembrança, por exemplo, se eu fechar os olhos consigo me lembrar
Realista e a Idealista são problemáticas, elas tem defeitos, pois elas sempre pensam polos de outros contextos em que eu tenho uma lembrança de manejar essa caneta, então, os
reduzidos da realidade, a hipostasia realista, as coisas naturais, ou as coisas reais sensíveis atos de consciência eles compõem a consciência, por óbvio, ela é composta por esses atos,
em si, ou seja coisas em si, essências em si mesmas prontas acabadas, acessíveis com mas eles nunca se dão sozinhos.
final já a Idealista, pensa então na realidade da razão, o que o Husserl vai resgatar com o
conceito da fenomenologia é justamente a ideia do fenômeno, Por que o fenômeno é Toda vez que um ato de consciência se estabelece, abrisse na consciência uma
aquilo que conduz toda a investigação fenomenológica ponte Now para começo de relação no interior da qual o objeto aparece, isso aqui pessoal é o coração da
conversa o que é fenômeno para o Husserl? Fenômeno é aquilo que se dá por si mesmo, fenomenologia. Fenomenologia significa consciência intencional, ele está dizendo que
para si mesmo a alguém. Então, o fenômeno é aquilo que aparece por conta própria, (e quando o ato de consciência se estabelece, ele imediatamente abre espaço para que o
isso é muito importante, falaremos daqui a pouco dá ideia de “autodação”, que é o coração objeto correlato se auto constituam originariamente. Pode parecer complexo, mas o que
da fenomenologia) mas o fenômeno é aquele que aparece por conta própria alguém. ele está nos dizendo uma coisa muito simples: toda vez que um ato de consciência se dá
ele abre espaço para que a coisa apareça por conta própria, que ela se auto se constitui na
Não a, para o Husserl, a possibilidade de algo aparecer sem aparecer para alguém, relação com a consciência. Vou dar um exemplo para ficar mais claro: estamos passeando
então, toda vez que um fenômeno se estabelece, toda vez que o fenômeno se dá, ele pela rua e de repente passa por uma pessoa que usa um perfume, quando essa pessoa passa
imediatamente se dá a alguém, com isso, Husserl deixa claro que a consciência tal como por nós imediatamente aparece em nossa consciência a lembrança de uma situação em
foi pensada pelo realismo e pelo idealismo ela não pode mais se sustentar, para o Husserl, que aquele mesmo perfume esteve presente, e quando isso acontece a pessoa aparece por
a consciência é sempre uma consciência intencional. A ideia de intencionalidade não conta própria, eu vejo aquela situação. Então, para a filosofia tradicional, como é que isso
aparece pela primeira vez com Husserl, a ideia de uma consciência intencional surgiu aconteceria? Vamos pegar o Kant: eu tenho então, uma experiência sensível, eu vejo então
com o autor da lógica alemão chamado Franz Brentano, o Brentano foi o primeiro a dizer uma miríade de sensações, os meus sentidos Então vão organizar essas sensações a partir
que a consciência nunca é uma consciência pura, a consciência é sempre uma consciência de faculdades a priori da Razão. Ou seja, sensibilidade que são espaço e tempo. Então,
de alguma coisa dizer que a consciência é intencional então, na linguagem do Brentano, fenômeno para o Kant é a organização de sensações que se dão aos sentidos pelo espaço
e dizer que a consciência é a consciência de alguma coisa. Pois bem, o Husserl resgata e tempo, aí então uma vez que essas sensações se realizam eu consigo ter representação,
esse conceito e o trabalha de uma outra forma, A consciência é sempre uma consciência e quando a representação se dá eu tenho condição de unir essa representação com as
intencional, quando o Husserl disse isso, algumas coisas ficam mais claras ou tendem a categorias do entendimento e formar um juízo. Então, para o Kant eu paro, percebo,
aparecer com uma maior distinção. Primeiro: a consciência nunca é um bloco monolítico organizo aquilo que eu percebi, tento entender aí então eu formo um juízo e falo: “Ah!
pronto e acabado, qual é a imagem que nós temos então, das filosofias anteriores? A de esse perfume lembra alguém!”, logo porque eu estou sentindo esse perfume que alguém
que existe o mundo exterior, pronto acabado, perfeito, estabelecido por conta própria, ao veio à minha mente. Então vejam, a filosofia moderna trabalha sempre de forma
qual eu posso ter acesso, então desde os gregos O que vigora é a tese da existência natural esquemática, o Husserl vai dizer: independente daquilo que eu faça, se eu sentir um
do mundo sensível. Mundo exterior em relação aos quais o meus sentidos estão em perfume aqui a pessoa vai aparecer, e eu não posso negar por outro lado, que a aparição
contato, ele está pronto, acabado, e ele pode então ser experimentado por mim ponto final se deu como se deu, isso é um fenômeno, esse número para o Husserl significa a aparição
então, toda a tradição filosófica será essa maneira parte da ideia de que o mundo exterior imediata da coisa a a consciência por conta própria. Veja: o Husserl não está dizendo
é pronto acabado e que pode ser conhecido por uma consciência, o Kant é o autor que vai que a consciência cria coisas, ele não está dizendo que a consciência posiciona a coisa,
procurar, então, faculdades dessa consciência para que se tenha acesso da consciência a ele não está dizendo que o ato de lembrar posicionou o lembrado, não, quando o ato
esse mundo. Então, todo problema da filosofia moderna, do Descartes até o Francis intencional, o ato de lembrar se estabelece, imediatamente o lembrado aparece por conta
Bacon, é o problema do acesso. Por isso que se pensam em métodos por meio dos quais própria, sem que eu me dê conta, sem que eu tente controlar, sem que eu tente de alguma
a consciência acessa as coisas. maneira induzir essa aparição, a pessoa apareceu, e eu não tenho como me contrapor a
isso ponto final quando isso se estabelece então, o Husserl vai deixar claro para gente,
Sobretudo, o método empirista, das coisas a consciência, ou o modo dedo de vista, que todo ato de consciência é intencional, não tem como eu ter o lembrado sem o ato
racionalista, da consciência as coisas. Mas, em ambas as posturas metodológicas, de lembrar, mas por outro lado o lembrado apareceu por conta própria em meio, na relação
empirismo e racionalismo, o indutivismo e o dedutivismo, a gente sempre observa dois com o ato de lembrar.
polos: consciência e realidade, que são então, acessíveis através de um método. Vai dizer
que a consciência não é pronta a consciência é um fluxo de vivência, e quando a Eu sempre tenho o percebido junto a percepção, a percepção é sempre percepção
consciência, então, se debruça por cada um desses átomos que compõem esse fluxo, são de alguma coisa, eu sempre tenho o imaginado em meio ao ato de imaginação, não tem
como eu imaginar uma coisa vazia, eu sempre imagino alguma coisa, isso acontece com relação com a consciência. Sem relação, não há fenômeno, o fenômeno depende dessa
cada um dos nossos atos de consciência, e intencionalidade significa, então, dizer que relação com a consciência, porque o fenômeno é aquele que se dá por conta própria, ou
consciência é uma expressão do Sartre, “ela explode rumo às coisas”. quando a seja, e não é causada por nada nele mesmo, mas para alguém. “Se não há consciência não
consciência se tematiza, quando ela se analisa ela sempre vai se deparar com coisas que há fenômeno”.
aparecem a ela, e eu não posso negar o caráter de autodação do aparecimento dessas
coisas, isso é o coração da fenomenologia A fenomenologia então, é aquela que vai Quando isso acontece, a filosofia tem uma possibilidade de respiro, de abertura
lidar com esses fenômenos que aparecem por conta própria, correlatos aparecem muito maior do que ela tinha até então. Isso é aquilo que os filósofos costumam dizer, a
por conta própria a alguém na relação. salvação da filosofia. É a possibilidade de a filosofia ser revigorada uma vez mais, e toda
a trajetória filosófica do século XX parte desse princípio fenomenológico fundamental, a
Então, o que a consciência faz é criar a possibilidade de restabelecimento de uma possibilidade da descrição dos fenômenos enquanto tais.
relação no interior da qual, ato requisita correlato, intencionalidade significa que a
consciência entender que ela literalmente tende ao interior dos objetos, não tem como ter Bom, uma vez que o filósofo consegue mapear, registrar a Gênese dessa relação
um objeto sem ter um ato, eles são originários, eles surgem ao mesmo tempo não tem que permite então o aparecimento dos correlatos na sua relação com os atos, se tem aquilo
como ter o anterior e o posterior Como pensou a filosofia antiga, a filosofia antiga pensava que o Husserl chama de essência. Essência é aquilo que é invariante a partir de várias
na existência prévia da essência para depois então ter o ato de conhecimento dessa variações. Filosofia como ciência rigorosa significa descrição da Essência. O que é
Essência, anterior e posterior. A filosofia moderna pensava na precedência da razão para Essência? É o fenômeno completamente entendido a partir de seus distintos modos de
depois ter a experiência, anterior e posterior. A fenomenologia vai dizer que eles são aparição. Bom, para que a gente entenda isso, para que isso seja possível é necessário
originários, que eles surgem concomitantemente, porque não tem como ter um ato vazio, perceber o caminho filosófico que o Husserl traça para que esse método fenomenológico
nenhum objeto, um correlato ou um objeto enfim, sem abertura de espaço gerado pelo possa ser exercido. Para o Husserl, a filosofia tem condições de se desenvolver enquanto
ato. A relação imediata, então, entre ato e correlato é uma relação de co-requisição, ciência rigorosa quando se passam, quando se trilham, quando se percorrem três vias ou
que vai ser denominada pelo Husserl de intencionalidade. três etapas: a primeira etapa a da "epoché", a segunda etapa "redução
fenomenológica" e a terceira, "redução transcendental".
Existem vários exemplos para entendermos isso melhor: quando eu escrevo numa
lousa quatro números 1827. Não tem como negar que quando eu olho essa disposição Vamos passar por cada uma dessas etapas para tentar simplificar um pouco essa
numérica eu vejo uma data, mas quem me disse que isso é uma data? É uma estrutura tese husserliana. O primeiro passo para o caminho para o método fenomenológico é
intencional da consciência, eu antecipo data, eu vejo data, eu não posso negar que a data aquilo que Husserl vai chamar de epoché. Epoché significa literalmente abstenção de
apareceu enquanto data naquele instante. Quando isso acontece a filosofia então, ela vai julgar. É uma palavra que não foi cunhada pela primeira vez por Husserl, ela surge no
lidar com objetividade que não pode ser negada a partir da análise da consciência, a partir interior do ceticismo filosófico antigo ponto final epoché é significa “suspensão de
da análise da razão. Fenomenologia, então, é a descrição desse modo de auto- julgar”, não vou dizer nem a favor nem contra a existência da coisa, eu não posso dizer
constituição de fenômenos. É o princípio fundamental da fenomenologia da filosofia A ou B, ou não dizer nada sobre a coisa porque eu não tenho condições, é porque, então,
para o husserl, está no parágrafo 21 do "Ideias I": “não existe a possibilidade filosófica é literalmente suspensão do juízo, abstenção de dizer qualquer coisa que seja sobre a
de conhecer qualquer coisa que seja que não seja guiada por uma autodação”. coisa. Husserl está dizendo que o ponto de partida da filosofia conduzida
Fenomenologia, então, é a descrição desse movimento de autorização das coisas na fenomenologicamente deve ser a contestação da tese da existência natural. Nós,
consciência descrevendo, então, esse modo de autodação. Então vejam, o Husserl não cotidianamente, existimos de forma natural, e quando existimos de forma natural nós de
está dizendo que a consciência cria coisa, sem consciência não há objeto correlato, mas certa maneira nos movimentamos no velho problema da tese natural que é o problema da
por outro lado não é a consciência que cria o objeto correlato, ela vai abrir espaço para existência no mundo exterior pressupomos que as coisas com as quais lidamos
que ele apareça, pois quando ele aparece o ofício do filósofo é descrever esse modo de diariamente existem e são tal como as encontramos. Desde os gregos a existência do
aparição. mundo exterior não é passível de contestação. Eu devo me colocar junto a elas para então
entendê-las, conhecê-las, para alcançar essa verdade. A epoché é justamente a contestação
A estrutura da consciência é intencional, e quando isso se estabelece eu tenho a da verdade, da existência do mundo exterior. Suspensão de juízo, eu não posso dizer que
possibilidade de fazer uma ciência rigorosa, filosofia enquanto ciência rigorosa, significa o mundo exterior é tal como eu vejo, o Husserl, claro, aqui, é orientado, é inspirado pelo
a descrição fidedigna dos modos de auto apresentação dos fenômenos na consciência. gesto cartesiano, se a gente se lembrar da dúvida metódica de Descartes, ou da dúvida
Essa relação entre consciência e coisa para a consciência, ou coisa na consciência é hiperbólica Descartes vai contestar a existência de todas as coisas exteriores e interiores,
chamada pelo Husserl de distintas formas. Por exemplo, nas investigações lógicas, vai tudo aquilo que não é passível de ser posto em dúvida pelo pensamento, sobrevivendo ou
usar as expressões ato e correlato. Ato, atividade da consciência. Correlato, é aquilo permanecendo incólume a contestação, simplesmente essa entidade que questiona, que é
que aparece no interior dessa atividade. Lá no Ideias I ele vai usar outras expressões: justamente a razão. O que ele está fazendo é resgatando o gesto cartesiano, a epoché é a
noesis e noema. Noesis, é o ato intencional, noema, é esse objeto intencional que aparece contestação da existência do mundo exterior, a existência do mundo natural. E a epoché
na relação para com o ato. O Heidegger, tem um texto muito legal chamado "A caminho é também o ponto de partida para a segunda etapa que é a redução fenomenológica.
da linguagem" em que ele vai dizer que as coisas aparecem para elas mesmas, elas
mesmas a consciência. Ou seja, ele está simplesmente explicitando o princípio de Então, na redução fenomenológica, eu suspendo a consciência e me volto para a
autorização do Husserl as coisas se mostram a partir delas mesmas, para elas mesmas na própria dinâmica da consciência, eu deixo de fora o mundo exterior e passo a analisar o
mundo da consciência, é isso que se chama de redução fenomenológica, que pode ser lida nenhum tipo de ser para além dos distintos modos de aparição. Então, a filosofia é
como recondução fenomenológica. Redução fenomenológica, então, nada mais é que eu conduzida “às coisas elas mesmas”. A partir do momento em que eu alcance a evidência,
reconduzir a minha investigação, reconduzir o meu questionamento à dinâmica interna eu alcanço a coisa como ela é, não pode ser negada, porque ela aparece desse jeito, desse
da consciência, analisar Como se dá a experiência da consciência. quando eu analiso a modo no interior da redução transcendental. Quando eu suspendo a existência do
dinâmica da consciência, quando estou imerso na redução fenomenológica, eu sempre mundo exterior e analiso os distintos modos de autodação eidética da coisa, de essência
vou perceber que a consciência acontece nessa relação de fluxo de atos e correlatos. da coisa, eu não tenho que negar a coisa, ela é tal como ela se mostra, me resta enquanto
Sempre vou perceber que um ato de consciência abre espaço para que se auto-dê para que filósofo, descrever esse modo de aparição.
se auto-apresente o correlato desse ato, e quando eu analiso cada um desses correlatos eu
vou perceber que a percepção desses correlatos, o modo de aparecimento desses Todo campo correlativo dos objetos se mostrou, não tem mais nenhuma zona de
correlatos, nunca é pleno. sombreamento, uma zona cinzenta, tudo se mostrou como se é, é como se fosse aquela
luz do sol que quara todas as dúvidas, todas as incertezas, é o aparecimento do objeto
Vou dar um exemplo para deixar isso mais claro: se eu pego uma caneta, essa plenamente à consciência. Mas vejam, sem consciência é impossível que isso aconteça,
caneta sempre vai aparecer para mim a partir do lado de frente, mas ela também tem outro por isso, que vez por outra, o Husserl é alocado também entre os autores idealistas, pois
lado, um celular por exemplo, ele aparece para mim pelo lado de frente mas ele também ele está de certa maneira, dizendo que “sem consciência não tem objeto”, a gente não
tem um lado de trás que eu não consigo perceber, então, para o Russerl, os objetos nunca pode contestar isso também. Claro, esse acento, ou essa importância da consciência, de
se mostram claramente, perfeitamente, totalmente de uma vez só, sempre fica algo que certa forma, sofre a tentativa de aperfeiçoamento na obra tardia do Husserl, sobretudo no
não se mostra totalmente. Husserl vai chamar isso de zona de penumbra, ou zona de interior das meditações cartesianas. Para entendermos o esforço tardio husserliano de
alumbramento então, é necessário que eu vá aos pouquinhos girando e percebendo os pensar não apenas a consciência, mas o mundo da consciência, a gente tem que entender
distintos modos de aparição desse objeto para que então, a partir do momento em que eu como Husserl vai situar a questão a partir de um texto dele, que não chegou de forma após
varei todos os modos de aparição, de apresentação, eu consegui encontrar aquilo que não tomar: lições para uma fenomenologia da consciência interna do tempo. Husserl vai dar
varia em meio às distintas variações, isso só vai ser obtido no interior da redução o seguinte exemplo: ele vai mostrar como as coisas vão se sedimentando paulatinamente
transcendental. na relação com a consciência, escutar uma música, por exemplo, para que eu escute uma
música, eu devo perceber que essa música é formada por diferentes sons, ritmos vírgulas
Então, vejam: suspendo o mundo exterior, analiso a dinâmica interna da nota uma música ao ser executada vai desfilando a sua miríade de notas, contudo, para
consciência, na análise da dinâmica interna da consciência sempre percebo que aquilo que eu veja, para que eu escute a música, é necessário que eu não me concentre apenas
que aparece sempre aparece para mim a partir do lado de frente, nunca aparece para mim em uma nota que eu vá de nota a nota de nota a nota, e assim sucessivamente, contudo,
na sua totalidade. Então, vou variando esses modos de aparição para encontrar, ou se eu não tenho a primeira nota não tem como eu escutar a posterior, e assim
perceber todos eles, E aí sim perceber a verdade do objeto, perceber aquele elemento que sucessivamente.
não mais varia a partir do momento em que o giro todos os seus lados. Quando eu obtenho
esse elemento invariante, a redução transcendental permite ver a essência eu tenho a visão Husserl está chamando atenção para o fato de que, não apenas os objetos que nós
de essências, Essência, então, é justamente aquele elemento invariante que se dá a partir experimentamos são temporais, a própria consciência se temporaliza, Pois a consciência
de todas as variações possíveis daquele objeto. A filosofia, então, diante da essência tem retém experiência e antecipa experiências pegamos o exemplo da música: Para que eu
a sua evidência, evidência então, é apresentação da essência de um objeto com final o que então entenda a música, escute a música, será necessário que eu retenho uma nota e
a filosofia faz é descrever o modo de aparição dessa evidência, descreve essa essência. antecipe a projeção da nota subsequente, sem esse movimento de retenção e de proteção,
Então, fazer filosofia para o Russell é ciência rigorosa porque eu sempre devo me ater a é impossível a experiência musical, E isso acontece a todo e qualquer tipo de experiência
dinâmica interna da consciência, e quando eu consigo alcançar a essência evidente desses que a gente tenha. Para o Husserl então, as experiências da consciência, dessa relação
modos de aparição eu não posso negar que a coisa é tal como é. A principal característica entre ato e correlato, elas não são definitivas, elas vão aos pouquinhos se sedimentando
da fenomenologia é eliminar de uma vez por todas uma tradição que se implantou entre no tempo, retenção. Essa sedimentação do tempo abre espaço para que novas
nós a partir do platonismo: que é a distinção entre ser e aparência. O Platão, inaugurou a experiências possam se constituir, protensão.
tese para gente de que aparição ela sempre é passível de dúvida, porque existe algo que
não se mostra que é verdadeiro Afinal o que é a fenomenologia vai nos mostrar, é que Se a gente conseguir ter uma noção dessas duas tendências de retenção e
a partir do momento mento em que eu me coloco no campo da redução protensão, ou de armazenamento temporal e antecipação temporal, a gente consegue
fenomenológica, ou no campo da redução transcendental, aquilo que aparece não captar o problema do Husserl tardio que é o problema do Horizonte temporal do mundo.
pode ser negado na sua aparição, eu não tenho um ser que não se mostra Na aparência, Mundo para o Husserl significa então, a reunião de todos aqueles objetos que sofrem
não, aquilo que eu vejo é exatamente aquilo que é, não existe mais distinção entre ser e algum tipo de retenção na relação com a consciência. Essa relação com a consciência é
aparência, E isso tem um impacto fundamental na nossa existência cotidiana. Nós ainda que vai então aos pouquinhos sedimentando as experiências anteriores, é como se a
acreditamos piamente que as pessoas não são aquilo que elas fazem, que as pessoas não consciência ao passar por instintos estágios de experiência com objetos correlatos, ela
são aquilo que nós estamos vendo, "ele fez isso comigo, mas ele não é assim não, ele é fosse armazenando esses objetos e esse armazenamento que vai permitir que uma nova
bonzinho" não, aquilo que aparece, aquilo que eu vejo nesse mundo que eu vejo não tem experiência antecipada, ou seja, é necessário que o futuro se abra para mim, antecipando
nenhum mundo para além deste mundo que eu vejo, não tem. Ou seja, é um gesto elemento a partir do passado, e a proteção. Mundo para o Husserl então, é a reunião, o
filosófico com pés no chão, é um gesto filosófico autêntico, honesto, porque não procura conjunto dessas experiências retentivas e protensivas, é o conjunto desses elementos que
vão se sedimentando temporalmente, o Husserl vai chamar isso mais tarde tanto nas lidando com o observador que é estático, então vejam, eu posso girar esse objeto na
Meditações quanto na Crise, como mundo-da-vida. Toda a experiência da consciência se percepção, mas a minha descrição desse objeto sempre vai ser a descrição de um sujeito,
realiza no interior do mundo da vida que é pré-dado, e esse mundo da vida já aparece na de um observador parado diante de um objeto que se movimenta. Todo problema
síntese e passiva da consciência, claro, síntese passiva é uma expressão profunda no filosófico do movimento é sempre um problema que pressupõe o movimento das coisas,
Husserl tardio que não tem como explicar aqui agora, mas para que nós nos situamos, as mas nunca o movimento do observador. Então, se eu paro diante de um quadro, de uma
experiências da consciência elas vão se sedimentando, se armazenando compondo o pintura, e eu vou aos pouquinhos me movimentando em torno dessa pintura, a minha
mundo, a palavra mundo é fundamental para o Heidegger, pois mundo é pensado aqui percepção também se altera, é isso que Husserl vai chamar de consciência cinestésica. A
como totalidade de sentido previamente estabelecido. Para o Heidegger, quando eu existo percepção ela se modifica a partir do momento em que o sujeito perceptor ou a
eu existo no mundo que já é articulado e desenvolvido antes de eu chegar até aqui. É o consciência perceptiva, ela também altera sua posição inicial, então o movimento não é
mesmo mundo que Husserl chama atenção na experiência da retenção e da proteção, e só do objeto, mas também daquele que observa, daquele que é responsável por orientar a
não só isso, esse mundo se apresenta estruturalmente para mim enquanto horizonte, percepção. Isso acontece a partir do momento em que a percepção é uma percepção
horizonte então, essa estrutura que permite experiências temporais posteriores essa carnal, a gente se esquece que tudo é percepção é uma percepção corporal, Husserl dá um
estrutura que permite que eu tenha experiência posterior. Essa estrutura vai se exemplo que quando eu toco um objeto, não só eu toco objeto, mas também a minha mão
concretizando aos poucos na medida em que o vou experimentando o objeto, contudo, tal é tocada por esse objeto, então eu tenho um entrecruzamento entre a mão que toca e o
como eu não consigo numa estrada, por exemplo, dirigir e alcançar o final do horizonte, objeto, por exemplo. Então, toda percepção é também corporal, e a gente se esquece da
o horizonte é sempre esse elemento inalcançável, eu não consigo nunca alcançar o importância da corporeidade na constituição do percebido. a um entrecruzamento entre
horizonte ele sempre está para além, essa estrutura de mundo ela nunca se concretiza de consciência perceptiva e consciência que se ver percebida, o Merleau-Ponty vai chamar
uma vez só, não tem como eu ter a experiência última do mundo, ele é sempre uma isso de quiasma, ou entrecruzamento.
estrutura que vai regulamentando, possibilitando experiências futuras, a inspiração para
o Husserl, aqui, com a ideia de Horizonte, é o Kant. Daí, o problema do outro aparece justamente Nesse contexto, porque eu tenho a
percepção do outro dessa mesma forma, uma percepção corporal, só que é percepção
corporal do outro é diferente, porque eu sou um corpo vivo, que percebi objetos, o outro
é também um corpo Vivo que perceber objetos, contudo Eu tenho um biombo, eu tenho
Se a gente se lembrar lá na "Crítica da Razão Pura", as categorias da razão elas uma limitação, porque eu não tenho condições de ter acesso a sua consciência interior do
chegam no momento em que elas passam a ter a pretensão de conhecer para além do outro para perceber como ele percebe os objetos, eu não tenho como entender, perceber,
fenômeno, elas querem conhecer sem que haja um material que vem da sensibilidade, e o modo como o outro corpo vivo percebe os objetos também. Eu consigo me perceber
quando isso acontece, para o Kant, os juízos que se formam nessa relação são como um corpo Vivo que percebe coisas, mas o outro não é somente um corpo entre
contraditórios, é aquilo que o Kant vai chamar de ideia, ou antinomia da razão da razão outros corpos, o outro é também um corpo vivo, ele tem a mesma capacidade de perceber
Pura prática ou paralogismos da razão pura prática. Essas ideias elas não podem ser objeto as coisas enquanto o corpo Vivo como eu tenho, como eu tenho então, uma limitação de
do conhecimento porque elas não tem sensação, contudo, elas são responsáveis por acesso à consciência interior do outro, eu só posso pressupor que ele vê como eu vejo,
coordenar Todo o material do conhecimento é aquilo que o Kant vai chamar de ideia que ele percebe que eu percebo, por isso que o Husserl disse que a relação com o outro é
regulativa, no interior da Razão Pura essa mesma ideia regulativa que aparece aqui na sempre uma relação análoga. Ele vai chamar isso de empatia, porque eu pressuponho que
figura do Horizonte do Husserl, o horizonte é como se fosse um elemento de regulação, ele percebe como eu percebo um corpo vivo tal como eu percebo, mas eu não tenho como
de manutenção, de possibilitação de futuras experiências porque o horizonte antecipa comprovar isso, pois a experiência de acessar o outro ela tem um biombo, eu não consigo
essas experiências para que elas se concretizem no aqui agora. Quando nós formos estudar acessar a sua interioridade. O Husserl, então, vai chamar esse mundo de percepção
hermenêutica filosófica, aparecerá uma figura essencial nessa relação com Husserl que a corporal composto por consciência cinestésica e composto pela relação de percepção do
ideia de fusão de horizontes. O horizonte da obra se antecipa em relação ao horizonte do outro para o outro de Mundo da intersubjetividade, ou mundo da monologização
intérprete. intersubjetiva. Eu tenho uma relação intersubjetiva que vai pautar a percepção.
Compreender para o Gadamer, então, é fundir o horizonte de partida e de chegada, Claro, que isso vai muito além dos nossos objetivos da disciplina, mas o
é uma tese tipicamente husserliana, essa ideia então de Horizonte vem da ideia reguladora importante é que tenhamos uma noção da própria estrutura intencional da consciência e
do Kant, lembrando que, no interior da razão prática a ideia no Kant tem um outro papel percebemos como a filosofia de certa maneira trabalhou com esses problemas e como
também, que é atuar como elemento da ética, daí aparece a boa e velha ideia de liberdade. esses problemas ganham uma abordagem totalmente distinta no interior do modo
Então, a ideia não serve para fins de conhecimento teórico, somente para organizar tradicional de se pensar.
material teórico, mas ela é importante e imprescindível, ineliminável no conhecimento
prático, a ideia de liberdade.

Então, para a gente situar nos conceitos de Horizonte do mundo, eles são melhores
desenvolvidos sobretudo no Gadamer, para fecharmos, o Husserl vai trabalhar em relação
a percepção com a ideia de consciência que é cinestésica, por quê? Classicamente, quando Aula 6 (26/08) Parte I que fala da aula do Husserl (aula 5)
a gente percebe o objeto a gente não se dá conta que ao perceber, nós estamos sempre
aparece, eu não posso negar que eu vi a pessoa partir do perfume, eu não posso negar que
ela apareceu enquanto tal, eu não posso negar o modo que ela apareceu por conta própria.
Uma aluna pergunta sobre a questão da “redução transcendental”. O que é redução
transcendental? Antes de tudo, para que a gente entenda o que é fenomenologia, o ponto Então, o método fenomenológico ele se constitui, ele se radica justamente em
de partida fundamental é perceber que a fenomenologia ela vai questionar qualquer acompanhar esse processo a partir do qual as coisas se tornam coisas. Para isso, o ponto
procedimento, qualquer estado de coisas, em que as coisas se encontram dadas, prontas, de partida é a redução fenomenológica. Redução fenomenológica é suspender, daí a
para além da consciência. palavra epoché, suspender a realidade do mundo exterior, então eu não posso falar com
segurança e certeza a partir de qualquer coisa que seja, a não ser que eu analise a dinâmica
Então, o ponto de partida da fenomenologia é contestar sobretudo, a existência da consciência. Então a tese de que o mundo exterior é pronto, acabado, vou lidar com
natural do mundo exterior. Se pegarmos toda a filosofia através da história, a partir dos ele bastando que eu me adeque a ele, não cola mais. Isso que é epoché ou redução
gregos e principalmente a partir da filosofia moderna, o que se observava era aquilo que fenomenológica.
se chamava de hipostasia, que é você perceber ou tentar encontrar o ser do fenômeno,
aquilo que o fenômeno é para além de sua dinâmica de realização, então, o ser do A partir do momento em que me dedico a investigar a dinâmica da consciência,
fenômeno, em outras palavras, está para além do fenômeno. O mundo grego pressupunha dinâmica essa que me é aberta pela redução fenomenológica, eu tenho condições de
que o mundo exterior era pronto, acabado, todo ele perfeito, realizado plenamente a partir passar pro segundo passo, que é a redução transcendental, que é justamente acompanhar
de essências. De modo tal, que caberia à consciência, à razão, à episteme, enfim, o nome o modo através do qual os correlatos, os noema, como Husserl explica no Ideias I,
que se dê, conhecer adequadamente esse mundo. Daí os antigos chamarem de verdade, a aparecem a partir do momento em que eu investigo a dinâmica da consciência. Como
adequação do pensamento à coisa, pois a coisa é o parâmetro, a physis sobretudo, é o então a pessoa pode aparecer para mim enquanto percebida a partir do momento em que
parâmetro de orientação da realidade. É o que o Husserl vai chamar de hipostasia realista. eu analiso a relação entre percepção e percebido? Então se eu consigo identificar que a
percepção abre espaço para que o percebido apareça, eu estou então, me movimentando
No mundo moderno, a partir do Descartes, muda-se o polo, muda-se o sentido, no interior da redução transcendental. A redução transcendental vai investigar a gênese
mas o raciocínio continua exatamente o mesmo, pressupunha-se a perfeição, o ponto de da constituição dos objetos correlatos, isso não quer dizer que a consciência posiciona os
partida da razão, para a partir daí se deduzir a realidade exterior, então, a razão era o objetos, que ela forma os objetos, cria os objetos, mas por outro lado não quer dizer que
elemento “pré-dado” e o cogito cartesiano deixa isso claro. Verdade, então, é a adequação sem consciência não é possível que os objetos apareçam. Para que os objetos se doem,
das coisas ao pensamento, pois o pensamento, essa instância é indubitável. para que eles se constituem é necessária uma relação de remissão de consciência a objeto.
É a isso que a fenomenologia vai chamar de intencionalidade.
O que a fenomenologia quer fazer? A fenomenologia quer acompanhar o
movimento através do qual as coisas se constituem enquanto tal, só que esse movimento Intencionalidade não quer dizer que eu tenha intenção, que eu quero, a palavra na
depende da relação da consciência com as coisas, isso não quer dizer que a consciência linguagem cotidiana significa intenção, ter vontade, propósito de fazer algo, mas
posicione as coisas ou que a consciência crie as coisas, como, por exemplo, o idealismo intencionalidade não significa isso, aqui o Husserl utiliza a constituição latina da
alemão acreditava ser, pro idealismo alemão há uma relação entre identidade e razão, de expressão, intencionalidade vem de intendere, que é literalmente “tender às coisas”.
modo tal que o real é racional pro Hegel, não é isso, o que a fenomenologia quer fazer é Então a consciência, desde o Franz Bentrano, que foi um lógico que o Husserl
justamente perceber que, a partir de uma dinâmica de consciência, por isso o Husserl acompanhou, a consciência é intencional no sentido de que ela é consciência de alguma
entende consciência como fluxo (não como elemento pronto, acabado, um bloco coisa, ela nunca é pura, ela aparece em sua relação com as coisas.
monolítico como queria o Kant, por exemplo) então a consciência é um fluxo, uma
dinâmica, movimento de realização vivencial a partir da qual se estabelece uma relação (Essa intencionalidade se distingue do sentido da semiótica, que tenta mostrar a
com as coisas que se auto constituem correlatamente. O que Husserl está querendo relação semântica entre significante e significado, de certa maneira a semiótica ela
mostrar é que, a partir do momento em que o ato de consciência se estabelece, esse ato pressupõe uma estrutura semântica que vai permitir a configuração de significados, então
abre espaço para que as coisas se constituam na relação com a consciência a partir delas de uma certa maneira tem o antecedente e o consequente, e na fenomenologia o que se dá
mesmas. é co-originalidade, que é coetaneidade, a contemporaneidade entre consciência e ato,
então não tem um anterior nem o posterior, mas eles se constituem conjuntamente, porque
Peguemos um ato de lembrança qualquer: se você passa por uma pessoa na rua e não só o objeto aparece na relação com a consciência, como também a consciência vai se
se essa pessoa usa um perfume, imediatamente nos vem a memória uma pessoa que constituindo na relação com o objeto. Logo o Husserl vai pensar num fluxo temporal da
também usa aquele mesmo perfume. Então a filosofia moderna pensaria da seguinte consciência, a consciência vai aos poucos se constituindo a partir da relação de
maneira: tem uma representação, essa representação ativa as categorias da razão e sedimentação, de retenção e propensão dos objetos correlatos. Então, não só o objeto se
permitem a formação do juízo e esse juízo permite a identificação daquela pessoa: A é B. constitui na relação com a consciência como a própria consciência se constitui da relação
Com a fenomenologia isso não acontece, porque a partir do momento que a percepção, com os objetos. Memória, por exemplo, que se constitui a partir do momento que eu tenho
que um ato de consciência se estabelece, o percebido aparece por conta própria, não sou a retenção paulatina, a sedimentação daquilo de que a memória é memória, então para
eu que posiciono o percebido, não sou eu que quero que ele apareça, ele aparece por conta que a lembrança se constitua é necessária a sedimentação do lembrado. Não só o lembrado
própria, Husserl chama isso de autodação das coisas, as coisas se doam, se dão por conta se constitui, mas a própria estrutura da lembrança da memória, se forma a partir dessa
própria, e como elas se dão tal como se dão, eu não posso negar a objetividade do que relação com os correlatos.)
Para que a gente entenda qualquer pensador da tradição fenomenológica, Husserl, de uma forma honesta, como assim, não tem nenhum mundo transcendente para além
Heidegger, Gadamer, Merleau-Ponty, o próprio Derrida, a gente sempre tem que daquele mundo que é percebido, eu não tenho uma dinâmica de além, eu lido com as
acompanhar esse movimento de gênese da constituição da consciência e das coisas com coisas tal como elas aparecem para mim, porque se as coisas se doam a mim, elas se auto
as quais a consciência se relaciona. Ser e tempo, por exemplo, que trataremos daqui a dão, se auto constituem, eu não posso negá-las, o objetivo do filosofo é acompanhar esse
pouco, eu tenho a intencionalidade entre ser-aí e ser no mundo, não tem um antes do movimento a partir do qual as coisas se tornam coisas nelas mesmas, por elas mesmas, e
outro, não tem o ser no mundo antes de ser-aí e nem o ser-aí antes de ser no mundo, sobretudo, a partir delas mesmas.
Gadamer, né, interpretação e interpretado, a interpretação é a articulação do ato
discursivo com o ato de interpretar, com o interpretado, então a interpretação abre Claro, que isso nos leva a vários problemas que não cabem aqui discutir agora,
espaço para que o interpretado, a coisa em questão paute o processo de interpretação, por mas o Derrida por exemplo, tem capítulo no “Escritura e Diferença” bem bacana chamado
isso a interpretação é sempre a interpretação “de alguma coisa”. Merleau-Ponty, “Gênese e estrutura na fenomenologia do Husserl”, onde ele aos poucos, com uma
percepção e percebido, percipiente e percebido, unidade entre alma e corpo, consciência maldade maquiavélica, vai desconstruindo toda a fenomenologia, mas isso fica para outro
cinestésica como o Husserl desenvolve, e as coisas no interior das coisas das quais esse dia.
corpo se movimenta. Então sempre tem uma relação de remissão, e a partir do momento
que eu suspendo a realidade do mundo exterior na redução fenomenológica, analiso a (Alguém pergunta o que a consciência cinestésica?)
constituição que na verdade é auto constituição dos correlatos, a redução transcendental,
consigo chegar aquilo que Husserl chama de variação eidética, ou “a coisa ela mesma”, Consciência cinestésica, pintura mostra isso de uma forma muito clara,
pois para a fenomenologia husserliana o objeto (em sentido amplo) sempre aparece na geralmente, o olhar do pintor é um olhar imóvel, então você tem um centro de referência
relação com a consciência a partir do seu lado de frente, as coisas nunca se dão por imóvel no quadro, isso acontece também na percepção, ou nos atos de consciência em
completo de uma vez só na relação com a consciência. geral, eu sempre pressuponho que as coisas com as quais a consciência se relaciona, se
movimentam, mas a consciência que percebe, na maior parte das vezes, é tomada como
O bom da fenomenologia é que ela nos consegue fazer pensar a partir de coisas estática, como imóvel. Contudo, deve-se sempre perceber, se lembrar, que a própria
banais do dia a dia. O Sartre diz no “Ser e o Nada” que consigo fazer fenomenologia a consciência perceptora, a que percebe, ela tem a possibilidade de se movimentar, e o
partir de um copo de café num bar, então tomemos como exemplo uma caneta e modo através do qual (ou no qual) ela se movimenta, influencia na percepção do
analisemos, ela sempre aparece pra mim no seu lado de frente, por óbvio, ela não permite percebido. Consciência cinestésica significa então, acompanhar esse próprio movimento
que se mostre ao mesmo tempo a frente e o fundo, nem todas as laterais, então na redução daquele que percebe e acompanhar também como o percebido se relaciona, se constitui,
transcendental eu vou perceber, analisar, prescrutar, cada uma das faces de “dação” de se dá, na relação do percipiente que se movimenta: kínesis = movimento. Consciência
doação dessa coisa, cada lado da caneta, no caso, variação eidética é acompanhar as cinestésica é perceber o impacto que se tem numa consciência que se move junto às coisas
diversas faces de doação da coisa para que, a partir do momento que eu acompanho cada que se movem também.
uma dessas faces eu consiga perceber o que é invariável em meio a variação, é a essência.
O Husserl vai desdobrar isso apara a questão da corporeidade, toda percepção é
Então, a “coisa ela mesma” nada mais é que a obtenção da essência, ou visão de percepção corporal, e os meus olhos, eu não posso negar isso, eles se movimentam. Então
essências, que é a expressão do Husserl. Quando eu consigo obter esse elemento que é a perspectiva é importante para que a coisa percebida também ganhe corpo. E claro que
invariável em meio a variação. Quando a gente diz uma coisa como essa a gente poderia isso não implica em relativismo, pois cada face da coisa percebida é face da “coisa ela
imaginar que a coisa, a essência se formaria a partir da soma das distintas faces, não é mesma”. O que a consciência cinestésica quer fazer, é justamente colocar em questão esse
isso? Temos a face 1, a face 2, a face 3 a face 4, a coisa então, é a soma de faces, pro centro imóvel da filosofia, um sub-iectum, um sujeito que é pronto, acabado, parado,
Husserl não é bem assim! Pois cada face é uma face da coisa, então a coisa se mostra a estático, que vê as coisas se movimentarem ao seu redor. Mas o Husserl estaria dizendo
partir dessa face, porque se eu penso a coisa formada a partir da soma de faces, eu estou algo obvio pra gente, já que “a gente também se movimenta”. E nosso movimento impacta
pressupondo um elemento que a filosofia quer rechaçar, que elemento é esse, a distinção no modo como as coisas percebidas também são percebidas. Não só o movimento das
entre ser e aparência, a distinção entre ser e sentido. Peguemos o Platão como exemplo, coisas importa, como diriam os gregos, mas o nosso movimento ao nos relacionarmos
nenhuma mesa sensível consegue representar, apresentar melhor dizendo, sensivelmente com as coisas que se movimentam também é importante. Por isso a consciência
a ideia de mesa, a “mesidade”, logo, tenho distintas aparências, modos de aparição da cinestésica. É perceber que ao mudar minha posição, o modo como eu vejo as coisas que
mesa, mas a mesa nela mesma nunca se dá de uma forma completa, logo, sempre tenho se movimentam também se altera, e eu não posso negar que a coisa em cada um desses
uma distinção entre aparência e coisa, ser e sentido. modos é o modo da coisa ela mesma.

Para a fenomenologia não tem essa distinção entre aparência e coisa, a coisa se Essa matéria é um “tijolo na cabeça da gente”! Quanto mais a gente pergunta,
mostra nas suas distintas faces, então a face 1 não é menos importante que a face 2, que “mais a coisa em questão ganha corpo a partir dela mesma”.
a face 3, a coisa se mostra através de suas distintas faces. Eu tenho uma relação de
universalidade do particular. O particular, uma face, um sentido, já é a coisa ela mesma, Husserl quer se contrapor à tese filosófica platônica, por que, qual que é a tese
ainda nas suas diversas formas de variação, mas é face da coisa, por isso que eu não posso fundamental do Platão? Existem essências eternas imutáveis que estão, digamos, prontas,
negar aquilo que aparece, eu não posso negar aquilo que eu vejo, eu não posso rechaçar se relacionando com as coisas sensíveis. Então, na minha relação cotidiana, no dia a dia,
aquilo que é percebido. Então, a fenomenologia devolve a gente para a lida com as coisas se eu na minha casa tenho duas mesas distintas, dois objetos distintos, qual é o critério
que eu tenho para chamá-los ao mesmo tempo pelo mesmo nome? Por que é que eu posso "aquilo ali é a metafísica do homem, do bem e do mal, é um tratado sobre a obra humana".
chamar a mesa A de madeira e a mesa B de metal de “mesa”? Pro Platão existe uma Ele dá parecer esse traço regional, mas o que ele quer dizer ali tem traços extremamente
essência, a mesidade, que permite que as coisas sensíveis existam em suas diferenças. universais. "o sertão habita dentro do homem", o Riobaldo diz isso, o Sertão é o coração
Essa essência, por sua vez, habita uma realidade transcendente, ela é alcançada pelo meio do homem, não existe um sertão externo. E o Husserl tá dizendo a mesma coisa, o Sertão
que o Platão chama de “fuga aos logói”, que é o abandono paulatino da realidade sensível é um espaço com a consciência não é o espaço exterior geograficamente situado. De fato,
para encontrar o elemento ideal que se movimenta em meio à realidade sensível. Daí a Guimarães Rosa é um Titã da literatura brasileira.
alegoria da linha, lá no livro 6° da República, a famosa tese do mundo das cavernas.
Enfim, pro Platão o que está em jogo é perceber como eu tenho uma essência, que não se Sobre a questão do alumbramento, a face que se mostra já é totalidade na sua
constitui na relação que pauta aquilo que eu vejo. Para ficar mais claro ainda, todo particularidade, a outra face que não se mostra, a partir do momento em que se gira, é
movimento filosófico grego é o seguinte, eu parto daquilo que eu vejo, para perceber que face da totalidade. O que não se admite em Husserl é a questão da totalidade a partir da
aquilo que eu vejo não se justifica por si só, logo, eu preciso sair daquilo que eu vejo soma de lados, da soma de faces. Cada face que aparece é a particularidade de universal.
rumo a aquilo que eu não vejo por que aquilo que eu não vejo é a causa daquilo que eu Temos aquela ideia de que, a partir de Platão, a ideia de que o universal se forma a partir
vejo. Logo, a filosofia clássica como um todo, nos condena a habitar uma realidade não da koinomia, pelo gênero, Eu preciso passar por cada uma das coisas sensíveis para que
visível, uma realidade transcendente, uma realidade ideal. eu tenha a coisa ela mesma. Russell está mostrando para gente que, claro, a face oculta
precisa ser percebida, mas isso não atrapalha, isso não contamina a universalidade de cada
O que a fenomenologia quer fazer com a gente é devolver a gente para a realidade face porque cada face é a face de um todo. Isso parece um oxímoro, uma contradição
vista, percebida. Aquilo que eu percebo não pode ser negado enquanto tal, e não só isso: com a matemática, como assim, universalidade da espécie? É uma contradição ou é parte
aquilo que eu percebo não é falso, aquilo que eu percebo não é aparente, aquilo que eu ou é todo. Ou espécie ou é gênero. Husserl quer nos mostrar que cada tom da coisa é o
percebo é a coisa em questão, é a coisa percebida. É como se fosse um gesto de humildade tom da coisa "ela mesma". Se eu pego uma paleta de cores eu tenho distinga as cores, é
filosófica, é a gente se contentar com as coisas com as quais sempre nos relacionamos, e o exemplo que o Russell dá nas explicações lógicas. Eu tenho vários tons de vermelho,
procurar o fundamento de constituição dessas coisas, como essas coisas podem ser o que eu tenho um tom que vai ser mais vermelho que os outros tons de vermelho, todos os tons
elas são, “elas são nelas mesmas”, sem precisar recorrer então à ideia, a deus, à razão, a de vermelho, porque o vermelho ele mesmo se mostra na sua totalidade a partir de suas
espírito, sem precisar então recorrer aos avatares da metafísica ocidental. distintas faces, outros particulares de vermelho. Então, cada face é a face do todo porque
o todo não se dá de uma vez só. O todo não se forma pela soma de cada uma das partes,
Alguém pergunta se pode se relacionar essa questão ao rio de Heráclito. O rio de é estranho tentarmos falar disso pois Husserl está escrevendo contra toda a tradição da
Heráclito é uma imagem, uma metáfora do próprio movimento. e o que o Husserl tá lógica ocidental, ele está quebrando as peças gregas fundamentais, sobretudo a distinção
querendo fazer é tentar colocar o próprio Heráclito no jogo do rio. Ou seja, aquele que entre gênero e espécie, parte e todo.
observa o Rio está suscetível ao movimento do rio. Não só as coisas se movimentam, mas
aqueles que as observam também. E não só isso, a mudança da posição daquele que Um exemplo, escrever uma monografia. Você vai estar escrevendo um tema que
observa vai influenciar o modo como observado aparece. Então, o fluxo ele abarca não muita gente já trabalhou, sobre responsabilidade civil, por exemplo, ou direito da
só a coisa, mas também a consciência que identifica a coisa. personalidade, e você pode pensar o que que eu vou acrescentar de novo a esse tema, qual
será a minha contribuição? Essa é a grande questão: o seu tema, o seu texto, é uma nova
Uma pessoa teve dificuldade com a questão do `alumbramento" em Husserl. Essa articulação do tema, o tema que se articula por meio do seu texto, a sua voz do tema.
é uma expressão que o Russell usa, o alumbramento, para mostrar como as coisas se Então não tem um tema “ele pronto” para além da sua relação escrita, o que a sua escrita,
mostram por faces. O que é então, o alumbramento no campo correlato de objetos? Se eu a sua redação vai fazer é abrir espaço para uma outra articulação do tema. Porque não
percebo por exemplo, o telefone, ele aparece para mim do lado da frente, o lado de fundo existe um tema ele mesmo pronto, acabado, esperando para ser sondado, orientando a
as costas dele não se mostram, então eu tenho uma zona de penumbra de alumbramento, coisa em questão, o tema se articula nos distintos modos de redação, os distintos modos
eu preciso girar esse objeto para que ele se mostre a partir de suas distintas faces, então, de exposição. Então, por mais que centenas e milhares de pessoas tenham escrito sobre o
a zona de alumbramento é a zona de penumbra, aquela que não aparece prima face na Heidegger, todos são textos sobre Heidegger, o seu texto é uma voz na obra
relação com a consciência. É aquela zona que eu preciso girar para ver o outro lado. O heideggeriana, e isso nos incentiva a lidar seriamente com as coisas em questão, Abrir
Guimarães Rosa, lá no Terceiras histórias, que é um livro de contos de Guimarães Rosa espaço para que as coisas se formam na relação com o nosso texto, não tem nada mais
que funciona como se fosse uma reunião de piada de bêbado, e tem um conto muito intencional do que isso, se eu tenho, se a minha intenção, se o meu propósito é permitir
bacana que fala do outro lado da rua: Um bêbado pergunta “Onde é o outro lado da rua? uma voz da coisa, se eu tenho honestidade de propósito, se eu tenho atenção a coisa em
Ora, o outro lado da rua!” Então Essa zona de alumbramento é aquela que as coisas nos questão, a coisa se articula por meio do meu texto. se eu quero falar sobre
dão uma face de forma bem óbvia, as coisas se dão para gente de forma bem óbvia, mas responsabilidade civil eu consigo falar sobre responsabilidade civil, agora, se eu quero
quando elas se dão uma face fica oculta, ela não se mostra por inteiro daí a necessidade ver na responsabilidade civil a redução da pena, aí realmente eu tenho filia pela coisa em
de se girar para o outro lado, daí essa Outra Face da coisa que estava na zona de penumbra questão. Pois aí eu tento introjetar no texto algo que ele o texto, ainda não é. O bom
possa sair da penumbra e conseguir vir à luz. escritor é aquele que permite que a coisa em questão se articule em meio ao seu trabalho.
Porque o Balzac, por exemplo, é um gigante da literatura Universal? Porque quando
Muita gente acha que o Guimarães Rosa é um autor regionalista, mas o Grande vemos os personagens do Balzac, o que importa neles não é particularidade de cada um
Sertão Veredas, por exemplo, não tem nada de regionalismo. O Antônio Cândido disse, deles, não é a construção de caráter de cada um deles, É que quando vemos Balzac nós
enxergamos um tio parente, um vizinho, porque a particularidade desses personagens ela A sedimentação da história é o ponto de partida ela nunca é definitiva, fusão de
extrapola a sua localização, ela é sempre na visão do universal, então o bom autor é aquele horizontes é isso, é como o sentido que inicialmente ele é transmitido e se configura na
que permite que o seu texto articule a experiência do universal, um bom autor é aquele sua transmissão. Eu não tenho Interpretação para além do interpretado assim como não
que permite que sua experiência seja uma experiência universalizada, aí a literatura sai tenho coisa para além da dinâmica de consciência, as coisas se constituem na relação com
de seu tema de paróquia para ser então um tema universal. Então por isso que o a consciência, é isso que o Husserl diz para gente, o Gadamer vai dizer a mesma coisa, o
regionalismo de Guimarães Rosa não é regionalismo, é universalização, são termos sentido se forma na sua relação de recepção com o intérprete não existe obra para além
universais, um bom autor é aquele que permite que as coisas ganhem espaço no meio do da sua relação com o espectador, obra de arte não é pronta e acabada ela se forma nesse
universal. Plauto fazia muito isso, gerar espaço para que a universalidade aparecesse em jogo que vai tragar o próprio intérprete, o observador.
meio à particularidade.

Um aluno pergunta: a fenomenologia falta o inconsciente coletivo da psicologia?


Eu tenho toda uma relação entre fenomenologia e inconsciente, por exemplo, o Derrida é
um autor que tenta conciliar Freud e Husserl. Então a partir do momento em que essa
estrutura se abre vários autores se desdobram, Lacan é um que tenta de certa maneira
seguir essa pegada da intencionalidade e trabalhar com temas do inconsciente, Derrida é
um deles também, essa é uma tradição sobretudo francesa, que investiga essa relação
entre o inconsciente e A fenomenologia. O próprio Deleuze trabalha com isso também a
filosofia francesa vai mais a fundo nesse campo.
AULA 6 (26/08) PARTE DE HEIDEGGER
Uma aluna pergunta: sobre a questão da historicidade em Husserl. Quando a gente escuta
essas coisas do Husserl, a gente acha que a história não tem mais importância, que a Unidade II – História da Hermenêutica
história partiria da tese natural do mundo exterior que precisaria ser superado, contudo,
toda obra tardia do Husserl é dedicada a mostrar um a priori na história. A quinta
meditação cartesiana de Husserl, o Experiência e juízo, Crises, A Origem da geometria,
são textos em que o Husserl vai mostrar como o a priori da história se constitui, como 6) Fenomenologia e Hermenêutica II – Martin Heidegger (1889-1976)
temos uma invariante eidética em meio a história, então, ele quer superar Com certeza
os problemas do relativismo do historicismo percebendo um a priori, uma sedimentação
da essência no meio do histórico. Quem faz isso mais de perto é o nosso amigo Gadamer,
ele viu a importância da fenomenologia da intencionalidade para o movimento da a) Textos e fases filosóficas fundamentais:
história. a ideia de coisa em hermenêutica nada mais é que um desdobramento da
intencionalidade no interior da história, a ideia de história efeitual, isso é Husserl - Ser e tempo (1927);
transposto a história. É uma pergunta muito interessante pois ela abre espaço para nós
discutirmos como essa estrutura intencional é transportada para o objeto histórico - A Origem da Obra de Arte (1950);
Verdade e Método é uma obra que procura fazer isso de forma muito detida, podemos
- Contribuições à Filosofia (1936-8 – póstumo - 1986);
dizer que o coração de Verdade e Método é exatamente isso: Como se forma uma
estrutura intencional, a coisa em questão no interior da história. Como os processos - Os conceitos fundamentais da metafísica – Mundo, Finitude, Solidão
históricos, então, carregam os sentidos que se abrem em meio a recepção desses sentidos? (póstumo – década de 1930);
A história se Auto da, se alto constitui, eu posso por exemplo, contestar o modelo atômico
de Bohr, eu posso testar uma lei de Newton, mas eu não posso contestar Platão, Eu não
posso contestar O Beethoven, eu não posso contestar o Cezanne eu não posso contestar o
Guimarães Rosa, eu não posso contestar o Guignard, eu posso não gostar dele, eu posso b) Intenção filosófica fundamental: a ontologia e a questão do ser:
contestar, posso criticar, mas quando eu critico ele não deixa de ser o clássico que ele é.
Então tem um tempo de medida objetiva no interior dos processos históricos que se forma - Ser e tempo:
para além de método, ele não precisa de método para mapear a classicidade do
clássico. Esse é o modo como o Gadamer lê o Husserl. Então o clássico é aquele que se - O Problema da ontologia – a determinação histórica da pergunta acerca do ser
impõe por conta própria, e eu não posso negar como o clássico veio a se tornar o clássico para além da concreção ôntica regional; ontologia e história; a importância da
que ele é. Tem uma coisa na história que se impõe a nós e a gente não consegue, de certa ontologia fundamental;
maneira se rebelar contra isso, como Camus quer lá no Homem Revoltado, por exemplo,
é um gesto bacana do Camus mas também é um pouco ingênuo. - §9: Analítica existencial – o ser-aí; por que ser-aí; ser-aí como a priori
performático (existencial), e não como categoria ou conceito;
- A dinâmica ekstática de realização da existência – a intencionalidade e a projeto de destruição da história da ontologia para se recomporem os fenômenos
existência; existência não é efetividade; consequências: articulação entre originários;
poder-ser e ter-de-ser; ausência de distância entre ser e sendo: o sempre-a-cada-
vez-meu; - §38: Projeto-jogado e decadência – falatório; curiosidade pelo novo e
ambiguidade – o domínio do impessoal; o mundo e a sedução da quididade; a
- Dinâmica do cuidado: determinação do ser na relação; decadência como fuga de si;

- Ser-aí é ser-no-mundo: caráter de jogado; o mundo como capa de preconceitos - Filosofia: necessidade de rompimento com a capa de preconceitos; Como: crise
ou como tradição; mundo é estrutura, horizonte de realização da existência: existencial e rearticulação com a negatividade estrutural;
relação fenomenológica: existir sendo a cada vez junto a;
- §40: a angústia e a confrontação com a negatividade estrutural; §§49- 53: a
- Ser-no-mundo: perda de si e a impropriedade; estrutura ser-para-a-morte como antecipação da nadidade e finitude; a
singularização e a temporalização da existência;
- Ser-no-mundo implica: 01) compreensão; 02) disposição e 03) discurso;
-§44: a experiência da verdade e os fenômenos originários;
- 01) Compreensão: estar diante da facticidade do mundo; mundo: totalidade de
campos de sentidos histórico-sedimentos, que mobilizam significados;
consequência do ser-jogado;
c) Contribuições à filosofia e a perda da capacidade da relação autêntica com
- A existência é compreensiva – diferença para a Hermenêutica clássica; a palavra; a incapacidade de a linguagem se reportar às coisas em questão;

- §§31-33: existir é se movimentar compreensivamente em campos de sentido: - Mudança no espectro da crise: da crise da existência à crise do lugar da
pré-compreensão; Relatório Natorp: posição-prévia, ter-prévio e conceber-prévio; existência – a ideia de acontecimento apropriador (Ereignis).

- Interpretação e explicitação do compreender;

- Projeto-jogado: possibilidade que se realiza em meio às possibilidades do mundo, Fenomenologia Heideggeriana (minuto 40 da aula)
cujo foco se estabelece pelo campo de sentidos;

- §§12-15: A mundaneidade do mundo circundante e a autodação dos entes


intramundanos (§20, Ideias I, de Husserl) – três modos: a) ocupação – utensílio Vamos entrar em outra parte da matéria então, continuando a trabalhar a
e dinâmica de uso; poiesis, mathesis e pragma; o utensílio deixa ver o mundo – o fenomenologia e a hermenêutica só que agora a partir da obra do Martin Heidegger. Bom,
martelo e o martelar (Ser e tempo), o sapato e o camponês (A Origem da obra de arte); o Heidegger, sem sombra de dúvida, é o maior filósofo do século XX e o Heidegger foi
utensílio e totalidade utensiliar; sedimentação dos campos de uso; b) aluno do Husserl, ele sucedeu ao Husserl em Freiburg, e toda obra heideggeriana ela se
preocupação: os mobilizadores das ações – a preocupação com os outros e as orienta por uma questão única e fundamental: que a questão da ontologia. Então, é muito
relações interpessoais; a coisa enquanto propriedade presente à vista: a comum se ouvir por aí que existe Heidegger I e o Heidegger II, o Heidegger original e o
substância; c) cuidado; Heidegger tardio, assim como Wittgenstein I e Wittgenstein II, para o Heidegger essa
chave de leitura não se aplica de jeito nenhum, não tem Heidegger I e Heidegger II. A
- 02) A disposição: os modos de relação com a estrutura do mundo - o questão filosófica heideggeriana (para quem leu os textos do Heidegger, óbvio) é uma só,
que é justamente a questão acerca do "ser", o modo como Heidegger ataca então essa
problema da abertura da totalidade e as tonalidades afetivas; os focos questão, desenvolve essa questão, é que vai ser alterada. Então, não tem um Heidegger
existenciais – o mundo se mundaniza; tonalidades afetivas cotidianas (euforia, que tinha um projeto no começo, o jovem Heidegger nem um que é tardio, ele é um só,
tristeza) e fundamentais (tédio profundo e angústia) – diferenças; pois a questão dele é exatamente a mesma a questão das ontologias. O que o Heidegger
quer desenvolver? Ele quer pensar o ser para além das dinâmicas de constituição do
- 03) O discurso: §34 - articulação compreensivo-dispositiva em particular dos entes. De uma forma ainda mais clara: o Heidegger quer pensar a
ontologia a partir das sedimentações históricas das diferentes formas de metafísica. A
linguagem; linguagem é articulação do projeto-jogado; há fala porque nunca questão fundamental do Heidegger, pegando o exemplo básico da unidade básica mais
se tem algo a dizer (A Caminho da Linguagem); problema da sedimentação fundamental da lógica que é o juízo, o que é um juízo? O juízo não é uma atribuição de
discursiva do mundo – perda da capacidade de nomeação da palavra; mundo é um predicado ao sujeito? Um ato de purificação, eu tenho sujeito e o predicado que se
falatório – articulação do caráter histórico da significatividade discursiva na relacionam por meio de um verbo popular, que verbo é esse? Verbo ser. contudo, eu tenho
existência cotidiana; necessidade do distintos modos desse verbo popular se apresentar, quando eu digo por exemplo, “o copo
está aqui”, o verbo “ser” aqui, está apontando então para o aspecto locacional, espacial,
localização. Quando eu digo por exemplo, o triângulo é composto por três lados, Kant das distintas formas históricas de metafísica. O que o Heidegger quer fazer é articular
vai chamar isso de juízo analítico, pois o predicado não acrescenta nenhum tipo de temporalidade, história e ontologia.
informação nova ao seu sujeito, dizer que o triângulo é formado por três lados nada mais
é que uma explicitação de um sujeito, é óbvio que o triângulo tem três lados, senão não Para isso, algumas obras são fundamentais para entendermos o pensamento
seria triângulo. Então, o verbo ser explícita características do próprio sujeito, o predicado heideggeriano, claro, a mais importante, "Ser e tempo", de 1927. contudo, algumas outras
explícita características do sujeito. Se eu digo por exemplo, “o dia está quente”, o dia é obras são tão importantes quanto esta por exemplo, "A Origem da obra de arte", que é um
nublado ou o céu é azul, eu tenho atribuição de um predicado ao sujeito, que eu chamaria texto fantástico de 1950, e dois textos que são da década de 30 mas que foram publicados
de juízo sintético, então percebemos que nos três modos eu tenho distintos modos de posteriormente, "contribuições à filosofia" que é sem sombra de dúvidas, o texto mais
caracterização do verbo ser: posição, atribuição de predicado explicitação E tem também importante do Heidegger, mas que tenha uma linguagem profundamente crítica, é um
o estado, por exemplo, a água é cristalina, demonstra estado. Vejamos que temos então, texto muito difícil de ser entendido, e “Os Conceitos fundamentais da metafísica”,
distintos modos do verbo ser se apresentar. Contudo, o "ser ele mesmo” não se confunde mundo, solidão e finitude, que é um texto de metade do percurso heideggeriano. Então,
com cada um desses entes, pois o ser não é cristalino, o ser não é de três lados, o ser não citei aqui quatro obras do Heidegger, mas a mais importante é "Ser e tempo", pois é onde
é aqui o ter não é quente, não é nublado, o que o Heidegger está querendo pensar, então, ele vai desenvolver a chamada hermenêutica da facticidade. A hermenêutica do ser-aí,
é justamente na questão do que é o ser para além dos distintos modos de entificação . Ser a analítica existencial, o que é, então, o modo de ser-aí, desse ente que vamos ver já já,
e ente são coisas distintas, a pergunta metafísica tradicional é: o que é o ser enquanto ser? que vai mostrar relação entre história, interpretação, sedimentação e intencionalidade. E
Porém, o que o Heidegger quer pensar é "O que é o ser pensado para além das distintas é curioso como as pessoas falam inúmeras bobagens sobre Ser e tempo, essa realmente é
respostas dos distintos modelos históricos de metafísica a respeito da questão do uma obra que foi "carcomida" ao longo de toda a tradição que se elaborou ao longo do
ser"? texto heideggeriano.

Ele quer saber o que é o ser enquanto tal no interior da sedimentação da 50:29
calcificação da história da metafísica. O título da obra fundamental "Ser e Tempo" na
verdade deveria ser lido como abrir "ser é tempo", porque a tradição filosófica ocidental Qual é, então a questão mais importante dessa obra, "ser e tempo", que é uma das
pressupõe que o ser deve ser presença, estabilidade, imutabilidade, eternidade, é assim obras mais importantes do século XX? A questão fundamental é a relação da ontologia
que a gente pensa o ser. Qual é a questão fundamental dos gregos? A questão do e a questão do ser. Então, o problema essencial do Heidegger e, portanto, da obra “ser e
movimento. Como, então, as coisas podem se movimentar, como elas podem mudar tempo”, é perceber a determinação histórica da pergunta do ser sobretudo no interior das
sendo quem elas são? Qual é o elemento de unidade na pluralidade? Qual é o elemento ciências. O que o Heidegger está querendo fazer é algo semelhante àquilo que o Dilthey
de permanência na mudança? Lembremos dos distintos modos de mesa, por exemplo, eu tem tentou fazer e algo semelhante àquilo que o Husserl está fazendo. Dilthey é um autor
tenho as mesas sensíveis que se alteram, porque a mesidade, a mesa "ela mesma" não se muito importante para se entender o Heidegger, e o que o Heidegger que está querendo
altera, então ela é imutável. Se eu pegar a substância de Aristóteles, tudo processo de fazer é justamente mostrar como as ciências de certa forma pautaram o modo como se
realização da vida é um processo por meio do qual eu tenho a orientação da potencialidade pensa o ser. O que é Ciência faz? Em geral, a ciência posiciona o objeto no espaço do
rumo a ato, a inteleche, as coisas se movimentando para chegar ao ponto em que elas são tempo requerem a estabilidade desse objeto, para descrever o modo através do qual esses
de fato aquilo que elas devem ser, ela se torna aquilo que elas são, pois aquilo que elas objetos se tornam o que eles são. Então, quais são as características, as causas, os
são, a causa final orienta o movimento. Ora, mas para orientar o movimento esse telos, fundamentos da aparição daquilo que aparece? Logo, para a ciência, o ser precisa ser
esse fim não pode se alterar. Como é que eu vou chegar na meta se eu não sei qual é a estabilidade no interior de um processo racional de conhecimento. Então, o que o
meta? Então, eu preciso da estabilidade de um ponto final para orientar o processo de Heidegger está querendo fazer é mostrar como esse modo através do qual as ciências
movimento. Então vejam, a tradição filosófica sempre pensou o ser como estabilidade, é lidam com os entes dificultam a percepção do ser. Como o pensamento científico, que
o transcendental no Kant, é o espírito no Hegel, eu tenho um elemento de permanência desde o século XIX se alçou na categoria de detentor de todas as respostas em relação à
na mudança. Para a tradição filosófica, ser é presença, ser é estabilidade, ser não pode se vida, ele precisa ser revisto, ele precisa ser revisitado, para que se perceba que essas
corromper pelo movimento, o movimento atenta contra o ser das coisas, porém, para o metafísicas, essas teses científicas são datadas, são históricas e não atacam de forma
Heidegger essa decisão filosófica grega foi fundamental para que toda a tradição radical os seus próprios fundamentos. Então, a ontologia deve justamente atacar o
filosófica ocidental pensasse a questão do ser. O que ele quer fazer é justamente mostrar fundamento, questionar o fundamento no qual se movimentam as ciências e as teses
que o ser não é presença, o ser não é estabilidade, o ser é diferença temporal. Por isso é metafísicas em geral. Então, ontologia pressupõe o fundamento de posição das distintas
fundamental se perceber que ser e ente são coisas distintas, é aquilo que ele vai chamar formas de metafísica.
de diferença ontológica.
Contudo, para que essa ontologia global que o Heidegger quer desenvolver, para
Então, sintetizando, todo projeto filosófico heideggeriano ano é perceber a que ela possa ser conduzida é necessário que se conduza de imediato o projeto da chamada
formação do fundamento histórico das distintas formas de metafísica. Contudo, esse ontologia fundamental. O que é ontologia fundamental? Bom, a respeito da questão O
fundamento é temporal, ser é temporal, e essa temporalidade do ser não atenta contra o que é o ser em geral para além das distintas metafísicas, antes de tudo eu tenho que ter
"e ele mesmo". Então, a primeira questão é perceber o que é o ser no interior das um gesto de humildade filosófica, que gesto é esse ponto de interrogação é justamente
diferentes formas de metafísica e, segundo o que é o “ser enquanto ser” para além perceber o modo Como se dá a, como acontece Qual é o ser desse ente que questiona a
respeito do ser em geral. Qual é o modo de ser desse ente que coloca a questão a respeito
do ser? O Heidegger então parte da análise daquilo que ele vai chamar de ser-aí para que para que eu entenda o autor em questão. A ontologia fundamental depende exatamente
ele consiga então desenvolver ontologia. Então, de uma forma ainda mais clara, a disso, não basta então que o ser do homem, esse ente privilegiado, ele se coloque a questão
ontologia fundamental é a descrição do modo de ser do homem porque justamente o do ser. Não basta fazer a pergunta: o que é o ser enquanto ser”? Eu tenho que analisar a
homem que se coloca a questão a respeito do ser em geral. Ontologia fundamental então, própria estrutura desse ente que pergunta a respeito do ser. É isso que o Heidegger vai
é uma analítica da existência do ser aí, e não só isso, é o mesmo tempo uma análise da chamar de "analítica existencial".
existência do homem ao mesmo tempo que se realiza uma hermenêutica da facticidade.
ontologia fundamental significa analisar como se dá o ser-aí e como o ser aí é ao mesmo Como de pronto e de imediato, esse ente que questiona a respeito do ser acontece.
tempo ser no mundo. Se eu não percebo, então, como se dá essa relação a pergunta a Como ele se da, qual é a gênese, qual é a constituição? Como esse ente se tornou o ente
respeito do ser vai ser uma pergunta mal-conduzida, mau orientada. que ele é? então, não basta que me pergunte pelas coisas é necessário que eu também
analise a situação no interior do qual as perguntas aparecem. Então, o ponto de partida da
Já adianto um ponto para vocês aqui, na década de XX, havia um filósofo na ontologia fundamental, da ontologia geral, é a ontologia fundamental, que é justamente a
cidade de Marburg, na Universidade de Marburg chamado Paul Natorp, ele era titular de investigação desse ente que se questiona a respeito do ser.
filosofia antiga, ele precisava então de um outro professor para auxiliá-lo. Então, ele
escreve ao Husserl que era o grande filósofo da época e pede para o Husserl indicar algum Bom, “Ser e Tempo” então, parágrafo 9° vai desenvolver uma chamada "analítica
professor de filosofia antiga, então Husserl vai dizer que tinha um aluno chamado existencial". E o ponto de partida dessa analítica existencial é o ser-aí. Ser-aí é um a priori
Heidegger que estudava Aristóteles, e pediu para que Heidegger mandasse um texto para performático, é uma expressão do Heidegger, ser aí não é um conceito de homem, ser-aí
Paul Natorp. E o Heidegger, então, escreve álcool na top e envie um texto de mais ou não é um conceito, é uma performance, um movimento o que o Heidegger está querendo
menos 100 páginas chamada então, "investigações fenomenológicas de Aristóteles", esse rechaçar é o conjunto de definições substancialistas de homem. A história da tradição
texto entrou para a história da filosofia com cognome, foi chamado de relatório Natorp, filosófica sempre apresentou definições de homem, por exemplo o que é um homem para
esse relatório Natorp tinha 100 páginas, dessas100 páginas, 80 eram dedicadas ao método o grego? Para Sócrates, o homem e a sua alma, é a sua consciência racional interior, essa
fenomenológico e vinte páginas somente eram dedicadas para Aristóteles. o que então, o tese chega ao Platão. O que é o homem para Platão? o que é o homem para Aristóteles o
relatório Natorp que era da década de XX é tão importante? Vai dizer que qualquer homem para Aristóteles é o homem.com, é homem político ponto final já para o Cristão
questão filosófica para que ela seja bem conduzida ela precisa estar atenta aquilo que ele o homem é aquele que tem dignidade, que foi criado à imagem e semelhança do pai. O
chama de situação hermenêutica, pois os conceitos filosóficos eles se formam, e a partir que é o homem para a filosofia moderna, o homem é um ente racional uma substância
do momento em que eles se formam, o processo a partir do qual no interior do qual ele se racional meditante, o ego meditante de Descartes, por exemplo. O que é o homem para
desponta, fica para trás. Quando o conceito se cristaliza a vida do conceito é abandonada. Kant? Para o Kant o homem é essa entidade, essa categoria que movimenta o
Contudo, dessa vida do conceito ela se faz fundamental para que eu entenda o conceito transcendental. O que é homem para o Hegel? Para o Hegel, o homem é a concreção do
enquanto conceito, um exemplo, ousía (οὐσία, pronúncia moderna "ussía") a substância espírito, é o singular, o universal completo, é a movimentação do espírito inconcreto. O
em Aristóteles. Primeiro, a palavra grego ousía, quando é traduzida por Latim, que é o homem para o pensamento materialista? O homem é a conjunção de estruturas
“substância”, ela já tem uma perda, ela passa então a clamar por uma essência, mas ousia materiais que se movimentam. O que é o homem para o inconsciente? O que é homem
para o grego significava propriedade de raiz, bem imóvel, aquele elemento que tem raízes para Freud? É o próprio inconsciente! O que é o homem para o pensamento evolucionista
mais profundas ponto final então, ela acabou sendo traduzida por substância para marcar o homem é uma espécie em evolução. Então, toda a tradição filosófica apresentou
Esse aspecto de permanência, de instabilidade. “Causa”. Quando Aristóteles apresenta as conceitos substanciais do homem. Para o Heidegger, ser aí não é o conceito de homem,
quatro causas, formal, material, causa do movimento e causa final, causa é uma palavra ser-aí mostra movimento dessa estrutura no interior do qual o homem se movimenta. Para
que surge para os gregos a partir da linguagem forense, então, o que é uma causa. o Heidegger, homem não é humanidade, não é isso, ser no ser-aí significa dizer, antes de
Interrogação uma causa é aquilo que os romanos vão chamar de allegata et probata, é tudo, que o homem não tem nenhum tipo de essência.
você acusar alguém e apresentar o fundamento da acusação. Para que você então,
conduzisse uma pessoa ao tribunal, você tinha que imputar a ela o fato e ao mesmo tempo Ser no ser aí, significa que o homem simplesmente existe, então, o que é existência
as causas desse fato. Causa estava ligada então, a explicação de um fundamento. aqui? Quando eu digo por exemplo, existe o modelo atômico de Bohr, o que estão
Aristóteles usa essa expressão para apresentar o modo de constituição da essência das querendo dizer com isso? Existe a Estátua da Liberdade nos Estados Unidos, quando
coisas. Então, o Heidegger está aqui resgatando uma tese que o Hegel, lá na “Expressão escutamos uma frase como essa o que pensamos de imediato? Existência significa
sobre Estética” já tinha apresentado. O Hegel tem uma passagem muito bonita onde ele presença efetiva, efetividade, em algum lugar no espaço no tempo algo se concretizou,
disse que a religião de sua época ela lida como monumentos religiosos com imagens, algo está presente. Existência não significa aqui, por outro lado, efetividade, existência
enfim, adoram essas imagens, mas perderam a capacidade de se ajoelhar perante elas. Ou aqui não é concretização, existência tem a sua raiz grega ek-sistere, então existência na
seja, as religiões se desenraizarão da própria vida religiosa. sua origem etimológica significa literalmente lançar-se, projetar-se. O ser-aí, ou na
origem do alemão dasein, muitos autores inclusive utilizam essa expressão dasein,, mas
Então para o Heidegger todos os conceitos filosóficos, a partir do momento em não precisa porque o ser-aí é literalmente dasein, então usar dasein no português é uma
que eles se estabilizam eles acabam deixando para trás todo o processo histórico de sua expressão pernóstica que cheira a shampoo, mas que não precisa pois ser-aí indica
formação, só que nós nos movimentamos no interior desse processo histórico, e esse exatamente o que está em jogo com a expressão dasein.
processo histórico orienta a nossa visão acerca das coisas. Para ele, nós sempre nos
movimentamos numa situação hermenêutica, e essa situação hermenêutica é fundamental
Dasein ou ser-aí, é literalmente esse movimento de existência do homem, para o Um aluno perguntou sobre a tese do Sartre: “a existência precede a essência”, que
Heidegger, o homem não tem essência, ele não é um animal racional, ele não é é uma afirmação que está lá no "Existencialismo é humanismo". Por que que essa tese é,
inconsciente, ele não é nada disso, ele simplesmente existe. Existir significa então que ele primeiro, uma tese heideggeriana segundo um modo estranho como Sartre lê o
não é simplesmente presença física, ele não é propriedade, não é efetividade. O homem Heidegger? primeiro, eu preciso me determinar enquanto existente para que a partir do
simplesmente ek-sistere, ele se lança, se projeta. Logo, para Heidegger, ser-aí significa momento em que eu me determino como existente uma essência minha suja. A tese
dizer que ele é um ente que não tem essência, que não tem nenhum tipo de conteúdo sartriana é a tese do engajamento da Liberdade. Então o Sartre Ainda Pensa numa
prévio e simplesmente existe lançando-se no mundo exterior, Heidegger vai dizer que Essência humana, já o Rider está dizendo uma coisa mais radical, ainda que eu me
ser-aí é um ente negativo. Bom, dizer isso causa um grande impacto na tradição filosófica, engasgo rumo a uma essência era não é definitiva, porque não tem nenhum tipo de
Heidegger está dizendo que nós não temos essência, isso significa dizer que, pelo fato de possibilidade de essência, ao dizer que a existência precede a essência de certa maneira,
nós não temos essência nós somos um ente negativo. E dizer que nós somos um negativo, eu estou pensando na possibilidade de ter uma essência, ainda, ainda estou me
significa dizer que nós precisamos então efetivamente existir para sermos. Nós somos movimentando no vocabulário do essencialismo, mas Heidegger está dizendo que ainda
projeto. Possibilidade. que um dia eu tenho um tipo de comportamento de engajamento, eu ainda seria um ente
negativo. Então, o ser-aí eternamente tem que lidar com seu projeto originário de abertura.
Falar que ser aí é um ente negativo significa dizer que nós não temos essência por isso que ele é finito, por isso que ele é limitado, por isso que ele é negativo.
que nós somos projeto, pura possibilidade. Então, nós precisamos existir para
concretizarmos essa finitude originária, essa abertura, ao mesmo tempo, dizer que ser aí Todo mundo é um ser aí, ser aí é um modo de ser do homem, então o Heidegger
é um ente negativo, significa dizer que cada modo existencial nos concretiza, tudo que quer rechaçar as teses biologistas, as teses religiosas, as metafísicas do homem, ele
nós fazemos no interior do dia a dia nos concretiza enquanto o projeto existencial, pois apresenta uma definição do homem inclusive as biológicas. O homem é um ser humano,
eu não sou de partida absolutamente nada eu não tenho essência. O que estou querendo composto por átomos, isso é uma definição biológica do homem, então o ser aí é uma
dizer com isso? A gente vive na ilusão cotidiana de que nós somos para além das nossas coisa só do homem os outros serem eles mundanos não, eles não possuem o ser-aí, os
dinâmicas de ação ponto final então, eu sou uma pessoa legal, eu sou um cara bacana, utensílios com os quais nos relacionamos não tem essa possibilidade de pergunta do ser.
mas eu minto. Eu engano. Eu faço coisas ruins. Eu acho que eu sou algo que não se Por que é que o Heidegger faz a análise da existência desse ente, que ele chama de “ôntico
contamina com as coisas que eu faço. Pelo contrário, o que o século XX mostrou para a ontologicamente privilegiado”? Porque só ele, ser-aí, pode se perguntar a respeito dos
gente é que nós somos a dinâmica de nossas ações. Dizia que ser aí é um agente negativo seres em geral. Então, a ontologia fundamental é uma descrição do modo de ser do ser aí
significa dizer que cada um dos seus modos de ser na dinâmica cotidiana o constitui porque só ele coloca a questão dos e. os demais seres intramundanos não tem essa
enquanto tal. O seu ser sempre está em questão em cada um dos seus atos, em cada uma propriedade, e esse ente é um ente negativo porque ele nunca, ao fim, ao cabo, é, ele
de suas performances, porque ele não é efetivamente nada para além dessa dinâmica de sempre, então está sendo, ele é sempre um projeto, possibilidade.
realização. Dizer que ser aí então é um projeto aberto, é finito, ele ente negativo, significa
dizer que ele existe na forma do cuidado, e o que é o cuidado? Quando escutamos essa No começo eu disse para vocês que a questão fundamental do Heidegger era a
palavra, a relacionamos com zelo, tomar conta cuidar no sentido de zelar para que algo relação entre ontologia e história, procurar resgatar essa questão do tempo temporalidade
permanece incólume, mas cuidado aqui não tem esse sentido, cuidado significa então, a história e ontologia, ao descrever a estrutura ser aí, o Heidegger já está então se
determinação doente na relação nós somos seres aí, nós somos infinitos porque nós não movimentando em termos de temporalidade. Por quê? Seu ser aí é possibilidade, se o ser-
temos uma essência nós somos então a abertura, possibilidade eternamente aberta, de aí é abertura, significa dizer que o ser-aí sempre se movimenta numa categoria temporal,
modo tal que cada um dos meus atos dos meus modos de ser, tem Impacto Profundo e que categoria é essa? Dizer que o ser aí é um ser aí, dizer que ele é uma experiência
naquilo que eu estou exercendo, cada um dos modos de ser me constitui, porque eu sou o aberta que ele é projeto aberto, que ele é um agente negativo significa dizer que ele éterna
cuidado, e não só isso, nenhum desses modos de ser é definitivo. possibilidade, ele nunca é efetivamente, ele sempre está sendo, então ele sempre é
possibilidade, e quando eu digo isso eu já estou me movimentando numa dimensão
Se alguém te pergunta o que você é? É a pergunta mais fundamental do dia a dia: temporal, que dimensão é essa? Futuro, significa dizer que eu sou o futuro. a gente vai
o que nós somos? Ser humano, mãe, estudante sofredor, cada uma dessas definições são ver daqui a pouquinho, que eu sou futuro que se movimenta no passado, e que eu ser no
modos de ser, de ocupações, ser humano, conjunto de átomos, cada uma dessas definições ser aí significa ser no mundo, eu sou então, no presente, projeção de futuro no passado eu
nos constitui porque nós não somos efetivamente nenhuma delas. Nós não somos mãe, sou um ser temporal. A perspicácia do Heidegger se eu analiso a temporalidade desse
pai, professor, estudante, nós nos ocupamos dessas coisas, o corpo, a definição atômica é ente fundamental, eu consigo articular a temporalidade do ser em geral. Estão vendo como
também uma ocupação, é o modo científico de lidar com as coisas. Então, Heidegger Está não existe um Heidegger I ou Heidegger II porque o projeto é o mesmo desde sempre!
nos dizendo que cada uma dessas ocupações são modos através dos quais os seres se
constituem, porque ele não é efetivamente nenhum deles, e não só isso e eles não se O ser-aí, então, é um ambiente negativo, ele não tem nenhum tipo de essência, ele
estabilizam, eles não se cristalizam, eu não serei para sempre Professor, eu não sou está então condenado, o Sartre diz que o homem está condenado a liberdade, então ele
professor, eu não sou estudante, esse é o meu modo de ser, minha ocupação, porque eu pensa numa certa forma de essência do homem. E o Heidegger está dizendo que o ser aí
de partida não sou nada porque eu não tenho essência. Então, ser um ambiente negativo é uma eterna abertura, uma eterna possibilidade, pois ele é um eterno cuidado, porque
significa, antes de tudo, ser projeto aberto, ser eternamente possibilidade. qualquer coisa que ele faça tem impacto naquilo que ele se constitui, tem impacto no seu
projeto existencial, ele não é nada para além dessa dinâmica descer, ele precisa de existir
para ser, essa é que é a questão, ele tem de ser, tem de existir para se concretizar, porque
de saída ele não é nada ele não está pronto, não está acabado, ele não tem essência, se ele estrutura do ser no mundo. E o que é mundo aqui? Quando eu falo a palavra mundo o
não tem Essência ele não tem télos ele não tem para onde ir. É o mesmo que trocar o pneu que de imediato entendemos, o que pensamos como mundo? Quando somos crianças
com o carro andando, tem de ser para ser, concretizar a sua existência em meio a dinâmica muitas vezes pensamos que o mundo fosse o globo, fosse o planeta terra, falava sem
existencial, então, é isso que se encontra em jogo com a estrutura ser aí, é o a priori mundo imaginar o Globo ou até o universo, planeta, um conjunto de Corpos. Ou temos
performático, é uma performance, um movimento. Por isso, que ser aí não é um conceito, aquela concepção de que o mundo é a soma de coisas. Então o mundo é você pegar todos
não é uma categoria, porque, o que é um conceito? Eu preciso então analisar cada uma os entes ali, somar e obter a totalidade. Porém, mundo aqui não significa exatamente isso,
das coisas sensíveis, ver o que elas têm de semelhança e diferença, para então cunhar um mundo significa o conjunto de sentidos históricos que vão aos poucos se
conceito que expresse a essência de cada uma delas não é assim? “Mesidade”, por sedimentando. Mundo é o conjunto da capa de pré-conceitos. Nós somos seres-aí, nós
exemplo, o conceito de mesa, eu comparo as mesas sensíveis e vejo se há um elemento não temos Essência, nós somos entre negativos, mas ao mesmo tempo nos movimentamos
de permanência em meio à variação, é um conceito ou koinon, como diria o Platão. Como de imediato no mundo que é uma totalidade de sentido que já estava pronto antes de eu
é que eu posso ter um conceito de ser aí se ele não tem Essência? Não tem categoria, não chegar até aqui. Eu imediatamente me movimento no interior de pré-conceitos. Me
tem essência. Toda a categorização, toda conceitualização pressupõe presença, descrição, movimento no interior de sentidos históricos, em movimento no interior do mundo.
mas eu não tenho essência, vou descrever o que? Ser aí é uma performance, é uma Heidegger diz que o ser-aí é um projeto jogado. O que isso significa dizer? Isso
estrutura, é um a priori performático. significa que o ser aí de imediato está jogado no mundo, quer ele goste quer não. Estamos
no mundo que já estava pronto antes da gente chegar aqui, e esse mundo, desde o bebê
Com isso, fica claro que, ao dizer que o ser aí é uma estrutura marcada pela no ventre da sua mãe, ele é preconceito, já na barriga da mãe o bebê já tem ali uma série
abertura pelo cuidado, ele sempre precisa ser para ser, logo, não tem distância entre ser de cuidados antes ele já é mundo ponto final então, ser no ser aí de imediato significa
sendo. o que é que isso quer dizer? Tudo aquilo que eu faço tem impacto imediato naquilo estar no mundo enquanto capa de preconceitos que já está estabelecido antes de eu chegar
com o qual eu estou me constituindo, estou me relacionando, tudo aquilo que eu faço tem até aqui. Esse mundo não tem essência, esse mundo é formado por sentidos que vão se
que ter impacto imediato no meu projeto existencial. Tipo: eu não estou fazendo nada, sedimentando historicamente ponto final mundo é preconceito. Isso que é mundo. Pré-
mas eu não sou isso que eu estou fazendo, eu trabalho no emprego que eu não gosto mas conceito. Esses preconceitos, esses sentidos, vão orientar a existência do ser aí, porque o
isso não tem relação nenhuma com aquilo que eu sou, estou fazendo só um papel aqui, ser-aí não tem sentido.
quebrando um galho, nessa função, e posso até fazer ela mal feita por que ela não define
quem eu sou. “Eu sou algo diferente disso, estou me comportando assim, mas eu não sou O que é estrutura no mundo aponta para gente? O ser-aí precisa então da rede
isso aqui tá?” “Sou outra coisa não é isso que você está vendo”. Isso é anti remissiva do mundo pra que ele possa concretizar sua existência. “O que você quer ser
fenomenológico! A fenomenologia não parte da relação entre identidade de ser e quando crescer? Quero fazer direito. “Então, faz sentido fazer direito, faz sentido não
aparência? ser e sentido? Heidegger está dizendo a mesma coisa, tudo aquilo que eu faço fazer engenharia, faz sentido fazer qualquer coisa. Então, cada um dos nossos projetos,
tudo aquilo que eu exerço, define de certa maneira quem eu sou, ou constitui quem eu das nossas decisões, é isso que o Rider está tentando dizer para gente, não são nossos, não
sou, vai aos poucos concretizando a minha possibilidade. Eu vou-me concretizando são produtos de vontade, não são produtos de declaração, são simplesmente em
enquanto existente a partir da soma dos meus atos. Isso aqui tem um peso ético orientações prescritivas e diretivas do mundo faz sentido fazer qualquer coisa. Quando as
fundamental, aquilo que eu faço concretiza aquilo que eu sou ponto final porquê de pronto pessoas dizem "minha vida perdeu o sentido" essa frase minha vida perdeu o sentido já é
ou de imediato eu não sou absolutamente nada. A famosa frase do Profeta Gentileza: modulação de sentido, porque dizer que a vida perdeu o sentido significa aqui os sentidos
Gentileza gera gentileza, ele quer dizer com isso que quando eu pratico a minha gentileza que antes se orientavam, as coisas que antes você fazia não mais funcionam, porque algo
para com outro, o outro percebe a minha gentileza e tende a me tratar também com a aconteceu que interrompeu essa orientação imediata, a uma orientação que te permite
gentileza, e assim uma cadeia global de gentileza se arma, se estrutura. No fundo, essa dizer que as coisas que antes te orientavam não mais orientam mais, não tem como a vida
frase é utilitarista, porque eu ajo de forma gentil tendo a expectativa de que o outro me não ter sentido, porque a gente continua existindo como ser-no-mundo, como ser
trate também de forma gentil. E como que o Heidegger responderia isso? Meu amigo, histórico. Ser no ser aí significa de pronto e de imediato então, estar no mundo que já está
praticar algo gentil te torna gentil. Pronto. Se o outro vai te tratar com gentileza pouco pronto e acabado enquanto a cadeia de preconceitos que nos abriga, que nos alberga,
importa, você se torna gentil ao praticar algo gentil. Ou seja, nós somos a soma dos nossos mundo é tradição.
atos, e quando e o quanto cotidianamente nos esquecemos disso, a gente piamente, quase
que certamente, acredita que a gente é alguma coisa para além daquilo que a gente faz. Eu tenho uma relação intencional aqui de cara pois ser um ser aí de imediato
Acabou. "Os Deuses estão mortos" já dizia Nietzsche, o mundo é aqui agora, é nesse significa ser um ser humano, a existência se abre ao mundo, ela é abertura, é um projeto,
plano, “Hic Rhodus, hic saltus”, “Rhodes é aqui, é aqui que vou saltar”! A minha mas é um projeto que se concretiza no mundo então, eu não tenho consciência antes e
existência se define aqui, na terceira margem do rio. correlato depois, não é isso que o Husserl diz, o correlato se forma na relação com a
consciência, da mesma maneira que o ser-aí se constitui na relação com o mundo, serão
Então, ser aí é uma estrutura. Dinâmica do cuidado, para vocês se situarem aí, ser aí de imediato significa também ser um ser no mundo. E essa estrutura ser no mundo
significa então que o ser-aí sempre vai se constituir na relação, ele é sempre o modo de é composta de três subestruturas, dizer que o ser aí é um ser no mundo significa dizer três
ser. Com tudo eu disse que o ser aí ele não tem nenhum tipo de essência, ele é um agente coisas: que o ser aí ele é marcado por compreensão, disposição, e por discursos.
negativo, como é que ele vai concretizar, então e, o seu projeto existencial? Ser um ser aí Compreensão, disposição e discurso são as são os três elementos que estão acoplados na
significa de imediato, de forma intencional ser um ser no mundo. O ser aí por não ter categoria ser no mundo. O que é a compreensão? Existindo, úlcera aí compreende,
sentido precisa do mundo para ser. Logo, a estrutura ser aí ela é concomitante com a compreensão significa abertura da existência ao mundo. Ser no ser aí significa então, se
colocar diante de campos de sentido, e esses campos de sentido vão fornecendo para gente mundo. Mas eu não sou os campos de sentido, eu estou me ocupando deles. Então,
significados de cada uma de nossas ações intramundanas, cada uma delas, ser cotidianamente, nós nos perdemos de nós mesmos, nós vamos aos poucos nos esquecendo
compreensivo significa dizer, então, que existe no mundo. observe a diferença para a de que nós somos possibilidade aberta, então eu não sou um professor, um profissional,
hermenêutica clássica a compreensão para a hermenêutica clássica é um resultado de um eu estou me ocupando com isso, só que o cotidiano que me aberto pela compreensão ele
processo interpretativo, então eu precisaria de um método que pautar então o meu é sedutor, eu acho que eu sou aquilo, Heidegger vai chamar, então, essa ilusão do
processo interpretativo para que obtivesse como resultado a compreensão. A cotidiano de impropriedade. Eu me movimento cotidianamente no impróprio, mas na
hermenêutica de Scheiermacher, por exemplo, é a arte da compreensão, é uma técnica verdade eu propriamente não sou aquilo com que me ocupo, eu sou um ente negativo, o
que permitiria alcançar a compreensão, como resultado de uma atividade intelectual. mundo, a estrutura ser-no-mundo, permite então, a diária fuga desse. é isso que o
Nesse caso, a interpretação é uma etapa que precisa ser percorrida para que eu chegue a Heidegger que ele vai chamar de impropriedade. Eu sempre sou um ente que devo ser
compreensão, já compreensão para o Heidegger não tem nada a ver com isso, lido na chave singular, ninguém = ninguém, por óbvio, porque cada um é um projeto
compreensão e o correlato da existência, simplesmente por existir e simplesmente por ser aberto. É uma existência marcada pela finitude e pela negatividade.
um ser aí eu sou de imediato um ser-no-mundo e eu me abro o mundo. Logo, o Heidegger
realiza a interpretação da compreensão, a compreensão intimamente relacionada ao modo (Alguém perguntou se ser humano é um ser-aí.) Corporalmente uma pessoa é um
de existência do ser aí. Ao mesmo tempo em que eu sou compreensivo que eu me abro ser humano, mas ele enquanto ser aí não é um ser humano, não tem uma definição
compreensivamente para o mundo, o mundo me devolve sentidos que vão paulatinamente biológica, por que pensar em ser humano enquanto o corpo já é uma definição
orientar a minha existência, quando eu concretizo cada um desses sentidos e o efetivo essencialista, então estamos partindo de um pressuposto de que o homem é algo biológico,
cada um desses sentidos que me são abertos pela compreensão, eu realizo a interpretação, é um corpo humano, não tem essência. Todo mundo é um ser-aí, o homem é um ser aí, os
e interpretação é concretização da compressão. Exemplo, faz sentido então fazer direito, entes intramundanos não são ser aí. Portanto, o ser-aí seria uma boa definição daquilo que
fazer direito interpretação. Vejamos o caixa eletrônico no banco eu sei que aquela nos difere dos outros seres. Mas adiante, quando fizermos a classificação dos seres
máquina se apresenta para mim enquanto máquina, ninguém me disse isso e o Heidegger intramundanos, existem três modos desses entes intramundanos aparecerem: ocupação,
(explicarei isso para vocês mais tarde), é o autor que vai realçar a importância do mundo preocupação e cuidado. Os entes intramundanos são utensílios, e os utensílios nos
prático sobre o mundo teórico, então as coisas intramundanas, a vida dos entes permitem a preocupação com outro a relação com o outro, por isso que a tese
intramundanos se apresentam para mim como utensílios, eu vejo uma cadeira e não penso contratualista ela é vazia, se eu vejo uma sala de aula vazia e estou sozinho lá e não tendo
teoricamente no que é uma cadeira, quando vemos uma cadeira qual é a primeira intuição ninguém, imediatamente eu percebo que deveria existir pessoas lá, qualquer experiência
que temos em relação a ela? Sentar-se. Não tem uma etiqueta na cadeira dizendo "esse de mundo minha é social. Então pensar no estado do Robinson Crusoé lá na ilha, é tudo
aqui é um ente que foi feito com quatro pontos de apoio, e que serve para sentar, ou é abstração pois um homem é um ser social por Excelência, ainda que não tenha presente a
passível de ser utilizado para se sentar", não tem isso, você pega e senta, porque é a sua vista, outros antes aquilo que eu Sartre vai chamar de presença na ausência. tem
primazia do mundo prático sobre o mundo teórico, eu entro na sala de aula vejo o palco aquela música do Capital Inicial que diz que as coisas da casa lembram a esposa, “tudo
italiano, as cadeiras, e imediatamente como professor e eu me reporto ao palco italiano e que vai deixar um gosto”, ou seja, ele tá sozinho mas não tá sozinho, não tem essa
começa a escrever no quadro e os alunos chegam se sentam nas cadeiras e começam a se experiência de radical solidão no final das contas. Pois ainda que seja solidão por privação
comportar como estudantes, tradição, isso é compreensão, é perceber que existem focos de alguém, é uma experiência do outro, isso é Husserl, é a “quinta meditação cartesiana”.
de sentido que vão orientar a minha existência. Se eu chego até o quadro escrevo é
interpretação. Quando eu vejo a máquina do banco e a utilizo com meu cartão isso Uma aluna disse que se perdeu na ligação do Husserl para o Heidegger, o
também a interpretação. Se eu vejo a maçaneta e gira a maçaneta é interpretação. Então, professor disse que a ligação imediata entre os dois é a ideia de intencionalidade o
a interpretação e a concretização da compreensão. E isso não precisa de método, nós Heidegger é tão pretensioso que disse que só fizeram fenomenologia ele e o Russell. O
existimos medianamente realizando e interpretação a partir de compreensão funcional se que intencionalidade? Intencionalidade é a relação de remissão imediata de consciência
você está na aula anotando, e interpretação. com objeto da consciência, não é isso? Como é que se dá a intencionalidade em
Heidegger? A intencionalidade se dá entre ser aí e ser no mundo, ser no ser aí
Lembram-se da primeira aula em que eu disse para vocês que a hermenêutica é imediatamente significa ser no ser no mundo, não tem mundo sem ser aí e não tem de ser
um traço estrutural da relação do homem com o mundo, lembram-se desta definição? aí também sem mundo, é uma relação de remissão imediata entre um e outro. Como Sartre
Isso é Heidegger, hermenêutica da facticidade significa dizer que compreensão e diz, a consciência explode rumo as coisas, o ser-aí explode em relação ao mundo, em
interpretação são consentâneos, são modos de ser do ser-aí, são modos de ser da minha direção ao mundo, ele se lança no mundo, ele é projeto jogado. ele não é só projeto e nem
existência, logo, ela não precisa de um método que me faça interpretar, que me faça só jogado, ele é projeto jogado eu tenho aqui uma relação de requisição imediata de um
compreender, eu imediatamente existo compreendendo e interpretando. Então, essa para o outro.
estrutura é devolvida a toda a tradição hermenêutica pela tradição fenomenológica, é
ontologização da hermenêutica, compreensão, então, faz parte do modo de ser cotidiano.
E quando o Heidegger diz isso ele já traz aqui uma chave fundamental para "ser e tempo", (E aí paramos nessa aula 6 exatamente na parte da compreensão desse plano de estudo)
que a relação entre propriedade e impropriedade. Veja, eu sou um ente negativo, sendo
compreensivamente, sendo um ser-no-mundo, eu imediatamente me perco de mim, existir
é perder-se de si, porque, porque eu estou me identificando com os campos de sentido do
Aula 7 – (02/09) assíncrona
- Continuação da aula 6: análise da relação entre a fenomenologia e a potência ao ato, sendo esse movimento todo conduzido pela causa final - é a causa final
hermenêutica no pensamento de Heidegger. que vai abrir espaço para que a coisa atingir a sua plenitude de essência, para que atinja
o seu máximo esplendor em termos de equididade / de essência.
Retomando: estamos analisando os principais aspectos das obras O Ser e o
Tempo, que se dedica sobretudo a observar a questão fundamental da ontologia e perceber Heidegger está dizendo que pelo fato do homem ser um Ser-aí ele não tem
como ela se relaciona a história – pensar o ser para além das dinâmicas de essência, e por não ter essência ele é eternamente um projeto aberto marcado pela eterna
presentificação do ente no interior da sedimentação histórica. possibilidade e, justamente por conta disso, possui uma indeterminação originária, ou
seja, não tem nenhum tipo de determinação essencial, o que implica no fato do Ser-aí ser
Logo, se percebeu que essa questão fundamental da odontologia precisa ser um projeto finito. Por ser indeterminado, por ser um ente negativo, esse ente é finito. Isso
desenvolvida no interior do Ser e Tempo a partir da analítica existencial tal como é significa dizer que nem um modo de ser é definitivo para o Ser-aí, não há nenhum tipo
pensado no interior do parágrafo 9º da obra. de estabilidade essencial na sua existência, isto é, não tem nenhum tipo de projeto que se
perpetue, que se estabelece de forma definitiva.
Heidegger começa Ser e Tempo apresentando a questão fundamental da
odontologia, atrelando essa questão fundamental da ontologia à história e começando o Logo, a existência é sempre um movimento em eterna transição - finitude do ente.
seu desenvolvimento a respeito dessa questão da ontologia a partir do que ele chama de Por isso, que o Ser-aí simplesmente existe! Existir, neste caso, é justamente exsistĕre
Ontologia Fundamental. [existência não significa como tradicionalmente se pensa a presença efetiva de algo em
algum lugar em algum tempo. Ex: quando se diz que determinado modelo atômico existe,
Fala-se de uma ontologia fundamental porque o Heidegger começa a sua análise eu estou querendo dizer que esse modelo atômico pode ser identificado em um
a respeito da ontologia, justamente descrevendo o modo de ser desse ente privilegiado determinado local em uma determinada época, ou seja, tem uma presença efetiva].
que justamente é o responsável por colocar a questão a respeito do ser. De modo que a
ontologia fundamental nada mais é do que uma descrição desse modo de ser desse ente existência no sentido assinalado pelo Heiddeger, marcando o modo de ser do Ser-
privilegiado, para que a partir desse modo de ser desse ente privilegiado se estabeleçam aí, não significa presença efetiva à vista. mas, significa que o Ser-aí em seu modo de
as condições de possibilidade de questionamento de desenvolvimento de uma ontologia ser se abre / se lança / projeta-se para além dele próprio, e com isso fica, então,
em geral. percebido o elemento fenomenológico na hermenêutica da analítica existencial do
Ser-aí, na hermenêutica da facticidade.
Ao trabalharmos a fenomenologia em Husserl isso já ficou de certa forma descrito,
pois toda vez que se trabalha o tema de forma fenomenológica o que se coloca em questão Ser um Ser-aí significa para Heidegger, portanto, existir - ser um modo de ser, e
são justamente as coisas do seu campo de autodação com o objetivo de descrição desses esse modo de ser é sempre abertura / lançamento em um mundo. Logo, há uma dinâmica
modos de autodação. E isso ocorre inicialmente com Ser-aí intencional, um movimento de saída de si da existência para o mundo. Existir significa
literalmente lançar- se em um mundo.
Assim, Heidegger inicia a analítica existencial, que é o ponto de partida para uma
ontologia fundamental - uma descrição desses modos de ser do Ser-aí justamente com o Com isso, pelo fato do Ser-aí não ter nenhum tipo de essência, ele
objetivo inicial de que o Ser-aí não pode ser tomado a partir de uma chave conceitual. necessariamente necessita do mundo para que possa aos poucos concretizar as suas
possibilidades existenciais, ou seja, concretizar o seu projeto existencial. Assim, ele
O Ser-aí não é um conceito de homem, não é um conceito de humanidade, mas precisa do mundo para ser porque ele de princípio não é especificamente nada!!!
justamente um aspecto performático: o modo de ser do Ser-aí, que marca a sua
existência. Esse movimento através do qual a existência vai paulatinamente se
concretizando a partir da relação com o mundo é chamada por Heidegger de
Ser um Ser-aí significa, portanto, não ser determinado por nenhum tipo de cuidado. CUIDADO significa que o Ser-aí é um ente que ao existir, ou seja, ao assumir
essência - o homem que é justamente esse Ser-aí não tem nenhum tipo de equididade não determinados modos de ser, colocam seu ser em questão. E esse seu ser nunca é de forma
tem nenhum tipo de existência prévia.É um ente marcado por uma negatividade originária definitiva, sempre está marcado pela possibilidade da abertura (Por isso um ente finito).
- não é especificamente nada.
Não obstante, por isso também não há nenhum tipo de distinção entre ser e
Dessa forma, por ser um Ser-aí, por não ter nenhum tipo de essência, por não ser sendo, já que cada modo de ser que o Ser-aí assume, cada performance existencial,
marcado por nenhum tipo de conteúdo primevo e originário, o homem inicialmente é configura, portanto, seu modo de ser. Além disso, ele é ente de que tende a ser- precisa
marcado por uma ideia de indeterminação ontológica originária, sendo totalmente um se lançar no mundo para que se tenha os direcionamentos para realização de sua
projeto, uma eterna possibilidade, não tem nenhuma essência que vai oriental seu modo existência.
de se constituir - neste momento, se rompe por exemplo com a tese metafísica aristotélica:
a tese que a causa final / a essência dirigiria o processo / o movimento por meio do qual Relação de co-requisição imediata entre existência e mundo.
as coisas saem na pura potencialidade para sua atualização. Logo, lá na metafísica
aristotélica quando Aristóteles trabalha a intelekia, que é esse movimento que leva da
SENTIDO DE MUNDO - mundo não significa uma mera soma de entes, não COMPREENSÃO - pelo fato de Ser-aí e ser no mundo serem estruturas
significa planeta terra. Para a filosofia heideggeriana mundo não é uma reunião de coisas, existenciais co-originárias, ou seja, pelo fato de existe uma relação de remissão
mundo significa a totalidade de sentidos que historicamente vão se formando e que aos fenomenológica, uma relação de remissão intencional entre Ser-aí e ser no mundo. o Ser-
poucos vão se sedimentando aí existe de forma compreensiva. Logo, a compreensão é um existencial, ou seja,
compreensão significa estar imediatamente diante de campos de sentidos / de capa de
Logo, dizer que o Ser-aí é ao mesmo tempo um ser no mundo, significa dizer preconceitos, que são historicamente articulados. Sendo que a existência se dá em meio
que a existência sempre se movimenta de saída em um conjunto de preconceitos de a esses campos sentido, de modo que a existência é portanto, compreensível.
sentidos que foram, então se forjando / se constituindo / se sedimentando historicamente. Compreender significa se encontrar diante da facticidade do mundo. Facticidade é uma
Sentidos esses que vão funcionar como elementos que vão fornecer ao Ser-aí as chaves expressão que aponta justamente para um fato que não pode ser negado. Heidegger usa a
para que ele possa concretizar a sua existência. expressão faticidade explicitando que em todas as ocasiões que se tenta refutar o mundo,
o campo histórico, refutar a capa de preconceitos, acaba-se por reforçá-la.
Sendo essa relação entre Ser-aí e mundo, uma relação imediata - imediatamente
se existe o mundo. Por isso que Heidegger afirma que o Ser-aí é um projeto jogado, ele Heidegger aqui está resgatando uma peça que é típica do Dilthey: ao existir numa
sempre se movimenta na dinâmica de sentidos que se constituem a partir do passado. Com época eu imediatamente herdo as concreções históricas de uma época, e contra isso nada
isso há uma relação de temporalidade atinente ao modo de ser do Ser-aí. eu posso fazer. Não posso negar esse caráter envolvente, vez por outra, prescritivo do
mundo em relação a mim. Não posso abdicar dessa capacidade que o mundo tem de
Ser um Ser-aí significa ser possibilidade - FUTURO!!! Mas ao mesmo tempo, ser orientar a minha existência. O Heidegger chama essa inexorabilidade do mundo da
um Ser-aí significa ser projeto lançado --decadence - se encontra no mundo já facticidade.
sedimentado. Sendo que esse mundo sedimentado aponta para a dimensão do PASSADO.
Diante disso, um Ser-aí no PRESENTE é um ente marcado pela possibilidade de ser
(futuro) que se concretiza em meio ao já sido, em meio ao passado.
Então, pensar a estrutura ser no mundo como compreensiva, significa dizer que
Para o Heidegger então, o modo de ser do Ser-aí, ou seja, a analítica da sua necessariamente a existência se movimenta em meio aos campos de sentido do mundo
existência / a sua hermenêutica cotidiana vai apontar, portanto, por uma temporalidade - é isso que se chama facticidade. Sartre e Husserl, assim como Merleau-Ponty, são
que faz parte também do seu modo de ser. E essa temporalidade é fundamental para que autores que vão chamar a atenção para a faticidade do corpo - o corpo é um limite fático
Heidegger se desenvolva o seu projeto de uma historização da questão relativa da do qual não se pode abandonar, que condiciona a percepção. a nossa percepção é mediada
ontologia / da questão relativa ao ser. pela corporeidade.

Outrossim, pelo fato do Ser-aí não ser passível de uma categorização / de um Por outro lado, para o Heidegger esse elemento que não se pode abandonar é o
conceito, é sempre visto através da chave do singular ou sempre a cada vez meu. Não próprio mundo. Compreensão significa então, chamar atenção para o fato que o Ser-aí
sendo possível um conceito de humanidade por exemplo no Heidegger, já que o Ser-aí é sempre vai se movimentar em meio as capas de preconceito do mundo. E o mundo é
o seu modo de ser concreto aqui e agora. justamente a totalidade de sentidos históricos sedimentados.
Portanto, a estrutura ser no mundo configura aquilo que Heidegger vai chamar de Heidegger diz que o mundo é uma capa de sentidos históricos, e esses sentidos
impropriedade. Cotidianamente o Ser-aí se movimenta em campos de sentido, em sempre vão se formar de forma encurtada. EX: livre arbítrio- o modo como falamos de
orientações que são históricas. Essas orientações vão permitir que o Ser-aí concretize sua livre arbítrio na contemporaneidade é muito peculiar, pois somos remetidos para uma
existência que de saída é aberta. Contudo, o Ser-aí é por essência ente negativo - não tem ideia de que eu posso fazer aquilo que eu quero sem nenhum tipo de obstáculo. Contudo,
nenhum tipo de essência. Isso significa que por mais que ele se movimente e assuma uma a formação da ideia de livre arbítrio no interior do mundo medieval tem um outro tipo de
vez por outra esses sentidos do mundo, ele não é especificamente nenhum desses sentidos. configuração: livre-arbítrio medieval significa à vontade que se constitui / que se
EX: quando eu falo eu sou professor, na verdade estou querendo dizer que eu me estabelece a partir dessa relação imediata com Deus. Para Santo Tomás o árbitro é livre
movimento no campo de sentido que remete para vida universitária. Mas, eu enquanto se somente se, segue a lei Divina. Do contrário, o árbitro é contaminado e ao ser
Ser-aí não sou um professor porque eu não tenho essência. contaminado cede ao pecado. Com isso, os conceitos vão se desarticulando de suas vidas
históricas. Logo, os conceitos vão se deslocando do mundo a partir do qual ele se
Heidegger chama essa ilusão de que nós somos a dinâmica de mundo, de que originaram. Voltando ao exemplo, nós recepcionamos a ideia de livre-arbítrio, mas a ideia
nós somos aquilo com que nos ocupamos, de impropriedade. Cotidianamente nós do mundo originário de livre-arbítrio não vive junto conosco.
existimos na forma da impropriedade e por isso nós perdemos de nós mesmos, já que nós
somos entes negativos de pronto e de saída. Heidegger vai dizer então que esses conceitos, essas definições, esses pré-
conceitos sempre vão se sentimentar historicamente, ou seja, vão ser transmitidos
Essa estrutura ser no mundo, que também é algo existencial, é constituída por 3 historicamente, mas sempre de forma encurtada, de modo tal que há uma perda / uma
caracteres: compreensão, disposição e discurso. deterioração do significado originário desses conceitos. EX: substâncias no interior da
filosofia grega - palavra é Ousía (οὐσία) - que remete a propriedade de raiz, bem imóvel,
que acabou então sendo cunhado na literatura filosófica principalmente a partir da tradição, olhar para minha posição do interior do mundo, e perceber como esse mundo se
tradução de Ousía para o latim substâncias, enquanto elemento que marca a essência das orienta o meu modo de acesso aos fenômenos. EX: não tem como hoje estudar livre-
coisas. Novamente, os conceitos vão se deslocando na vida dos conceitos. arbítrio simplesmente prescindindo na formação originária do conceito, porque eu tenho
uma visão enviesada da ideia de livre-arbítrio.
O objetivo da fenomenologia a partir de Heidegger, é justamente reconectar os
conceitos com a vida dos próprios conceitos. Heidegger está chamando atenção para o fato de que para se estudar filosofia é
preciso ter consciência da minha situação hermenêutica, ou seja, consciência da minha
O mesmo acontece com o conceito de physis - Physis no mundo grego posição prévia para que eu consiga manejar uma conceitualidade prévia - tudo isso é
originariamente é esse movimento no interior do qual adquiri corpo uma individuação, compreensão.
isto é, não é apenas a natureza, mas significa também esse movimento no interior do qual
interior se estabelece uma forma (eidos) em meio a dinamis - uma forma se estabelece / Interpretação, por sua vez, significa ratificação / a explicitação do
ganha corpo em meio a sua dinâmica. Logo, Physis não era simplesmente a planta, o compreendido. Quando Heidegger diz por exemplo que quando eu olho para cátedra, ou
animal, mas o movimento a partir do qual a coisa vem a ser o que ela é articulada com para o palco italiano de uma sala de aula, imediatamente vejo que aqueles espaços são
seu movimento, e esse conceito de physis entrou para tradição ocidental como puramente destinados para que se lecionam as aulas - e ninguém me diz isso, é o mundo que me
natureza. aponta / me orienta esse fato. (mais tarde vai ser chamado de aspecto prático da
hermenêutica)
SINTETIZANDO: 1º) O mundo é um conjunto de preconceitos historicamente
constituídos que nos são transmitidos necessariamente de forma encurtada; 2º) “Ser e Portanto, os nossos acessos aos entes se dá muito mais de forma prática do que
tempo” é uma obra que procura rearticular os conceitos com suas vidas originárias. Logo, teórica - nós nunca lidamos com as coisas a partir do zero, nós sempre lidamos com as
ser um Ser-aí significa ser um ser no mundo, de modo a permitir que a compreensão coisas enquanto coisas. Pois, quando eu vejo a cadeira, por exemplo, não há um manual
estabeleça esse liame / esse vínculo entre existência e mundo. (Isso quer dizer, portanto, que me diga como usá-la, a cadeira já me aparece no seu campo específico de uso. Com
que a existência compreensiva). --- uma diferença fundamental para a hermenêutica isso, a compreensão nos chama a atenção para a primazia do mundo prático, o
clássica. mundo de utilização das coisas sob o aspecto teórico. Para tanto, não se precisa saber do
que a cadeira é feita, qual a sua essência para que se possa usá-la - isso é compreensão. E
Já que para hermenêutica clássica a compreensão é resultado de um procedimento quando eu ratifico essa compreensão, isto é, quando eu me sento naquela cadeira, eu
intelectual conduzida metodologicamente para permitir um resultado proveitoso. Ao se realizo uma interpretação. - a ideia de interpretação é a explicitação da compreensão;
analisar por exemplo o Schleirmacher: a compreensão é produto do conjunto de
interpretações produzidas pelo método. Se pegarmos o Dilthey: a compreensão é essa • inversão em relação a hermenêutica clássica:
articulação entre vivências e toda a vida.
a hermenêutica clássica acreditava que a interpretação é um procedimento que
O Heidegger desdramatiza esse gesto da hermenêutica clássica, pois compreensão vai levar a compreensão, de modo que primeiro eu interpreto para depois se chegar a
significa o modo de ser, é um existencial - a existência é compreensiva. Com isso, compreensão, e mais tarde possa aplicar esses conceitos em uma realidade prática.
Heidegger ontologiza a compreensão, ou seja, articula a compreensão com a existência. Heidegger está dizendo o contrário, que a compreensão é o correlato originário da
existência, e que a explicitação do compreendido é a interpretação. A
Heidegger resgata uma tese de um texto chamado Interpretações fenomenológica INTERPRETAÇÃO VEM DEPOIS DA COMPREENSÃO.
de Aristóteles (Relatório Nartope), que vai retratar em boa parte do tratamento da situação
hermenêutica, que para ele é justamente essa limitação da existência de uma forma Da mundaneidade do mundo circundante (§12 e 15): por ser um projeto
compreensiva. Em outras palavras, para o Heidegger existir significa sempre ter uma jogado, todas as possibilidades existenciais enquanto Ser-aí se realizam em meio ao
posição prévia (um ter prévio e o um conceber prévio). Isso significa, que assim como mundo, que leva Heidegger a trabalhar o problema da mundaneidade do mundo
Dilthey previu, ao existirmos em um mundo histórico imediatamente nos colocamos em circundante (§12 e 15) - construção de uma fenomenologia do mundo.
uma posição diante de campos de preconceitos. De modo que a compreensão nos abre
uma uma situação prévia perante preconceitos, que, por sua vez, vai articular a minha Heidegger irá pensar de forma semelhante a Dilthey neste aspecto: para que se
existência (vai me fornecer as chaves a minha existência) - um ter prévio, que vai veja a mundaneidade do mundo, ou seja, para que se perceba o mundo como um conjunto
possibilitar que eu conceba, que eu tenha uma conceitualidade prévia. de preconceitos (uma capa de sentidos), eu tenho que tomar os entes intramundanos a
partir dos seus modos de ser. Logo, eu, enquanto ser-aí sou um ente intramundano que
logo todos os conceitos dentre os conceitos filosóficos, precisam ser estudados tem um modo de ser específico - que se chama existência. Significa que eu existo me
articulados com a situação histórico-compreensiva em que esses conceitos se lançando no mundo, para que o mundo me devolva as orientações para que eu possa
movimentam. Portanto, pode-se falar que a compreensão faz parte da tarefa filosófica - existir! SEM O MUNDO / SEM A TRADIÇÃO não há que se falar em existência.
para que a filosofia volte a ter condições de pensar a vida dos conceitos, assim como
Dilthey havia dito, é necessário que a compreensão seja tematizada, é necessário que eu Aqui se está mobilizando uma tese Husserliana essencial - para Husserl o
tenha condições de olhar para situação hermenêutica, olhar para posição no interior da princípio fenomenológico fundamental é tomar as coisas sempre nos seus modos de
autodação. De modo que quando a redução fenomenológica se estabelece o objetivo é o utensílio sozinho nunca é - sempre aponta para uma rede referencial mais ampla
justamente superar as hipostasias de ordem realistas e de ordem idealistas - para isso é em relação a ele: a caneta aponta para o papel, o papel aponta para um ambiente de
necessário apreciar as coisas do seu modo de autodação / analisar as coisas como se registro de informações; a mesa,a cadeira apontam para o escritório, o escritório aponta
apresentam para mim. para um ambiente de estudos, ambiente de estudos aponta para a vida universitária.

Heidegger está fazendo a mesma coisa com os entes intramundanos - se vê o Logo, todos os entes intramundanos sempre existem a partir de uma lógica de
mundo analisando o modo como estes entes intramundanos se apresentam para ocupação referencial mais ampla - uma cadeia de significados mais amplo. [os entes
mim. Sendo que esses entes intramundanos sempre vão se apresentar para mim de 3 intramundanos sempre aparecem para mim numa lógica de ocupação em rede: o martelo
formas: OCUPAÇÃO, PREOCUPAÇÃO E CUIDADO. aponta para o martelar, o martelar aponta para dinâmica da oficina, a oficina aponta para
dinâmica de conserto, de correção de coisas.
- todos os entes intramundanos, inclusive o ser-aí se apresenta nessas três formas
(ocupação, preocupação e cuidado) Exemplo dado por Heidegger: o sapato do camponês no quadro Van Gogh: o
sapato do camponês é um utensílio que serve para que o camponês possa trabalhar.
a ocupação retrata o modo como os entes intramundanos se mostram enquanto Quando se olha para o sapato do camponês, ele aponta para o mundo do camponês (para
utensílios na sua dinâmica de uso - Heidegger está dizendo que as coisas que estão no terra, para a lavoura, para o trabalho braçal, para a produção, para a fartura, etc.)
mundo são sempre coisas para …. são sempre utensílios. [ e porquê o Heidegger usa essa
palavra “utensílio”, ao invés de usar por exemplo a palavra poesis ou a palavra coisa e o UTENSÍLIO SEMPRE APONTA PARA IDEIA DE TOTALIDADE
ainda a palavra objeto ou mathesis??? porque, segundo ele, esses termos têm uma história UTENSILIAR - CADEIA CONGLOBANTE.
que é muito peculiar, de modo que Heidegger não vai chamar os entes intramundanos da
lógica da ocupação de poesis, porque essa palavra se refere ao ente no seu aspecto de • da preocupação:
produtibilidade técnica, do aspectos de construção; assim como não usa coisa - porque
coisas significa um ente para ser conhecido, ou seja, um ente tomado no seu processo de a lógica da ocupação, para o Heidegger, sempre vai articular a preocupação,
conhecimento (os entes intramundanos tem uma primazia demonstração prática em porque os utensílios ao me mostrar seus modos de ser também de certa maneira fornece
relação a demonstração teórica - EX: eu vejo a cadeira e vejo um ente que serve para ser os mobilizadores das nossas ações. Assim, na dinâmica utensilial vai aos poucos
utilizado, para que eu me sente, e não vejo a cadeira como objeto de estudo. aparecendo o modo como nós devemos nos comportar em relação a esses utensílios.
E não só isso, os utensílios na lógica da ocupação nos mostram imediatamente os outros:
Por isso Heidegger não vai usar a expressão “coisa” que tem como referência quando eu olho uma sala de aula, ainda que esteja vazia, imediatamente eu percebo que
grega a ideia de mathezis - (mathezis é um objeto do conhecimento, uma análise do ali deveriam estar pessoas, ou seja, eu tenho a experiência privativa dos entes que
universo do ponto de vista da possibilidade de seu conhecimento global) porque deveriam estar ali.
pressupõe um ente que serve para a ser conhecido, e não é esse o modo imediato de dação
dos entes intramundanos. Os utensílios sempre apontam necessariamente para presença do outro que deveria
estar ali. Heidegger está dizendo que eu tenho a experiência imediata do outro em meio a
Por isso que Heidegger prefere utilizar a palavra utensílio em que seu lógica de ocupação dos utensílios - Sartre irá chamar de presença na ausência.
correspondente grego é pragma - algo que serve para ... serve para ser utilizado.
EX: música do Capital inicial: “tudo que vai” ao olhar para os utensílios,
não usa por exemplo a palavra objeto por que o objeto pressupõe um sujeito - necessariamente vejo o outro.
depende do sujeito para que ele seja um objeto. Por que objeto é remédio para sujeito, e
com se sabe o Ser-aí não é sujeito, não tem essência Heidegger quer dizer que a nossa experiência existencial é sempre uma
experiência socializante, isto é, a tese do contrato social a tese de constituição de uma
vida social a partir de um contrato é balela porque sempre de imediato nós nos
relacionamos com os outros diante da dinâmica de utensílios que permite ver o outro.
Imediatamente, o SER-aí se relaciona com esse entes intramundanos que tem
como modo de autodação (de mostração imediata) a lógica da ocupação utensiliar - Assim, a lógica utensiliar sempre vai apontar para o outro e nos fornecer critérios
os entes intramundanos servem para alguma coisa para que eu possa agir (mobilização na minha existência) - é isso que Heidegger chama
de preocupação.
OBS: cuidado com a expressão pragma - o Heidegger está se referindo que os
entes intramundanos aparecem na lógica da ocupação - ele não quer fazer uma pragmática Preocupação significa o modo de lidar com as coisas (os mobilizadores da
existencial minha existência) e também os modos a partir dos quais eu consigo ver o outro em
meio a dinâmica utensiliar.
Exemplos: eu vejo essa cadeira, serve para que eu possa me sentar; vejo esse
microfone para que eu posso falar; e assim acontece com todos os entes intramundanos. Outrossim, esse utensílio pode ceder espaço à lida com esses objetos a partir do
modo da presença vista - EX: ao utilizar um utensílio eu fico imerso nessa dinâmica de
ocupação com esse utensílio: quando estou dirigindo meu carro ( o carro é esse utensílio pensamento: uma substância pensante (essência) que vai se relacionar com as coisas do
que serve para que eu possa me locomover) e esse carro para ou quebra, a dinâmica de mundo exterior, a partir do problema do acesso. Sendo que o grande problema da filosofia
uso se se encerra. Com isso, imediatamente se passa a analisar este utensílio de uma outra moderna se dá diante de como pensar o modo da razão interior se expandir para lidar com
maneira, já que saio simplesmente do modo de ocupação desse objeto, para lidar com ele as coisas. Existindo dois métodos para essa filosofia ao lidar com as coisas: os aspectos
enquanto uma coisa dotada de propriedade e que precisam ser estudados - entes marcados teóricos e o prático - faculdade cognoscitiva (permite conhecer as coisas do mundo
com a lógica da substância. exterior) e faculdade prática da vontade (permite orientar o agir em meio às coisas do
mundo exterior). Assim, nós nos relacionamos com as coisas exteriores de duas formas:
Dessa forma, pode-se falar que os entes intramundanos também são utensílios com a intenção de conhecê-las ou com a intenção de, através da vontade, restabelecer
que apontam para uma dinâmica maior de realização, isto é, um ente chama outro ente meu agir em relação a elas.
em uma cadeia mais amplo, permitindo me relacionar com os outros, e também que se
tenha mobilizadores da minha existência, ou seja, que eu vá concretizando meu projeto No entanto, existe um terceiro modo de me relacionar com as coisas do mundo
existencial - ocupação e preocupação. exterior - através dos afetos, dos sentimentos, que ao longo da tradição filosófica sempre
se apresentaram como essa via não estudada. Sentimento é tratado como menor
Portanto, esses utensílios podem parar de funcionar, de modo que se passe a importância.]
prescutá-los como entes dotados de propriedade - aqui se constitui a figura da Ciências,
tendo em vista que irá se preocupar com os entes intramundanos enquanto entes dotados Disposição significa o modo a partir do qual o mundo é aberto a
de propriedades. compreensão, sendo que para o Heidegger os afetos são os responsáveis por abrir o
mundo para a compreensão.
Contudo, existe um ente intramundano que não se apresenta na forma da ocupação
e nem da preocupação que é o Ser-aí. Já que o modo de ser do Ser-aí é CUIDADO, ou Logo, as tonalidades afetivas, os afetos serão os elementos que permitirão o
seja, ao existir / ao relacionar com utensílios e com os outros, o Ser-aí coloca o seu ser mundo se abrir, e ao se abrir vão permitir estabelecer o modo como se relacionar com o
em questão. Logo, só um ente negativo pode ser determinar sempre que ele assume um mundo. Os nossos afetos vão determinar o modo como lidamos com as coisas
projeto existencial - ele nunca está acabado, pronto, sendo um ente marcado pela finitude. intramundanas. Nossas dinâmicas de sentimentos irão refletir no modo como nos
relacionamos com as coisas e com o espaço. EX: as obras “ as obras escola de Atenas e o
Nesse sentido, esses entes intramundanos permite se vislumbrar uma relação entre quadro impressionista “ melancolia, e também a obra “o grito”.
sentidos e significados, pois compreender significa se colocar diante de campos de
sentido, e quando mudam os campos de sentido, mudam os significados. EX: o foco de Para Heidegger existem dois modos de a DISPOSIÇÃO E OS AFETOS se
sentido do corpo humano em uma aula de medicina é diferente do seu significado no relacionarem com o mundo: tonalidades afetivas cotidianas e as tonalidades afetivas
interior da estética, no primeiro se tem o corpo humano enquanto substância a ser fundamentais.
estudada, já no segundo enquanto obra de arte.
As tonalidades afetivas cotidianas são responsáveis por abrir o mundo e permitir
Assim, pode-se falar que é o mundo que nos vai colocar nessa relação de sentido que os entes intramundanos apareçam. A euforia e a tristeza que são elementos que
e significado, sendo que os significados vão sendo alterados à medida que os sentidos estabelecem a noção de lida com o espaço, são tonalidade afetivas cotidianas porque
também se alteram. abrem o mundo e permitem que os entes apareçam para mim [a euforia faz com que não
tenhamos a capacidade de notar que podemos errar, a empolgação nos faz tão seguro de
PORTANTO, SER UM SER NO MUNDO SIGNIFICA, em primeiro si, que deixamos passar elementos de perigo] [retira essa noção de Husserl: - toda vez que
lugar, SER COMPREENSÃO, mundanidade no mundo circundante. Em segundo, o mundo se abre o ente vem até mim, mas o fundo se retrai - quando horizonte se abre os
DISPOSIÇÃO - a compreensão coloca o ser no mundo em campos de sentido que irá entes se mostram, mas o horizonte não é passível de alcance - o horizonte recua para que
permitir que se articule significados, de modo que se muda os campos de sentido se os entes apareçam em meio a esses horizontes.]
alteram os significados. Entretanto, SER um ser no mundo além de compreensão,
significa ser disposição - DISPOSIÇÃO significa o modo de abertura do mundo para o Assim, as tonalidades afetivas cotidianas abrem o mundo para que os
SER-aí. entes venham a aparência / presença. E com isso, o mundo enquanto tal se esconde.

Heidegger irá relacionar a disposição com a ideia de tonalidades afetivas ou Já as tonalidades afetivas fundamentais são as responsáveis por abrir o mundo e
doutrina dos afetos. O Heidegger neste caso vai tentar resgatar a dignidade dos manter o mundo aberto. Contudo, quando o mundo se mantém aberto, os entes não se
sentimentos mostram. Consequentemente, pelo fato dos entes não se mostrarem, eu não tenho campo
de sentido, e por não ter campo de sentido, eu não tenho significados, e por não ter
[a filosofia moderna rejeita a filosofia antiga em sua concepção de verdade - significados eu não tenho dinâmica de ação.
verdade para a filosofia antiga é adequação do pensamento às coisas. Assim, as coisas do
mundo exterior têm essência que precisa se adequar o modo da razão lidar com elas. já a Em outras palavras, quando as tonalidades afetivas fundamentais se
filosofia moderna irá dizer que a verdade significa a adequação das coisas ao estabelecem, eu não consigo fazer nada, já que não consigo seguir a orientação remissiva
do mundo - as coisas deixam de ter essa capacidade de articularem a minha existência / projeto, mas um projeto jogado no mundo, de modo a apontar a existência cotidiana da
orientar a minha ação. Para o Heidegger duas são as tonalidades afetivas fundamentais: impropriedade.
Tédio profundo e sobretudo, a angústia - responsável pelo processo de singularização
(imprescindível para que o SER-AÍ se reconecte com sua negatividade ) Essa existência cotidiana da impropriedade é chamada de Decadência.-
Decadência significa a existência cotidiana do SER-AÍ enquanto ser no mundo, e a
decadência possui 3 elementos que a marcam: o Falatório, a curiosidade e a
ambiguidade.
Os afetos abrem o mundo e estabelecem o modo como lidamos com o mundo, e a
partir do momento que o mundo é aberto e os entes veem a presença, eu tenho a Logo, SER no Mundo significa ser compreensão, ser disposição e ser discurso. O
possibilidade de efetivar a COMPREENSÃO; SER-AÍ existindo enquanto ser no mundo, existe de forma decaída, de forma impessoal,
porque sempre se movimenta no interior do falatório, da curiosidade pelo novo e da
ambiguidade.

O ultimo elemento dessa estrutura SER no mundo, é o que o Heidegger vai Falatório= articulação discursiva da linguagem no mundo.
chamar de DISCURSO. Discurso é a articulação de significados em linguagem.
Curiosidade pelo novo = SER-AÍ vai saltando de um fenômeno
intramundano para o outro, para outro, para outro… vai abarcando um monte de
informação. Acumulando informação. O SER-AÍ possui essa atenção difusa, de modo a
-compreensão nos coloca diante de campos de sentido; Disposição são os afetos estender de um ponto a outro, de uma nova informação para uma nova informação. De
que me abrem o mundo a esses campos de sentido, e quando sentido vem a presença ele modo que vai acumulando informações e acha que é um erudito.
se articula em palavras, em linguagem - DISCURSO.
ambiguidade = consequência do falatório e da curiosidade pelo novo. A
ambiguidade deixa ver que o SER-AÍ acha que sabe, acha que tem conhecimento, o que
não é verdade, já que não tem conhecimento algum, mas simplesmente está mobilizando
Para o Heidegger, a fala, os juízos, as proposições, nada mais são do que o mundo. Assim, ele acha que é algo em específico, o que é falso, pois não é
articulação das vozes do mundo. EX: quando falamos não somos nós que articulamos as especificamente nada, já que não tem essência. a ambiguidade é uma ambiguidade do
palavras, não são as proposições que criam significados, mas o mundo que fala através próprio SER-AÍ, tendo em vista que ele lida com a capa do impessoal, com a
da nossa linguagem. Discurso nada mais é do que articulação do projeto jogado. impropriedade, com os preconceitos, e acha que ele é exatamente aquilo que os
preconceitos articulam: (acha que é um professor,acha que é um estudante, um músico,
As palavras não tem condições de estabelecer campos de sentido, discurso
um pai de família - mas efetivamente não é nada, porque é um ente negativo)
nada mais é do que modulação de sentido, significado cotidiano. Falar nada mais é do que
articular vozes do mundo. A decadência é uma eterna fuga de si, pois cada vez que eu me aproximo
na estrutura do impessoal, mas me distancio de mim. Assim, o mundo nos fornece uma
Nós sempre falamos, porque nós enquanto SER-aí nunca temos algo a dizer, já
forma de sedução, me fornece fórmulas que vão de certa maneira, nos fornecer o meu
que somos entes negativos desprovidos de sentido. Assim, o Discurso cotidiano
caráter de possibilidade original, me oferecer certa quietude, certa estabilidade. - O
(falatório) é a linguagem que permite ver o mundo. - Isso pode ser perigoso, porque as
Direito é o mundo máximo da ambiguidade, mundo da segurança jurídica, pois buscamos
palavras perdem a capacidade de nomeação - pelo fato do discurso cotidiano ser um
sempre por estabilidade.
discurso que movimenta significados intramundanos, quando falamos as palavras
desarticulam dos campos de aparição dos fenômenos, para simplesmente movimentar Contudo, nós somos entes em transitoriedade diante de nosso caráter
pré-conceitos. negativo - a ambiguidade vai ilustrar justamente esse castelo de areia que o SER-AÍ se
apoia, tendo em vista que ele acha que é um modo de ser fornecido pelo mundo, mas na
verdade ele não é aquilo por ser um ente negativo.
Dessa forma, o projeto fenomenológico de Heidegger perpassa pela
Heidegger vai chamar a atenção para a necessidade da filosofia reconduzir o SER-
desconstrução da metafísica para que as palavras deixem de simplesmente reverberar a
Aì / reconduzir as ontologias para os fenômenos originários. O papel da filosofia é
significância do mundo, e permitem, outra vez, que o fenômeno originário venha a
justamente possibilitar o rompimento com a capa de preconceito do mundo. Assim,
presença, que o movimento das coisas ganhem corpo para além da sedimentação histórico
o que a filosofia deve fazer é resgatar a dimensão de propriedade do SER-AÍ - trazer a
no interior da metafísica.
presença do ser-ai, o fato dele ser um ente negativo. Quebrar a sedução do cotidiano,
através da articulação da estrutura ser no mundo, consegue-se perceber a relação romper / libertar dessa cápsula aprisionante dos campos de sentido do mundo.
entre projeto e mundo, ou SER-aí e ser no mundo. O primeiro por ser possibilidade é um
Promover uma noção de liberdade do SER-AÍ frente aos preconceitos, para que com o mundo, contudo ao voltar a lidar com o mundo, ele tem consciência de que o
de fato possa existir abraçado com sua negatividade, a sua finitude, sua incompletude, sentido intramundano é um sentido do mundo, não é dele- ele tem consciência de que
sem sofrer com isso, ou seja, sem qualquer tipo de aspiração ou pretensão de completude, cada um dos seus modos de ser vão determinar.
de perfeição.
No mesmo sentido,quando a angústia se estabelece / quando a antecipação da
Dessa forma, para que SER-AÍ se movimente no mundo de uma outra maneira é experiência da nadidade máxima na morte / quando se conclui o processo de
necessário que ele experimente o processo de crise existencial - isto é, para que o SER- singularização o SER-AÍ volta lidar com o mundo, porque é impossível deixar de lidar
AÍ se reconecte com a sua negatividade estrutural, o mundo enquanto capa de com o mundo - faticidade.
preconceitos, enquanto campo de sentido que vai fornecer significados, não pode mais
atuar prescritivamente sobre o SER-AÍ. Contudo, quando ele volta a lidar com o mundo, ele tem consciência da sua
finitude / tem consciência do seu cuidado / tem consciência de cada um dos seus modos
Em outras palavras: a estrutura ser no mundo tem que deixar de operar em de performance existencial vão o constituir enquanto tal. Com isso, passa a ter
relação ao SER-AÍ. De modo que, não pode mais orientar o SER-AÍ, e isso acontece responsabilidade por ser quem ele é. Não vai mais transmitir para o outro a culpa por ser
a partir da Crise existencial a partir do abate a tonalidade afetiva fundamental da quem ele é .. Passa a experimentar sendo quem ele é, e tendo prazer em ser quem ele é
angústia -
Logo, a singularização permite que o SER-AÍ tenha um outro modo de lida com
Significado de angústia para Heidegger => nós, cotidianamente, vemos angústia as coisas - isso é fundamental para que se trabalhe com a ideia da experiência da verdade
como um estado de espírito que nos deixa triste sem saber porque - Heidegger vai dizer dos fenômenos originários. Porque ele toma os fenômenos em seus campos de
que a angústia é justamente esse elemento que não tem um “perante o quê” - nós não autodação - ver os entes intramundanos como entes intramundanos, além de se vê
sabemos “com o quê nos angustiamos” ... (diferente do temor, por exemplo, se eu temo: enquanto ente negativo - percebe que os entes são entes que têm em sua relação com o
temo algo perante a mim, ou seja, algo se apresenta para mim como atemorizante, me mundo, e que ele depende desses entes para constituir sentido. (tem consciência de si)
causa medo)
Chama para si as rédeas da vida => tem consciência da sua finitude, e tem
Com a angústia não tem esse ante o quê / perante o qual eu vou me angustiar, consciência de que em existindo-o se constitui enquanto existente.
porque a angústia é uma tonalidade afetiva que vai abrir o mundo e manter o mundo
aberto. Assim, quando a angústia se abate, o SER-AÍ não consegue fazer absolutamente Heidegger pensa num modo distinto do SER-AÍ lidar com os preconceitos do
nada porque os tempos de sentido não atuam mais. mundo. Contudo, esse projeto acaba falhando - para ele ao se corrigir, através da finitude,
a singularização do SER-AÍ se tem um outro modo de lidar com a temporalidade. Tendo
Então, a angústia é esse elemento que vai trazer de forma escancarada para o em vista que o SER-AÍ experimenta finitude, e ele se vê como possibilidade num modo
SER-AÍ a sua negatividade, porque se é um ente negativo, não tem sentido - de modo que distinto no presente, isto é, se temporalizar.
precisa do sentido do mundo para que se possa concretizar sua existência. Quando a
angústia se dá, os campos de sentido do mundo deixam de atuar em relação ao SER-AÍ, Ao se temporalizar abre espaço para que os ser se temporalize - é o projeto que
sendo que ele não consegue fazer absolutamente nada, não se movimenta / passa a ter não dá certo.
uma existência praticamente vegetativa.
Heidegger nas obras tardias repensa um outro caminho => ao invés de tal como
E a singularização esse processo a partir do qual a angústia se estabelece e ressalta ele pensa em Ser e Tempo trabalhar a historização a re-historização dos preconceitos a
para o SER-AÍ que ele é um ser para morte. Heidegger está dizendo que a morte significa partir da crise existencial do SER-AÍ, vai pensar a historização do ser / a historização do
a possibilidade máxima da impossibilidade - a morte significa a demonstração para o mundo a partir dele mesmo. Ao invés do caminho ser do SER para o AÍ, o pensamento
SER-AÍ da sua finitude. Heidegger vai dizer que nós experimentamos sempre a morte tardio de Heidegger vai procurar justamente o caminho que vai do AÍ para o próprio SER
dos outros, nós não temos experiências ônticas da nossa própria morte - tese do epicuro: - tese desenvolvida no Contribuições à filosofia a partir de um conceito existência
“quando a morte é, nós não mais somos” essencial que é acontecimento apropriador ou Ereignis, quando Heidegger passa a
pensar como o mundo se temporalizar / historiciza a partir dele mesmo, cabendo ao SER-
Para o heidegger a morte é a radicalização da experiência da impossibilidade AÍ dá vóz a esse processo de historização do mundo, desse acontecimento apropriador,
máxima - pois se nós somos possibilidade máxima, quando o SER-AÍ antecipa a morte, através sobretudo da poética, do homem de estado e da filosofia.
ou seja, quando ele tem consciência da sua mortalidade, a sua finitude se estabelece para
ele. De modo que quando a angústia se estabelece, ele possui consciência máxima de que Unidade II – História da Hermenêutica
ele é um ente negativo - percebe sua finitude, percebe que não tem nenhum tipo de
sentido, a não ser estando no mundo. 7)Fenomenologia e Hermenêutica III–Hans-Georg Gadamer (1900-2002)

Quando o SER-AÍ tem consciência da situação, estabelece o que Heidegger vai a) Textos e fases filosóficas fundamentais:
chamar de SINGULARIZAÇÃO. O SER-AÍ experimenta a sua finitude e volta a lidar
- Verdade e Método I-II (1960);
- Atualidade do Belo (1974); - A história efeitual e a fusão de horizontes

b) Intenção filosófica fundamental: a hermenêutica filosófica - O diálogo como prática hermenêutica: a dialética de perguntas e respostas
(a influência de Platão);
b.1) Propósitos de Verdade e Método: - Verdade dos processos históricos –
rejeição da verdade categorial ou lógica; - O ser que pode ser compreendido é linguagem: fenomenologia e linguagem;

- Formação de medidas históricas objetivas para além das subjetividades; - Derrida e a crítica a Gadamer: o problema do logocentrismo.

- Verdade e tradição: adequação e correção; imposição do caráter


tradicional;
Aula 8 – (16/09) assíncrona
- Articulação entre existência, compreensão e história: consequências – a
universalidade do fenômeno hermenêutico e rejeição do método como elemento de
acesso racional à verdade.
Parte I
Entramos na terceira parte da fenomenologia e hermenêutica, agora com o
b.2) As Humanidades e a rejeição do método de verdade das ciências
pensamento de Hans-Georg Gadamer.
naturais:
Para começarmos, quem foi Gadamer? Gadamer foi um autor que foi orientado
- Categorias centrais do Humanismo (Helmholtz): A formação para o
por Heidegger, e, justamente pelo fato dele ter sido aluno do Heidegger, muitos acreditam
humano, o tato, o juízo, o gosto e a retórica – o resgate da situação prática e do
que “Verdade e Método”, sobretudo, ou a obra gadameriana, seja um simples
caráter paradigmático da phronesis;
desdobramento dos textos anos ponto final ou de uma outra forma, que o Gadamer seja
b.3) O caráter paradigmático da experiência e da ontologia da obra de arte um mero continuador de Heidegger. Contudo, essa é uma falsa pista, se nós pudermos
para a hermenêutica filosófica - O belo na arte: Platão e a ideia do belo; Baumgarten eleger um autor que mais inspirou de perto a hermenêutica gadameriana esse autor, sem
e a aisthesis; sombra de dúvidas, foi Edmund Husserl, assim como Hegel e Platão são as principais
inspirações filosóficas do Gadamer. O professor Günter Figal que era titular de
- Kant: o belo e o prazer desinteressado do gosto; fenomenologia da Universidade de Freiburg, e se aposentou recentemente, ele herdou a
cadeira que um dia foi do Heidegger em Freiburg e ele tem um livro chamado
- Romantismo alemão e a distinção estética (Schiller); - Idealismo alemão e o “oposicionalidade”, onde vai dizer que o Gadamer tinha uma habilidade de dizer algo que
caráter de passado da arte; aparentemente estaria em consonância com a obra heideggeriana, mas a todo tempo a sua
obra crítica às teses fundamentais do Heidegger. Portanto, Gadamer não é um simples
- Gadamer: o jogo da obra de arte (Huizinga) como tentativa de superação desdobramento da obra heideggeriana. É aquele que vai unir a tradição da hermenêutica
da metafísica da obra de arte e da profanação da aura artística (Benjamin); clássica, principalmente Dilthey com a fenomenologia. A gente pode dizer, que a grande
construção filosófica do Gadamer é a hermenêutica filosófica, sobretudo o caráter
- Atualidade do belo: arte como jogo – caráter medial da obra; o jogo como Universal da hermenêutica como veremos daqui a pouco. O Gadamer só conseguiu
sujeito de si próprio; desenvolver a sua hermenêutica filosófica a partir do momento em que ele retoma o
projeto diltheyano, sobretudo na construção de uma objetividade das ciências humanas,
- Atualidade do belo: arte como símbolo – a herança da tessera hospitalis das ciências do Espírito, atrelada à história a partir da fenomenologia.
platônica;
Podemos dizer que o Gadamer utiliza as teses husserlianas, método
- Atualidade do belo: arte como festa – a retomada da temporalidade da obra fenomenológico de investigação, para tentar resgatar, retomar e levar adiante o projeto
de arte – Kierkegaard e o instante feliz; o ser da obra de arte é temporal; diltheyano de ciências humanas que estivesse em condição de atrelar compreensão razão
e história. Logo, as grandes teses filosóficas gadamericanas se confluem para a chamada
- Ontologia da obra de arte: a unidade fenomenológica entre obra e intérprete
hermenêutica filosófica. Então, é o pai das meninas super filosófica, Podemos até
– a importância de A origem da obra de arte, de Heidegger; ser e diferença temporal.
encontrar antes em Heidegger por exemplo, nos parágrafos de “Ser e Tempo”, em que
b.4) Desdobramentos da ontologia da obra de arte: a hermenêutica filosófica Heidegger se dedica a chamada “analítica existencial”, a gente pode até encontrar uma
análise fenomenológica da hermenêutica, ou uma análise fenomenológica da
- Situação hermenêutica e o Relatório Natorp: o horizonte hermenêutico (a interpretação, ou uma hermenêutica da facticidade, que é a expressão que ele utiliza,
influência de Husserl); - Horizonte hermenêutico e tradição; - Tradição e contudo, Gadamer foi o primeiro a pensar numa hermenêutica filosófica o que permitiria
preconceitos; a visualização do caráter universal da compreensão, que seria aplicável a todo e qualquer
tipo de ciência ponto final então percebam: aqui eu já tenho ecos da tentativa do projeto
diltheyano de fazer com que as humanidades atuassem como esse elemento de fundo de possibilidade da articulação da Verdade para além do método ponto final de uma forma
tudo qualquer pensamento científico. ainda mais clara: é possível que exista a verdade rejeitando se o método. Bom, mas por
que essa questão aparece especificamente nesse momento, quais são os pressupostos
A hermenêutica filosófica tem a pretensão de chamar atenção para o caráter dessa questão e por que o Gadamer se dedica a ela no interior de verdade método?
universal da compreensão, de um modo tal que a compreensão é um traço estrutural da
relação do homem com o mundo histórico. O que a hermenêutica filosófica vai fazer Para que a gente entenda isso de forma adequada, antes de tudo temos que
então, é justamente pensar a relação entre compreensão, história e finitude. perceber o que se entendeu por verdade ao longo de toda a tradição filosófica ocidental.
Basicamente, a verdade no interior do mundo antigo e quando eu digo o mundo antigo
A grande obra fundamental filosófica de Gadamer é “verdade e método", que é me reporto ao mundo greco-romano-cristão, a verdade era pensada como uma adequação,
um texto de 1960. Ele nasceu em 1900 e morreu em 2002, ele escreve a sua obra filosófica adequação do quê a quê. A verdade era adequação do pensamento às coisas. Se nós nos
fundamental de uma forma até tardia, ele tinha 60 anos quando publica o seu primeiro lembrarmos das teses filosóficas do mundo antigo, vamos perceber que o que se encontra
texto filosófico, e logo em seguida se aposenta. O "verdade e método 2" é uma em questão é a ideia da metafísica do objeto, todo pensamento antigo gravita em torno
complementação do volume 1, em que o Gadamer vai responder às críticas que foram das Essências internas e imutáveis, daqueles princípios fundamentais da realidade,
direcionadas ao Volume 1. Essas críticas vieram, sobretudo, do Derrida, há um debate daqueles elementos que vão fornecer unidade a pluralidade no movimento da realidade
muito grande entre desconstrução e hermenêutica filosófica e o Gadamer de certa maneira sensível, no movimento do mundo. Se nos lembrarmos dos estudos filosóficos pretéritos
fica chateado com as críticas do Derrida e se dirige a ele. Verdade e método é a obra vamos imediatamente nos lembrar da palavra arché, era a questão fundamental dos gregos
fundamental da hermenêutica filosófica O que é um texto de 1960. Mas a obra filosófica dos pré-socráticos sobretudo é a palavra que significava a responder as questões acerca
do Gado é muito grande, vai além de “verdade e método”. Claro, ela não é tão grande de onde o mundo veio para onde o mundo vai e o que fornece, o que fundamenta o
quanto a obra filosófica heideggeriana, cujos volumes totais ultrapassam 100, os volumes princípio de todas as coisas do que todas as coisas são constituídas. Filosofia no
totais da obra do Gadamer chegam em torno de 10 volumes. Mas, Gadamer é um autor nascimento da episteme grega significava a razão que se adequava a esse movimento
de uma coleção de artigos muito impressionante chamada “hermenêutica em demonstração da arché. Para os gregos, verdade significava aletheia, desocultamento, ou
retrospectiva”, que foi produzida no Brasil pelo professor Marco Antônio Casanova da seja o modo de funcionamento da arché aparecia, e cabe ao filósofo então, recolher esse
UERJ, pela editora Vozes. A publicação conjunta desses artigos quanto a publicação em movimento no interior do qual as coisas se tornavam coisas elas mesmas através da razão,
cinco volumes separados, então, quem tiver curiosidade de investigar hermenêutica através do pensamento. Daí a tese filosófica platônica, por exemplo, de perceber, de
filosófica, tanto verdade método quanto hermenêutica em retrospectiva, são boas formas conceber a filosofia enquanto unidade entre logos e physis.
de estudo, assim como um textinho chamado a Atualidade do Belo. de 1964, e que no
Brasil está presente numa edição de 2010 de textos reunidos que foram traduzidos pelo Para o Platão, fazer filosofia significa diminuir a distância entre palavras e coisas
professor Casanova a respeito do Gadamer, onde ele os reuniu no livro chamado porque havia a necessidade de a razão se adequar ao movimento da arché e assim
“hermenêutica da obra de arte”. Vocês encontram esse artigo chamado Atualidade do acompanhava-se o modo através do qual a humanidade se tornava realidade. Pois bem,
Belo nesta compilação de textos do Gadamer, que foram reunidos e traduzidos pelo quando então a filosofia chega até a modernidade tem uma mudança radical em relação
professor Marco Antônio Casanova que é a grande referência intelectual em termos de ao modo como se conseguia a verdade, verdade no interior do pensamento filosófico
fenomenologia e hermenêutica no Brasil. moderno significa correção, correção por outro lado não significa simplesmente a
exclusão da ideia de adequação, percebemos isso melhor: se nós acompanharmos a grande
expressão filosófica do nascimento da modernidade que é o Descartes, vamos perceber
que ele coloca a questão das meditações metafísicas, sobretudo na terceira meditação
Propósitos fundamentais de verdade e método: a que veio a obra? Qual é o metafísica, a própria existência natural do mundo exterior, e ele faz esse questionamento
grande propósito da obra? Qual é o grande propósito filosófico gadameriano? A questão a respeito da existência natural do mundo exterior a partir da dúvida hiperbólica, que a
fundamental filosófica do Gadamer é a questão da hermenêutica filosófica, mas, para famosa tese do Cogito.
que a gente entenda a hermenêutica filosófica temos que entender que o livro verdade e
método quer desenvolver a chamada verdade dos processos históricos. Logo, para o Descartes, tudo que existe é passível de ser questionado,
permanecendo de pé diante do questionamento somente essa entidade questionadora, que
Quando o gado se propõe a discutir em verdade e método a chamada verdade dos é a própria razão. Logo, no interior da filosofia cartesiana, toda realidade é passiva de ser
processos históricos, ele está então veementemente se contrapondo, rejeitando a ideia de colocado em dúvida de um modo tal que é a partir da razão que a realidade exterior se
verdade categorial ou verdade lógica que vigora no interior das ciências naturais. O constituiria, se adequaria, e alcançaria então esse elemento constitutivo. Essa tese vai
grande propósito do livro, então, é investigar um tipo específico de verdade, a verdade ganhar sua expressão fundamental, seu ponto máximo, na filosofia Kantiana .Kant, é
dos processos históricos, a verdade da formação das objetividades no interior das aquele autor que através do seu criticismo, vai conseguir pensar a unidade entre
humanidades através do fluxo da história. Verdade é essa, que depende da transmissão sensibilidade e razão. Se nós nos lembrarmos das teses filosóficas kantianas, vamos
dessas objetividades para além, a despeito da ideia de método. Logo, verdade e método é perceber que três são os objetivos fundamentais do criticismo, ele respondia três questões
um livro que se contrapõe claramente a necessidade tipicamente moderna do método para fundamentais: o que eu posso conhecer, como eu posso agir, e o que devo esperar ponto
que se alcance qualquer tipo de verdade, para que se alcance qualquer tipo de final A Crítica da Razão Pura, se nós lembrarmos, ela tem por objetivo pensar as
compreensão, para que se alcance qualquer tipo de sentido. Então quer pensar na condições racionais que vão permitir o conhecimento das coisas, e para o Kant as coisas
somente são conhecidas se o fenômeno se mostra a razão. Para o Kant, conhecimento é do método. Com isso, a partir de verdade e método consegue-se observar a inter-relação
síntese, é junção de razão e realidade exterior, na razão prática Kant pensa a razão como entre existência, compreensão e história.
esse elemento que vai possibilitar o agir prático, lá na faculdade de julgar, o Kant vai
pensar nas condições da constituição de juízo. Logo, a existência acontece compreensivamente, como se deu, e essa existência
que imediatamente permite a co-relação originária com a compreensão se movimenta no
Então, para a filosofia moderna, a razão posiciona a realidade exterior, cujo ponto interior da história. Logo, o Gadamer também vai resgatar a tese heideggeriana de que
máximo de expressão, o expoente, é o próprio idealismo alemão. Hegel é aquele autor existir significa imediatamente colocar-se compreensivamente em relação com os
que vai dizer que não há distinção entre realidade e racionalidade, o real é racional. Pois preconceitos, com os campos de sentido que são fornecidos pela história, a existência
bem, a partir da filosofia moderna então, se tem o asseguramento da Razão, a certeza da acontece compreensivamente em relação com a história. Com isso, Já conseguimos
razão, esse pensa em meios através dos quais a razão se transmite ou se lança ao observar aquilo que o gadamer vai chamar de a universalidade do fenômeno
conhecimento das coisas exteriores a ela, a isso se dá o nome de método. Seja o método hermenêutico. é um autor que vai pensar uma hermenêutica que se aplique a todo e
do empirismo, seja o método do racionalismo o que se pensa são técnicas através das qualquer tipo de fenômeno, logo pode existir uma hermeneutica no interior da física, uma
quais a razão se lança ao conhecimento, a experiência das coisas ponto final de um modo hermenêutica no interior da biologia, uma hermenêutica no interior da Matemática, uma
tal que, a partir da modernidade, o projeto científico é aquele que articula e fundamenta hermenêutica no interior do direito, justamente se atenta pelo fato de que qualquer
toda a possibilidade do conhecimento científico: o método, sem o método não há investigação científica só se dá a partir do momento em que ela entrega do passado ao
conhecimento, sem método não a objetividade, sem método o que se tem é simplesmente presente, há uma movimentação no interior de preconceitos ou seja, ou retoma a tese da
um desdobramento de teses marcadas pelo caráter subjetivo. circularidade e interpretativa que é desenvolvida em ser e tempo. se nós nos lembrarmos
de Heidegger, Gadamer vai dizer que a interpretação só é possível se existe uma estrutura
Para a modernidade se não há método, não há objetividade, a objetividade se prévia da interpretação o Heidegger vai dizer lá na hermenêutica da facticidade: existe
constitui sobretudo a partir da ideia de método. Logo, no interior da tradição filosófica, uma posição prévia e uma conserto alidade prévia de modo tal que eu nunca enxergo algo
da tradição científica, melhor dizendo, verdade significa a submissão do particular ao a partir do zero, mas sempre enxergo “algo como algo”, isso só é possível porque a
aspecto metodológico do universal, só há conhecimento se aquele fenômeno particular é existência acontece compreensivamente no interior da história, logo a universalidade do
experimentado, experienciado à luz das categorias científicas universais da razão. Para fenômeno hermenêutico se justifica pelo fato de que a história permite a entrega de
que eu conheça alguma coisa eu devo submeter esse particular ao Universal, E isso se dá elementos de objetividades tradicionais. a objetividade se forma então, para além da ideia
através do método. de método.

O Gadamer vai então rejeitar esse projeto científico moderno através do qual o
conhecimento se articular ia necessariamente na figura do método, se relacionaria com a
Segunda parte Aula 8
figura do método. O Gadamer vai apresentar a gênese, o processo de formação de
elementos marcados por objetividade que acontecem no interior da história ele vai pensar
O objetivo principal de verdade e método é justamente demonstrar a articulação
a verdade dos processos históricos, ele vai investigar a formação, a gênese de medidas
fenomenológica entre a existência, compreensão e a história. O Gadamer, assim como
históricas objetivas que se formam para além da subjetividade. de uma outra forma, o que
Heidegger havia feito, pensa a relação imediata intencional entre existência e mundo
o Gadamer está querendo dizer é que a objetividade para além do método, e, ao analisar
histórico. A nossa existência se articula, se desenvolve em meio aos campos de sentidos
as próprias ciências humanas, Ao serem analisadas as humanidades, eu consigo encontrar
do mundo. E é isso que se chama de compreensão. Aqui, o Gadamer segue de perto as
características, categorias, elementos que se formam em termos de objetividade sem
teses de ser e tempo. Existir significa abrir-se compreensivamente aos preconceitos, ou
precisar do método. Esses elementos, como veremos daqui a pouco, são os elementos do
seja, aqueles conceitos que se formaram historicamente no interior de uma tradição, de
Tatu, da formação para humano, do gosto, do juízo do senso comum e da retórica.
um modo tal que qualquer comportamento prático que nós desenvolvemos no interior do
Gadamer vai pensar na chamada verdade da tradição. Isso até parece um mundo, Pou qualquer investigação teórica assim como uma investigação científica, só é
oxímoro, verdade da tradição, parecem duas ideias contraditórias, porque se temos possível como Heidegger e já havia chamado atenção, virtude da manipulação, em virtude
tradição não tem a verdade, se tem tradição o que se tem é autoridade, logo não se tem da incidência, em virtude da mediação da história da tradição, que significa justamente
verdade se tem posição. O Gadamer vai mostrar como no interior da história, ou interior esse movimento de entrega do passado ao presente, a tradição acontece por meio da figura
da história medidas objetivas se constituem, se formam e se impõe mesmo que não se da história efeitual.
concorde com elas, essas medidas objetivas se orientam no interior do fluxo da própria A tradição nos fornece conteúdos, conceitos, campos de sentido que vão atuar na
história. É a ideia gadameriana de história efeitual. Então, há uma articulação do ser nossa existência, justamente por conta disso, ou Gadamer vai depender a universalidade
histórico dos fenômenos que se desenvolvem no interior do movimento histórico hino do fenômeno hermenêutico ponto final hermenêutica significa o traço estrutural da
chega, nos entregue, daí a palavra tradição. Tradição significa muito mais o ato de relação do homem com o mundo, a existência humana ela se estrutura
entrega, e a raiz latina nos diz muito, tradição vem de tradere, entrega, algo nos entregue hermeneuticamente, isso quer dizer que tudo isso acontece a partir da mediação da
do passado e esse algo que nos chega através do passado não pode ser negado na sua história, quer nós gostamos ou não.
objetividade. algo vem do passado e sim põe na sua dimensão de objetividade para além Logo, nós sempre estaremos lidando com preconceitos. Isso é inevitável, sempre vamos
lidar com os preconceitos com final existe até uma frase do Nelson Rodrigues: “sem
tradição não se toma um chicabon na praia”, nós acontecemos tradicionalmente, só que no sentido de ética, mas filosofia prática no sentido de antecipação pré-teórica de
como a gente também vai perceber isso não significa que os preconceitos são definitivos, elementos a partir da história.
que eles vão nos encapsular, nos determinar definitivamente, não, assim como Heidegger Vejamos, primeiro, “formação para o humano”, aqui as inspirações para Gadamer
já havia feito com a ideia de angústia em “ser e tempo”, ou com a ideia de acontecimentos são Platão e Hegel. Quem lê Verdade e Método percebe que é um texto que tem nítida
de ser no “contribuições à filosofia”, o Gadamer vai pensar na possibilidade de articulação influência do Hegel e do Platão. Ele se doutorou em filosofia antiga, estudou Platão e
dos preconceitos ou de restruturação dos preconceitos através da figura da fusão de Aristóteles, mais especificamente a ideia do bem nesses pensadores, sob a orientação do
horizontes. Nartop, que era um pensador neoplatônico e neokantiano. Na palavra “formação”, em
A grande diferença do Heidegger para o Gadamer, é que para o Gadamer a fusão formação para o humano, ela tem nítida correspondência com duas palavras, primeiro a
de horizontes é algo quase instantânea, a existência acontece a partir da fusão de alemã biltung, que é uma palavra que é traduzida tanto como formação como cultura.
horizontes, logo não é necessária angústia, não é necessário não é necessário o Assim como a palavra formação tem correspondência na palavra grega Paidéia, o que está
acontecimento época descer, a fusão de horizontes é algo que acontece de forma em jogo então na formação para o humano, na biltung, na paidéia? Voltemos aos gregos,
desdramatizar nada, como chama atenção o professor Marco Casa Nova. O que é a paideia, que era a formação do homem grego, a formação do cidadão grego. Hanna
importante entendermos agora é que é possível o pensamento hermenêutico a qualquer Arendt tem uma frase muito interessante, lá na condição humana, ela diz que a pólis grega
domínio científico, a partir do momento em que as ciências vão justamente investigar a não é um conceito geográfico, a pólis não tem apoio locacional, espacial, a pólis está onde
relação entre tradição e o seu modo de colocação de problemas. O que o Gadamer quer o homem grego está. Não importa o lugar físico, onde está o homem grego ali se encontra
fazer aqui é resgatar o Dilthey, é acabar então com a ingenuidade do pensamento a pólis. Assim como em Roma, onde estiver o cidadão está a civitas, isso só é possível
científico que acreditava que ele tinha as respostas para tudo, que as suas investigações em virtude da formação, em virtude da paidéia. Então, o homem grego, justamente pelo
surgiram a partir de interesses pessoais, mas não, Dilthey disse que isso só é possível fato de não existir vida privada separada da vida pública, só existia vida pública, o
porque você atende a uma solicitação da história, E isso acontece na hermenêutica na processo de formação era uma formação para a cultura grega em geral, era uma formação
física, na biologia, na matemática, no direito. O interessante é o modo como Gadamer foi para a cidade, uma formação para o político. Então, se formava, se aprendiam
recepcionado no direito ele foi atrelado justamente a hermenêutica da aplicação do direito, informações, se acumulavam teses para servir à vida pública de modo tal que a formação
a hermenêutica no interior do Direito pode ser pensada de outra forma, por exemplo como individual engrandecia concomitantemente a própria ideia da civilização grega, a Paidéia
a lei é sinônimo de direito a partir da modernidade e não era Roma antiga, algo aconteceu era a formação não apenas individual, com intuito de aquele indivíduo que passa pelo
no interior da tradição jurídica que levou essa separação decisiva entre lei e direito. A processo de formação ficar mais inteligente e mais sábio, não, a formação garantia a
investigação hermenêutica no interior do direito quer justamente apontar quais foram continuidade da Pólis, a continuidade da cidade.
esses fatores quais são esses elementos de gênese de identificação entre lei e direito, isso Algo semelhante acontece na fenomenologia do espírito hegeliano. O Hegel vai
é o pensamento hermenêutico são as diversas características relação entre parte e todo, ou dizer que a partir do momento em que eu tenha a experiência de conhecimento da
seja, relação entre ciência e história, relação entre ciência e estrutura de pensamento consciência, na medida em que a consciência conhece o seu objeto, da mesma forma o
conduzida temporalmente, historicamente. Para isso então não é necessário método, o espírito se forma, quer se queira, quer não se queira. Vamos pegar a física do Newton, a
método sempre chega atrasado, O método é uma grande ficção da razão no interior da partir do momento em que as leis da física são descobertas, não só um objeto específico
filosofia moderna pois não é necessário que exista o método que me permita chegar ao é conhecido, é entendido, mas a própria razão cientifica como um todo se desenvolve, as
resultado porque esse resultado já me é antecipado pelos preconceitos. Eu vejo uma leis da física então, são construções racionais, são obras do espírito. Então, quando a
cadeira e sei que aquilo é um ente que serve para ser manuseado é um utensílio consciência tende a conhecer, em suas experiencias de conhecimento, concomitantemente
intramundano que serve para eu me sentar, eu não preciso de um método para me dizer se forma o espírito, se forma o universal. Independe da consciência individual. Logo, a
isso. Então, a investigação científica ancorada no método ela é ingênua, porque ela formação nada mais é “a articulação do espírito na história”, é a tese hegeliana
acredita que a razão consegue estabelecer as suas premissas de investigação a partir do fundamental.
zero, mas na verdade essas premissas só são possíveis a partir da mediação da história. Com Gadamer acontece algo semelhante. Ele vê no processo de formação do
Com isso, a partir daí, verdade e método, passa então a investigar desses elementos de humanismo, a construção de medidas históricas que ultrapassam aquelas consciências
objetividade histórica que se formaram no interior das humanidades, ou seja, ele vai individuais e que se transmitem às gerações posteriores, e aqui, essa transmissão de
investigar categorias do humanismo, categorias das ciências humanas através das quais elementos de formação da cultura, elas não dependem de método. Onde eu encontro isso?
há a transmissão de medidas históricas objetivas sem a necessidade de método. Por exemplo, nos textos clássicos da tradição, a figura do clássico é fundamental para a
Contudo, Gadamer não tira isso do zero também, aqui ele resgata a tese de um hermenêutica filosófica. O que é um clássico da literatura, por exemplo, um clássico da
pensador alemão do séc. XIX, Helmholtz, que vai chamar atenção para elementos que música, um clássico da filosofia, é aquele texto, aquele autor, aquela tese que é
são típicos das humanidades, que são: a formação para o humano, o tato, o juízo, o recorrentemente retomada, mesmo que seja para criticar, mesmo que seja para reformular,
gosto e a retórica. O Gadamer vai perceber que em todos esses elementos há o resgate mesmo que seja para balizar, mas eu não posso negar a classicidade do clássico, não posso
da ideia Aristotélica de phronesis, tal como no interior da phronesis se observava a negar a objetividade do clássico, não posso negar que quando o clássico é retomado, o
atenção à situação particular, no interior da formação para o humano, no tato, no juízo, seu conteúdo aparece imediatamente. Eu posso contestar o modelo atômico do Bohr, uma
no gosto e na retórica se observam as mesmas características, a relação e a atenção à tese física, um modelo matemático, mas eu não posso contestar o Platão, eu não posso
situação prática. Vocês vão se lembrar que, em Heidegger, a interpretação já aparecia negar a classicidade do Platão. Eu posso discordar do Platão, mas o fato de eu discordar
como filosofia prática, em Gadamer também. Hermenêutica é filosofia prática não aqui dele ou deixe de gostar, não faz com que o Platão deixe de ser lido. Não faz com que suas
teses deixem de ser trabalhadas, ainda que para ser criticadas. Então, a classicidade do que ainda sim, ele consegue se universalizar. O que é julgar? Julgar é submeter um evento,
clássico, essa capacidade que o clássico tem de se transmitir às gerações posteriores um fato, um fenômeno particular à universalidade de um padrão, à universalidade de uma
a partir da formação cultural, não depende de método. Ele se impõe objetivamente. regra. Kant vai dizer que existem dois tipos de juízo: o juízo determinante, que é
Logo, no interior das humanidades, principalmente a partir do exame do clássico, justamente esse que agora eu disse, você submeter um particular a um universal, (aplicar
eu tenho a retomada temporal de uma configuração, ainda que ela adquira vozes distintas uma regra universal é um fenômeno particular, é um juízo determinante), contudo, existe
que vão pautar o modo como o presente lida com esse conteúdo. Vamos pegar um clássico outro tipo de juízo, que é o juízo reflexionante, é aquele que procura universalizar a ação
da música brasileira, Roberto Carlos, você pode não gostar dele, mas se pegar versões das particular, porque não há de imediato regra universal que paute a ação. Então, juízo
suas músicas, pode encontrar coisas muito boas, que agradem. Pois mesmo que eu não reflexionante é aquele que permite a universalização do particular.
goste dele, ele articulou o presente de uma forma distinta. Clássico é aquele que existe Hanna Arendt tem um texto muito legal chamado “Lições sobre filosofia política
em se diferenciando temporalmente. Guardem essa tese! Ela é fundamental para a de Kant”, ela vai dizer que o político, principalmente após a segunda guerra mundial, que
ontologia da obra de arte que veremos daqui a pouco com Gadamer. se observaram as esfacelações dos modelos éticos, ou seja, diante da falência das éticas,
Logo, a ideia de classicidade na ideia de formação para o humano eu já observo do direito natural, em virtude das atrocidades que foram cometidas, é necessário que eu
elementos que se transmitem temporalmente. O mesmo acontece com a figura do tato. O encontre medidas de ações éticas e políticas a partir do comportamento particular. É isso
que é o tato? O que é uma pessoa que tem tato? É aquela pessoa que sabe se comportar a que ela procura desenvolver na “banalidade do mal”, ou seja, o Gadamer está fazendo
partir daquilo que a situação exige, que sabe ali com jeitinho lidar com o problema, só algo semelhante em “Verdade e Método”, o juízo significa a possibilidade de julgar sem
que, não se ensina teoricamente, metodologicamente, ninguém a ter tato, você vai se seguir uma regra prévia universal, mas sim a partir das orientações da situação. Isso é
desenvolvendo essa capacidade com o “hábito recorrente”, Aristóteles. phrónesis.
Aristóteles uma vez mais! Qual é a diferença da ética platônica para a ética O mesmo acontece com a figura do gosto. A famosa tese do senso comum é “gosto
aristotélica? Platão quer desenvolver uma ciência do bem, tanto isso é verdade que a tese não se discute”, Gadamer vai dizer que não, gosto se discute porque o gosto se pauta a
filosófica do Sócrates por exemplo, é a tese do intelectualismo ético, pro Sócrates, erra, partir de critérios que são forjados e transmitidos historicamente. Isso aqui é outra
ou seja, não pratica o bem, aquele que não o conhece, porque se ele o conhecesse ele o influência clara do Husserl também. O Husserl, vai desenvolver, principalmente nos seus
faria. Para Aristóteles, a pessoa aprende a ser virtuosa não porque ela conhece o bem, mas textos posteriores, tanto no Ideias II, quanto no Crises, a ideia de “síntese passiva”. A
porque ela se comporta recorrentemente de forma boa, ou seja, a hexis, o comportamento lógica, esse grande elemento que nos constrange sempre, ela acredita que o juízo se
recorrente torna a pessoa virtuosa. É isso que se encontra em jogo com a ideia de articula com elementos universais, ou seja, o universal se forma a partir do juízo, da
phronesis, que foi traduzido de forma até questionável para o latim, como prudência. O proposição, Husserl vai dizer que o juízo lógico se movimenta numa estrutura pré-
que é a phronesis? A phronesis é aquela capacidade de agir eticamente a partir das judicativa, vamos pegar o exemplo das Investigações Lógicas, quando vejo uma
solicitações da situação. De um modo tal que quando se age a partir da oitiva, da atenção sequência de números na seguinte ordem 1835, imediatamente eu vejo uma data, e julgo
à situação, aquela medida da ação se universaliza, você consegue agir de forma universal, aquilo como um ano específico de um acontecimento. Contudo, para que eu pudesse
objetiva, mesmo não existindo uma regra prévia que determine o modo como você vai articular esse juízo, “essa é a data de um evento”, houve um elemento pré-judicativo, no
agir, olha o que o Gadamer está nos dizendo, olha como ele lê o Aristóteles, não é caso elemento intencional, que orientou a articulação do juízo, é a síntese passiva, algo
necessário que exista uma regra que vai orientar o comportamento particular que precisa que já está pronto e que vai condicionar a lógica. Então, Gadamer vai resgatar essa tese
se subsumir a ela, é possível que exista uma ação objetiva em meio ao comportamento fenomenológica pro gosto.
particular, isso é a phrónesis. Ninguém aprende a ser prudente, as pessoas agem de forma Então, quando eu digo que gosto de algo específico, ou acho isso ou aquilo bonito
prudente de maneira reiterada se tornando prudente no hábito. ou feio, eu acho que esse meu juízo é formado por subjetividade, mas não, é a tradição
Voltemos ao tato, as pessoas adquirem tato agindo com tato recorrentemente. E que vai me fornecer os padrões judicativos do gosto, gostar ou desgostar de alguma coisa
tem pessoas que não conseguem ter tato para lidar com problemas, acabam dizendo coisas não significa algo essencialmente particular, individual, não, os critérios de constituição
que não são cabíveis para aquela situação, porque elas sempre partem de uma regra que do juízo, do gosto, como os padrões de beleza, são históricos. Eles se formam
precisa ser aplicada à situação, sem ter o pulso, sem sentir aquela situação, esse é o tato. historicamente, logo, a ideia do gosto, a ideia do senso comum, na ideia do bom senso,
Exemplo para entender melhor: pais que tentam dar educação igual aos filhos, seguir um como aquela pessoa que sabe se comportar a partir das requisições da situação, é a
mesmo modelo de educação, com certeza a chance de ele errar com todos é muito grande, phrónesis uma vez mais.
pois ele desconsidera as características pessoais de cada um deles, isso é falta de Então, eu sempre tenho elementos objetivos que se observam na particularidade,
phrónesis. É você perceber o que está em jogo em cada um, E isso não significa agir com pois nem sempre o particular é particularizável, eu consigo ter experiencias de
subjetividade, porque em meio ao comportamento particular é possível que se articule universalização do particular. Vamos nos lembrar do exemplo dos personagens do
uma universalidade da espécie, Husserl. Ou seja, o particular não é necessariamente Balzac, que são universais não porque eles são parentes, ou pessoas que o Balzac
particularizado, eu tenho a possibilidade da universalidade da espécie, é isso que Gadamer conheceu, mas porque eles se repetem, eles são passíveis de universalização. E com o
tá fazendo, tanto na ideia de formação pro humano quanto no tato, há a possibilidade de gosto acontece da mesma maneira.
uma objetividade que se articula no comportamento particular. Por fim, outro elemento que Gadamer enxerga a “formação de objetividades para
O mesmo se dá com o juízo, aqui a grande referência do Gadamer é o Kant, a além do método” é a retórica. Contudo, retórica sempre foi pensada a partir de uma forma
crítica da faculdade de julgar, a ideia do juízo reflexionante. O que é juízo reflexionante? pejorativa, principalmente a partir do papel dos sofistas, que nos venderam a tese de que
É aquele juízo que não segue uma regra prévia, que não segue o elemento universal, mas a retórica é a tese do convencimento pelo próprio convencimento e somente pelo
convencimento, é “a arte de dobrar o outro”, como Schopenhauer mais tarde vai Essa obra buscou acompanhar o processo por meio do qual se formam medidas
desenvolver, a tese que vai te fornecer a capacidade de vencer uma discussão sem ter marcadas pela objetividade que se transmitem no interior do fluxo do movimento
razão, é esse o modo através do qual a retórica se transmitiu à tradição. Contudo, no Platão histórico / no interior do processo histórico - é a verdade, portanto, da tradição. Com isso,
e no Aristóteles retórica não era isso, retórica significa acompanhar o nexo de Verdade e Método se preocupa pensar a possibilidade da universalidade da compreensão,
verossimilhança. Voltemos ao Platão, ele vai dizer que as essências nunca se mostram justamente pelo fato de que, retomando-se uma tese tipicamente heideggeriana, a nossa
plenamente na forma sensível. O sensível sempre vai participar do universal, só que essa existência é histórica, e essa nossa existência histórica acontece compreensivamente! Ou
participação nunca é plena e definitiva, sempre fica algo para trás, logo, sempre se nota seja, Gadamer, na mesma forma que Heidegger, procura então apresentar como correlato
uma relação de proporcionalidade, de remissão, do particular ao universal, de modo tal, do existir o compreender histórico - a existência acontece de forma compreensível!!! Isso
que nenhum particular em si mesmo esgota plenamente o universal, sempre fica algo para significa que nós imediatamente somos lançados no interior do fluxo histórico e estamos
trás, a retórica justamente trabalha com esse aspecto de verossimilhança, ou de instantaneamente em contato com preconceitos - com campos de sentido tradicionais-,
aproximação com o universal, aproximação com o verdadeiro, a retórica está sempre que vão paulatinamente moldar / orientar /estabilizar cada um de nossos comportamentos
ligada na capacidade que as palavras tem de alguma forma se remeterem às coisas em intramudamos, como também oferecer a condição de possibilidade de desenvolvimento
questão nas palavras. Aqui é a velha ideia do logos tinós do Platão, a palavra sempre se de qualquer reflexão teórica ou ação no ponto de vista de uma filosofia prática da ética.
relaciona com o apalavrado.
Logo, Gadamer vai nos mostrar que tanto a ciência quanto a ética se movimentam
Retórica é essa habilidade que não se ensina metodologicamente,
no interior da sedimentação de sentido, que é estabelecida pela história ou na história,
discursivamente, de escolher a melhor palavra para conseguir se transmitir a coisa em
sendo que justamente por conta disso a hermenêutica é Universal. Porque qualquer
questão. Vocês vão se lembrar do logos, legen, lego, como vimos na aula, logos é esse
domínio ôntico-científico específico pode desenvolver, ao mesmo tempo em que
elemento de reunião de escolha da melhor palavra para dar voz à coisa em questão
questiona o seu objeto de estudo particular, reflexões de ordem hermenêutica. - Vimos
no interior do discurso. Ou seja, retórica é muito mais uma habilidade prática de
que é possível se fazer uma ciência da física hermenêutica, uma filosofia do direito
construir um discurso através da eleição das melhores palavras para que elas deem voz às
hermenêutica, uma ética hermenêutica, uma matemática hermenêutica…. se a medida que
coisas de uma forma mais próxima possível do verossímil.
são questionados os objetos específicos de cada um desses setores científicos se atenta,
Então não é simplesmente a arte do convencimento, na retórica se encontra em
justamente, para esse horizonte temático de colocação de questões. Ou seja, o filósofo é
jogo também uma filia, um cultivo, uma amizade com o universal, e isso não se ensina
aquele que não somente acompanha o modo a partir do qual as ciências questionam os
metodologicamente. O que faz do bom orador um bom orador é a repetição da prática
seus objetos de estudos, como também consegue lançar a atenção a essa estrutura histórica
discursiva que vai permitir que ele aos poucos vá formando a sua própria habilidade de
que permite em seu interior questões científicas se apresentem. Por isso, pode-se dizer
escolher as melhores palavras para traduzir aquilo que ele quer traduzir.
que obra Gadameriana retoma o projeto de Dilthey de fazer presente essa
Em cada um desses elementos, formação para o humano que se nota no clássico,
rearticulação entre vivências e o todo da vida do espírito, agora então corrigido pelo
o tato, o juízo, o gosto, a retórica, há uma relação com a phrónesis aristotélica, ouvir a
aspecto fenomenológico.
situação, ouvir o particular, ouvir aquilo que é requisitado pela situação, mas isso não
significa agir arbitrariamente, ou subjetivamente, porque há sempre o elemento de Na última aula, paramos justamente no ponto que falávamos das categorias do
objetividade que se articula na particularidade, para além do método. Logo, as humanismo que sempre estiveram presente no interior da reflexão das chamadas ciências
humanidades já tinham nelas mesmas a possibilidade de verdades tradicionais que não se do espírito (expressão do Dilthey), só que foram lançadas a partir do momento em que a
constituem metodologicamente. O Gadamer vai ainda articular a verdade pensada na ciência moderna apareceu por uma aspecto da pura subjetividade, quando então a partir
tradição com o caráter da obra de arte, o Gadamer vai ver na experiencia do estético desse paradigma científico se falou em dado / em juízo / em gosto, imediatamente cada
também a possibilidade da formação de verdades históricas para além do método, de um uma dessas categorias que historicamente constituíam o universo das humanidades foram
modo tal que aquilo que acontece no interior da obra de arte se repete no interior da simplesmente relegadas ao universo do subjetivo / ao universo do acientífico, sobretudo
própria história efeitual, horizonte hermenêutico da tradição, como veremos nas próximas pelo fato de que cada uma dessas categorias se forjava, se constituíam a despeito do
aulas. método.
Gadamer, na primeira parte de Verdade e Método, resgatando o pensamento de
Aula 9 ..., ele vai mostrar como cada uma dessas categorias representam um modo através do
qual a verdade dos processos históricos se estabelece. Ou seja, tanto na formação para o
humano, quanto no tato, no juízo, no gosto, na retórica se encontram em questão o modelo
Na aula anterior estávamos conversando da relação fenomenologia e da ética aristotélica (phronesis), que permite, então, a articulação com a situação concreta
hermenêutica perante a obra de Gadamer – Conversávamos sobre a importância de de ação. Por outro lado, isso não significa dizer que essa articulação / essa escuta à
“Verdade e Método” para formação da ideia de uma hermenêutica filosófica. A obra de situação concreta de ação, que cada uma dessas figuras estariam condenadas ao arbitrário,
Verdade e Método (1960) procurou pensar a possibilidade de uma verdade do interior dos ao subjetivo.
processos históricos. Dessa forma, essa obra vai buscar rejeitar e combater efusivamente
Com isso, Gadamer procura desenvolver a tese husserliana da chamada
toda a necessidade da ciência e da filosofia moderna de se pensarem em objetividades
universalidade da espécie. Há no interior de cada uma dessas figuras o desenvolvimento
que se formam no interior da ideia de método.
em termos de objetividade e de universalidade que somente são possíveis em virtude do há a possibilidade de uma mostração sensível dessa ideia, justamente em meio a forma
movimento da história. física que é tida por bela.
- Passamos a estudar na obra Verdade e Método o caráter da experiência artística Dessa forma, para Platão, o Belo (a ideia de beleza) tem essa peculiaridade, já que
da experiência estética (item b.3). consegue ser visível aos olhos físicos sem a necessidade então de um esforço maior de
ordem especulativa. a ideia do belo, então, tem uma possibilidade maior de mostração
Gadamer dedica boa parte dessa obra à análise da experiência do acontecimento
sensível. Contudo, a estética enquanto setor filosófico destacado, separado da filosofia,
da obra de arte18, da experiência estética, (QUESTÃO IMPORTANTE!!!) porque para
não havia surgido ainda, já que Platão ainda pensa a estética no interior da tradição
o Gadamer, o modo através do qual a experiência estética se desenvolve é o mesmo modo
especulativa, da tradição epistêmica. Sendo somente no século XVIII, através de um
através do qual a história se realiza. Em outras palavras, o que acontece com a experiencia
pensador chamado Alexander Baumgarten, que a estética adquiriu o estatuto de uma
do acontecimento da obra de arte, também se verifica no interior da história.
disciplina filosófica autônoma, destacada. E o Baumgarten vai desenvolver toda uma
Logo, Gadamer ver a experiência da obra de arte como profundamente reflexão estética a partir da ideia de aisthesis - palavra que em grego significa literalmente
paradigmática para o modo através do qual a história se desdobra em seus efeitos. Ou sensação. E pelo fato de Baumgarten, desde então, desenvolver uma estética a partir da
seja, toda ideia de história efeitual, fusão de horizontes, tem exatamente o mesmo aisthesis, podemos perceber que a beleza tinha uma relação com a sensação, inclusive de
movimento que se observa no interior da experiência estética. Com isso, o autor quer ordem física. Dessa forma, o modo como o pensamento moderno no contexto da
chamar a atenção da tese típica da fenomenologia de que não há nenhum tipo de ilustração pensou a estética atrelava de certa maneira o belo às sensações de ordem física.
estabelecimento do ser das coisas para além da relação com as coisas.
Esse aspecto é de certa maneira superado sobretudo a partir da obra Kantiana.
Para entendermos o modo pelo qual o Gadamer pensa a relação com a obra de Kant foi um filósofo muito importante para estética e também muito importante para o
arte, é necessário voltar, ainda que brevemente, ao modo através do qual a tradição modo pelo qual Gadamer ver a importância do movimento da obra de arte para
filosófica lidou com a experiencia estética (obra de arte.). Assim, se voltarmos aos textos hermenêutica.
platônicos, mas precisamente na obra “A República”, o Platão tem toda uma tentativa de
Kant desenvolve suas reflexões sobre a estética sobretudo na Crítica da Faculdade
esvaziar a cidade dos poetas, os poetas foram expulsos da cidade. Tanto no Íon, quanto
do Julgar. Kant na “Faculdade do julgar” desenvolve a obra em duas partes: a primeira
no Fédron, o Platão coloca o artista numa posição subsidiária / inferior em relação à
parte vai analisar o juízo do Belo, e na segunda parte vai analisar a teleologia da natureza
ciência, em relação a episteme, em relação à filosofia, porque a arte de certa maneira lida
- se preocupa em pensar se existe uma ideia de finalidade inerente à natureza.
com formas sensíveis, e na tradição filosófica platônica o sensível tem uma posição
inferior em relação a inteligível, já que o sensível não permite ver em sua plenitude todo
o
Nesse momento, focaremos na questão em relação ao modo pelo qual o Kant vê o
movimento de constituição das ideias juízo do gosto, o juízo do belo no interior da “Crítica da Faculdade do julgar”.
Para Platão, as coisas sensíveis sempre estão animadas pela ideia, a ideia sempre Belo para Kant é prazer desinteressado - ao recordar, as duas obras anteriores do
participa das coisas sensíveis - a ideia de methexis. Contudo, o sensível por si só, isto é, Kant, se situavam no interior do criticismo filosófico: A Crítica da Razão Pura se
tomado individualmente, não consegue traduzir por excelência todo esse movimento de preocupava em responder à questão fundamental “o que e como posso conhecer?”. Logo,
concreção do campo ideal. Sendo, diante disso, a necessidade de realizar aquilo que a faculdade do conhecimento se lançava às coisas que apareciam, as formas a priori da
Platão, chamou de fuga aos logois - a busca do elemento inteligível em meio, e a partir sensibilidade espaço e tempo para produzir conhecimento na forma de uma síntese, um
do sensível. Logo, o belo também se manifesta enquanto forma sensível. Ainda que para juízo, no interior do qual se ligavam as categorias do entendimento, que são a priori, com
Platão, o belo tem uma importância maior em relação às demais artes, por exemplo , o as formas organizadas da sensibilidade que constituíram o fenômeno. Por isso, para o
artesanato, de modo que a forma bela ou corpo belo para Platão tem importância porque Kant não há conhecimento da coisa em si, só há conhecimento daquilo que se apresenta
vai dizer que foi dado ao belo ser a forma mais evidente das ideias (trecho do Fedron) - às formas a priori da sensibilidade - sem fenômeno não há conhecimento. De modo que
Platão está querendo dizer com isso que: ao recordar a estrutura da metafísica platônica, a Razão Pura para o Kant é interessada, e o seu interesse é conhecer.
na qual as ideias somente são alcançadas pelo pensamento, isso quer dizer que não temos
Em igual sentido, acontece com a Razão Prática - a razão prática é também
intuição das ideias, mas apenas conhecimento discursivo a respeito das ideias (diánoia).
interessada, o seu interesse é em agir - pergunta fundamental da filosofia prática Kantiana:
Portanto, não temos noesis, que corresponde a apreensão imediata da ideia de forma
“como devo agir? Como posso agir?” E o agir para o Kant é ético se ele parte das formas
intuitiva.
a priori da Razão, dá vontade pura prática. Assim, antes de a ação se desenvolver é
Em outras palavras, nós sempre precisamos falar sobre as coisas para que as ideias necessário que a partir da razão o critério da ação já esteja pronto por conta própria.
articulem o movimento da fala, e em meio a isso, as coisas apareçam no interior do campo
A razão então, orienta o agir de modo tal que a ação é livre se ela parte da razão
aberto pelo discurso. Logo, a partir do conhecimento discursivo (diánoia), temos acesso
para alcançar as finalidades da própria razão - a famosa tese da primeira formulação do
às ideias. Por isso, a necessidade de um esforço racional, de um esforço intelectual para
imperativo categórico do dever pelo dever. Por outro lado, isso não acontece, ou seja,
que as ideias apareçam. Contudo, especificamente para um tipo de ideia: a ideia do belo,
esse interesse gnosiológico da Razão Pura e esse interesse prático da ação da filosofia da
ética Kantiana / filosofia prática do agir correto, não se notam no interior da Terceira
18
Verdade e método procura desenvolver uma fenomenologia da obra de arte.
crítica: “a Crítica da faculdade de julgar”. Porque o Kant diz que o belo é prazer sementes) para uma geração vindoura que teria seus vínculos comunitários e seus
desinteressado. vínculos genéticos constituídos a partir do laço estético - uma república estética é um
projeto de fundamental do Romantismo alemão.
O Kant vai dizer que a partir do momento em que a razão se coloca diante de algo
belo, há o livre jogo / o livre movimento das faculdades do entendimento e da Contudo, o Gadamer nos diz isso, a partir do Romantismo alemão difundiu-se a
sensibilidade. A faculdade do entendimento e a faculdade da Imaginação entram então tese da distinção estética - o que é a distinção estética? o romantismo, por outro lado, a
em um movimento tal que, quando se coloca diante da obra de arte bela, acontece o prazer despeito de se ter pensado esse vínculo entre estética, ética e política, ele acabou por
desinteressado. Simplificando, quando se está diante da obra de arte bela, para o Kant, há procurar o chamado núcleo da obra de arte, o seu centro da obra de arte. Logo, o fenômeno
uma organização interna da razão que permite então a plenitude, a completa presentidade estético teria uma parte principal: o núcleo => a distinção estética. Que poderia, dessa
diante da obra bela. forma, ser isolada de aspectos contingenciais / acessórios da obra de arte.
O Kant está dizendo que quando se está diante da obra bela, nada mais importa do É como se nos colocássemos diante da obra e procurasse então a sua parte mais
que analisar / observar / estar em presença da obra de arte bela. O prazer é desinteressado importante, o seu núcleo artístico que pudesse ser isolado daquele aspecto que é
porque ao observar a obra de arte bela, não há nenhum tipo de requisição, não há nem um puramente acessório / contingencial e, por consequência, dispensável do fenômeno da
outro tipo de necessidade / não há algo a se fazer quando se está diante da obra de arte obra de arte. O que é o centro da obra de arte? O que está em questão da obra de arte? É
bela, a não ser, acompanhar a sua presentidade. O belo é prazer desinteressado porque como se você pegasse um romance clássico da literatura e procurasse a parte mais
promove às faculdades do entendimento e da imaginação um livre jogo, de modo tal que importante, o seu núcleo, o seu coração, o belo - herança do Romantismo alemão.
não há nenhum tipo de requisição ou necessidade para além desse movimento de estar
É esse mesmo modo de lidar com obra de arte na forma da distinção estética que
diante da obra de arte bela. se observou a partir do Romantismo é transmitido ao idealismo alemão, sobretudo nas
Logo, Kant foi o primeiro autor a pensar a ausência de funcionalidade da obra de famosas preleções de estética de Hegel - No interior das preleções de estética do Hegel,
arte. (é uma questão contemporânea, pois muito se critica a estética, dizendo que não aparece aquilo que Gadamer vai chamar lá na hermenêutica da obra de arte, mais
serve especificamente para nada - A beleza então é tida como elemento fútil, dispensável especificamente no artigo chamado “Atualidade do belo”, caráter de passado da obra de
que pode ser simplesmente desconsiderado, colocado de lado.) Kant concorda com essa arte. Hegel é o autor que procura a todo tempo sobressaltar o próprio movimento do
ideia, pois para ele quando se está diante da obra de arte bela, não há nenhum outro tipo Espírito, ele não consegue ver o particular na sua plena e total particularidade, de modo
de requisição / de solicitação / de compromisso a não ser estar diante da própria obra de que para Hegel o particular é sempre um aspecto do universal; é sempre o Espírito em
arte bela. Contudo, a despeito do Kant não valorizar esse movimento de lida com a obra seu movimento. Daí então, que uma obra de arte para o Hegel seria a mostração do
de arte, Kant acaba subjetivado o belo, pois o belo está antes de tudo na razão. absoluto / a intuição do absoluto, assim como a religião seria a representação do absoluto,
e a filosofia a ciência do absoluto.
Kant é aquele autor que acaba interiorizando o belo, porque o belo é produto do
juízo do gosto / do juízo do belo. Assim, tenho com a estética Kantiana uma subjetivação A Obra de arte no interior do sistema hegeliano é uma etapa ainda não plena de
do Belo / uma subjetivação estética que vai acabar então, se transmitindo ao próprio realização do absoluto, do espírito que tem certeza de si mesmo. Por isso, o Gadamer vai
romantismo alemão. De modo que o romantismo alemão vai difundir a tese da distinção dizer que a obra de arte no Hegel tem um caráter de passado, tendo em vista ser uma
estética que aparece sobretudo, no Schiller na primeira geração romântica (romantismo forma de manifestação ainda não plena do Espírito. Tanto isso é verdade que esse aspecto
de Wemer). As famosas cartas sub-estéticas do Schiller vão articular ética e política. E do passado da obra de arte a partir do idealismo alemão vai desembocar no século XIX
isso é uma tese que de certa maneira já estava no Kant. Ele irá dizer, por exemplo, que em toda a cultura dos museus. A obra de arte representa um passado, um mundo histórico
faz parte da natureza do belo essa ideia de comunidade (comunidade do belo), que depois que já se foi, e precisa então ser colocado em um museu para que esse passado seja
o Romantismo alemão resgata com maior precisão. EX: quando a gente então vê algo preservado20. Ou seja, a obra de arte no interior do idealismo alemão é marcada por uma
belo, seja um filme, um livro, uma obra de arte, é natural que temos aquela intenção forte tendência de instrumentalização / uma forte tendência de funcionalização, porque a
imediata de dizer ao outro, comunicar ao outro. obra de arte sempre apontaria para algo além dela. Eu nunca simplesmente me contentaria
com o próprio movimento de apresentação da obra, seria necessário para o idealismo
Dessa forma, a partir do romantismo difundiu-se a tese de que o belo congrega, o
alemão visualizar na obra de arte o elemento que a transcende, ou abandonar o campo de
belo tem um aspecto comunitário, o belo nos une. - Ao ponto de Dostoiévski mais tarde
mostração específico da obra para me apegar a elementos que estão puramente além da
dizer que só a beleza salvará o mundo; essa frase busca expressar que a beleza tem esse
fenomenalidade.
aspecto de congregação / a beleza tem essa capacidade de estabelecer vínculos e laços de
ordem comunitária. Por isso, que para o Schiller e para o romantismo alemão a educação Com isso, o caráter de passado da obra de arte, significa, então, transcender o
estética não tinha por meta simplesmente desenvolver naquele indivíduo que lida como o campo de mostração fenomenal da obra de arte para ir buscar elementos que estão para
belo, a sensibilidade a cores, formas, conteúdos, ele se tornar a pessoa mais sensível além desse campo fenomênico. ** CONTUDO, diante do que vimos nos estudos de
diante da obra de arte bela … NÃO É ISSO!! A educação estética poderia, então, lançar fenomenologia, não podemos concordar com algo para além do seu campo de mostração
sementes para a comunidade política.19Com isso, o belo semearia (estabeleceria sensível, ou seja, para fenomenologia não há distinção entre ser e sentido / essência e

19 20
Tem um texto do Novalis em que esse esforço de se estabelecer um vínculo político a partir do belo Frase da preleções de Hegel: Hegel vai dizer que nós diante da obra de arte sacra conseguimos então
ou vínculo ético a partir do estético, ganha ainda mais nitidez. visualizar o belo na obra, mas perdemos a capacidade de nos ajoelhar perante ele.
aparência; porque a realidade acontece em meio a superfície de sua mostração. Logo, o constitutivo do seu movimento -algo semelhante acontece aqui na ideia de jogo para o
caráter de passado da obra de arte vai sobrelevar justamente esse esforço do idealismo Gadamer. “Metáfora do jogo de futebol.23
alemão em procurar sempre essa transcendência da obra de arte, e isso é contestado por
Com isso, Gadamer vai dizer que o jogo é tão melhor jogado quando o sujeito do
Gadamer no interior de Verdade e método.
jogo deixa de ser o jogador. A importância do jogo recai na própria dinâmica do jogo. O
COMO GADAMER VER A OBRA DE ARTE21 E COMO ISSO É jogo é tão melhor quando os jogadores desaparecem em meio a dinâmica. Então, o
IMPORTANTE PARA O MODO PELO QUAL ELE ENXERGA O MOVIMENTO DA jogador jogou bem quando ele individualmente não aparece, ele some ! O que aparece é
HISTÓRIA. a própria dinâmica do jogo - o jogo que vai lá e cá (no caso do futebol ataque e defesa)
!!! Assim, quando o jogo é bem jogado, os jogadores individualmente somem, porque
Para o Gadamer a obra de arte nunca é, ela nunca está pronta para além de sua
aparece o próprio fluir da bola.
dinâmica de apresentação. Portanto, inicialmente para Gadamer não existe uma obra de
arte pronta, acabada que vai ser simplesmente recepcionada pelo seu observador, que vai o Gadamer vai dizer que o sujeito do jogo é o próprio jogo - o jogo é tão bem
ser simplesmente admirada, vista pelo seu observador... NÃO!!! Para o Gadamer, o ser jogado quando o jogador desaparece. RELAÇÃO DOS ASPECTOS DO JOGO COM A
da obra de arte se articula em meio a sua apresentação, a obra se torna a obra a partir do OBRA DE ARTE - Em primeiro lugar, Gadamer vai dizer que a obra de arte estabelece
momento em que há o encontro da obra de arte com seu intérprete. Então, a obra nunca é o seu ser na sua dinâmica de apresentação e, quando isso acontece, o intérprete se coloca
plena e acabada, ela é um construto, uma imagem que vai se reconfigurando a cada diante da obra de arte não é para dizer o que a obra de arte é, mas justamente para se
apresentação dessa obra, a cada vez que a obra ela é apresentada, o ser da obra se articula inserir no movimento de acontecimentos da obra de arte, para que a partir do observador
em meio a sua observação por parte do seu intérprete. a obra de arte ganhe voz.
Gadamer então vai ressaltar esse movimento no interior do qual o ser das obras se EXEMPLO MUSICAL: quando eu estou no espetáculo / no concerto / no show e
articula, através da figura que ele herda de um filósofo e Historiador Holandês chamado o cantor acaba prevalecendo sobre o ritmo da música, deixo de ver a música, de ouvir a
Johan Huizinga.22 Gadamer vai se inspirar no Huizinga para perceber o modo através do música para ver o cantor. Por outro lado, quando o cantor se entrega à própria
qual a obra de arte acontece, através da figura / da imagem do jogo. Por quê o jogo? apresentação musical, eu consigo prestar atenção na música e não no cantor. Então, o
Gadamer usa essa palavra justamente para realçar o movimento de constituição da obra observador ou artista se entrega de tal forma dinâmica de acontecimentos da obra que,
de arte. quem ganha destaque é a própria obra e não o artista.
***Como estávamos dizendo, para o idealismo alemão a obra de arte está pronta O Gadamer está dizendo que a partir do momento em que uma obra é
e ela então vêm do passado e chega ao presente, e ao chegar ao presente, eu preciso então executada ela ganha o seu ser, porque o ser da obra não é pronto antes da sua
introjetar na mostração da obra de arte aquele elemento que vai fornecer sentido. - Tese dinâmica de apresentação.
essencial do Hegelianismo. ***
OUTRO EXEMPLO: versão musical - disco famoso do rock brasileiro da Rita
Gadamer vai dizer que a obra de arte se forma enquanto obra em meio a sua Lee - música “agora só falta você” Então, é uma música, e o ser da obra aconteceu, está
apresentação. E quando o observador ou o intérprete se coloca diante da obra de arte, a ali! É um construto ganhou uma imagem e uma versão. Essa música foi regravada
obra acontece nessa relação, neste movimento, nesse livre jogo que traz o intérprete e a recentemente, e quando ela regravada, o ser da obra se articula uma vez mais. Com isso,
obra. não se tem o “agora só falta você” pronto no passado que foi simplesmente reexecutado
agora no presente ao ser regravado. NÃO! A partir do momento em que se tem uma nova
Para entender a figura do jogo basta lembrarmos do movimento das ondas
gravação o ser da obra acontece de outra maneira. Dessa forma, o ser da obra não é pronto
(exemplo de Gadamer). Ao observar as ondas do mar, tem-se um livre jogo das ondas,
e acabado, ele adquire outras vozes / outras configurações em meio a sua retomada no
pois elas se movimentam a partir de uma dinâmica que é inerente à elas, elas vêm e vão…
presente.
Na mesma forma que ocorre no jogo de luzes, o movimento das luzes é o movimento que
tem a sua lógica / a sua dinamis interna a ele mesmo. Logo, as ondas do mar tem uma Logo, para o Gadamer, há sempre a ideia de caráter medial da obra de arte. Toda
dinâmica de movimento que é delas, ou seja, não vem algo de fora que é introjetado nas vez que uma peça teatral, por exemplo, é executada a obra de arte teatral acontece!
ondas e permite que elas se movimentam daquela forma que elas se movimentam. É como EXEMPLO: uma peça de Shakespeare que é executada por vários e vários séculos. - é
se fosse a physis antiga, a natureza antiga é aquela que tinha esse mesmo princípio um texto da obra que ganha voz, que se rearticula em meio a sua dinâmica de recepção,
em meio a sua dinâmica de execução. Então, isso faz parte da obra de arte: o seu ser, o
que a obra é, não existe para além da apresentação. Por mais que existam distintas versões,
essas versões são versões da própria obra.

21 23
essas teses do Gadamer sobre a obra de arte tanto se encontra em Verdade e Método, quanto no O bom jogador no jogo de futebol não é aquele que simplesmente tem talentos individuais, ou aquele
Atualidade do belo. que pega na bola o tempo todo e não passa a bola para ninguém. Mas sim, aquele que faz o jogo fluir,
22
Huizinga tem um livro muito famoso chamado o Homo Ludens, em que vai mostrar como o jogo é o isto é, aquele que a partir da sua dinâmica / a partir da sua apresentação / a partir do seu jogar, ele
elemento constitutivo da antropologia ocidental. O jogo é o elemento que constitui a cultura ocidental - contribuiu para que o jogo como um todo aconteça, e se desenvolva da melhor maneira possível. O
Assim, o jogo das crianças, a brincadeira dos animais..., algo que aparentemente é lúdico faz parte da craque do futebol /o melhor jogador do time / o camisa 10 é aquele que faz o jogo fluir / aquele que dá
nossa formação enquanto humanidade - Essa é a tese do Homo Ludens do Huizinga. dinâmica no jogo, aquele que dá movimento ao jogo.
MÚSICA COMO EXEMPLO: se eu começo a tocar a música e começo a errar os Aí sim, o ser da obra adquire sua unidade - é isso que Gadamer vai chamar de
acordes ou a tocar acordes diferentes - vai se perceber, por exemplo, que eu não estou símbolo! O símbolo representa então, justamente aquilo que requisita a outra parte para
tocando Beatles, mas sim Ramones. Porém, eu só posso afirmar que isso é Ramones e que ele seja pleno, com a totalidade de seu sentido - a grande inspiração é de fato a tese
não Beatles ou o inverso, porque tem a obra dos Beatles. Logo, há o caráter da própria do Banquete de Platão das Almas Gêmeas. Por fim, a obra de arte é jogo porque ela é
obra que vai mediar a sua execução, e isso faz parte da interpretação. Pois, a interpretação movimento, ela é símbolo porque ela requer a parte contrária, e também é festa.
não é dizer qualquer coisa sobre qualquer coisa, mas sim, é abrir o espaço para que o
OBRA DE ARTE É FESTA - festa neste sentido é uma imagem para o caráter
interpretado ganhe voz em meio a atividade do intérprete. O bom intérprete é aquele que
temporal da obra de arte. Aqui o Gadamer está em diálogo / está sob a influência de outro
quando ele fala, o que aparece é a obra e não o próprio intérprete.
grande Pensador: Kierkegaard, que vai pensar justamente a temporalidade do instante.
Se eu tenho então um intérprete que faz realçar ele mesmo ao invés da obra, essa Kierkegaard em dois textos: Ou ou e O Diário de um sedutor (a tese do Don Juan) - vai
interpretação é uma interpretação ruim, porque tem a obra. Assim, dizer que a obra de então desenvolver o modo através do qual se lida com aspectos do tempo - questão
arte se forma em todas as apresentações, não significa por outro lado dizer que a obra de tipicamente Cristã.
arte é relativa, que a obra de arte simplesmente é um construto processual - ou seja, não
Tempo é representado na tradição grega por duas imagens / por duas deidades:
tem a obra, mas a idealidade da obra. Só que essa idealidade se articula / se configura em
Cronos e por Kairós; O tempo cronológico, assim como o Cronos devorava seus filhos,
sua sucessíveis retomadas apresentativas. É ISSO QUE SE ENCONTRA EM QUESTÃO
éo tempo do relógio, é o tempo do movimento, é o eterno pantarei, eterno fluxo. Então o
COM A IDEIA DE JOGO QUE O GADAMER VAI DIZER QUE FAZ PARTE DO
tempo cronológico é o tempo do relógio, dos dias, dos meses, dos anos, do calendário. E
MOVIMENTO CONSTITUTIVO DA ARTE!!
inerente à essa figura do tempo cronológico está o eterno movimento que nunca cessa.
Ao mesmo tempo que Gadamer vai dizer que a arte é jogo, também vai dizer que Por outro lado, o Kairós é a divindade grega que procura estabilidade em meio ao fluxo /
a ARTE É SÍMBOLO!!! em meio ao movimento - Kairós vai marcar para gente uma outra dimensão temporal, que
é a dimensão do instante.24 Ao passe, que o tempo cronológico é o tempo do movimento,
A arte como símbolo - A herança / a influência do Gadamer é o Platão. É a famosa
é o tempo da movimentação, da mobilidade que, por sua vez, atenta contra o
tessera Hospitalis (tábua de hóspedes) do Platão.
estabelecimento de medidas.
TÁBUA DE HÓSPEDE (mito grego) - há na Grécia uma tradição quando você
Aqui está em jogo os dois grandes pilares da tradição pré-socrática: Heráclito -o
visita a casa de uma pessoa, ao sair / ao ir embora, o visitante / hóspede recebe a metade
eterno movimento; e Parmênides - a tese da identidade. O instante é justamente a
de um prato que é quebrada pelo anfitrião, ou seja, o dono da casa pega um prato e quebra
dimensão temporal que procura unidade na multiplicidade, permanência na mudança. O
o braço em duas partes, dando uma metade para o hóspede e fica com a outra metade. Se,
cristianismo, dessa forma, pensa a relação de Deus com o tempo dessa mesma maneira.
posteriormente, um descendente daquele hóspede vier a visitar outra vez aquela casa, ele
Deus é eterno, sendo eterno porque está fora do tempo. Deus não é cronológico, está fora
vai levar aquele pedaço que o seu ancestral recebeu. Aquele símbolo / aquele pedaço de
do tempo. Nós que estamos então em meio ao tempo - poder temporal = poder secular,
prato funciona como se fosse um passaporte - é o elemento de reconhecimento da outra
em meio ao tempo.
parte.Gadamer vai chamar esse aspecto de simbólico - símbolo significa, então, aquela
parte que requer necessariamente a outra metade para que ele adquira totalidade. Nós estamos submetidos ao calendário, à mudança. Submetidos a alteração do
eterno correr do tempo - é o aspecto do movimento / da mudança / do fluir. é necessário
Platão quando pensa no simbólico está se referindo a famosa tese do banquete / a
então que se pense algo que está em meio ao tempo, diferentemente do Deus Cristão que
famosa tese das Almas Gêmeas. Na qual, aquelas que tiveram a sua parte / a sua cara
está fora do tempo. Ou seja, é necessário se pense em algo que está em meio ao fluxo,
metade partida (uma foi para um lado, uma foi para o outro) e elas procuram
mas que ganha identidade em meio ao fluxo, que permanece em meio a mudança estando
incessantemente se reencontrar. As almas gêmeas, portanto, são simbólicas, já que
no próprio espaço de constituição do movimento – essa é a figura do INSTANTE.
precisam da outra metade para que tenham a pretensão de unidade. - Símbolo significa
aqui, aquilo que requer a sua outra parte para que exista um sentido. Kierkegaard vai pensar na reconciliação com o divino neste elemento do instante.
A obra de arte é simbólica porque sem o observador / sem o intérprete / sem as teses do Kierkegaard, vai usar que metáforas para criticar determinados
aquele que vai mirá-la / fitá-la / se colocar diante da obra, a obra de arte não é. filósofos. Exemplo: quando o conto o mito do Don Juan, está se referindo a consciência
Porque a obra de arte não existe para além da sua apresentação. infeliz hegeliana. --- A consciência infeliz: na fenomenologia do Espírito o Hegel vai
apresentar os modelos de experiência da consciência, lá na dialética do Senhor e do
dizer que a obra de arte é símbolo, significa dizer que há uma necessidade
escravo, o Hegel vai apresentar essa fruição do produto por parte do Senhor que nunca
de co-implicação / co-requisição entre obra e observador / entre acontecimento da
tem fim - chama isso de consciência infeliz.
obra e observador desse acontecimento, de modo tal que a obra só é / só adquire seu
ser / só adquire unidade, através do encontro dessas duas partes solicitantes: De modo que, consciência infeliz é aquela consciência que experiencia,
execução / apresentação e observador! experimenta a satisfação / experimenta o consumo, mas nunca está satisfeita - (consome,
consome, consome, mas nunca se sacia, sempre requisita algo mais.) – Kierkegaard vai
A obra de arte então necessita do acontecimento / da execução para que então,
observar isso na figura do Don Juan!
diante do intérprete vire ser. Uma partitura musical, por exemplo, só é obra de arte quando
é executada e quando é recepcionada na oitiva por alguém. A peça teatral só é obra de
arte quando é executada uma vez mais para platéia, aquele que vai então recepcioná-la. 24
instante vem do latim instare, que significa literalmente: estar presente em.
O Don Juan é aquele sedutor / aquele conquistador que nunca se contenta com reconfiguração de algo que veio do passado. OU SEJA, o ser da festa adquire uma outra
uma só pessoa conquistada, sempre procura uma outra, uma outra, uma outra. Nunca está voz / uma outra face / uma outra celebração em cada vez que a data é retomada.
feliz, sempre quer algo mais, e por isso que ele é melancólico, pois precisa voltar ao
O Ser da obra de arte, e essa é a tese Gadameriana, é temporal. Ser temporal não
passado para lembrar todas as conquistas amorosas que ele teve, porque nenhuma delas
significa que é necessário sempre ter estabilidade. Vimos que a partir da tradição
o deixa plenamente feliz, já que ele sempre quer mais e mais e mais.
metafísica ocidental, Heidegger vai chamar atenção para isso, nós sempre vinculamos ser
Assim, o Don Juan é aquela figura que se contraporia, por sua vez, à ética com presença - algo não pode mudar para que ele seja. Se algo muda não é o ser ainda,
Kantiana - pois o Kantiano é aquele que recusa o prazer por respeito à regra. Logo, ele é o vir-a-ser. Porque ser é permanência, e se algo experimenta dissolução, esse algo é
não se coloca no movimento de constituição temporal. ainda temporário, não é ainda definitivo, já que ser é permanência.
O Kierkegaard pensa na figura do casamento religioso como esse elemento de O Gadamer vai dizer algo totalmente diferente disso - Ser é mudança, ser é
permanência em meio a mudança – isso está nas “obras do amor”. O Kierkegaard vai dissolução, só que essa dissolução não atenta contra o próprio caráter ontológico,
dizer que quando você se casa com uma pessoa, você vai conviver com ela por muito porque o ser temporal é aquele que existe em se diferenciando no tempo. Gadamer
tempo, ou é essa a expectativa. Só que aquela pessoa com a qual você se casou não será vai dizer que faz parte da estrutura ontológica / faz parte da estrutura do ser a
exatamente aquela mesma pessoa que você vai conviver ao longo de todo o restante da dissolução histórica. O Ser é diferença ontológica.
sua vida, ela vai se modificar, todos modificados. Contudo, se você se lembra daquele
Logo, a cada vez que a obra de arte acontece, há a possibilidade de o ser da obra
instante feliz do casamento religioso, a retomada daquele instante feliz, devolve a você
se reconfigurar / se rearticular, adquirir uma outra roupagem / uma outra voz na
no presente da mudança a chave para você perceber a identidade em meio a mudança.
apresentação. E essa possibilidade de reestruturação dos ser da obra, não atenta contra o
Quando você tem lembrança / quando você retoma / quando você recupera o próprio caráter ontológico da obra! Ou seja, existe uma unidade fenomenológica entre
instante da união amorosa, você tem então a possibilidade de uma permanência em meio obra e intérprete - a obra sempre se mostra para alguém, para o intérprete. E quando ela
ao fluxo temporal. Para o Kierkegaard só o amor religioso consegue te devolver essa se mostra para o intérprete, há uma relação que permite que o ser da obra se articula em
permanência em meio a mudança. meio a relação para com intérprete - HUSSERL - quando existe um fluxo de consciência,
esse fluxo abre espaço para que o correlato da consciência apareça, e isso não quer dizer
Também vai dizer nos “Migalhas filosóficas”, que Sócrates e Cristo são os dois
que a consciência criou o objeto ou posicionou o objeto, porque os objetos correlatos
metres da existência - o Sócrates é o mestre da existência porque ele vai te fornecer as
aparece na forma da autodação.
chaves para que você possa viver feliz / viver bem! Porém, o Sócrates é o mestre atrelado
à vida temporal. Por outro lado, Cristo é aquele que vai te fornecer as chaves da existência Algo acontece aqui com a obra de arte para o Gadamer: quando o intérprete se
que transcendem a dimensão puramente temporal --- é a tese do instante feliz!! Você coloca diante da obra / quando você se coloca diante de um quadro de Guignard o ser da
experiencia o Divino em meio ao fluxo temporal. obra se auto apresenta diante do intérprete. Contudo, não quer dizer que o intérprete vai
dizer o que a obra é. NÃO! Ele se mostra, mas sem o intérprete não é possível que essa
Kierkegaard é um autor especificamente Cristão que tem por finalidade a
relação se estabeleça. Logo, a obra de arte nunca é para além dinâmica de apresentação,
conversão. E isso é importante porque na figura da festa, o Gadamer retoma a tese da
ao mesmo tempo em que o ser da obra se articula com a visão / com a observação do
reprise
intérprete - que vai dizer: “isso é o Guignard!”; “o Guignard quis dizer isso com a obra”;
FESTA -- EXEMPLO DO NATAL: todo ano tem o Natal, ou seja, há sempre a “Alejadinho quis dizer isso sobre sua obra”
retomada daquela festa. Porém, em cada vez que aquela festa é retomada, a festividade
Ou seja, a obra de arte requer essa relação com o intérprete. A grande influência
acontece de uma forma distinta. É sempre a mesma festa, é sempre a mesma data
aque é também um texto fundamental de Heidegger: “a origem da obra de arte”
comemorativa, contudo, a cada vez que essa data é retomada, essa festa acontece de
maneira distinta. E quando se está diante da festa, o tempo cronológico é suspenso. Heidegger na "Origem da obra de arte” vai dizer que no interior da obra de arte
(quando você está numa festa, não fica ali olhando o relógio - quando a festa é boa você sempre se nota uma contenda / uma relação entre mundo e terra - toda vez que você se
esquece dos afazeres cotidianos - a sua dinâmica de solicitação cotidiana é suspensa. Você coloca diante de um quadro, o mundo da obra de arte vem a presença. EXEMPLO
esquece as coisas que você tem que fazer - se tem ali um outro tipo de temporalidade, que (Heidegger): o quadro do Van Gogh “os sapatos do camponês” => quando você se coloca
é a TEMPORALIDADE DA PERMANÊNCIA- de modo que não está no interior de uma diante do quadro do Van Gogh, você vê o sapato, a forma que eles têm as travas no chão,
festa pensando em coisas que estão fora da festa. Até pode estar desse jeito, mas aí não assim, o mundo do camponês aparece. Ou seja, o modo como o camponês lida com a
estaria aproveitando a festa. Ou seja, quando a festa se estabelece não se tem mais tédio terra, as suas preocupações, os seus objetivos … tudo isso vem à presença imediatamente
- tédio é ser desinteressante para si próprio, você não se aguenta, é como se o tempo não quando o intérprete se coloca diante da obra. Portanto, não é o intérprete que está
passasse. enxergando isso no quadro, pelo contrário, o quadro está apresentando por conta própria
o mundo do camponês HUSSERL: O CORRELATO SE AUTO APRESENTA.
Quando se está numa festa não se tem tédio porque não se percebe a dimensão
temporal. Logo, algo permanece em meio ao fluxo temporal / algo se estabelece em meio Contudo, existe uma dimensão de impenetrabilidade no quadro, pois não se tem
ao fluxo temporal. Portanto, no interior da festa se tem a retomada de uma data, porém a como dizer definitivamente o que é o mundo do camponês, ficando uma dimensão a partir
cada vez que a data é retomada a festa acontece de maneira distinta - aqui se tem o instante da qual / para além da qual não consigo mais ir. É como se houvesse um biombo, não
feliz - A recuperação de algo do passado no presente que permite por sua vez a própria
consigo dizer em definitivo que aquele é o mundo do camponês, que o mundo do Razão Pura, vai chamar de paralogismo e antinomias da Razão Pura Prática. São juízos
camponês é exatamente dessa forma. que se formam sem fenômeno, e esses juízos podem existir, mas não tem nenhum tipo de
importância para o conhecimento.
Há uma dimensão que resiste a penetração do olhar do observador, e o Heidegger
vai chamar isso de TERRA. O Kant vai chamar esses raciocínios puramente racionais, ou seja, sem fenômenos
de paralogismos, antinomias ou uma ideia. A ideia tem dois tipos de função: primeiro é a
EX: quando se pega os quadros do Impressionismo, ou mesmo o quadro “Natureza
prática - ideia de liberdade: atuar no mundo metafísico (que não nos importa); já a
Morta” do Cézanne - ao observá-lo é uma cesta de frutas, uma mesa, uma toalha e só. Faz
segunda, é a função reguladora da ideia, já que consegue organizar toda a série do
parte da tradição impressionista colocar um biombo no quadro para impedir que o
conhecimento, porque ela é um elemento de determinação futura ou determinidade
observador projete a sua visão para além daquilo que aparece além da sua superfície.
indeterminada.
Aqui tem uma discussão de estilos artísticos - Por exemplo, se eu pego as telas do
A inspiração para o Husserl para essa ideia de horizonte é o Kant, essa estrutura
renascimento, mais precisamente Da Vinci por exemplo, os quadros sem profundidade,
que é indeterminada no começo, mas que vai adquirir determinação paulatina. Só que
ou seja, consigo ver uma dimensão de reprodução geométrica do espaço que convida o
essa determinação não é definitiva - é a mesma imagem visual do Horizonte, você está
olhar do observador enxergar mais além do horizonte. Os quadros do renascimento puxa
caminhando em direção ao horizonte, você enxerga o horizonte e quanto mais você
o olhar do observador para o fundo, cada vez mais fundo. Já no impressionismo o que o
caminha em direção ao horizonte, mas o horizonte fica longe, porque é uma estrutura que
pintor faz com o observador é fazer que o observador permaneça sempre analisando a
vai sendo aos poucos concretizada, mas nunca é concretizada em definitivo.
superfície daquilo que ele nota, há uma espécie de biombo que impede que o observador
penetre para além daquilo que ele ver. Em outras palavras, O Cézanne quer que você veja O Horizonte Hermenêutico é a situação hermenêutica -
a cesta de frutas para justamente você perceber que a dinâmica utensiliar acaba
Heidegger no relatório Nartop, outra vez chama a atenção para ideia de
escondendo o modo como as coisas acontecem às nossas mãos. Logo, eles estão nos
dizendo que a superfície nunca é superficial, algo acontece na superfície que nem sempre SITUAÇÃO HERMENÊUTICA.
tem a nossa atenção merecida. E isso é FENOMENOLOGIA!! Não tem mais diferença Situação hermenêutica significa você se colocar no interior de uma determinada
entre ser e aparência, entre aparência e essência. NÃO! As coisas se estabelece na configuração de sentido que é herdada pela história. Ser um SER-AÍ significa
dimensão do olhar / da visão. imediatamente ser um SER NO MUNDO, logo, nós somos imediatamente jogados no
O Heidegger na “Origem da Obra de Arte” está dizendo algo muito semelhante: mundo em que campos de sentidos são transmitidos a nós imediatamente. É você sempre
existe uma dimensão de mundo, de abertura do mundo do camponês, mas também tem se movimentar no interior de um ser prévio / de um conceber prévio / de um ver prévio e
uma dimensão de terra que impede que se calcule exatamente o que é o mundo do de conceptualidade prévia. Então, você sempre se coloca no interior de uma posição da
camponês. Tem-se uma tensão entre abertura e velamento / abertura e fechamento. Essa história, que vai te orientar a ver as coisas como você as vê e, identificar / nomear /
é a grande inspiração para ontologia da obra de arte do Gadamer. Porque a obra de arte conceituar as coisas como você conceitua. Logo, tudo que nós fazemos é uma replicação
sempre vai ter uma relação entre ser da obra e intérprete, só que a obra definitiva nunca do horizonte histórico hermenêutico, a nossa existência é situada (inspiração para o
é. Então, eu não posso dizer que essa é a obra, pois a obra sempre adquire uma nova voz Gadamer de Karl - situação limite). Nós sempre nos movimentamos no interior de um
na sua retomada temporal. horizonte de sentidos que é historicamente constituído. Esse horizonte de sentido sempre
atua perante nós na forma da tradição. Ou seja, está no interior de uma situação histórico
A importância de se discutir esses assuntos dentro da hermenêutica, está no fato
hermenêutica, significa, antes de tudo, está em relação com campos de sentido que são
de que para o Gadamer a obra de arte é fundamental para o modo através do qual ele
transmitidos pela história - TRADIÇÃO.
enxerga a hermenêutica filosófica. De uma outra maneira: se o Gadamer tivesse parado
“Verdade e Método” nessa parte, nós conseguimos concluir o texto por conta própria - Gadamer conceitua tradição: é a pluralidade de vozes do passado que nos chegam
Estética da Congenialidade de Schleiermacher. ao presente. De modo que nós somos efetivamente tradição. Tudo que nós pensamos,
fazemos, sentimos, almejamos, esperamos é tradição, porque nós inevitavelmente sempre
Pois, o mesmo que acontece com a estrutura da obra de arte se repete no interior
nos movimentamos no interior de um horizonte hermenêutico de sentido. A história,
da história:
então, nos entrega / nos apresenta / nos concede sentidos que vão permitir que nossa
Primeiro, o Gadamer vai começar a segunda parte de “Verdade e Método” em que existência se desenvolva - isso é tradição.
vai estudar as características / as categorias fundamentais da hermenêutica filosófica,
Logo, quando se fala em tradição, imediatamente estamos falando de preconceitos
justamente trabalhando a ideia de situação hermenêutica e Horizonte hermenêutico -
- aqui há uma crítica da hermenêutica filosófica a uma dinâmica do esclarecimento, a
Gadamer está retomando dois autores que são fundamentais para seu percurso filosófico:
dinâmica do iluminismo.
o Husserl e o Heidegger.
Gadamer vai dizer que: Primeiro, não é possível eliminar os preconceitos.
A palavra horizonte aparece pela primeira vez na “Meditações Cartesianas” do
Segundo, se isso fosse possível seria totalmente desaconselhável. Pois, é impossível
Husserl. Especificamente na 3ª e 4ª Meditação; Horizonte é um termo que o Husserl vai
eliminar preconceitos porque nós acontecemos existencialmente através de preconceitos.
construir a partir da Inspiração da ideia no Kant. Quando na Crítica da Razão Pura, a A ideia de situação hermenêutica é justamente a posição do interior da história que nos
razão começa a raciocinar utilizando somente as categorias abrindo mão do fenômeno,
fornece pré-conceitos / campos de sentido que vão nos articular o significado das coisas.
passa a produzir raciocínios contraditórios, que o Kant, na Dialética Transcendental da
O simples fato de usar uma lapiseira para escrever é preconceito. Portanto, é impossível significa então apresentar uma série de opiniões negativas sobre o uso puro da Razão -
eliminar o preconceito, já que somente seria possível se nós fossemos eliminados do Isso é preconceito.
mundo. Pois estar no mundo significa estar lidando com preconceitos. E ainda que fosse
Contudo, a partir do momento que começo a ler o livro, percebo que não é bem
possível eliminar preconceitos, isso seria recomendável porque nós não conseguimos
isso que a palavra Crítica quer dizer - crítica para o Kant significa indagação a respeito
fazer absolutamente nada. Já que são os preconceitos que nos fornecem os elementos para
das condições de possibilidade de alguma coisa. Quando eu percebo que não é bem isso
tocarmos a nossa existência, para levarmos adiante o nosso projeto existencial.
que o Kant quis dizer, já que Kant quando usa a palavra crítica está falando sobre
Nós sempre aferimos / obtemos significados que vão modular cada uma de nossas condições de possibilidade. Percebo que entendi errado. Isso para o Gadamer é fusão de
ações a partir dos Campos de sentido se estabiliza no interior de um tempo. nós somos horizontes.
tradição, nós somos preconceitos
Fusão de horizontes significa então, a checagem conjunta do Horizonte de
Com isso, Gadamer chega ao coração de ‘Verdade e Método', que é justamente saída, que é justamente a minha posição na história efeitual, e o horizonte de
ideia de HISTÓRIA EFEITUAL. chegada, aquilo que a obra quer me dizer.
Sempre vemos a história como narrativa de um passado, reconstrução de fatos. Nós então quando vamos estudar um autor / ler um texto, estamos a todo momento
fazendo fusão de Horizontes. Porque tem a minha pré-concepção / o meu preconceito e
A história efeitual se liga ao próprio movimento do acontecimento histórico
aquilo que a obra efetivamente me diz. E quando eu balizo, quando eu checo
(Geschichte). Sendo que a história efeitual nada é do que a tradição oferecendo sentidos
conjuntamente um e outro - tem-se a fusão de horizontes.
à existência.25
A interpretação é feita quando se tem as pré-compreensões do intérprete, que são
A história sempre acontece na forma de transmissão de preconceitos / de
inarredáveis / inafastáveis e acabam sendo refinadas, balizadas por aquilo que o texto nos
transmissão de conteúdos / de transmissão dos seus efeitos- a história efeitual.
diz. Fundir o horizonte significa então corrigir preconceitos pela obra. E isso significa
Gadamer vai dizer que justamente pelo fato de existir em uma época específica, a que o próprio ser da obra, por sua vez, também adquire reconfiguração no encontro com
história efeitual vai me apresentar um determinado horizonte hermenêutico no interior do seu intérprete. Assim, fusão de horizontes é uma figura que representa a correção conjunta
qual estou lidando com preconceitos. de preconceito e ser da obra. O mesmo que acontece na origem da obra de arte, o mesmo
É a nossa a posição imediata / de partida - estar aqui agora sentado falando para que acontece na estética, na ontologia da obra de arte.
vocês é história efeitual / é tradição / é preconceito. é isso que o Gadamer nos diz aqui - obra de arte não vem do passado e se encontra
Entretanto, nós não estamos condenados a imediatidade ou a imutabilidade dos com intérprete, de modo que nesse encontro ela adquire uma outra voz; o mesmo acontece
preconceitos. Vamos voltar ao Heidegger> Heidegger dizia que a história acontece com a história efeitual. - A minha posição no presente, a minha situação hermenêutica
através da forma de preconceitos, só que esses preconceitos primeiro se transmite de entra em contato com uma configuração de sentido que a obra me apresenta / que a
forma encurtada. Ou seja, a versão original dos preconceitos ficou no passado, de modo história me apresenta. E este diálogo / essa leitura conjunta de um e de outro realiza a
que recebo versões encurtadas / deformadas desse preconceito - daí a necessidade de fusão de horizontes Gadameriana.
destruição da história da ontologia para que se volte ao fenômeno originário. EXEMPLO Aqui o Gadamer critica, por exemplo, o Walter Benjamin no texto famoso “a obra
DO LIVRE ARBÍTRIO - Atualmente para nós livre arbítrio é liberdade para fazer o que de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”. O Benjamin vai criticar o cinema, por
eu quero, mas na verdade no contexto originário de construção do conceito: livre arbítrio exemplo, porque o cinema segundo ele contribuiria para corrosão da aura da obra de arte.
significa aquela vontade que é conduzida totalmente por Deus. Logo, o conceito foi Toda vez que a obra é reproduzida, ela perde o seu ser, ela deixa para trás o elemento
transmitido para mim de forma encurtada e isso acontece com todos os conceitos. importante da sua configuração. Gadamer, ao contrário, vai dizer: toda vez que a obra é
Para o Heidegger, então, tenho que destruir a história da ontologia para voltar ao reproduzida, é retomada o ser dela se articula de uma outra forma. Ou seja, há um
fenômeno originário - o conceito se formando enquanto conceito. Gadamer com a ideia acréscimo de ser a obra toda vez que ela é executada. Porque há fusão de horizontes.
de FUSÃO DE HORIZONTE, desdramatiza esse gesto Heideggeriano. Em igual sentido, uma tradição é tão mais rica se há fusão de horizontes. A
Exemplo: ao pensar em um estudante que acabou de entrar no curso de Filosofia tradição filosófica é rica, porque os autores são sempre retomados, rediscutidos,
e que nunca estudou kant, quando chega numa livraria e se depara com um livro chamado contestados e confirmados. Pois, quando um autor é retomado o ser da obra adquire uma
Crítica da Razão Pura. Ao ler esse título imediatamente a sua situação Hermenêutica lhe outra voz (fusão de horizontes).
diz: ‘eu li um no título que se chama a Crítica da Razão Pura, logo eu pressuponho que Uma tradição cultural é mais rica se as coisas em questão são discutidas. Com
esse livro vai ter uma série de opiniões negativas sobre a razão. Crítica da Razão Pura isso, existe uma certa forma de otimismo no Gadamer aqui.
25
Em alemão existem duas palavras para representar a história: 1) essa história narrada, essa história
O Gadamer tem um aspecto processualista, porque esse processo de fusão de
científica, essa história de reconstrução de fatos - se chama History. Contudo, o movimento de horizontes nunca termina, é constantemente aberto porque nunca há uma obra definitiva.
acontecimento histórico, a historicidade se chama Geschichte. Geschichte.e History são duas palavras A obra vai constantemente se atualizando na sua retomada interpretativa.
para representar a história, mas para realçar aspectos distintos da história. O movimento histórico é
Geschichte.; a história científica, a disciplina que a oferecida no ensino médio ou curso de história é
History, reconstrução de fatos.
Tendo em vista tudo que discorremos, pode-se perceber que o diálogo é elemento compreendido é a linguagem, porque a fusão de horizontes acontece no interior da
que faz parte da hermenêutica filosófica. ** não confundir diálogo com o modo linguagem. Quando eu questiono a obra, a obra me devolve o seu ser linguisticamente.
cotidianamente apresentado** Logo, tenho relação entre fenomenologia e linguagem. As coisas se apresentam em seus
campos de autodação a partir da linguagem.
Quando Gadamer diz que o diálogo, a dialética faz parte da hermenêutica, não
está querendo dizer que as pessoas conversam entre elas e chegam a um acordo sobre Derrida, filósofo francês muito importante do século XX, vai questionar o
algo específico; - diálogo não é isso. processualismo do Gadamer. Ele vai dizer que o Gadamer é um autor logocentrismo. Isso
significa que o ser da obra nunca deixaria de articular (otimismo processual do Gadamer).
O diálogo ressalta justamente esse movimento de fusão de horizontes, o diálogo
Logo, o Derrida vai dizer que o Gadamer é um autor otimista, porque ele acredita que não
se estabelece entre o ser da obra e o intérprete.
exista ruptura, sempre haverá acréscimo de ser na obra de arte. O diálogo sempre vai
Gadamer ao comentar sobre os diálogos platônicos (Obra Hermenêutica permitir que o ser da obra se articule. E para o Derrida não é necessário construir sempre,
introspectiva), vai dizer que a beleza dos diálogos platônicos é o Sócrates convencendo o mas sim desconstruir o ser da obra. Então para o Derrida, a questão não é um otimismo
interlocutor. Assim, o fato de que Sócrates e interlocutor são guiados pela coisa em interpretativo, mas sim, a possibilidade de desconstruir ao invés de pensar em atribuição
questão no diálogo. Quando Sócrates, então, perturbava as pessoas perguntando para elas de sentido sempre. Ao invés de pensar em acréscimo de ser, seria importante pensar no
“O que é a justiça?” “O que é a coragem?” “O que é a temperança?”, ele não queria dizer decréscimo do ser.
para elas o que são essas coisas. Ele queria exatamente o movimento da epagogê - que é
o movimento através do qual o conceito se apresenta enquanto conceito. Para isso ficar
mais claro, quando Sócrates conversava com as pessoas e perguntava para elas “O que é
justiça?”, ele queria que as pessoas então percebesse que os seus conceitos usuais e Aulas 11, 12 e 13 talvez
recorrentes de Justiça eram conceitos marcados por posições que não eram definitivas. Unidade III –
Quando aos pouquinhos vão se indagando / questionando / apresentando os distintos O Juízo de Aplicação do Direito: A Hermenêutica Jurídica Clássica
sentidos de justiça, a própria ideia de justiça se impõe ao diálogo e se mostra.
01) Hermenêutica Jurídica: noção fundamental
Algo exatamente semelhante acontece aqui no diálogo Gadameriano - quando a
fusão de horizontes se estabelece, o ser da obra pauta a relação. EXEMPLO: um colóquio - O que são interpretação, integração e aplicação do Direito?
sobre Dostoiévski - tem-se uma série de intelectuais, pensadores, enfim, debatendo sobre
- Definição de Carlos Maximiliano;
Dostoiévski. Eles não vão simplesmente emitindo as suas posições, opiniões sobre
Dostoiévski. Não! Quando estão debatendo sobre a obra de Dostoiévski, o ser da obra - Emilio Betti e os distintos tipos de interpretação: Cognitiva, Recognitiva e
pauta o debate de modo tal que olham para a obra e, não para as opiniões pessoais dos Aplicativa;
debatedores. Isso é dialética, diálogo.
02) A Hermenêutica Jurídica Clássica - Noção fundamental e contexto de
Para o Gadamer a partir do momento em que se dirige a obra questões / perguntas, surgimento da expressão;
os preconceitos do intérprete são corrigidos pelo texto do Dostoévski - isso é fusão
Horizonte. - François Geny: técnica jurídica de interpretação e de aplicação do Direito;
então o diálogo serve para que o intérprete ao questionar a obra, a própria obra se 03) O Juízo de Aplicação do Direito (Francesco Ferrara: Interpretação e
auto apresente, se auto estabeleça, ela ganha presentidade. O diálogo é o componente Aplicação das Leis);
hermenêutico, não porque as partes chegam a um consenso, a um acordo, a uma
3.1) O silogismo jurídico
camaradagem a respeito do ser da obra. NÃO! o diálogo é componente hermenêutico
porque, quando se questiona a obra, se dirige a ela a questão “o que a obra é?” a obra - O que é o silogismo?
responde na fusão de horizontes.
- Escola da Exegese Francesa: o silogismo jurídico e o juiz como a “boca da
Por isso Gadamer na terceira parte de Verdade e Método diz que o ser que pode lei”;
ser compreendido é a linguagem. [Essa frase causou uma imensa falta de compreensão
do texto gadameriano, - acharam que o Gadamer era um filósofo da linguagem - não é - Críticas da expressão: o problema da premissa menor do raciocínio de
nada disso] aplicação do Direito; a conclusão por subsunção;
O ser que pode ser compreendido é a linguagem, significa que a linguagem é esse - Henrique Cláudio de Lima Vaz: silogismo prático-moral;
espaço interior no qual a coisa hermenêutica ganha voz - aqui o Gadamer está
acompanhando de perto “Contribuições da filosofia” de Gadamer. O tema da cinética. - Extensão ao Direito: Silogismo prático-jurídico ou juízo de interpretação e
Quando eu me coloco no espaço de estabelecimento da linguagem, aquilo que se aplicação do Direito.
movimenta no interior da linguagem aparece - a famosa tese do dito poético: o poeta é 3.2) Juízo de Aplicação do Direito a) Modelos:
aquele que abre espaço para que as coisas ganhem corpo em meio a palavra poética. (tese
Heideggeriana). O Gadamer está dizendo algo semelhante, pois o ser que pode ser a.1) Ferrara: premissa maior, premissa menor e conclusão por subsunção;
- Crítica: incompatibilidade com a estrutura processual; - Analogia: raciocínio ad simili; a importância da ratio legis; analogia legis e
analogia iuris;
a.2) François Geny: Técnica jurídica – cinco etapas – i) identificação da
quaestio facti; ii) identificação da quaestio iuris; iii) crítica jurídica formal e - Princípios gerais do direito: noção – herança do positivismo jurídico.
material; iv) interpretação; v) aplicação; b) Premissa maior do juízo de aplicação do
Direito c) Premissa menor do juízo de aplicação do Direito

b.1) Identificação do Direito existente: - A situação fática deduzida em juízo;

- O que é identificar a existência do Direito: análise das categorias jurídicas - Romanos: allegata et probata e iuria novit cúria;
– existência, validade, vigência e eficácia; - Formação da quaestio facti e da quaestio iuris;
b.2) Interpretação do Direito identificado - A importância das provas e do ônus de provar;
- O que é a interpretação jurídica? - A presença da subsunção;
- Busca pelo sentido: voluntas legislatoris x voluntas legis; - Fundamento da subsunção: Karl Engish e Karl Larenz: teoria da
- Vontade do legislador: Escola da Exegese Francesa – motivos políticos e equiparação.
racionais; influência da Hermenêutica Clássica; posição subjetivista, psicológica ou d) Conclusão por subsunção – a aplicação jurídica
tradicional; efeitos ex tunc;
- A decisão enquanto vontade racional;
- Vontade da lei: Escolas Histórico-Sociológicas do século XIX; posição
objetivista, com efeitos ex nunc; - Fundamentação: unidade entre direito interpretado, fatos provados e
argumento decisório;
- Francesco Ferra: ratio legis – unidade entre corpus, mens e telos;
- Decidibilidade: a verificação dos argumentos decisórios – Kant e o juízo de
b.2.1) Metodologia de Interpretação do Direito - Determinação dogmático- reflexão da aplicabilidade.
constitucional: art. 93, IX, CR/88;
AULA 11
- Métodos ou processos de interpretação (Maximiliano):
O Juízo e Aplicação do Direito: A Hermenêutica Jurídica Clássica
a) Gramatical, literal ou filológico – análise dos verba legis;
A Hermenêutica Jurídica foi definida por CARLOS MAXIMILIANO como o conjunto
b) Lógico-sistemático: retomada do círculo hermenêutico;
de procedimentos investigativos que tem por missão determinar o sentido e o alcance do
- Vicente Rao: dois métodos distintos, lógico e sistemático; Direito. No interior da hermenêutica há três técnicas: de interpretação, integração e
aplicação do Direito - três espécies (teoria da interpretação, teoria da integração e teoria
c) Método histórico: busca da ocasio legis e da origo legis;
da aplicação). A hermenêutica jurídica poderia ser bem entendida enquanto hermenêutica,
- Escola Histórico-evolutiva (Geny): busca da ratio legis; pois a esta se preocupava com a construção de uma técnica de interpretação, integração
e aplicação do Direito.
d) Método teleológico: Jurisprudência dos Interesses – interesse
juridicamente protegido; - Joaquim Carlos Salgado: fins são a ratio legis; Na hermenêutica filosófica, a partir de GADAMER, há uma relação estrutural entre
b.2.2) Classificação da Interpretações em relação ao alcance: hermenêutica histórica e mundo. A Hermenêutica Jurídica é uma técnica, e por isso se
encontra muito mais próxima à ciência do Direito. Se localiza entre a filosofia do Direito
a) Interpretação declarativa: unidade entre texto e ratio; e Ciência do Direito em sentido amplo, razão pela qual é complexo alocá-la no eixo
b) Interpretação restritiva: texto ultrapassa a ratio; introdutório do curso de Direito (não é uma matéria genuinamente filosófica, mas também
não é uma disciplina reflexiva do direito posto).
c) Intepretação extensiva: ratio ultrapassa o texto;
Interpretação, desde a hermenêutica clássica havia a ideia de mediação significativa -
- Distinção entre interpretação extensiva e analogia.
lidar com significados e campos sentidos, buscando fazer com que os conhecimentos do
b.3) Integração do Direito - Conceito de integração jurídica – o problema das passado venham ao presente. No caso da interpretação jurídica, além da ideia de mediação
lacunas e da completude do ordenamento jurídico; de significados e sentidos, entende-se a necessidade de se fixar o sentido e o alcance do
Direito (segundo a menção de CARLOS MAXIMILIANO).
- Art. 4º, LINDB: analogia, costumes e princípios gerais do direito;
Por sentido do Direito se entende a análise e conteúdos deontológicos das normas regras jurídicas. Segundo o Princípio da Proibição do Non Liquet (proibição da não
jurídicas, ou seja, lidar com o conteúdo que advém das chamadas situações jurídicas. decisão) o intérprete não pode se eximir de decidir alegando que não há lei aplicável. O
Quando se menciona situações jurídicas movimenta-se no interior da teoria das fontes do Poder Judiciário é inerte, mas uma vez acionado não pode negar apreciação para com
Direito - atos e fatos capazes de produzir normas jurídicas (fonte material e formal, ameaça ou lesão. As técnicas de integração do direito são portanto a previsão de
mediatas e de apoio). Na conceituação de MAXIMILIANO interpretar o Direito mecanismos que auxiliarão o intérprete a resolver o problema das lacunas jurídicas e
significa precisar o sentido e alcance do Direito, isto é, primeiro analisar/consultar as promover a aplicação do direito (o ordenamento não é completo, mas deve ser
fontes do direito e a partir delas apurar as situações jurídicas, e determinar seu alcance. completável, i. e., ter mecanismos utilizáveis na inexistência prévia de texto normativo
As situações jurídicas são posições dos destinatários das regras perante elas, pois destas adequado: elementos de integração jurídica).
regras surgem efeitos, ou seja, alocação/posição do sujeito de direito diante das regras,
A hermenêutica jurídica lida também com a aplicação do direito. Toda aplicação é uma
pois a partir dessa relação surgem direitos e obrigações.
decisão, e decidir pressupõe um ato de vontade, uma manifestação de vontade. Mas essa
As situações jurídicas podem se dividir em dois modos: situação jurídica subjetiva e manifestação de vontade específica do aplicador de direito não é por assim dizer
situação jurídica objetiva. A subjetiva é aquela em que diante da posição do sujeito de subjetiva, visto que por força do artigo 93, inciso 9º da CF, toda decisão jurídica para
direito perante as regras jurídicas surge para este prerrogativas pessoais vantajosas existir precisa ser motivada. Dessa forma, a decisão é uma manifestação de vontade
(direito subjetivo, faculdade jurídica). A objetiva é que por meio de uma regra jurídica justificada do aplicador do direito, chamada pela doutrina - sobretudo pelo professor
surge para o destinatário um conteúdo que ele não pode ignorar (uma obrigação de Joaquim Carlos Salgado - como um ato de vontade racional. Esse ato não é algo
fazer/não fazer). Ao afirmar que a interpretação fixa o sentido do direito, diz-se que o puramente arbitrário ou simplesmente subjetivo, apesar de ser manifestação de vontade,
intérprete é aquele que vai analisar as fontes do direito e mapear a partir delas situações pois para que essa vontade produza efeitos jurídicos precisa se apoiar na identificação de
jurídicas subjetivas e objetivas que permitiram então o aparecimento de direito subjetivo, status fatos e do direito que motivaram o aplicador a decidir daquela forma e não de outra.
obrigações jurídicas e sanções. Fundamentar a decisão significa apresentar as razões de decisão, motivos que conduziram
o aplicador, a demonstração objetiva das etapas e caminhos que o levaram à decisão - a
Contudo a interpretação jurídica, segundo MAXIMILIANO (apesar deste confundir
esse processo dá-se a expressão: método (apesar de haver muitas críticas a metodologia
interpretação e hermenêutica), é também a delimitação do alcance, ou seja, precisar as
no interior do direito, a hermenêutica jurídica sempre será metodológica - pois a própria
situações fáticas que vão receber a incidência do sentido interpretado - até onde esse
constituição assim exige).
sentido é interpretado, quais fatos irão receber aquele sentido. Fixar o alcance de uma
regra significa analisar quais as situações fáticas que refletem - a partir de suas Apesar da hermenêutica jurídica comportar uma análise mais ampla que o fenômeno
características essenciais - a situação típico-hipotética prevista no texto: uma análise interpretativo, a teoria da interpretação ocupa lugar de destaque no seu interior. Para
conjunta de realidade de texto, a análise conjunta de fáti-espécie normativa e situação tanto, EMILIO BETTI desenvolveu os três tipos de interpretação: cognitiva,
fática concreta que pode ser inserida nesse gênero da fáti-espécie. A norma jurídica é recognitiva e aplicativa. Para BETTI toda interpretação - mediação de
composta da fáti-espécie - hipótese de incidência da regra - e consequência - efeitos da sentidos/conteúdo - assume essas três formas, sendo que, a interpretação cognitiva é
regra. Aqui se encontra em jogo uma análise de realidade e direito, que ganha corpo na aquela que se dedica a entender o sentido em questão, alcançar a mensagem, entender o
ideia de subsunção. conteúdo do discurso, promove uma exegese para mapear/entender o sentido 26. Já a
interpretação recognitiva e aquela que antes de tudo promove um esforço cognitivo,
A hermenêutica jurídica, além do estudo da interpretação do direito (que pressupõe o
mas vai além da simples capacidade de entendimento do texto, ela procura entender o
entendimento das fontes e alcance do direito), se destina a analisar a integração do
texto para reproduzi-lo/transmiti-lo (EX: ator de teatro lê o texto da peça e o apresenta
direito ou integração jurídica, uma técnica que permite resolver o problema das lacunas
para um público). Para BETTI a hermenêutica jurídica é ainda aplicativa (assim como a
jurídicas - colmatar lacunas, preencher o vazio jurídico advindo das lacunas. Enquanto a
interpretação teológica), visto que busca aplicar aquele conteúdo a situações concretas
interpretação parte do pressuposto da existência de regras, a integração parte do
(o juiz reproduz seu raciocínio para as partes/titulares/situação concreta), e ao mesmo
pressuposto da carência de regras. Na Teoria do Ordenamento Jurídico se estuda a origem
tempo o aplicador do direito busca colocar fim ao conflito de forma justa através da
e presença das lacunas jurídicas, e diante da detecção de lacuna e quais são os
aplicação do texto normativo (normas, costumes, etc) - faz com que os textos tenham
procedimentos, as etapas e os meios de solucionar o problema identificado. A Lei de
condições de aplicação concreta.
Introdução às Normas do Direito Brasilero (LINDB, antiga lei de introdução ao CC) em
seu artigo 4º prevê os mecanismos e elementos de integração do direito. O texto diz que Modo como através do qual a história da hermenêutica jurídica se preocupou com a
diante da ausência de lei o intérprete deve recorrer à analogia, aos costumes e aos decisão e aplicação do direito (com o desenvolvimento de uma interpretação aplicativa).
princípios gerais do direito. Em meados do século XX, quando a Constituição e o Direito Público passam a ser
Essas fontes secundárias do direito (analogia, costumes e princípios) garantem que o
intérprete cumpra o seu dever constitucional de decidir mesmo diante da carência de 26
Para SCHLEIERMACHER o objeto da hermenêutica - ciência nascida no século XIX - é o
discurso.
destaque da reflexão da teoria do direito, toda investigação desenvolvida no interior da A título de exemplo, há o que é chamado pela lógica de modus barbara (exemplo mais
hermenêutica jurídica no interior do direito privado passa a receber uma nova famoso): a premissa maior é aquela que contém uma proposição de alcance universal -
terminologia. A Hermenêutica Jurídica Clássica nasce a partir de SAVIGNY, na qual todos os homens morrem - enquanto a premissa menor é uma situação de alcance
o direito romano passa a ser objeto de trabalho (no interior do direito privado), particular - Sócrates é um homem, a conclusão então é que Sócrates é mortal (a conclusão
paralelamente ao surgimento da exegese francesa (codificações, código de napoleão). não é dada ao intérprete, é tida por inferência). Essa passagem de uma premissa a outra,
Quando entende-se que a Constituição é o diploma mais importante e que a interpretação essa coerência interna, é chamada de argumento - análise lógica das premissas. Desde
dela deve ser diferente da interpretação de textos infraconstitucionais, fala-se em duas ARISTÓTELES se difundiu a tese de que a lógica seria fonte de raciocínios coerentes,
hermenêuticas jurídicas: a Hermenêutica Jurídica Clássica e a Hermenêutica Jurídica mas não de raciocínios verdadeiros, então o silogismo não é a fonte da verdade, mas sim
Contemporânea - as técnicas de interpretação do direito privado foram denominadas de coerência (OBS: o mar é composto por água e sal; o biscoito é feito com água e sal; o
clássicas, ao passo que as técnicas de interpretação da Constituição receberam a mar é um grande biscoito? há coerência, mas não há verdade), dá-se o nome de sofisma
denominação hermenêutica constitucional (regras distintas, modos de interpretação a um argumento que possui coerência mas não possui verdade - aparentemente coerente.
distintos). OBS: A Hermenêutica Constitucional busca abolir a ideia de método para
A escola da exegese buscava que a aplicação do direito fosse desenvolvida de forma
alcançar a forma mais adequada ao sentido da Constituição. Para tanto ela retoma várias
silogística, de modo que a premissa maior seria a lei e a premissa menor seria a situação
teses do GADAMER (hermenêutica filosófica), o que faz com que os intérpretes da
fática, e a conclusão por inferência seria a decisão do juiz. A função do aplicador era
Constituição se arvorem na condição de anti-hermneûticos.
simplesmente a inferência a partir da relação entre texto e fato, sem interpretação - análise
A Hermenêutica Jurídica Clássica tem como grande precursor o francês FRANÇOIS mecânica, sem margem para interpretação. Existem várias críticas direcionadas a escola
GÉNY - que escreveu durante a transição do séc. XIX para o XX. Em seu texto “Fontes da exegese:
do direito e interpretação das leis” (1925), GÉNY utiliza a expressão técnica jurídica de
A primeira crítica parte do fato de que geralmente o processo se inicia no momento em
interpretação e aplicação do direito para se referir à Hermenêutica Jurídica Clássica
que as partes fazem um relato às autoridades. Pelo fato da jurisdição ser inamovível, ou
(técnicas que se originaram sobretudo no direito infraconstitucional).
seja, atuar apenas perante provocação (inércia do PJ), as partes apresentam no
O juízo da aplicação do direito, modo através do qual a Hermenêutica Jurídica acionamento os fatos (provas dos autos: allegata et probata, alegar e provar), sem
Clássica pensa a interpretação e aplicação do direito, foi fundada pelo autor obrigação de qualificar juridicamente esses fatos (da mihi factum dabo tibi ius, me dê os
FRANCESCO FERRARA. Houveram épocas/momentos históricos em que esse juízo fatos que te dou o direito) pois é o juiz quem conhece o direito. Se então a premissa menor
da aplicação do direito tinha outra denominação: silogismo jurídico. Essa expressão se do silogismo é aquela que se refere à situação fática e se o processo se inicia a partir do
originou na escola da exegese francesa - concomitante ao nascimento do código civil de fato, o raciocínio do direito começaria da premissa menor, o juiz a partir dos fatos localiza
Napoleão -, uma corrente de pensamento que definia os modos adequados a interpretação o direito a ser aplicado - ao contrário do que pensa o silogismo, de que começa pela
e aplicação do texto de Napoleão: silogismo jurídico. Nesse contexto o juiz era visto premissa maior e a aplica na menor. Então, em tese, o juízo de aplicação do direito não
como a boca da lei, pois não teria a condição e permissão para interpretar a lei, cabia a poderia de silogismo pois começa a partir do particular, e não da premissa universal.
este aplicá-la de forma mecânica, de forma silogística. Isso ocorreu pois havia demasiada
A segunda crítica direcionada ao silogismo é que a conclusão não se faz por
desconfiança do judiciário da época pós-revolução, pois manteve-se o mesmo judiciário
dedução/inferência, mas sim por subsunção - a figura chave da hermenêutica jurídica. A
pré-revolução francesa - para evitar que houvesse qualquer retrocesso em relação ao
subsunção (tomar o lugar de) e a análise conjunta de texto e realidade, movimento que
absolutismo jurídico.
parte do fato para o texto e do texto para o fato, para que se investigue se o fato possui as
Silogismo é uma unidade de pensamento lógico, um raciocínio que se faz a partir da características descritas no texto para então - caso esteja de acordo - transpor as
coerência interna de premissas/proposições. Proposições são assertivas (situadas na consequências abstratas previstas no texto para realidade concreta. Subsunção é o
lógica) compostas por um juízo. O juízo é uma cópula, uma união entre sujeito e movimento é o movimento pelo qual o fato é alocado na fáti-espécie do texto para que os
predicado por meio de um conectivo (em geral, o verbo ser). Raciocinar significa analisar efeitos previstos na fáti-espécie de forma abstrata possam se concretizar diante do fato.
conjuntamente premissas, e perceber a lógica interna entre essas premissas.. Existe entre Portanto, a conclusão não se dá por simples inferência, mas sim por subsunção (mais
essas premissas então uma coerência, uma ligação lógica interna, pela qual consegue-se complexa).
chegar a uma conclusão - que não é dada de antemão - produzida por inferência a partir
A terceira crítica é que, a premissa maior do raciocínio da aplicação do direito possui
da leitura das premissas em questão. Silogismo é então um raciocínio pelo qual se chega
natureza distinta da premissa maior no interior do silogismo lógico, pois não é um juízo
a uma conclusão, através da inferência que se obtém pela análise das premissas.
de realidade, mas sim um juízo de dever ser (respeito à propriedade, aos direitos
Geralmente o raciocínio é composto de duas premissas, afirmativas, uma maior e uma
fundamentais, etc). O conectivo que une sujeito e predicado no interior da lógica é o ser,
menor. A partir da coerência interna entre premissa maior e premissa menor se obtém
enquanto o conectivo no interior do direito é o dever ser (OBS: KELSEN).
uma conclusão por inferência.
HENRIQUE CLÁUDIO LIMA VAZ propõe que a expressão mais adequada seria interpretação, a integração e a aplicação do direito. Essas três técnicas jurídicas são
“silogismo prático-moral” para realçar o movimento a partir de como a regra ética vai fundamentais para a construção do eixo temático e do objetivo primordial dessa disciplina
ser cumprida na realidade sensível. É possível projetar esse pensamento no direito, de chamada hermenêutica jurídica.
modo a se falar em "silogismo prático-jurídico” ou juízo de interpretação e aplicação
Emilio Betti percebe a hermenêutica jurídica como a hermenêutica normativa ou
do direito.
aplicativa, que é aquela que se preocupa não apenas em entender o conteúdo, mas também
O juízo de aplicação do direito foi construído a partir de duas grandes em transmiti-lo e, sobretudo, aplica-lo.
inspirações/modelos: de FERRARA e de GENY. Para FERRARA o juízo de aplicação
A terminologia hermenêutica jurídica clássica passou a ser empregada no século XX, a
do direito é constituído pelas seguintes etapas: primeiro a análise da premissa maior,
partir do momento em que toda a interpretação constitucional passou a ser vista como
segundo a análise da premissa menor e terceiro a subsunção. A crítica desse modelo é
elemento primordial e fundamental e daí a dicotomia sobre uma nova hermenêutica,
justamente a crítica anterior (direcionada ao silogismo lógico), que é a incompatibilidade
sobretudo apontada e apoiada em aspectos constitucionais e uma velha hermenêutica
com a estrutura processual (o processo parte da premissa menor). GENY, por sua vez,
jurídica clássica, que é a disciplina que surge a partir do momento em que Savigny utiliza
não fala em juízo de aplicação do direito mas sim de técnica jurídica de aplicação, e
as técnicas de Schleiermacher para pensar em uma nova metodologia de interpretação
possui cinco etapas: primeiro a identificação da questão de fato (quaestio facti, o relato
jurídica. Dentro da hermenêutica jurídica clássica se desenvolveu o chamado juízo de
que as partes fazem a respeito do fato que será estudado pela jurisdição), segundo a
aplicação do direito. há o caminho desenvolvido por Francois Geny, que pensa em uma
identificação da questão de direito (quaestio iuris, a qualificação jurídica do fato,
técnica jurídica de interpretação e de aplicação do direito dividido em cinco etapas, mas
enquadramento do fato no direito. Ex: isso qualifica roubo, furto, etc), terceiro a crítica
para fins didáticos, o modo como Francesco Ferrara pensa a interpretação do direito, ou
jurídica formal (identificar/pesquisar as fontes do direito, lei, costume, jurisprudência:
seja, as suas etapas do raciocínio de aplicação do direito, que se divide em premissa maior,
análise das categorias jurídicas, verificar se a lei é válida, vigente, tem vigor, etc), quarto
premissa menor e conclusão por subsunção seriam aquelas mais pertinentes e adequadas,
a interpretação (para fixar o sentido e alcance do direito. Métodos de interpretação:
de forma didática, a hermenêutica jurídica. É justamente a partir da concepção de ferrara
literal, lógico-sistemático, histórico e interior-lógico), e quinto a aplicação. OBS: O
que nós começamos a analisar as etapas do raciocínio de interpretação e de aplicação do
professor (PC) optou por utilizar a proposta do FERRARA, pois é mais didático.
direito. Etapas, porque para a hermenêutica jurídica clássica há a cisão dos momentos de
Há dois modos de incidência da norma jurídica: a incidência em abstrato (colocação de interpretação aplicação e integração do direito, diferentemente do modo como a
hipóteses) e a incidência aparelhada (que ocorre durante a jurisdição) - aqui falaremos hermenêutica filosófica pensa, pois para esta não há a distinção entre compreensão e
em referência sempre à incidência aparelhada (aplicação aparelhada do direito). A aplicação, sendo interessante se lembrar da tese de fusão de horizontes, fundir horizontes
premissa maior do juízo de aplicação do direito é a primeira etapa e consiste em significa aplicar a uma configuração de sentido presente o modo através do qual a história
identificar o direito existente, procurar sua existência, isto é, como surgiu. O direito surge se transmite tradicionalmente. Fundir horizontes, posição de Gadamer, significa aplicar a
quando é exteriorizado sobretudo a partir da atuação da autoridade, o direito existe uma situação hermenêutica do presente uma configuração de sentido que vem do passado.
quando vem à tona no mundo exterior através da autoridade (ex: quando a lei é publicada Por isso que para a hermenêutica filosófica não faz sentido cindir as etapas em 1º)
no diário oficial da União). Desse modo, o ponto de partida é a verificação da existência interpretação, 2º) compreensão e 3º) aplicação.
do direito por meio da análise de suas categorias jurídicas - validade (aquisição da força
Contudo, a hermenêutica jurídica clássica – é assim que os tribunais adotam esse
obrigatória da regra, quando passa a integrar o sistema jurídico, fixada por autoridade
raciocínio de aplicação do direito – ainda pensa em etapas e a 1ª etapa a ser estudada,
competente, com respeito aos procedimentos normativos e quando seu conteúdo é
apesar de não ser a primeira etapa em relação ao modo através do qual o processo se
respeitado - sem invasão de conteúdos), vigência (qualificação temporal da validade,
desenvolve, é justamente aquela que se inicia com o estudo da premissa maior do juízo
prorrogação da possibilidade de produção de efeitos da regra, adiamento da eficácia da
de aplicação do direito.
regra), eficácia (significa que a lei possui condição de produzir efeitos, ou seja,
potencialidade de produção de efeitos. Diferente de efetividade que significa que a lei de Assim como o silogismo parte de uma premissa maior, tomando aquela informação de
fato produziu efeitos). OBS: o vigor ou ultratividade ocorre quando a regra não é mais alcance universal mais evidente, em relação ao juízo de aplicação do direito, o raciocínio
válida, nem vigente, nem eficaz, mas mantém efeitos - continua sendo efetiva. parte de uma premissa maior, tomando-se em consideração a própria universalidade do
direito. Então, o que está em jogo quando se fala em premissa maior é justamente a
Hermenêutica jurídica: noção fundamental
universalidade do direito e de suas fontes. Então, o ponto de partida dentro da premissa
Aula 12 maior do raciocínio de aplicação do direito, da primeira etapa de aplicação do direito é
justamente a identificação do direito existente.
O que é o direito? Quais são as suas fontes? Como elas podem ser utilizadas, então, para
A hermenêutica jurídica é aquela disciplina que é intermediária entre a filosofia do direito,
o caso em questão? Identificar o direito existente significa, então, analisar as fontes do
mas muito mais próxima da ciência do direito, que tem por objetivo promover a
direito, que são aqueles atos e fatos responsáveis por produzir normas jurídicas, mas
também as categorias jurídicas, que são aqueles elementos e aqueles filtros desenvolvidos entender até onde esse sentido, em termos de situações fáticas, pode ser estendido, pode
pela ciência jurídica, mas que foram incorporados pela normatividade e pela juridicidade, ser aplicado e pode ser direcionado.
que serão os responsáveis por completar esse procedimento através do qual as fontes do
Determinar o alcance significa dizer até onde o sentido pode ir e quais são os fatos que
direito produzem regras jurídicas. Então, identificar o direito como ponto de partida do
podem albergar aquele sentido e quais são os fatos que podem recepcionar aquele sentido,
raciocínio jurídico significa: 1º) localizar as fontes do direito, 2º) localizar as regras que
sabem em quais fatos pode quele sentido repousar e quais as características na fattispecie
se situam no interior dessas fontes e, 3º) aplicar os filtros das categorias jurídicas para
normativa se manifesta naquele fato concreto em questão. Então, determinar o alcance
saber se essas regras produzidas pelas fontes são válidas, vigentes, eficazes e se elas são
faz parte do processo de interpretação jurídica.
capazes de serem efetivas, se não resta sobre elas nenhum elemento de nulidade ou de
anulabilidade, se há a possibilidade, então de inexistência, enfim, todas as categorias que Historicamente, a busca pelo sentido jurídico estava circunscrita, estava direcionada e
são estudadas na introdução à ciência do direito, pois apesar de o intérprete, levando-se concretizada na busca, ora na vontade do legislador (voluntas legislatoris), ora na vontade
em consideração que há dois modos de incidência da regra jurídica, a incidência em da própria lei (voluntas legis). Historicamente, a hermenêutica jurídica clássica acreditava
abstrato – que é aquela que é desenvolvida por um professor em sala de aula ao comentar ter encontrado o sentido das regras quando se detectavam ou a vontade do legislador ou
um artigo do CPC, fazendo-se uma incidência abstrata, uma análise abstrata do texto, que a vontade da lei. Por isso que historicamente, quando a hermenêutica jurídica se propunha
não está adiante de fatos jurídicos concretos e que demandam a sua aplicação. a interpretar os textos jurídicos e as fontes do direito, prescrutar o direito existente, o que
Diferentemente da incidência concreta, da incidência aparelhada que é aquela em que o estava a se procurar, ora era a vontade do legislador, ora era a vontade da lei, porque esses
Poder é provocado, a jurisdição se movimenta, para que os textos e as fontes do direito dois elementos serão os responsáveis por clarear os sentidos. Buscar o sentido, então,
se apliquem àquela situação em questão. significa procurar a vontade do legislador ou a vontade da lei que se manifestam no direito
subjetivo, no dever jurídico ou na sanção.
Então, nesse caso da incidência aparelhada, que é aquela que tem maiores características
que poderiam aqui analisadas, não basta que o intérprete identifique a fonte, que ele A partir do momento em que a hermenêutica jurídica surge no século XIX, a primeira
identifique a regra que provém da fonte, mas também que ele analise se as categorias concepção de sentido é aquela que afirma que interpretar a lei é buscar a vontade do
jurídicas podem ser então, aplicadas a essa regra proveniente das fontes. Portanto, o legislador (voluntas legislatoris), sendo essa posição chamada de posição subjetivista,
primeiro passo de interpretação e de aplicação do direito, da premissa maior é identificar psicológica ou tradicional, bem, consentânea, coetânea e contemporânea das teses de
o direito e uma vez identificado o direito o próximo passo, a próxima etapa a ser cumprida Schleiermacher – na interpretação psicológica, Schleiermacher procura captar o estilo do
pelo aplicador é justamente a interpretação do direito identificado. Então, se se encontra autor, captar esse elemento pessoal através do qual o autor usa a linguagem no sentido
o direito, o próximo passo é interpretá-lo. Caso não encontrado o direito, o próximo passo próprio e no sentido peculiar. Foi justamente a partir disso que Savigny procura, então,
é proceder à integração jurídica. Então, encontrado o direito existente e identificadas as aplicar as categorias de Schleiermacher no próprio direito e daí surge a Escola da Exegese
fontes do direito e a possibilidade de estas fontes produzirem regras jurídicas, a próxima Francesa, aquela escola de pensamento que surge com o intuito de interpretar e aplicar ao
etapa é interpretar as fontes, interpretar esse conteúdo e interpretar essas regras, pois do Código de Napoleão, essa ideia e esse raciocínio que afirma que interpretar a lei é buscar
contrário, em caso de inexistência de fonte, a próxima etapa é a integração do direito. a vontade do legislador. Essa posição é chamada, historicamente, de posição subjetivista.
Interpretação do direito identificado A Escola da exegese se justifica, sobretudo a partir da necessidade de uma escola voltada
à interpretação dos códigos franceses pós-revolução, sobretudo o Código Civil Francês
Partindo-se da hipótese de que o intérprete localizou o direito, a próxima etapa é
de 1804. Então, havia a tese vigente àquela época de que o direito passou a ser, todo ele,
justamente interpretá-lo, daí vindo o questionamento do que vem a ser interpretar o
racional. A influência do enciclopedismo se manifestou na construção de textos marcados
direito. Segundo a definição de Carlos Maximiliano, interpretar o direito significa fixar o
pela ideia de perfeição, pela ideia de completude, pela ideia de clareza e com a pretensão
sentido e o alcance de suas expressões, o sentido e o alcance daquilo que é produzido
de permanência no tempo. A ideia de estabilidade dos textos, então, foi aquela que foi
pelas fontes do direito, sendo sentido o significado jurídico que é marcado pelo conteúdo
difundida, divulgada, veiculada, à época da produção dos códigos, não só o Código civil
deontológico. Sentido significa, então, o próprio caráter impositivo do direito que se
francês, mas o Código comercial e o Código de processo penal, que são os Códigos que
manifesta, sobretudo, no direito subjetivo, no dever jurídico e na sanção.
Napoleão conduziu à época em que a política francesa se encontrava sob a regência do
Então, o sentido do direito é justamente o conteúdo deontológico que é veiculado pelas consulado.
suas fontes, pelos seus distintos funtores, sendo o termo funtor os caráteres, os sinais,
A Escola da exegese é aquela que afirmava que não há a necessidade de se interpretar o
proibitivo, permitido, obrigatório e facultado, que acompanham as regras jurídicas. Logo,
código, se retomando uma tese específica do direito de Justiniano, pois a compilação de
fixar o sentido significa perceber o funtor, ou seja, aquilo que é proibido, aquilo que é
Justiniano tinha, em seu interior, um artigo muito semelhante. Havia a proibição da
permitido, aquilo que é permitido e aquilo que é facultado. É captar o conteúdo
interpretação de Justiniano, pois partia-se do ponto de que ela seria tão perfeita que não
deontológico e perceber como esses funtores se manifestam nos direitos subjetivos, nos
precisaria ser interpretada, não haveria a necessidade de um intérprete se dedicar a uma
deveres jurídicos e nas sanções. Já, por sua vez, delimitar o alcance significa, então,
decodificação do seu texto. Essa tese é espraiada e estendida ao Código de Napoleão.
Então, o código era considerado tão claro e tão perfeito em razão e em termos de Daí, então, essa posição de se procurar sempre efeitos ex tunc, pois o sentido é aquele que
expressão da razão que não havia a necessidade de um intérprete de proceder com a sua vigora desde o passado, é o sentido que desde sempre ex tunc se manifestou. Então, o
interpretação. A leitura do texto deixava claro então, aquilo que o legislador procurou intérprete tem que procurar o sentido, que é a vontade do legislador, que vigora desde a
desenvolver ao elaborar aquele texto, ou seja vigorava a tese do in claris cessat edição do texto e desde a sua publicação, desde a sua origem. Mapear o pensamento do
interpretatio, provérbio latino que significa, literalmente, na clareza do dispositivo não há legislador, a vontade do legislador, portanto, significa buscar aquele sentido que desde
a necessidade de interpretação ou na clareza do dispositivo não cabe interpretação. sempre acompanhou aquele texto.
Então, o texto por ser a expressão racional do legislador francês, a razão que conduziu à Essa posição tem inúmeras dificuldades e provocou inúmeras reações. A primeira é
revolução e que, por sua vez, se perpetuou por meio de texto, este era tão claro que não aquela que afirma que o legislador não é um ente concreto e singular, que teria condição
caberia interpretação. Ele era tão evidente por si só tal como se fosse ele um axioma de ser acessado em termos de seu pensamento. De uma forma mais clara, como encontrar
matemático, uma verdade fundamental da trigonometria. Ele era claro e altamente a vontade do legislador e como encontrar o seu pensamento, ou seja, quais seriam os
evidente a partir de sua própria expressão. Contudo, se por acaso acontecesse algum meios que permitiriam, então, que o intérprete pudesse acessar o pensamento do
deslize e a clareza do texto não fosse claramente manifesta por um motivo alheio à própria legislador. A Escola da exegese responde. Basta ir aos debates e às assembleias que
razão, mas que vai creditado ao trabalho do próprio legislador, ou seja, o legislados discutiram, então, a elaboração dos textos e acompanhando as atas se consegue mapear
cochilou e se, por um acaso, aparecesse um texto no qual o legislador não conseguiu os argumentos que reinavam à época da edição do texto.
exprimir a clareza da razão, aí sim, somente nessa hipótese excepcionalíssima, haveria a
Norberto Bobbio afirma que o projeto do Código civil francês aprovado não foi o projeto
possibilidade de interpretação e essa interpretação excepcional somente poderia ser
originário criado pelo povo francês, mas foi o projeto de Potier, que era um projeto que
efetuada mediante um esclarecimento textual, um esclarecimento terminológico.
em termos de inovação era muito mais próximo de um aspecto conservador do que
Então, para a Escola da exegese francesa, em primeiro lugar não se poderia interpretar e, propriamente de um aspecto de inovação. Tocqueville, no “Antigo regime e revolução”
em segundo, essa interpretação somente seria legítima se o texto tivesse algum vício de afirma que toda a estrutura política francesa pós-revolução é a mesma estrutura política
redação e nesse caso, diante de um vício de redação. E nesse caso, diante de um vício de do antigo regime. Então, vendeu-se a ideia de que os textos legislativos eram totalmente
redação do texto, o intérprete deveria pensar tal como o legislador francês. Ele deveria inovadores, novos e de vanguarda, mas na verdade eles readaptavam e retrabalhavam o
buscar a vontade do legislador. Interpretar, então, significa aclarar um texto com uma mesmo conteúdo do ius commune europeu. Então, os códigos tinham uma parte geral
redação e isso significa buscar a vontade do legislador, pois o legislador é o “pai da inovadora em termos de conceito e de inovação da matéria, mas a mesma matéria da parte
revolução” e o “pai do código.” Ele transmite o espírito revolucionário, não havendo, especial ainda era ius commune. Então, criticava-se, em primeiro, como buscar a vontade
então, a possibilidade de trair o espírito reformista francês. do legislador se o legislador não é acessível, basta que se vá as atas, mas estas, por sua
vez não traduziam efetivamente o projeto que foi aprovado, mas sim os debates que
É importante perceber que a Escola da exegese francesa tinha uma desconfiança muito
vigoravam em torno dos anteprojetos. Então, o texto que foi aprovado não era aquele que
grande em relação ao poder judiciário, pois como se sabe, os membros do executivo foram
necessariamente teria sido discutido nas atas. Em segundo, a busca pela vontade do
trocados (Luis XVI foi guilhotinado), os membros do legislativo, o parlamento francês é
legislador pode acabar de uma forma arbitrária e acaba se esquecendo do elemento
o povo – mudaram também e o terceiro Estado ganhou a revolução. Já os membros do
fundamental que os romanos já tinham visto, que é a ideia da autonomia do texto em
judiciário não, eles continuam sendo os mesmos do antigo regime. Logo, caso houvesse
relação ao seu autor.
qualquer tentativa de contrarreforma, qualquer contrarrevolução de restauração, penavam
os franceses que ela viria por parte do judiciário. Então, se se concede ao judiciário a Emílio Betti, em “Categorias civilísticas da interpretação”, vai afirmar que o romano
possibilidade de interpretação dos textos, a possibilidade de uma restauração, inclusive cunhou cânones da interpretação e um desses cânones é o cânone da autonomia. Então, a
monárquica é muito grande. lei ganha vida própria em relação ao seu autor de modo tal que interpretar a lei não é
buscar aquilo que o autor quis dizer, mas sim aquilo que a lei veicula por conta própria.
Por isso que não se pode dar a ele, ao judiciário, a brecha de interpretar os textos. O
Nesse sentido pode-se lembrar de Husserl e perceber que algo semelhante acontece aqui.
judiciário deve ser “a boca da lei”. Por isso que para a Escola da exegese francesa o papel
Husserl, em sua primeira investigação lógica, vai afirmar que uma coisa é a intenção de
do judiciário era interpretar de forma mecânica o texto do código, no sentido de que o
significado, outra coisa é o significado ideal e a terceira coisa é a concretização do
código diz alguma coisa e o fato diz outra, logo, se a hipótese do código está presente no
significado. Então, o indivíduo quis dizer uma coisa, mas disse algo distinto e aquele que
fato, deve então o intérprete simplesmente estender as consequências do texto à realidade,
o escuta, recepciona aquele algo de uma outra forma. Por isso que quando se diz algo
sendo uma aplicação puramente mecânica e silogística, pois a premissa maior é o código
bobo não adianta afirmar em seguida que não foi o que se quis dizer, pois se disse o que
e a premissa menor é o fato, sendo a conclusão a extensão da consequência prevista no
se disse.
texto, ao fato. Não há, então, a necessidade da interpretação, mas apenas de aplicação
mecânica. A interpretação é a exceção, quando o texto, excepcionalmente, tem uma má Tudo isso serve para dizer que a busca pela vontade do legislador é antifilosófica por
redação. excelência, pois os conteúdos independem em relação a nós. Eles são independentes em
relação a nós. Eles ganham vida própria. Então, há uma separação entre autor e obra que Para entender como Ferrara desenvolve essa tese da ratio legis é preciso que se volte ao
não se tem como ser controlada e essa busca pela vontade do legislador, na verdade, tinha direito romano, numa distinção que os romanos faziam entre corpus, mens e telos.
muito mais características políticas, em termo de desconfiança do poder judiciário, do Interpretar a lei, diria o romano, significa trabalhar o seu corpus, a sua mens e o seu telos.
que propriamente bases científicas ou bases filosóficas. Por isso que na segunda metade O corpus, ou corpo da lei, é justamente o texto por meio do qual ela é veiculada. Então,
do século XIX ela acabou sendo abandonada. toda interpretação parte – não tem como ser diferente disso – da análise de seu texto. Por
isso nos métodos de interpretação, qualquer interpretação começa com o método
Na segunda metade do século XIX apareceu uma tese contraposta, aquela tese que
gramatical. Então, corpus é o texto por meio do qual a lei é veiculada. A interpretação
afirmava que interpretar a lei não é buscar a vontade do legislador, mas sim a vontade da
gramatical é a primeira, mas não é a única e a definitiva, pois é necessário ir além do
própria lei. E essa tese começou a ganhar corpo a partir do trabalho das Escolas histórico-
texto, procurando, sobretudo o sentido e o contexto que animam aquele texto. Daí, então,
sociológicas do século XIX, que vão realizar aquilo que o sociólogo e historiador francês
a necessidade de além de se analisar o corpus, também se proceder com uma análise da
Jean Clouet vai chamar de “verdade dos fatos contra os códigos”. A partir do momento
mens.
em que a revolução industrial, sobretudo, começou ganhar marcha sobre a Europa, para
as relações que eram então visualizadas na prática industrial não tinha acolhida nos textos Mens é o sentido do texto, ou seja, é o conteúdo de seus significados. É como
dos códigos, sobretudo a figura jurídica do trabalhador assalariado, uma vez que não havia historicamente cada uma daquelas palavras foi adquirindo o seu campo de sentido
essa figura no código civil. Havia o contrato civil, que era apoiado na liberdade de próprio. Mens significa, então, o sentido das palavras, a significatividade que é delas, o
contratar, mas não havia a figura do trabalhador assalariado, então, sequer existia a figura conteúdo de cada uma daquelas expressões. “O domicílio é inviolável” analisa-se a
desse trabalhador. Por isso que aquela tese da escola da exegese que afirmava que os respeito do que se entende por domicílio, o que significa ser inviolável. Então, a partir do
códigos eram completos e que eles não tinham lacunas caiu por terra, pois apareceram texto se procura a mens, o significado, aquilo que anima o texto. Tanto que os romanos
várias situações fáticas que não tinham previsão nos códigos. É a famosa “revolta dos resgataram uma tese que era desenvolvida por Paulo de Tarso, o apóstolo Paulo: “A letra
fatos contra os códigos”. mata e o espírito vivifica”.
Os códigos se mostraram incompletos e diante disso não há mais como buscar a vontade Toda a interpretação parte, justamente, dessa análise entre espírito e letra, corpo e espírito.
do legislador, pois o legislador francês não previu a regulamentação jurídica da revolução Então, a mens é justamente esse aspecto intelectual, intelectivo e ideal que permeia o
industrial porque ele não tinha condições de prever o futuro. Como fica a tese que afirma corpo da lei. Mas, além da análise do corpus e da mens, o bom intérprete deve procurar o
que se deve buscar a vontade do legislador como elemento de interpretação da lei se o telos da lei, ou seja, a sua finalidade e a sua razão de ser. Toda lei e todo o direito, como
legislador não previu elementos que surgiram com a revolução industrial? Daí, então, a um todo, nasce com uma finalidade e com um objetivo específico.
necessidade de se reformular a tese que afirmava que interpretar é buscar a vontade do
O professor Joaquim Carlos Salgado vai dizer que toda lei objetiva realizar o bem e evitar
legislador. Passou-se, então, a desenvolver a tese de que a interpretação deve buscar a
o mal. O telos é justamente essa finalidade social a que se destina a lei, a que se destina o
vontade da própria lei. Logo, o texto, a partir do momento em que ele é elaborado, ele
direito, o qual tem a finalidade, sobretudo, de organização social, finalidade de justiça e
ganha vida própria em relação ao seu autor, em relação àquele que trouxe essa realidade
de bem comum ou ainda os valores e bens jurídicos. Todos esses elementos compõem o
para o mundo exterior. Essa posição é chamada de posição objetivista.
telos. Buscar a ratio legis significa, então, encontrar, a partir do corpus, o telos, que está
E ela sempre procura efeitos ex nunc, pois ela procura sempre a vontade atual da lei, ela presente em meio a sua mens.
sempre procura o modo através do qual a lei chega ao presente. Então, se a posição que
Interpretar a lei é buscar a vontade atual, a ratio legis, a razão de ser do direito, que parte
afirmava que interpretar a lei é buscar a vontade do legislador era chamada de subjetiva,
da articulação entre o sentido e fim em meio ao seu texto. O bom intérprete, então, é
a posição contraposta é chamada de objetiva. Interpretar a lei é procurar o sentido que é
aquele que consegue mapear a chamada ratio legis. Contudo, a hermenêutica jurídica
veiculado pelo seu próprio texto. É aquilo que as palavras do texto, que os verba legem
clássica, então, tem um objetivo, que é fixar o sentido e buscar a ratio legis, o que resta
vão dizer e não aquilo que o seu autor quis dizer com eles.
na pergunta de como fazer isso, isto é, como isso será possível, ao que se responde ser
O professor Francesco Ferrara vai dizer que as duas posições isoladas, ou seja, a posição através da metodologia de interpretação.
que defende a vontade do legislador e a posição que defende a vontade da lei, sozinhas
É importante destacar que toda a hermenêutica jurídica é, necessariamente, metodológica.
são ambas insuficientes, pois para ele interpretar a lei, ou fixar o seu sentido, é justamente
Isso quer dizer que por determinação do artigo 93, inciso IX da Constituição Federal de
procurar a sua ratio legis, a razão de ser da lei, a qual é chamada também por Ferrara de
1988, a decisão jurídica, para que ela seja existente, para que ela seja capaz de produzir
“vontade atual da lei”, tese desenvolvida por um professor alemão chamado Josef Kohler,
validade e para que ela possa vincular e que tenha normatividade, é necessário que ela
segundo o qual interpretar a lei não é buscar nem a vontade da lei e nem a vontade do
seja fundamentada. Pelo fato de que a aplicação do direito é uma aplicação que
legislador, mas sim a vontade atual da lei. Francesco Ferrara vai chamar essa vontade
necessariamente é metodológica, a hermenêutica jurídica depende do método. Então, pelo
atual da lei de ratio legis.
fato de o legislador determinar que a decisão deve ser fundamentada, a hermenêutica
jurídica sempre vai ser metodológica.
Fundamentar é justamente apresentar as alegações de fato e de direito, isto é, apresentar forma, na verdade ele está querendo dizer que ele decidiu primeiro e depois fundamentou
os fatos e os direitos que são os preponderantes e são os fundamentais para que a decisão a sua decisão utilizando o método.
aconteça de um modo e não de outro. Então, a hermenêutica jurídica sempre vai ser
Então, o método funcionaria como uma bengala, uma muleta argumentativa para que o
metodológica, pois a Constituição assim determina. Portanto, a hermenêutica jurídica
intérprete justificasse a sua decisão e a sua escolha por meio de uma pseudojustificativa,
clássica difundiu a tese de que o método é esse elemento que 1º) permite o adequado
quando na verdade ela se deu de modo arbitrário. Logo, o método funcionaria como um
acesso ao sentido – o que não é novo, pois desde a filosofia moderna se sabe que o acesso
elemento retórico, que aí sim, encobriria a subjetividade do aplicador. Então, o aplicador
à realidade se faz por meio do método e, então, a razão garante a sua relação racional e
decidiu conforme a sua consciência e invocou o método para fornecer um verniz de
adequada com as coisas, a partir do método, a razão se liga às coisas por meio do método,
objetividade à sua decisão. Na verdade, utilizar o método significa, então, tentar por via
sem o qual a razão não consegue ir adequadamente às coisas e permanece (usando uma
argumentativa encobrir as subjetividades do ato decisional. Além do mais se critica o
expressão de Kant) em seu sono dogmático. Sem método não se tem certeza de
método porque não há uma regra para dizer qual método prevalece, ou seja, não se tem
absolutamente nada. Isso se transmite à hermenêutica jurídica.
um método para aplicar o próprio método. Não tem como saber qual deles é o mais
Sem o método não se consegue adequadamente, seguramente, racionalmente, obter a ratio importante. Não existe uma “metarregra”, uma regra que seria utilizada e que seria
legis. Em segundo lugar, sem o método, o intérprete vai transmitir a sua subjetividade à invocada para a aplicação do próprio método.
interpretação e para evitar que ele, intérprete, incorra na subjetividade e no subjetivismo
Por todos esses motivos, pelo fato de que o método chega atrasado em relação a história,
da interpretação, é necessário que ele justifique a sua decisão demonstrando que ele
em relação a estrutura ser-no-mundo, em relação a hermenêutica filosófica e em virtude
chegou àquela conclusão se valendo de métodos específicos. A hermenêutica jurídica
do fato de o método antifenomenológico por excelência, em virtude do fato de não existir
clássica é metodológica.
uma regra que determine qual método se deve usar e em virtude do fato de o método
Há, todavia, inúmeros problemas que se relacionam ao método, pois o método sempre funcionar como um elemento argumentativo para esconder o decisionismo por parte do
chega atrasado, quando se diz que se utilizou o método para a obtenção do sentido, na aplicador, a vontade por parte do magistrado, a hermenêutica jurídica clássica foi
verdade foi a história que apresentou o sentido, através da tradição, há inúmeras críticas profundamente criticada ao se apoiar na ideia de metodologia. Contudo, ela, a
ao método, sobretudo pela hermenêutica filosófica. Então, o método aparece como um metodologia, ainda é necessária, porque a Constituição assim o estabelece.
elemento de blindagem que garantiria a neutralidade do intérprete. Pelo fato de sermos
Métodos de interpretação
seres históricos e limitados pela facticidade, de sermos seres-aí, em meio à estrutura da
situação hermenêutica temporal, nenhum de nós é neutro. Como Heidegger deixou claro Quatro foram os métodos de interpretação desenvolvido por Savigny, que foi o “pai da
no § 31 de Ser e Tempo, nosso acesso às coisas é sempre mediado pelos campos de sentido metodologia jurídica de interpretação e de aplicação do direito”. Aqui se utilizam as
do mundo. Então, nós não somos neutros. É sempre a história que nos mostra as coisas expressões métodos ou processos de interpretação, porque a expressão processo de
tal como elas nos aparecem para nós. interpretação é aquela utilizada por Carlos Maximiliano. Mas, a maior parte dos autores
se referem-se à expressão métodos de interpretação. São quatro os métodos, trazidos de
No caso do aplicador, nós temos a obrigação não de ser neutros, mas a obrigação de
Schleiermacher por Savigny para o direito, que são o método gramatical, literal ou
sermos imparciais. A imparcialidade é uma exigência institucional. A hermenêutica
filológico, método lógico-sistemático, método histórico e método teleológico. São os
clássica tinha a ilusão de que ao invocar um método, o magistrado seria neutro, quando
quatro grandes métodos de interpretação que são diuturnamente utilizados pela
na verdade o que é exigido do magistrado é que ele seja imparcial, uma vez que ser neutro
hermenêutica jurídica clássica.
é impossível. O modo como se nota essa imparcialidade, segundo o professor Joaquim
Carlos Salgado, é quando se tem a distância entre aquele que elabora a lei e aquele que a Método gramatical, literal ou filológico
aplica, uma distância entre aquele que julga e aquele que acusa ou apresenta as razões de
decidir. Há uma distância fundamental entre a autoridade que conduziu o processo, aquela Toda interpretação começa pela interpretação do texto. Fala-se texto, mesmo sabendo que
que conduz a investigação e aquela que vai ser responsável por proferir uma decisão em existem fontes do direito que são orais, como no caso dos costumes. Todavia, a maior
relação àquele processo. parte das vezes, o direito na tradição jurídica da civil law é escrito. Então, a interpretação
gramatical, literal ou filológica é aquela que procura realizar a análise dos verba legem,
São elementos institucionais que garantem a equidistância em relação aos poderes das palavras que compõem o texto da lei.
veiculados no interior do processo. O método acabou sendo uma “banguela
argumentativa”. Lênio Streck afirma isso com certa propriedade. Segundo ele, muitas A interpretação literal pode ser a mais simples, mas é o começo da interpretação. Então,
vezes o intérprete afirma que chegou àquela decisão e àquela conclusão, se valendo do toda a interpretação, necessariamente se inicia a partir de uma interpretação das palavras
método teleológico, ou que ele decidiu daquela forma porque o método histórico era o que compõem os textos. Cada uma delas, cada uma das palavras que compõem as
mais razoável, mas segundo Lênio, em muitas ocasiões nas quais o intérprete atua dessa proposições jurídicas. Então, a interpretação jurídica literal pode ser simples, mas ela é
extremamente necessária por ser o ponto de partida do processo interpretativo.
Método lógico-sistemático O professor Virgílio Afonso da Silva tem um texto profundo onde ele compara os
métodos de interpretação jurídica clássicos com os métodos de interpretação da
Método lógico-sistemático é aquele que Savigny retoma a partir da ideia de círculo
constituição, que apareceram nos anos de 1950, com Konrad Hess e Virgílio vai mostrar
hermenêutico de Schleiermacher. Na hermenêutica clássica, o círculo hermenêutico que
que esses, considerados novos métodos, em pouco se diferenciam dos métodos da
foi desenvolvido pela retórica antiga, por Friedrich Ast, a ideia do círculo hermenêutico
hermenêutica jurídica clássica. Eles têm outros nomes, mas na verdade eles expressam
volta, justamente para realçar essa ideia de copertinência e requisição conjunta de parte e
exatamente os mesmos conteúdos da hermenêutica de Savigny. Então, é importante não
todo. Duas são as características fundamentais de todo e qualquer pensamento
esquecer que o método da hermenêutica lógico-sistemática é aquele que se preocupam
hermenêutico, a relação indissociável entre parte e todo e o caráter histórico desse nexo
em analisar a totalidade do ordenamento jurídico.
que liga e que aproxima parte e todo. São as duas características fundamentais do
pensamento hermenêutico. A maior parte dos autores vão dizer que o método lógico-sistemático é um único método.
Há uma exceção, o professor Vicente Rao, jurista brasileiro que vai afirmar que o método
O círculo hermenêutico mostra a relação imediata de requisição, esse liame, vínculo, nexo
lógico é uma coisa e o método sistemático é outra e são, portanto, dois métodos distintos.
entre parte e todo. Aqui no interior da hermenêutica jurídica, a interpretação lógico-
Segundo ele a distinção entre eles é que o método lógico é aquele que complementa o
sistemática é aquela que interpreta o texto do artigo à luz do capítulo em que ele se
método gramatical. Então, se no método gramatical se analisa cada uma das palavras que
encontra no código, à luz de um título, à luz da sessão do código ou à luz do próprio
compõem o texto do artigo, o método lógico é aquele que vai analisar o sentido da
código e o código à luz de todo o ordenamento jurídico. Então, por conta do método
proposição como um todo. Então, é como se o método gramatical fragmentasse e
lógico-sistemático nunca se interpreta um artigo isolado, mas se interpreta em conjunto
procurasse entender as partes e o método lógico rearranjasse as partes. Então, primeiro se
todo o ordenamento jurídico. Assim, como dentro do próprio artigo não se interpreta um
decompõe, para que se possa entender as partes e depois reúne-se os sinteticamente para
parágrafo sem interpretar o caput, porque o parágrafo, pela LC 95/1998, geralmente, ou
que se possa analisar o todo e recompô-lo a partir de suas partes. O método lógico, então,
traz especificações ou exceções em relação ao caput. o caput concede algumas coisas, o
é aquele que procura entender a estrutura da frase como um todo e não somente as
parágrafo pode retirá-las. Então, por interpretação lógico-sistemática não se interpreta um
palavras que a formam. Já para ele, o método sistemático é aquele que, de fato, realiza a
parágrafo na contramão do caput, nem se interpreta o caput sem ler os parágrafos. Então,
interpretação conforme o ordenamento jurídico. Aí sim se analisa a totalidade do próprio
tem que se ter uma leitura conjunta de parte e todo, uma leitura completa do parágrafo
ordenamento jurídico. Então, é o único autor que estabelece uma distinção entre o método
como um todo. Assim como no interior do artigo é necessária essa análise conjunta entre
lógico e o método sistemático, mas essa é uma posição minoritária, a maios parte dos
todo e parte, dentro do próprio código é necessária essa leitura conjunta e dentro do
autores trabalhando um único método lógico-sistemático.
próprio ordenamento também é necessária essa leitura conjunta.
Aqui é importante citar dois autores importantes para a hermenêutica, o professor Alípio
A partir dos anos 90 ficou muito famosa a tese do direito civil constitucional, pois se tinha
Silveira e o professor Glauco Barreira, os quais têm textos fundamentais sobre
um código civil de 1916, totalmente na contramão da Constituição de 1988. Então, havia
hermenêutica jurídica clássica, em que eles vão mostrar cada um desses métodos e a sua
a necessidade de o texto do código de 1916 se compatibilizar com o texto da Constituição.
aplicação, além dos clássicos Max Emiliano e Francesco Ferrara.
Daí o esforço de se construir um direito civil constitucional. Contudo, acabou-se
difundindo a ideia de que somente o direito civil deveria ser constitucional. Lênio Streck Método histórico
chama a atenção para se ter não apenas um direito civil constitucional, mas também um
O método histórico é aquele que procura por dois elementos, a chamada ocasio legis e a
direito penal constitucional, um direito tributário constitucional, um direito
chamada origo legis. A ocasio legis é a busca dos elementos das situações fáticas que
administrativo constitucional. Então, toda interpretação é uma interpretação é uma
vigoravam no momento da criação do instituto jurídico, quais são os fatos preponderantes,
interpretação que abarca e que se movimenta e se apoia na totalidade do ordenamento
quais são as condições sociais e econômicas, políticas, quais são os debates que então
jurídico. É a isso que o método lógico-sistemático faz referência, essa análise conjunta de
circunvagavam aquelas discussões que levaram à produção do texto. Qual é a tecitura
todo o universo da juridicidade, que lá na hermenêutica constitucional aparece na ideia
social que vigorava àquela época. Isso é ocasio legis. Ao mesmo tempo a interpretação
da interpretação conforme a constituição, a filtragem constitucional.
histórica deve buscar a origo legis, que é a própria história do instituto. Então, uma coisa
Essa expressão “filtragem constitucional” apesar de parecer algo novo, mas nada mais é é mapear as circunstancias racionais, filosóficas, econômicas, politicas que eram vigentes
do que a utilização do método lógico-sistemático no interior da Constituição. Filtragem à época da revolução francesa e outra coisa é entender como o instituto da propriedade se
constitucional significa analisar qualquer situação do ordenamento jurídico positivado a originou no direito romano, como ele foi caracterizado no mundo medieval, como ele se
partir do filtro da Constituição, a partir do cânone da Constituição, a partir da desenvolveu no ius commune e como ele foi recuperado pelo Código Civil Francês. Isso
compatibilidade da Constituição. Isso porque a Constituição é esse documento que institui é origo legis.
um pacto ético-político no interior do direito. Qualquer interpretação jurídica deve ser
Então, origo legis é a história do instituto, ao passo que ocasio legis é a história social,
pautada pela esfera da constitucionalidade. Então, toda interpretação é lógico-sistemática.
em sentido amplo, que vigorava na época de produção daquele instituto. O que importa é
que o método histórico procura a evolução do próprio dispositivo. Daí, o professor
François Geny, resgatando as teses da Escola francesa histórico-evolutiva ressaltar esses quatro grandes métodos de interpretação: gramatical, lógico-sistemático, histórico
também a necessidade de busca da ratio legis. então, a vontade atual da lei, ou seja, a e teleológico. Isoladamente nenhum deles prepondera, pois eles foram pensados por
busca da ratio legis se apoia, sobretudo, na investigação histórico-evolutiva, ou seja, para Savigny, para serem utilizados em conjunto. Então, o bom intérprete é aquele que procura,
que se entende qual é o telos daquele dispositivo, qual é a sua mens, é necessário que se como o artigo 5º da LINDB estabelece, as finalidades sociais e as exigências do bem
encontra a origo legis e a ocasio legis. Então, para Geny, a busca da ratio legis depende, comum orientam a interpretação e ele vai atingir essas finalidades sociais e as exigências
de forma indiscutível, da identificação do método histórico-evolutivo. É ele que vai do bem comum quando ele consegue, então, mapear esses quatro grandes métodos e
demonstrar o modo através do qual que o instituto, historicamente, veio se aplica-los em conjunto.
desenvolvendo.
Então, como não existe uma regra dizendo qual método deve ser aplicado e qual método
O método histórico apareceu com a Escola histórica do direito, com Savigny e foi não deve ser aplicado, o intérprete sempre vai utilizá-los em conjunto. Uma interpretação
amplamente difundida e estendida em termos de alcance de conteúdo pela Pandectística feita de boa-fé é aquela que sempre vai utilizar e procurar aplicar os quatro métodos em
alemã, a qual foi fundamental para uma investigação de gênese dos conteúdos históricos conjunto, pois em algumas ocasiões, ao usar o método, chega-se a um resultado, ao usar
do direito, a gênese da formação de cada um dos conceitos jurídicos previstos no interior outro, pode-se chegar a um resultado distinto. Ou seja, utilizando-se o método gramatical
dos institutos e das legislações. pode se chegar a um resultado, mas se o legislador quis dizer outra coisa, através do
método lógico-sistemático ou do método histórico se percebe algo distinto, pode-se ter
Método teleológico
interpretações diferentes. Daí a necessidade, então, de o bom intérprete compatibilizar e
É o método que procura a finalidade dos dispositivos legislativos. Ele apareceu na harmonizar a utilização conjunta desses quatro grandes métodos.
segunda metade do século XIX, numa escola de pensamento alemã, a chamada
Classificação da interpretação em relação ao seu alcance
Jurisprudência dos interesses e o grande representante dessa escola foi Rudolf von Ihering
tardio. Ihering, em um primeiro momento se vinculou à jurisprudência dos conceitos, sob Interpretar é buscar o sentido, é buscar o conteúdo deontológico, que antes foi chamado
a influência de Georg Friedrich Puchta, que foi um dos grandes colaboradores intelectuais de vontade do legislador, depois foi chamada de vontade da lei e depois passou a ser
de Ihering. Então, a jurisprudência dos conceitos procurava desenvolver uma cadeia de reconhecida como ratio legis, que é a unidade entre os fins, o sentido e o texto. Os quatro
conceitos que partia do mais amplo para o mais restrito. Ihering tardio é o autor que vai métodos de interpretação, então, vão permitir fixar o sentido. Contudo, no interior do
buscar os interesses jurídicos em questão. juízo de aplicação do direito, não basta fixar o sentido, é preciso saber até onde o sentido
pode ir e quais são as situações fáticas que podem receber aquele sentido interpretado. É
Ihering fala do fim do direito, essa ideia de fins que norteiam as legislações é o coração
aí que entra a figura do alcance.
da chamada jurisprudência dos interesses, a qual é uma investigação dos interesses
jurídicos em questão, os interesses protegidos pelo legislador. Ihering vai dizer que Então, o alcance justamente vai trabalhar aquelas situações fáticas que podem receber
quando uma legislação é elaborada, sempre no interior daquela legislação ou em um aquele sentido interpretado. Em relação ao alcance, os hermeneutas classificam a
momento prévio à edição daquela legislação estão em debate e estão em discussão interpretação em três tipos, declarativa, restritiva ou extensiva.
interesses contrapostos. O legislador decide, ou seja, ele opta por proteger o interesse em
Interpretação declarativa
detrimento ao outro. Então, o intérprete deve justamente procurar esse interesse que foi
protegido pelo legislador quando ele afastou o interesse contraposto. Buscar a finalidade A interpretação declarativa é aquele em que há unidade entre o texto e a sua ratio. A
do direito é o ofício do intérprete. O coração da interpretação para Ihering era buscar o finalidade da interpretação é buscar a ratio legis, para saber até onde o alcance pode ir. A
interesse em jogo, buscar a finalidade do direito, pois para ele o intérprete deve ser capaz interpretação declarativa é aquela em que texto e interpretação são coincidentes, o texto,
de entender como o legislador optou por um fim e não por outro. Buscar, então, a de fato, conseguiu traduzir toda a razão de ser, o texto conseguiu encampar com precisão
finalidade do direito é buscar o interesse jurídico que prevaleceu em detrimento a outro a a ratio. Então, a busca pelos fins e pelos sentidos se encontra totalmente equilibradas no
partir do momento em que o legislador opta pela construção de um texto legislativo. Essa interior do texto. Então, a interpretação declarativa é aquela na qual o intérprete pode
é a jurisprudência dos interesses, que é aquela que vai dizer que o método, por excelência, aplicar o conteúdo textual de forma imediata e total. É aquela na qual as finalidades são
de interpretação do direito é o método teleológico, que é aquele que vai procurar a totalmente atendidas pelo texto. Isso é interpretação declarativa.
finalidade do direito que é encarnada no interesse jurídico protegido e no interesse
jurídico privilegiado a partir do momento em que o texto legislativo aparece no interior Basta se lembrar, como exemplo, do Código Tributário Nacional, em seu artigo 101, que
do mundo jurídico. O professor Joaquim Carlos Salgado vai dizer que os fins são a ratio prescreve que o intérprete deve dar preponderância e privilégio à interpretação
legis, ou seja, os fins compõem justamente o coração do direito. declarativa, aquela interpretação literal, de certo modo. Isso porque o texto é tão preciso
que na sua atividade de fazer ver e de deixar ver não é necessário nenhum tipo de esforço
Esses são os quatro métodos clássicos de interpretação do direito. Podem aparecer extra por parte do aplicador.
métodos distintos, mas se eles aparecerem são desdobramentos metodológicos do que,
propriamente, em termos de conteúdo. Desde Savigny até hoje continuam a ser utilizados Interpretação restritiva
Na interpretação restritiva, essa identidade entre ratio e texto não é observada. Ela é Outra distinção que se mostra ser importante fazer é entre analogia e interpretação
aquela na qual o texto disse mais do que deveria ter dito. O texto ultrapassa a ratio. Então, analógica, pois a analogia é um elemento de integração do direito e a interpretação
o texto extravasou a razão de ser. Por isso, a função do intérprete é restringir o seu alcance. analógica é o próprio raciocínio ad simile. Quando se conclui utilizando a comparação
A interpretação restritiva é aquela que se dá quando o texto diz ou disse mais do que entre dois particulares, então se desenvolveu uma interpretação analógica. Analogia é um
deveria ter dito e, em virtude disso, é necessário que o intérprete o reduza. Por exemplo, elemento de colmatação de lacunas, é uma espécie e a interpretação analógica é uma
o texto do direito sucessório, no código civil, utilizou-se a expressão descendentes, interpretação que acontece no interior da analogia.
quando na verdade deveria ter utilizado filho, pois descendente é uma categoria mais
O direito penal e o direito tributário não aceitam a analogia e a interpretação analógica,
ampla do que filho, porque entre os descendentes podem estar incluídos, dentre outros,
por óbvio, como elementos de criação de tipos, em virtude do princípio da tipicidade
os netos ou bisnetos. É uma categoria mais ampla. Então, o intérprete, ao perceber que a
estrita.
ratio significava filho, o seu papel como intérprete é, então, circunscrever o alcance do
texto, pois ele não pode mudar o texto, uma vez que isso fere o princípio da separação e
independência entre os poderes, já que quem elabora o texto é o Poder Legislativo e o
intérprete aqui é um agente do Poder Judiciário. Então, ele não pode mudar o texto. Ele AULA 13
pode restringir o alcance do seu conteúdo. Essa é a finalidade da interpretação restritiva,
é permitir que o texto se compatibiliza com o seu espírito, com a sua ratio, pois ele está
Integração do direito
mais amplo do que a sua razão de ser.
Interpretação extensiva
Há um problema fundamental no interior do raciocínio e do juízo de aplicação do direito,
A interpretação extensiva é aquela que acontece ao contrário da interpretação restritiva. que se manifesta, sobretudo, quando não se localiza o direito existente. Quando se localiza
Na interpretação extensiva o texto disse menos do que deveria ter sido dito, o texto falou o direito, o próximo passo é interpretá-lo. Porém, se porventura não se localiza esse
menos do que deveria ter falado. Daí a necessidade de o intérprete alargar, estender o direito, como deverá proceder o hermeneuta é o questionamento que surge. As hipóteses
alcance do texto por ter encontrado a sua ratio. Então, na interpretação extensiva se tem nas quais não há, de antemão, uma regra jurídica, quer seja de origem legislativa,
um movimento que vai de parte para o gênero, ao passo que na interpretação restritiva se costumeira, jurisprudencial, negocial que, de antemão, seja apta a regulamentar aquela
tinha um movimento de circunscrição que ia do gênero para a parte. Agora precisa-se situação jurídica sobre a análise do Poder Judiciário, o hermeneuta, o intérprete e
alargar, aumentar o campo de incidência da ratio, o campo de incidências do sentido. Por aplicador do direito deve proceder e deve procurar realizar a chamada integração do
exemplo, quando o texto do Código Civil diz filho, quando na verdade deveria dizer direito.
descendentes. Então, há a necessidade de se estender. Mesma coisa no direito tributário. Quando se fala de integração do direito, o que se quer chamar a atenção é justamente para
O texto do Código tributário e da constituição fala em imposto, mas na verdade ter falado os procedimentos que serão utilizados para realizar a chamada COLMATAÇÃO DE
em tributo. Então, há a necessidade de sair da espécie para irmos ao gênero. Então, a LACUNAS. Integrar o direito significa resolver o problema clássico da teoria do direito
interpretação extensiva é aquela na qual o intérprete percebeu que o sentido era muito que é o problema das lacunas jurídicas.
mais amplo do que aquilo que foi propriamente veiculado pelo seu texto.
Então, se não se identifica, de antemão, o direito supostamente aplicável àquela situação,
Aqui tem uma distinção essencial que é sempre desconsiderada, que é o fato de que a se consegue-se perceber, de antemão, que falta o direito, o intérprete se coloca diante de
interpretação extensiva e analogia são coisas totalmente distintas. Interpretação extensiva, uma lacuna jurídica. A teoria da integração é requisitada para que se resolva o problema
primeiro, por ser interpretação parte da existência de um texto. Ela é uma interpretação das lacunas jurídicas. Então, integrar o direito é justamente identificar e, sobretudo,
que parte do direito que é identificado e que é existente. Então, existe o texto e o intérprete resolver o problema das lacunas jurídicas, pois quando se fala em lacuna, se está
vai interpretá-lo. Analogia, segundo o texto do artigo 4º da LINDB, se dá justamente nos discutindo um tema clássico da teoria do direito, que é o tema da completude do
ordenamento jurídico.
casos de lacuna. Logo não há texto e, por isso, ela é um elemento de integração do direito,
de colmatação de lacunas. Analogia é um elemento de integração do direito e ela é um Em relação à completude do ordenamento jurídico existiam dois grandes grupos de
elemento de integração porque não há direito de antemão. Então, na interpretação estudiosos do ordenamento, um primeiro, principalmente no contexto do positivismo
extensiva há direito, logo se deve interpretá-lo. Na analogia não há direito, logo se deve clássico do século XIX, que defendia que o ordenamento jurídico era completo e, se
integrar o direito. A segunda diferença é que a interpretação extensiva é aquela na qual porventura se deparassem com uma situação que, de antemão, não era regulamentada pelo
se nota o movimento que vai da parte para o todo, movimento de extensão da espécie direito, essa situação teria sido assim desenvolvida justamente para não ser regulamentada
rumo ao gênero. Na analogia se tem a comparação entre dois particulares, entre duas pelo direito, a qual se trataria de uma situação de INDIFERENÇA JURÍDICA.
partes. Então, não se tem o movimento que vai da parte para o gênero. Tem-se o Logo, tudo aquilo que não fosse regulamentado era lícito, ou seja, era permitido. Então
movimento que compara dois particulares em suas características singulares e em suas as teses que defendem a completude do ordenamento jurídico vão afirmar que não existem
características pessoais. lacunas porque o legislador poderia ter previsto aquela situação e não o fez, logo sendo
tal situação irrelevante, do ponto de vista jurídico. Contudo, para a maior parte dos 4º da LINDB prever essas três categorias, ele deve ser lido como “na ausência de lei, o
estudiosos do direito, o ordenamento jurídico admite lacunas, podendo o ordenamento aplicador deve se valer da analogia e dos princípios gerais do direito”.
jurídico conviver com as lacunas, mas ele não poderá conviver com a ausência de critérios
em seu interior que tenham por missão resolver o problema das lacunas jurídicas. Analogia

Uma lacuna jurídica significa uma completude indesejada do ordenamento jurídico, uma Analogia, antes de tudo é uma modalidade de raciocínio, assim como a dedução e a
omissão que não é desejada. Para os autores, citando-se como exemplo Norberto Bobbio, indução. A primeira é aquela modalidade de raciocínio que parte do universal para o
em sua obra clássica, Teoria do Ordenamento Jurídico, o ordenamento somente seria particular, ao passo que a segunda é aquela modalidade de raciocínio que parte da
incompleto se, primeiro se identificasse uma lacuna, uma incompletude indesejada e, comparação dos distintos particulares para se inferir uma lei universal, uma lei geral.
segundo, se o próprio ordenamento jurídico não previsse critérios que fossem, então, os A analogia é também uma modalidade de raciocínio que pertence ao grande campo da
responsáveis por colmatar as lacunas. lógica. Contudo, o raciocínio analógico é aquele que realiza a comparação entre dois
Então, uma incompletude do ordenamento jurídico, somente se manifestaria diante da particulares, entre dois componentes de uma mesma espécie e não entre o universal e o
ausência, não de regras, mas sobretudo diante da ausência de regras que tinham por particular, como a dedução, e nem do particular ao universal, como acontece na indução.
missão ou por finalidade resolver o problema da ausência de regras, resolver o problema Por isso que a analogia é concebida como uma forma de raciocínio ad símile, pois o que
das lacunas jurídicas. Então, o ordenamento jurídico pode conviver com uma omissão, a analogia faz é justamente procurar as semelhanças que existem entre aqueles dois
mas ele não poderá viver com a omissão e com a ausência de um critério que teria por particulares em comparação.
finalidade preencher o problema das lacunas, resolver o problema das lacunas jurídicas. A analogia, então, é uma modalidade de raciocínio que procura, então, comparar as
Diante desse raciocínio apresentado por Norberto Bobbio, a maior parte dos características dos particulares para que se consigam, então, reconhecer semelhanças e
ordenamentos jurídicos apresentam as chamadas normas gerais inclusivas, que são diferenças, de um modo tal que, uma vez que se observam semelhanças e, sobretudo, se
aquelas, tais como no caso do Brasil, representadas pelo artigo 4º da LINDB, que vão observam os fundamentos e as razoes pelas quais essas semelhanças se justificam, é
determinar que “na ausência de lei que advém de uma fonte primária do direito, o possível, a partir da comparação desses dois particulares, estender uma característica de
legislador poderá fazer uso da analogia, dos costumes e dos princípios gerais do direito”, um particular ao outro porque os fundamentos das semelhanças e das distinções também
sendo importante observar que embora a LINDB mencione exclusivamente as leis, tal se observam.
raciocínio extensivamente se aplica em relação às demais fontes primárias do direito. Isso A origem do raciocínio analógico se encontra na filosofia antiga, sobretudo Platão, mas
quer dizer que o artigo 4º da LINDB representa e configura uma espécie da chamada principalmente Aristóteles, o qual vai afirmar que a analogia se observa quando há
norma geral inclusiva, a qual é aquela que se dedica exclusivamente a colmatar o extensão de notas acidentais e acidentais dos entes, uns aos outros. Então, é importante
problema das lacunas. lembrar que a metafísica aristotélica procura desenvolver o raciocínio que permite o
Então, para Bobbio, há incompletude do ordenamento jurídico se, e somente se, os desenvolvimento da chamada enteléquia, que, para a metafisica aristotélica, significa
ordenamentos jurídicos, primeiro, não apresentassem uma regra prévia para regulamentar aquele movimento através do qual a coisa, o ente sai da sua pura potencialidade para a
aquela situação e, segundo, não estivessem presentes nesses ordenamentos as chamadas sua realização concreta em ato. Enteléquia, então, significa, sob a regência da causa final,
normas gerais inclusivas. O direito brasileiro prevê uma norma geral inclusiva, o artigo o ente sair da pura potência para se realizar concretamente em ato. Logo, as sus
4º da LINDB. Logo, o ordenamento jurídico não é completo, mas ele pode ser características essenciais vão se realizando plenamente.
completável, através da utilização de uma norma geral inclusiva. Para Aristóteles, os entes, a partir da causa final, a partir da sua substância, podem ter
Logo, a integração do direito, ou seja, aquele esforço para se preencher, para se resolver dois tipos de características, acidentais e essenciais, sendo as acidentais aquelas que são
e para se colmatarem as lacunas somente é possível através da presença das chamadas dispensáveis do processo de realização da enteléquia. Pode ser pensado o próprio exemplo
regras ou normas gerais inclusivas, como é o caso do artigo 4º da LINDB. Então, o que Aristóteles confere: a característica essencial do homem e da humanidade é ter
legislador pátrio previu a utilização da analogia, dos costumes e dos princípios gerais do racionalidade. Logo, a diferença de altura entre os homens é uma característica acidental,
direito como os métodos, os critérios preferenciais de resolução do problema das lacunas. a qual não influencia em nada o processo através do qual a potência “racionalidade” se
desenvolve em concreção, a racionalidade na sua plenitude que, para Aristóteles, se
Uma observação muito importante precisa ser feita, que é o fato de que o legislador pátrio observa no interior da cidade.
relega os costumes a um plano inferior. Ele prevê que os costumes serão utilizados como
fontes supletivas. Contudo sabemos que os costumes jurídicos são fontes imediatas. Então, o homem plenamente realizado é o cidadão, porque na cidade a razão se
Então, o modo através do qual a legislação enquadra os costumes ainda é influenciado desenvolve às suas últimas consequências. Logo, racionalidade é uma nota essencial e
por toda a temática do positivismo jurídico clássico. Então, é importante destacar que A altura é uma nota acidental, pois caso se retire a altura dos homens, eles continuam sendo
DESPEITO de o artigo 4º da LINDB incluir os costumes na categoria de fontes supletivas, homens, enquanto tais. Então, a analogia vai se construir a partir da comparação entre
fontes secundárias, fontes que, de antemão, não regulariam comportamentos, mas que essas notas essenciais e as notas acidentais.
seriam utilizadas somente na ausência de uma outra regra prévia, apesar disso, os Aristóteles vai afirmar que se os entes possuem em comum algumas características
costumes são sim enquadrados como fontes imediatas do direito. Então, apesar de o artigo meramente acidentais, estes entes são aparentemente semelhantes. Se, por sua vez, estes
entes possuem, pelo menos, uma ou mais notas acidentais, estes entes são semelhantes e
se, por acaso, estes entes possuírem em comum todas as notas essenciais, eles são iguais. da identificação, a partir da identificação da ratio legis, a consequência de uma situação
Por fim, se estes entes análogos possuírem em comum todas as notas acidentais e todas para outra.
as notas essenciais, então eles são idênticos.
As correntes de pensamento ainda fazem a distinção entre analogia legis e analogia iures.
Para Aristóteles, a analogia somente é possível em se tratando de entes aparentemente A analogia leges se dá, que se manifesta quando o paradigma, ou aquela figura jurídica
semelhantes ou entes semelhantes, pois se eles são iguais ou se eles são idênticos, não há que serve de modelo para que se possa estender a sua consequência a uma outra situação
a necessidade de extensão da característica de um para o outro. Então, a analogia é aquele semelhante está prevista numa lei. Por exemplo, ao se requerer, por analogia a
raciocínio que vai estender, transmitir as características de um ente para o outro porque o equiparação salarial, entre um motorista e um operador de máquinas que trabalham em
fundamento dessa extensão se faz presente em ambos os entes. Então, estes entes têm em uma mesma condição de risco no exemplo anteriormente citado.
comum algumas notas em distinção a outras notas. Contudo, o fundamento da atribuição
de uma nota ou da retirada de uma nota está presente em ambos. Logo, é natural que se Por outro lado, se a fonte de previsão daquela situação que vai ser utilizada como
estenda ou que se transmita uma característica de um ao outro. paradigma e como modelo não é uma lei, mas é uma jurisprudência, um costume ou é um
contrato, tem-se uma analogia iures, aquela em que a previsão não se desenvolve na forma
No interior do direito, a analogia é um pouco mais complexa. Poder-se-ia dizer, de forma da lei, mas em outras fontes semelhantes do direito. Em ambos a analogia atua como
bem breve, que a analogia jurídica é aquele tipo de raciocínio de comparação, aquele elemento de integração do direito e não de previsão do direito.
raciocínio que busca uma similitude que tem por missão estender uma consequência
jurídica prevista para uma dada situação para outra situação que não tem, expressamente A distinção se dá, sobretudo, a partir de qual fonte do direito se fala. Se se parte de uma
prevista, essa consequência. Essa extensão é possível porque o fundamento de situação prevista em lei, analogia leges, e se se parte de uma situação prevista em
previsibilidade da consequência jurídica, que está presente naquela situação pela qual há costumes, jurisprudência ou contrato, se está diante de uma analogia iures. Essa distinção
expressamente essa previsão, também está presente na outra situação. Então, esses entes é terminológica, apesar de se ter uma relevância prática em relação ao direito que se
em comparação, estas situações jurídicas em análise, possuem em comum o mesmo aplica. Então, essa é a analogia enquanto direito supletivo, elemento de colmatação das
fundamento de previsão da consequência. Contudo, uma situação tem previsto por parte lacunas, elemento de integração do direito.
do direito a sua consequência jurídica. A outra situação, por outro lado, não tem previsão É importante destacar que no caso na analogia iures, pode-se utilizar como fonte de
expressa em relação ao direito, de uma consequência jurídica. Daí, a função do comparação uma decisão que foi obtida por outra analogia e que se transvestiu na forma
hermeneuta, d transmitir a consequência jurídica expressa em uma situação para a outra de uma jurisprudência, isto é, pode-se embasar em um outro raciocínio analógico anterior
situação para a qual não há expressamente desenhada uma consequência jurídica, porque que se consolidou via jurisprudência. Então, não necessariamente, uma fonte formal
o fundamento de atribuição entre conduta e consequência está presente nas mesmas secundária imediata será sempre a fonte de comparação para a analogia.
situações.
Princípios gerais do direito
Por exemplo, ao se requerer, por analogia a equiparação salarial, entre um motorista e um
operador de máquinas que trabalham em uma mesma condição de risco e aquele que O artigo 4º da LINDB também faz referência aos princípios gerais do direito como
solicita a equiparação não recebe o adicional de insalubridade e de periculosidade, elementos de integração do direito. Uma distinção que é muito importante são os
adicionais, os quais estão previstos na lei trabalhista. Então, não existe a previsão jurídica chamados princípios gerais do direito com as normas-princípio, que se manifestam a
em relação ao operador de máquina pesada conforme existe em relação ao motorista de partir do chamado neoconstitucionalismo ou pós-positivismo. Então é importante
transporte e, daí, então, necessária a equiparação para que as remunerações se equivalham perceber a diferença entre os princípios gerais do direito, os quais são aqueles que se
a partir da utilização da importação do adicional de insalubridade e de periculosidade. manifestam no interior do positivismo jurídico do século XIX, para as normas-princípio,
que aparecem no texto da Constituição, sobretudo, a partir da lei fundamental de Bonn,
Então, o que importa na analogia jurídica é, justamente, procurar o fundamento, o qual de 1949, na Alemanha, quando, então, a necessidade de correção moral do direito a partir
vai permitir que uma dada situação jurídica tenha uma consequência. Se esse fundamento das experiências nefastas a partir da Segunda Guerra Mundial.
é identificado, é natural que a consequência jurídica de uma situação seja estendida a
outra. O que é importante perceber é que fundamento é a mesma ratio legis, sobre a qual Então, os constitucionalistas, sobretudo, chamaram a atenção, a respeito da necessidade
Francesco Ferrara vai afirmar que ela se obtém a partir do momento em que se analisa o de o direito se aproximar uma vez mais da ética. Por isso que as normas constitucionais
corpus do texto, as palavras, em que se encontra, então, a sua mens, o seu sentido e o seu deveriam veicular valores jurídicos, os quais estariam esculpidos, estariam presentes nas
significado, atrelado, então, à sua função, à sua finalidade, os bens, os valores, enfim. A normas-princípio, que tinham um modo de aplicação totalmente distinto das normas-
ratio legis, então, é o mapeamento de toda a finalidade jurídica daquele instituto. regra, as quais se aplicam na forma do “tudo ou nada” e as normas princípio, conforme
pondera Robert Alexy, se aplicam a partir do procedimento da proporcionalidade.
Uma vez que aquela situação passou por toda uma interpretação jurídica e se identificou
a ratio legis, é a partir dessa ratio legis que se encontra o fundamento da atribuição de Quando o artigo 4º da LINDB fala em princípios do direito, ele não está se referindo às
uma dada consequência jurídica. Então, uma situação tem previsão no direito e daí ela ser normas-princípio, pois estas são fontes imediatas do direito, ao passo que os princípios
passiva de se identificar a ratio legis. Uma outra situação comparada, análoga, não tem gerais do direito são elementos supletivos, são elementos de colmatação e de integração
essa consequência jurídica, mas tem o mesmo fundamento. Daí a necessidade de jurídica. Eles, então, não têm força normativa imediata e são elementos auxiliares na
transposição de um conteúdo ao outro. Analogia, então, é o raciocínio que vai transmitir interpretação do direito e na organização da matéria jurídica como um todo.
Dois exemplos clássicos de princípios gerais do direito são a segurança jurídica e a certeza importante registrar uma inversão lógica dessa exposição. Se for analisado um processo,
jurídica. Segurança e certeza não estão positivadas em regras jurídicas. Os intérpretes do este começa pela análise da premissa menor e não pela premissa maior, mas
direito, a partir do momento em que se analisa todas as regras jurídicas, se consegue, a esquematicamente o raciocínio começa pela análise da premissa maior. O que é
partir da análise de cada uma de suas disposições e a partir da análise de cada um de seus importante é que se entenda que no interior da premissa menor o que se analisa é a
conteúdos perceber que elas, em conjunto, são abrigadas, albergadas e tocadas pela chamada situação fática deduzida em juízo.
mesma finalidade, que é promover a segurança jurídica, que é justamente a
previsibilidade de condutas futuras, ao mesmo tempo em que as regras jurídicas postas Sabe-se que pelas regras processuais, do CPC/2015, que a jurisdição é inamovível, o que
na Constituição e nas regras infraconstitucionais têm por finalidade garantir também a significa dizer que o Poder Judiciário somente pode atuar mediante provocação. Os
certeza, que é a imodificabilidade de situações jurídicas produzidas no passado. processos, então, não podem se iniciar de ofício. Então, a jurisdição é inamovível, pois
ela somente atua a partir de provocação. Contudo, uma vez provocada a jurisdição, o
É importante perceber que segurança e certeza não estão positivados, mas são princípios Estado-juiz não pode deixar de decidir alegando que não há regra prévia a regulamentar
gerais do direito que são, então, descobertos, adquiridos, identificados a partir do esforço e a tutelar aquela situação demandada. Em outras palavras, o aplicador do direito não
intelectual das correntes de pensamento jurídico. Então, os princípios gerais do direito pode renunciar à sua obrigação de decidir porque ele afirma não existir regra jurídica
são como se fossem verdades estruturantes, elementos estruturais e de organização que prévia ou critério de colmatação de lacunas. É a isso que se refere o chamado princípio
vão garantir a unidade do direito positivado como um todo, vão garantir a unidade da da proibição do non-liquet, o qual significa “princípio da proibição do não-julgamento”.
ordem jurídica posta, como um todo, mas justamente pelo fato de eles serem apreendidos
e significados por meio de construções acadêmico-jurídicas, eles não podem ser utilizados De alguma forma e em conformidade com algum critério e com algum meio, o magistrado
como fonte de normatividade imediata. De uma forma bem clara, não se pode invocar um tem que julgar a questão, mesmo que não haja de antemão uma regra prévia a
princípio geral do direito para reivindicar um direito ou uma obrigação perante um regulamentar e a tutelar aquela situação. Então, o processo se inicia quando as partes
tribunal. É a isso que o professor Lênio Streck chama de pamprincipiologismo, a narram em juízo uma dada situação fática que aconteceu. E não basta que as partes
invocação de princípios que não têm previsão positivada para regulamentarem direitos e reconstruam aquele fato argumentativamente e narrativamente em juízo. É necessário que
obrigações, quando na verdade esses princípios gerais do direito são elementos de as partes também apresentem os meios de prova suficientes para a construção da situação
orientação interpretativa e integrativa do direito. Por isso não se podem construir direitos fática em juízo. Isso os romanos já tinham percebido e está presente em uma clássica
e obrigações a partir desses princípios gerais do direito. parêmia, num clássico adágio do direito romano que é a expressão allegata et probata.
Então, os romanos afirmavam que se alegue e que se prove. Então, não basta às partes
É importante frisar que isso não se dá com as normas-princípio, pois elas, sim, constituem, que apenas aleguem e que narrem a situação, aleguem fatos e imputem comportamentos
de forma imediata, direitos e obrigações. Então, justamente pelo fato de serem elementos a determinadas pessoas. É necessário que elas provem cada um dos argumentos que elas
de integração, o artigo 4º da LINDB prevê a possibilidade de utilização desses princípios apresentam perante o Estado-juiz.
gerais do direito como elementos de colmatação de lacunas, que são utilizados quando as
fontes imediatas, que são legislação, costumes, jurisprudência e fontes negociais faltarem
de antemão. Então, uma vez que o aplicador do direito reconhece que não há, de antemão,
um direito plenamente aplicado, ele realiza a integração jurídica, se valendo da analogia
e/ou dos princípios gerais do direito ou até mesmo das construções acadêmico-jurídicas
como elementos de preenchimento das lacunas e ele o faz dessa maneira utilizando desses
critérios exatamente porque a própria legislação assim o autoriza, a partir da chamada
norma geral inclusiva, prevista no artigo 4º da LINDB, no caso do direito brasileiro. - Formação da quaestio facti e da quaestio iuris
Portanto, a análise da premissa maior do raciocínio de aplicação do direito se inicia com Um fato que é discutido em um processo não é um fato jornalístico, historico, literário,
a identificação do direito existente e uma vez identificado o direito, então deve-se o mas, sim, um fato juridico em sentido amplo. Logo, as partes reconstituírão aquela
interpretar, ou seja, fixar-lhe o sentido e o alcance. Porém, não identificado o direito deve- situação fática à luz das provas. São as provas, então, que vão conformar, construir,
se integrá-lo e, uma vez que se integrou o direito, então passa-se a interpretar o direito elaborar a situação fática que será, então, analisada perante o Estado-juiz. A construção
que foi integrado, obtendo o seu sentido e alcance. Tanto na presença do direito dessa situação fática a partir das provas recebe o nome de quaestio facti (Questão de
interpretado como na ausência em que se realiza a integração o resultado é a obtenção do Fato).
sentido e do alcance das expressões do direito, aqui resgatando a definição clássica do
A chamada questio iuris é a qualificação que o juiz vai conceder aqueles fatos que são
professor Carlos Maximiliano.
apresentados pelas partes diante do Direito. Vejam, as partes já têm a possibilidade de
Premissa menor do juízo de aplicação do Direito enquadrar aquele relato diante do Direito, a obrigação delas é promover a construção das
questões de fato, mas nada impede que elas digam, por exemplo, que aquela situação é
Uma vez, então, que o direito foi interpretado, uma vez que se fixou o seu sentido e o seu recebida pelo Direito como furto. Contudo, esse enquadramento, a formação dessa
alcance, o próximo passo a ser dado pelo aplicador é a análise da premissa menor do juízo questão de Direito não é decisiva em relação às partes porque o próprio magistrado pode
de aplicação do direito. na premissa menor, todo aquele direito que é objeto de promover o enquadramento jurídico distinto. Ou seja, o prórpio magistrado tem condições
interpretação passa a ser analisado diante da situação fática apresentada pelas partes. É de promover a questio iuris de uma maneira distinta. De toda forma, o que importa é que
a questão de Direito significa um modo através do qual o magistrado enxerga aquela
situação à luz do Direito.
IMPORTANTE SALIENTAR QUE TANTO NA FORMAÇÃO DA QUESTÃO DE
EXEMPLO PRÁTICO: A parte se dirige à autoridade policial pra dizer que o indivíduo FATO COMO NA FORMAÇÃO DA QUESTÃO DE DIREITO JÁ HÁ SUBSUNÇÃO.
invadiu a sua casa, de madrugada, subtraiu alguns bens e, ao se deparar com o dono da Já há uma leitura conjunta de fatos e de realidade.
casa, ele o agrediu e foi embora levando os bens.
Importante, também, salientar que não são os fatos que são subsumidos ao Direito,
Ela vai à delegacia, junta como prova as filmagens, gravações, testemunhas e vai dizer: são conceitos ou relatos sobre os fatos que são, então, subsumidos ao Direito.
olha, esse indivíduo me furtou.
Formar uma questao de fato ou formar uma questao de Direito significa reconhecer
O que acontece no interior dessas partes: Elas estão promovendo o enquadramento fático. que, as características descritas na hipótese de incidência do texto da regra juridica
E ela, também, faz o enquadramento jurídico ao apontar que o indivíduo promoveu um se encontram presentes naquela situação fática que é, então, reconstrídas em juízo
"furto". Desse modo, a autoridade policial vai dizer: ' olha, isso aqui não é tipicamente porque sabemos, desde Chiovenda: " o que não está nos autos, não está no mundo".
um caso de furto, isso é um caso de roubo, já que houve agressão ao proprietário da casa.
Subsunção enquadra aquela situação de fato, reconstruída em juízo, a partir das
Então, ele dá um outro enquadramento jurídico àquele fato. Ele promove uma questão de provas, dentro da moldura da hipótese de incidência da regra- dentro da moldura
Direito distinta àquela prevista pelas partes. fixada pela fatiespécie. Aquela fato concreto é uma espécie da hipótese prevista no
texto - em outras palavras, o fato concreto configura a fatiespécie - isso é subsunção.
Desse modo questio iuris ou questão do Direito significa, de maneira bem clara, colocar
aquela situação fática dentro de uma gaveta jurídica bem específica. Enquadrar,
posicionar.
- Fundamento da subsunção : Karl Engish e Karl Larenz: teoria da equiparação.
Os dois melhores autores do tema são, de fato, Karl Engish, com o livro chamado
- A importância das provas e do ônus de provar "Introdução ao Pensamento Juridico" e Karl Larenz no "Metodologia da ciencia do
Direito". Em ambos, desenvolve o fundamento da subsunção que significa perguntar-se
O ônus da prova, em regra, compete à parte que faz as alegações em virtude do príncipio a respeito do porquê aquela situação fática é uma espécie da fatiespécie legislativa. Em
da allegata et probata. Contudo, o próprio direito pode prever situações em que esse ônus outras palavras, por quê aquela situação gática configura um exemplo da hipótese prevista
da prova será invertido, sobretudo naquelas situações que se verificam hipossuficiências no texto da regra juridica .
como é o caso do Direito do Consumidor. Então, a parte que possui maior capacidade
financeira, à ela, cabe a prova de que aquele serviço/ ou produto que é fornecido, tanto Para o Engish e para o Larenz, essa subsunção se realiza através da teoria da equiparação.
pelo fabricante quanto pelo vendedor não foram prestados de forma defeituosa. Nesse A Teoria da Equiparação é voce reconhecer que os fatos narrados em processo, os fatos
sentido, o ônus da prova não cabe à parte que fez as alegações, mas sim à parte contraposta reconstruídos a partir da incidência das provas, possuem as mesmas características
- é a chamada inversão do ônus da prova. essenciais dispostas na hipótese de incidência, ou seja, dispostas no texto da fatiespécie -
os fatos realizam as características essencias do Direito. Justamente por conta disso as
O que é importante: A situação fática vai ser construída a partir das provas. consequências jurídicas previstas na hipótese de incidência devem ser aplicadas naquele
- A presença da subsunção fato em espécifico.

A construção da quaestio facti a partir das provas já implicam em subsunção. Percebam que no interior da subsunção já se observam duas caracteristicas da
hermeneutica clássica e da hermeneutica filosofica. Quando infere que a subsunção é a
Subsunção é aquele raciocínio através do qual se analisam, conjuntamente, característica checagem de fatos e do direito, aqui, se tem a teoria do circulo hermenêutico - relação
dos fatos e características do Direito. É o movimento que parte das regras para os fatos e entre parte e todo - movimento de ida e volta- de fatos e de direito ( parte e todo).
dos fatos para as regras.
Ao mesmo tempo que a equiparação, ou seja, esse processo de identificação do fato das
ex: Fulano praticou furto. caracteristicas hipoteticas previstas, entao, na fatiespécie, é, tambem, Fusão de
precisa de provas de que aquela situação se enquadra no tipo penal previsto como furto. Horizontes. O horizonte do texto se encontra com o horizonte fático. Desse modo, não há
Contudo, pra isso, eu preciso conhecer o texto do tipo penal que vai prever a figura do grande separação entre hermeneutica juridica classica e hermeneutica filosofica - claro,
furto. O próprio enquadramento daquela situação, a narrativa das partes já apresentam guardando as ressalvas possíveis ; elas tem pontos de diferenças muito amplas, mas
subsunção porque as partes vão construir suas narrativas usando, por exemplo, os juízos tambem possuem pontos de contato: um deles é esse--> a subsunção poderia configurar
de percepção, juízos valorativos, juízos morais. Então, em cada um desses processos há o ciclo hermeneutico da hermenetuca classica, como também a ideia de Fusão de
incidência de uma análise conjunta entre Direito e realidade. Horizontes que é desenvolvida pela hermeneutica filosofica Gadameriana.

A questão de Fato é justamente a configuração do fato que vai ser discutido em juízo a Importante: Já na construção da premissa menor se nota a subsunção. Então, é comum,
partir das provas. Aquelas partes, então, apresentam aqueles relatos e o magistrado vai se dizer, no interior da hermeneutica clássica, que a subsunção somente acontece na
realizar o chamado 'Enquadramento juridico', ou promover a chamada questio iuris.
conclusão, na aplicação da consequencia juridica, mas nao. Na contrução da questao de discutidos no processo. A fundamentação é aquela parte ( coração da sentença) no qual o
fato, ou seja, na reconfiguração do fato que será analisado pelo juiz, já há a subsunção. magistrado vai construir o fundamento de sua decisão, vai indicar quais sao as regras
juridicas, quais sao as provas que foram fundamentais pra que ela construísse a sua
Desse modo, uma vez que a situação fatica é constryída e enquadrada no interior da decisao. Por isso há sempre uma unidade entre o direito interpretado, fatos provados e
premissa menor, há a possibilidade de o magistrado proceder a conclusão de seu argumentos decisórios. Pra que uma decisao seja fundamentada, ela deve partir pelo
raciocinio por subsunção. Vejam, a subsunção se manifesta tanto no interior da premissa chamado Teste da Decidibilidade.
menor como, agora, na conclusao---> aqui, se realiza entao, especificamente, a aplicação
juridica.

- Decidibilidade: a verificação dos argumentos decisórios- Kant e o juízo de reflexão da


aplicabilidade.
D) Conclusão por subsunção - a aplicação jurídica
O teste de decidibilidade é a verificação, por parte do magistrado, se aquela decisão,
Na conclusão, se constroi a decisão enquanto ato de vontade racional. então, cumpriu as suas etapas de configuração racional. De uma forma bem clara: para
- A decisão enquanto vontade racional que uma decisao seja fundamentada, não basta que o magistrado chegue e diga que se
embasou na interpretação da lei e que se embasou no fato -- > ele deve mostrar como essa
É so a incidencia aparelhada da regra juridica que se apresenta a aplicação juridica. lei, como essa fonte, incide nesse fato. Ele deve apresentar o chamado 'argumento
Porque aplicar significa decidir e decidir significa ato de vontade racional. Só pode decisorio'. O Argumento Decisorio: argumento significa, entao, aquele vinculo, liame que
aplicar o Direito quem recebe competencia racional para tanto. Entao, a decisão é o ato vai ligar Direito e Fato. Entao nao basta que ele indique o direito ou indique fato. Ele tem
de vontade da autoridade investida naquela função enquanto tal, a partir de regras que provar, argumentar, explicar como aquele direito incide sobre esses fatos. Como,
juridicas, sobretudo, constitucional. entao, esses fatos reclamam a incidencia dessas regras. Tem que mostrar a contatenação
Aplicar, desse modo, significa a vontade racional : "eu quero", apoiada no Direito que logica que aproxima Direito e Fato: isso é o argumento decisorio; se ele o cumpre, se
vai, entao, fixar, de forma normativa, o sentido interpretado. observa, em relação a esse argumento, a decidibilidade. é um este racional.

Só a hermeneutica juridica e a teologica são normativas porque só elas aplicam o Existem, classicamente, 3 modos através dos quais o argumento decisório se desenvolve:
conteúdo das situações concretas e, no caso da hermeneutica juridica, essa aplicação de o método dedutivo, o método indutivo e o método analógico. O metodo dedutivo é aquele
um conteudo, fixação de um conteudo, é garantidas por meio de coercibilidade. Decidir, observado pela Escola da Exegese Francesa. A Escola da Exegese, então, pressupõe o
entao, significa fixar o sentido de forma coersível, exigível. Havendo, por parte do Poder 'juiz boca da lei'. Ela parte de forma mecanica da premissa maior para a premissa menor
Judiciário, elementos que vao garantir que aquele sentido fixado seja cumprido. e aplica por inferência. Já o argumento indutivo começa a fundamentação apresentando
os fatos para depois, entao, se reportar ao Direito, para, só, a partir daí, explicar como
esses fatos, reportam as provas para so entao ir ao Direito e mostar quais regras incidem
e porquê elas incidem nesses fatos. Já o argumento análogico é aquele que compara lado
a lado Fato e Direito.
- Fundamentação: unidade entre direito interpretado; fatos provados e argumento
decisório
Qual é o mais adequado e qual é o mais correto? Não importa! Os tres são usados
Essa vontade, por parte do aplicador do direito, é racional. Isso quer dizer que uma
recorrentemente no interior dos tribunais. O que importa é que o argumento exista na
decisao juridica, pra que ela possa existir à luz do art. 93, inciso IX, da CF, ela deve ser
sentença. Se a sentença não tiver um argumento decisorio, ou seja, se a sentença não
fundamentada; se ela nao for fundamentada, não integra o universo do Direito. Quando
explicar porquê esse Direito se aplica nesses fatos ou porquê esses fatos recebem esse
se diz que uma decisao é fundamentada, quer dizer que essa decisão é marcada por
Direito, essa decisão nao existe; ela nao é fundamentada. PC AFIRMA: 90% das decisões
vontade racional porque a conclusao do magistrado, ou seja, as razoes que o levaram a
judiciais nao sao fundamentais porque elas se limitam a dizer quais são os fatos e quais
decidir daquela forma, estao consubstanciadas em Fatos e em Direitos. Dizer que a
são os direitos, mas nao apresentam uma relação lógica que ligue um ao outro: ligue fato
aplicação é um ato de vontade racional, significa dizer que o magistrado chegou àquela
ao direito. E a decidibilidade só vai se cumprir efetivamente se o magistrado fizer o Teste
conclusao levando em conta os fatos que são discutidos em processo e, por consequencia,
a partir daquilo que o Kant chama de Juízo reflexionante. O juízo reflexionante é o
provados, e o direito que é interpretado. Logo, a conclusão nao é arbitrária porque ela
seguinte 'teste de pedigre' da decisão pelo qual o magistrado deveria perpassar. Então, o
indica fatos e direitos que fundamentaram e motivaram aquela decisão.
juízo reflexionante garantiria o 'pedrigre' da decisão.
Entao, a sentença, pra que ela possa existir, ela deve, na sua parte de fundamentação,
como assim? resposta: O magistrado deveria se perguntar: 'será que qualquer juiz, diante
apresentar, de forma pormenorizada, todos os fatos e os direitos que permitiram que na
dos mesmos fatos e diante das mesmas regras eles decidiriam da mesma maneira?'. Se a
parte do dispositivo se chegasse àquela conclusao. A sentença é composta por 3 partes:
minha decisao pudesser ser universalizada, como Kant fazia com o Imperativo
relatorio, fundamentação e decisão. No relatorio, é feito uma sintese dos fatos que são
Categórico: ' age de tal modo que a máxima de sua ação possa ser elevada ao plano da
regra universal do agir', se a resposta foi sim: a sentença foi fundamentada, ela tem do direito, a partir da importancia crescente do direito publico, sobretudo do direito
pedigree, passaria, entao, pelo teste da decidibilidade. Por outro lado, se a resposta for constitucional, no interior do direito, houve a necessidade de se desenvolver uma Teoria
não, a decisao nao foi fundamentada porque ela nao cumpriu com sua obrigação de ser de Interpretação da Constituição que nao fosse, exatamente, a mesma Teoria da
vontade racional - é uma decisao contaminada em sua subjetividade. interpretação do direito infraconstitucional - eis que aparece a chamada hermenêutica
constitucional que promoveu uma reformulação do juizo de aplicação do direito tal como
ele foi concebido pela hermeneutica juridica classica. Mas isso é conversa para a próxima
HERMENEUTICA JURÍDICA CLASSICA aula!
A hermeneutica classica percebeu isso... tanto que ela so admitiria o argumento de
decidibilidade a partir da utilização dos metodos de interpretação. Na hermeneutica
classica, o que garantiria a positividade do pedigre da decisao é a presença do método AULA 14
interpretativo. Então, se na fundamentação, o magistrado nao fizesse uso de metodo,
aquela decisao, com certeza, seria subjetiva porque ela nao teria condição de se objetivar
a partir do teste de decidibilidade; a partir do teste do juízo reflexionante universal da
moral Kanteana. Hoje, a partir, sobretudo, das teorias da argumentação juridica, nao mais
se invocam métodos interpretativos para a construção do argumento de decisao. O que as 01) Hermenêutica Jurídica Clássica (surge com o Savigny) x Nova
modalidades de teoria da interpretação, seja na forma desenvolvida pelo Alexy, seja na Hermenêutica Jurídica
forma desenvolvida, por exemplo, pelo Habermas, a decisao entre de juizo de
fundamentação e juizo de aplicação, nao importa, as teorias da argumentação juridica tem - As insuficiências da Hermenêutica Jurídica clássica: características incisivas e
o proposito justamente de apresentra as razoes argumentativas que permitem que o marcantes: a) origem no Direito Privado – resgate do direito romano por meio do direito
conteudo daquele texto, no caso a decisao, possua alcance universal. privado para depois aperfeiçoar o direito público (sobretudo no direito constitucional e
Por isso que, conteporaneamente, a hermeneutica juridica clássica foi, entao, superada administrativo), os métodos de interpretação que se aplicava na escola da exegese
pela hermeneutica constitucional, sobretudo pelo fato de que, hoje, se procura francesa, aquela escola que aparece com os códigos napoleônicos sobretudo com o código
desenvolver uma teoria da decisao judicial. Se procura construir augumentos de decisao civil francês, de 1904, se aplica ao direito privado – metodologia de interpretação literal
que sejam capazes de ser universalizados para além do método. E existem varios modelos do texto surge na escola da exegese,; b) aplicação metodológica – permite o interprete
de teoria de decisao judicial . Um deles, como mencionado, a teoria da argumentação fixar o sentido e alcance do direito sem transmitir a sua subjetividade, o método blinda o
juridica ( Alexy, por exemplo). Mas nao so ele. Para o Duorken, por exemplo, há a interprete para que ele não contamine o processo de interpretação e aplicação do direito;
possibilidade da construção de uma decisao fundamentada que, entao, nao requer c) aplicação das regras jurídicas por subsunção – raciocínio de checagem conjunta do
metodos de interpretação, e essa decisao terá o alcance universal. Pro Duorken, como que texto das fontes do direito e das realidades do fato, relacionar os conceitos a respeito da
uma decisao sera fundamentada mesmo nao valendo de um metodo: se aquele juiz premissa menor do raciocínio de aplicação do direito à estrutura de universalidade dos
respeita a integridade e coerencia dos tribunais. Como assim: Resposta: uma decisao deve textos da fonte do direito, relacionar conceitos fáticos a conceitos jurídicos; - Desde o
dialogar com o conjunto de decisoes anteriores proferidas por aquele mesmo órgão. Se é século XIX até a primeira metade do século XX.
uma decisão de um membro de um tribunal supeior, por exemplo, aquele voto deve ter
coerencia com as decisoes daquele mesmo orgao. - Pós-Segunda Guerra Mundial: mudança de eixo axiológico do Direito – a importância
da Constituição e do Direito Público para a reconstrução da eticidade da comunidade
Desse modo, HOJE, essa parte do raciocínio de aplicação do direito voltada à conclusão
por subsunção, o que a teoria do direito procura desenvolver são: teorias da decisao jurídica – de modo a evitar que normas atrocidades aconteçam;
judicial para além da fundamentação por metodologia de interpretação e aplicação do - O papel abstencionista do Estado se releva inadequado, há a necessidade do estado
Direito porque o coração dessa etapa do juízo de aplicação do Direito é a decidibilidade intervir nas relações interpessoais de modo a ajusta-las tendo em vista valores
- que é o teste de alcance da universalidade daquela decisao. Se, qualquer teoria que seja
fundamentais, prestar serviços públicos, a Constituição passa a ser o espaço fundamental
invocada, for capaz de promover a universalidade daquela decisão, ela cumpriu seu papel
de concatenação dos anseios sociais, para o desenvolvimento de uma vida digna,
de decidibilidade. Logo, a aplicação se deu por vontade racional: aquela aplicação que é
ato de vontade, por se tratar de uma autoridade, so que a vontade é consubstanciada, constituição como espaço jurídico e ético que visa a promoção da dignidade humana.
apoiada no interior de fatos e direitos que se ligam atraves do argumento de decisão. Essa - A Constituição, a partir da Revolução Francesa passa a ser texto jurídico, com o fim da
é, então, a aplicação do Direito no interior do raciocínio de aplicação, o chamado juiz de segunda-guerra esse diploma jurídico passa a chamar pra si a função de dirigir a sociedade
interpretação e aplicação do direito, que pode ser chamado tambem, como sabemos, de ao desenvolvimento pleno da dignidade humana, rumo a realização de todos os valores
silogismo prático jurídico.
jurídicos fundamentais -> erradicação da pobreza, fraternidade, realização de todos os
Algo acontece na metade do sec XX que vai fazer com que a hermeneutica juridica serviços públicos, solidariedade -> em consonância com a Declaração da ONU.
classica necessite de ser reformulada, ela vai ser reformulada a partir da necessidade
específica de se interpretar e aplicar a CF. A partir do fluxo do direito publico no interior
- É nesse contexto que aparece o Pós Positivismo, a corrente predominante pré segunda- - A constituição contem na maioria de suas regras normas princípio e o direito
guerra era o positivismo jurídico, com isso se percebeu que o positivismo jurídico ao infraconstitucional é composto em sua maior parte por normas regra.
adotar uma posição neutra, ao direcionar o seu esforço intelectual tão somente no papel
02) Distinção entre Norma-regra e Norma Princípio:
de descrição das normas jurídicas sem alguma participação valorativa, se visualiza que
esse papel foi fundamental para que as atividades da guerra acontecessem. - Ronald Dworkin, Modelos de Regras 1 – policies, principles e rules;
Com o final da guerra há o renascimento da necessidade de o Direito voltar outra vez a Diz que a constituição comporta as regras policies – normas de política pública;
abraçar as ideias de justiça, de a ciência do direito aspirar ao desenvolvimento de teorias principles – que são as normas princípio e rules – que são as normas regras
da justiça que permitissem uma correção moral do próprio direito -> Aparecimento do
Pós Positivismo, sobretudo a partir da Lei Fundamental de Bom de 1949 -> Modelo Policies: são aquelas que tem por finalidade estabelecer o propósito do estado, a
Constitucional que a Alemanha teve. finalidade básica essencial do estado: erradicar a pobreza, promover a dignidade humana.
São projetos, tem aplicação a longo prazo.
- Essa lei não teve toda a legitimidade que uma assembleia constituinte requereria teve a
necessidade de ser corrigida em termos morais sobretudo pelos tribunais, direito volta a Principio e regra: Tem o conteúdo normativo mais imediato, podem ser levados ao
chamar atenção para a necessidade de correção moral e ética das normas jurídicas para tribunal para que ele de uma aplicação forçada em caso de seu desrespeito.
que as aspirações da sociedade pós-guerra pudesse se organizar. “Princípio e regra se diferenciam através do modo argumentativo quando eles se aplicam,
- Os chamados “Pós-Positivismo” e neoconstitucionalismo; principio tem o grau de abstração maior do que a da regra”. Mas Dworkin não estabelece
com precisão os critérios de distinção entre princípio e uma regra.
Pós- Positivismo é a corrente de pensamento no interior das teorias do Direito que surge
sobretudo nos anos 50 do séc. XX que tem por finalidade reconciliar Direito e Ética, - Robert Alexy: Teoria dos direitos fundamentais – distinção a partir de duas teses – tese
Direito e valores, é nessa década que aparece a Escola “Jurisprudência dos valores”, que fraca e tese forte.
tem por missão através da argumentação jurídica inserir os valores éticos no interior do Resolver a dificuldade da obra de Dworkin, quer diferenciar norma-regra e norma-
direito. Alexy chama isso de “correção moral do direito”, permitir que as normas jurídicas principio, existem dois modos de isso ser feito, a tese fraca e a tese forte.
sejam contaminadas por toda a eticidade fundamental para que a humanidade não mais
erre em termos de falhas com o próximo. Ética como valor fundamental no interior do - Tese fraca: diferença de nível de abstração; Tese forte: modos distintos de aplicação;
direito. Tese fraca vem sendo desenvolvida desde o positivismo jurídico clássico, a diferença se
Há a necessidade portanto de se pensar as teorias da constituição de outra maneira, idéia dava pelo fato de que a norma princípio é mais ampla e abstrata e a norma-regra é mais
do neoconstitucionalismo -> vai resgatar a necessidade de se ver a constituição não só concreta em termos de fattispecie normativa, não consegue se delimitar com clareza qual
como espaço de organização da política pelo Direito, mas também como espaço em que a conduta positivada. – Tem dificuldade de delineamento prático, logo, não serve para
se fornece as garantias de fruição dos direitos fundamentais. Esforço de se pensar a apresentar com clareza as diferenças.
constituição em consonância com as teses do neopositivismo e com a jurisprudência dos - Tese forte: regras se aplicam nos easy cases – ou tudo, ou nada, via subsunção; em caso
valores. de conflito entre regras, aplicam-se as cláusulas de exceção;
Constituição como espaço privilegiado no interior do direito, logo, o tratamento deveria Tese forte se faz necessária, é aquela responsável por diferenciar norma-regra e norma-
ser distinto. principio através dos seus modos de aplicação.
- Consequências: seriam as regras constitucionais idênticas as regras As regras se aplicam nos casos dos casos fáceis, ou elas são aplicadas, ou não são
infraconstitucionais? aplicadas através da subsunção, se observa se aquela situação fática configura um caso
- Três posições: a) igualdade plena – há um tratamento igual entre as regras da hipótese de incidência, se sim, a consequência jurídica da hipótese de incidência
constitucionais e infraconstitucionais – resgata teses do positivismo clássico, regras são obrigatoriamente se aplica aquele fato, se não, não se aplica.
regras. – há críticas; b) diferença total – uma é totalmente diferente da outra, logo o modo Ademais, quando há um conflito de regras, deve se utilizar as cláusulas de exceção, o
de se desenvolver a interpretação e aplicação dessas regras deve ser totalmente diferente próprio direito, quando há conflito entre os funtores normativos, desenvolve os critérios
– não é possível criar uma técnica totalmente nova; c) pontos de convergência e de de resolução de antinomias -> critério cronológico, critério da especialidade e critério da
diferença – há pontos de convergência: são regras, e de diferença: tem finalidades hierarquia. Se aplicam por subsunção na forma do tudo ou nada, no final, se chega a
diferentes, tem o conteúdo diferente – essa tese prevaleceu; apenas uma regra.
- Principal distinção apontada pelo Pós-Positivismo: normas-regra e normas-princípio; - Princípios: aplicação nos chamados hard cases; aplicabilidade imediata por envolverem
direitos fundamentais; em casos de colisão (e não conflito) não há precedência prima
facie ou imediata (maior importância), mas condicionada à situação fática (qual princípio Dworkin é americano – Common low, precedentes tem uma importância privilegiada em
deve ser aplicado em maior medida e qual em menor medida); princípios são relação as fontes legisladas. Sentença como capitulo de um grande livro chamado
mandamentos (e não mandados) de otimização – configuram em comandos para que “decisões judiciais dos magistrados”.
o aplicador utilize a aplicação conjunta dessas duas normas, de modo a otimizar o modo
art. 426-428 CPC – determinação de que a decisão judicial deve dialogar com a história
que esses princípios aplicam ambos conjuntamente em maior ou menor medida;
institucional do tribunal. – influência do Lenio Streck
Representa o modo através do qual o constitucionalismo vai se desenvolver com
Lenio diz que no interior do direito brasileiro há uma mixagem metodológica, não há
excelência, sempre vai apontar diretrizes éticas que são fundamentais. Por isso, não se
mais a aplicação da metodologia do direito privado, há a necessidade de se desenvolver
pode aplicar um valor em detrimento a outro, pois todos são fundamentais para a
teorias da decisão judicial em que as respostas se constroem a partir de padrões
construção da dignidade humana, por isso a aplicação do princípio não é fácil. Deve se
argumentativos em sentido amplo – Modelo do Alexy e do Dworkin são os mais
condicionar um modo que esses valores sejam aplicados todos ao mesmo tempo. As
utilizados, porém, os aplicadores não percebem que eles são distintos.
normas princípio vão abrigar valores que correspondem aos chamados direitos
fundamentais. 3) Metodologia de Interpretação e de Aplicação da Constituição
- Como condicionar a conjunta aplicação recíproca? Teoria da Argumentação Jurídica, - Os métodos de interpretação da constituição – a crítica de Virgílio Afonso da Silva
como especificação da Argumentação Moral – o Direito necessita da correção moral por
ser um autor que estabelece no interior do pós positivismo; - Métodos: Direito alemão – Konrad Hesse;

- A resposta será correta e adequada à situação através do procedimento racional da a) Unidade da Constituição – Hesse – interpretação lógico-sistemática;
proporcionalidade ponderativa:
A etapa posterior pressupõe o esgotamento da etapa anterior, se não há adequação, eu
nem passo pela necessidade.
- Etapas: a) adequação – a solução que o aplicador está propondo é a mais adequada? –
não há outro caminho, o caminho é a escolha; b) necessidade – analise em relação ao
caso concreto, a escolha não representa uma violação maior aos direitos? A medida que
é menos gravosa para aquela situação; c) proporcionalidade em sentido estrito –
realiza-se a ponderação dos valores ou dos bens jurídicos em questão, qual direito terá
um peso maior na aplicação daquele caso fático;
É a partir das características dos fatos que o aplicador chega a uma argumentação jurídica
mais adequada para resolver aquela colisão, logo, não há uma resposta prévia correta.
- Dworkin: a decisão jurídica se estabelece a partir da busca, por parte do juiz Hércules,
da, da integridade e da coerência; decidir: construção da tese do romance em cadeia –
retira do Harold Brun – o seu texto individual dialoga com o conjunto de autores que
escreveram antes de você;
Para Dworkin, há sempre uma resposta correta no interior do direito, logo, a decisão
jurídica deve buscar essa resposta correta que já existe de antemão, essa aplicação deve
se orientar pela atividade do juiz Hercules, aquele juiz que tem capacidade sobrehumana
de identificar a resposta correta no interior do ordenamento jurídico, através da análise da
cadeia de decisões que é desenvolvida no meio do tribunal. Buscar a integridade e a
coerência significa que a solução proferida pelo magistrado é uma decisão que não pode
ser isolada em relação ao conjunto de decisões do tribunal, o magistrado deve respeitar a
cadeia de decisões anteriores proferidas pelo tribunal nos casos parecidos, a decisão
coerente dialoga com a história institucional dos tribunais – tribunais em casos
complicados sempre tem um padrão de decisão.

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