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Em segundo lugar, parece duvidoso que, toda vez que uma primeira pessoa
quer que uma segunda faça certa coisa, a primeira pense que a segunda
deve fazer aquela coisa. Não há nada de contraditório no enunciado: “O que
eu queria que ela fizesse era justamente o que ela não devia de modo
algum fazer”. Ao contrário, esse enunciado é completamente inteligível e
consistente, não levantando qualquer problema lógico. Pode-se querer que
uma pessoa faça certa coisa e saber, ao mesmo tempo, que ela não deve
fazê-lo, ou se pode querer que uma pessoa não faça certa coisa e saber, ao
mesmo tempo, que ela deve fazê-lo. A conexão entre querer que uma
pessoa faça certa coisa e pensar que essa pessoa deve fazer essa certa
coisa, se é que existe, não é tão direta quanto Kelsen sugeriu.
Reações:
às 14:58 Postado por André Coelho
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25 comentários:
Anônimo disse...
Oi professor, eu nunca entendia bem a questão do ser e do dever-ser em
kelsen. Na verdade, eu tinha na cabeça que ele queria q o direito fosse
seguido de tal forma, posto que de tal forma deveria ser, e esse dever ser
obriga, é coercível, e não porque ele é simplesmente. Agora ficou mais clara
para mim a idéia de Alf Ross ao comparar as "regras" do direito com as
"regras do xadrez", porque ninguém para pra perguntar porque o cavalo anda
em "L", ou a torre pode avançar tantas casas. Em Kelsen, então, na sua teoria
pura, questionar o direito seria o mesmo que questionar as regras do jogo de
xadrez? Ninguém se preocupa em saber a causa das regras, nem o sentido,
mas se obedecido no tabuleiro,tem toda uma lógica de ser?
que complicado!
abraços!
07:40
Nádia disse...
O Direito não é uma ciência, como Kelsen, forçosamente, induzia a pensar.
No plano epistemológico, quando uma matéria é de índole científica, não há
necessidade de um construto mental lógico - o de Kelsen, sofismado - para
revesti-la desse caráter. Os matemáticos e os físicos, v.g, não necessitam
mergulhar por escuras veredas para demonstrar que matemática e física são
ciências. É intuiutivo que o são. O Direito é o que Sampaio Ferraz diz que é.
Mais: não é um solilóquio do intelecto. Por isso, o estudioso do Direito
necessita de bases ancilares em outras áreas do saber humano que o
sustentam. Forçosamente, na esteira do raciocínio de Kelsen, nesse influxo
entre ontologia e deontologia, a religião - ora vejam - também é ciência. O
direito é ôntico-ontológico, deôntico-deontológico, sem lindes definidas,
porque o fluxo e refluxo das civilizações é que lhe dão contorno. Robson
Crusoé jamais prescindiria da luz solar nem de raciocínios matemáticos
elementares para sobreviver em sua ilha; com ou sem o índio Sexta-Feira.
Quanto ao Direito...
02:49
Sua visão de ciência me parece um tanto limitada. Por que, afinal, o modelo
de saber das ciências exatas e naturais deveria se impor como o único,
aquele que define por excelência o fazer científico? Se nos perguntarmos qual
o saber sobre as normas jurídicas que conseque apreendê-las de maneira
mais completa, sistemática e prática ao mesmo tempo, duvido que
consigamos uma alternativa melhor que a atual ciência do direito. Sendo
assim, que lhe falta para ser ciência? Fórmulas? Experimentos? Predições?
Consensos? Cumulatividade? Isso não é o mesmo que dizer que os gatos não
são animais de verdade porque não latem? Não é exigir de um saber um
formato que não lhe corresponde e, em seguida, negar-lhe a status de
validade porque não alcança esse padrão indevido?
06:04
Nádia disse...
Professor, em um universo sem ar, obviamente, as leis da aerodinâmica não
se aplicariam. Entretanto, outras leis da natureza logo seriam concitadas. Em
ciência, a ausência do fenômeno é também fenomenológico. Sei que sabe
disso. Esta é a grande questão epistemológica da ciência. Vejo que o senhor
está a deitar a ciência, ou o direito, em um leito de procusto, em defesa de
suas convicções. É compreensível. Quando citei as ciências exatas, não fui
exaustiva, apenas exemplificativa. Quem entende a física, por exemplo, como
um conjunto de formulas, não tem uma compreensão sequer rudimentar sobre
o que seja a ciência; senão em linhas para cá de propedêuticas. Assim sendo,
qual visão de ciência é limitada, a minha ou a sua, que pensa que ciências
matemáticas e físicas se resumem a fórmulas e enunciados? A poesia é uma
manifestação do saber humano. Não cabem neste espaço apreciações além
do perfunctório sobre o saber científico. Ainda assim, não sendo dada a
ventriliquismos, digo, por grifo próprio, que o intelecto menos entregue ao
passional não considera o direito uma ciência. A fissão nuclear(resultado do
saber científico)não ocorreu em função da guerra (fazer humano). A ciência
do direito, na contramão, há, porque antes houve o fato social: o próprio
direito. O direito jamais será livre de ideologias e intervenções, como induzia
Kelsen. É impensável construir postulados de validade para o direito hindú
passíveis de aplicação a todos os sistemas jurídicos. O direito é um
refinamento da cultura. A cultura é polissêmica. O direito é muito maior do que
a ciência, porque não subjaz ao inexorável, não cabe em fórmulas nem em
aforismos. O homem é o demiurgo do direito; é seu artífice, em um exercício
constante do que lhe aproxima do divino: a criatividade e a vontade. Os que
acreditam na divindade ou na ciência como arquitetos da fatalismo tudo
podem dizer sobre o caos ou sobre o acaso; jamais que o dirieto se
submeterá à esses imperativos. Se Kelsen e os neokelsenianos têm por
desiderato ser uma quintessência, digo-lhes: o direito jamais se acomodará
em gavetinhas! Quanto ao exemplo do gato, aproveito-o para reconvir na idéia
de que é exatamente o que diz Kelsen: O que tem interferêncas ideológicas,
não é direito. Mas os gatos jamais ladram, como o senhor mesmo diz.
08:54
O que não quer dizer que concorde com você. Peguemos os dois principais
epistemólogos das ciências naturais da segunda metade do Séc. XX: Sir Karl
Popper disse que fazer ciência tinha a ver com identificar problemas, propor e
testar hipóteses e substituir hipóteses refutadas por outras que resistam (até o
momento) a refutação; Thomas S. Kuhn disse que as comunidades científicas
partilham paradigmas, pressupostos comuns, formas padronizadas de fazer
as perguntas e de propor as respostas, como se todos os cientistas juntassem
peças de um mesmo quebra-cabeça. Ambos retiram sua inspiração da física,
é verdade, mas não me parece que nenhuma das duas descrições lance um
desafio significativo ao direito.
Digamos que um juiz se veja diante de um caso em que seria injusto dar a
certa pessoa o mesmo tratamento que se dá a todas as demais, porque essa
pessoa (uma gestante, um idoso, um deficiente físico etc.) claramente não se
encontra na mesma situação das demais. Ele sabe que seria mais justo dar a
essa pessoa um tratamento mais benéfico, mas sabe ao mesmo tempo que
vige no ordenamento jurídico a que está submetido uma norma geral de
igualdade de tratamento. Essa norma é suficientemente importante para não
ser sacrificada e, portanto, a única maneira de tomar aquela decisão que ele
considera a mais justa naquele caso é encontrar alguma interpretação ou
argumento que torne possível a conciliação entre o tratamento mais benéfico
para a pessoa desfavorecida e o norma geral de igualdade. Agora digamos
que ele encontre o argumento que procura, que ele, suponhamos, alegue que
a igualdade não deve ser exatamente a de tratamento, mas a de respeito e
consideração, e que, em alguns casos, quando a situação de uma pessoa é
mais desfavorecida que a das outras, tratá-la com igual respeito e
consideração exige levar em conta sua situação especial e, em vista dela,
prover-lhe um tratamento correspondentemente proporcional. Com essa
interpretação da igualdade, ele poderia perfeitamente conciliar a solução que
julgava ser a mais justa com a norma que era importante o bastante para não
ser sacrificada.
Não vejo diferença significativa entre isso que esse juiz teria feito e a
proposição e teste de hipóteses de Popper e a resolução de quebra-cabeças
de Kuhn. A diferença só surge se se alimenta o preconceito de que, nas
coisas humanas, não existe objetividade, de que toda resposta pode ser isso
ou aquilo, certa ou errada, conforme for a vontade e o interesse dos homens.
À luz dessa visão cético-relativista sobre os assuntos humanos (que,
ironicamente, era exatamente a visão de Kelsen e o motivo por que ele
pensava que a certeza no direito só era possível através de um formalismo
artificial e auto-suficiente), de fato, nenhum conhecimento das coisas
humanas e culturais poderia se candidatar ao patamar científico. Mas essa
visão cético-relativista é tão banal que não merece crédito a não ser das
ondas pós-modernistas e dos parasitas new age do pensamento
contemporâneo.
Nádia disse...
Professor, A ciência, no arrogo de se apartar da filosofia, está por retornar
para a própria filosofia, que é seu primeiro ventre. Quando afirmei não ser o
direito uma ciência, considerando os pressupostos de existência e validade
imanentes a um saber científico, não fi-lo em prejuízo a este. Popper, a
exemplo, diz que "todo evento é causado por um evento que o precede". Isto
é determinismo. Uma discussão há muito vencida nas hordas do intelecto.
Vejamos: se Heisenberg, a teorizar sobre o princípio das incertezas, avista a
impossibilidade de prever com precisão simultânea a posição e a velocidade
de uma partícula no núcleo do átomo, como então o senhor nos sujere que a
norma jurídica possa prever e elaborar postulados de conduta humana. Não
concebo o direito como uma ciência social hermenêutica porque não entrevejo
possibilidades de prognosticar o comportamento humano: eis um profundo
eixo de tensão nas entranhas do senso comum. A nova racionalidade, ainda
muito timidamente introduzida no pensamento jurídico brasileiro, já remodela
multiplamente as dimensões do pensamento científico em outras áreas do
saber. Quando o senhor cita o exemplo do juiz, no dilema de um caso
concreto, conclama as bases do conceito de liberdade material, a informar os
rumos da justiça em nosso tempo. É o justo determinando o direito; não o
contrário. O homem é múltiplo, é dinâmico. O direito é o agir humano, em
essência. Então, é razoável dizer que a norma é o direito, por isto independe
do justo? A crise que abala o saber científico em nosso tempo não subjaz em
nossa discussão acerca da "ciência" do direito. Também não estou a expulsar
os juspositivistas da República; tampouco aos poetas. Todas as ciências que
tratam o mundo, sob o ponto de vista do humano ou do natural sucumbem a
uma crise já anunciada, taumaturgicamente, por Aristóteles. O saber é a
dúvida; a certeza é o abrigo de todas as idéias pré concebidas. Kelsen foi
válido, a seu tempo, é verdade. Todavia, vivemos "as fronteiras de nossos
conhecimentos, numa área nebulosa em que raciocínio e especulação
dificilmente se demarcam" [Prigogine]. Muito me agrada a idéia que cultivo de
pensar o direito como a luz branca, que penetra o prisma e adquire múltiplos
matizes. A luz branca é para mim a filosofia, onde repousa o duvidoso, o
estar-a-questionar a complexa trama que enreda os agregados humanos. Os
demais matizes representam as feições múltiplas que o direito assume na
qualidade de vetor das tensões humanas. Em um desses matizes, está o
positivismo jurídico, manifestando uma freqüência similar à do pensamento
genuinamente científico, com seu desiderato de reduzir a justiça a um ente
político, obediente a pressupostos de validade. Este é meu modo figurativo de
listar argumentos; senão não contra a cientificidade do direito, mas contra sua
exclusiva cientificidade. Assim penso. Aceleramos e debate para cair no
paradoxo de Zenão. É só um aparte. Voltando para Kelsen e sua
rechtwissenschaft, Levi e Hobbes, tudo a seu tempo. Mas a constância não
encontra abrigo no fazer humano, felizmente. O pensamento científico, por
fim, está em crise, por ter renunciado ao mais sábio legado da mater et
magistra de toda a ciência: a filosofia. Agora sim, o paradoxo de Zenão se
explica. Quanto mais avança o saber científico, mais retorna para o ventre
materno. Pensemos nisto tudo com inalterabilidade anímica e sem
preconceitos: isto é ontognoseologia. Não estamos no limbo, é apenas o fim
das certezas. Escrevo este texto "currente calamo", para não exauri-lo com
noções que merecem debates bem mais amiudados.
PS: Popper afastou-se muito dessa idéia inicial que você aventou em seu
comentário. Bem, Popper também o foi a seu tempo.
21:54
Anônimo disse...
Estudo em Santa Maria RS, estou tentando escrever um artigo (para simples
para avaliação pessoal) – sobre a norma jurídica em Kelsen, e posso afirma
que a diferenciação que fizestes entre o ser e o dever ser foi-me de grande
valia, estarei usando suas palavras (devidamente identificadas) abraço
22:16