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HANS KELSEN E O

POSITIVISMO JURÍDICO
Hans Kelsen (1881-1973) Nasceu em Viena, imigrou para os Estados Unidos,
sendo um dos principais teóricos do Positivismo Jurídico, no qual “procurou
delinear uma Ciência do Direito desprovida de qualquer outra influência que lhe
fosse externa. Assim, alhear o fenômeno jurídico de contaminações exteriores a
sua ontologia seria conferir-lhe cientificidade. Nesse sentido, o isolamento do
método jurídico seria a chave para a autonomia do Direito como ciência. (...) As
categorias do ser (Sein) e do dever-ser (Sollen) são os pólos com os quais lida
Hans Kelsen, para distinguir realidade e Direito. (...) Mais precisamente, é com a
quebra da relação ser/dever-ser que pretende Hans Kelsen operar para diferir o
que é jurídico (fenômeno jurídico puro) do que é não jurídico (cultural,
sociológico, antropológico, ético, metafísico, religioso)”, BITTAR, Eduardo;
ALMEIDA, Guilherme Assis. Curso de Filosofia do Direito. São Paulo: Atlas, 11
a. edição, 2015, p. 432
Causalidade e imputação
 “Ser e Dever-Ser diferem entre si na mesma medida em que ciências sociais
(humanas) diferem das ciências naturais (físico-matemáticas). Essa
diferenciação repousa na distinção provocada pelos termos causalidade e
imputação e suas consequências lógico-teóricas. De fato, condição e
consequência ligam-se pela imputação de uma sanção a um
comportamento, na esfera do Direito; nesse sentido, a sanção pode ser,
como pode não ser aplicada. Condição e consequência estão ligadas não
segundo o princípio da causalidade, mas segundo o princípio da imputação.
Causa e efeito, estudadas pelas ciências naturais, comportam-se com
regularidade, e, então, o que é causa provoca necessariamente o efeito
respectivo. (...) O dever-ser jurídico não se enraíza em qualquer fato social,
histórico; não é condicionado por nada que possa perverter sua natureza de
puro dever-ser; Kelsen desenraíza o Direito de qualquer origem
fenomênica, a título de compreendê-lo autonomamente em sua mecânica”
(Bittar; Almeida, 2015, p. 433).
Validade e Norma Fundamental
 “Se a norma jurídica encontra posição nuclear em seu sistema teórico, o
conceito-chave é o conceito de validade. Esta consiste na existência da norma
jurídica, ou seja, em sua entrada regular dentro de um sistema jurídico. (...) Ser
válida não significa o mesmo que ser verdadeira ou falsa, mas estar de acordo
com procedimentos formais de criação normativa previstos por determinado
ordenamento jurídico. A validade não submete a norma ao juízo do certo ou do
errado, mas ao juízo jurídico, ou seja, ao juízo da existência ou não (pertinência
a um sistema formal) para determinado ordenamento jurídico. (...) Do conceito
de validade é que se pode partir para o conhecimento do fundamento último de
todo o ordenamento jurídico: a norma fundamental (Grundnorm). O sistema
jurídico, para Kelsen, é unitário, orgânico, fechado, completo e autossuficiente
nele; normas hierarquicamente inferiores buscam seu fundamento de validade
em normas hierarquicamente superiores. Qualquer abertura para fatores
extrajurídico comprometeria sua rigidez e completude” (Bittar; Almeida, 2015,
p. 434)
Norma e Interpretação
 Toda a regência das normas pela norma fundamental, pressuposta logicamente e ápice da
pirâmide normativa, não exclui a possibilidade de o juiz agir aplicando e interpretando,
ou seja, produzindo normas individuais. “Nesse esquema de ideias, interpretação e
aplicação estão intimamente relacionadas, pois trata-se de um processo cognitivo em
direção à fixação do sentido da norma a ser aplicada. (...) Há, portanto, duas formas de
interpretação jurídica, para Kelsen. Quem aplica o Direito exerce a chamada interpretação
autêntica do Direito. Autêntica quer dizer que se trata do ato de interpretação copulado
com o de sua aplicação; quando há essa fusão, então aquele que determina o sentido
também decide, e aquele que decide também determina o sentido da forma concreta e
final” (Bittar; Almeida, 2015, p. 437). As normas jurídicas (Rechtsnormen) são
enunciados deônticos com sentido prescritivo, uma vez que criam Direito, enquanto as
proposições jurídicas (Rechtssätze) são enunciados deônticos com sentido descritivo, pois
se tratam de enunciados proferidos pela Ciência do Direito, uma interpretação não
autêntica. “A Ciência do Direito procura somente identificar e descrever esses possíveis
sentidos. As muitas possibilidades jurídicas facultam muitas escolhas, e é nisso que reside
a liberdade do juiz, ou seja, no poder de determinar qual dos sentidos é o mais adequado
para o caso concreto” (Bittar; Almeida, 2015, p. 437).
Moral e Direito
 “A exigência de uma separação entre Direito e Moral, Direito e Justiça,
significa que a validade de uma ordem jurídica positiva é independente
desta Moral absoluta”, (Kelsen apud Bittar; Almeida, 2015, p. 440). A
discussão sobre a justiça, para o normativismo kelseniano, não se situa no
âmbito epistemológico de uma Teoria Pura do Direito, uma vez que a
Ciência Jurídica deve subtrair de suas preocupações critérios axiológicos,
i.e., valorativos, atendo-se unicamente no funcionamento do ordenamento
jurídico. Kelsen se dedica à análise da questão de justiça em obras como O
que é Justiça?, A Ilusão da Justiça, na qual discute a concepção platônica
sobre o tema, afirmando que Platão defende uma postura metafísica
afastada da materialidade positiva, de modo que cada doutrina moral tem
suas próprias abordagens. Ética e Direito se distinguem quanto seus objetos
de estudo. Assim, a aplicação da norma pelo operador do Direito é um ato
da vontade, enquanto o estudo do Direito pelo cientista é um ato de
cognição.
As diferenças entre Kant e Kelsen I
 Na definição de direito, segundo Kant e a partir da análise de Norberto
Bobbio, podem ser elencados três requisitos: “1. o direito pertence ao mundo
das relações externas; 2. ele se constitui na relação entre dois ou mais
arbítrios; 3. sua função não é de prescrever este ou aquele dever substancial
com relação ao sujeito de vários arbítrios, mas de prescrever- lhes a maneira
de coexistir, ou seja, as condições por meio das quais o arbítrio de um possa
coexistir com o arbítrio de todos os outros. De fato, podemos dizer que,
segundo Kant, o direito é a forma universal de coexistência dos arbítrios dos
simples. Enquanto tal, é a condição ou o conjunto das condições segundo as
quais os homens podem conviver entre si, ou o limite da liberdade de cada
um, de maneira que todas as liberdades externas possam coexistir segundo
uma lei universal. Finalmente, o direito é o que possibilita a livre coexistência
dos homens, a coexistência em nome da liberdade, porque somente onde a
liberdade é limitada, a liberdade de um não se transforma na não liberdade do
outro” (Bobbio apud Bittar; Almeida, 2015, p. 367).
As diferenças entre Kant e Kelsen II
 “A autonomia do Direito, para Kelsen, só se alcança isolando o jurídico do
não jurídico”. Se o Direito Natural é considerado, segundo Norberto
Bobbio em sua Teoria da Norma Jurídica, Capítulo 2. “Justiça, Validade e
Eficácia”, como um direito intrinsicamente válido, na medida em que é um
prolongamento de doutrinas morais, o Direito Positivo, cujo maior
expoente é Hans Kelsen, é concebido como um direito formalmente válido,
uma vez que “o Direito, como ciência, deve significar um estudo lógico-
estrutural seja da norma jurídica, seja do sistema jurídico de normas. Nesse
emaranhado de ideias, a própria interpretação se torna um ato, cogniscitivo
(ciência do Direito) ou não cogniscitivo (jurisprudência), de definição dos
possíveis sentidos da norma jurídica. A interpretação do juiz, ato
prudencial, por natureza, para Kelsen, transforma-se no ato de criação de
uma norma individual. Qualquer avanço no sentido de equidade, dos
princípios jurídicos, da analogia só são admitidos desde que autorizados por
normas jurídicas” (Bittar; Almeida, 2015, p. 447).

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