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FACULDADE DE ENSINO E CULTURA DO CEARÁ / FACULDADE DE

FORTALEZA

ANA LUIZA DE SOUSA MOREIRA

EXIGÊNCIAS JURÍDICAS DA REGULARIZAÇÃO DE IMÓVEIS EM


INVENTÁRIOS E DIVÓRCIOS

FORTALEZA

2023
ANA LUIZA DE SOUSA MOREIRA

EXIGÊNCIAS JURÍDICAS DA REGULARIZAÇÃO DE IMÓVEIS EM


INVENTÁRIOS E DIVÓRCIOS

Trabalho de conclusão apresentado ao curso de graduação


da Faculdade de Ensino e Cultura do Ceará e Faculdade de
Fortaleza como requisito parcial para obtenção do título de
bacharel em Direito.

Orientador: Saulo Feitosa de Moura Porto

FORTALEZA

2023
Formulário de solicitação de Ficha Catalográfica

Autor:
ANA LUIZA DE SOUSA MOREIRA

Titulo:

EXIGÊNCIAS JURÍDICAS DA REGULARIZAÇÃO DE BENS IMÓVEIS EM


INVENTÁRIOS E DIVÓRCIOS

Data: Nº de folhas:
2023 42

Curso:
DIREITO

Orientador:

SAULO FEITOSA DE MOURA PORTO

Marque sua instituição: (X)FAECE ou ( ) FAFOR

Palavras-chaves:
POSSE. PROPRIEDADE. DIVÓRCIO. INVENTÁRIO. PARTILHA. IMÓVEIS
IRREGULARIDADES.
E-mail: ANAMOREIRASOUSA9715@GMAIL.COM

Telefone:
(88) 9 9796-4009
Moreira, Ana Luiza de Sousa.

Exigências jurídicas da regularização de imóveis em inventários e divórcios / Ana Luiza de


Sousa Moreira - 2023.41 f: il.

Orientação: Prof. Saulo Feitosa de Moura Porto.

Trabalho de Conclusão de Curso (GRADUAÇÃO) - Faculdade de Ensino e Cultura do Estado


do Ceará -FAECE, Curso de Direito, Fortaleza, 2023.

Posse. Propriedade. Divórcio. Inventário. Imóveis irregulares.


FACULDADE DE ENSINO E CULTURA DO CEARÁ
CONTROLADORIA DO CURSO DE DIREITO
SUPERVISÃO DE MONOGRAFIA JURÍDICA

ATA DA SESSÃO DE AVALIAÇÃO DO TRABALHO DE CONCLUSÃO


DO CURSO DE DIREITO

A monografia intitulada “EXIGÊNCIAS JURÍDICAS DA REGULARIZAÇÃO DE


IMÓVEIS EM INVENTÁRIOS E DIVÓRCIOS ”, elaborada pela aluna ANA LUIZA DE
SOUSA MOREIRA foi apresentada em sessão pública de arguição e avaliação, perante a
Banca Examinadora formada pelos membros abaixo assinados, tendo obtido aprovação com
nota ________ , ____________________________, e sido julgada adequada e aprovada para
suprir exigência parcial inerente à obtenção de grau de bacharel em Direito, em conformidade
com os normativos do MEC.

Fortaleza – Ceará, ____ de __________ de ________

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________

Orientador: Prof. Saulo Feitosa de Moura Porto

_____________________________________________

Membro da banca: Vivian C. Godoi

FORTALEZA

2023
AGRADECIMENTOS

A Deus por ter me sustentado diariamente ao longo desta jornada, a Nossa Senhora do Carmo
e Santa Catarina de Sena por serem minhas intercessoras junto à Deus. Aos meus queridos avós,
Raimundo Alves de Sousa e Idelzuite Ditosa de Sousa (in memoriam), que me ensinaram ser
forte mesmo diante de todas as adversidades da vida. Às pessoas mais importantes da minha
vida que sempre estiveram comigo, apoiando-me e dando afeto, meu irmão, André Luiz de
Sousa Moreira, minha mãe, Railda Ditosa de Sousa Moreira, e meu pai, José Airton Moreira
Dorta. Às minhas tias, pelo apoio e atenção. A minha amiga por todo o incentivo e confiança,
Nayane Lima Oliveira Padre. A todos os professores que contribuíram na minha jornada
acadêmica, em especial ao professor Saulo Feitosa de Moura Porto, pela paciência, inspiração
e ensinamentos compartilhados.
RESUMO

O presente trabalho abordou a diferença entre posse e propriedade, as formas de aquisição de


domínio, divórcio, bens imóveis irregulares e o posicionamento jurídico do Superior Tribunal
de Justiça e dos juízes de primeiro grau no que tange a partilha de direitos possessórios de bens
imóveis irregulares. O estudo apontou que mesmo após a decisão da terceira turma do Superior
Tribunal de Justiça que autorizou a partilha de direitos possessórios sobre imóveis irregulares
independente da regularização do bem, desde que ausente má-fé do possuidor, a maioria dos
magistrados de primeiro grau têm proferido sentenças contrárias ao referido entendimento, isso
foi constatado pelo grande número de decisões monocráticas que versam sobre o assunto e que
são reformadas no âmbito dos tribunais. Porém, espera-se que em breve o posicionamento
aplicado pelos juízes de primeiro grau esteja em consonância com o entendimento do STJ,
visando a efetividade e a celeridade jurisdicional.

Palavras-Chave: Posse, propriedade, divórcio, inventário, imóveis irregulares.


ABSTRACT

The present work addressed the difference between possession and property, the forms of
acquisition of domain, divorce, irregular real estate and the legal position of the Superior Court
of Justice and first degree judges regarding the sharing of possessory rights of irregular real
estate. . The study pointed out that even after the decision of the third group of the Superior
Court of Justice that authorized the sharing of possessory rights over irregular properties
regardless of the regularization of the property, as long as the possessor's bad faith is absent,
however the majority of first degree magistrates have sentences contrary to the aforementioned
understanding were handed down, this was confirmed by the large number of monocratic
decisions that deal with the subject and that are reformed within the courts. However, it is
expected that the position applied by the first degree judges will soon be in line with the
understanding of the STJ, aiming for effectiveness and judicial speed.

Keywords: Possession, property, divorce, inventory, irregular properties.


SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 7
2. DIFERENÇA ENTRE POSSE E PROPRIEDADE ......................................................... 8
2.1 Posse ..................................................................................................................................... 8
2.2 Propriedade ......................................................................................................................... 10
3. FORMAS DE AQUISIÇÃO DE PROPRIEDADE IMÓVEL ....................................... 12
3.1 Da aquisição da propriedade mediante registro do título translativo ................................. 13
3.2 Aquisição por via da sucessão hereditária .......................................................................... 14
4. INSTITUTO DO DIVÓRCIO ........................................................................................... 16
5. BENS IMÓVEIS IRREGULARES................................................................................... 18
6. PARTILHA DE BENS IMÓVEIS IRREGULARES A LUZ DO SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA ................................................................................................ 20
7. PARTILHA DE BENS IMÓVEIS IRREGULARES À LUZ DAS DECISÕES DE
PRIMEIRA INSTÂNCIA ................................................................................................. 26
8.CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 31
7

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho busca explorar a necessidade da regularização de bens imóveis em


inventários e divórcios. Para isso fez-se necessário o estudo, ainda que abreviado, de alguns
assuntos tratado pelo direito civil como a diferença entre posse e propriedade, formas de
aquisição e transferência da propriedade, divórcio e bens imóveis. Além disso, a metodologia
aplicada neste trabalho foi a bibliográfica com intuito de melhor compreender os entendimentos
jurisprudenciais que versam sobre partilha de bens imóveis irregulares e analisar a
imprescindibilidade ou não da regularização destes bens no momento da propositura de ações
de inventário e divórcio.

É evidente que dentre os principais objetivos do indivíduo encontra-se a aquisição de


bens imóveis, seja com a finalidade de realização pessoal ou de proporcionar maior conforto e
qualidade de vida para a sua prole. Todavia, devido o alto custo financeiro que incide sobre a
alienação onerosa de bem imóvel ou as despesas cartorárias que ocorre no momento da
transferência desses bens, bem como a dificuldade do Estado de promover a legalização da
propriedade e, até mesmo pela ausência de recursos financeiros do titular para proceder com a
transmissão da propriedade do bem, este acaba ficando em um estado de irregularidade perante
a esfera jurídica.

Não obstante, a propriedade irregular, ainda assim, goza de expressivo valor


econômico e social, logo o referido instituto merece ser tutelado pelo direito, uma vez que a
propriedade é considerada pela Constituição Federal de 1988 como um direito fundamental,
bem como um instrumento de pacificação social, devendo assim acompanhar as transformações
que acontecem no mundo fático.

Cabe destacar, que existe uma dualidade de entendimento jurídico no que se refere a
partilha de imóveis irregulares em processos de inventário e divórcio. Embora o Superior
Tribunal de Justiça tenha reconhecido a possibilidade de partilha de direito possessório sobre
imóveis irregulares, esse tema ainda encontra bastante resistência por parte dos magistrados de
primeira instância que entendem ser indispensável a regularização dos bens imóveis que
compõem o acervo do espólio ou o patrimônio do casal que rompeu o vínculo conjugal e está
em processo de partilha, sob o fundamento da prévia necessidade de regularização desses bens.
8

2. DIFERENÇA ENTRE POSSE E PROPRIEDADE

2.1 POSSE
Posse corresponde ao exercício de fato, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à
propriedade, quais sejam: usar (servir-se da coisa), gozar (depreender os frutos e produtos),
dispor (transferir, alienar) e reaver (reivindicar a coisa das mãos de quem injustamente detenha
ou possua), conforme dispõe o Código Civil Brasileiro de 2002:

Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício,
pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.

Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa,


e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua
ou detenha.

Segundo Caio Mário da Silva Pereira posse refere-se: “a situação fática, em que a pessoa
independentemente de ser ou não proprietária, exerce sobre uma coisa poderes ostensivos,
conservando-a e defendendo-a”. No entendimento do referido doutrinador, o direito brasileiro
protege o estado de aparência, situação de fato, que pode ou não corresponder ao efetivo estado
de direito.

Cabe destacar, ainda que existe duas correntes que buscam justificar o instituto da posse
como categoria jurídica. Consoante Flávio Tartuce a primeira teoria é a Subjetiva, cujo principal
defensor foi Savigny, esta afirma a relevância do aspecto subjetivo da posse, ou seja, para essa
corrente a posse possui dois elementos: elemento objetivo que se refere a disponibilidade sobre
a coisa e o elemento subjetivo, que diz respeito a intenção do indivíduo de ter a coisa para si
(Animus). Caso o ordenamento jurídico brasileiro tivesse adotado essa teoria, não seriam
considerados possuidores o locatário, comodatário, depositário entre outros, haja vista à
ausência do elemento animus nas supracitadas relações jurídicas.

A segunda teoria explorada pelo Tartuce é a Objetiva desenvolvida pelo jurista Ihering
(teoria adotada pelo Código Civil Brasileiro), nesta para constituir posse, basta que o sujeito
disponha fisicamente da coisa ou seja, o elemento corpus é formado pela atitude externa do
possuidor em relação à coisa. O possuidor na ótica desta teoria passa a agir como dono fosse
inclusive explorando economicamente a coisa. Desde modo, conclui-se que posse é quem
9

exerce sobre a coisa algum, ou alguns, dos poderes inerentes à propriedade (usar, gozar, dispor,
reaver).

Além disso, outra questão relevante que diz respeito ao presente instituto é a sua
expressão econômica, pois mesmo não sendo constituído de todos os elementos inerentes a
propriedade, a posse é dotada de valor e função social, assim, merecendo ser protegida pelo
direito, como de fato o legislador assim estabeleceu.
10

2.2 PROPRIEDADE

O instituto da propriedade é considerado pela doutrina majoritária como um direito real por
excelência. Segundo (Gagliano e Filho, 2023, p.775) o direito de propriedade consiste “no
direito real de usar, gozar ou fruir, dispor e reivindicar a coisa, nos limites da sua função social”,
conforme dispõe a Constituição Federal de 1988, bem como o Código Civil Brasileiro:

Art. 5º, CF. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:

XXII - é garantido o direito de propriedade;

XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;

Art. 1.228, Lei nº 10.406/02. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e


dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a
possua ou detenha.

§ 1 o O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas


finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de
conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas
naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como
evitada a poluição do ar e das águas.

Ao contrário da posse, que é uma relação fática, o instituto da propriedade tem caráter
complexo (formado por um conjunto de poderes), absoluto (a sua oponibilidade é erga omnes),
perpétuo (pode ser transmitido por gerações), exclusivo (prevalece o poder dominial de alguém
exclui o de outrem) e elástico (pode ser distendida ou contraída na formação de outros direitos
reais sem perder sua essência). Ademais, o código civil brasileiro não ofereceu uma definição
de propriedade, todavia, o art. 1.228 já acima transcrito, elenca os poderes inerentes à
propriedade consistente na faculdade do proprietário (usar, gozar, dispor da coisa, e o direito
de reavê-la do poder de quem injustamente a possua ou detenha), quando o proprietário reúne
todas essas faculdades, diz-se que ele tem propriedade plena. De maneira oposta, caso lhe falte
um ou mais elementos, será limitada.

Todavia, mesmo o titular investido na propriedade limitada, não perderá a condição de


proprietário. É o que se verifica nos casos de contrato de locação de bens imóveis, quando o
locador (proprietário) aluga o imóvel ao locatário, transferindo-lhe o direito de usar. Ainda
11

assim, ao locador assiste a faculdade de reaver e dispor a coisa, nos limites estabelecidos em
lei, ou seja, ele não perde o status de proprietário.

Por fim, a propriedade é considerada um direito fundamental, desse modo entende-se que
qualquer pessoa (natural ou jurídica) tem o direito de possuir coisas. Todavia, tal direito
fundamental não é absoluto e, significa dizer que precisa atender sua função social,
socioambiental ou seja, a coisa deve ser utilizada em prol dos interesses da coletividade e não
apenas dos proprietários.
12

3. FORMAS DE AQUISIÇÃO DE PROPRIEDADE IMÓVEL

A doutrina majoritária brasileira elenca duas formas de aquisição da propriedade, quais


sejam aquisição originária e derivada, corroborando com a previsão contida no Capítulo II, do
Código Civil Brasileiro. Nessa mesma linha de pensamento, (Tartuce, 2023, p. 926), classifica
as formas de aquisição da propriedade imóvel em: “formas originárias, há um contato direto da
pessoa com a coisa, sem qualquer intermediação pessoal. Nas formas derivadas, há
intermediação subjetiva”. Vale ressaltar, que o referido doutrinador esquematiza em seu livro a
subdivisão da aquisição originária, que pode ser por acessão ou usucapião e a aquisição
derivada, esta última o referido autor divide em aquisição mediante registro do título ou
sucessão hereditária.

Nas formas de aquisição originária, não há transmissão da coisa de um sujeito para outro,
ou seja, o direito de propriedade nasce de um vínculo entre a pessoa com a coisa, sem a
intermediação de terceiros, não há a presença de um proprietário anterior que é o caso das
acessões e da usucapião. Já na aquisição derivada (sucessão hereditária e registro do título na
matrícula do imóvel) existe uma relação negocial prévia entre o anterior proprietário e o
adquirente, neste caso, portanto, existe um vínculo anterior entre as partes.
13

3.1 DA AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE MEDIANTE REGISTRO DO TÍTULO


TRANSLATIVO
A aquisição da propriedade para o ordenamento jurídico brasileiro não se concretiza com a
simples celebração de um acordo de vontades, seja por instrumento particular de compra e
venda, ou por instrumento público, uma vez que, por meio destes, criam-se obrigações, faz-se
necessário e obrigatório o registro no cartório de imóveis da circunscrição do bem, nos termos
do 1.245 do Código Civil de 2002:

Art. 1.245, Lei nº 10.406. Transfere-se entre vivos a propriedade


mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.

§ 1 o Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser


havido como dono do imóvel.

Deste modo, somente é considerado proprietário para o ordenamento jurídico brasileiro o


titular que figura na matrícula do imóvel como adquirente. Cabe ressaltar, que a Lei nº 6.015
de 1973, denominada Lei de registros Públicos estabeleceu a obrigatoriedade do registro de
toda propriedade Imóvel, com a finalidade de dar publicidade ao ato de transferência de
titularidade, bem como segurança jurídica ao negócio celebrado. Nesse sentido, diante da
previsão explícita, tanto no Código Civil Brasileiro e na Lei de Registro públicos, é importante
salientar que o status de proprietário somente efetiva-se quando ocorre o registro do título
translativo no Cartório de Registro de imóveis com a respectiva expedição da certidão
atualizada da matrícula do imóvel.
14

3.2 AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE POR VIA DA SUCESSÃO HEREDITÁRIA

A Sucessão Hereditária conforme exposto anteriormente, constitui uma das formas de aquisição
derivada da propriedade. Neste caso se dá com o fim da personalidade jurídica pela morte (real,
presumida, simultânea ou civil) da pessoa natural, dar-se de forma imediata a abertura da
sucessão, nesta acontece a transferência da herança aos herdeiros legítimos (artigo 1829 do
Código Civil Brasileiro) e testamentários (artigo 1857 do Código Civil Brasileiro),
objetivando impedir que o patrimônio deixado fique sem titular, enquanto se aguarda a
transferência definitiva dos bens aos sucessores do de cujos, isto trata-se de um dos princípios
fundamentais do direito sucessório, qual seja o Princípio da Saisine (artigo 1784 do Código
Civil Brasileiro).

Art. 1.829, Lei nº 10.406/02. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:


(Vide Recurso Extraordinário nº 646.721) (Vide Recurso Extraordinário nº
878.694)

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado


este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação
obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão
parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III - ao cônjuge sobrevivente;

IV - aos colaterais.

Art. 1.857, Lei nº 10.406/02. Toda pessoa capaz pode dispor, por testamento, da
totalidade dos seus bens, ou de parte deles, para depois de sua morte.

Art. 1.784, Lei nº 10.406/02. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde


logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.

Apesar dos bens serem transferidos aos herdeiros no momento da abertura da sucessão,
estes não abrangem os bens classificados como imóveis, que permanecem em nome do de cujus
na Matrícula do Imóvel, até que seja expedido o formal de partilha que será registrado no
Cartório de Registro de Imóveis da circunscrição que o bem estiver situado, após a fase de
inventário, conforme preceitua a Lei de Registros Públicos.
15

Art. 195, Lei nº 6.015/73. Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em


nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título
anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro.

Vale ressaltar, que a herança se configura como uma espécie de condomínio, ou seja,
um estado de comunhão indivisível de bens, que somente cessará com a realização da partilha,
demonstrando a crucialidade da instauração do procedimento de inventário, rito que colocará
fim a indissociabilidade dos bens deixado pelo de cujus.
16

4. INSTITUTO DO DIVÓRCIO

Após a explanação dos tópicos acima e para melhor compreender a temática do


presente trabalho, faz-se necessário realizar uma breve análise do instituto do divórcio. No que
tange a este instituto, afirma Inácio de Carvalho Neto que é a única forma (afora a morte de um
dos cônjuges) de se dissolver um vínculo conjugal válido, conforme dispõe o § 1º do art. 1.571
do Código Civil de 2002.

Art. 1.571, Lei nº 10.406/02. A sociedade conjugal termina:

§ 1º. O casamento válido só se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo


divórcio, aplicando-se a presunção estabelecida neste Código quanto ao ausente.

No ordenamento jurídico brasileiro há duas formas de se proceder com o divórcio,


quais sejam:

1. extrajudicial: realizado na seara dos cartórios, ou seja, por vias administrativas,


onde é realizado mediante escritura pública (art. 733, Código de Processo Civil), desde que
respeitados alguns requisitos previstos na Lei nº 11.441/2007 (dispõe sobre a realização de
inventário, partilha, separação consensual e divórcio consensual por via administrativa), quais
sejam:

(a) ausência de nascituro, filhos menores ou incapazes. Contudo excepciona o


Enunciado nº 22 do IBDFAM afirmando que “é possível a utilização da via extrajudicial para
o divórcio e dissolução da união estável, nos termos do art. 733 do CPC/15 se, havendo
consenso entre as partes, inexistir nascituro e as questões relativas às crianças e adolescentes e
aos filhos não emancipados e curatelados (como guarda, convivência familiar e alimento) já
tiverem definição na via judicial”;

Art. 733. Lei nº 13.105/2015. O divórcio consensual, a separação consensual e a


extinção consensual de união estável, não havendo nascituro ou filhos incapazes e
observados os requisitos legais, poderão ser realizados por escritura pública, da
qual constarão as disposições de que trata o art. 731.

Enunciado 22, IBDFAM - É possível a utilização da via extrajudicial para o


divórcio e dissolução da união estável, nos termos do artigo 733, do CPC/15 se,
havendo consenso entre as partes, inexistir nascituro e as questões relativas às
crianças e adolescentes e aos filhos não emancipados e curatelados (como guarda,
convivência familiar e alimento) já tiverem definição na via judicial.
17

(b) os cônjuges devem estar representados por um advogado comum, ou por


advogados distintos para cada. Caso não poderem, por questões financeiras, contratar um
causídico, o tabelião deve recomendar a defensoria pública, se houver, ou, na sua falta, a
seccional da OAB, conforme preceitua o art. 9º da Resolução nº 35/2007 do CNJ;

Art. 9º, Resolução nº 35/2007, CNJ. É vedada ao tabelião a indicação de


advogado às partes, que deverão comparecer para o ato notarial acompanhadas de
profissional de sua confiança. Se as partes não dispuserem de condições
econômicas para contratar advogado, o tabelião deverá recomendar-lhes a
Defensoria Pública, onde houver, ou, na sua falta, a Seccional da Ordem dos
Advogados do Brasil.

(c) as partes não possuem filhos comuns, ou os existentes são absolutamente


capazes;

(d) convicta intenção de irromper o vínculo matrimonial, desde que haja


declaração das partes que estão cientes das consequências do divórcio e firmes no
proposito de pôr fim ao matrimonio.

2. judicial: realizado na seara do Poder Judiciário, pois há no caso concreto filhos


menores e/ou litígio entre o casal, na última hipótese, o processo terá um caráter contencioso,
pois haverá discordância acerca dos termos gerais do divórcio.

Como já definido por Inácio de Carvalho Neto, o divórcio consolida o fim do laço
matrimonial (casamento com validade jurídica), bem como produz o término da sociedade
conjugal (conjunto de direitos e obrigações entre os cônjuges).

Art. 226, Constituição Federal de 1988. A família, base da sociedade, tem


especial proteção do Estado.

§ 6º. O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio.

O fim da sociedade conjugal enseja a partilha de bens, especialmente bens imóveis,


contudo se não ocorrer a referida divisão de forma subsequente ao ato, estes bens ficarão em
condomínio, ou seja, em estado de copropriedade, necessitando a resolução das questões
jurídicas para que haja a livre e plena disposição patrimonial do bem.
18

5. BENS IMÓVEIS IRREGULARES

Segundo Carlos Roberto Gonçalves, patrimônio constitui-se pelo conjunto de bens


corpóreos e incorpóreos de uma pessoa. Dentre este extenso acervo, encontram-se os bens
classificados como móveis e imóveis, entretanto, o presente trabalho possui como objeto
exclusivo a exploração dos posicionamentos jurisprudenciais no que se refere a observância ou
não da necessidade de regularização dos bens imóveis para fins de ação de inventário e divórcio.

Os bens imóveis podem ser definidos como propriedades insuscetíveis de locomoção,


em razão de sua natureza (derivações originárias do solo) ou por acessão física (incorporações
artificiais permanentemente conectadas ao solo pelo homem), ou seja, que não podem ser
transportados de um local para o outro sem ser degradados. Podem, ainda, ser considerados
imóveis de maneira ficta, por disposição legal (herança e direitos reais sobre bens imóveis) ou
acessão intelectual (pertenças), conforme estabelece Código Civil Brasileiro.

Art. 79, Lei nº 10.406/02. São bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar
natural ou artificialmente.

Art. 80, Lei nº 10.406/02. Consideram-se imóveis para os efeitos legais:

I - os direitos reais sobre imóveis e as ações que os asseguram;

II - o direito à sucessão aberta.

Art. 81, Lei nº 10.406/02. Não perdem o caráter de imóveis:

I - as edificações que, separadas do solo, mas conservando a sua unidade, forem


removidas para outro local;

II - os materiais provisoriamente separados de um prédio, para nele se


reempregarem.

Art. 93, Lei nº 10.406/02. São pertenças os bens que, não constituindo partes
integrantes, se destinam, de modo duradouro, ao uso, ao serviço ou ao
aformoseamento de outro.

Entretanto, a maioria dos referidos bens imóveis componentes do patrimônio construído


pelos indivíduos ao longo da vida são adquiridos de forma irregular, haja vista o alto custo que
incide sobre a transferência destes bens. Tem-se como irregular a propriedade cujo registro ou
averbação for omissa, imprecisa ou não exprimir a verdade, conforme dispõe o art. 212 da Lei nº
6.015/73, Lei de Registros Públicos.
19

Art. 212. Lei nº 6.015/1973. Se o registro ou a averbação for


omissa, imprecisa ou não exprimir a verdade, a retificação será feita pelo
Oficial do Registro de Imóveis competente, a requerimento do interessado, por
meio do procedimento administrativo previsto no art. 213, facultado ao
interessado requerer a retificação por meio de procedimento judicial.

No que tange ao conceito de imóvel irregular devemos levar em consideração um


critério negativo, ou seja, será irregular toda propriedade que não esteja regular. Quer dizer que
toda vez que a descrição do imóvel não estiver em consonância com a constante na matrícula
do referido bem, este será considerado irregular.

Nesse sentido, pode-se dizer, exemplificativamente, que é irregular o imóvel que: a)


adquirido por contrato de gaveta, não sendo lavrada Escritura Pública e, sendo lavrado
Instrumento Público não o levar a registro; b) imóvel não registrado no nome do atual
proprietário; c) aquele imóvel que não possuir matrícula ou transcrição aberta no cartório de
registro de imóveis da circunscrição do bem; d) o qual a descrição do imóvel na matrícula não
corresponde com a atual situação do bem; e) não possui a qualificação dos proprietários
atualizada entre outras irregularidades.

É importante ressaltar, que o imóvel deve atender a todos os requisitos previstos no


art. 167 da Lei de Registros Públicos (LRP), pois o não cumprimento acarretará a irregularidade
imobiliária. Deste modo, as informações contidas no Registro Geral de Imóveis (RI), deve
refletir integralmente a realidade fática a qual o imóvel e seus titulares se encontram, caso
contrário tem-se a irregularidade. Além disso, a não observância da regularização gera inúmeros
prejuízos, dentre eles encontra-se a dificuldade no momento de transferir a titularidade do bem.
20

6. PARTILHA DE BENS IMÓVEIS IRREGULARES À LUZ DO SUPERIOR


TIBUNAL DE JUSTIÇA
Como se pode observar, nos tópicos anteriores buscou-se abordar noções conceituais de
alguns institutos do código civil: a diferença entre posse e propriedade, formas de aquisição da
propriedade, noções básicas sobre o instituto do divórcio e a definição de imóvel irregular, para
que se pudesse melhor expor e compreender o objeto de análise do presente trabalho, qual seja:
exigências jurídicas da regularização de imóveis em inventários e divórcios à luz das diferentes
linhas de entendimentos expostas pelos tribunais do nosso país.
Sobre essa problemática a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ),
decidiu em votação unânime que é admissível em ação de inventário partilhar após o fim da
pessoa natural (morte) direitos possessórios sobre bens imóveis não registrados (irregulares).
Essa decisão foi proferida na ocasião do julgamento do REsp nº 1.984.847/MG, este interposto
pelos herdeiros que buscavam partilhar direitos sobre 92 hectares de terras situada no interior
de Minas Gerais.

EMENTA CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DAS SUCESSÕES.


PARTILHA DE DIREITOS POSSESSÓRIOS SOBRE ÁREAS RURAIS
NÃO ESCRITURADAS. AUTONOMIA ENTRE O DIREITO DE
PROPRIEDADE E O DIREITO POSSESSÓRIO SOBRE BENS IMÓVEIS.
EXPRESSÃO ECONÔMICA DO DIREITO POSSESSÓRIO QUE PODE
SER OBJETO DE TUTELA. PARTILHA DO DIREITO POSSESSÓRIO.
RESOLUÇÃO PARTICULAR DA QUESTÃO EM RELAÇÃO AOS
HERDEIROS COM POSTERIOR RESOLUÇÃO DA QUESTÃO
FUNDIÁRIA. POSSIBILIDADE.

1- Ação proposta em 13/12/2018. Recurso especial interposto em 13/09/2021 e


atribuído à Relatora em 14/03/2022.

2- O propósito recursal é definir se é admissível, em ação de inventário, a partilha


de direitos possessórios sobre bens imóveis alegadamente pertencentes ao falecido
e que não se encontram devidamente escriturados.

3- Não apenas de propriedades formalmente constituídas é composto o acervo


partilhável em razão do falecimento do autor da herança, na medida em que
existem bens e direitos com indiscutível expressão econômica que, por vícios de
diferentes naturezas, não se encontram legalmente regularizados ou formalmente
constituídos sob a titularidade do falecido.
21

4- Diante da autonomia existente entre o direito de propriedade e o direito


possessório, a existência de expressão econômica do direito possessório como
objeto de partilha e a existência de parcela significativa de bens que se encontram
em situação de irregularidade por motivo distinto da má-fé dos possuidores, é
possível a partilha de direitos possessórios sobre bens imóveis não escriturados.

5- A partilha imediata dos direitos possessórios permite resolver, em caráter


particular, a questão que decorre da sucessão hereditária, relegando-se a um
segundo momento a discussão acerca da regularidade e da formalização da
propriedade sobre os bens inventariados. Precedente.

6- Na hipótese, dado que a exclusão da partilha dos direitos sobre as terras se deu
apenas ao fundamento de que seria impossível a partilha de áreas não escrituradas,
impõe-se que, afastado esse óbice, seja determinado o regular prosseguimento da
ação de inventário a fim de que seja apurada a existência dos direitos possessórios
e a qualidade da posse alegadamente exercida, dentre outras questões relevantes
para o reconhecimento do eventual direito a ser partilhado.

7- Recurso especial conhecido e provido, a fim de, afastado o óbice à partilha


apontado no acórdão recorrido, determinar seja dado regular prosseguimento à
Documento (STJ - REsp:1.984,Data de Julgamento: 21/06/2022, T3 -
TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/06/2022)

A ministra Nancy Andrighi, relatora do caso ora exposto entende que apesar da
lavratura da escritura e o registro serem atos de natureza obrigatória, conforme dispõe a Lei de
Registros Públicos, o rol de bens que uma pessoa junta em vida não é composta só de
propriedades formalmente constituídas. Isto é, mesmo aqueles bens imóveis que não são
constituídos de todos os elementos que formam a propriedade, estes devem serem objetos
tutelados pelo direito, haja vista que a posse é um estado de fato que corresponde ao exercício
de propriedade.

Além disso, a referida Ministra esclarece que “A falta de regularização pode decorrer
de má-fé, com objetivo de sonegar tributos ou ocultar bens, mas também há outros motivos.
Um deles, segundo a ministra, é a dificuldade que o Poder Público tem de formalizar
propriedades em determinadas áreas rurais ou urbanas”. Vale salientar, que dentre as
dificuldades para o governo regularizar propriedades inclui o cumprimento de exigências
impostas pela legislação imobiliária, bem como a necessidade de aplicar dinheiro público na
formalização de propriedades irregulares.
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Assinala ainda Nancy Andrighi que, "Diante desse cenário, a melhor solução para a questão
controvertida está em admitir a possibilidade de partilha de direitos possessórios, quando
ausente a má-fé dos possuidores, resolvendo, em caráter particular e imediatamente, a questão
que diz respeito somente à sucessão, relegando a um segundo e oportuno momento as eventuais
discussões acerca da regularidade e da formalização da propriedade sobre o bem imóvel".

Cabe destacar, que a posse é classificada de diversas maneiras, quando a ministra afirma
a possibilidade de partilhar direitos possessórios quando ausente a má-fé, ela está utilizando a
classificação quanto à legitimidade da posse. Esta pode ser de boa-fé quando o possuidor
desconhece a existência de vício que macula a posse, conforme prevê o artigo 1.201 do código
civil brasileiro:

Art. 1.201, Lei nº 10.406/02. É de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício,


ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa.

Ou de má fé, quando o possuidor adquire a coisa tendo conhecimento do vício ou


impedimento que recai sobre a posse do dito bem. Nessa modalidade, é importante esclarecer
que há dois elementos que caracteriza a posse de má-fé, são eles: subjetivo e objetivo. No que
se refere ao primeiro, o possuidor relega o vício que está atrelado a posse. Enquanto o segundo
(objetivo) diz respeito ao vício que incide sobre a posse, quais sejam, precariedade (abuso de
confiança), clandestinidade (apossamento escondido ou fraudulento) e violência (força física),
nos termos do artigo 1.220 do CC:

Art. 1.200, Lei nº 10.406/02. É justa a posse que não for violenta, clandestina
ou precária.

Deste modo, na visão da ministra Nancy só é possível partilhar direitos possessórios


quando ausente a má-fé, ou seja, o possuidor não pode conhecer do vício. Além disso, a decisão
da ministra ratifica o teor do princípio da saisine de que a transferência da herança é automática
e imediata mesmo que os bens componentes do acervo do espólio sejam irregulares,
demonstrando que não é necessário no momento da transferência da propriedade que o imóvel
objeto da transação esteja regular, conforme dispõe o art. 1.206 do CC/2002:

Art. 1.206, Lei nº 10.406/02. A posse transmite-se aos herdeiros ou


legatários do possuidor com os mesmos caracteres.
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De igual modo, o Código de Processo Civil de 2015, aborda os requisitos formais e os


procedimentos que devem ser observados para a abertura de inventário, bem como os bens e
direitos que podem serem inventariados, a saber:

Art. 620, Lei nº 10.105/15. Dentro de 20 (vinte) dias contados da data em


que prestou o compromisso, o inventariante fará as primeiras declarações, das
quais se lavrará termo circunstanciado, assinado pelo juiz, pelo escrivão e pelo
inventariante, no qual serão exarados:

[...]

IV - a relação completa e individualizada de todos os bens do espólio,


inclusive aqueles que devem ser conferidos à colação, e dos bens alheios que nele
forem encontrados, descrevendo-se:

[...]

g) direitos e ações;

Desta forma, depreendemos do Código de Processo Civil Brasileiro que direitos e ações
devem serem considerados no momento do levantamento dos bens que irá compreender o
espólio, bem como devem serem levados em consideração no momento da realização da
partilha entre os herdeiros.

No desfecho do seu voto, a Ministra Nancy finalizou conhecendo e dando provimento


ao recurso especial no sentido de afastar o impedimento à partilha exposto no acórdão recorrido,
deliberando que seja dado regular prosseguimento à ação de inventário, para que se possa apurar
a existência dos requisitos configuradores do alegado direito possessório suscetível de partilha
entre os herdeiros.

Vale consignar, ainda, que o Superior Tribunal de Justiça em ação de divórcio adotou
o mesmo posicionamento jurídico utilizado na ação de inventário de imóveis irregulares, ou
seja, o STJ estendeu o seu posicionamento de que é possível partilhar direitos possessórios de
bens irregulares também para as ações de divórcio. E que não é razoável exigir a regularização
de um imóvel perante o Cartório de Registro de Imóveis para que um casal possa exercer o seu
direito de partilha em decorrência do divórcio.
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Essa decisão foi proferida nos termos do Resp nº 1.739.042 – SP em 08 de setembro


de 2020, neste discutia-se a possibilidade de partilhar bem imóvel adquirido na constância do
vínculo conjugal em loteamento irregular.

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE DIVÓRCIO CUMULADA


COM PARTILHA DE BENS. IMPROCEDÊNCIA. PARTILHA DE BEM
IMÓVEL SITUADO EM LOTEAMENTO IRREGULAR. AUTONOMIA
ENTRE O DIREITO DE PROPRIEDADE E O DIREITO POSSESSÓRIO.
EXPRESSÃO ECONÔMICA DO DIREITO POSSESSÓRIO. AUSÊNCIA
DE MÁ-FÉ DOS POSSUIDORES QUANTO À NÃO REGULARIZAÇÃO
DO IMÓVEL. POSSIBILIDADE DE PARTILHA DO DIREITO
POSSESSÓRIO.

1- Ação distribuída em 30/07/2015. Recurso especial interposto em 30/05/2017 e


atribuído à Relatora em 16/04/2018.

2- O propósito do presente recurso especial é definir se é admissível, em ação de


divórcio, a partilha de bem imóvel situado em loteamento irregular.

3- A imposição de determinadas restrições ao exercício do direito fundamental de


acesso à justiça pelo jurisdicionado e ao acolhimento da pretensão de mérito por
ele deduzida são admissíveis, desde que os elementos condicionantes sejam
razoáveis.

4- Não apenas as propriedades formalmente constituídas compõem o rol de bens


adquiridos pelos cônjuges na constância do vínculo conjugal, mas, ao revés,
existem bens e direitos com indiscutível expressão econômica que, por vícios de
diferentes naturezas, não se encontram legalmente regularizados ou formalmente
constituídos sob a titularidade do casal, como, por exemplo, as edificações
realizadas em lotes irregulares sobre os quais os cônjuges adquiriram direitos
possessórios.

5- Dada a autonomia existente entre o direito de propriedade e o direito


possessório, a existência de expressão econômica do direito possessório como
objeto de partilha e a existência de parcela significativa de bens que se encontram
em situação de irregularidade por motivo distinto da má-fé dos possuidores, é
possível a partilha de direitos possessórios sobre bem edificado em loteamento
irregular, quando ausente a má-fé, resolvendo, em caráter particular, a questão que
decorre da dissolução do vínculo conjugal, e relegando a segundo momento a
discussão acerca da regularidade e formalização da propriedade sobre o bem
imóvel.

6- Recurso especial conhecido e provido.


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No entendimento do juiz de primeiro grau, embora o bem objeto da demanda faça parte
do patrimônio comum do casal, este encontra-se em situação irregular junto ao Cartório de
Registro de Imóveis. Ademais, o referido juiz sustentou ainda que o conteúdo econômico do
bem estaria à margem do mundo jurídico, impossibilitando a transferência do imóvel.

Segunda a ministra Nancy, relatora do presente caso o dispositivo contido na Lei de


Registros Públicos que dispõe sobre a necessidade de averbar à margem da matrícula as
alterações realizadas nos bens imóveis, bem como dispõe sobre a suspensão da ação de
inventário até que haja a regularização dos referidos imóveis no respectivo registro imobiliário
deve ser analisado de forma cautelosa e sob diferentes enfoques.

Além disso, a ministra pontua em seu voto que “não apenas as propriedades
formalmente constituídas compõem o rol de bens adquiridos pelos cônjuges na constância do
vínculo conjugal. Ao revés, também é preciso observar que existem bens e direitos com
indiscutível expressão econômica que, por vícios de diferentes naturezas, não se encontram
legalmente regularizados ou formalmente constituídos sob a titularidade do casal divorciando”.
De fato, muitas vezes a falta de regularização decorre de fatores externos a vontade das partes
como por exemplo o alto custo financeiro, ou as vezes em decorrência de desídia de um dos
interessados, mas isso não retira da posse a expressão social e econômica que a reveste.

Assinala ainda Nancy Andrighi, “a autonomia existente entre o direito de propriedade e


o direito de posse, bem como a expressão econômica do direito possessório como objeto de
possível partilha entre os cônjuges no momento da dissolução do vínculo conjugal sem que haja
reflexo direto às discussões relacionadas à propriedade formal do bem.” Isto é, a ministra
utilizou-se do mesmo argumento aplicado pelo próprio tribunal de Minas Gerais em casos de
inventário de bens irregulares deixado pelo de cujus.

Portanto, apesar do Tribunal de Justiça já ter entendido pela possibilidade da partilha


de direitos possessórios de bens irregulares em inventários e divórcios, os juízes de primeira
instancia continuam emitido decisões contrárias, conforme será exposto no próximo tópico
deste trabalho.
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7. PARTILHA DE BENS IMÓVEIS IRREGULARES À LUZ DAS DECISÕES DE


PRIMEIRA INSTÂNCIA

Percebe-se que após a Terceira Turma do STJ se manifestar pela possibilidade de


partilhar direitos possessórios sobre imóveis irregulares a maioria dos juízos de primeiro grau
que julgaram de forma contrária a esse entendimento tiveram suas decisões monocráticas
reformuladas.

Ademais, esses juízes de primeiro grau condicionava o prosseguimento da ação de


inventário à regularização, perante o cartório de registro de imóveis da circunscrição do bem
componente do acervo submetido à partilha, colaciona-se como exemplo o REsp nº
1637359/RS que tratava da regularização dos bens imóveis componentes do acervo partível do
espólio de A D, no referido caso concreto foram realizadas edificações de apartamentos e de
boxes de garagem sem que houvesse a devida averbação da construção na matrícula do imóvel.

EMENTA CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INVENTÁRIO.


OMISSÃO. INOCORRÊNCIA. FUNDAMENTAÇÃO ADEQUADA
SOBRE A QUESTÃO SUSCITADA. DETERMINAÇÃO JUDICIAL DE
SUSPENSÃO DA AÇÃO DE INVENTÁRIO ATÉ QUE SEJAM
REGULARIZADOS OS BENS IMÓVEIS DO DE CUJUS.
POSSIBILIDADE. RESTRIÇÃO ADMISSÍVEL DO DIREITO DE
ACESSO À JUSTIÇA. NECESSIDADE DE IDENTIFICAÇÃO DO EXATO
CONTEÚDO DO MONTE PARTÍVEL COMO CONDIÇÃO DA
PARTILHA E DA ATRIBUIÇÃO DO QUINHÃO DE CADA HERDEIRO.
1- Ação distribuída em 29/08/2013. Recurso especial interposto em 31/01/2014 e
atribuído à Relatora em 25/08/2016.

2- Os propósitos recursais consistem em definir se houve negativa de prestação


jurisdicional e, ainda, se a ausência de averbação, no respectivo registro, das
modificações realizadas nos bens imóveis que formam o acervo partível, configura
uma condição essencial para a tramitação da ação de inventário.

3- Ausente o vício de omissão elencado no art. 535, II, do CPC/73, e tendo o


acórdão recorrido enfrentado a questão suscitada para o deslinde da controvérsia,
não há que se falar em negativa de prestação jurisdicional.

4- A imposição de determinadas restrições ao exercício do direito fundamental de


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acesso à justiça pelo jurisdicionado é admissível desde que o elemento


condicionante seja razoável.

5- A regra contida na Lei de Registros Públicos que determina a obrigatoriedade


de averbar as edificações efetivadas em bens imóveis autoriza a suspensão da ação
de inventário até que haja a regularização dos referidos bens no respectivo registro,
inclusive porque se trata de medida indispensável a adequada formação do
conteúdo do monte partível e posterior destinação do quinhão hereditário.

6- Recurso especial conhecido e desprovido.

A ministra Nancy relatora do caso no ano de dois mil e dezoito afirmou o seguinte: “é
indiscutível que a averbação das alterações realizadas em bens imóveis é um ato de natureza
obrigatória, na forma dos artigos 167, II, “4”, e 169, ambos da Lei de Registros Públicos”. A
mesma, valeu-se em sua fundamentação da legislação infraconstitucional, que dispõe que no
Registro de Imóveis da circunscrição do bem, além da matrícula que é uma ficha numerada que
descreve o imóvel e se indica o titular do bem, serão feitos registros e averbações sempre que
a situação fática do bem se modificar, exigência esta tanto da Lei de Registros Públicos como
dos provimentos estaduais.

A relatora destaca ainda que “a imposição judicial para que sejam regularizados os bens
imóveis que pertenciam ao falecido para que, apenas a partir deste ato, seja dado adequado
desfecho à ação de inventário é uma “condicionante razoável”, especialmente por razões de
ordem prática”. Na visão da ministra, à época a regularização do bem imóvel tornava-se uma
condicionante de ordem prática, tendo em vista que a ausência de regularização inviabilizaria,
a avaliação, precificação, divisão ou, até mesmo, a eventual alienação do bem imóvel.

Desta forma, a relatora em seu voto afirmou que o art. 993, IV, alínea “a” do CPC/73
(código vigente à época), que versava sobre o modo e o procedimento de realização das
primeiras declarações relacionadas aos imóveis, deveria ser lido em consonância com os artigos
167 e 169 da Lei Registros Públicos, considerando-se a imprescindibilidade da regularização
dos bens imóveis durante a ação de inventário para que não exista nenhuma dúvida acerca do
conteúdo do monte mor, bem como da cota da herança destinado a cada herdeiro.

A ministra Nancy Andrighi, concluiu seu voto afirmando que nada impede a fixação
como condição de procedibilidade da ação de inventário a regularização dos bens imóveis a ser
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partilhado entre os herdeiros, como consequência lógica da obrigatoriedade contida nos artigos
167, II e 169, da Lei de Registros Públicos.

De acordo com tais dispositivos e com o princípio da obrigatoriedade que rege o direito
imobiliário é de suma importância fazer constar à margem da matrícula as averbações das
alterações realizadas no imóvel tais como: edificações, demolições, retificações de área,
mudança de logradouro entre outras com intuito de dar autenticidade, segurança, eficácia e
acima de tudo publicidade a essas alterações fáticas.

Portanto, depreende-se deste entendimento firmado pela terceira turma do STJ no ano
de dois mil e dezoito que era legítimo condicionar a ação de prosseguimento de inventário à
prévia regularização. Isto é, para que haja a transferência de titularidade do bem a descrição
constante na matrícula do imóvel deveria estar em consonância com a realidade fática, em
atendimento aos princípios da especialidade objetiva (todo indivíduo deve ser capaz de
identificar e diferenciar o imóvel dos demais) e da continuidade (todos os atos descritos na
matrícula relacionados ao imóvel e aos proprietários devem respeitar uma sequência lógica dos
fatos).

Apesar, do referido entendimento ter sido reformado pelo Superior Tribunal de Justiça
no ano de 2022 a maioria dos juízos de primeiro grau ainda continuam valendo-se dos
argumentos supracitados. Cabe destacar, que no estado do Ceará a possibilidade de partilhar
direitos possessórios ainda não se efetivou, este tema ainda é pouco conhecido pelos advogados
que atuam no ramo do direito da família e sucessões à afirmação se dá pela ausência de
processos que verse sobre essa temática no site do Tribunal de Justiça deste estado.

Por outro lado, ao realizar consulta do site do Tribunal de Minas Gerais constatou-se a
existência de inúmeros processos que tratam sobre a possibilidade de partilhar direitos
possessórios, e na maioria dos casos aquele tribunal tem reformado as decisões monocráticas
que continuam inadmitindo a possibilidade da partilha de direitos possessórios sobre imóveis
irregulares. Podemos citar como exemplo o
Agravo de Instrumento nº 1.0000.23.123257-0/001 da comarca de Ribeirão das Neves da 8ª
Câmara Cível Especializada do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE INVENTÁRIO -


ARROLAMENTO DE BENS - BEM IMÓVEL NÃO REGISTRADO -
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CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA - EXPEDIÇÃO DE


ALVARÁ - INVIABILIDADE - PARTILHA DOS DIREITOS
POSSESSÓRIOS - CABIMENTO - RECURSO PROVIDO EM PARTE.
1. A despeito do disposto no artigo 1.245, §1º do Código Civil, inexiste óbice ao
pedido subsidiário da agravante, visto que a propriedade imobiliária não é a única
suscetível de partilha, lembrando que a posse se transmite aos herdeiros ou
legatários do possuidor com os mesmos caracteres, nos termos do artigo 1.206 do
CC/02.

2. A jurisprudência recente vem autorizando a partilha dos direitos sucessórios em


sede de inventário, eis que a posse, embora não conste do Registro Imobiliário,
também é passível de partilha, possuindo algum valor econômico, como na
hipótese em testilha.

3. Recurso provido em parte. (TJMG - Agravo de Instrumento-


Cv 1.0000.23.123257-0/001, Relator(a): Des.(a) Teresa Cristina da Cunha
Peixoto , 8ª Câmara Cível Especializada, julgamento em 28/08/2023, publicação
da súmula em 29/08/2023)

O caso acima, refere-se a recurso interposto por M.A.F, visando reformar decisão
monocrática que indeferiu nos autos da ação de inventário o pedido de expedição de alvará para
regularização de escritura pública de imóvel deixado pelo de cujus B.P.F. A agravante sustentou
que o falecido, adquiriu um imóvel situado na Rua Cinquenta e Três, nº 360, bairro Florença,
em Ribeirão das Neves, por meio de contrato de compra e venda. Porém, o de cujus não
procedeu com o registro junto ao Cartório de Registro de Imóveis competente, ou seja, na
matrícula do imóvel ainda consta os antigos proprietários, estes falecidos.

A requerente afirmou que o fato supracitado, “não elide o direito real aqui exposto, eis
que, ao contrário do afirmado pelo Juízo de 1° grau, é possível a inclusão dos direitos
decorrentes de tal negócio jurídico no plano de partilha apresentado no inventário". Além disso,
a M.A.F utilizou o argumento “que o STJ permite a inclusão dos direitos oriundos do contrato
de promessa de compra e venda de lote em inventário, ainda que sem registro imobiliário,
estipulando o artigo 1.206 do CC que a posse se transmite aos herdeiros com os mesmos
caracteres, bem como que é inviável a regularização e a transferência do bem impostas pelo
juízo”.
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A desembargadora Ângela de Lourdes, manifestou-se no sentido de que “é restrita a


competência do juízo do inventário, estipulando o artigo 612 do NCPC/2015”. O referido
dispositivo prevê que o magistrado decidirá todas as questões de direito uma vez que os fatos
relevantes estejam provados por documento remetendo para as vias ordinárias as questões que
dependerem de outras provas. Segunda a ministra, a posse se transmite aos sucessores do de
cujus com as mesmas características, nos termos do artigo 1.206 do CC/02:

Art. 1.206 do Código Civil de 2002. A posse transmite-se aos


herdeiros ou legatários do possuidor com os mesmos caracteres.

Porém, a desembargadora consignou em seu voto que ‘tratando-se de questão de alta


indagação deveria haver, à primeira vista, a remessa às vias ordinárias". Ela tratou sobre essa
questão, uma vez que o caso concreto engloba direito de terceiros, eventuais proprietários, que
não são partes na ação de inventario.

Contudo, a relatora Ângela acompanhou o entendimento da jurisprudência recente que


vem autorizando a partilha dos direitos sucessórios em sede de ação de inventário e com o
objetivo de ratificar seu posicionamento colacionou diversas jurisprudências do próprio
Tribunal que atua (TJMG). De acordo com a desembargadora a posse, embora não conste na
matrícula do imóvel é possível a partilha, haja vista que o instituto da posse possui caráter
econômico. Por fim, a desembargadora conclui o voto, dando parcial provimento ao Agravo de
Instrumento, reformando parcialmente a decisão para que sejam mantidos os direitos
possessórios do bem imóvel indicado no inventário.

Depreende-se, portanto, da decisão acima explorada que o Tribunal de Minas Gerais


adotou o mesmo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, porém no que tange as decisões
de primeira instância daquele juízo, estas continuam quase por unanimidade julgando de forma
contrária ao presente entendimento.

No entanto, espera-se que em breve os juízes de primeiro grau adotem o entendimento


consignado pelo Superior Tribunal de Justiça, bem como os advogados utilizem esse
entendimento para fundamentar as iniciais que verse sobre ação de partilha de imóveis
irregulares, para que as referidas demandas sejam finalizadas na própria instância primitiva,
objetivando a celeridade e a efetivação da prestação jurisdicional, bem como a não interposição
de recursos.
31

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por fim, a vida do ser humano acontece como que numa peça teatral onde a alegria dá
espaço à tristeza, quando se chega ao fim da apresentação. Da mesma forma acontece quando
o indivíduo adquire um bem imóvel seja com a finalidade de realiza-se pessoalmente ou visando
ofertar a sua família uma maior qualidade de vida, porém ao chegar ao fim da vida ou do vínculo
conjugal, este bem que despertou alegria, entusiasmo acaba sendo fonte de grande desgaste
entre os herdeiros ou o ex-casal. Isso acontece, devido a disseminação em nosso país da cultura
da não regularização imobiliária, mas deve-se destacar que esse fenômeno ocorre muitas das
vezes não pela falta de vontade das partes envolvidas em regularizar. Mas, em virtude do alto
custo que incide sobre a transferência da titularidade ou até mesmo pela dificuldade do poder
público de regularizar essas propriedades.

Neste trabalho, visou-se mostrar a autonomia existente entre a posse e propriedade, que,
apesar de serem institutos do direito civil que tratam em sua essência de bens imóveis cada um
carrega suas peculiaridades. A posse, é uma situação de fato que não necessita da comprovação
mediante um título, o possuidor simplesmente comprova pelo animus dominis, ou seja, pela
vontade ter a coisa para si e agir como proprietário fosse. Tendo em vista isso, e a fim de garantir
a paz e a ordem social, o legislador preferiu proteger o instituto da posse por presunção de que
além de ser uma situação fática também é uma situação jurídica.

Em contrapartida a propriedade para ser efetiva exige o registro do título translativo em


nome do adquirente na matrícula do imóvel, para que o mesmo possa ser considerado
proprietário no mundo jurídico. Em outros termos, a propriedade tem um caráter complexo o
que há distingue do instituto da posse que tem um caráter fático.

Apesar do indivíduo que adquiriu o imóvel irregular ser considerado como possuidor,
pelo simples fato de não figurar como titular do bem no registro de imóveis, seja em decorrência
da hipossuficiência financeira que limita o indivíduo a regularizar o imóvel ou, por outro
motivo, isso não gera a extinção econômica e social presente no bem, especialmente para fins
de partilha. Portanto, a fim de garantir à sucessão de direitos possessórios sobre imóveis
irregulares, o Tribunal Superior de Justiça decidiu em votação unânime pela admissibilidade da
partilha de direitos possessórios sobre bens imóveis irregulares, a referida decisão foi prolatada
em face de recurso interposto contra acordão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
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A decisão foi no sentido de permitir a ação de inventário que evolva partilha de direitos
possessórios sobre imóveis irregulares, desde que a parte comprove a posse e que a
irregularidade que atinge o bem não seja resultado de má-fé, sonegação de tributos ou ocultação
bens.

Além disso, o Tribunal de Justiça afirmou em sua decisão que o procedimento de


regularização do bem poderá ser efetivado em momento posterior ao processo de inventário ou
divórcio. Entretanto, mesmo diante da tese firmada pelo STJ, percebe-se que os efeitos oriundos
desta decisão ainda não são efetivos, pois os juízes a quo ainda não aplicam em suas sentenças
o presente entendimento e continuam valendo-se do fundamento anterior (a imprescindibilidade
da regularização de imóveis para que em momento posterior ocorra a partilha), fazendo com
que o processo seja remetido aos tribunais de instância superior.

Ademais, a jurisprudência firmada pelo STJ, ainda não ganhou notoriedade em alguns
tribunais como por exemplo no estado do Ceará, talvez por falta de conhecimento dos
advogados que atuam na área do direito de família e sucessão. Haja vista, que muitos
profissionais quando estão diante de um processo de inventário ou divórcio que envolve bens
imóveis irregulares, optam pela sobrepartilha em momento posterior a regularização do bem.
O fato é que, não se encontra nenhum julgado no site do Tribunal de Justiça do Ceará que trate
sobre o assunto da partilha de direitos possessórios sobre imóveis irregulares, talvez por ser
ainda uma novidade jurídica ou, até mesmo por receio dos advogados em terem suas demandas
indeferidas pelos magistrados de primeira instância.

Por outro prisma, no site do Tribunal de Justiça do estado de Minas Gerais, existe um
acervo de decisões a maioria delas após o ano de 2022 que segue o mesmo entendimento
firmado pelo STJ, porém todas essas decisões constantes no referido site são frutos da reforma
das sentenças de primeiro grau. Isto é, apesar da recente decisão proferida pela terceira turma
do STJ, admitindo a partilha de direitos possessórios sobre imóveis irregulares os juízes de
primeira instância daquele estado, têm mantido o posicionamento da prévia regularização do
imóvel para só depois dá seguimento a ação de inventário ou divórcio.

Deste modo, o entendimento da terceira turma do STJ, em permitir a partilha de direitos


possessórios sobre imóveis irregulares ocasiona uma otimização na ampulheta do tempo, em
outro termos a referida tese possibilita que haja uma maior celeridade no trâmite dos processos
de inventários e divórcios que tenham algum bem irregular sendo objeto partilha. Além disso,
a aplicação desta decisão ocasionou e ocasionará impacto positivo tanto no campo do direito,
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como na esfera social. Mas, para que haja a efetivação deste posicionamento, faz-se necessário
a intervenção de bons advogados com intuito de encurtar o processo de inventário e divórcio
fazendo com que a morosidade e o desgaste ocasionado por esses processos sejam minimizados
ou até mesmo erradicados.
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9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

• BRASIL. Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário oficial
da União. Brasília, DF, 10 jan. 2002. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em 25 de agosto de
2023;

• ABREU, Beatriz Franciny. A regularização de construções no Registro de Imóveis.


Site Migalhas, 23 de dezembro de 2020. Disponível em:
https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-notariais-e-registrais/338277/a-
regularizacao-de-construcoes-no-registro-de-imoveis. Acesso em: 04 de agosto de
2023;

• ABRAM, Daniella Boppré. Direito Imobiliário. Site Uniasselvi. Disponível em:


http://https//www.uniasselvi.com.br/extranet/layout/request/trilha/materiais/livro/livro.
php?codigo=15074. Acesso em: 06 de agosto de 2023;

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