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E82 Estrategias psicoterápicas e a terceira onda em terapia cogni­

tiva / organizado por Wilson Vieira Melo... [et al.J — Novo


Hamburgo : Sinopsys, 2014.
16x23 cm; 680p.

ISBN 978-85-64468-18-4

1. Psicologia — Psicoterapia —Terapia cognitiva. 2. Psiquia­


tria — Psicoterapia —Terapia cognitiva. I. Título

CDU 159-922:616.89

Catalogação na publicação: Mônica Ballejo Canto — CRB 10/1023


Estratégias
psicoterápicas
e a terceira onda
em terapia cognitiva

Wilson Vieira Melo


organizador

Prefácio
David A. Clark

2014
© Sinopsys Editora e Sistemas Ltda., 2014
Estratégiaspsicoterápicas e a terceira onda em terapia cognitiva

Wilson Vieira Melo (organizador)

Capa: Maurício Pamplona

Revisão: Alexandre Müller Ribeiro

Supervisão editorial: Mônica Ballejo Canto '

Editoração: Formato Artes Gráficas

Sinopsys Editora
Fone: (51) 3066-3690
E-mail: atendimento@sinopsyseditora.com.br
Site: www.sinopsyseditora.com.br
Autores

Wilson Vieira Melo (org.). Doutor em Psicologia (UFRGS), com estágio de pesqui­
sa na University of Virginia (USA) estudando o viés cognitivo nos transtornos de an­
siedade. Mestre em Psicologia Clínica (PUCRS), foi professor de Graduação em Psi­
cologia durante dez anos (FACCAT / ULBRA / IBGEN). Atualmente, é professor de
Pós-Graduação em nível de Especialização em Terapia Cognitiva em diversos estados
do Brasil. Ministrou curso como Professor Convidado na Palo Alto University (USA)
sobre Terapia Comportamental Dialética para o Transtorno da Personalidade Border-
line. Ex-Diretor e Ex-Coordenador Técnico da WP — Centro de Psicoterapia Cogniti-
vo-Comportamental (2002/2011). Participou dos Estudos de Campo para elaboração
do Código Internacional de Doenças — CID 11 (OMS) nas Comissões de Transtornos
Específicamente Associados ao Estresse e também na de Transtornos do Comporta­
mento Alimentar. Segundo-Secretário da Federação Brasileira de Terapias Cognitivas
— FBTC (Gestão 2011/2013) e Vice-Presidente (Gestão 2013/2015). Coordenador
do processo de implementação e da Comissão de Certificação de Terapeutas Cogniti­
vos no Brasil pela FBTC (2013/2015). É Membro Fundador da Associação deTera-
pias Cognitivas do Rio Grande do Sul (ATC-RS) e Fundador do Instituto de Terapia
Cognitiva do Rio Grande do Sul (ITC-RS) em Porto Alegre — RS, onde atua como
psicoterapeuta, presta supervisão clínica e consultoria diagnostica.

Alcyr Alves de Oliveira Junior. Doutor em Psicologia (Institute ofPsychiatry, Univer­


sity ofLondon). Professor Adjunto da Universidade Federal de Ciências da Saúde de
Porto Alegre, Professor do PPG em Ciências da Reabilitação, Membro fundador e
Diretor-Secretário do Instituto Brasileiro de Neuropsicologia e Comportamento.
Aline André Rodrigues. Graduada em Medicina (UCPel). Residente de Psiquiatria
no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA/UFRGS).
Aline Sardinha. Doutora em Saúde Mental (IPUB/UFRJ). Pesquisadora do Labora­
tório de Pânico e Respiração (LABPR/IPUB/UFRJ), Diretoria da Federação Brasileira
vi Autores

de Terapias Cognitivas (FBTC, gestões 2011-2013 e 2013-2015), Autora do site Pí­


lulas de Bem Estar (www.pilulasdebemestar.com.br).
Ana Carolina Peuker. Doutora em Psicologia (UFRGS). Professora do Departamen­
to de Psicologia (Unisinos). Pesquisadora colaboradora do Laboratório de Psicologia e
Neurociência do Comportamento (UFRGS).
Anelisa Vaz de Carvalho. Mestranda em Psicologia (USP). Pós-graduanda em Tera­
pia Cognitivo-Comportamental (FAMERP), Colaboradora do Laboratório de Pes­
quisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental (LaPICC - USP).
Antonio Egidio Nardi Doutor em Medicina (UFRJ). Professor Titular de Psiquiatria
(UFRJ), Membro Titular da Academia Nacional de Medicina.
Aristides Volpato Cordsoli. Doutor em Ciências Médicas: Psiquiatria (UFRGS).
Professor Associado aposentado do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal
(UFRGS), membro fundador da FBTC.
Bemard Pimentel Range. Doutor em Psicologia (UFRJ). Professor do Programa de
Pós-Graduação em Psicologia do Instituto de Psicologia (UFRJ), Membro Fundador
da Associação Brasileira de Psicoterapias e Medicina Comportamental (ABPMC),
Membro Fundador da Federação Brasileira de Psicoterapias Cognitivas (FBTC), psi-
coterapeuta em consultório particular.
Carmem Beatriz Neufeld. Doutora em Psicologia (PUCRS). Professor Doutor 2 do
Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão
Preto da Universidade de São Paulo (DP-FFCLRP-USP), Coordenadora do Laborató­
rio de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental (LaPICC-USP), Presidente
da Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (Gestão 2011-2013/ 2013-2015)-
Carolina Baptista Menezes. Doutora em Psicologia (UFRGS). Professora Adjunta
de Graduação em Psicologia (UFPEL).
Carolina da Motta. Mestre em Psicologia Clínica e da Saúde (Faculdade de Psicologia
e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, Portugal). Investigadora do
CINEICC — Centro de Investigação do Núcleo de Estudos e Intervenção Cognitivo-
Comportamental. Bolseira de investigação da Fundação para a Ciência e a Tecnologia.
Conceição Reis de Sousa. Mestre em Psicologia (UFRJ). Psicóloga Clínica no Servi-
ço-Escola de Psicología (UNIFESP), Psicoterapeuta em consultório particular e foi
supervisora em Psicologia Clínica, na linha cognitivo-comportamental, no Centro de
Psicologia Aplicada da Universidade Paulista.
Daniel Rijo. Doutor em Psicologia Clínica (Universidade de Coimbra, Portugal).
Professor na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação (Universidade de
Coimbra, Portugal). Investigador do CINEICC — Centro de Investigação do Núcleo
de Estudos e Intervenção Cognitivo-Comportamental. Membro da Associação Portu-
Autores vii

guesa de Terapias Comportamentais e Cognitivas e membro fundador da Internatio­


nal Societyfor Schema therapy. Psicoterapeuta e supervisor.
Daniela Schneider Bakos. Doutora em Psicologia (UFRGS). Psicóloga da Cognitá
— Clínica de Terapia Cognitivo-Comportamental, Professora do curso de Especializa­
ção em Terapias Cognitivo-Comportamentais (INFAPA) e professora colaboradora
dos cursos de aperfeiçoamento e especialização (IWP).
Daniela Zippin Knijnik. Doutora em Psiquiatria (UFRGS). Mestre em Clínica Médica
(UFRGS), Formada em Terapia Cognitiva {Beck Institutefor Therapy and Research)., Super­
visora Credenciada {Beck Institutefor Therapy and Research).
David A. Clark. Doutor em Psicologia {University of London, Reino Unido). Profes­
sor do Departamento de Psicologia {University ofNew Brunswick, Canada), Membro
fundador da Academy ofCognitive Therapy e autor de diversos livros e artigos científi­
cos na área de terapia cognitiva.
Débora Cristina Fava. Mestre em Cognição Humana (PUCRS). Professora de Gra­
duação e Supervisora de Estágio no curso de Psicologia (Faculdade IBGEN). Forma­
ção em Manejo do Comportamento Infantil {Piedmont Virginia Community College,
USA) e Especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental (IWP).
Diana Ribeiro da Silva. Mestre em Medicina Legal (Instituto de Ciências Biomédi-
cas Abel Salazar da Universidade do Porto, Portugal). Investigadora do CINEICC -
Centro de Investigação do Núcleo de Estudos e Intervenção Cognitivo-Comporta­
mental. Psicóloga em consultório particular.
Eliane Mary de Oliveira Falcone. Doutora em Psicologia Clínica (USP). Professora
Associada do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ), docente do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social (UERJ), Ex-
Presidente da Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC) (Gestão 2003-
2005) e Fundadora da Revista Brasileira de Terapias Cognitivas (RBTC).
Elisabeth Meyer. Doutora em Psiquiatria (UFRGS). Docente permanente do Progra­
ma de Pós-Graduação em Ciencias da Saúde (Cardiología- IC/FUC) e Pesquisadora
do Programa Transtornos de Ansiedade (PROTAN/HCPA). Treinamento Intensivo
em Terapia Cognitivo-Comportamental no Programa de Terapia Cognitiva (Beck Ins­
titutefor Cognitive Therapy and Research), Treinamento Avançado em Entrevista Mo-
tivacional com William Miller (USA).
Evelin Franco Kelbert. Mestranda em Psicologia (Programa de Pós-Graduação em
Saúde e Comportamento — UCPel). Especialista em Terapia Cognitivo-Comporta­
mental (IWP).
Fernanda Machado Lopes. Doutora em Psicologia (UFRGS). Pesquisadora do Pro­
grama de Pós-Graduação em Neurociências (Pós-Doc UFRGS), Colaboradora do
Centro de Pesquisas em Álcool e Drogas (CPAD/HCPA/UFRGS).
viii Autores

Fernanda Montero Landeiro. Doutora em Saúde (UFBA). Professora da. Pós-Gra­


duação (Faculdade Ruy Barbosa), Psicóloga Clínica em consultório particular e Tera­
peuta Cognitiva {Beck Institutefor Therapy and Research) e {Oxford University).
Giovanni Knckcartz Pergher. Mestre em Psicologia Social e da Personalidade (PUCRS).
Professor de Graduação de Psicologia (FACCAT), Professor de cursos de especializa­
ção em Terapia Cognitiva em diversos estados do Brasil e criador do Portal www.tc-
cparatodos.com.
Heitor Pontes Hirata. Doutorando em Psicología (UFRJ). Professor Substituto do De­
partamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia (UFRJ), Responsável Técni­
co da Clínica Multiprofissional de Saúde Mental Oiti (RJ) e psicoterapeuta em consul­
tório particular. Membro da Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC).
Irismar Reis de Oliveira. Livre-Docente em Psiquiatria e Doutor em Neurociên-
cias (UFBA). Professor Titular de Psiquiatria nos Programas de Pós-Graduação em
Medicina e Saúde (Faculdade de Medicina da Bahia) e em Processos Interativos dos
Órgãos e Sistemas (Instituto de Ciências da Saúde, UFBA), terapeuta cognitivo (Beck
Institutefor Cognitive Therapy andResearch) e membro fundador da Academy ofCogni-
tive Therapy.
Isadora Klamt-Conceição. Mestre em Cognição Humana (PUCRS). Especialista em
Psicoterapia Cognitivo-Comportamental (IWP), Psicoterapeuta em consultório par­
ticular.
Janaína Thais Barbosa Pacheco. Doutora em Psicologia (UFRGS). Professora Ad­
junto do Curso de Psicologia (UFCSPA), Pós-doutora do Programa de Pós-Graduação
da Faculdade de Psicologia (PUCRS), Supervisora e Psicoterapeuta em Terapia Cog-
nitivo-Comportamental.
Lia Silvia Kunzler. Mestre em Psicologia da Saúde (UnB). Formada em Terapia Cog­
nitiva {Beck Institutefor Therapy andResearch), Vice-presidente da Federação Brasileira
de Terapias Cognitivas (FBTC, Gestão 2011/2013) e terapeuta cognitiva com atendi­
mento em grupo nos Programas Equilíbrio, Preparação para a Aposentadoria e Ofici­
na de Habilidades Sociais (CPOS - Unidade SIASS).
Lisiarte Bizarro. Doutora em Psicologia {Institute ofPsychiatry Kings College ofLondon).
Professora Associada do Instituto de Psicologia (UFRGS) e Pesquisadora CNPq.
Luciane Benvegnú Piccoloto. Mestre em Psicologia Clínica (PUCRS). Especialista
em Psicoterapia Cognitivo-comportamental (UNISINOS), Especialista em Psicolo­
gia Hospitalar (ULBRA). Professora de Graduação em Psicologia (FISMA), Professo­
ra e Supervisora do Instituto WP.
Luciano Dias de Mattos Souza. Doutor em Psicologia (PUCRS). Professor Adjunto
da Faculdade de Psicologia (UCPel), Especialista em Terapia Cognitivo-Comporta-
Autores ix

mental (INFAPA-TCC), Coordenador e Pesquisador do Programa de Pós-Graduação


em Saúde e Comportamento (UCPel).
Marco Aurélio Mendes. Mestre em Ciências pelo Programa de Pós-graduação da
Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professor
Auxiliar do Centro Universitário Celso Lisboa (RJ)> Psicólogo e Psicoterapeuta.
Marlene Paulo. Mestre em Psicologia Clínica e da Saúde (Faculdade de Psicologia e
de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, Portugal). Investigadora do
CINEICC - Centro de Investigação do Núcleo de Estudos e Intervenção Cognitivo-
-Comportamental.
Marina Gusmão Caminha Especialista em TCC (Unisinos). Coordenadora do Cur-
so de Especialização em TCC na Infância e Adolescência (INFAPA-TCC) e do Am­
bulatório de atendimento de TCC na infância e adolescência (INFAPA-TCC), Auto­
ra e co-autora de cinco publicações na área de TCC na infância e adolescência, cria­
dora do protocolo TRI (Terapia de Reciclagem na Infância).
Mario Francisco Juruena. Doutor em Psiquiatria (University ofLondon) e Pós-Dou-
torado (USP). Mestre em Affective Neuroscience (Universitei Maastricht, Holanda).
Professor de Psiquiatria no Departamento de Neurociências e Comportamento
(USP), Coord. Programa de Assistência, Ensino e Pesquisa em Estresse, Trauma e
Doenças Afetivas (EsTraDA) do HC (FMRP-USP). Professor Convidado (Senior Lec-
turer) (Kings College London). Treinamento em Psicoterapia Cognitiva (Beck Institute
for Cognitive Therapy and Research), Especialista em Psiquiatria no Reino Unido, de
acordo om Medical Royal Colleges.
Nathália Janovik da Silva. Graduada em Medicina (UFPel). Residente de Psiquiatria
no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA/UFRGS).
Nélio Brazão. Doutorando em Psicologia Forense (Faculdade de Psicologia e Ciên­
cias da Educação da Universidade de Coimbra, Portugal), bolsista de doutoramento
da Fundação para a Ciência e a Tecnologia. Mestre em Psicologia Clínica e da Saúde
(Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra,
Portugal). Investigador do CINEICC — Centro de Investigação do Núcleo de Estudos
e Intervenção Cognitivo-Comportamental.
Neri Maurício Piccoloto. Mestre em Psicologia Clínica (PUCRS). Especialista em
Psiquiatria (HPSP), Formação em Terapia do Esquema (New York/New Jersey Institute
ofSchema Therapy), Diretor do Instituto WP.
Paul Gilbert. Doutor em Psicologia Clínica (University of Edinburgh, Reino Uni­
do). Chefe da Mental Health Research Unit e Professor de Psicologia Clínica (Derby
University, Reino Unido). Criador e fundador da Compassionate Mind Foundation e
autor de diversos artigos e livros sobre Terapia Focada na Compaixão.
x Autores

Renato Maiato Caminha, Mestre em Psicologia Social da Personalidade (PUCRS).


Coordenador do Curso de Especialização em TCC e TCC na Infância e Adolescência
(INFAPA-TCC) e do Ambulatório de atendimento de TCC na infância e adolescên­
cia (INFAPA-TCC), Membro fundador e ex-presidente da FBTC (biênio 2005-
2007), criador do protocolo TRI (Terapia de Reciclagem na Infância).
Ricardo da Costa Padovani. Doutor em Educação Especial (UFSCar). Professor Ad­
junto do curso de Psicologia (UNIFESP- Campus Baixada Santista), Especialista em
Terapia Comportamental Cognitiva em Saúde Mental pelo IPq- HC-FMUSP/ Pro­
grama de Ansiedade (AMBAN).
Vinícius Ferreira Borges. Mestre em Análise do Comportamento (UEL). Pesquisa­
dor no Programa de Assistência, Ensino e Pesquisa em Estresse, Trauma e Doenças
Afetivas (EsTraDA) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da Univer­
sidade de São Paulo (USP). Professor assistente do curso de graduação em Psicologia
da Faculdade Patos de Minas (FPM).
Sumário

Prefácio..................................................................................................... 15
David A. Clark

Apresentação............................................................................................ 19
Wilson Vieira Melo

Parte I
Estratégias Psicoterápicas

1 Psicoeducação e Reestruturação Cognitiva........................................ 24


Daniela Zippin Knijnik e Lia Silvia Kunzler

2 Entrevista Motivational............... 57
Elisabeth Meyer

3 Automonitoramento e Resolução de Problemas.................................. 83


Wilson Vieira Melo, Irísmar Reis de Oliveira,
Débora Cristina Fava e Daniela Schneider Bakos

4 Estratégias de Manejo do Estresse e da Ansiedade............................. 122


Aline Sardinha e Antonio Egidio Nardí

5 Treino de Habilidades Sociais................................................................ 153


Carmem Beatriz Neufeld e Anelisa Vaz de Carvalho

6 Estratégias Experienciais........................................................................ 186


Marcos Aurélio Mendes e Eliane Mary de Oliveira Falcone
xii Sumário

7 Mindfulness............................................................................................. 209
Carolina B. Menezes, Isadora Klamt-Conceição e Wilson Vieira Melo
8 Prevenção da Recaída..................... 238
Luciano Dias de Mattos Souza, Evelin Franco Kelbert
e Wilson Vieira Melo

Parte il
As Abordagens da Terceira Onda

9 Terapia do Esquema............................................................................... 264


Eliane Mary de Oliveira Falcone

10 Terapia do Esquema Emocional............................................................. 289


Conceição Reis de Sousa e Ricardo da Costa Padovani

11 Terapia Comportamental Dialética........................................................ 314


Wilson Vieira Melo

12 Terapia de Aceitação e Compromisso...................................................... 344


Giovanni Kuckartz Pergher e Wilson Vieira Melo

13 Terapia Focada na Compaixão................................................. 368


Daniel Rijo, Carolina da Motta, Diana Ribeiro da Silva,
Nélio Brazão, Marlene Paulo e Paul Gilbert

14 Terapia Cognitiva Processual.................................................................... 396


Irismar Reis Oliveira e Fernanda Monteiro Landeiro

15 Terapia de Modificação do Viés Atencional.......................................... 435


Fernanda Lopes e Lisiane Bizarro

16 Terapia Metacognitiva............................................................................ 456


Heitor Pontes Hirata e Bernard Pimentel Range

Parte III
Tópicos Especiais

17 Terapia Cognitiva para Crianças de 0 a 6 Anos..................................... 482


Débora Cristina Fava e Wilson Vieira Melo
Sumário xiii

18 Terapia Cognitiva para Crianças de 7 a 12 Anos................................... 511


Marina Gusmão Caminha e Renato Maiato Caminha

19 Terapia Cognitiva no Contexto Pré-Escolar........................................... 529


Débora Cristina Fava

20 Supervisão em Terapia Cognitiva........................................................... 564


Neri Maurício Piccoloto e Luciane Benvegnú Piccoloto

21 Do Laboratório para a Clínica........................... 585


Wilson Vieira Melo, Alcyr Alves de Oliveira Junior e Lisiane Bizarro

22 Psicoterapia e Psicofarmacologia Combinadas


no Tratamento de Transtornos Mentais..................................... 610
Aline André Rodrigues, Nathália Janovik da Silva
e Aristides Volpato Cordioli

23 Neurociência e Terapia Cognitiva............................................... 640


Vinícius Ferreira Borges, Neri Maurício Piccoloto
e Mario Francisco Juruena

24 Psicoterapia e Ciência............................................................................. 661


Alcyr Alves de Oliveira Junior, Ana Carolina Peuker
e Janaína Thais Barbosa Pacheco
Prefácio
David A. Clark

Embora seja difícil concordar sobre a data de nascimento da


terapia cognitivo-comportamental (TCC), há poucas dúvidas de que
sua origem pode ser atribuída ao início da década de 1960, com as
publicações de Aaron T. Beck e Albert Ellis. O livro de Ellis intitulado
Razão e emoção em psicoterapia foi publicado em 1962, na mesma
época em que Beck publicou uma série de ensaios de pesquisa empírica
sobre a cognição na depressão, que apareceram nos Archives ofgeneral
psychiatry (Beck, 1963, 1964). Se tomarmos essas publicações como as
datas de lançamento da TCC, então essa escola de psicoterapia terá
agora 50 anos! Nas últimas cinco décadas, a TCC e seus derivados ge­
raram um empreendimento de pesquisa prodigioso. Muito se apren­
deu sobre a etiología, a persistência e a recuperação de estados psicopa-
tológicos devido ao paradigma cognitivo-comportamental. Temos ago­
ra tratamentos comprovados que são eficazes para uma ampla varie­
dade de transtornos psicológicos, oferecendo alívio e esperança a mi­
lhões de pessoas no mundo todo. Há poucas dúvidas de que a aborda­
gem cognitivo-comportamental tem sido imensamente instrutiva para
aqueles envolvidos nas psicoterapias tradicionais. Sua estrutura concei­
tuai provou ser uma heurística robusta que continua a oferecer novas
percepções (zwzgÃft) das origens e do tratamento de psicopatologia.
Em seus primeiros dias, a TCC foi principalmente uma inicia­
tiva americana e, em seguida, britânica. Ainda hoje Inglaterra e Esta­
dos Unidos continuam a oferecer inovações e novas percepções da TCC,
16 Prefácio

encabeçando o que foi chamado de a “terceira onda” na TCC (ver


Hofmann & Asmundson, 2008).
No entanto, em sua maturidade a TCC se tornou uma escola de
psicoterapia global. Pesquisadores e clínicos do mundo todo estão trans­
formando a TCC, dando contribuições importantes nos campos da
psicopatologia e do tratamento. Em nenhum lugar isso é mais evidente
do que nas contribuições substanciais de pesquisadores e clínicos brasi­
leiros para o avanço da TCC e de suas mais recentes reformulações e
extensões — mindfulness, terapia de aceitação e compromisso e terapia
comportamental dialética. Em 1998, foi formada a Federação Brasileira
de Terapias Cognitivas (FBTC), que é a associação nacional de profis­
sionais e estudantes dedicada à promoção, à pesquisa e ao treinamento
em diferentes formas de TCC no Brasil. Além disso, a FBTC estabeleceu
parcerias com órgãos representativos de outros países, a fim de dar
visibilidade internacional à pesquisa e às inovações brasileiras na TCC.
Ela tem vínculos fortes com a Academy of Cognitive Therapy e com a
Association ofBehavioral and Cognitive Therapies, sendo membro da As­
sociação Latino-Americana de Psicoterapia Cognitiva.
Hoje, universidades e pesquisadores brasileiros estão fazendo
avanços significativos no desenvolvimento da TCC, com vários institu­
tos dedicados ao treinamento de profissionais da saúde mental nas
terapias cognitivas. A criação de revistas científicas especializadas que
publicam artigos sobre terapia cognitiva, tais como a Revista Brasileira
de Terapias Cognitivas e a Revista Brasileira de Terapia Comportamental
e Cognitiva, é um outro marco importante na criação de um ambiente
vibrante e fértil para o desenvolvimento da TCC no Brasil.
O livro atual, Estratégias psicoterápicas e a terceira onda em terapia
cognitiva, organizado pelo Dr. Wilson Melo, professor de Pós-Gra­
duação em Terapia Cognitiva, é um compêndio avançado das mais
recentes inovações na TCC e nas modalidades de terapia da terceira
onda. O material que compõe este livro oferece um panorama fiel e
embasado do estado atual da TCC no Brasil. O Dr. Melo tem um
vasto conhecimento e experiência em treinamento, pesquisa e prática
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 17

de TCC no Brasil. Ele tem as condições para fornecer a energia criativa


necessária para levar esse projeto ambicioso à publicação. Além disso,
com capítulos escritos pelos principais pesquisadores e profissionais
brasileiros, portugueses e britânicos em psicoterapia cognitivo-com-
portamental, o material apresentado neste livro promete esclarecer tan­
to os novatos quanto os especialistas. Ele abrange uma ampla variedade
de abordagens psicoterapêuticas em todas as fases da vida, de modo
que aqueles que trabalham com crianças e adolescentes acharão este
livro tão útil quanto aqueles que trabalham com adultos.
Os primeiros oito capítulos oferecem uma análise profunda das
estratégias terapêuticas fundamentais dentro da TCC. Alguns dos tópi­
cos como entrevista motivacional, estratégias emocionais e mindfidness
são ênfases mais recentes dentro da TCC. Aqueles que estão familia­
rizados com as estratégias-padrão cognitivas e comportamentais serão
beneficiados pela inclusão dessas abordagens mais recentes, juntamente
com estratégias de intervenção comprovadas, como, por exemplo, a
reestruturação cognitiva, o treinamento de habilidades sociais e a so­
lução de problemas.
O segundo conjunto de oito capítulos tem como foco as aborda­
gens da psicoterapia pela “terceira onda”. Isso inclui capítulos sobre
terapia do esquema, terapia comportamental dialética, modificação do
viés de atenção e terapia de aceitação e compromisso. Há uma mistura
interessante de abordagens terapêuticas dentro dessa seção, que o leitor
achará instigante e criativa. Embora a evidência empírica não caminhe
no mesmo ritmo que a criatividade clínica nesses capítulos, o leitor,
mesmo assim, encontrará nessas páginas uma discussão estimulante de
novas idéias que podem infundir uma maior perspicácia nos nossos
modos de oferecer serviços de psicoterapia.
Os oito capítulos finais no livro tratam de temas especiais de
considerável relevância para os clínicos. Três dos capítulos se focalizam
especialmente em crianças e adolescentes. A inclusão de um capítulo
sobre processos cognitivos básicos e de outro sobre a neurociência da
terapia cognitiva articula, no conjunto deste trabalho, temas que não
18 Prefácio

sâo tratados com muita frequência nos manuais de psicoterapia. Con­


siderando os processos cognitivos básicos e a neurociência de um pon­
to de vista mais prático e clínico, esses capítulos têm muito a oferecer
aos leitores em termos de novas idéias estimulantes para pesquisa e
prática de TCC. O capítulo sobre psicofarmacologia e TCC é uma
conclusão adequada que lembra a todos que a maioria dos indivíduos
tratados no mundo real da saúde mental estão utilizando tratamentos
combinados.
Sinto-me muito honrado por ter sido convidado a oferecer este
prefácio em apoio a Estratégias psicoterápicas. Este livro promete dar
uma contribuição valiosa para a pesquisa, o treinamento e a prática de
TCC e para suas elaborações no Brasil. Ele equilibra espaço, profun­
didade e inovação de uma forma que atenderá a comunidade de TCC
no Brasil com uma referência fidedigna e atualizada sobre as aborda­
gens de psicoterapia mais promissoras para os transtornos psicológicos.

Referências

Beck, A. T. (1963). Thinking and depression: 1. Ellis, A. (1962). Reason and emotion in psy­
Idiosyncratic content and cognitive distortions. chotherapy. New York: Stuart.
Archives ofGeneral Psychiatry 9, 324-333.
Hofmann, S. G. & Asmundson, G. J. G.
Beck, A. T. (1964). Thinking and depression: (2008). Acceptance and mindfiJness-based the­
2. Theory and therapy. Archives of General rapy: New wave or old hat? Clinical Psychology
Psychiatry, 10, 561-571. Review, 28,1-16.
Apresentação
Wilson Vieira Melo

Todas as abordagens oriundas das terapias comportamentais,


cognitivas e abordagens da terceira onda possuem muitas técnicas. Te­
nho percebido, por parte de muitos alunos e profissionais, ao longo
dos últimos anos, uma imensa dificuldade em organizar as inúmeras
técnicas dentro das diferentes estratégias psicoterápicas. O objetivo
desta obra é o de contribuir para a organização e o entendimento, de
uma maneira didática, prática e esclarecedora, de para que servem as
técnicas em terapia cognitiva e quais as suas principais aplicabilidades.
A terapia cognitivo-comportamental, ou simplesmente terapia
cognitiva, tem demonstrado grande efetividade nos mais diferentes con­
textos clínicos. Iniciou-se com os trabalhos da terapia comportamental,
ainda no início do século passado, principalmente com intervenções que
se mostraram eficazes no tratamento das fobias e outros transtornos de
ansiedade. Surgia então a terapia comportamental como a segunda gran­
de força dentro das escolas psicoterápicas, vindo atrás apenas da psica­
nálise, que, no início do século passado, era a principal abordagem de
entendimento e de tratamento das então chamadas neuroses e psicoses.
A partir da década de 1960, principalmente, iniciaram os trabalhos
daquela que se tornaria a principal abordagem psicoterápica dos últimos
tempos e a responsável por trazer para o campo das psicoterapias as abor­
dagens baseadas em evidências. Tais abordagens se preocupam em res­
ponder à seguinte questão: o que funciona para tratar o quê? A terapia
cognitiva surge como alternativa para o tratamento dos transtomos de­
20 Apresentação

pressivos, campo onde a terapia comportamental não tinha os mesmos


resultados que demonstrava ter nos transtomos de ansiedade.
Apesar de surgir como um modelo diferente e alternativo ao
modelo comportamental, rapidamente as técnicas eficazes de trata­
mento foram incorporadas pelos cognitivistas em sua prática clínica.
Surgiram então os primeiros modelos cognitivo-comportamentais para
o entendimento das diversas psicopatologias. Atualmente, quando al­
guém diz trabalhar com terapia cognitiva, já está implícito que esse
profissional também se utiliza das ferramentas da terapia comporta­
mental em sua prática clínica.
Alguns teóricos definem as diferentes abordagens das terapias cogni­
tivo-comportamentais (TCCs) em três “ondas” (Hayes, 2004). Dessa for­
ma, o modelo comportamental, calcado nos fundamentos comportamen-
tais de Watson (1913), Skinner (1938), Bandura (1986), Wolpe (1973) e
outros, estariam na chamada primeira onda. A segunda onda inclui as
terapias cognitivo-comportamentais argumentativas, que focam nos ele­
mentos cognitivos, tais como a Terapia Cognitiva (Beck, 1997), a Terapia
Racional-Emotiva (Albert Ellis, 1957a), a Terapia Cognitivo-Construtivista
(Guidano & Liotti, 1983); Mahoney (1998), Neymeier (1997), dentre
outras. Entretanto, o conhecimento não para, e muitas abordagens surgi­
ram, principalmente após a década de 1990, quando grandes avanços co­
meçaram a se desenhar no cenário das psicoterapias baseadas em evidências
(para uma revisão completa, ver Melo, Sardinha, & Levitan, 2014).
A terceira onda, então, é definida pelos modelos mais integrati-
vos e conceituais como a Terapia Comportamental Dialética (Linehan,
1993), a Terapia do Esquema (Young, Klosko, & Weishaar, 2008), a
Terapia de Aceitação e Compromisso (Hayes, Luoma, Bond, Masuda,
& Lillis, 2006), a Terapia do Esquema Emocional (Leahy, Tirch & Na­
politano, 2012), a Terapia Cognitiva Processual (De Oliveira, 2013), a
Terapia Focada na Compaixão (Gilbert, 2009), a Terapia Metacogni-
tiva (Wells, 2008), a Terapia de Modificação do Viés Atencional
(MacLeod, Rutherford, Campbell, Ebsworthy & Holker, 2002), den­
tre outras abordagens.
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 21

Os modelos integrativos da terceira onda são todos aqueles que


se valem dos pressupostos das terapias cognitivo-comportamentais.
Tais pressuposições dão conta de que a atividade cognitiva afeta a emo­
ção e o comportamento. Além disso, indicam que a cognição é passível
de ser monitorada e alterada. Por fim, pressupõem que, alterando-se as
estruturas cognitivas, é possível se modificar também as emoções e o
comportamento subjacente. São chamadas terapias de terceira onda
porque compartilham desse entendimento, e avançaram em conceitos
e entendimentos, além de integrar técnicas de diferentes abordagens.
Muitas dessas teorias utilizam práticas meditacionais como ferramentas
complementares na sua prática clínica, e o Mindfidness é uma das mais
estudadas e aplicadas.
O livro Estratégias psicoterápicas e a terceira onda em terapia cognitiva
apresenta 24 capítulos, divididos em três partes distintas. A primeira delas
aborda as diferentes estratégias psicoterápicas utilizadas nas terapias cogni­
tivas na atualidade. Já a segunda parte apresenta algumas das principais
abordagens da terceira onda em terapia cognitiva. A terceira parte, por
fim, traz alguns dos temas que, apesar do grande potencial de interesse em
terapia cognitiva, têm pouca ou nenhuma bibliografia em português.
Foram convidados alguns dos maiores especialistas no Brasil, em
Portugal e no Reino Unido para escreverem sobre os diversos assuntos
abordados nesta obra. Espero que você aprecie a leitura e que os co­
nhecimentos apresentados neste livro possam ser úteis para melhorar a
prática dos milhares de terapeutas cognitivos que atuam no Brasil.
Gostaria de agradecer a todos os colaboradores, nacionais e es­
trangeiros, que brilhantemente contribuíram para que esta obra fosse
realizada. Em especial, agradeço ao professor David A. Clark, Ph.D,
da University ofNew Brunswick (Canadá), que representa hoje uma das
maiores autoridades mundiais em terapia cognitiva e que gentilmente
escreveu o prefácio desta obra, prestigiando a todos os nossos leitores.
Desejo a todos uma excelente leitura e espero que apreciem a qualidade
de cada um dos capítulos aqui apresentados.
22 Apresentação

Referências
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York: The Guilford Press. Porto Aegre: Artmed.
Parte I
Estratégias
Psicoterápicas

Tas terapias cognitivas, de um modo geral,


I existe um número incontável de técnicas, e
X il muitas vezés não fica Clara para o clínico a
sua real aplicabilidade, tanto em termos de objetivos
quanto no que diz respeito ao aspecto prático de
como ela deva ser utilizada. Um artifício bastante
útil é o de organizar o conhecimento acerca da
aplicabilidade da técnica, categorizando-a de acordo
com a estratégia psicoterápica à qual se destina. Na
Parte I deste livro, serão apresentadas as estratégias
psicoterápicas de uma maneira didática, que auxilie
o leitor na compreensão de como as principais
técnicas em terapia cognitiva podem ser utilizadas e
a quais estratégias psicoterápicas se destinam.
W.VM.
1
Psicoeducação e
Reestruturação Cognitiva

Daniela Zippin Knijnik e Lia Silvia Kunzler

A Psicoeducação e a Reestruturação Cognitiva são duas das principais


estratégias psicoterápicas utilizadas em terapia cognitiva. Elas serão
apresentadas em conjunto neste capítulo, uma vez que a primeira está
diretamente atrelada à segunda. O caráter psicoeducativo da terapia
cognitiva inclui munir o paciente de informações acerca do modelo
cognitivo, bem como do transtorno em questão, quando isso for
indicado. Tais informações precisam ser terapêuticas e personalizadas,
deforma que não existe uma instrução-padrão que sirva para todos os
pacientes. Já a reestruturação cognitiva, que pode ocorrer direta ou in­
diretamente, dependendo da técnica utilizada, está diretamente ligada
às pressuposições básicas da terapia cognitiva, pois: "Não sofremos
com o mal em si, mas da opinião que extraímos dele" (Epicteto, século
I d.C). Modificando as representações mentais, ou seja, as cognições, é
possível modificar o afeto e o comportamento subjacente.
W.V.M.

Este capítulo tem como objetivo apresentar métodos de estru­


turação e psicoeducação bem como técnicas para conceituação e rees­
truturação cognitivas. Os conceitos estão interligados e a divisão em
itens teve um objetivo puramente didático. O texto está organizado
em quatro seções: Métodos de estruturação e psicoeducação; Técnicas
para a psicoeducação; Técnicas de reestruturação cognitiva e utiliza-
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 25

çâo de duas técnicas da terapia cognitivo-comportamental na prática


clínica. Devido à impossibilidade de abordarmos todas as técnicas e
todas as dificuldades enfrentadas pelos pacientes acompanhados, al­
guns itens, ao longo do texto, serão exemplificados com a descrição
de quadros de ansiedade aguda, de consumo excessivo de álcool e
drogas, de ansiedade social, de transtorno da personalidade evitativa e
de depressão.

Métodos de estruturação e psicoeducação

A estruturação (“Fique focado nos problemas principais, e as res­


postas virão”) e a psicoeducação (“Esses métodos podem funcionar
para você”) são processos complementares na terapia cognitivo-com­
portamental (TCC). A estruturação pode gerar esperança, organizar a
direção da terapia, gerar um foco para que os objetivos sejam alcan­
çados, e promover o aprendizado da TCC em si. A psicoeducação é
primariamente direcionada ao ensino dos conceitos centrais da TCC,
mas também favorece a estruturação da terapia porque utiliza métodos
educacionais em cada sessão (como blocos de notas) (Wright, Basco,
& Thase, 2008).
O terapeuta cognitivo-comportamental, de forma colaborativa
com o paciente, estrutura o tratamento ao estabelecer objetivos e agen­
das, checar sintomas, dar e receber feedbacks, e preparar e conferir as
tarefas de casa. Ao conduzir as sessões com efetividade, o terapeuta
tem ainda o papel de ser um bom professor ou coach. Nos moldes do
diálogo socrático, o terapeuta ministra miniaulas, sugere leituras e po­
de utilizar métodos mais modernos e inovadores como a TCC compu­
tadorizada. A reestruturação cognitiva e a psicoeducação funcio­
nam melhor quando integradas na sessão de terapia e utilizadas para
apoiar e facilitar os componentes mais expressivos e emocionais da
mesma (Wright et al., 2008). Nesse sentido, tais estratégias psicoterá-
picas caminham juntas por serem processos terapêuticos complemen­
26 Psicoeducação e Reestruturação Cognitiva

tares quanto à promoção de conhecimento. Técnicas de estruturação


efetivas aumentam o aprendizado por manterem o tratamento orga­
nizado, eficiente e no foco. Boas intervenções de psicoeducação, como
exercícios de tarefa de casa e uso de bloco de notas, são elementos
importantes para a estrutura da TCC. Os objetivos gerais da estru­
turação e da psicoeducação são gerar esperança, aumentar o processo
de aprendizado e a eficácia da terapia, e auxiliar os pacientes a cons­
truir estratégias efetivas de enfrentamento.
Durante a fase mais inicial do tratamento, o terapeuta deve de­
dicar boa parte de seu trabalho à Reestruturação Cognitiva e à Psico­
educação. No entanto, na medida em que a TCC avança para o final, o
paciente se encarrega com mais responsabilidade de definir e manejar os
problemas, sempre com o objetivo de trabalhar no sentido de uma
mudança e aplicar os conceitos principais da TCC em sua rotina diária.
A importância da psicoeducação reside, primeiramente, no fato
de a TCC se basear na ideia de que os pacientes podem aprender novas
habilidades para modificar as cognições, controlar o humor, e fazer
mudanças produtivas no comportamento, com consequente aumento
de motivação e promoção de saúde. Logo, o sucesso de um terapeuta
está diretamente ligado a como essas questões são transmitidas. Em se­
gundo lugar, uma psicoeducação efetiva ao longo do processo terapêu­
tico deverá munir o paciente de conhecimentos e habilidades, tais co­
mo identificar a situaçâo-problema e os pensamentos automáticos,
crenças condicionais e crença nuclear associados, e encontrar soluções
alternativas para os mesmos. Tais conhecimentos e habilidades podem
auxiliar na redução do risco de recaída. Finalmente, a TCC é guiada
no sentido de auxiliar os pacientes a se tornarem seus próprios terapeu­
tas. Nesse sentido, o terapeuta deve educar o seu paciente para que ele
continue a utilizar métodos cognitivos e comportamentais de autoa-
juda após a conclusão da terapia, para que o mesmo participe ativa­
mente de sua recuperação.
Alguns métodos para a promoção da psicoeducação são citados
no Quadro 1.1.
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 27

Quadro 1.1 Métodos de Psicoeducação para TCC


Métodos de psicoeducação para TCC

Ministrar miniaulas

Usar um bloco de notas

Recomendar leituras

Utilizar TCC computadorizada

Realizar exercício sistemático na sessão (ABC, registro de pensamentos disfuncionais,


diagrama cognitivo, entre outros)

Fonte: Adaptado de Wright et ai-, 2008.

Miniaulas
Para auxiliar os pacientes no entendimento de conceitos, são
necessárias, em certos momentos das sessões de terapia, pequenas
explicações ou ilustrações sobre a teoria ou intervenções da TCC.
Recomenda-se o uso de um estilo amigável, interativo e envolvente
em vez de um estilo de palestra. Para estimular o envolvimento do
paciente no processo de aprendizado, perguntas socráticas podem ser
utilizadas. Diagramas cognitivos por escrito ou outras técnicas de
aprendizado podem contribuir para um incremento da psicoeducação.
O diagrama deve mostrar a ligação entre a situação, o pensamento, a
emoção e o comportamento associado. Idealmente, deve ser feito com
um exemplo do próprio paciente. O entendimento adquirido com
essa intervenção de psicoeducação prepara o paciente para o estágio
seguinte da terapia, quando as cognições disfuncionais e estratégias de
enfrentamento serão abordadas.

Bloco de notas da terapia


Exercícios por escrito de sessões de terapia, tarefas de casa, fol­
ders, escalas, anotações sobre insights importantes e outros materiais
28 Psicoeducação e Reestruturação Cognitiva

escritos ou impressos podem ser organizados em um bloco de notas da


terapia. O bloco de notas da terapia sabidamente promove o apren­
dizado, aumenta a adesão às tarefas de casa, e pode auxiliar os pa­
cientes a lembrar de utilizar os conceitos da TCC por anos após o
término da terapia. É importante introduzir essa ideia de bloco de
notas da terapia nas primeiras duas sessões e então reforçar o uso desse
método ao longo das sessões. Outra vantagem desse método é o seu
auxílio à estruturação da TCC, quando pode ser utilizado como rotina
de cada sessão. Existe evidência sobre os benefícios proporcionados
pelo seu uso em pacientes internados por ser um método onde o
aprendizado fica retido (Wright, 'Ihase, & Beck, 1993).

Leituras

Livros, artigos, folhetos informativos, e material da internet são


frequentemente utilizados na TCC para educar os pacientes e para
envolvê-los em exercícios de aprendizagem fora das sessões de terapia.
Recomenda-se que o terapeuta, ao sugerir uma leitura, assinale para o
paciente o que julga ser interessante naquele material, naquele mo­
mento da terapia. O terapeuta deve considerar também, ao recomen­
dar uma leitura, o nível educacional do paciente, sua capacidade cog­
nitiva e sofisticação psicológica, bem como os seus sintomas, de modo
que a sugestão seja apropriada para cada paciente. Em terapias em
grupo o mesmo cuidado deve ser tomado. Atenção especial deve ser
dada a pacientes com necessidades especiais, como dificuldades visuais
(letras maiores) ou auditivas. Desse modo, o terapeuta deve estar aten­
to a cada situação, bem como possuir um amplo arsenal de material de
leitura, áudio e vídeo.

TCC computadorizada

O uso da tecnologia de computadores para auxiliar os tera­


peutas a educar e tratar os seus pacientes é um dos desenvolvimentos
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 29

mais novos na TCC. Nos últimos anos, tem havido um interesse cres­
cente pela ideia de integrar a terapia computadorizada ao processo de
tratamento (Wright, 2004). No tratamento do transtorno de ansiedade
social (TAS), por exemplo, resultados preliminares apontam para uma
possível efetividade de protocolos de TCC virtual devido ao maior
acesso ao tratamento e ao melhor custo-benefício (realidade virtual ou
internet). Há quem questione a perda da relação terapeuta-paciente e/ou
a percepção negativa dos pacientes acerca dos softwares de tratamento.
No entanto, alguns estudos em TCC têm mostrado resultados promis­
sores quanto à aceitação por parte dos pacientes (Wright, J. H., Wright,
A. S., & Salmón, 2002; Wright, 2004; Acarturk, Cuijpers, van Straten
& Graaf, 2009; Cantón, Scott, & Glue, 2012).

Exercício sistemático na sessão


Uma maneira interessante de educar os pacientes sobre os métodos
da TCC consiste em escrever um exemplo de exercício na própria sessão,
durante a explicação do mesmo. Isso pode acelerar o aprendizado do con­
ceito do exercício e a sua fixação. Dessa forma, o paciente adquire um
modelo-padrão de exercício, o qual pode utilizar ao longo da terapia, por
exemplo, o diagrama cognitivo da TCC, o registro de pensamentos (Ellis,
1962; Beck, J, 2013; Greenberger & Padesky, 1999), o Pense saudável
(Figura 1.8) — tomada de decisão e qualidade de vida (Kunzler, 2014) —,
ou, em casos específicos de transtorno de ansiedade social (TAS), o do
ciclo da ansiedade social (Knijnik, 2014) (Figura 1.4).
Os exercícios sistematizados são utilizados para a psicoeducação,
conceituação cognitiva e reestruturação cognitiva de um ou mais níveis
de pensamento: pensamento automático (PA), crença intermediária —
também denominada condicional (CC) — e crença central — também
denominada nuclear (CN).
30 Psicoeducação e Reestruturação Cognitiva

Técnicas para a psicoeducação

Uma das características da TCC é a educação sobre os problemas


enfrentados e os métodos disponíveis de terapia. Com a psicoeducação,
os conceitos são explicados e ilustrados. Ela permeia todo o processo
psicoterápico (Wright, Turkington, Kingdon, & Basco, 2010).

Análise A-B-C e registro de


pensamentos disfiincionais (RPD)

Albert Ellis (1962) propôs um modelo para explicar ao paciente


(e familiarizá-lo com ele) o modelo cognitivo e também para auxiliar
na identificação das cogniçóes (B) que estão situadas entre a situação
em si (A) e as consequências (C). Segundo Ellis, o “A” refere-se aos
eventos ativadores {activating events)-, o “B” refere-se às cogniçóes {be­
ließ), e inclui pensamentos automáticos, crenças condicionais e nuclea­
res e/ou esquemas; e o “C” refere-se às consequências (consequences)
emocionais, comportamentais ou físicas.
A análise A-B-C poderá ser realizada na sessão, com o terapeuta,
bem como na tarefa de casa. Mais adiante na terapia, ao trabalhar com
o RPD — cinco colunas (Beck, J., 2013) —, o terapeuta poderá reforçar
que as três primeiras colunas (situação, pensamento automático e
emoção) correspondem ao A-B-C de Ellis (1962) e as demais colunas
referem-se à resposta adaptativa e ao resultado. Já Greenberger e
Padesky (1999) preferem colocar a emoção (C) antes da cognição (B),
por acreditarem que a emoção esteja, em geral, mais acessível. Em seu
livro A mente vencendo o humor, os autores acrescentam mais duas co­
lunas ao RPD (sete colunas): uma para evidências que comprovam os
pensamentos e outra para evidências que desconfirmam os pensa­
mentos (Greenberg & Padesky, 1999). Cabe ressaltar que o RPD (cin­
co e sete colunas) também pode ser utilizado como técnica de rees­
truturação cognitiva.
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 31

Conceituação cognitiva
É a formulação do caso com base na concepção cognitiva do pa­
ciente e do modelo cognitivo específico de sua psicopatologia. De acordo
com Persons (1989), a conceituação cognitiva é a habilidade clínica mais
importante de domínio do terapeuta cognitivo, pois é a base de todo o
planejamento da terapia. De acordo com Knapp e Rocha (2003), “sem o
entendimento cognitivo do paciente, todo o tratamento será apenas a
aplicação de um punhado de técnicas cognitivas e comportamentais com
resultado pobre, quando não ineficaz”. As autoras enfatizam que a con­
ceituação cognitiva não é uma técnica de reestruturação cognitiva e sim
uma forma de compreensão do caso clínico.

Seta descendente
Após a identificação de pensamentos automáticos, a técnica so­
crática denominada seta descendente envolve o processo de desvendar
camadas das cogniçóes mais profundas para chegar nas crenças condi­
cionais (pressupostos e regras) e nas crenças nucleares. Judith Beck
(2013) sugere que ao perguntar-se o que um pensamento significa para
o paciente, evocam-se crenças condicionais, tais como: “se eu mostrar
minha insegurança, ruborizando, serei humilhado”; ou “se eu não for
impecável no meu comportamento, serei desprezado”. E a pergunta ao
paciente acerca do que o pensamento sugere sobre ele evoca crenças
nucleares, tais como: “eu sou incompetente/incapaz”, “eu sou estranho/
diferente” e “eu sou insignificante/sem valor”. A identificação do nível
de distorção cognitiva é primordial na escolha da técnica mais eficaz
para a reestruturação cognitiva.
Greenberger e Padesky (1999) oferecem a sistematização dos
cinco aspectos das experiências de vida — ambiente, estados de humor,
pensamentos, reações físicas e comportamentos. A título de ilustração,
a Figura 1.1, utilizada para psicoeducação, apresenta a conceituação
cognitiva em um caso de abuso de drogas ilícitas.
32 Psicoeducação e Reestruturação Cognitiva

AMBIENTE

Figura 1.1 Conceituação cognitiva de um caso de abuso de drogas (Padesk, 1999).


Exemplificada por Lia Silvia Kunzler.

Técnicas de reestruturação cognitiva

A TCC ensina ao paciente que existe mais de uma maneira de


ver uma situação e que o seu ponto de vista é uma questão de escolha
(Butler & Hope, 2007). Os pacientes praticam as técnicas de
reestruturação cognitiva nas sessões e fora delas, quando as cognições
são identificadas, analisadas e relativizadas (Picon & Knijnik, 2004). A
seguir apresentaremos algumas técnicas que podem ser usadas para
reestruturar os três níveis de cognição — PA, CC e CN.

A. Pensamentos Automáticos (PAs)


Descoberta guiada (busca de significados)
e questionamento socrático

Uma das pedras angulares da terapia cognitiva é a descoberta


guiada - processo colaborativo em que o terapeuta orienta o paciente
no entendimento de seus problemas e auxilia na exploração de pos-
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 33

síveis soluções e no desenvolvimento de um plano para lidar com as


dificuldades. Realiza-se mediante o questionamento socrático — per­
guntas diretas sobre os pensamentos com respostas abertas, como en­
sinava o filósofo Sócrates (Padesky & Greenberger, 1999).
O seu objetivo é conscientizar a informação para o paciente,
correlacionando as cognições disfimcionais (pensamentos, crenças con­
dicionais e nucleares) a significados idiossincráticos dados à situação, à
emoção e ao comportamento. De acordo com Beck et al. (1979), “o
terapeuta cognitivo deve conversar sobre os dados objetivos e não
convencer o paciente mediante a força dos argumentos”.
Exemplo: “O que está passando pela sua cabeça (pensamento ou
imagem)?”; “E, então?”; “Qual o significado disso?”; “O que poderia
acontecer?”.

Registro de Pensamentos Disfimcionais (RPD)


O RPD também é usado como técnica de reestruturação cogni­
tiva (ver item “Análise A-B-C e registro de pensamentos disfimcionais
(RPD)”). Nessa etapa da terapia, além das técnicas de identificação de
pensamentos disfimcionais, emoções, avaliação do grau de emoção
associada com o pensamento (e do grau de crédito do pensamento),
dispomos das técnicas arroladas a seguir.

Categorização das distorções cognitivas


O fato de identificar a distorção cognitiva e nomeá-la pode pro­
duzir um impacto cognitivo e enfraquecer tais distorções. O enten­
dimento do conceito de cada distorção cognitiva possibilitará que o
paciente fique atento às mesmas em seu cotidiano (Knapp, 2004).
Existe uma lista de distorções cognitivas que deve ser fornecida ao
paciente, e o registro das mesmas é feito na terceira coluna do RPD
(Greenberg & Padesky, 1999) no item “Pensamentos automáticos
(imagens)” ou em uma planilha de automonitoramento. Geralmente
as distorções cognitivas têm intersecções e sobreposições, por isso o
34 Psicoeducação e Reestruturação Cognitiva

paciente apresenta, concomitantemente, mais de uma distorção em


uma mesma situação (Knapp, 2004).
Pacientes que apresentam sintomas de transtorno de ansiedade
social ou ansiedade aguda comumente apresentam comorbidade com
transtorno de personalidade evitativo. Quando o desequilíbrio da
emoção é importante, o paciente pode expressar suas crenças condi­
cionais e nucleares em forma de pensamentos automáticos. Para ilus­
trar algumas distorções cognitivas (para mais informações, ver Capí­
tulo 3), são apresentados alguns exemplos a seguir:

Rotulação: “Eu sou estranho e diferente”.


Leitura Mental: “Ele está pensando que eu sou inferior e não está
gostando da minha conversa”.
Personalização: “Os outros me rejeitarão porque eu não saberei o
que dizer quando nos encontrarmos no bar”.
Desqualificando o positivo: “Não importa que eu tenha apresen­
tado bem o trabalho, porque foi muito fácil”; “Eles só estão elogian­
do o meu trabalho por pena”.
Catastrofização: “Eu sou tão fracassado em encontros sociais, que
não saberei o que falar com os meus colegas”; ou “Se eu não me en­
volver em conversas e fingir que estou bem, os outros nunca não me
aceitarão”.

Exame de evidências
Uma forma efetiva de modificação dos pensamentos automáticos
é ensinar o paciente a pesar as evidências disponíveis pró e contra o
seu pensamento e a buscar interpretações alternativas, adaptativas,
racionais e mais adequadas às evidências (Knapp, 2004). Greenberger
e Padesky (1999), no RPD de sete colunas, incluem duas colunas para
análise de evidências que apoiam (coluna 4) e que não apoiam (colu­
na 5) o pensamento “quente”, para posterior construção de pensamen­
tos alternativos e compensatórios (coluna 6).
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 35

Exemplo clínico de ansiedade aguda

Como instrumento de psicoeducação e para a conceituação cognitiva


de um caso de ansiedade aguda, a Figura 1.2 chama a atenção para os sin­
tomas de ansiedade e fatores que mantêm o cenário da mesma, como o fato
de prestar atenção na sensação física com o consequente uso de uma distor­
ção cognitiva (catastrofização). Nesse sentido, a reestruturação cognitiva será
utilizada para identificar, analisar e relativizar os pensamentos disfuncionais,
através das diferentes técnicas citadas no presente capítulo.

Figura 1.2 Modelo de pânico criado por David Clark, Oxford University, 1986.
Esquematizado em 1988 pelo Centro de Terapia Cognitiva. Traduzido e adaptado
para um exemplo clínico de ansiedade aguda por Lia Silvia Kunzler.
36 Psicoeducação e Reestruturação Cognitiva

Outras técnicas para reestruturação


cognitiva de pensamentos automáticos

Entre tais técnicas, podem-se destacar as seguintes: análise se­


mântica, análise de custo benefício (vantagens e desvantagens), coloca­
ção da situação em perspectiva, construção de explicações alternativas,
descatastrofização, reatribução, ressignificação, padrões duplos (dois
pesos, duas medidas), distinção de comportamentos de pessoas, exame
de contradições internas, transformação de adversidade em vantagem,
a própria educação sobre o transtorno, uso de metáforas e exposição à
imaginação.

B. Crenças Condicionais (CCs)

A técnica da seta descendente e a identificação de temáticas re­


correntes auxiliam na identificação de pressupostos e regras — CCs.
Com frequência, elas são identificadas pela estrutura “Se ..., então ...”.
Quando o paciente apresenta dificuldade em sua construção, o tera­
peuta fornece a primeira parte “Se ...” e solicita que o paciente com­
plete com “então...”.
O desenvolvimento de pressupostos e regras adaptativas, o role
play racional-emocional, o uso da imaginação e a adequação histórica
fundamentam a reestruturação cognitiva em nível de CCs. A CC é
testada por meio dos experimentos comportamentais.
Na presente seção, ilustraremos essas técnicas mediante um
exemplo clínico de um caso de uso abusivo de drogas (item ” Exemplo
clínico de modificação de crenças condicionais em uso abusivo de
drogas”; Figura 1.3) em que foi utilizada a técnica de análise de custo-
benefício por meio de listas de vantagens e desvantagens e de exemplos
de cartões de enfrentamento (item “A construção de cartões de enfren-
tamento”).
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 37

Figura 1.3 Terapia cognitiva para desafios clínicos. Judith S. Beck, 2007. Adaptado
para um exemplo clínico de uso de drogas por Lia Silvia Kunzler.
38 Psicoeducação e Reestruturação Cognitiva

Exemplo clínico de modificação de crenças


condicionais em uso abusivo de drogas
Apresentar o cenário do comportamento abusivo do uso de drogas
ajudou uma paciente a entender porque estava sendo tao difícil “largar as
drogas e ficar limpa”. O uso de drogas era mantido por uma amenizaçáo
imediata da ansiedade. Foi proposta a reestruturação em nível de Cl e a
análise de custo-benefício (vantagens e desvantagens) para posterior prepa­
ração cognitiva para os experimentos comportamentais.

A construção de cartões de enfrentamento


Blackburn e Davidson (conforme citados por Knapp, 2004)
propuseram que os pacientes substituam as suposições e regras dis-
funcionais por cognições saudáveis. Essa técnica foi chamada por
Burns, em 1980, de “reescrever as regras” (Knapp, 2004). As cognições
saudáveis são escritas em cartões maiores ou menores, que podem ser
carregados na carteira ou em blocos e cadernos maiores, e são co­
nhecidos como cartões de enfrentamento. Eles são utilizados pelos
pacientes em situações de desequilíbrio da emoção, o que facilita a
interpretação ponderada dos fatos e ajuda a evitar o retorno dos sinto­
mas. O paciente é orientado a lê-los regularmente, por exemplo, três
vezes ao dia (Beck, J. 2013; Knapp, Luz Jr., & Baldisserotto, 2001;
WrightJ. H., 2008).
Após o preenchimento dos exercícios da presente seção, algumas
ponderações foram anotadas no bloco de notas e cartões de enfrenta­
mento foram registrados. Cada paciente deve construir os seus cartões
de enfrentamento com frases que o ajudem a alcançar seus objetivos
determinados na terapia. Alguns exemplos são apresentados a seguir:
• “Sentir ansiedade e medo é natural, porém eu posso aprender
a reagir com a minha razão e não com a minha emoção.”
• “Para investir em minha autoestima, é importante que eu es­
teja atento às minhas qualidades. Para melhorar minha au­
toconfiança, o melhor é valorizar os meus progressos.”
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 39

® “Investir na autoestima e na autoconfiança é a melhor opção


para me sentir bem.”
9 “Ao sentir medo, me pergunto: O que é mais provável que
aconteça nesta situação?”.
• “Para controlar a ansiedade, devo descomplicar a situação e
reconhecer os recursos que tenho para lidar com ela.”
• “Quando sinto ansiedade, devo lembrar que não posso acredi­
tar em tudo o que passa pela minha cabeça, até porque será sempre
algo catastrófico.”
® “Se o meu objetivo é ficar livre das drogas, então qual é a opção
mais saudável de pensar e agir? Agindo assim, como é que eu me
sentirei?”
• “O que é que eu diria para um amigo fazer nessa situação?”

C. Crenças nucleares (CNs)

As crenças formam os esquemas e estão no nível mais profundo da


cognição. Nesse nível as técnicas anteriormente citadas, tanto para Pensa­
mentos Automáticos (PAs) quanto para Crenças Condicionais (CCs) po­
dem ser utilizadas. As CNs e esquemas demandam mais tempo para serem
modificadas, por serem inflexíveis. De acordo com Padesky (1994) quatro
técnicas podem ser utilizadas: amtinuum, registro de CN (evidências de
que não são 100% válidas para a construção das crenças mais adaptativas),
agir “como se” e reestruturar memória. A psicoeducação, abordada no iní­
cio deste capítulo, é de extrema valia nessa etapa da terapia. Mais recen­
temente, a terapia cognitivo-processual (TCP) vem sendo proposta como
técnica para reestruturação de crenças nucleares.

Terapia cognitivo-processual (TCP)

Landeiro e de Oliveira (2014) apresentam a terapia cognitivo-


processual (TCP) como uma abordagem desenvolvida para modificar
crenças nucleares. O Processo I e o Processo II são duas das principais
40 Psicoeducação e Reestruturação Cognitiva

técnicas daTCP. Landeiro et al. (2014) e Powell et al. (2013) condu­


ziram um ensaio clínico randomizado no qual o Processo I (n = 17) foi
comparado com técnicas cognitivas-padrão (n = 19). No Questionário de
Qualidade de Vida — SF 36, o Processo I mostrou-se mais eficaz nos
domínios: dor corporal, funcionamento social e papel emocional (para
maiores informações, ver Capítulo 14).

Utilização de duas técnicas da TCC na prática clínica

Beck et al. (1987) propõem a hipótese da especificidade de


conteúdo, onde cada transtorno mental possui o seu conteúdo cogni­
tivo específico, ou seja, um modelo cognitivo próprio. A aplicação das
técnicas será ilustrada através de um caso clínico de Transtorno de An­
siedade Social (TAS).
Nas fobias em geral, o cerne do conteúdo cognitivo é a intrusão de
pensamentos involuntários e ameaçadores em determinadas situações.
Mais especificamente no TAS, também conhecido como fobia social,
existe um medo intenso e persistente (mínimo seis meses de duração) de
agir de determinada forma ou mostrar sintomas de ansiedade que serão
avaliados negativamente pelos outros. Os medos incluem situações de
interação social (por exemplo, conversar com pessoas), de ser observado
(ao comer, beber ou escrever em público, por exemplo) ou de desempenho
(por exemplo, falar em público), nas quais o indivíduo teme estar sendo
julgado pelos outros. As situações sociais são evitadas ou enfrentadas com
intenso medo ou ansiedade (APA-DSM-V). Nesse sentido, a psicoedu­
cação no TAS é elemento crucial no manejo da ansiedade (Acarturk et al,,
2009; Canton, Scott, &c Glue, 2012).
Na TCC para o TAS são realizadas duas sessões de psicoeducação no
início do tratamento. O objetivo é esclarecer o maior numero de informa­
ções para maximizar o entendimento acerca do transtorno e de seu trata­
mento (TCC, medicamentoso ou combinado) e minimizar o uso de colo­
cações oriundas da falta de informação por parte dos familiares. A impor­
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 41

tância de incluir a família e/ou professores no tratamento faz parte do pro­


cesso de psicoeducação e pode auxiliar na reestruturação cognitiva.
Nesse sentido, é fundamental que, nas sessões de psicoeducação, as
seguintes informações sejam incluídas: modelo etiológico múltiplo do
TAS (fatores genéticos, ambientais, modelagem), diferença entre timidez e
TAS, gravidade do IAS, grau de sofrimento e comprometimento da
qualidade de vida (acadêmica, profissional, familiar, interpessoal e afetiva)
bem como diminuição ou ausência de habilidades sociais.
Ao longo do processo de psicoeducação, deve ser enfatizada a im­
portância do reconhecimento das situações sociais temidas, das cogni-
ções disfuncionais a elas associados e do papel dos comportamentos de
segurança na evitação das situações sociais e consequente manutenção
do TAS. Com o intuito de “empoderar” o paciente, é importante que o
mesmo compreenda o papel dos pensamentos alternativos — reestru­
turação cognitiva — como ferramenta para aumento da capacidade de
lidar com as situações sociais temidas.
Sentir medo de ser julgado e criticado não é por si só um pro­
blema. Ele é natural e experimentado por diversas pessoas em dife­
rentes situações e contextos sociais. Esse medo faz com que, em geral,
as pessoas mantenham comportamentos para alcançar objetivos e pro­
curem interagir da melhor forma com os demais. Porém, quando esse
medo é excessivo, ele passa a ser um problema. A pessoa mantém o
foco somente na avaliação que as outras pessoas possam estar fazendo
dela e prejudica o seu investimento em comportamentos necessários
para que alcance os seus objetivos. Com isso, a evitação de situações
sociais e o isolamento parecem ser a solução, mas, na verdade, passam
a ser um problema e são mantidos por suposições distorcidas, tais
como: “Se eu entrar em sala de aula ficarei muito ansioso e todos me
julgarão. Então, para que eu consiga acalmar, a melhor opção é evitar
a situação temida”. A emoção em desequilíbrio faz com que a pessoa
não questione o que está passando pela sua cabeça — ela simplesmente
acredita. Os exercícios proporcionam que algumas reflexões sejam
feitas quando o paciente perceba uma piora da emoção e tome a sua
42 Psicoeducação e Reestruturação Cognitiva

decisão sobre a forma mais saudável de pensar, de se comportar e,


consequentemente, de se sentir.
Duas técnicas são apresentadas e sua aplicação é baseada no exemplo
clínico de Paulo. A primeira delas - Ciclos da ansiedade social (Figuras 1.4
e 1.5) e Ciclo alternativo da ansiedade social (Figuras 1.6 e 1.7) — foi
elaborada específicamente para os casos de TAS. A segunda delas — Pense
saudável: tomada de decisão e qualidade de vida — pode ser aplicada em
diversos casos, adaptando-se o seu preenchimento à conceituação específica
do problema (Figuras 1.8 e 1.9). Na presente seção, utilizamos também os
sintomas depressivos associados à ansiedade social para o preenchimento
do exercício sistematizado (Figura 1.10). As duas técnicas são eficazes para
a reestruturação dos três níveis de cognição (PA, CC e CN).

Exemplo clínico

Paulo, 22 anos é estudante do segundo semestre de arquitetura. Na


avaliação inicial, teve o diagnóstico de TAS grave, depressão grave secundá­
ria e transtomo de personalidade evitativa com prejuízo importante em
qualidade de vida em vários âmbitos: familiar, acadêmico e afetivo.
Apresentava dificuldades inclusive em casa, referindo vergonha
por não ter amigos e por ficar calado em reuniões de família, evitando
chamar atenção sobre si mesmo e desconfiando quando algum familiar
“puxava” conversa. O local onde sentia menos ansiedade era no seu
quarto, passando várias horas do dia isolado diante do computador.
Na universidade, apresentava dificuldade em falar em sala de aula
com os colegas (e mesmo em cumprimentá-los) e de sair da sala nos in­
tervalos (permanecia em sua classe, com fones de ouvido, torcendo para
que ninguém falasse com ele). Quando o professor propunha uma ativida­
de em grupo, Paulo sobrava, pois não conseguia convidar colegas e nem ser
convidado, devido à sua inabilidade social. Quando havia uma apresentação
de trabalho em sala de aula (falar em público), a primeira coisa que passava
em sua mente era faltar aula ou, conforme o grau de ansiedade, minutos
antes de ser chamado, retirar-se. Somente em duas ocasiões, conseguiu fazê-
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 43

lo, com muita dificuldade e sofrimento (decorou o texto, falou sem pausas
e rápido e náo olhou nos olhos dos colegas e professor).
Nas situações sociais apresentadas, experimentava medo e ansiedade
intensos (taquicardia, brancos, rubor facial, sudorese) e quase incapacitan­
tes. Paulo era invadido pelas seguintes cogniçóes: “os meus colegas perce­
berão que eu sou estranho e me rejeitarão”; “eles são superiores porque
apresentam trabalhos naturalmente”; “na hora eu não saberei o que falar”;
“eu nunca serei aprovado nessa cadeira” e “se sempre que eu tento apre­
sentar um trabalho, é um ‘fiasco’, então não tem porque eu seguir na fa­
culdade”. Sendo assim, em sala de aula, temia o julgamento negativo por
parte dos colegas e receava que o percebessem como estranho e inferior,
com consequente diminuição de sua autoestima.
A primeira opção terapêutica foi prescrever medicação antide-
pressiva, para combater os sintomas de ansiedade e depressão associados,
e iniciar a psicoeducação do paciente e de seus familiares. Em 12 sema­
nas, Paulo apresentou melhora leve dos sintomas. Nesse momento, foi
indicado TCC individual (protocolo específico para TAS).
Os dados apresentados em forma de texto no exemplo clínico de
Paulo foram resumidos e utilizados no preenchimento de dois exercícios
propostos para reestruturação cognitiva (Figuras 1.5 e 1.7 — Knijnik,
2014 — e Figuras 1.8, 1.9 e 1.10 — Kunzler, 2014). Exercícios em branco
são oferecidos nos Anexos 1, 2 e 3 para que sejam utilizados em outras
situações, tanto durante as sessões de terapia quanto fora delas, quando
as habilidades cognitivas e comportamentais devem ser praticadas para
a manutenção da melhora e prevenção de recaídas.
Como é feito em uma sessão de terapia, o paciente aborda e de­
talha o seu raciocínio e, colaborativamente com o terapeuta, os dados
mais relevantes são utilizados tanto para o preenchimento dos exercí­
cios quanto para registro no seu bloco de notas e para a construção de
cartões de enfrentamento. Esse processo auxilia o paciente a ter a
mesma conduta fora das sessões — no seu dia a dia, pois torna claro
que ele toma a sua decisão de manter o foco nas dificuldades e no
descontrole da emoção ou em uma maneira alternativa de “pensar e
agir” naquela situação geradora de ansiedade aguda e depressão.
44 Psicoeducação e Reestruturação Cognitiva

O ciclo da ansiedade social e o ciclo


alternativo da ansiedade social

O ciclo da ansiedade social (Figura 1.4) foi desenvolvido especí­


ficamente para pacientes com TAS com o objetivo de ilustrar o papel
das disfunções cognitivas (em seus três níveis) na manutenção desse
transtorno. A figura de um pneu de carro “quadrado” é composta por
seis caselas. Em um modelo meramente didático, consideramos a
casela “situação social temida” como o ponto de partida do ciclo. No
sentido horário, a segunda casela refere-se aos pensamentos auto­
máticos na situação social temida; a terceira, aos sintomas físicos de
medo e ansiedade na situação social temida; a quarta, aos compor­
tamentos de segurança adotados na situação social temida, a quinta,
refere-se às crenças condicionais negativas, e a sexta, às crenças nuclea­
res associadas a autoestima diminuída. A Figura 1.5 representa o ciclo
da ansiedade social do caso clínico de Paulo.
O ciclo alternativo da ansiedade social (Figura 1.6) foi desen­
volvido específicamente para pacientes com TAS com o objetivo de
ilustrar o papel da psicoeducação e das técnicas de reestruturação cog­
nitiva na modificação das disfunções cognitivas (em seus três níveis)
com consequente melhora do TAS. A figura de um pneu de carro
“redondo” é composta por seis caselas. Em um modelo meramente
didático, consideramos a casela “situação social temida” como o ponto
de partida do ciclo. No sentido horário, a segunda casela refere-se aos
pensamentos automáticos na situação social temida; a terceira, aos
sintomas físicos de medo e ansiedade na situação social temida; a
quarta, aos comportamentos de enfrentamento adotados na situação
social temida, a quinta refere-se às crenças condicionais positivas e a
sexta, às crenças nucleares associadas ao aumento da autoestima. A
Figura 1.7 representa o ciclo alternativo da ansiedade social do caso
clínico de Paulo.
O mesmo material é fornecido em branco ao paciente, de modo
que possa praticar entre as sessões (Anexos 1 e 2).
Estratégias Psicoterapicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 45

’As figuras em cores estão disponíveis emwww.sinopsyseditora.com.br/eptocfor


46 Psicoeducação e Reestruturação Cognitiva

Figura 1.7 Ciclo alternativo da ansiedade social. Exemplo típico.


As figuras em cores estão disponíveis em www.sinopsyseditora.com.br/eptocfor
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 47

Pense saudável - tomada de decisão e qualidade de vida

Em 2006, uma figura contendo somente um abacate era utili­


zada para abordar a conceituaçâo da doença e da saúde. A partir dela,
uma técnica de intervenção específica denominada “Pense saudável —
tomada de decisão e qualidade de vida” foi elaborada, sendo periodica­
mente aprimorada (Kunzler, 2008; Kunzler, 2011; Kunzler & Araújo,
2013; Kunzler, 2014). A fotografia de um “abacate acinzentado” repre­
senta as emoções, os pensamentos e os comportamentos não saudáveis
e o mesmo “abacate natural” representa as emoções, os pensamentos e
os comportamentos saudáveis — também observado no “comporta­
mento de pensar saudável”. Além de facilitar a conceituaçâo cognitiva
da doença e da saúde, a sistematização da técnica tem como objetivo a
reestruturação cognitiva, a construção e manutenção de comporta­
mentos saudáveis e a amenização de emoções em desequilíbrio. A téc­
nica também é chamada de “Pense saudável e sinta a diferença”.
Apesar da doença ou de uma dificuldade, o paciente percebe seu
padrão não saudável e investe em um padrão saudável. A principal
reflexão é: “Se o meu objetivo é investir em minha saúde física e men­
tal, o que é que eu devo fazer agora?”.
A Figura 1.8 oferece as orientações para o preenchimento do
exercício proposto para reestruturação cognitiva. As Figuras 1.9 e 1.10,
respectivamente no TAS e na depressão secundária ao TAS, apresentam
o caso clínico de Paulo, em cinco Etapas.
O ponto de partida do exercício é a identificação da situação vi­
vida e da emoção em desequilíbrio, dos pensamentos associados e dos
comportamentos não saudáveis ou indesejados (Etapa 1).
Na Etapa 2 é promovida a aceitação da situação e da emoção em
desequilíbrio (o que não significa concordar) e são reestruturados seus
pensamentos e comportamentos, saudáveis e possíveis. Cabe ressaltar
que a emoção em desequilíbrio aciona sucessivamente os pensamentos
e comportamentos não saudáveis, voltando ao padrão não saudável e
distorcido (Etapa 3), semelhante à Etapa 1.
48 Psicoeducação e Reestruturação Cognitiva

Figura 1.8 Pense saudável - tomada de decisão e qualidade de vida: orientações


para o preenchimento.
’ A figura em cores está disponível em www.sinopsyseditora.com.br/eptocfor
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 49

Figura 1.9 Pense saudável - tomada de decisão e qualidade de vida: exemplo


clínico de TAS.
’ A figura em cores está disponível em www.sinopsysedirora.com.br/eptocfor
50 Psicoeducação e Reestruturação Cognitiva

Figura 1.10 Pense saudável - tomada de decisão e qualidade de vida: depressão


secundária ao TAS.
A figura em cores está disponível em www.sinopsyseditora.com.br/eptocfor
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 51

A mudança de comportamento é facilitada pela maximização


das desvantagens em manter os sintomas, mediante uma lista que
compõe a Etapa 4. A mudança também é facilitada pela reflexão sobre
as vantagens em aprender a lidar com a emoção em desequilíbrio,
equilibrando-a, com o auxílio das técnicas cognitivas e comportamen-
tais aprendidas nas sessões de terapia (Etapa 5).
A Etapa 5 também é composta por (A) pensamentos alternativos
e compensatórios, objetivos traçados, comportamentos saudáveis, rela-
tivização da gravidade da situação e valorização das qualidades pes­
soais e dos progressos e (B) reflexões, tais como: “O que é que eu diria
para uma pessoa, de que gosto e que está passando pelo mesmo
problema que eu? O que pensar? Como se comportar? E como é que
ela se sentiría?”, e “De acordo com meu objetivo, o que é mais sau­
dável fazer agora?”.

Considerações finais

O presente capítulo apresenta métodos de estruturação e psi-


coeducação e técnicas de psicoeducação, conceituação e reestrutu­
ração cognitivas. Os conceitos estão interligados e a divisão em itens
teve um objetivo puramente didático. Existem diversas técnicas cog-
nitivo-comportamentais e algumas delas são descritas neste capítulo.
Duas técnicas elaboradas e aprimoradas servem de exemplo de rees­
truturação cognitiva nos três níveis de pensamento. A TCC requer
um investimento constante, uma postura ativa e uma aliança tera­
pêutica saudável. E importante que o terapeuta esteja atento às suas
próprias emoções, pensamentos e comportamentos em relação ao pa­
ciente e à sua evolução.
52 Psicoeducação e Reestruturação Cognitiva

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54 Psicoeducação e Reestruturação Cognitiva

Anexo 1 Ciclo da ansiedade social - Exercício

A figura em cores está disponível em www.sinopsyseditora.com.br/eprocfor


Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 55

Anexo 2 Ciclo alternativo


da ansiedade social - Exercício

A figura em cores está disponível em www.sinopsyseditora.com.br/eptocfor


56 Psicoeducação e Reestruturação Cognitiva

Anexo 3 Pense saudável - tomada de decisão


e qualidade de vida - para preenchimento

* A figura em cores está disponível em www.sinopsyseditora.com.br/eptocfor


Entrevista Motivacional

Elisabeth Meyer

A ambivalência é uma das características mais comumente observadas


nos pacientes quando buscam modificar padrões cognitivos e compor-
tamentais. A Entrevista Motivacional é um modelo de tratamento ori­
ginário da dependência química que se tornou uma eurística no tra­
tamento de diversos outros transtornos mentais. Trata-se de uma pos­
tura terapêutica empática e altamente técnica que se mostrou efetiva
como um elemento de motivação e de persuasão para a aceitação do
tratamento e comprometimento para com as suas metas. O modelo
desenvolvido pode ser utilizado no início do tratamento como ferra­
menta motivadora, ou ainda nos momentos de impasse, a fim de res­
gatar a postura colaborativa do paciente. O caráter eclético da inter­
venção faz com que ela possa ser utilizada como uma estratégia psi-
coterápica eficaz e compatível com as demais estratégias terapêuticas
atualmente disponíveis em terapia cognitiva e apresentada nos demais
capítulos deste livro.
. ' W.V.M.

Os resultados obtidos com a Terapia Cognitivo-Comportamental


(TCC) estão longe de ser universalmente positivos. Tanto na prática
clínica quanto no contexto da pesquisa, é possível observar que nem
todos os pacientes respondem ao tratamento ou alcançam os resultados
esperados. Indubitavelmente, é necessário compreender quais variáveis
58 Entrevista Motivacional

podem comprometer o bom andamento do tratamento. Além disso, é


importante que o terapeuta tenha um arsenal de estrategias das quais
possa lançar máo quando certificar-se de que o paciente apresenta
dificuldade em tirar o máximo proveito daTCC. Como assinalado por
Beck (2013), aTCC, frente às dificuldades e à fase de vida do paciente,
utiliza uma diversidade de técnicas de outros referenciais teóricos para
alcançar os objetivos da sessão e do plano de tratamento. O objetivo
deste capítulo é apresentar um estilo de comunicação colaborativa, a
Entrevista Motivacional (EM), que é uma ferramenta a ser adicionada
ao repertorio do terapeuta cognitivo-comportamental.
Enquanto alguns pacientes estão nitidamente dispostos a com-
prometer-se com a dinâmica do tratamento como um todo, outros pa­
recem indecisos. Um dos fatores que podem atuar diretamente na
resposta pobre ao tratamento é o paciente não se aperceber da relu­
tância em mudar. Por exemplo: “O meu pessoal fica jogando na minha
cara que não faço nada para mudar, mas eu não falto a nenhuma ses­
são, não é verdade? O que mais eles querem de mim?”. Outro indica­
tivo dessa fraca adesão está em o paciente demonstrar menor motiva­
ção à mudança do que seria o ideal, como exemplificado por comen­
tário do tipo: “Sei não, se deixo de fumar, acabo engordando". Sendo
assim, a resistência e/ou a não adesão podem sinalizar uma baixa moti­
vação ao tratamento oü à mudança de comportamento. Como aponta­
do por Moyers e Martín (2006), o objetivo básico da EM é aumentar
a intensidade do comprometimento do paciente com a mudança.
A ambivalência a respeito da mudança ou a não adesão às ativi­
dades durante a sessão e entre elas — um ponto-chave para a eficácia do
tratamento da TCC — podem surgir a qualquer momento nas sessões.
O exemplo a seguir ilustra essa disposição: “Não quero continuar fa­
zendo essa bobagem do RPD. Como isso vai me ajudar a monitorar o
meu pensamento de fracassada? Eu venho aqui para me sentir melhor,
e prestar atenção a essas coisas faz com que eu saia daqui ainda pior”.
A adesão aos exercícios de casa inferior à esperada é comumente obser­
vada em pesquisas que empregam a TCC. Os achados de Aviram e
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 59

Westra (2011) sugerem que a não adesão, a ambivalência e a resistência


à mudança podem interferir significativamente na resposta àTCC. Com
isso em mente, o terapeuta, desde o início, deve preocupar-se com o
envolvimento do paciente na sessão, o que conduzirá ao aumento da
participação deste na terapia e também ao melhor resultado final da
TCC. Em vez de se concentrar exclusivamente na adesão às tarefas do
tratamento, o terapeuta cognitivo-comportamental deveria aspirar de
forma mais ampla o engajamento ativo dentro das sessões.
Como apontado por Westra (2004), quando temos uma “dupla”
em que o paciente demonstra muita resistência e o terapeuta termina
por assumir mais a tarefa da sessão do que o próprio paciente, podem
surgir no terapeuta sentimentos de frustração e de impotência que
bloqueiam sua capacidade de ajudar o paciente a progredir. Como
observado por Miller e Rollnick (2002), muitas vezes essa situação
acaba por impactar negativamente a relação terapêutica, em especial
quando o terapeuta passa a categorizar seus pacientes como “motivados
ou desmotivados para a mudança”. Durante “discussões de caso”, seja
em eventos científicos seja em supervisões coletivas ou individuais, é
corriqueiro ouvir o terapeuta responsável pela apresentação declarar:
“A equipe toda está muito preocupada com esse paciente. Ele não faz
nada do que é combinado e, por vezes, falta às consultas. A impressão
que dá é a de que ele não está nem aí para o que acontece com ele e,
assim, a sua falta de motivação e de compromisso desestimula a todos,
inclusive a mim”. A prática clínica e as pesquisas ensinam que, em
realidade, quem precisa ouvir-se dizendo “estou muito preocupado
com isso” é o paciente, não o terapeuta ou a equipe. Estudos apre­
sentados por Miller (2001) e Beck (2013) chamam a atenção para o
fato de que o mais poderoso agente de mudança é a relação tera­
pêutica, e não qualquer técnica específica.
Por fim, muitas vezes a resistência e/ou a não adesão também
podem ser expressão de oposição ao plano de tratamento escolhido
pelo terapeuta. Nesse caso, a orientação à resolução de problemas, um
dos princípios básicos da TCC (Beck, 2013), simplesmente não fim-
60 Entrevista Motivacional

ciona. Em tais casos, pode-se ouvir: “Combinar todos esses exercícios


de casa é colocar muita pressão sobre mim”. Segundo Beuder, Harwood,
Michelson, Song e Holman (2011), abordagens mais encorajadoras e
menos diretivas atenuam a resistência e fortalecem a cooperação na
terapia. Tendo isso em mente, identificar e manejar de forma eficaz a
resistência e a ambivalência desde o início da TCC passam a ser im-
portantes habilidades terapêuticas. Aperfeiçoar as habilidades de obser­
vação para detectar qualquer tipo de resistência na sessão é urna meta a
ser perseguida, pois possibilita que o terapeuta cognitivo-compor-
tamental antecipe e trate as questões relativas à ambivalência e à adesão
ao tratamento mais precocemente no curso da terapia.
Pacientes fazem escolhas e não podemos, nem desejamos, tirar isso
deles. Ao contrário, devemos ajudá-los a fazer as escolhas que julgam
melhores para si. Ainda que a TCC esteja bem estabelecida teorica­
mente, ela não será eficaz sem o comprometimento do paciente. Todo
terapeuta já passou pela experiência de ponderar a respeito de qual a
melhor estratégia para modificar as expectativas irreais do paciente quan­
to ao tratamento ou como melhorar a autoeficácia. Mais do que isso, ao
trabalharmos com um paciente ambivalente, muitas vezes nos interro­
gamos sobre como assegurar e manter a participação na proposta do tra­
tamento, em especial nos exercícios na sessão e entre elas.
O respeito à motivação pessoal é um constructo fundamental na
EM, pois é essa motivação que possibilita maior compromisso e manu­
tenção do novo comportamento em longo prazo. Ainda, a importância
da motivação intrínseca tem sido diretamente relacionada à participação
e aos resultados do tratamento, como confirma o estudo de Markland,
Ryan, Tobin e Rollnick (2005). Destarte, ajudar o paciente a ouvir-se
falar e a resolver a sua ambivalência em relação à mudança do compor­
tamento, usando a sua própria motivação, energia e comprometimento,
é o foco quando se usa a EM. Mais do que isso, a EM é baseada na
tarefa, central para a modificação do comportamento, de encorajar a
mudança por meio de um relacionamento de trabalho não julgamental,
que forneça apoio contínuo e respeite efetivamente a autonomia, a qual
deveria ser considerada uma necessidade fundamental do ser humano.
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 61

Pesquisas que associam Entrevista Motívacional


e Terapia cognitivo-comportamental

A EM, como assinalam Miller e Rollnick (2013), tem causado


grande interesse em diferentes países nos últimos 30 anos, tanto de clí­
nicos de diferentes referenciais teóricos, quanto de pesquisadores das
diversas áreas compreendidas no âmbito da saúde. E possível hipotetizar
que esse fenômeno ocorra porque a EM é percebida como uma aborda­
gem útil para aumentar a adesão do paciente às diferentes propostas de
tratamento. Conforme Burke (2011), apesar do seu suporte empírico, os
resultados da TCC ainda são prejudicados pelas altas taxas de recaída e
de abandono que, normalmente, se situam em torno de 50%.
A literatura científica, segundo Buckner e Schmidt (2009), apre­
senta resultados de estudos que associaram EM às abordagens psicote­
rápicas de diferentes escolas como, dentre outras, a da terapia cogniti­
vo-comportamental. Nesses estudos, a EM foi utilizada antes de se ini­
ciar a TCC ou concomitantemente a ela. Além da área das adições, a
EM tem sido empregada em uma grande variedade de problemas clíni­
cos, incluindo o Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG), o Trans­
torno Obsessivo-Compulsivo (TOC), a Depressão, o Transtorno de Stress
Pós-Traumático (TEPT), a Esquizofrenia e o Transtorno Alimentar, além
de pacientes com comportamento suicida ou com diagnósticos duplos.
Enquanto a TCC se concentra na resolução de problemas, em ensinar
novas habilidades de enfirentamento e trabalhar a reestruturação cog­
nitiva, a EM procura auxiliar o paciente a lidar com os obstáculos mo-
tivacionais à mudança, os quais geram problemas de adesão ou culmi­
nam no abandono prematuro do tratamento.
O National Institute for Clinicai Excellence (NICE, 2006), por
exemplo, recomendou que, ao desenvolver abordagens terapêuticas
individuais relacionadas ao uso de substância e aos sintomas bipolares,
se utilize a EM para aumentar a adesão ao tratamento. Para Hobbs,
Kushner, Lee, Reardon e Maurer (2011), as abordagens de tratamento
integrado, com ou sem uso de psicofármacos, já são muitas vezes ba-
62 Entrevista Motivacional

seadas em componentes das intervenções da TCC e/ou EM. Sendo


assim, integrar a TCC e a EM faz sentido.
Ensaios clínicos randomizados com diferentes amostras clínicas
e metanálises têm demonstrado que é possível associar a EM e TCC
sem comprometer os principios básicos de cada abordagem. A seguir,
os resultados de alguns desses estudos serão apresentados brevemente.
Riper et al.(2013) realizaram uma metanálise com foco no tra­
tamento para pacientes adultos jovens com as comorbidades de trans­
torno por uso de álcool e depressão. Foram selecionados estudos que
utilizaram TCC e EM como uma alternativa ao tratamento usual. Os
resultados obtidos demonstraram ser positivo associar TCC e EM no
tratamento para comorbidades clínicas e subclínicas, tanto em amostras
da comunidade quanto clínicas. Outra metanálise, essa de Lundahl,
Tollefson, Kunz, Brownell e Burke (2010), concluiu que os achados
do estudo se mantiveram ao longo do tempo quando a EM foi
utilizada como um adjuvante de outros tratamentos.
Angus e Kagan (2009), por meio do estudo com uma amostra
de pacientes com Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG), de­
monstraram que o terapeuta, ao lançar mão do “espírito” da EM na
TCC, favoreceu resultados terapêuticos mais produtivos. Dados seme­
lhantes foram apresentados no ensaio clínico randomizado de Aviram
e Westra (2011), que avaliaram o efeito de quatro sessões de EM antes
de iniciar a TCC para pacientes com TAG severo. Os resultados suge­
rem que, quando associaram EM e TCC, ocorreu redução da resis­
tência e maior engajamento nas tarefas combinadas entre as sessões.
Houve também maior envolvimento do paciente com o tratamento
como um todo.
Westra, Arkowitz e Dozois (2009) delinearam um ensaio clínico
randomizado com uma amostra de pacientes com TAG com intensi­
dade severa dos sintomas de ansiedade. Os autores adicionaram sessões
de EM antes da TCC que resultaram em significativa redução da preo­
cupação, tanto logo após o final do tratamento quanto no seguimento
de um ano. Ainda na área dos Transtornos de Ansiedade, o estudo de
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 63

Meyer et ai. (2010) verificou que acrescentar duas sessões individuais


de EM à TCC em grupo pode aumentar a efetividade da TCC na re­
dução dos sintomas do Transtorno Obsessivo-compulsivo (TOC).
Hettema, Steele e MilLer (2005) salientam que pacientes que
receberam EM antes da TCC se tornaram mais ativos no tratamento,
apresentaram melhor taxa de retenção e foram julgados mais motiva­
dos pela equipe que conduziu o tratamento. Enquanto isso, Barrowclough
et al. (2007) descreveram a efetividade de tuna intervenção integrada
individual a partir da combinação de estratégias das abordagens de
EM e TCC para o transtorno de humor bipolar. Finalmente, Jones et
al. (2011) combinaram técnicas da EM e da TCC para delinear uma
intervenção de 20 sessões individuais que atendesse pacientes bipolares
com história concomitante de abuso de substâncias. As primeiras ses­
sões utilizaram apenas a abordagem da EM e as demais usaram as
estratégias da TCC e EM de forma integrada.
Hides et al. (2011) delinearam um protocolo que permitiu
verificar se a associação das técnicas da TCC e EM ao tratamento
usual podería melhorar os resultados do tratamento para jovens com
depressão e abuso de substâncias. Os achados mostraram que os
pacientes do “grupo-caso” apresentaram melhora significativa mais
rápida, após três meses da intervenção, no funcionamento geral e na
qualidade de vida. Os pacientes do “grupo-controle” receberam o
tratamento de rotina e apresentaram os mesmos ganhos do tratamento
associado EM e TCC, porém apenas seis meses após a intervenção.
Da mesma forma, o estudo de Geller e Dunn (2011) na área dos
Transtornos Alimentares mostrou que acrescentar a EM durante a
TCC foi uma importante estratégia para ajudar o paciente na redução
das respostas compensatórias após uma compulsão, na prevenção de
recaída e na manutenção inegociável de um peso corporal mínimo
necessário nos quadros de Anorexia Nervosa.
Em resumo, apresentamos alguns dos estudos que permitem
concluir que a EM foi utilizada como complemento à TCC, tanto an­
tes de iniciar o tratamento propriamente dito quanto na sua sequência,
64 Entrevista Motivacional

em amostras de pacientes resistentes e/ou significativamente ambi­


valentes sobre mudanças de comportamento. Todos os artigos mencio­
nados convergem para o mesmo ponto: o valor potencial de associar
EM e TCC. Conforme Miller e Rollnick (2013), até o inicio de 2013
foram encontradas mais de 1.200 publicações de diferentes nacionali­
dades que abordam a EM, incluindo 200 ensaios clínicos randomi-
zados. Por meio de leituras complementares, os leitores poderão expan­
dir seu repertorio sobre o tema.

Entrevista Motivacional: o que é?

A definição terapêutica para a EM, conforme Miller e Rollnick


(2013), reside em ser um estilo de comunicação colaborativa que está em
sintonia com a fala do paciente e que é por ela conduzida. E relativamente
breve, orientada para metas, com atenção especial à “Conversa sobre
Mudança”, e é projetada para reforçar a motivação pessoal e o compro­
misso com um objetivo específico. Para tanto, o terapeuta evoca e explo­
ra as próprias razões do paciente para a mudança dentro de urna at­
mosfera de aceitação e empatia. É importante ressaltar que a EM é
adaptável para cada pessoa, cultura e problema, e pretende ajudar o pa­
ciente a resolver a ambivalência sobre a mudança.
Segundo Miller e Rollnick (2002) e também Westra e Dozois
(2006), o terapeuta cognitivo-comportamental escolhe mudar para a
EM durante o atendimento quando (a) necessita explorar questões
específicas em torno da ambivalência, (b) tem o objetivo de reduzir a
resistência no sentido de obter uma mudança positiva, (c) se pretende
aumentar a motivação e (d) se faz necessário identificar/explorar as ra­
zões para a mudança. O terapeuta percebe que o uso da EM deve aten­
der a objetivos específicos, como superar barreiras e preocupações com
a mudança, estimular a escolha de estratégias de mudança pessoal,
além de estabelecer um compromisso para um plano de ação. Dessa
forma, como sinalizado por Moyers e Houck (2011), associar EM com
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 65

TCC requer que o terapeuta rapidamente decida quais elementos dessa


combinação irá utilizar a cada momento para o benefício do paciente.
Para aprender sobre a EM, como defendem Miller e Rollnick
(2013), é necessário considerar, primeiramente, que se trata de um tipo
particular de “Conversa sobre Mudança” e não se deve confundi-la com
uma forma de aconselhamento, terapia ou consulta. A EM pode ser mais
bem entendida como um “modo de ser com o paciente” originalmente
desenvolvido para ajudar a mudar um comportamento-alvo específico
e para ser integrado a outras abordagens terapêuticas. Sendo assim, a
EM usa um estilo de orientação que possibilita ao terapeuta esclarecer e
fortalecer, junto com o paciente, seus pontos fortes e aspirações, evocando
suas próprias motivações para a mudança e promovendo a autonomia para
a tomada de decisão. Um terapeuta treinado em EM aprimorou suas ha­
bilidades de escuta e resposta frente à ambivalência e utiliza naturalmente
um estilo que guia, em vez de direcionar o paciente. Além disso, durante
todo o atendimento, procura desenvolver estratégias para suscitar e incen­
tivar a “Conversa sobre Mudança” que, se bem sucedida, esbate a ambiva­
lência e enseja a real mudança do comportamento-alvo do paciente. O
uso da EM dentro de uma sessão de TCC é especialmente indicada quan­
do o terapeuta precisa intensificar a motivação para mudar pressupostos e
principais crenças disfuncionais.
O mecanismo de ação da EM necessita da habilidade do tera­
peuta tanto no componente relacionai (“Espírito da EM”) quanto téc­
nico. O componente técnico engloba elementos essenciais, técnicas
distintas e estratégias que permitem enfraquecer a “Conversa sobre
manter como está” (Sustam talK) e incentivar a “Conversa sobre Mu­
dança” que serão apresentados ao longo do texto:
1. O Espírito da EM
2. Os princípios: (a) acompanhar a resistência; (b) evitar a argu­
mentação; (c) explorar valores e desenvolver a discrepância;
(d) entender e explorar as motivações do paciente; (e) escutar
com empatia e (f) fortalecer o paciente, estimulando a espe­
rança e aumentando a autoeficácia.
66 Entrevista Motivacional

3. Os processos: envolver, orientar, evocar e planejar.


4. Estratégias OARS e CAT
5. “Conversa sobre Mudança”, “Conversa sobre manter como
está” e DARN-C

Antes de iniciarmos a descrição das habilidades da EM, dois


pontos precisam ser destacados. O primeiro diz respeito à opção por
apresentar as habilidades da EM separadamente por fins didáticos.
Entretanto, chamamos a atenção do leitor que de forma alguma se trata
de um processo linear. O segundo fator a ressaltar é que, ainda que a
EM encerre em sua estrutura técnicas de aconselhamento não diretivas
da teoria Rogeriana, o terapeuta tem sempre em mente o comporta-
mento-alvo que trouxe o paciente à consulta. Os aspectos técnicos da
EM são utilizados para encorajar o paciente a explorar a ambivalência
sobre a mudança e a tomar suas próprias decisões sobre o porquê, o
quando e o como proceder. Mais do que isso, a intenção é diminuir a
resistência e provocar o surgimento das motivações intrínsecas do
paciente que operacionalizam a “Conversa sobre Mudança”.

O “Espírito” da EM: colaboração,


aceitação, evocação e compaixão

O “Espírito” da EM muitas vezes é descrito como “uma maneira


de ser” com o paciente, sendo constituído por quatro princípios. O
primeiro baseia-se no fato de que a EM estabelece uma relação co-
laborativa, centrada na pessoa, em que se busca uma parceria entre
paciente e terapeuta que conduza a uma conversa construtiva a respei­
to da mudança de um comportamento-alvo. Uma relação colaborativa
pressupõe que o terapeuta não estabelece uma posição de hierarquia e
permite a “partilha do poder” na sessão. Todo terapeuta, do iniciante
ao mais experiente, já lidou ou está atendendo nesse exato momento
um paciente “difícil”. Tente lembrar-se desse paciente em particular.
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 67

Procure visualizar, como um espectador, a linguagem verbal e não ver­


bal entre você e seu paciente em uma consulta. Perceba como vocês
interagem e responda: vocês estão trabalhando um contra o outro? Es­
tão trabalhando em parceria? Ou estão sentados na mesma sala, mas
nada realmente acontece? A EM parte do princípio de que a “Con­
versa sobre Mudança” entre terapeuta e paciente deveria se parecer
mais com uma “dança” do que com uma “luta”.
O segundo elemento do “Espírito da EM” baseia-se na ideia de
o terapeuta assumir uma postura de “não ser um especialista” e, acima
de tudo, de respeitar a autonomia. Ainda dentro do exercício de visua­
lizar terapeuta e paciente, observe como você lida com a autonomia,
respondendo às seguintes perguntas: “você discorda das escolhas do pa­
ciente e/ou tenta convencê-lo a mudar? Reconhece e respeita as escolhas do
paciente, incluindo não mudar? Ou parece indiferente aos desejos e esco­
lhas dele, dando a impressão de apenas observar?" Uma vez que o tera­
peuta cognitivo-comportamental parta do princípio de que “falta algo
ao paciente”, pode ser desafiador decidir quando e quantas vezes per­
mitirá que o paciente dirija as sessões e decida o curso do tratamento e
dos exercícios de casa.
O terceiro elemento é que a EM é evocativa, ou seja, procura
suscitar a motivação do próprio paciente. Dito de outra forma, evocar
é ajudá-lo a convencer-se dos motivos pelos quais a mudança é ne­
cessária, à medida que o terapeuta provoca no paciente as próprias
idéias sobre se a mudança deve ocorrer, como e quando. O quarto
elemento, por fim, que foi recentemente apresentado por Miller e
Rollnick (2013), diz respeito à compaixão, que é o genuíno desejo de
que o sofrimento do paciente termine.
É o “Espírito” da EM que ajuda os pacientes a se sentirem se­
guros o suficiente para revelar as histórias mais dolorosas de suas vidas,
que os fazem sentir-se vulneráveis, e suas preocupações, o que engen­
drará novos entendimentos. Acima de tudo, é o espírito colaborativo
da EM que cria um ambiente onde o paciente percebe que é escutado
e entendido por um terapeuta empático, que se preocupa, acompanha
68 Entrevista Motivacionai

seus pensamentos e simboliza sua narrativa sem fazer julgamentos.


Essa conjuntura permite que o paciente não se sinta desmoralizado e
suscita a esperança e a sensação de domínio (autoeficácia). As palavras
de um paciente demonstram isso: “você carrega comigo as minhas expe­
riências’. Por todas essas razões, o terapeuta cognitivo-comportamental
pode agregar definitivamente o “Espírito” da EM nas sessões da TCC.

Os princípios

O terapeuta que incorporou as técnicas e estratégias da EM sabe


que o que realmente importa é aquilo que o paciente se escuta di­
zendo, e não aquilo que o terapeuta diz. Quanto mais o paciente es­
cutar seus argumentos para mudar, ou não mudar, mais acreditará no
seu “ponto de vista”. Na EM, o terapeuta estrategicamente dá a mesma
atenção a ambos os lados da ambivalência do paciente para garantir
que ele perceba que o terapeuta compreende a complexidade de sua
situação. A meta é explorar a ambivalência, não tomar uma decisão.
Se o terapeuta só oportuniza a discussão sobre as razões para emagre­
cer, o paciente ambivalente pode expressar suas razões para manter o
mesmo hábito alimentar a fim de garantir que o terapeuta entenda co­
mo ele se sente. Assim, ao falar exclusivamente sobre as razões para li­
dar com a comida de maneira diferente, o terapeuta pode, inadverti­
damente, pressionar o paciente a falar o oposto e, portanto, escutar-se
defendendo as razões para continuar comendo da forma habitual. Esse
paciente dará a si mesmo a oportunidade de convencer-se de que real­
mente tem razões para prosseguir como está. Para evitar esse resultado,
o terapeuta que emprega EM oportuniza que o paciente declare os
motivos para comer tudo o que queira, o que o libera para explicar
suas razões para não comer sempre o que deseje. Visando a construir a
motivação para mudar a relação com a comida, o terapeuta ajuda o
paciente a explorar as próprias razões para mudar o hábito alimentar
em maior profundidade. Depois de explorar suas razões para mudar
Estratégias Psicoterapicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 69

ou não mudar o comportamento alimentar, o paciente, muitas vezes,


conclui que quer fazer diferente, mas que antes precisa fazer algumas
outras mudanças para garantir que vale a pena comer diferente. Para
os pacientes que ainda não estão prontos para mudar, uma boa es­
tratégia é perguntar: “O que é necessário para que você comece a consi­
derar a possibilidade da mudança? Aqueles pacientes que ainda estão
em dúvida sobre a mudança podem ser auxiliados a ponderar sobre:
“ Quais são as coisas que você gosta em [comportamento-alvo]?” E na
sequência: “ Quais são as coisas que você não gosta em [comportamento-
alvo] ?” Quando o paciente estiver pronto para falar sobre como fazer
essas alterações, então chegou a hora de explorar as mudanças
propriamente ditas: “Então, vocêfalou de algumas opções para que a mu­
dança ocorra. O que acha quefuncionaria melhorpara você?.
Ao expressar empatia, o terapeuta mostra ao paciente que com­
preende sua perspectiva, que entende sua visão, o que fortalece a rela­
ção terapêutica. Para entender as preocupações e circunstâncias do pa­
ciente, uma boa alternativa é: “Se eu pudesse ver a situação através dos
seus olhos, o que eu veria?.
Promover autoeficácia pode aumentar a percepção de competên­
cia do paciente. O terapeuta tem um papel importante ao ajudar o
paciente a identificar as ações que surgem ao longo do tratamento e
que resultam positivas. Esses eventos são, em essência, a “prova” irre­
futável da capacidade do paciente para mudar seus diferentes compor­
tamentos. O estudo de Korte e Schmidt (2013) chama atenção para o
fato de que a EM pode ser mais eficaz no aumento da confiança para
mudar, isto é, na capacidade percebida de mudar do que no aumento
da importância — ou das razões — para mudar.
Na EM a “resistência” é definida como um problema de comu­
nicação e não como um “sintoma”, e é aceita como componente na­
tural do processo de mudança. Para Miller e Rollnick (2013), existem
dois tipos de resistência: (1) a resistência à mudança propriamente
dita, ou resistência intrapsíquica e (2) a resistência ao terapeuta e/ou
ao tratamento, também chamada de resistência interpessoal. Indepen-
70 Entrevista Motivacional

dentemente de qual seja, acompanhar a resistência, em vez de confron­


tá-la diretamente, trará o paciente de volta para urna perspectiva mais
equilibrada. Essa estratégia pode ser particularmente útil com pacientes
que se apresentam de forma altamente contrariada e que parecem
rejeitar qualquer ideia ou sugestão do terapeuta.

P: Mas eu não posso parar de vomitar. Quer saber, tem um monte


de meninas que fazem, fizeram ou farão isso, o que prova que não é
nada de mais!
T: E isso pode continuar a ser assim. No final das contas, é você quem
vai decidir se vale a pena continuar a vomitar, como tem sido até agora.
Pode ser muito difícil fazer uma mudança. Isso vai depender de você.
P: ... Tá bem... Eu só não quero levar sermão ou ser proibida de fazer
o que quero quando como demais.
T: Não vou dar sermão, prometo. Agora, se estiver bem pra você, talvez
possa me contar algo sobre como é a sua alimentação em um dia habitual.

A ideia de desenvolver a discrepância faz parte da EM desde o


início. Os argumentos do paciente para a mudança são mais eficazes
que os argumentos oferecidos pelo terapeuta e oportunizam clarear a
perspectiva do paciente sobre o comportamento-alvo. O papel do
terapeuta é provocar esses argumentos ao explorar os valores e objetivos
do paciente. Um conflito de valores, muitas vezes, é o mais forte moti­
vador para a mudança e pode explicar por que, apesar das inúmeras
consequências negativas do comportamento-alvo, o paciente não mu­
da seu comportamento. Por exemplo, um paciente que está passando
por uma série de dificuldades financeiras sem fazer nenhuma mudança
pode ser fortemente motivado a fazê-la quando percebe uma conse­
quência negativa para sua família. Nesse caso, o paciente pode ter va­
lorizado mais a família do que segurança financeira. Dessa forma, são
apontadas e exploradas as discrepancias identificadas entre os objetivos
do paciente, os seus valores e seu comportamento atual. Dentro dessa
linha de raciocínio, o terapeuta concentra-se nos prós e contras do
comportamento-alvo e enfatiza essas discrepâncias identificadas pelo
Estratégias Psícoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 71

paciente entre o comportamento atual e o desejado. Por exemplo, uma


paciente com Anorexia Nervosa declarou: “Gosto que as pessoas se preo­
cupem comigo, mas todos fazem um drama por causa do meu peso... Na
verdade, gosto e não gosto disso”. O importante é que o paciente faça a
“conexão” da sua situação como ilustrado pela fala de uma paciente com
TOC: “As pessoas saem e se divertem e não se preocupam que a casa esteja
virada, bagunçada, suja. Eu saio e não me divirto porquefico todo o tempo
pensando que quero voltar logo e limpar a sujeira que certamenteficou para
trás. Eu deixei de me divertir, de passear, porque tenho de limpar, arrumar.
Perdi a minha vida em função disso. Todos saíram de casa: o marido, os
filhos... a família é realmente importante para mim '‘. A próxima fala do
terapeuta deve buscar expandir ainda mais os valores intrínsecos da
paciente, criando oportunidades para a avaliação do status quo.
Por fim, considere a maneira como você fornece uma informação
que acredita ser crucial e que podería ajudar o paciente a superar uma
determinada situação. Convém ter em mente que dar uma informação
só é útil se o paciente deseja escutá-la. Quando o paciente não está
preparado ou disposto a recebê-la, o ato de informar provocará resis­
tência. Existem maneiras de dar informações que estão dentro do mo­
delo da EM. Por exemplo, antes de informar, pergunte o que o pacien­
te já sabe ou quais idéias ele tem a respeito do comportamento-alvo, o
que permitirá ao terapeuta saber qual caminho seguir. Pedir permissão
tem vários efeitos positivos e fundamenta-se no princípio da EM de,
antes de tudo, honrar e reforçar a autonomia do paciente. Além isso,
enfatiza a natureza colaborativa da relação, diminuindo a resistência.
Dar uma informação que é do interesse do paciente aumenta sua
atenção e receptividade, propiciando que ele realmente escute o que o
terapeuta tem a dizer. Existem três maneiras de obter permissão para
dar uma informação. A primeira é criar uma situação na qual, prova­
velmente, o paciente acabará pedindo a informação. Por exemplo, o
terapeuta pode dizer: “Geralmente, quando as pessoas têm informações
baseadas em pesquisas fica mais fácil resolver o que fazer”, ou: “Outro
dia, li algumas declarações de pessoas que descreveram suas experiên­
72 Entrevista Motivacional

cias com o comprar e o modo como lidaram com essa situação. Penso
que isso é muito relevante”. A segunda maneira aplica-se aos casos em
que o paciente não pediu a informação diretamente e o terapeuta pede
permissão: “Eu sei de algumas coisas a respeito disso. Você estaria in­
teressado em ouvir?”, ou: “Você se importaria de gastar alguns minutos
falando sobre [comportamento-alvo] e como isso podería afetar sua
vida?”. A maioria dos pacientes responde que sim, mas se falam que não,
o terapeuta deve respeitar seu desejo. Não respeitá-lo é desestimular a
autonomia, o que pode aumentar a resistência. A terceira maneira é
utilizada quando o terapeuta se sente eticamente obrigado a dar uma
informação e não pede permissão diretamente, mas deixa claro que
respeita a autonomia e reconhece o direito do paciente em concordar ou
não. Por exemplo: “Eu não sei se isso vai lhe preocupar, e concordar ou
não com essa ideia é claramente uma escolha sua, mas...”.

Os processos: envolver, orientar, evocar, planejar

Para Miller e Rollnick (2013), existem quatro processos centrais


que descrevem a EM. Esses processos, além de lineares, são repetitivos,
de tal forma que mesmo que não ocorram em uma única sessão ou em
uma sequência rígida, sobrepõem-se e interagem uns com os outros ao
longo da EM. Esses quatro processos passam a ser chamados de EM so­
mente quando forem confluentes e simultâneos, e são os seguintes: (1) o
estilo de comunicação e o espírito são centrados no paciente (Envolver);
(2) existe um comportamento-alvo identificado para a mudança que é o
tema da conversa (Orientar); (3) o terapeuta evoca as motivações e pla­
nos do paciente para a mudança (Evocar e Planejar).
Envolver: “Vamos caminhar juntos?” Necessariamente, é o pri­
meiro processo, pois procura ligar e compreender as perspectivas e
interesses do paciente. E onde o “Espirito” da EM fica mais evidente.
Estabeleça uma relação colaborativa de confiança e respeito. Entenda
as atuais necessidades do paciente. Verifique os valores pessoais.
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 73

Orientar: “Em que direção estamos indo?” Não se limite a apenas


um evento porque, durante o tratamento, outras mudanças podem
surgir. Ajude o paciente a identificar o comportamento-alvo sobre o qual
está ambivalente ou tem se esforçado para mudar: se houver mais de
um, priorize. Procure não influenciar na escolha do comportamento-
alvo. Use as estratégias OARS. E um pré-requisito para Evocar.
Evocar: “Onde o paciente está no processo de mudança?” Evo­
que as razões e a importância da mudança: “Por que essa mudança é
importante para você?” Reconheça a “Conversa sobre Mudança” e evi­
te a armadilha do especialista. Seletivamente explore, responda e resu­
ma a “Conversa sobre Mudança”.
Planej ar: “Como? Quando?” Logicamente é o último passo,
pois é a “ponte” para a mudança. Negocie um plano de mudança. Con­
solide o compromisso. Faça perguntas-chave para determinar a pron­
tidão para o plano de ação.

Estratégias OARS e CAT

A EM faz uso de quatro estratégias específicas. Essas habilidades


são usadas em conjunto para estimular o paciente a falar e explorar sua
ambivalência. O sucesso no uso dessas habilidades irá resultar na capa­
cidade do terapeuta em suscitar a “Conversa sobre Mudança”. Nela o
paciente irá apresentar os argumentos para fazer uma mudança em
particular. Durante uma “Conversa sobre Mudança” o paciente está se
movimentando em direção a uma maior motivação para mudar. A
abordagem básica para interações na EM é expressa pelo acrônimo
OARS: (1) perguntas abertas {Open questions), (2) afirmações (Affirma-
tions), (3) escuta reflexiva (Reflective listening) e (4) resumos {Sumaries).
O terapeuta pode mover-se de uma estratégia para outra tanto quanto
achar necessário. Usar constantemente OARS pode nos levar muito
longe em uma “Conversa sobre Mudança”.
74 Entrevista Motivacional

As Perguntas Abertas sâo aquelas que o paciente não consegue


responder com um “sim”, “não” ou “quatro vezes na semana passada”.
Uma pergunta aberta permite que o paciente tenha o impulso de
seguir em frente na sua fala e demonstra a curiosidade e o interesse
genuíno do terapeuta. Por exemplo: “Então, o que faz você pensar que
talvez seja hora para uma mudança?”. Muitos terapeutas começam a
sessão com uma pergunta aberta: “O que o traz aqui hoje?” ou “O que
aconteceu desde nosso último encontro?” As perguntas fechadas são
necessárias e muito valiosas, mas, às vezes, podem ensinar o paciente a
ser monossilábico ou podem limitar a quantidade de informações a
serem fornecidas; seja, portanto, econômico com elas.
As Afirmações são reforços positivos genuínos que o terapeuta uti­
liza para identificar e fortalecer uma força, um valor, uma meta ou o su­
cesso do paciente. Usá-las tem como objetivo incentivar e apoiar o pa­
ciente durante o processo de mudança. Acima de tudo, as afirmações são
reforços positivos para um comportamento adotado e procura fortalecer
tudo o que leva à mudança e constrói o relacionamento. Por exemplo: está
caindo um enorme temporal e o trânsito está caótico. Mesmo assim, seu
paciente comparece a sessão e você abre a porta e diz: “Que bom que você
veio à consulta mesmo com essa tempestade. Imagino que deve ter sido
um pouco complicado”. Uma maneira de fazer afirmações é emitir decla­
rações de reconhecimento dos pontos fortes do paciente: “Você comentou
que ficou muitos meses sem jogar. Como fazia para lidar com o desejo de
fazê-lo?”. Por fim, uma afirmação pode ser usada para reformular o que
pode parecer, à primeira vista, como algo negativo: “Eu posso ver que você
está com muita raiva por ter de vir aqui, mas quero lhe dizer que estou
impressionada por você haver escolhido vir de qualquer maneira e, ainda,
ter chegado na hora certa!”.
A Escuta Reflexiva é um dos pilares das técnicas da EM. Pense
em um espelho: você está literalmente “refletindo” de volta o que lhe
foi dito. Ela ajuda o paciente a sentir que está sendo ouvido e oportu-
niza a “conversa sobre mudança”. O terapeuta irá se concentrar na
“Conversa sobre Mudança” e dará menor atenção à “Conversa sobre
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 75

manter como está”. Por exemplo: “Você não tem certeza de que está
pronto para tomar a medicação, mas parece muito consciente de que
não usá-la tem causado preocupações em seus familiares e afetado
seu trabalho.” A Escuta Reflexiva pode ser simples ou complexa. Na
Reflexão Simples o terapeuta repete literalmente uma parte ou apenas
uma palavra da frase que o paciente acabou de dizer de uma forma
neutra. Esta é a resposta mais simples para lidar com a resistência ou
quando o terapeuta ainda não tem certeza do que dizer, mas quer
mostrar que está escutando, que reconhece e valida o que foi dito
pelo paciente.

P: “Eu sei que poderia fazer algumas coisas de forma diferente. Mas,
se ela pudesse me deixar em paz, a situação seria muito menos tensa, e
então essas coisas não ocorreríam”.
T: “Você sabe que poderia fazer algumas coisas de forma diferente”.

Ainda, na Reflexão Simples, o terapeuta pode usar as palavras do


paciente, mas “refrasear” de forma ligeiramente diferente. Conside­
rando a mesma frase do paciente anterior:

T: “Você gostaria que a sua situação fosse diferente”.

É importante que o terapeuta alterne os tipos de Reflexão. Man­


ter um diálogo baseado apenas em Reflexões Simples dá a impressão
de que terapeuta e paciente estão “andando em círculos”. O objetivo
da reflexão é criar uma dinâmica de seguir em frente e, em seguida,
aproveitar esse momento para oportunizar a mudança. A Escuta Re­
flexiva também pode ser complexa. O terapeuta pode Parafrasear quando
foca no significado daquilo que o paciente está declarando:

P: “Eu não posso começar a me exercitar porque nem meus familiares,


nem meus amigos o fazem”.
T: “E difícil para você pensar em começar a ser mais ativo fisicamente
porque você está cercado por pessoas que não se exercitam”.
76 Entrevista Motivacional

O terapeuta também pode “reinterpretar”, quando quer enfatizar


os aspectos emocionais das declarações:

P: “Meu chefe está sempre me corrigindo e criticando”.


T: “Você está um pouco irritado com ele”.

Quando o terapeuta faz uma Reflexão Complexa, procura “re­


fletir” o que julga que o paciente esteja dizendo ou tentando dizer. A
resposta do paciente irá indicar se isso aconteceu e ajudará o terapeuta
a decidir o que fazer a seguir. Se isso não ocorrer, o terapeuta pode as-
sumir que estava “equivocado” e tentar outra Reflexão ou pedir escla­
recimentos:

P: “Não é nada disso. Eu estava falando uma coisa bem diferente”.


T: “Que bom que você me diz isso. Por favor, me ajude a entender por
que pensei que seria assim”.

Se a Reflexão do terapeuta estiver correta, a intensidade emo­


cional da sessão irá se aprofundar. Reflexões Complexas, quando forem
validadas pelo paciente, tendem a movê-lo adiante na “Conversa sobre
Mudança” e permitem explorar novos conteúdos mais profundamente.
Desta forma, uma Reflexão sempre termina com um ponto final, co­
mo em “Você se sente diferente dos outros”. Essa pontuação mostra
que o terapeuta está escutando e entendendo. Já uma interrogação,
como em “Você se sente diferente dos outros?”, pode causar uma mu­
dança no ritmo da conversa ou mesmo bloqueá-la. Por fim, quando o
terapeuta decide usar a EM durante a sessão, ele tem em mente que a
maior parcela de sua comunicação será na forma de Reflexões e não de
Perguntas. Segundo Miller e Rollnick (2013), um parâmetro de refe­
rência de proficiência básica em EM é o terapeuta manter uma
proporção de três Reflexões para cada Pergunta feita.
Por fim, a técnica dos Resumos é uma forma de sintetizar o que o
paciente foi dizendo e faz parte do dia a dia do terapeuta cognitivo-
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 77

comportamental. O Resumo é uma estratégia eficaz de comunicar


interesse e chamar atenção para determinados aspectos da conversa.
Deve ser feito com relativa frequência durante a sessão. O Resumo
também pode ser usado para mudar o foco quando a conversa está
indo em uma direção improdutiva ou criando a oportunidade para
uma “Conversa para manter como está”. Por exemplo, o terapeuta
pode dizer: “Então, às vezes, quando você diminui a quantidade de
comida durante toda a semana, você não pode sair de casa para ir
trabalhar porque se sente fraca demais. Mas você gosta do seu trabalho,
e fazer bem seu trabalho é muito importante para você. Entendi
corretamente?” Com esse Resumo o terapeuta procurou ampliar para a
paciente a percepção de sua ambivalência e é esse entendimento que
irá orientar seus próximos esforços para a mudança.

“Conversa sobre mudança”, “Conversa sobre


manter como está” (Sustain tálk) e DARN-CAT

O que o paciente se escuta dizendo sobre a mudança do compor-


tamento-alvo é crucial para o terapeuta que utiliza a EM. Quanto mais o
paciente se escutar reafirmando um compromisso com a mudança, maior
será a chance de que realmente a faça. Por essa razão, o terapeuta com
treinamento na EM será capaz de rapidamente reconhecer e provocar com
maior intensidade a “Conversa sobre Mudança”. Além disso, com a
mesma rapidez irá identificar e não fortalecer a “Conversa sobre manter
como está”. Para tanto, o terapeuta usará as estratégias e técnicas apresen­
tadas anteriormente neste capítulo, como, por exemplo, as Perguntas
Abertas, a Escuta Reflexiva e os Resumos. Além disso, o terapeuta deverá
estar ciente desde o início do conceito de resistência à EM.
A “Conversa sobre Mudança” é definida como declarações do
paciente que revelam a motivação ou o compromisso para mudar o
comportamento-alvo, ou seja, é qualquer fala do paciente que o mova
em direção à mudança. Conforme Miller e Rollnick (2013), a comu-
78 Entrevista Motivacionai

nicaçáo de compromisso é o melhor preditor de mudança de compor­


tamento. Mais do que isso, as declarações do paciente quanto à mu­
dança indicam a possibilidade de sucesso. Sendo assim, quanto mais o
paciente falar sobre a mudança, mais provável será que ela ocorra. As
pesquisas e a prática clínica com o uso da EM demonstram que, para
que ocorra a mudança do comportamento-alvo, o terapeuta precisa
ajudar o paciente a: (1) reconhecer as desvantagens do status quo\ (2)
reconhecer as vantagens da mudança; (3) ter algum otimismo sobre a
capacidade para mudar; (4) ter uma intenção de mudar e, finalmente,
(5) fazer consigo mesmo um compromisso de mudar.
Existem sete perguntas que encaminham o paciente para a “Con­
versa sobre Mudança” e podem ser descritas usando-se o acrônimo
DARN-CAT, que corresponde a: Desejo (Por que você quer fazer essa
mudança?), Habilidade (Como você podería fazer isso?), Razão (Quais
são os três melhores motivos para fazer a mudança?), Necessidade (Em
uma escala de 0 a 10, sendo 0 nada importante e 10 extremamente
importante, o quanto é importante a mudança?), Compromisso (O que
pretende fazer?), Ativação (O que você está pronto ou disposto a fazer?)
e, por último, Dando Passos/Tentando (O que você já fez?). As quatro
primeiras perguntas são percebidas como a fase preparatória da “Con­
versa sobre Mudança”, e as três últimas são orientadas para a ação.
A “Conversa sobre manter como está” é o lado oposto da
“Conversa sobre Mudança” e, muitas vezes, elas aparecem interligadas
quando o paciente está ambivalente. A “Conversa sobre manter como
está” é qualquer fala que apoie o status quo-, é apenas o outro lado da
ambivalência do paciente. Nesse caso, o DARN indicará por que o
paciente provavelmente não fará a mudança: “Eu realmente gosto do
meu corpo e não me importo com o meu peso’ ’ (desejo) ; “Eu já tentei
emagrecer antes e nunca consegui’ ' (habilidade); ‘ ‘Se eu emagrecer, nada
será diferente na minha vida: nem serei promovida, nem serei mais res­
peitada ou amada” (razão) e “Os meus exames de sangue estão ótimos.
Então, neste momento, meu peso não interfere na minha saúde” (neces­
sidade). Como apresentamos anteriormente ao leitor, na EM é feita
uma clara distinção entre “resistência” e “ambivalência”. O terapeuta
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 79

proficiente na EM usa a ambivalência a seu favor e a utiliza para opor-


tunizar uma mudança positiva. Uma estratégia interessante na presença
da “Conversa sobre manter como está” é sugerir um role-play (drama­
tização) no qual o terapeuta assume a fala do paciente e pede que este
tente persuadi-lo a fazer a mudança. Essa inversão de papéis, também
sugerida por Beck (2013) para motivar o paciente relutante, oportuniza
ao paciente listar todas as razões por que deveria mudar.

EM e TCC: o que elas têm em comum e o que as diferencia

Acreditamos que, ao chegar a esta fase final do capítulo, o leitor já


tenha percebido os pontos em comum e as diferenças entre a EM e a
TCC. Gostaríamos de finalizar destacando essas similaridades e distinções.
A EM e a TCC se assemelham por serem: colaborativas, empáticas,
evocativas, diretivas, apoiadoras da autoeficácia e por terem um olhar posi­
tivo. Além disso, ambas utilizam Questionamentos, a Descoberta Guiada,
os Resumos, o Automonitoramento e a Prevenção de Recaída. Por fim, as
duas adotam as estratégias de Normatizar e Ressignificar.
Interessantemente, o estudo de Kertes, Westra, Angus e Marcus (2011)
em uma amostra de pacientes com TAG observou que aqueles que re­
ceberam a intervenção de EM+TCC descreveram a si mesmos e aos seus
terapeutas de forma mais positiva do que aqueles que fizeram apenas
TCC. Esses achados sugerem que associar EM eTCC altera a forma como
os pacientes enxergam a si mesmos e ao tratamento.
No entanto, a EM e a TCC distanciam-se em alguns aspectos,
como:
(1) Na EM o foco é no comportamento-alvo, enquanto a TCC
trabalha na Conceituaçâo Cognitiva e na Resolução de
Problemas.
(2) A pergunta na EM é por quê? Na TCC é comòl
(3) Na EM o paciente é explícitamente visto como o agente prin­
cipal da mudança, enquanto a TCC considerada o terapeuta
como o agente fundamental da mudança.
80 Entrevista Motivacional

(4) Enquanto a EM busca a relação entre Valores-Discrepância-


Comportamento, aTCC enfatiza Pensamentos-Sentimentos-
Comportamento.
(5) A EM não usa rótulos como “racional” ou irracional”, enquanto
a TCC conceitua os pensamentos como “distorcidos” ou “er­
rôneos”.

Em resumo, há muitas razões para considerar a integração da


EM com a TCC, especialmente quando trabalhamos com pacientes
com problemas complexos. Enquanto a EM aborda os problemas de
motivação, prontidão para o tratamento, ambivalência e resistência, a
TCC abarca uma variedade de estratégias para gerenciar e modificar
pensamentos, sentimentos e comportamentos maladaptativos, bem co­
mo propicia a definição de metas de vida mais realistas. Sendo assim,
utilizar a EM durante a TCC poderá ajudar a reduzir a resistência
e a ambivalência sobre mudar o comportamento-alvo, além de
aumentar a motivação e o comprometimento do paciente para com
o tratamento.

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3
Automonitoramento e
Resolução de Problemas

Wilson Vieira Melo, Irismar Reis de Oliveira,


Débora Cristina Fava e Daniela Schneider Bakos

Dentre os pressupostos básicos da terapia cognitiva está o de que a


cognição é passível de ser monitorada e alterada. Tal axioma está
presente na prática clínica através da estratégia psicoterápica do
Automonitoramento. De igual modo, outra característica importante
da abordagem cognitiva convencional é a ênfase no aqui e agora. A
estratégia psicoterápica de Resolução de Problemas é uma forma de
enfrentar de modo pragmático e direto as dificuldades trazidas diaria­
mente para os consultórios de psicoterapia. Ambas estão intrínseca­
mente interligadas, uma vez que é a partir do processo de monito­
ramento cognitivo realizado pela metacognição que as estratégias
para resolução de problemas serão delineadas. A terapia cognitiva
buscou na Psicologia Cognitiva Experimental muitos dos conceitos que
fundamentam estas duas estratégias psicoterápicas, essenciais para a
prática clínica.
' W.V.M.

No campo da terapia cognitiva, muitas sáo as estratégias tera­


pêuticas disponíveis para o manejo dos mais distintos problemas psico­
lógicos. Embora exista grande preocupação entre os profissionais da
área em conhecer todos esses recursos clínicos, sua aplicabilidade espe­
cífica para cada transtorno ou problemática em particular nem sempre
é claramente enfatizada. Em um momento no qual, cada vez mais, téc­
84 Automonitoramento e Resolução de Problemas

nicas vêm sendo desenvolvidas, faz-se necessária a inserção destas em


um plano terapêutico mais amplo, respeitando a estratégia terapêutica
global bem como os pressupostos da teoria cognitiva. Deste modo, é
importante ter em mente que as estratégias terapêuticas utilizadas não
são a aplicação de técnicas isoladas, mas sim recursos condizentes com
o embasamento teórico subjacente (Beck & Alford, 2000).
O automonitoramento faz parte de um construto mais amplo
e multifacetado denominado metacognição, o qual compreende
crenças, processos e estratégias que identificam, monitoram ou con­
trolam cognições (Wells, 2000). Dois aspectos da metacognição vêm
sendo ressaltados: o conhecimento metacognitivo, que se refere à in­
formação que o indivíduo tem acerca de sua própria cognição; e a
regulação metacognitiva, por meio da qual a informação é monitora­
da e controlada (Grendene èc Melo, 2008). O Automonitoramento,
nesse contexto, diz respeito ao processo de identificar/observar as
próprias cognições e monitorá-las com um objetivo terapêutico espe­
cífico. Envolve, para seu adequado funcionamento, recursos do fun­
cionamento executivo capazes de alocar atenção, monitorar, checar,
planejar e detectar disfunções de desempenho (Grendene, Pinto,
Begni, & Melo, 2008).
Algumas técnicas podem estar contidas em mais de uma estraté­
gia psicoterápica, uma vez que a distinção de diferentes objetivos tera­
pêuticos tem uma finalidade meramente didática, visando organizar o
conhecimento do clínico acerca das mesmas. Dentre as principais téc­
nicas ligadas à estratégia de Automonitoramento, é possível destacar o
Registro de Pensamentos Disfuncionais (RPD), Identificação e Rotu-
lação das Distorções Cognitivas (para ambas, ver também Capítulo 1),
Registro Diário de Ingesta Alimentar, Registro do Monitoramento da
Atividade das Vozes, o uso de Afetivogramas e Registros Diários de
Humor, Cartões de Enfrentamento, etc.
De igual modo, o construto Resolução de Problemas vem sen­
do estudado há bastante tempo pela Psicologia Cognitiva Experimen­
tal (Eysenck & Keane, 1994; Sternberg, 2000) e sua aplicabilidade na
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 85

prática clínica tem sido muito observada (Whipple, Lambert, Vermeersch,


Smart, Nielsen, & Hawkins, 2003). Atualmente, a Resolução de Pro­
blemas é uma estratégia-chave nas intervenções de diversos transtor­
nos mentais, como nos transtornos de ansiedade (D'Zurilla & Nezu,
2010), transtorno depressivo maior (Alexopoulos et al., 2011), trans­
torno do déficit de atenção/hiperatividade (Carr, 2013), dentre ou­
tros. Também tem sido muito utilizada em problemas que merecem a
atenção clínica, tais como comportamento procrastinador, tomada de
decisões e escolhas de vida, implementação de projetos pessoais e pro­
fissionais, mas que não se configuram necessariamente em um diag­
nóstico específico.
Apesar de Automonitoramento e Resolução de Problemas serem
estratégias psicoterápicas distintas, elas serão apresentadas em conjunto
neste capítulo uma vez que uma depende diretamente da outra, muitas
vezes sendo trabalhadas conjuntamente na psicoterapia. Esta separação
meramente didática, visa facilitar o entendimento de conceitos da teo­
ria, sem que necessariamente uma se desenvolva sem a outra em um
contexto prático.

Automonitoramento e psicoterapia

Os pressupostos básicos da terapia cognitiva são os de que a cog-


nição afeta a emoção e o comportamento. Além disso, ela é passível de
ser monitorada e alterada. Por fim, pressupõe-se que, modificando-se
as cognições, será possível, como consequência, alterar as emoções e
comportamentos subjacentes (Beck & Alford, 2000). O segundo pres­
suposto, de que ela pode ser monitorada e alterada, está intrinseca-
mente relacionado com o trabalho desenvolvido em conjunto entre te­
rapeuta e paciente ao longo da psicoterapia.
O monitoramento cognitivo pode ser aperfeiçoado à medida
que as habilidades metacognitivas vão se desenvolvendo ao longo da
vida e, podem ser potencializadas pelo trabalho em psicoterapia, em
86 Automonitoramento e Resolução de Problemas

especial na terapia cognitiva (Grendene & Melo, 2008; Wells, 2000).


Diversas técnicas sáo utilizadas com o objetivo de aprimorar a capaci­
dade de prestar atenção a seus pensamentos (conteúdo e processo),
emoções e também a suas reações comportamentais e fisiológicas.

Técnicas para Automonitoramento

A seguir serão descritas algumas das principais técnicas de Auto­


monitoramento utilizadas em terapia cognitiva, sem que se tenha a pre­
tensão de apresentar todas as técnicas descritas na literatura para essa fi­
nalidade.

Registro de Pensamentos Disfuncionais

O Registro de Pensamentos Disfuncionais (RPD) é uma técnica


inicialmente desenvolvida para auxiliar os pacientes a perceberem seus
pensamentos e a realizarem a devida relação com as emoções e com­
portamentos subjacentes. Nessa técnica, está explícita a pressuposição
de que existe a primazia do pensamento sobre a emoção (Beck, 1979).
O RPD se baseia nos princípios da terapia cognitiva convencional e
no modelo da Terapia Racional Emotiva (Ellis, 1994/1962), que esta­
belece uma relação sequencial entre A — Activation (situações ativado-
ras) —, B — Beliefs (crenças) — e C — Consequences (consequências emo­
cionais, fisiológicas e comportamentais). (Para mais informações, ver
Capitulo 1).
Dessa forma, foram propostos diversos modelos distintos de
RPD, incluindo aqueles com diversas colunas e outros mais simplifica­
dos. Todos eles são especialmente úteis, uma vez que é necessário ade­
quar o instrumento e a técnica ao paciente e jamais o inverso. A seguir
é apresentado um modelo simplificado de RPD, especialmente útil
para ser utilizado nas sessões iniciais, ou com pacientes que não te­
nham nenhuma familiaridade com o modelo cognitivo.
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 87

Quadro 3.1 Modelo Simplificado de Registro de Pensamento Disfuncional


Pensamento
Situação Emoção % Comportamento
automático
"Está todo mundo se
80
divertindo e eu não Tristeza
Desligo a televisão
Sozinho em aproveitei meu final
e fico chorando
casa domingo à de semana."
sozinho no quarto
noite "Semana passada foi
70 escuro.
meu aniversário e Solidão
ninguém me ligou."

De um modo bastante simplista, o Automonitoramento é o pro­


cesso de se dar conta dos seus pensamentos e reações emocionais, fisioló­
gicas e comportamentais associadas a ele. E possível ampliar o número
de colunas de acordo com o caso do paciente e a conveniência do trata­
mento. Uma das formas de se utilizar o RPD é ensinando o paciente a
checar as evidências disponíveis, pró e contra do seu pensamento e a
buscar interpretações alternativas, mais adaptativas e funcionais (Knapp
2004). Outra adaptação possível para o instrumento é o que Greenber-
ger e Padesky (1999) propuseram. No RPD de sete colunas, são incluí­
das outras duas colunas para análise de evidências que apoiam e que não
apoiam o pensamento, para posterior construção de pensamentos alter­
nativos e compensatórios. Também propõe inverter a ordem entre pen­
samento e emoção no instrumento, uma vez que muitos pacientes con­
sideram mais fácil identificar primeiramente como estão se sentindo
para posteriormente buscar o pensamento automático associado.

Registro de Pensamento Intrapessoal


Outro instrumento desenvolvido com o propósito de monitorar a
atividade cognitiva e relacioná-la com a resposta emocional, fisiológica e
comportamental foi o proposto pela Terapia Cognitiva Processual (De Oli­
veira, 2013). Nele foram inseridos diversos elementos complementares ao
RPD convencional. A figura a seguir apresenta o modelo de intervenção.
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 89

Registro Diário de Ingesta Alimentar

Algumas adaptações foram propostas para o trabalho com ou­


tros transtornos específicos. Foi o que se desenvolveu a partir do RPD
convencional quando se propôs uma técnica alternativa, específica para
o trabalho com problemas relacionados ao comportamento alimentar
(Segai, 2002/2012). O Registro Diário de Ingesta Alimentar adapta o
RPD para os problemas relacionados à alimentação e pode, igualmen­
te, ser adaptado com a inserção de colunas alternativas, de acordo com
a conveniência e necessidade.

Quadro 3.2 Modelo de Registro Diário de Ingesta Alimentar


Episódio Onde e
Dia/ O que e Fome Pensamento Emoção
de comer com quem
horário quanto comi? (0-10) automático associada
compulsivo? estava?

2 fatias de bolo
"Não
de banana
experimentei
1 copo de leite Fissura
este bolo
200ml (80%)
Em casa, ainda."
14:20h 2 colheres (sopa) 4 Sim
sozinha. "Se eu comer
de achocolatado Ansiedade
só um pouco,
1 bombom (50%)
não vai alterar
3 colheres (sopa)
minha dieta."
de sorvete

Registros de Monitoramento da Atividade das


Vozes, Pensamentos Automáticos e Crenças

Uma das mais importantes adaptações propostas do RPD con­


vencional foi a adequação da técnica para o tratamento da esquizofre­
nia e outros transtornos psicóticos (Beck, Rector, Stolar, & Grant,
2010). Tal ferramenta possibilitou o acesso ao conteúdo das alucina­
ções auditivas, pensamentos automáticos e crenças associadas à ativi­
dade das vozes. Esta técnica foi proposta para que fosse possível o tra­
balho com as alucinações na terapia cognitiva da esquizofrenia e tam­
bém de outros transtornos psicóticos. Beck et al. (2010) adaptaram o
90 Automonitoramento e Resolução de Problemas

modelo já conhecido de RPD para o trabalho com sintomas psicóticos


de maneira bastante contundente.

Quadro 3.3 Modelo de Registro da Atividade das Vozes


Qual era Qual o seu Como estava
Oque O que O que fez
o volume grau de se sentindo
Hora estava as vozes para lidar
da voz? perturbação? naquele
fazendo? disseram? com a voz?
(0-10) (0-10) momento?
Pega esta
Lavando Telefonei para
21h faca e corta 8 7
a louça Ansioso meu terapeuta.
o braço.

Até a década de 1990, a psicoterapia na esquizofrenia se centra­


va apenas no trabalho com a sintomatologia negativa (Beck et al.,
2010), isto é, em sintomas como alogia (redução da expressividade
verbal), afeto embotado (redução da expressividade não verbal), avo-
lição (pouco envolvimento em atividades construtivas), anedonia (di­
minuição da capacidade de sentir prazer) e associabilidade (pouco en­
volvimento com atividades sociais). A principal estratégia psicoterápica
para lidar com tais sintomas é o Treino de Habilidades Sociais (para
mais informações ver Capítulo 5).
O trabalho com sintomas positivos, como as alucinações auditi­
vas, por exemplo, acarretou em uma importante melhora na abrangên­
cia da sintomatologia e na qualidade do tratamento, impactando dire­
ta e positivamente a qualidade de vida dos pacientes e familiares. O
acesso e monitoramento das crenças associadas com os sintomas po­
dem ser monitorados por meio da avaliação das crenças associadas às
vozes (Beck et al., 2010).

Quadro 3.4 Modelo de monitoramento / avaliação das crenças associa­


das as vozes
Situação Voz Avaliação da voz Humor Comportamento
Assistindo TV "Você não P: Sou falso — e não Medo Rumina mentalmente
tranquilamente. é quem uma pessoa real. Desesperança para descobrir o
pensa ser." P: Estou perdendo "verdadeiro eu".
a cabeça.
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 91

A partir da identificação do pensamento automático relacionado


à emoção negativa, é possível realizar uma checagem de evidências e
questionamento da veracidade da interpretação da alucinação auditiva.
Beck et al. (2010) também propuseram um RPD modificado para vo­
zes, para monitorar pensamentos automáticos e pensamentos alternati­
vos que pode auxiliar o paciente na redução da disforia causada pelas
alucinações.

Quadro 3.5 Modelo de Registro de Pensamentos Disfuncionais adaptado


para as vozes
Pensamentos
Conteúdo Evidência Evidências Avaliação
Situação Humor alternativos ou
da voz a favor contrárias do humor
equilibrados
Fazendo uma P.A.: "Foi minha
blusa de tricô "Não faço primeira
para a sobrinha nada direito" Tristeza O artesanato tentativa." "É minha Tristeza
e os pontos "Sou uma (70%) é feio: a primeira (0%)
soltam. idiota" manga "Copiei da tentativa e
Motivação ficou torta. revista vou continuar Motivação
Vozes: "Você (0%) sozinha." tentando." (40%)
não faz nada
direito" "Talvez "Dificilmente
"Você é uma fique alguém acerta
fracassada" melhor na primeira
"Você é inútil" no final." vez."

"Posso fazer
mudanças."

O uso da estratégia psicoterápica do Automonitoramento tam­


bém se mostrou bastante útil no tratamento dos transtornos bipolares
(Basco & Rush, 2009). A associação entre psicofarmacologia e terapia
cognitiva no tratamento combinado é fundamental para o sucesso dos
resultados na esquizofrenia, transtornos bipolares e muitas outras psi-
copatologias (para mais informações, ver Capítulo 23).
O monitoramento dos sintomas com o uso de afetivogramas e
gráficos de humor ajuda os pacientes na identificação precoce de osci­
lações de humor, auxiliando tanto no controle agudo da crise quanto
nas estratégias de manutenção da eutimia. O quadro a seguir apresenta
92 Automonitoramento e Resolução de Problemas

uma proposta de gráfico de humor para ser utilizado com pacientes


que apresentem bipolaridade e transtornos relacionados.

Quadro 3.6 Modelo de Gráfico para Monitoramento do Humor

O paciente deve preencher o Gráfico para Monitoramento do


Humor diariamente, com uma linha ligando o ponto que representa o
escore médio do dia anterior com o que seu humor se encontra em mé­
dia naquele dia. Pacientes bipolares com diagnóstico de transtorno ciclo-
tímico, devido à grande variação do humor em um curto espaço de tem­
po, podem preencher o instrumento mais de uma vez por dia, adaptan­
do-o para a sua necessidade. Por exemplo, pode ser inserida uma coluna
para manhã (dia 1), tarde (dia 1) e noite (dia 1), e assim sucessivamente.

Monitoramento do humor na era digital

A internet trouxe grandes mudanças para a vida das pessoas, in­


cluindo pacientes e terapeutas (Seixas & Melo, 2011). Com os avan­
ços crescentes da era digital, novas tecnologias trouxeram para a reali­
dade cotidiana uma outra opção para o monitoramento do humor.
Existem atualmente diversos aplicativos para celulares e tablets criados
especialmente para tal finalidade. E muito mais fácil e prático olhar
Estratégias Psícoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 93

para a tela do seu celular e clicar num aplicativo do que pegar folha e
caneta na bolsa ou carteira e escrever.
Apesar de nem todos os pacientes se adaptarem a essa nova reali­
dade, tais ferramentas digitais podem ser um importante recurso para
aqueles que prefiram mexer em seu smartphone do que registrar manual­
mente por escrito, como ocorre com muitos adolescentes, por exemplo.

Monitoramento das distorções cognitivas

Distorções cognitivas são erros de pensamento que frequentemen­


te interferem no processo de interpretação dos fatos (Beck, 1995; Beck,
1979). A identificação do processo de distorção do pensamento é funda­
mental para a modificação das respostas emocionais desadaptativas
(Burns, 1989; Dryden & Ellis, 2001). As técnicas de Automonitora-
mento também podem ser empregadas para identificação e rotulação de
distorções cognitivas, conforme proposto pela Terapia Cognitiva Proces­
sual (De Oliveira, 2013) (para mais informações, ver Capítulo 14).
A partir da Psicoeducação das distorções cognitivas (para maio­
res informações, ver Capítulo 1), é possível utilizar instrumentos que
auxiliam no processo de monitoramento das mesmas. Torna-se eviden­
te, neste ponto, o quanto uma estratégia psicoterápica está diretamente
atrelada a outra. Não pode haver Automonitoramento sem que haja
informação (Psicoeducação) acerca do fenômeno em questão.
Um instrumento desenvolvido especialmente para auxiliar no
monitoramento das distorções cognitivas é o Cognitive Distortions Ques­
tionnaire — CD-Quest (De Oliveira, 2013) [ver Apêndice no final de ca­
pítulo]. Tal instrumento avalia a intensidade e a frequência com que as
distorções cognitivas estiveram presentes ao longo da semana, propician­
do uma avaliação objetiva das mesmas. Com o escore obtido por meio
da aplicação do instrumento, é possível monitorar periodicamente os
progressos da terapia e mensurá-los de maneira bastante efetiva.
O Quadro 3.7 apresenta as principais distorções cognitivas (De Oli­
veira, 2013). A partir da Psicoeducação realizada pelo terapeuta na consul-
94 Automonitoramento e Resolução de Problemas

ta, são identificadas quais delas o paciente apresenta. Desse modo, o


paciente leva para casa o material com as distorções cognitivas e moni­
tora quais delas estarão presentes em seu funcionamento ao longo da
semana. Na terceira coluna do quadro a seguir, existe um espaço para
que o paciente registre o seu próprio exemplo, onde descreverá breve­
mente a situação na qual flagrou a presença do processo de distorção
em sua interpretação.

Quadro 3.7 Distorções Cognitivas do CD-Q.uest: Definições e Exemplos


("O que acaba de passar por minha cabeça?")
Distorção cognitiva Definição Exemplos
1 Pensamento dicotômico Vejo a situação, a pessoa ou o acon­ "Eu cometí um erro, logo meu rendi­
(também chamado tudo- tecimento apenas em termos de mento foi um fracasso." "Comi mais do
ou-nada, preto e branco "uma coisa ou outra" colocando-as que pretendia, portanto estraguei com­
ou polarizado) somente em uma ou outra catego­ pletamente minha dieta."
ria extrema, em vez de encará-las Meu exemplo:
em um contínuo.
2 Previsão do futuro (tam­ Antecipo o futuro em termos ne­ "Vou fracassar e isso será insuportável."
bém denominada catas- gativos e acredito que o que acon­ "Vou ficar tão perturbado que não con­
trofi2ação) tecerá será tão horrível que eu não seguirei me concentrar no exame."
vou suportar. Meu exemplo:
3 Desqualificação dos aspec­ Desqualifico e desconto as expe­ "Fui aprovado no exame, mas foi pura
tos positivos riências e acontecimentos positivos sorte." "Entrar para a universidade não foi
insistindo que estes não contam. grande coisa, qualquer um consegue."
Meu exemplo:
4 Raciocínio emocional Acredito que minhas emoções re­ "Sinto que ela me ama, então deve ser ver­
fletem o que as coisas reaimente dade." "Tenho pavor de aviões; logo, voar
são e deixo que elas guiem minhas deve ser perigoso." "Meus sentimentos me
atitudes e julgamentos. dizem que não devo acreditar nele."
Meu exemplo:
5 Rotulação Coloco um rótulo fixo, global e ge­ "Sou um fracassado." "Ele é uma pessoa
ralmente negativo em mim ou nos estragada." "Ela é uma completa imbecil."
outros. Meu exemplo:
6 Ampliação/ Avalio a mim mesmo, os outros e "Consegui um 8. Isto demonstra o quanto
minimização as situações ampliando os aspectos meu desempenho foi ruim." "Consegui um
negativos e/ou minimizando os as­ 10. isto significa que o teste foi muito fácil."
pectos positivos. Meu exemplo:
7 Abstração seletiva (tam­ Presto atenção em um ou poucos "Miguel apontou um erro em meu trabalho.
bém denominada filtro detalhes e não consigo ver o qua­ Então, posso ser despedido" (não conside­
mental e visão em túnel) dro inteiro. rando o retomo positivo de Miguel). "Não
consigo esquecer que aquela informação
que dei durante minha apresentação estava
errada" (deixando de considerar o sucesso
da apresentação e o aplauso das pessoas).
Meu exemplo:
contínua
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 95

Quadro 3.7 Continuação


Distorção cognitiva Definição Exemplos

8 Leitura mental Acredito que conheço os pensa­ "Ele está pensando que eu falhei." "Ela
mentos e intenções de outros (ou pensou que eu não conhecia o projeto."
que eles conhecem meus pen­ "Ele sabe que eu não gosto de ser tocada
samentos e intenções) sem ter evi­ deste jeito."
dências suficientes. Meu exemplo:
9 Supergeneralização Eu tomo casos negativos isolados "Estava chovendo essa manhã, o que sig­
e os generalizo, tornando-os um nifica que choverá todo o fim de semana."
padrão interminável com o uso re­ "Que azar! Perdí o avião, logo isto vai es­
petido de palavras como "sempre" tragar minhas férias inteiras." "Minha dor
"nunca", "todo" "inteiro", etc. de cabeça nunca vai parar."
Meu exemplo:
10 Personalização Assumo que comportamentos dos "Senti-me mal porque a moça do caixa
outros e eventos externos dizem não me agradeceu" (sem considerar que
respeito (ou são direcionados) a ela não agradeceu a ninguém). "Meu ma­
mim, sem considerar outras expli­ rido me deixou porque eu fui uma má es­
cações plausíveis. posa" (não considerando que ela foi sua
quarta esposa).
Meu exemplo:
11 Afirmações do tipo "de­ Digo a mim mesmo que os aconte­ "Eu devia ter sido uma mãe melhor". "Ele
veria" (também "devia" cimentos, os comportamentos de deveria ter se casado com Ana em vez de
"devo" "tenho de") outras pessoas e minhas próprias Maria." "Eu não devia ter cometido tan­
atitudes "deveríam" ser da forma tos erros."
que espero que sejam e não o que Meu exemplo:
de fato são.
12 Conclusões precipitadas Tiro conclusões (negativas ou po­ "Logo que o vi, soube que ele ■fiaria um
sitivas) a partir de nenhuma ou trabalho deplorável." "Ele olhou para
poucas evidências que possam mim de tal modo, que logo concluí que
confirmá-las. ele foi o responsável pelo acidente."
Meu exemplo:
13 Culpar (outros ou a si Dirijo minha atenção aos outros 'Meus pais são os únicos culpados por
mesmo) como fontes de meus sentimentos minha infelicidade." "É culpa minha que
e experiências, deixando de consi­ meu filho tenha se casado com uma pes­
derar minha própria responsabili­ soa tão egoísta edescuidada"
dade; ou, inversamente, tomo para Meu exemplo:
mim mesmo a responsabilidade
pelos comportamentos e atitudes
de outros.
14 E se...? Fico me fazendo perguntas do tipo "E se eu bater o carro?" "E se eu tiver um
"e se acontecer alguma coisa?" enfarte?" "E se meu marido me deixar?"
Meu exemplo:
15 Comparações injustas Comparo-me com outras pessoas "Meu pai prefere meu irmão mais velho a
que parecem se sair melhor do que mim porque ele é mais inteligente do que
eu e me coloco em posição de des­ eu." "Estou triste porque ela tem mais su­
vantagem. cesso do que eu."
Meu exemplo*.

© Irismar Reis de Oliveira (www.trial-basedcognitivetherapy.com).


96 Automonitoramento e Resolução de Problemas

Os modelos cognitivos dos transtornos mentais pressupõem que


existem especificidades cognitivas que tornam determinadas psicopa-
tologias mais vulneráveis a certos tipos de distorções e vieses. Um pa­
ciente deprimido, por exemplo, tenderá a apresentar distorções cogni­
tivas compatíveis com o seu funcionamento, ou seja, congruentes com
a visão negativista de si próprio, do mundo e do futuro (Beck, 1979).
As distorções cognitivas são processos interpretativos disfuncionais que
visam a confirmar as crenças do indivíduo (Beck, 1995; Leahy, 2003).
Em outras palavras, é mais econômico, do ponto de vista cognitivo,
distorcer a realidade do que reestruturar e modificar crenças e esque­
mas duradouros e muitas vezes bastante enraizados.
O Automonitoramento é fundamental para o processo de altera­
ção de processos interpretativos e atencionais automatizados presentes
nas diferentes psicopatologias. Por exemplo, no transtorno de ansieda­
de generalizada, no qual preocupações exageradas e incontroláveis liga­
das a situações cotidianas são o foco do tratamento, torna-se indispen­
sável o Automonitoramento e registro destas cognições disfuncionais.
Mediante a identificação e com o auxílio do registro de suas preocupa­
ções diárias, o paciente tem mais condições de avaliar o conteúdo des­
tas, podendo, inclusive, classificá-las em preocupações produtivas (com
solução) e improdutivas (Clark & Beck, 2012; Leahy, 2007).
Da mesma forma, no tratamento do transtorno obsessivo-com-
pulsivo e demais transtornos relacionados, o Automonitoramento possi­
bilita a identificação das situações nas quais ocorrem as obsessões (e ne­
cessidade de compulsão ou evitação), permitindo o mapeamento das si-
tuações-gatilhos (Clark & Beck, 2012; Cordioli, 2014). Esta estratégia
pode ser um fator decisivo na interrupção de rituais e sintomas já auto­
matizados. Por meio desse registro diário, os problemas são delimitados,
as situações de risco são elucidadas e, como consequência, um melhor
planejamento das estratégias de enfrentamento pode ser traçado.
No transtorno de pânico, o monitoramento e a consequente
identificação objetiva das reações fisiológicas do ataque de pânico po­
dem ser cruciais no controle das crises de ansiedade (Clark & Beck,
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 97

2012; McNally, 2002). A partir do momento em que o paciente con­


segue nomear o que está sentindo, monitorando seu corpo, pensamen­
tos e emoções (por exemplo: “Meu coração está acelerado e estou um
pouco trêmulo. Minhas mãos estão suando e o nível de ansiedade que
estou sentindo neste momento é de intensidade 7”), o processo de ca-
tastrofização é interrompido. Com isso, é possível, se não evitar, pelo
menos diminuir o tempo e a intensidade do ataque de pânico, uma
vez que pensamentos do tipo “vou morrer”, “vou enlouquecer” ou
“vou perder o controle” são relativizados.
O transtorno da personalidade Borderline é um transtorno com
acentuada impulsividade e diversos problemas de comportamento
(para maiores informações, ver Capítulo 11). Uma das estratégias uti­
lizadas no tratamento de pacientes com esse transtorno são os Cartões
Diários (Linehan, 2010), que visam a diminuir a impulsividade, au­
mentando a capacidade de Automonitoramento do paciente. O Qua­
dro 3.8 apresenta o modelo de Cartão Diário que pode ser utilizado
para o tratamento de pacientes com forte impulsividade. Os compor­
tamentos descritos no cartão são personalizados de acordo com a ne­
cessidade de cada paciente.

Quadro 3.8 Modelo de Cartão Diário para monitoramento de comporta­


mentos de risco
Registrar o número de vezes que o comportamento ocorreu nesta semana
Gritos Uso de Tomar
Atirar Quebrar Bater Fumar
Datas descontro­ Cortes droga/ medicamentos
coisas coisas porta cigarros
lados álcool não prescritos
Segunda
Terça
Quarta
Quinta
Sexta
Sábado
Domingo
98 Automonitoramento e Resolução de Problemas

Cartões de Enfrentamento
Uma das técnicas mais simples da terapia cognitiva é o uso dos Car­
tões de Enfrentamento. Tal técnica consiste em escrever em um cartão
lembretes ou elementos motivacionais que sirvam como um monitor ex­
terno para ajudar o paciente a lembrar dos temas abordados em sessão.
Os Cartões podem ser fotos, frases ou palavras que simbolizem a
ideia central de um determinado tópico. Eles têm o poder de funcionar
como gatilhos que provocam a metacognição, aumentando o nível de
controle acerca de determinados automatismos, sejam eles cognitivos ou
comportamentais. Por exemplo, uma paciente tabagista, com aproximada­
mente 60 anos, buscou tratamento porque queria parar de fumar. Dentre
todas as técnicas utilizadas, a que mais surtiu efeito foi um Cartão de En­
frentamento em que ela escreveu uma frase que ela ouviu da netinha, de 2
anos de idade: 'Vovó, larga o cigarro e pega eu”.

Automonitoramento na Infância
Enquanto adultos podem se beneficiar mais facilmente de técni­
cas complexas e que atendem a diversos tipos de necessidades no que
se refere ao automonitoramento e à resolução de problemas, crianças
exigem algumas modificações.
As crianças muito jovens que ainda não sabem ler e escrever preci­
sam de uma sessão lúdica em que o terapeuta a auxilie bastante com a iden­
tificação de seus sentimentos, pensamentos e construção de idéias para re­
solução de problemas. Por isso, o terapeuta inclui em seu trabalho o uso de
materiais, como bonecos e personagens, que atendem a aprendizagem prin­
cipalmente por modelação (para mais informações, ver Capítulo 17).
Já crianças maiores podem se beneficiar de uma vasta gama de técni­
cas existentes para o automonitoramento a partir dos sete anos. Stallard
(2008) utiliza materiais gráficos para a psicoeducaçâo e identificação de sen­
timentos. A criança é levada a entender que os sentimentos geram alterações
físicas que podem ajudar com mais facilidade na identificação dos mesmos.
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 99

Para o monitoramento de pensamentos, o mesmo autor sugere o “teste para


rastreador de pensamentos”. O objetivo, assim como em adultos, é identifi­
car as distorções cognitivas mais frequentes; porém, nesse caso, os erros de
pensamento estão alocados em quatro categorias: “óculos negativos”, “o po­
sitivo não dá conta”, “explodindo tudo” e “o adivinhador”. Outros autores
criaram técnicas lúdicas como a “troca de moeda” (Friedberg & McCLure,
2008/2004), em que a criança é estimulada a identificar o pensamento dis-
funcional e o trocar por um novo pensamento adaptativo, assim como nas
versões mais completas de RPD para adultos.
A associação de pensamentos a sentimentos pode ainda ser realizada
de outras formas. Quanto menor a criança, menor é o número de emo­
ções que devem ser ensinadas em terapia. Por exemplo, crianças mais jo­
vens entendem as emoções básicas como raiva, tristeza, alegria e medo. À
medida que forem crescendo, podem ser incluídas emoções e sentimentos
como preocupação, inveja, culpa e desconfiança, entre outros. Friedberg e
McClure (2008/2004) propõem ao paciente que faça o seu próprio “Mapa
de Rostos de Sentimentos”; dessa forma, a criança pode construir a expres­
são da emoção (por desenhos ou por colagem de recortes), correspondente
ao seu nível de entendimento, dentro de círculos em branco na respectiva
legenda. Assim, diminui-se a chance de que o terapeuta esteja ensinando
emoções que não sejam compatíveis ao desenvolvimento da criança. Em
contrapartida, o “Baralho das Emoções”, que foi desenvolvido para facili­
tar o acesso ao conteúdo emocional, compreende vinte e uma diferentes
emoções (Caminha & Caminha, 2008). Esse instrumento vem sendo uti­
lizado na clínica infantil, principalmente no atendimento a crianças mais
velhas e mesmo a adolescentes.
Ao contrário de adultos que podem descrever a intensidade da
emoção por meio de percentagens, as crianças precisam de algo mais
concreto. Os “termômetros de sentimentos” são instrumentos capazes
de ajudar crianças a treinarem maior controle cognitivo (Castro-Blanco,
1999 citado por Mulligan & Christner, 2006), pois ajudam a identifi­
car a intensidade do sentimento. Eles vêm sendo usados na prática clí­
nica há bastante tempo e autores utilizam diferentes imagens para ilus­
100 Automonitoramento e Resolução de Problemas

trar essa medição (Caminha & Caminha, 2008; Friedberg & McClure,
2008/2004; Scheeringa, Amaya-Jackson, & Cohén, 2010).

Resolução de problemas e psicoterapia

Diariamente, são tomadas inúmeras decisões, que variam desde


que roupa usar até as mais complexas, como mudar ou não de faculdade
ou de emprego, sair de casa, romper um relacionamento ou até mesmo
fazer ou não terapia. Muitos indivíduos apresentam considerável dificul­
dade em fazer escolhas ou simplesmente lidar com os problemas do dia
a dia. Um problema é uma situação na qual você está tentando alcançar
um objetivo e deve encontrar um meio de chegar lá (Nezu, 2004).
A literatura na área de Resolução de Problemas costuma dividi-
los em problemas bem e mal estruturados (Bell & D'Zurilla, 2009).
Aqueles denominados bem estruturados, são os problemas em que se
pode saber claramente quando se alcançou a solução. Já no caso dos
problemas mal estruturados, é bastante difícil saber exatamente quan­
do o problema pode ser considerado resolvido. Muitos pacientes bus­
cam terapia tentando resolver seus problemas de vida, muitas vezes
sem que tais problemas estejam bem definidos. Imagine o exemplo de
alguém que chega ao consultório dizendo que está procurando um tra­
tamento psicoterápico porque gostaria de se conhecer. A pergunta
mais óbvia a ser realizada pelo terapeuta seria: “Quais aspectos da sua
pessoa ou áreas da sua vida que não são ainda bem conhecidos por
você?”. Mesmo que intuitivamente, o terapeuta buscará uma maior es­
pecificidade do problema, a fim de que seja possível procurar soluções.
Entretanto, na vida real, é possível que essas duas categorias, isto é,
problemas bem e mal estruturados, sejam mais verdadeiramente distribuí­
dos em uma linha contínua, formando um espectro, do que em duas cate­
gorias distintas. Alguns problemas podem ser mais claramente definidos
como bem estruturados do que outros quando, ao sair-se do laboratório,
encontram-se os problemas do mundo como eles de fato se apresentam.
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 101

A estratégia de Resolução de Problemas é considerada um im­


portante foco de tratamento em terapia cognitiva convencional, uma
vez que existe uma ênfase no aqui e agora, ao contrário do que ocorre
em outras abordagens psicoterápicas (Beck, 1995). A psicologia cogni­
tiva buscou criar modelos explicativos para compreender os mecanis­
mos psicológicos envolvidos no processo de resolução de problemas
(Eysenck & Keane, 1994; Sternberg, 2000). Assim, foi sistematizado
um processo de resolução de problemas distribuído em sete passos,
apresentados na figura a seguir.

Figura 3.1 Ciclo de Resolução de Problemas (Sternberg, 2000).

O processo de resolução de problemas inicia-se com a identifica­


ção do mesmo para posteriormente ser feita uma definição mais espe­
cífica (MaloufF, Thorsteinsson, & Schutte, 2007). De acordo com
Sternberg (2000), o segundo passo do ciclo é um dos mais difíceis de
serem executados. Na maior parte das vezes, os problemas que pare­
cem insolúveis estão, na verdade, mal definidos. Em outras palavras,
problemas bem específicos têm soluções específicas, problemas genéri­
cos, não têm solução. Pense no caso de um que paciente chega até o
consultório para uma primeira consulta e diz ao terapeuta: “Estou aqui
102 Automonitoramento e Resolução de Problemas

porque quero ser feliz”. Como o terapeuta saberá o que é a felicidade


para ele? Como saberá quando já atingiram níveis suficientes de felici­
dade para sugerir a alta?
Apesar do ciclo de resolução de problemas ser apresentado de
modo sequencial, pessoas habilidosas em resolver problemas costumam
ser bastante flexíveis em percorrer todos os sete passos. Se um indivíduo
consegue gerar boas estratégias de solução com o pensamento divergente
(passo 3), já considerando as limitações impostas pela alocação de recur­
sos (passo 5), terá mais chance de resolver o problema de maneira mais
eficaz e em menor tempo, uma vez que não dispende tempo propondo
soluções inadequadas (Bell & D’Zurilla, 2009). As etapas foram propos­
tas como ciclo, considerando que uma vez completadas, dão geralmente
origem a um novo problema em que esses passos devem ser repetidos.
Em outras palavras, a solução para um problema pode dar origem a ou­
tro, o qual, por sua vez, precisará ser resolvido.

Técnicas para Resolução de Problemas

A terapia cognitiva possui diversas técnicas que podem ser utili­


zadas como ferramentas de auxílio no processo de resolução de proble­
mas levando em consideração tanto os aspectos contextuáis no qual o
problema está inserido, até o perfil cognitivo característico daquele in­
divíduo (Bell & D’Zurilla, 2009).

Técnica para procrastinação

Alguns indivíduos costumam apresentar um padrão comporta-


mental procrastinador, muitas vezes acumulando pendências que po­
dem formar listas imensas de atividades que deveríam ter sido realiza­
das, mas por algum motivo não foram. Apesar da procrastinação ser
uma característica comum a diversas psicopatologias, tal como pode
ocorrer no transtorno da personalidade obsessivo-compulsiva (Beck,
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 103

1979), no transtorno do déficit de atençâo/hiperatividade (Nolan &


Carr, 2013), no transtorno depressivo maior (Alexopoulos et ai., 2011;
Pergher, Stein, Sé Wainer, 2004), ela nâo precisa necessariamente ser
sintoma de algum transtorno.
Independentemente dos motivos que levam o indivíduo a pro-
crastinar, uma das técnicas que podem ser utilizadas para o tratamen­
to deste tipo de problema é a Urgência versus Importância (Covey,
2004). Essa técnica consiste em se estabelecer uma lista com todas as
pendências que estão presentes na vida do indivíduo, sem considerar
num primeiro momento o nível de complexidade das mesmas. Pos­
teriormente, as pendências serão distribuídas em quatro categorias
distintas levando-se em consideração o nível de urgência e de impor­
tância de cada uma delas. O quadro a seguir apresenta um modelo
da aplicação da técnica.

Quadro 3.9 Modelo de Técnica Urgência versus Importância


URGÊNCIA
Pouca Muita
1 p
« Consertar a fechadura do armário;
M 0 • Trocar a lâmpada queimada do banheiro;
• Trocar a calça na loja;
P u • Cortar o cabelo;
• Telefonar para o Paulo para agradecer o
O c • Pagar mensalidades atrasadas da natação;
convite.
R a
T • Levar carro para a oficina;
 • Mandar e-mail para professor para
M • Depositar os cheques de clientes
N perguntar sobre a bolsa de auxiliar de
u no banco;
C pesquisa;
i • Pegar correspondências na portaria;
• Agendar médico para ver dor nas
t • Desbloquear os cartões de crédito no
A costas;
a banco;
• Iniciar academia;
• Cadastrar senha para acesso à internet.

Todas as pendências devem obrigatoriamente ser alocadas ape­


nas em um dos quatro quadrantes. O plano de ação inicia já na con­
sulta, com o estabelecimento da execução de algumas das pendências
como tarefa de casa. As primeiras devem ser aquelas classificadas como
sendo muito urgentes e muito importantes.
104 Automonítoramento e Resolução de Problemas

Técnicas para tomada de decisão


Algumas decisões como parar ou nâo de beber, trocar de emprego
ou até mesmo terminar um relacionamento podem ser especialmente
difíceis. Algumas técnicas da terapia cognitiva foram desenvolvidas fun­
damentalmente para auxiliar no dilema enfrentado devido à ambivalên­
cia ou mesmo à disputa entre razão e emoção no processo de decisorio.
A Balança Decisacional é uma técnica utilizada inicialmente para
ajudar pacientes com problemas de comportamentos aditivos a resolverem
o impasse causado pela ambivalência (Miller & Rollnick, 2001). Muitas
das indefinições e indecisões encontradas no dia a dia dos pacientes são de­
rivadas do emaranhamento entre o querer e o não querer. A Balança Deci­
sacional é uma das técnicas mais características da Entrevista Motivacional
(para mais informações, ver Capítulo 2), mas também é uma importante
ferramenta para a estratégia de Resolução de Problemas. Por exemplo, se
um paciente está bastante apreensivo por causa das dificuldades que encon­
tra em decidir trocar ou não de emprego. O problema pode ser colocado
na “balança” conforme exemplo a seguir, exposto no Quadro 3-10.

Quadro 3.10 Modelo de Balança Decisacional


Vantagens continuar no emprego atual Desvantagens em continuar no emprego atual
• Já conheço o funcionamento da empresa e sei • Não tenho o respeito do meu chefe.
que gostam de mim. • Preciso aguentar injustiças e lidar com coisas
• Tenho estabilidade e uma vida confortável. que não concordo dentro da empresa.
Vantagens em abrir o próprio negócio Desvantagens em abrir o próprio negócio
• Vou poder fazer as coisas do meu jeito. • Não tenho certeza de quanto tempo ficarei
• Posso até ganhar mais do que ganho hoje. sem ter renda.
• Terei satisfação em trabalhar naquilo que eu • Pode demorar muito para eu conseguir
construí. conquistar as coisas positivas que espero
• Não vou mais precisar aguentar gritos e conquistar.
humilhações do meu chefe.
• Terei orgulho no futuro de dizer que arrisquei
e venci.

A técnica da Balança Decisacional é uma ferramenta bastante


simples e útil para o trabalho com muitos dos problemas enfrentados
na prática clínica em terapia cognitiva quando a questão é a tomada de
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 105

decisões. Entretanto, ela pode náo funcionar tão bem para aqueles
problemas relacionados a intensa carga emocional, como relaciona­
mentos afetivos, por exemplo. Náo adianta colocar uma lista imensa
de argumentos racionais de um lado da balança, se na outra ponta, o
único argumento — “Mas eu gosto dele” — tem um peso maior que to­
dos os demais juntos. Para essas situações, a técnica do Role-play Ra­
cional Emotivo Consensual se torna mais indicada, posto que inclui a
disputa entre a razão versus emoção no processo decisorio.
O Role-play Racional Emotivo Consensual (De Oliveira, 2013)
é mais uma das técnicas desenvolvidas pela Terapia Cognitiva Proces­
sual. Ela consiste em sistematizar o processo decisorio em sete etapas,
onde se busca um consenso entre a razão e a emoção (para mais infor­
mações, ver Capítulo 14). Se, por exemplo, um paciente tem um rela­
cionamento conturbado com a namorada e está em dúvida se deve ou
náo deixá-la, a técnica está seguramente indicada. A seguir é apresenta­
do um quadro com o modelo de instrumento para a técnica:

Quadro 3.11 Modelo de Role-play Racional Emotivo Consensual


106 Automonitoramento e Resolução de Problemas

Após o estabelecimento da ação desejada ou temida, por exemplo,


“Terminar meu namoro de 8 anos”, o primeiro passo consistirá em definir
quais são as vantagens e desvantagens de se romper o relacionamento.

Quadro 3.12 Exemplo do primeiro passo da técnica Role-play Racional Emo­


tivo Consensual
Vantagens Desvantagens
1. Terei oportunidade de conhecer outras pessoas. 1. A família dela me adora e me trata como
2. Não enfrentarei mais as brigas terríveis que se eu fosse um filho.
estamos enfrentando nos últimos 2 anos; 2. Posso ficar sozinho por muito tempo, pois
3. Não precisarei mais gastar dinheiro com coisas não sei se tenho capacidade de conquistar
que eu não quero só para ter que agradar ou novas mulheres.
não brigar; 3. A maioria dos meus amigos está namorando
4. Vou poder ficar mais próximo dos meus amigos. e posso não ter com quem sair.
4. Terei que me mudar do apartamento que
moramos juntos atualmente.

O segundo passo consiste em separar o quanto de razão e de


emoção cada uma das extremidades apresentam, de modo a visualizar
claramente o impasse (De Oliveira, 2013).

Quadro 3.13 Exemplo do segundo passo da técnica Role-play Racional Emo­


tivo Consensual
Vantagens Desvantagens
Emoção (E) = 30% Emoção (E) = 70%
Razão (R) = 80% Razão (R) = 20%

No exemplo, é possível observar que existe um claro conflito en­


tre a emoção (30% versus 70%) e a razão (80% versus 20%). Partindo
do observado, em que a razão diz para o paciente romper e a emoção
diz para ele continuar o relacionamento, torna-se nítida a ambivalên­
cia, e também quais são os fatores que se constituem nos principais ar­
gumentos do dilema. A etapa a seguir, denominada Ponto e Contra­
ponto, consistirá numa das partes mais importantes da técnica, posto
que é onde o indivíduo realizará um diálogo em voz alta, em que ora
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 107

representará os papéis da emoção e da razão. Essa etapa costuma de­


morar em torno de 10 minutos, e é observada pelo terapeuta, que au­
xilia o paciente com as argumentações, somente se necessário. A seguir,
um exemplo de diálogo em que o terapeuta apenas introduz o dilema
para que o paciente inicie a etapa do Ponto e Contraponto:

T: Podemos observar que existe uma clara disputa entre o que a razão lhe
diz para e o que as emoções falam. Neste momento, gostaria que você falas­
se em nome da emoção, usando os argumentos que venham à sua mente.
P (emoção): A emoção diria que eu tenho muito medo de ficar sem nin­
guém e de colocar a perder uma relação de 8 anos.
T: E o que a razão acha disso?
P (razão): Que eu nunca vou sair dessa situação (relacionamento) se eu não
me der o direito de arriscar.
T: E a emoção, o que tem a dizer?
P (emoção): Que posso pagar um preço alto demais por arriscar algo tão
importante.
T: E a razão.
P (razão): A razão diria que eu sou um homem interessante, que tenho qua­
lidades e que não há motivos para pensar que eu nunca mais vou encontrar
ninguém. A Julia não é a única mulher que se interessaria por mim.
T: E a emoção.
P (emoção): A emoção diria que também tem o problema da família dela.
Eles gostam muito de mim e não imaginam que a gente não vá casar e ficar
juntos para sempre.
T: E a razão.
P (razão): A razão diria que a vida é minha e que não é justo comigo eu
continuar infeliz por causa da expectativa das ouuas pessoas.
(Continua...)

A partir de um certo momento começa a haver um consenso en­


tre o que a razão e a emoção defendem. É importante que o terapeuta
possa auxiliar o paciente no fechamento da etapa do Ponto e Contra­
ponto, conduzindo os trabalhos para a próxima etapa.

P (consenso entre razão e emoção): Acho que não conseguirei ser feliz se
continuar em um relacionamento que, há tanto tempo, não está fazendo
108 Automonitoramento e Resolução de Problemas

com que eu me sinta realizado. Vejo que já estamos juntos há oito anos e
que há muito não sinto mais o que costumava sentir pela Julia. Além disso,
posso continuar amigo da família dela, porque todos gostam de mim e, ape­
sar de não esperarem, certamente entenderão um eventual rompimento.
T: E quem está falando neste momento? A razão ou a emoção?
P: Acho que as duas.

A quarta etapa consiste em não mais separar o que a razão e a


emoção defendem separadamente, mas sim avaliar o nível de inclina­
ção do paciente em tomar a decisão.

Quadro 3.14 Exemplo do quarto passo da técnica Role-play Racional Emo­


tivo Consensual
Vantagens Desvantagens
75% 25%

Na etapa posterior, o terapeuta solicita ao paciente que faça uma


avaliação do seu processo de tomada de decisão, dando um feedback
em relação ao trabalho realizado até o presente momento. A partir de
então, o paciente pode avaliar o quão pronto para tomar sua decisão
ele está naquele momento. E necessário salientar que não deve haver
nenhum tipo de pressão para que o indivíduo conclua a sessão com a
decisão tomada (De Oliveira, 2013). E importante fazer essa ressalva
ao paciente, a fim de que ele não se sinta compelido a decidir sem que
esteja preparado, e também para que não se frustre por eventualmente
não estar totalmente certo do que irá fazer ao final da técnica.
O plano de ação é a última etapa da técnica e consiste em esta­
belecer um passo a passo coerente com a decisão tomada pelo paciente
ao longo da consulta. Por meio dele, será possível definir quais os pas­
sos a serem seguidos para que a resolução do problema possa ser im­
plementada. O terapeuta pode ajudar o paciente com questões nortea-
doras que servirão como diretrizes para as ações futuras. No exemplo
descrito, a partir da decisão do paciente de romper seu relacionamen­
to, poderíam ser discutidas em conjunto questões como “Quando irei
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 109

falar com a minha namorada?”, “Como e onde penso em ter essa con­
versa?”, “Quais as pessoas que poderão me auxiliar a lidar com o su­
porte emocional a ela? E a mim?”, “Quando vou falar com nossos fa­
miliares sobre o rompimento?”, e assim por diante. O quadro a seguir
ilustra o exemplo descrito anteriormente.

Quadro 3.15 Exemplo de Plano de Ação a ser implementado


Ações propostas:
a) Conversar com a Julia (namorada) e ser direto.
b) Pensar que vai ser melhor, a médio e longo prazo, para mim e para ela.
c) Procurar outro apartamento para morar.
d) Conversar com a família dela.
e) Sugerir para ela retomar a terapia dela e a medicação.

Possíveis obstáculos às ações:


a) Culpa por vê-la sofrendo.
b) Medo de ser criticado pela família dela.
c) Dificuldade em ser direto e suficientemente claro durante a conversa com a Julia.

Soluções para os obstáculos:


a) Lembrar do que falei na sessão.
b) Conversar com meus amigos e familiares que sabem dos problemas que estamos enfrentan­
do no relacionamento.
c) Não abandonar a terapia.
d) Pensar que meu namoro não é o primeiro nem o último a acabar no mundo.

Acompanhamento:
a) Seguir cuidando da minha vida e de mim (trabalho, faculdade, academia, amigos).
b) Não deixar de realizar coisas que sei que me fazem bem (futebol, convívio com amigos, via­
gem com amigos, ir para a praia com meus primos).
c) Não achar que serei infeliz para sempre se por acaso não encontrar logo alguém para ficar
comigo.

É importante salientar que, muitas vezes, o paciente pode ter to­


mado sua decisão, mas não deseja implementar imediatamente a solu­
ção encontrada por não se sentir totalmente preparado, ou ainda, por
alguma razão, por não achar conveniente que tal passo seja dado nesse
momento. Nesses casos, sendo a decisão NÂO implementar a ação de­
sejada, o plano de ação pode ser construído no intuito de preparar o
paciente para decidir implementá-lo mais tarde.
110 Automonitoramento e Resolução de Problemas

Resolução de problemas na infancia

A resolução de problemas é uma habilidade que pode ser estimula­


da desde muito cedo. Ensinar passos para a solução de um problema tende
a ser mais efetivo do que resolver o problema para uma criança ou adoles­
cente e deixar que aprendam apenas por modelação. Por isso, alguns auto­
res desenvolveram diferentes técnicas, adequadas a esses pacientes. É co­
mum que a criança tenha dificuldade em identificar o seu problema. Por
exemplo, “meus colegas não gostam de mim” é secundário ao problema:
“exijo que os meus colegas brinquem somente do que eu quero”. O tera­
peuta que esperar para que a criança verbalize o real problema pode trans­
formar a sessão em um momento entechante e desmotivador. Padesky
(1988), citado por Friedberg (2008/2004), a fim de prevenir esse desagra­
dável desfecho, sugere o que o paciente escreva uma carta ao terapeuta e
assim mantenha uma distância que possibilite maior conforto para a crian­
ça relatar os seus problemas e o que tem acontecido com ela.
Com o problema identificado, o terapeuta pode ensinar o passo
a passo da solução de um problema (para maiores informações, ver
Capitulo 17). Instrumentos como o Baralho dos Problemas (Lopes &
Lopes, 2013) e o Cope Plan (Friedberg, Masón, & Fidaleo, 1992) su­
prem essa necessidade na clínica infantil. Além disso, o uso de histó­
rias com diferentes finais para a discussão e avaliação é eficaz e man­
tém um clima lúdico na sessão. Role-play entre terapeuta e paciente
pode ser uma ferramenta importante para a atuação em situações pró­
ximas da realidade da criança e para a avaliação das consequências,
proporcionando espaço para a criação de novas idéias destinadas a re­
solver determinado problema. A avaliação das possibilidades de solu­
ção de problemas pode ser incluída na técnica de “projeção de tempo”,
pois ajuda a criança a perceber que respostas precipitadas ou impulsi­
vas podem ser disfuncionais, além de estimular para uma ponderação
mais cuidadosa das possíveis soluções (Lazaras, 1984).
Independentemente da técnica ou instrumento que o terapeuta
escolha para ajudar as crianças no automonitoramento e na solução de
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 111

seus problemas, é importante manter um caráter lúdico. Ainda, deve-


se respeitar o tempo que a criança pode levar para conseguir aceitar
que seus pensamentos negativos lhe fazem mal e que podem ser modi­
ficados, bem como entender que os problemas sâo, na verdade, seus
problemas, e dependem dela mesma para serem solucionados.

Considerações finais

As estratégias psicoterápicas de Automonitoramento e de Reso­


lução de Problemas constituem-se em importantes ferramentas para o
trabalho em conjunto de terapeuta e paciente. Ambas estão atreladas a
um conceito da terapia denominado Empirismo Colaborativo, em que
paciente e terapeuta trabalham juntos, em uma relação terapêutica e
colaborativa, para atingirem juntos as metas determinadas no início do
tratamento (Beck & Alford, 2000).
O aumento das habilidades metacognitivas, com o uso das téc­
nicas de Automonitoramento, em conjunto com o desenvolvimento
de capacidades cognitivas e emocionais para a tomada de decisões, por
meio das técnicas de Resolução de Problemas, são um ponto-chave dos
resultados observados em diversos estudos dé eficácia das terapias cog­
nitivas (Grendene et al., 2008; Pergher et al., 2004). Tais estratégias
psicoterápicas possuem diversas técnicas que devem ser adaptadas para
as necessidades e características individuais de cada paciente.
Uma das razões pelas quais a terapia cognitiva se desenvolveu e
cresceu ao redor do mundo reside nos resultados obtidos com a sua
prática. O presente capítulo não teve a pretensão de apresentar todas
as técnicas disponíveis nas diversas abordagens que hoje compõem as
chamadas terapias cognitivas, sejam elas as da primeira, da segunda ou
da terceira onda. O objetivo deste capítulo foi o de tentar auxiliar na
organização do conhecimento do clínico acerca das diversas ferramen­
tas que estão disponíveis na literatura sobre técnicas em terapia cogni­
tiva. A partir de uma queixa do paciente, o terapeuta estabelece uma
112 Automonitoramento e Resolução de Problemas

hipótese diagnostica, formula uma conceitualização cognitiva, institui


as estratégias psicoterápicas e decide, dentre tantas ferramentas, quais
técnicas vai utilizar. Ser terapeuta é fazer ciência com a criatividade de
quem faz arte.

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Apêndice
CD-Quest

Questionário de Distorções Cognitivas CD-Quest


©2010 Irismar Reis de Oliveira
Todos nós temos milhares de pensamentos durante o dia. Esses pensamentos
são palavras, frases e imagens que passam por nossas cabeças à medida que faze­
mos as coisas. Muitos desses pensamentos são corretos, porém, muitos estão dis­
torcidos. Por isto eles são chamados de erros cognitivos ou distorções cognitivas.
Por exemplo, Paulo é um jornalista competente cujo trabalho de umas 10
páginas foi revisado por João, o editor de um importante jornal local. João fez cor­
reções em um parágrafo e deu algumas sugestões de menor importância. Embora
João tenha aprovado o texto de Paulo, este ficou ansioso e pensou: "Este trabalho
está muito ruim. Se estivesse bom, João não teria corrigido nada."
Para Paulo, ou o trabalho está bom, ou está ruim. Este tipo de erro de pen­
samento costuma ser chamado de pensamento dicotômico. Como o pensamento
retornou à mente de Paulo várias vezes de sexta a domingo (3 dias), e Paulo acre­
ditou nele pelo menos 75%, ele fez um círculo em torno do número 4 na quarta
coluna da grade a seguir.
1. Pensamento dicotômico (também denominado pensamento do tipo tudo-
ou-nada, preto e branco ou polarizado): Vejo a situação, a pessoa ou o aconteci­
mento apenas em termos de "ou uma coisa, ou outra", colocando-as em apenas
duas categorias extremas em vez de em um contínuo.
EXEMPLOS: "Eu cometí um erro, logo meu desempenho foi um fracasso". "Comi
mais do que pretendia, portanto estraguei completamente minha dieta"
Exemplo de Paulo: Este trabalho está muito ruim. Se ele estivesse bom, João não
teria feito qualquer correção.
Frequência: Não Ocasiona! Boa parte do tempo Quase todo o tempo
(Não ocorreu) (1-2 dias durante (3-5 dias durante (6-7 dias durante
Intensidade: esta semana) esta semana) esta semana)
•. . ■■ ...... ■. 4 H c
Acreditei... 0
Um pouco (Até 30%) 1 2 3
Médio (31% to 70%) 2 3 4
Muito (Mais de 70%) 3 4 5

Por favor, vire a página e avalie seu próprio estilo de pensamento.

Apêndice disponível em www.sinopsyseditora.com.br/eptocfor


116 Automonitoramento e Resolução de Problemas

Questionário de Distorções Cognitivas CD-Quest


©2010 Irismar Reis de Oliveira
Nome:...................................................................................................................
Data:...............................

Por favor, faça um círculo em torno do número correspondente a cada opção a


seguir, indicando os erros ou distorções cognitivos que você notou estar fazen­
do durante esta semana. Ao avaliar cada distorção cognitiva, por favor, indique
quanto você acreditou nela no exato momento em que ocorreu (não quanto você
acredita agora) e com que frequência ela ocorreu durante esta semana. Por fa­
vor, dê seus próprios exemplos nos itens que você marcar 4 ou 5.

Durante esta semana, percebi que estava pensando da seguinte forma:


1. Pensamento dicotômico (também denominado pensamento do tipo tudo-
ou-nada, preto e branco ou polarizado): Vejo a situação, a pessoa ou o aconteci­
mento apenas em termos de "uma coisa ou outra", colocando-as em apenas duas
categorias extremas em vez de em um contínuo.
EXEMPLOS: "Eu cometí um erro, logo meu rendimento foi um fracasso". "Comi
mais do que pretendia, portanto estraguei completamente minha dieta"
Frequência: Não Ocasional Boa parte do tempo Quase todo o tempo
(Não ocorreu) (1-2 dias durante (3-5 dias durante (6-7 dias durante
Intensidade: esta semana) esta semana) esta semana)
Acreditei... 0 *> %' sBÄBSHS
Um pouco (Até 30%) 1 2 3
Médio (31% to 70%) *‘í 2 3 4
Muito (Mais de 70%) 3 4 5

2. Previsão do futuro (também denominada catastrofização): Antecipo o futuro


em termos negativos e acredito que o que acontecerá será tão horrível que eu
não vou suportar.
EXEMPLOS: "Vou fracassar e isso será insuportável." "Vou ficar tão perturbado
que não conseguirei me concentrar no exame."
Frequência: Não Ocasional Boa parte do tempo Quase todo o tempo
(Não ocorreu) (1-2 dias durante (3-5 dias durante (6-7 dias durante
Intensidade: esta semana) esta semana) esta semana)
Acreditei... 0 -
Um pouco (Até 30%) 1 2 3
Médio (31% to 70%) 2 3 4
Muito (Mais de 70%) 3 4 5
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 117

3. Desqualificação dos aspectos positivos: Desqualifico e desconto as experiên­


cias e acontecimentos positivos insistindo que estes não contam."
EXEMPLOS: "Fui aprovado no exame, mas foi pura sorte." “Entrar para a faculda­
de não foi grande coisa, qualquer um consegue."
Frequência: Não Ocasional Boa parte do tempo Quase todo o tempo
(Não ocorreu) (1-2 dias durante (3-5 dias durante (6-7 dias durante
esta semana) esta semana) esta semana)
Intensidade: Acreditei... 0 WSSiilSSISSi®
Um pouco (Até 30%) 1 2 3
Médio (31% to 70%) 2 3 4
Muito (Mais de 70%) 3 4 5

4. Raciocínio emocional: Acredito que minhas emoções refletem a realidade e


deixo que elas guiem minhas atitudes e julgamentos.
EXEMPLOS: "Sinto que ela me ama, então deve ser verdade." "Tenho pavor de
aviões, logo voar deve ser perigoso." "Meus sentimentos me dizem que não devo
acreditar nele."
Frequência: Não Ocasional Boa parte do tempo Quase todo o tempo
(Não ocorreu) (1-2 dias durante (3-5 dias durante (6-7 dias durante
esta semana) esta semana) esta semana)
intensidade: Acreditei... 0 ,5
Um pouco (Até 30%) 1 2 3
Médio (31% to 70%) 2 3 4
Muito (Mais de 70%) 3 4 5

5. Rotulação: Coloco um rótulo fixo, global e geralmente negativo em mim ou


nos outros.
EXEMPLOS: "Sou um fracassado." "Ele é uma pessoa estragada." "Ela é uma com­
pleta imbecil."
Frequência: Não Ocasional Boa parte do tempo Quase todo o tempo
(Não ocorreu) (1-2 dias durante (3-5 dias durante (6-7 dias durante
esta semana) esta semana) esta semana)
Intensidade: Acreditei... 0 *s '
Um pouco (Até 30%) 1 2 3
Médio (31% to 70%) 2 3 4
Muito (Mais de 70%) 3 4 5

6. Ampliação/minimização: Avalio a mim mesmo, os outros e as situações am­


pliando os aspectos negativos e/ou minimizando os aspectos positivos.
EXEMPLOS: "Consegui um 8. Isto demonstra o quanto meu desempenho foi
ruim." "Consegui um 10. Isto significa que o teste foi muito fácil."
118 Automonitoramento e Resolução de Problemas

Frequência: Não Ocasional Boa parte do tempo Quase todo o tempo


(Não ocorreu) (1-2 dias durante (3-5 dias durante (6-7 dias durante
esta semana) esta semana) esta semana)
Intensidade: Acreditei... 0
Um pouco (Até 30%) 1 2 3
Médio (31% to 70%) 2 3 4
Muito (Mais de 70%) 3 4 5

7. Abstração seletiva (também denominada filtro mental e visão em túnel)


Presto atenção em um ou poucos detalhes e não consigo ver o quadro inteiro.
EXEMPLOS: "Miguel apontou um erro em meu trabalho. Então, posso ser despe
dido" (não considerando o retorno positivo de Miguel. "Não consigo esquece
que aquela informação que dei durante minha apresentação estava errada" (dei
xando de considerar o sucesso da apresentação e o aplauso das pessoas).
Frequência: Não Ocasional Boa parte do tempo Quase todo o tempo
(Não ocorreu) (1-2 dias durante (3-5 dias durante (6-7 dias durante
esta semana) esta semana) esta semana)
Acreditei...lntensídade: 0
Um pouco (Até 30%) 1 2 3
Médio (31% to 70%) 2 3 4
Muito (Mais de 70%) 3 4 5

8. Leitura mental: Acredito que conheço os pensamentos e intenções de outro:


(ou que eles conhecem meus pensamentos e intenções) sem ter evidências su
ficientes.
EXEMPLOS: "Ele está pensando que eu falhei". "Ela pensou que eu não conhecí;
o projeto.” "Ele sabe que eu não gosto de ser tocada deste jeito."
Frequência: Não Ocasional Boa parte do tempo Quase todo o tempo
(Não ocorreu) (1-2 dias durante (3-5 dias durante (6-7 dias durante
esta semana) esta semana) esta semana)
Intensidade: Acreditei... 0 J v - -
Um pouco (Até 30%) 1 2 3
Médio (31% to 70%) 2 3 4
Muito (Mais de 70%) 3 4 5

9. Supergeneralização: Eu tomo casos negativos isolados e os generalizo, tornan


do-os um padrão interminável com o uso repetido de palavras como "sempre'
"nunca", "todo", "inteiro", etc.
EXEMPLOS: "Estava chovendo esta manhã, o que significa que choverá todo o fin
de semana." "Que azar! Perdi o avião, logo isto vai estragar minhas férias intei
ras". "Minha dor de cabeça nunca vai parar".
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 119

Frequência: Não Ocasional Boa parte do tempo Quase todo o tempo


(Não ocorreu) (1-2 dias durante (3-5 dias durante (6-7 dias durante
esta semana) esta semana) esta semana)
Intensidade: Acreditei... 0
Um pouco (Até 30%) 1 2 3
Médio (31% to 70%) 2 3 4
Muito (Mais de 70%) 3 4 5

10. Personalização: Assumo que comportamentos dos outros e eventos externos


dizem respeito (ou são direcionados) a mim, sem considerar outras explicações
plausíveis.
EXEMPLOS: "Senti-me desrespeitado porque a moça do caixa não me agradeceu"
(sem considerar que ela não agradeceu a ninguém). "Meu marido me deixou porque
eu fui uma má esposa" (deixando de considerar que ela foi sua quarta esposa).
Frequência: Não Ocasional Boa parte do tempo Quase todo o tempo
(Não ocorreu) (1-2 dias durante (3-5 dias durante (6-7 dias durante
esta semana) esta semana) esta semana)
Intensidade: Acreditei... 0
Um pouco (Até 30%) 1 2 3
Médio (31% to 70%) , - - 2 3 4
Muito (Mais de 70%) 3 4 5

11. Afirmações do tipo "deveria" (também "devia", "devo", "tenho de"): Digo
a mim mesmo que os acontecimentos, os comportamentos de outras pessoas e
minhas próprias atitudes "deveríam" ser da forma que espero que sejam e não o
que de fato são.
EXEMPLOS: "Eu devia ter sido uma mãe melhor". "Ele deveria ter se casado com
Ana em vez de Maria". "Eu não devia ter cometido tantos erros."
Frequência: Não Ocasional Boa parte do tempo Quase todo o tempo
(Não ocorreu) (1-2 dias durante (3-5 dias durante (6-7 dias durante
esta semana) esta semana) esta semana)
Intensidade: Acreditei... 0 À ç 1
Um pouco (Até 30%) 1 2 3
Médio (31% to 70%) 2 3 4
Muito (Mais de 70%) 3 4 5

12. Conclusões precipitadas (também conhecidas como inferências arbitrárias):


Tiro conclusões (negativas ou positivas) a partir de nenhuma ou de poucas evi­
dências que possam confirmá-las.
EXEMPLOS: "Logo que o vi, soube que ele faria um trabalho deplorável." "Ele
olhou para mim de um modo que logo concluí que ele foi o responsável pelo
acidente."
120 Automonitoramento e Resolução de Problemas

Frequência: Não Ocasiona! Boa parte do tempo Quase todo o tempo


(Não ocorreu) (1-2 dias durante (3-5 dias durante (6-7 dias durante
esta semana) esta semana) esta semana)
Intensidade: Acreditei... 0 í r % - n
Um pouco (Até 30%) 1 2 3
Médio (31% to 70%) 2 3 4
Muito (Mais de 70%) 3 4 5

13. Culpar (outros ou a si mesmo): Dirijo minha atenção aos outros como fon­
tes de meus sentimentos e experiências, deixando de considerar minha própria
responsabilidade; ou, inversamente, responsabilizo-me pelos comportamentos e
atitudes de outros.
EXEMPLOS: 'Meus pais são os únicos culpados por minha infelicidade." "É cul­
pa minha que meu filho tenha se casado com uma pessoa tão egoísta e descui­
dada."
Frequência: Não Ocasional Boa parte do tempo Quase todo o tempo
(Não ocorreu) (1-2 dias durante (3-5 dias durante (6-7 dias durante
esta semana) esta semana) esta semana)
Intensidade: Acreditei... 0 ’‘ \ i ‘ í
Um pouco (Até 30%) - “■ r-S U.. 1 2 3
Médio (31% to 70%) 2 3 4
Muito (Mais de 70%) 3 4 5

14. E se...?: Fico me fazendo perguntas do tipo "e se acontecer alguma coisa?"
EXEMPLOS: "E se meu caro bater?” "E se eu tiver um enfarte?" "E se meu marido
me deixar?"
Frequência: Não Ocasional Boa parte do tempo Quase todo o tempo
(Não ocorreu) (1-2 dias durante (3-5 dias durante (6-7 dias durante
esta semana) esta semana) esta semana)
Intensidade: Acreditei... 0 -
Um pouco (Até 30%) i 2 3
Médio (31% to 70%) 2 3 4
Muito (Mais de 70%) 3 4 5

15. Comparações injustas: Comparo-me comoutras pessoas que parecem se sair


melhor do que eu e me coloco em posição de desvantagem.
EXEMPLOS: "Meu pai prefere meu irmão mais velho a mim porque ele é mais
inteligente do que eu." "Não consigo suportar o fato de ela ter mais sucesso do
que eu."
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 121

Frequência: Não Ocasional Boa parte do tempo Quase todo o tempo


(Não ocorreu) (1-2 dias durante (3-5 dias durante (6-7 dias durante
esta semana) esta semana) esta semana)
Intensidade: Acreditei... 0
Um pouco (Até to 30%) í 2 3
Médio (31% to 70%) ..-.................... 2 3 4
Muito (Mais de 70%) r 3 4 5

Referências

Beck, A.T. (1979). Cognitive therapy and the emotional disorders. New York: Meridian.
Beck, J (1995). Cognitive therapy: basics and beyond. New York: Guilford.
Burns, D. (1989). The feeling good handbook. New York: Plume.
Dryden, W. & Ellis, A. (2001). Rational emotive behavior therapy. In K.S. Dobson, Handbook
of cognitive behavioral therapies. New York: Guilford.
Leahy, R. (2003). Cognitive therapy techniques: A practitioner's guide. New York: Guilford.
4
Estratégias de Manejo do
Estresse e da Ansiedade

Aline Sardinha e Antonio Egidio Nardi

Ansiedade e estresse são reações adaptativas do organismo para


lidar com situações potencialmente danosas e de ameaça à integri­
dade física e psicológica do indivíduo. Tais reações estão diretamente
ligadas à sobrevivência e perpetuação da espécie. Entretanto, quando
descontextualizadas, tais reações podem ser exageradas e disfuncio-
nais, levando à desadaptação e ao sofrimento, tal como ocorre em
alguns transtornos mentais. A terapia comportamental tem demons­
trado, desde o início do século passado, uma grande efetividade para
o tratamento dos quadros ansiosos através das estratégias de ino-
culação do estresse, conhecidas como a "primeira onda". A partir dos
anos 1970, a criação de modelos teóricos cognitivo-comportamen-
tais, conhecidos como abordagens da "segunda onda", aumentaram
ainda mais a efetividade de tais estratégias, uma vez que englobam
aspectos cognitivos no entendimento e no manejo da ansiedade
clínica. Atualmente, diversas técnicas da terapia cognitivo-compor-
tamental foram desenvolvidas para serem utilizadas no manejo do
estresse e da ansiedade.
W.V.M.

Estresse e ansiedade

No início do século XX, o endocrinologista Hans Selye identifi­


cou em seus pacientes uma série de reações semelhantes frente a situa­
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 123

ções que causavam angústia e tristeza, e deu a esse conjunto de sinto­


mas o nome de “síndrome geral de adaptação” ou “síndrome do estres­
se biológico”. De acordo com Selye, o estresse designa todo esforço
exercido sobre o organismo que exceda seus recursos e demande esfor­
ços para a adaptação à nova realidade (Selye, 1936).
Hoje sabemos que a reação de estresse ocorre sempre que o indi­
víduo se confronta com qualquer situação que exija que o seu organis­
mo se adapte. Conforme definido por Lipp (Lipp, 2003a), o estresse é
uma reação psicofisiológica complexa, desencadeada automaticamente
no organismo, para que este possa reestabelecer sua homeostase inter­
na, sempre que ela seja abalada por algum elemento estressor. Assim,
quando um fator estressor desequilibra ou exige mudanças na forma
como o organismo está funcionando, o estresse vai entrar em ação a
fim de que possamos fazer frente à demanda do estressor e, depois, re­
estabelecer a normalidade do funcionamento do corpo.
Entretanto, é importante deixar claro que não é a presença do
estímulo estressor que determina a reação do estresse, mas a necessida­
de do organismo de se adaptar a este. Dessa forma, sempre que nos
deparamos com uma situação para a qual ainda não temos recursos,
uma situação desafiadora ou simplesmente nova, nosso sistema preci­
sará recorrer à reação de estresse para potencializar nossa adaptação.
Por exemplo, um terapeuta iniciante, ao receber em seu consultório
pela primeira vez um caso de um transtorno para o qual não tem trei­
namento, possivelmente vai experimentar estresse, já que terá de bus­
car desenvolver recursos que não possui. Um terapeuta mais experien­
te, com treinamento para tratar do caso provavelmente não desenca­
dearia, na mesma situação, uma reação de estresse (Lipp, 2003b).
Outra grande fonte de reações de estresse são situações mal defi­
nidas, incertas e/ou ambíguas (Carleton et al., 2012). Isso ocorre por­
que, se não temos como saber que problema precisa ser resolvido, não
temos como determinar que recursos devem ser implementados nem
como avaliar se temos ou não o repertório comportamental necessário
para fazer frente à situação. Voltando ao exemplo do anterior, se o te­
124 Estratégias de Manejo do Estresse e da Ansiedade

rapeuta está tratando de um caso sem estar seguro a respeito da con-


ceituaçâo do problema do paciente, possivelmente experimentará es­
tresse, visto que náo saberá que estratégias clínicas utilizar e que outras
precisaria desenvolver. O mesmo ocorre com a mãe de um recém-nas­
cido que não consegue identificar se o choro reflete que algo de errado
está acontecendo com seu bebê ou se é apenas uma cólica passageira.
Assim, a reação de estresse pode ocorrer frente a estressores ine­
rentemente negativos, como no caso de dor, fome, frio e ameaças, ou
mesmo positivos, como o novo paciente que recebemos no consultório
no início da carreira ou o nascimento de um bebê. Na realidade, o que
determina o estresse é a necessidade de preparar o organismo para se
adaptar a uma dada situação (Lipp, 2003b). Da mesma forma, a sim­
ples reação de estresse não é em si mesma negativa ou danosa ao orga­
nismo. Na realidade, o estresse é vital para que possamos sobreviver e
responder ao ambiente de forma adaptativa. Os efeitos potencialmente
perigosos do estresse se dão quando essa reação ocorre de maneira ina­
dequada (Lipp, 2003b).
O modelo do estresse proposto por Selye considera que o orga­
nismo tenta sempre se adaptar ao evento estressor, utilizando grandes
quantidades de energia adaptativa, em um processo que envolve três
fases: alerta, resistência e exaustão (Selye, 1936). Na primeira fase,
alerta, o organismo se prepara para a reação de luta ou fuga, essencial
para a preservação da vida. O processo se inicia com um desafio ou
ameaça percebida. O mecanismo de luta ou fuga (Cannon, 1939) ati­
va uma série de mudanças hormonais que preparam os tecidos do cor­
po e o cérebro para lidar com a ameaça no curto prazo. Neste sentido,
essas alterações psicofisiológicas contribuem para que haja aumento de
motivação, entusiasmo e energia para lidar com o desafio (Lipp,
2003a). Ocorre, assim, uma quebra na homeostase nessa fase, produ­
zindo-se modificações no organismo que são necessárias para a adapta­
ção e a preservação da própria vida, e que cessam assim que consegui­
mos resolver a situação. Por exemplo, se estou caminhando à noite em
uma rua escura e ouço um barulho, meu corpo imediatamente se pre­
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 125

parará para enfrentar ou fugir do que esteja causando aquele barulho.


Assim que eu estiver novamente em segurança, a reação de estresse será
interrompida e a homeostase do corpo, reestabelecida.
Entretanto, alguns fatores geradores de estresse ocorrem de for­
ma prolongada, como no caso de um soldado que está lutando em
uma guerra, ou um estudante se preparando para uma prova de con­
curso. Se a reação de estresse continua presente por tempo indetermi­
nado, começa a fase de resistência, quando o organismo tentará en­
contrar uma maneira de reestabelecer a homeostase ainda na presença
do evento estressor (Lipp, 2003a). Nesse ponto, uma nova forma de
funcionamento psicòfisiológico entrará em ação, buscando manter um
esforço adaptativo por mais tempo do que o originalmente previsto,
acarretando numa utilização grande de energia, a fim de reestabelecer
o equilíbrio, o que pode gerar a sensação de desgaste generalizado sem
causa aparente e dificuldades cognitivas, dentre outras consequências
(Armario et al., 2012). Quando o organismo consegue proceder a uma
adaptação completa e resistir ao estressor adequadamente, o processo
do estresse se interrompe sem sequelas.
Se o estressor é contínuo e/ou a pessoa não conseguiu encontrar
estratégias efetivas para lidar com a situação, o organismo exaure sua
reserva de energia adaptativa e a fase de exaustão se manifesta, trazen­
do consequências físicas e psicológicas potencialmente danosas ao or­
ganismo, como o aumento das estruturas linfáticas, exaustão psicológi­
ca em forma de depressão e desgaste físico, incluindo o aparecimento
de certas doenças. A fase de exaustão, embora bastante grave, não é,
necessariamente, irreversível e, assim como as demais fases, se extingue
na medida em que cessa a fonte de estresse (Lipp, 2003a).
Mais recentemente, no decorrer da padronização do Inventário
de Sintomas de Stress para Adultos de Lipp (Lipp, 2005), uma quarta
fase do processo de estresse foi identificada por essa autora e parece ser
distinta tanto clínica como estatisticamente. A essa fase foi dado o
nome de “quase exaustão”, por se encontrar entre a fase de resistência e
a de exaustão. Ela se caracteriza por um enfraquecimento da pessoa,
126 Estrategias de Manejo do Estresse e da Ansiedade

que não mais está conseguindo se adaptar ou resistir ao estressor. Nesse


caso, o processo do estresse evolui da fase de resistência para a fase de
quase exaustão quando as defesas do organismo começam a ceder e ele
já não consegue resistir às tensões e restabelecer a homeostase interior.
É comum, nessa fase, a pessoa sentir que oscila entre momentos de
bem-estar e de tranquilidade e outros de desconforto, cansaço e ansie­
dade. Algumas doenças começam a surgir, demonstrando que a resis­
tência já não está tão eficaz (Lipp, 2005). Desse modo, foi proposto,
como um desdobramento do modelo trifásico do estresse de Selye, o
modelo quadrifásico de Lipp. Nessa abordagem, a fase de resistência se
refere à primeira parte do conceito de resistência de Selye, enquanto
que a fase de quase exaustão se refere à sua parte final quando, a resis­
tência da pessoa está realmente se exaurindo.
Um dos sintomas psicológicos mais comumente experimenta­
dos pelas pessoas em todas as fases da reação de estresse é a ansiedade
(Campbeil & Ehlert, 2012). A ansiedade é um mecanismo biológico
útil e evolutivamente moldado para enfrentar perigos e situações novas
e está envolvida nos mecanismos de luta ou de fuga anteriormente ci­
tados, bem como na antecipação de situações potencialmente desafia­
doras, de modo a permitir que o indivíduo preveja o que pode vir a
ameaçá-lo no futuro e implemente os comportamentos adequados
para se prevenir do perigo (Coutinho et al., 2010).
Ao longo da evolução, nosso cérebro foi sendo moldado para
que todas as informações processadas por ele passassem inicialmente
pelo sistema do medo, para serem verificadas quanto ao seu grau de
ameaça à sobrevivência (Woody & Szechtman, 2011). Além disso,
sempre que o sistema verifica a presença de uma ameaça, todos os re­
cursos do corpo são imediatamente recrutados para preparar o organis­
mo para enfrentá-la ou escapar dela, provocando uma série de mudan­
ças fisiológicas similares às que ocorrem na fase de alerta do estresse,
comandadas pelo sistema endocrino e pelo sistema nervoso autônomo
(Nesse, 2001). Na realidade, se, mesmo antes de identificar claramente
qual é a ameaça, em uma primeira análise o cérebro apenas a suspeita,
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 127

esse processo todo se desencadeia, gerando um viés de processamento


que potencializa a sobrevivência, uma vez que responde mesmo a falsos
positivos (Bateson, Brilot, & Nettle, 2011). A consequência negativa
disso é que se, por um lado, ficamos mais seguros assim, por outro, a
evolução nos legou a constante ativação do sistema do medo e do estres­
se como resposta a qualquer situação minimamente suspeita (Cosmides
&Tooby, 2000). Por isso, facilmente os seres humanos tem reações exa­
geradas de ansiedade, medo e estresse que acabam sendo posteriormente
corrigidas e moduladas pelo próprio cérebro. Após um processamento
mais refinado da situação, o lobo frontal envia um feedback para o siste­
ma do medo, que pode confirmar a ameaça ou fazer parar a ativação dos
mecanismos de ansiedade, em um processo conhecido como mediação
orbitofrontal (Banks, Eddy, Angstadt, Nathan, Sé Phan, 2007).
Da mesma forma que o estresse, a reação de ansiedade é essen­
cial à sobrevivência e não pode ser considerada, em si, algo negativo.
Entretanto, a ansiedade pode se tornar patológica quando ocorre uma
resposta inadequada do organismo a um estímulo tanto em relação à
sua natureza como em relação à intensidade e à duração da reação de
ansiedade (Cheniaux, 2002). A resposta de ansiedade patológica quan­
to à natureza do estímulo ocorre quando um indivíduo experimenta
ansiedade diante de um estímulo para o qual possui os recursos de en-
frentamento necessários, como no caso de uma resposta fóbica a bor­
boletas, por exemplo. Quando temos uma resposta de medo exagera­
da, como no caso de um paciente com Transtorno da Ansiedade Ge­
neralizada (TAG), que experimenta intenso medo toda vez que seu fi­
lho sai de casa, ao se preocupar com a possibilidade de este vir a sofrer
um acidente fatal. Nesse caso, a possibilidade é real, entretanto, a pro­
babilidade de ocorrência do fenômeno é baixa e a reação de ansiedade
é exageradamente intensa. Por fim, uma reação prolongada de ansieda­
de patológica ocorre quando um estímulo não está presente e a reação,
ainda assim, se mantém; é o caso, por exemplo, de alguém que experi­
menta ansiedade durante os vários dias que antecedem uma prova de
concurso. A ansiedade patológica paralisa o indivíduo, prejudicando o
128 Estratégias de Manejo do Estresse e da Ansiedade

seu funcionamento, o seu bem estar e o desempenho, além de ser a


principal característica dos Transtornos de Ansiedade.

Modelo cognitivo do estresse e da ansiedade

O modelo cognitivo parte do pressuposto de que as nossas emo­


ções, comportamentos e as consequentes alterações fisiológicas que ex­
perimentamos são coerentes com as interpretações que fazemos dos
acontecimentos (Beck, 1979). Além disso, ao longo da vida, cada indi­
víduo desenvolve esquemas cognitivos — estruturas mentais que regu­
lam o processamento das informações e demais funções, como a per­
cepção, a imaginação, a memória, a atenção, a atribuição de significa­
dos, etc. (Sternberg, 2009). Um dos esquemas mais fundamentais de
um indivíduo são os conceitos sobre si mesmo, seus atributos físicos e
características pessoais, suas metas e valores (Beck, 1979).
Portanto, as cognições estão sempre fortemente relacionadas ao
nosso nível de estresse, uma vez que, para cada situação, fazemos uma
avaliação do grau de desafio e ameaça e da probabilidade de ocorrên­
cia, bem como das nossas possibilidades de enfrentamento (Lipp,
2003b). Essa interação entre a probabilidade e o custo da ocorrência
do desfecho negativo explica, por exemplo, porque mais pessoas te­
mem se locomover em um avião do que em um carro. A despeito de
um maior número de acidentes ocorrer com pessoas que andam de
carro, a possibilidade de morrer em um acidente de avião é maior do
que a de um acidente de carro, apesar da probabilidade de ocorrer um
acidente de carro ser maior (Carleton, 2012).
Assim, as crenças que temos sobre os nossos recursos para sobre­
viver e nos adaptar a uma situação, bem como os esquemas relaciona­
dos aos outros e ao mundo vão ter grande influencia sobre o desenca-
deamento ou não da reação de estresse (Lipp, 2003b). Um indivíduo
que está mais seguro das suas capacidades de enfrentamento de uma
situação tenderá a experimentar menos estresse do que outro que julga
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 129

que a situação demanda recursos que não estão disponíveis. Lembran­


do o exemplo no início deste capítulo, mesmo um terapeuta iniciante
que se depare com um caso desafiador, se tiver segurança sobre como
desenvolver as habilidades de tratamento necessárias, tenderá a experi­
mentar menos estresse do que outro que julgar que jamais conseguirá
dar conta daquele caso. Então, as crenças básicas que temos sobre nós
mesmos, sobre os outros e o mundo e também sobre o futuro vão afe­
tar a forma como modulamos nossas reações aos elementos estressores
do ambiente (Beck, 1979).

Probabilidade x Custo
Ansiedade = -------------------------------------
Enfrentamento + Recursos

Os leitores familiarizados com o modelo cognitivo podem ainda


perceber que a reação de estresse está, dessa forma, também relaciona­
da às distorções cognitivas do indivíduo (Alcino, 2003). Neste ponto,
o conceito de estresse se encontra com o modelo cognitivo da ansieda­
de, que considera que o nível de ansiedade experimentada por um in­
divíduo decorre da diferença entre a ameaça percebida no ambiente e
a capacidade de enfrentamento que o indivíduo considera possuir, ou
seja, seu senso de autoeficácia (Gandy, Sharpe, & Perry, 2012). Quan­
to maior a autoeficácia, menor a necessidade de modificar a homeosta-
se para promover a adaptação do organismo e, consequentemente, me­
nor a reação de estresse. Um terapeuta com um repertório mais amplo
de habilidades terapêuticas, por exemplo, experimentará menor ansie­
dade ao se deparar com um paciente novo, mesmo que nunca tenha
tratado um caso semelhante anteriormente.

Estratégias de enfrentamento (coping)

A partir da percepção da ameaça ou de uma situação que de­


mande adaptação, o organismo terá que implementar estratégias de
130 Estratégias de Manejo do Estresse e da Ansiedade

enfrentamento. Uma vez que o corpo já detectou automaticamente a


necessidade de desencadear a reação de estresse de modo a preparar o
organismo para responder à situação, o próximo passo consiste em se­
lecionar a melhor estratégia comportamental. Enquanto o estresse se
dá de forma automática, a reação comportamental é eliciada através de
um processamento cognitivo mais sofisticado e selecionada a partir da
previsão de suas consequências. Nesse ponto temos influência não ape­
nas dos mecanismos comportamentais relacionados ao reforçamento
de algumas estratégias de enfrentamento em detrimento de outras,
como também dos aspectos cognitivos do indivíduo, suas avaliações
sobre a situação, sobre o grau de ameaça e sobre a disponibilidade de
recursos para lidar com o problema. Dessa forma, uma vez que o cor­
po já está preparado pelo estresse para lutar ou fugir, o indivíduo pode
optar deliberadamente sobre o que vai fazer baseado no que acredita
ser o mais adequado para melhor se adaptar àquela situação.
Devemos ainda considerar que a evitação e a esquiva são tam­
bém estratégias de coping. Em uma situação de conflito interpessoal,
por exemplo, o indivíduo poderá experimentar a reação de estresse;
mas se ele optará por uma postura passiva, agressiva ou assertiva, isso
dependerá de sua avaliação da situação, dos seus recursos de enfrenta­
mento e das consequências associadas a cada uma das opções (Falcone,
2003). Muitas vezes, a estratégia evitativa é, de fato, a mais adaptativa.
Entretanto, no caso dos transtornos de ansiedade, por exemplo, sabe­
mos que a esquiva fóbica é um dos principais fatores mantenedores da
ansiedade (Zinbarg, Barlow, Brown, & Hertz, 1992).
A avaliação que o indivíduo faz da situação estressora será deter­
minante também para a escolha de estratégias de coping que tenham
como alvo a situação em si ou a emoção negativa associada a esta (Al-
cino, 2003). Quando o indivíduo se percebe diante de uma situação
para a qual tem os recursos de enfrentamento necessários, é provável
que os coloque em prática, resolvendo adequadamente o problema, fa­
zendo cessar a reação de estresse e retornando à homeostase. Entretan­
to, em situações em que o problema não tem solução ou quando o in­
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 131

divíduo está diante de uma situação para a qual entende que não tem
recursos, é pouco provável que escolha implementar comportamentos
direcionados a resolver o problema. Frequentemente, nesses casos, o pa­
ciente faz a opção por estratégias que visam a reduzir a ativação emocio­
nal, em vez de solucionar o problema que a desencadeia (Leahy, 2007).
As estratégias de coping centradas no problema ou centradas na
emoção podem ser mais ou menos adaptativas, tendo em vista a ava­
liação que o indivíduo faz da situação. A título de exemplo, podemos
pensar em casos de luto, em que nenhum comportamento poderia so­
lucionar a morte do ente querido, estratégias centradas na emoção,
como a busca de apoio social, podem ser adaptativas (Lipp, 2003b).
Os modelos da Terapia Cognitiva Baseada na Aceitação, contudo, sa­
lientam o papel da evitação emocional na manutenção de comporta­
mentos destrutivos e de quadros psicopatológicos (Roemer & Orsillo,
2010). Isso pode ser observado, por exemplo, em casos de compulsão
alimentar, em que o paciente se engaja em um episódio de compulsão
como forma de aliviar a tristeza ou a angústia (Roemer & Orsillo,
2010). Estratégias desadaptativas de regulação da emoção negativa
também estão no centro da psicopatologia observada no Transtorno da
Personalidade Borderline (Linehan, 1993), dentre outros.
A esquiva comportamental pode ser desadaptativa ainda quando
o indivíduo faz uma análise distorcida, subestimando suas capacidades
de enfrentamento de uma determinada situação. Nesses casos, é provável
que o paciente deixe de usar estratégias centradas no problema, atuando
de forma pouco adaptativa, como por exemplo, quando, em vez de estu­
dar para uma prova difícil, o indivíduo decide se distrair na internet
como forma de reduzir a ansiedade (Kohl, Rief, & Glombiewski, 2013).
Por outro lado, nem sempre a evitação emocional ou comportamental é
uma resposta inapropriada ao problema. Em momentos de estresse agu­
do, por exemplo, sintomas dissociativos podem ser, inclusive, respostas
adaptativas (Bryant, Friedman, Spiegel, Ursano, & Strain, 2011).
E possível ainda contarmos com ambos os tipos de coping para
uma mesma situação, quando recorremos a estratégias centradas na
132 Estratégias de Manejo do Estresse e da Ansiedade

emoção para modular a intensidade do estresse e da ansiedade para,


então, poder lidar melhor com a situação estressora em termos com-
portamentais (Garcia, 2010). No tratamento da ansiedade, por exem­
plo, muitas vezes lançamos mão dessa combinação, ao utilizar relaxa­
mentos, técnicas de respiração ou mesmo intervenções medicamento­
sas como forma de facilitar as situações de enfrentamento dos estímu­
los ansiogênicos.
A adequação de uma estratégia de enfrentamento é determinada,
portanto, pela análise acurada das demandas da situação, bem como
por sua eficácia em fazer cessar a reação de estresse, seja pela solução
do problema quando possível, seja por meio da inoculação do estresse
ou da ansiedade em si (Lipp, 2003b). Na prática clínica cognitivo-
comportamental, é comum que o paciente chegue ao consultório espe­
rando encontrar fórmulas de manejo imediato das emoções negativas.
Entretanto, é importante que o terapeuta, baseado na conceituação
cognitiva do caso em questão, auxilie o paciente a perceber quando
devem ser implementadas estratégias clínicas centradas apenas na re­
gulação da emoção e quando existem problemas objetivos, que exigem
o desenvolvimento de habilidades específicas para sua solução.

Processamento emocional do medo, ansiedade e estresse

A habituação é a diminuição espontânea e progressiva das res­


postas a um estímulo, quando se permanece em contato com ele du­
rante algum tempo, ou quando ele é apresentado repetidamente (Dru-
cker-Colin, 1999). E um fenômeno natural, que reduz o nível de aten­
ção utilizado para processar determinados estímulos do ambiente. As­
sim que aquele estímulo é apresentado, este demanda mais atenção. A
medida que se mantenha inalterado ao longo do tempo, menos aten­
ção lhe será destinada, automaticamente, pelo cérebro, de modo a ceder
lugar ao processamento de outras informações ambientais (Sternberg,
2009). E devido à habituação que, ao longo do tempo, muitas situa-
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 133

çóes inicialmente geradoras de estresse vão, aos poucos, se tornando


mais fáceis de enfrentar. Isso também nos ajuda a entender como o te­
rapeuta mais experiente, retomando o exemplo no início deste capítu­
lo, tende a sentir menos ansiedade ao receber um paciente novo do que
o terapeuta iniciante e também como a mãe de três filhos provavelmente
se sente mais segura do que a mãe primípara.
Atualmente sabemos que, da mesma forma que a aquisição do
medo e da ansiedade e sua generalização para outras situações, o fenô­
meno da habituação é um tipo de aprendizagem relacionado à memó­
ria implícita (Sternberg, 2009). Para saber mais, é interessante consul­
tar a literatura relacionada aos estudos de Kandel que desvendaram es­
ses processos de aprendizagem no molusco marítimo Aplysia Califomi-
ca (Hawkins, Cohén, Greene, & Kandel, 1998).
Do ponto de vista clínico, vale a pena ressaltar que a não ocor­
rência da habituação é um dos elementos centrais na etiología e manu­
tenção dos transtornos de ansiedade (Le Doux, 1998). A não habitua­
ção aos estímulos temidos é um dos fatores que dificultam o processa­
mento emocional adequado do medo. Dificuldades com o processa­
mento do medo podem ocorrer por diversos motivos, desde uma reati-
vidade aumentada do próprio sistema do medo, que, hiperativado pelo
estímulo, não consegue ser modulado pelo córtex pré-frontal (Le Doux,
1998), até a associação da não ocorrência do desfecho negativo a outro
estímulo do ambiente, como os chamados comportamentos de seguran­
ça (Freeston, Rhéaume, Letarte, Dugas, & Ladouceur, 1994).
Os comportamentos de segurança têm a função de minimizar
a probabilidade de ocorrência de determinados eventos temidos e de
reduzir o impacto de suas possíveis consequências negativas. Por exem­
plo, um paciente com Transtorno de Pânico pode ter o comportamen­
to de levar sempre na carteira um comprimido ansiolítico mantido
pela crença de que, caso venha a ter um ataque de pânico, a medicação
pode ser essencial para aumentar as suas chances de sobrevivência, pois
reduzirá a ansiedade experimentada e evitará que o paciente perca o
controle de seu comportamento. Dessa forma, as crenças distorcidas e
134 Estratégias de Manejo do Estresse e da Ansiedade

pensamentos automáticos catastróficos de alguns indivíduos desempe­


nham papel fundamental na manutenção dos comportamentos de se­
gurança, associando a emissão daquele comportamento ao desfecho
favorável da situação. Isso também é observado em diferentes níveis de
pensamento supersticioso, desde os pacientes com TOC, que acredi­
tam que devem se engajar em um ritual para evitar que algo de ruim
aconteça, até pessoas sem diagnóstico que acreditam que devem ir ao
estádio usando sempre a mesma camisa para aumentar as chances de
vitória do seu time de futebol. Ciclicamente, os comportamentos de
segurança atuam de modo a manter as crenças distorcidas dos indiví­
duos ansiosos, uma vez que, se eles sempre emitem o tal comporta­
mento, pouco provavelmente conseguirão experimentar o que ocorre
caso deixem de emiti-lo, impedindo a habituação ao medo e a aquisi­
ção de evidências da realidade que o desconfirmem.
Alguns estudos mostram também que a preocupação desempenha
um papel importante no processamento emocional do medo (Freeston
et al., 1994). A preocupação é um dos principais sintomas cognitivos da
ansiedade e se caracteriza por pensamentos intrusivos, repetitivos, acerca
de uma situação ameaçadora ou problema que precisa ser solucionado
(Behar, DiMarco, Hekler, Mohlman, & Staples, 2009). A preocupação
tem a função evolutiva de não nos deixar distrair das potenciais ameaças
do ambiente, gerando uma grande dificuldade de funcionar normal­
mente e de processar outras informações durante sua vigência. A preo­
cupação ocorre praticamente em todos os transtornos de ansiedade e
também durante as situações de estresse, diferindo apenas no conteúdo
dos pensamentos (Barlow, Alien, & Choate, 2004).
A preocupação é também considerada hoje uma das principais
respostas humanas a situações ambíguas e incertas. Conforme explica­
do anteriormente, tais situações desencadeiam estresse e ansiedade, fa­
zendo com que o cérebro se engaje em processos relacionados à preo­
cupação como uma forma de prever e preparar o organismo para res­
ponder aos diferentes cenários possíveis (Carleton, 2012), Assim, quan­
to menor a tolerância à incerteza, maiores vão ser as chances de o indi-
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 135

víduo se ver tomado por preocupações acerca dessas situações. A into­


lerância à incerteza é hoje um dos principais pilares do modelo cogni­
tivo de transtornos caracterizados pelo descontrole da preocupação,
como o TAG e alguns casos de Transtorno Obsessivo Compulsivo
(TOC) (Carleton et al., 2012). Entretanto, apesar de ser originalmen­
te moldada pela evolução como uma resposta adaptativa frente a situa­
ções de ansiedade e estresse (Nesse &C Ellsworth, 2009), pesquisas re­
centes mostram que a preocupação excessiva impede o adequado pro­
cessamento do medo, ao modular a excitabilidade emocional durante
as situações de estresse e dificultar a habituação (Freeston et al., 1994).
Outro processo conhecido dos leitores familiarizados com a
abordagem cognitivo comportamental é a escalada da emoção negativa
a partir de uma cascata de pensamentos automáticos que desenca­
deiam ciclicamente mais emoção negativa e alterações fisiológicas as
quais, por sua vez, confirmam as hipóteses catastróficas que as elicia-
ram (Casey, Oei, & Newcombe, 2004). A seguir temos um exemplo
de caso de um paciente com Transtorno de Pânico:

Apesar de esse ciclo ter sido originalmente descrito no modelo


cognitivo do Transtorno de Pânico (Casey et al., 2004), as metacogni-
ções acerca do próprio processamento emocional são hoje considera-
136 Estratégias de Manejo do Estresse e da Ansiedade

das elemento fundamental da manutenção de diversos casos clínicos e


ponto fundamental a ser abordado no tratamento cognitivo comporta-
mental (Yilmaz, Gencoz, & Wells, 2011). É importante, especialmen­
te no caso da ansiedade e do estresse, que os pacientes sejam orienta­
dos sobre a ligação entre os estados emocionais e as manifestações psí­
quicas e somáticas dela decorrentes, para que possam centrar seus es­
forços na solução dos problemas objetivos ao invés de se engajar em
tentativas de controle da expressão emocional e de catastrofização dos
sintomas (Leahy, 2002).

Armadilha do controle emocional

Estratégias clínicas de modulação


do estresse e da ansiedade

A seguir estão descritas algumas das inúmeras técnicas utilizadas


no contexto da Terapia Cognitivo-Comportamental para o manejo da
ansiedade e do estresse. E importante notar, contudo, que, para a cor­
reta utilização de qualquer técnica, é necessária uma completa concei-
tuação cognitiva do caso do paciente, incluindo uma análise funcional
de cada um dos elementos importantes que desencadeiam e mantém a
ansiedade. Considerando que muitas das técnicas envolvem eliciar e
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 137

manejar situações e estímulos ansiogênicos, elas precisam ser propostas


ao paciente após o terapeuta estar certo de que entendeu a função do
procedimento no tratamento. Dessa forma, o paciente se sentirá mais
seguro em experimentar a ansiedade, aumentando as chances de suces­
so no tratamento.

Treino de controle do stress

O TCS náo é uma técnica ou um procedimento isolado, mas


um pacote de procedimentos com foco no controle do estresse, de du­
ração breve (15 sessões) que consiste em uma análise funcional dos es-
tressores e da atuação objetiva e direta na modificação dos quatro pila­
res do controle do estresse: relaxamento, alimentação, exercício físico e
padrões cognitivo-comportamental (Lipp, 2001). O TCS visa exercitar
nos pacientes habilidades de manejo do estresse e modificações de há­
bitos pouco saudáveis, promovendo qualidade de vida. Envolve ainda
técnicas de resolução de problemas, manejo do tempo, modificação de
padrões de comportamento, controle da hostilidade, treino de asserti-
vidade e de controle da ansiedade e reestruturação cognitiva. Uma par­
te importante do TCS é a redução da excitabilidade emocional e física
por meio da prática de respiração profunda (Lipp, 2003b).

Relaxamento Muscular Progressivo (RMP)

O RMP é uma técnica específica que visa induzir relaxamento


corporal e psíquico (Jacobson, 1938). O procedimento envolve a con­
tração de um grupo muscular por alguns segundos, seguida de seu re­
laxamento, progredindo de um conjunto de músculos para outro, até
relaxar todo o corpo. Assim, o RMP possui duas fases: contração e re­
laxamento. A fase de contração ensina o indivíduo a reconhecer o en-
rijecimento muscular e a fase de relaxamento, a reconhecer e distensio-
138 Estratégias de Manejo do Estresse e da Ansiedade

nar os músculos sempre que for necessário. O RMP pode ser conside­
rado um processo psicofisiológico, dado que a redução da ativação so­
mática e autônoma interage com a sensação de relaxamento psicológi­
co, promovendo um estado de tranquilidade (Conrad & Roth, 2007).
Para executar o RMP, o paciente pode optar pela posição em que
se sentir mais confortável. Em primeiro lugar, o paciente é instruído a
identificar as áreas que apresentam contração muscular, ou seja, áreas
com maior número de pontos de tensão distribuídos pelo corpo, tais
como dores nos ombros, nas costas, pescoço ou na cabeça, ou apenas
uma área específica. Uma sessão de relaxamento, em média, deve durar
cerca de 20 minutos, sendo que, para cada feixe do grupo muscular
exercitado, sugere-se manter a contração muscular durante 5 segundos
e, em seguida, relaxar tais músculos por aproximadamente 15 segun­
dos. Para aprofundar a consciência corporal, pode-se repetir esse pro­
cedimento três vezes para cada parte do corpo, instruindo o paciente a
tentar relaxar cada vez mais os músculos a cada vez.
E recomendado que a primeira aplicação do RMP seja dirigida
por um terapeuta e que a prática posterior seja inicialmente também
supervisionada. No entanto, ao adquirir confiança na autoaplicação, o
paciente estará apto realizar a prática sozinho entre as sessões, bem
como a identificar os pontos de tensão no dia a dia e, automaticamen­
te, sentir alívio ao relaxar tais músculos. Dessa forma, a prática regular
auxilia o paciente a evitar o tensionamento desnecessário de áreas do
corpo no cotidiano (Conrad & Roth, 2007).

Exercícios de respiração

A relação entre a respiração e os estados emocionais é um conhe­


cimento milenar, aplicado há séculos em tradições como a yoga, por
exemplo, e que vem sendo amplamente corroborado pela ciência (Sar­
dinha, Freire, Zin, & Nardi, 2009). A respiração e seus mecanismos de
controle exercem papel fundamental no desenvolvimento de transtor­
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 139

nos de ansiedade, particularmente o transtorno de pânico. Klein pro­


pôs a existência de um “falso alarme de sufocação”, que desencadearia
ataques de pânico espontâneos quando o cérebro erroneamente sinali­
zasse uma falta de ar, ativando inapropriadamente respostas autonómi­
cas adaptativas como resposta ao falso sufocamento. A sensibilidade ao
dióxido de carbono (CO2) pode estar envolvida nesse detector de su­
focamento hipersensível (Klein, 1993).
Transtornos de ansiedade estão associados à leve hiperventila-
ção e a outros padrões respiratórios anormais (Sardinha et al., 2009).
A hiperventilação aguda pode gerar anestesia, parestesia, ataxia, tre­
mor, zumbido, extremidades frias, suor na palma das mãos, tonturas,
perda de consciência, perturbações visuais, dores de cabeça e dores
no peito. A hiperventilação por estresse gera sintomas frequentemen­
te interpretados como risco de morte por pacientes que não associam
sua ocorrência às consequências da ventilação excessiva (Sardinha et
al., 2009). A interpretação equivocada desses sintomas gera medo e
ativa o sistema nervoso autônomo, aumentando assim a frequência
respiratória, o que causa maior redução de CO2 e intensifica os sin­
tomas hipocápnicos. Isso cria um feedback positivo, o que aumenta a
reação de ansiedade e pode inclusive desencadear um ataque de pâni­
co (Barlow, 2002).
Assim, podemos entender como momentos de ansiedade e es­
tresse, normalmente acompanhados por alterações na frequência respi­
ratória, podem iniciar uma espiral de ansiedade, podendo culminar
em um ataque de pânico espontâneo, se o paciente não estiver cons­
ciente de que os sintomas experimentados são decorrentes da hiper­
ventilação e se engajar na armadilha do controle emocional. Isso por­
que, na presença de sintomas autonómicos desencadeados pela respira­
ção, o sistema do medo se torna ainda mais alerta às ameaças intero-
ceptivas percebidas, concentrando-se na escalada da ansiedade e dos
sintomas em detrimento dos fatores estressores do ambiente que ini­
cialmente geraram a hiperventilação (Banks et al., 2007).
140 Estratégias de Manejo do Estresse e da Ansiedade

Respiração diafragmática

• Encontre um lugar confortável para sentar ou deitar. Observe sua respiração por
alguns segundos. Agora procure respirar um pouco mais lentamente, enchendo e
esvaziando um pouco mais os pulmões a cada vez, sem fazer força nem soprar o ar
para fora. Pense na barriguinha do bebê. Tente dilatar um pouco o seu abdômen a
cada vez que o ar entrar e relaxar o abdômen enquanto o ar sai dos pulmões. Tente
fazer isso durante alguns dias, dois minutos por dia.
• Quando perceber que está conseguindo levar o ar mais para a barriga e que o seu
peito se movimenta muito pouco ao respirar, passe para a etapa seguinte: inspire
contando até dois e solte o ar contando até quatro, devagar. Se sentir falta de arou
deconforto, solte o ar em três tempo ao invés de quatro. Com o tempo, vai ficando
mais fácil.

Por isso a conscientização dos pacientes acerca do papel da respi­


ração no desencadeamento e na manutenção dos estados de ansiedade
é elemento fundamental do tratamento cognitivo comportamental
tanto nos transtornos de ansiedade como no estresse. Uma forma prá­
tica de demonstrar o papel da respiração no consultório é pedir que os
pacientes hiperventilem durante alguns segundos, observem as altera­
ções fisiológicas e, em seguida, pedir que façam a respiração diafrag­
mática durante um minuto, observando também como a fisiología se
altera. Dessa forma, inserimos as técnicas respiratórias no cotidiano do
paciente como uma estratégia para interromper a espiral da ansiedade.

Dessensibilização sistemática

A dessensibilização sistemática é uma técnica de tratamento da


ansiedade patológica desenvolvida pelo médico sul-africano Joseph
Wolpe com base nos princípios comportamentais da aprendizagem.
Essa técnica é baseada no que Wolpe denominou princípio da inibição
recíproca, segundo o qual uma emoção não pode ocorrer na presença
de outra ativação emocional oposta à primeira, já que uma reação se
sobreporia à outra. Assim, a resposta emocional de medo seria inibida
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 141

na presença de outra resposta emocional incompatível (p.ex., relaxa­


mento).
Na dessensibilizaçâo sistemática, o paciente é exposto gradualmente
ao estímulo temido, ao mesmo tempo em que é apresentado um estímulo
inibidor da ansiedade, como o RMP ou exercícios de respiração controla­
da. Para que isso fosse possível, o paciente precisaria ser previamente trei­
nado em uma dessas duas técnicas. Da mesma forma, Wolpe costumava
orientar que fossem realizadas exposições imaginárias inicialmente e, gra­
dualmente, se passasse às exposições ao vivo (Wolpe, 1973).
Nos anos posteriores, o princípio da inibição recíproca não en­
controu respaldo empírico, razão pela qual tem sido atualmente des­
cartado como fundamentação teórica das intervenções clínicas (Wes-
ten, Novotny, & Thompson-Brenner, 2004). Entretanto, a dessensibi-
lização sistemática continua a ser utilizada como base para a principal
contribuição behaviorista para o tratamento da ansiedade: a exposição.

Exposição (imaginária, ao vivo e por realidade virtual)

No contexto da terapia cognitivo-comportamental, o termo “ex­


posição” se refere ao enfrentamento repetido e sistemático das situa­
ções e objetos que desencadeiam ansiedade (Antony, Ledley, & RP, 2006).
A exposição e as técnicas dela derivadas constituem hoje o principal
elemento comportamental no tratamento da ansiedade e estão emba-
sadas no princípio da habituação. A basé teórica para essas técnicas
está na habituação às sensações e pensamentos temidos e no reforça-
mento das estratégias de enfrentamento. O objetivo da exposição é a
habituação ao medo, seja através do enfraquecimento das associações
entre tais situações e reações de ansiedade, seja pela reestruturação de
cognições distorcidas sobre Sua inabilidade de lidar com as situações
temidas (Tryon, 2005).
Apesar de provocar uma intensa ansiedade no paciente, a técnica
de exposição deve ser introduzida no tratamento assim que o paciente
142 Estratégias de Manejo do Estresse e da Ansiedade

for capaz de reestruturar minimamente os pensamentos automáticos


distorcidos relacionados à ansiedade e que já tenha praticado algumas
das estratégias de modulação da emoção. Contudo, é muito importan­
te planejar esta intervenção de modo a promover um enfrentamento
gradual dos estímulos ansiogênicos. A regra de ouro aqui é que a an­
siedade a ser enfrentada deve ser suficientemente desafiadora, porém
possível de ser modulada pelo paciente (Ougrin, 2011). Dessa forma,
se o terapeuta planeja uma exposição a uma situação que desencadeie
muita ansiedade sem que o paciente tenha ainda as habilidades neces­
sárias para modular suas emoções, é possível que este utilize estratégias
de redução da ansiedade pela esquiva ou que experimente um nível de
desconforto tal que reforce as crenças acerca da dificuldade de lidar
com o medo. Por esse motivo, na maior parte dos casos é indicado o
planejamento de uma hierarquia de exposições, em que o paciente fará
enfrentamentos graduais das situações, da mais fácil para a mais difícil.
Para uma exposição bem feita, é necessário que seu planejamen­
to seja realizado de forma colaborativa. O procedimento básico inclui
listar as situações e estímulos temidos, hierarquizando-os em graus de
dificuldade, iniciando os enfrentamentos pelas situações menos temi­
das e passando às mais ansiogênicas, à medida que a ansiedade nas eta­
pas anteriores for diminuindo. A seguir temos o exemplo de uma hie­
rarquia de exposição de um paciente com ansiedade social:

Situações Nível de ansiedade (0-10)


1. Dizer "bom dia" para o porteiro do prédio pela manhã 4
2. Dizer "bom dia" para um colega da faculdade 5
3. Pedir emprestadas as anotações de aula para um colega 7
4. Fazer perguntas sobre um trabalho para um colega 8
5. Ir Jogar futebol com os colegas de classe 10

As técnicas de exposição são úteis não apenas para reduzir a an­


siedade, mas também como ensaios comportamentais de onde o pa­
ciente pode retirar evidências empíricas que desafiem suas crenças so­
bre o nível de ameaça representado pela situação e suas habilidades de
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 143

manejá-la. A exposição controlada por um terapeuta é mais eficaz do


que a exposição autocontrolada. Isso ocorre porque, conforme coloca­
do anteriormente, vários elementos do ambiente, bem como algumas
estratégias cognitivas podem interferir no processamento do medo
pelo paciente. Durante as exposições, o paciente poderá utilizar, se ne­
cessário para melhora das sensações corporais, a respiração diafragmá-
tica e outras técnicas de modulação da emoção e das sensações corpo­
rais de ansiedade. No caso de impossibilidade do terapeuta, é possível
utilizar a presença de um coterapeuta, que pode ser um profissional
treinado e familiarizado com o caso do paciente, ou mesmo um paren­
te ou amigo seu, bem instruído pelo terapeuta.
Um aspecto muito importante do uso das exposições é que esta
deve durar o tempo necessário para que a ansiedade diminua significa­
tivamente. Ou seja, terapeuta e paciente devem planejar seu tempo de
forma que não seja necessário interromper a exposição antes disso, as­
sim como a ansiedade-alvo para aquela exposição deve ser tal que o
paciente consiga manejá-la por tempo suficiente. Esse é um elemento
fundamental do processo, uma vez que, se planejamos uma exposição
em que o paciente sente ansiedade e rapidamente experimenta alívio
porque a situação precisou ser interrompida, a associação aprendida
será entre o término da situação e o alívio da ansiedade. Isso deve ser
especialmente observado em situações que têm curta duração, como
nos casos de fobia de elevador. Se a exposição consistir em utilizar o
elevador apenas pelo tempo necessário para chegar a um determinado
andar, o paciente provavelmente experimentará alívio não no elevador,
mas no momento em que sair dele.
Muitas vezes, na sessão de preparação de hierarquia de exposi­
ção, paciente e terapeuta podem vir a perceber que enfrentar a situa­
ção, mesmo que em um estágio de exposição mínima, já será demasia­
do ansiogênico para o paciente. Nesse caso, uma opção seria manipu­
lar outras contingências da situação, como a presença de outros com­
portamentos de segurança ou fontes de apoio, ou mesmo executar ex­
posições inicialmente imaginárias ou por realidade virtual. Por exem-
144 Estratégias de Manejo do Estresse e da Ansiedade

pio, em casos de fobia de voar, a distância entre estar no aeroporto ob­


servando os aviões e o ato de embarcar no voo, em termos da hierar­
quia de ansiedade, pode ser muito grande. Dessa forma, podemos criar
soluções para modular a intensidade do desafio, como, por exemplo,
iniciar os enffentamentos de forma imaginária ou utilizando recursos
de realidade virtual (Freire, De Carvalho, Joffily, Zin, & Nardi, 2010).
Entretanto, é provável que existam diferenças entre o nível de an­
siedade estimado pelo paciente e o experimentado na situação de exposi­
ção, tanto para mais como para menos. Isso decorre da presença ou da
ausência de determinados estímulos não previstos (por exemplo, em
uma exposição de voo, o paciente estar sentado ao lado de alguém que
também tem medo de voar), bem como do processamento que o pa­
ciente está fazendo daquela situação. Nesse sentido, é muito importante
avaliar os pensamentos automáticos no momento que podem estar con­
tribuindo para aumentar ou diminuir a ansiedade experimentada. Além
disso, estratégias como a distração e a presença de elementos de seguran­
ça deve ser notada e contabilizada na hierarquia de exposição.
Muitas vezes não é possível eliminar todos os comportamentos
de segurança, mas estes podem ser utilizados como passos intermediá­
rios no processo. Assim, podemos pensar, por exemplo, em um pacien­
te com Agorafobia que se expõe a uma situação temida com ou sem
seu aparelho de telefone celular. Em situações em que é difícil escalo­
nar o nível de dificuldade da exposição em função do baixo controle
das variáveis do ambiente por parte do terapeuta, como, por exemplo,
exposições de voo a inserção de elementos de segurança, de estratégias
cognitivas como a distração ou mesmo o auxílio de medicação ansiolí-
tica, podem ser formas eficazes de modular os níveis de ansiedade, per­
mitindo que o paciente se exponha de forma gradual.
Cada uma dessas sugestões deve ser avaliada juntamente com o
paciente, na tentativa de estimar o grau de ansiedade esperado, de for­
ma a montar uma hierarquia. Isso permite que qualquer paciente seja
exposto a um grau moderado de ansiedade, independentemente da
gravidade da sua situação. Nesse sentido, a plena conceitualização do
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 145

caso e a análise funcional de cada um dos elementos é fundamental


para a boa prática das técnicas de exposição.

Deve-se também ficar atento ao papel da distração durante as ex­


posições. A distração, na medida em que direciona a atenção do paciente
a estímulos outros que os temidos, auxilia na modulação da ansiedade
(Schmid-Leuz, Elsesser, Lohrmann, Johren, & Sartory, 2007) e pode ser
usada na exposição como uma forma de graduar o nível de dificuldade
da exposição. Entretanto, as estratégias de distração utilizadas precisam
ser previamente discutidas pelo paciente e pelo terapeuta, de modo que
este esteja consciente do seu papel no processo e evite que a exposição
não desencadeie a ansiedade esperada em função de sua utilização.
A exposição imaginária ou utilizando recursos de realidade vir­
tual é semelhante à exposição ao vivo, com a diferença de que o estí­
mulo não está presente de fato, mas é evocado mentalmente pelo pa­
ciente ou apresentado por algum meio eletrônico. Esta pode ser um
passo inicial nos enfrentamentos quando as situações comportamen-
tais gerarem uma ansiedade muito alta. Inicialmente é realizada com o
paciente uma hierarquia de situações a serem enfrentadas imaginaria­
mente, no consultório. Um detalhe importante aqui é evitar a distra-
146 Estratégias de Manejo do Estresse e da Ansiedade

çâo e favorecer a vivência da situação imaginária e o senso de presença,


lançando mão do máximo de elementos sensoriais possíveis (de Carva­
lho, Freire, & Nardi, 2010). Dessa forma, quanto mais concentrado e
imerso na situação o paciente estiver, maior será a similaridade com a
situação geral e mais ansiedade o paciente experimentará (de Carvalho,
Freire, et al., 2010).
Nas exposições com realidade virtual, diversos elementos precisam
ser manipulados na construção desse ambiente para que o cérebro do
paciente perceba aquela situação como real e para que o estímulo fun­
cione como exposição (de Carvalho, Freire, et al., 2010). Como ocorre
com a exposição ao vivo, essa técnica deve durar também o tempo ne­
cessário para que a ansiedade se reduza. Durante a exposição, detalhes
podem ser acrescentados à imaginação ou ao ambiente virtual, aumen­
tando ou diminuindo o grau de dificuldade (Freire et al., 2010).

Exposição interoceptiva

A exposição interoceptiva é uma técnica amplamente usada para


o Transtorno de Pânico, mas que atualmente desempenha um papel
fundamental no tratamento da ansiedade de forma geral (Barlow et
al., 2004). Esta é caracterizada pela indução repetida às sensações físi­
cas temidas e pelo enfraquecimento da resposta do medo através da
habituação. O paciente é instruído a realizar uma série de exercícios
que desencadeiem as alterações fisiológicas temidas. O objetivo princi­
pal é promover a habituação às sensações físicas sem se engajar em me­
didas para reduzi-las imediatamente (Antony et al., 2006). É impor­
tante investigar com o paciente quais são os sintomas que se apresen­
tam com maior frequência e que geram maior ansiedade. Para uma
boa exposição, a sensação experimentada deve se assemelhar à temida e
o paciente deve vivenciar e observar a ansiedade relacionada ao sinto­
ma aumentar e decrescer à medida que o tempo passa e a homeostase
se reestabelece.
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 147

Antony et al. (2006) propuseram um protocolo de exposição in-


terocèptiva que inclui os seguintes exercícios, a serem selecionados de
acordo com os sintomas físicos temidos pelos pacientes:
1) Mexer a cabeça rápido de um lado pro outro por 30 segundos.
2) Colocar a cabeça entre as pernas durante 30 segundos e le-
vantá-la rápido, trazendo-a à posição normal.
3) Girar em torno de um objeto (em pé) durante 1 minuto.
4) Segurar a respiração por 20 segundos.
5) Hiperventilar por 1 minuto.
6) Respirar por um canudo fino por 2 minutos, não respirando
pelo nariz.
7) Fixar o olhar em uma lâmpada fosforescente no teto duran­
te 1 minuto e depois disso tentar ler.
8) Fixar o olhar na própria imagem, refletida no espelho, por 2
minutos.
9) Fixar o olhar num ponto na parede por 3 minutos.
10) Tensionar os músculos do corpo por 1 minuto.
11) Correr sem sair do lugar por 1 minuto.
12) Sentar em frente a um aquecedor durante 2 minutos.
13) Colocar depressor de língua atrás da língua por 30 segundos.

A exposição interoceptiva no tratamento da ansiedade tem


como principal função o enfraquecimento do condicionamento inte-
roceptivo, que faz com que, na presença de uma alteração fisiológica
qualquer, as áreas cerebrais relacionadas ao medo desencadeiem uma
reação de ansiedade, gerando mais sintomas físicos e iniciando uma
espiral de ansiedade (de Carvalho, Rozenthal, & Nardi, 2010). A re­
cente inclusão dessa técnica no tratamento de outros transtornos de
ansiedade se deve ao fato de que a presença de sensações físicas ali­
menta a reação de ansiedade, em função do condicionamento intero-
ceptivo mesmo em pacientes que não tenham medo dos sintomas es­
pecíficamente (Barlow et al., 2004).
148 Estratégias de Manejo do Estresse e da Ansiedade

Exposição e prevenção de resposta

A terapia de exposição e prevenção de resposta (EPR) foi a pri­


meira abordagem psicológica com efetividade comprovada no trata­
mento dos sintomas do Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC),
sendo ainda hoje considerada fundamental para seu tratamento (Cor-
dioli, 2014). O princípio que embasa a EPR é a suposição de que ri­
tuais compulsivos e evitações são comportamentos realizados pelo in­
divíduo com a finalidade de reduzir a ansiedade ou o desconforto de­
sencadeados pela ocorrência das obsessões (Huey et al., 2008). À me­
dida que a compulsão reduz a ansiedade experimentada, esse compor­
tamento é negativamente reforçado e tende a aumentar em frequência.
A repetição do ciclo obsessão-compulsão impede o enfrentamento dos
medos e o seu desaparecimento natural através da habituação, man­
tendo o transtorno. A terapia de EPR tem por objetivo romper esse ci­
clo através da exposição aos estímulos temidos, seguida da abstenção
de realizar todos os atos destinados a reduzir ou eliminar o medo ou o
desconforto associados a tais estímulos. Prevenção de resposta refere-
se, portanto, ao bloqueio de tais comportamentos (Cordioli, 2014).
Da mesma forma que nas demais exposições, é importante que
o paciente consiga suportar o aumento da ansiedade relacionado às
obsessões sem realizar rituais, neutralizações, distrações ou qualquer
outra estratégia de esquiva. Aqui também podem ser usadas estratégias
de reestruturação cognitiva e de manejo da ansiedade para modular a
emoção negativa durante a exposição. Todas as demais orientações re­
lacionadas às exposições também se aplicam à EPR. De acordo com
Baer, a regra de ouro para a EPR consiste em:
1. Sempre que possível, enfrente as coisas de que você tem medo.
2. Se você perceber que está evitando algo, passe a enfrentar.
3. Se, ao enfrentar, você sentir necessidade de fazer alguma coisa
para aliviar o desconforto, não faça.
4. Repita os passos anteriores o maior número de vezes e pelo
maior tempo possível.
Estrategias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 149

Exposição e prevenção de resposta

Considerações finais

O tratamento da ansiedade e das manifestações de estresse tem


evoluído muito nos últimos anos, impulsionado não apenas pelas no­
vas tecnologias como também pela crescente integração entre as diver­
sas teorias e técnicas de orientação cognitivo-comportamental. Esse fe­
nômeno faz com que a abordagem cognitivo-comportamental da an­
siedade, apesar de já se encontrar bem estabelecida, validada e empíri­
camente comprovada, esteja em constante aprimoramento. Contudo,
é importante notar que, para a correta introdução de qualquer técnica
no tratamento psicoterápico, se faz necessária uma completa concei-
tuação cognitivo-comportamental do caso do paciente, incluindo uma
análise funcional de cada um dos elementos importantes que desenca­
deiam e mantêm a ansiedade.
Considerando ainda que muitas das técnicas utilizadas no trata­
mento da ansiedade e do estresse envolvem eliciar e manejar situações e
estímulos ansiogênicos, estas precisam ser propostas ao paciente após o
terapeuta estar seguro de que discutiu colaborativamente com o paciente
e que este compreendeu a função do procedimento no tratamento. Esse
passo é muito importante para que o indivíduo se sinta mais seguro em
experimentar e se expor a níveis paulatinamente crescentes de ansiedade,
aumentando as chances de sucesso no tratamento.
150 Estratégias de Manejo do Estresse e da Ansiedade

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Treino de Habilidades Sociais

Carmem Beatriz Neufeld e Anelisa Vaz de Carvalho

As habilidades sociais não são características inatas dos seres huma­


nos, mas são aprendidas através de experiências de vida. Ora, se são
aprendidas, então são passíveis de serem ensinadas! Essa é a premis­
sa básica dessa importante estratégia psicoterápica, que se vale de
diversos conceitos oriundos do modelo comportamental. O treino de
habilidades sociais se constitui em uma das mais complexas inter­
venções na clínica, uma vez que a aplicabilidade dos seus funda­
mentos depende diretamente do gênero, da idade, do nível socioeco­
nómico e da subcultura na qual o indivíduo está inserido. Treinar
habilidades sociais exige técnica e conhecimento, mas, acima de tu­
do, sensibilidade para perceber o outro, identificar déficits e ensinar
assertividade.
W.V.M.

Conceituar Habilidades Sociais (HS) consiste em uma complexa


tarefa. Evidencia-se na literatura que não existe uma conceituação úni­
ca habitualmente aceita acerca do construto. Caballo (2006) igual­
mente afirma que muito se tentou definir o que sejam as HS, contudo,
não se pôde chegar, até então, a uma concordância absoluta, conside­
rando que não é possível assumir uma conceituação genérica. A difi­
culdade repousa sobre o fato de que estas devem ser analisadas de for­
ma situacional, ou seja, dentro de um contexto cultural ou de uma si­
154 Treino de Habilidades Sociais

tuação, e até mesmo dentro de uma classe social específica. Ora, pode-
se afirmar que as HS sáo fundamentais para a capacidade do indivíduo
de desenvolver e formar relações duradouras e se integrar a uma comu­
nidade (Beauchamp & Anderson, 2010).
Todavia, Caballo (2006) aponta que o termo habilidades refere-
se à justaposição entre a conduta interpessoal e a capacidade de atua­
ção aprendida. Já o comportamento habilidoso pode ser compreendi­
do como um conjunto de comportamentos que propiciam que o indi­
víduo exprima sentimentos, desejos e opiniões de forma coerente com
cada contexto, levando a um convívio adequado e satisfatório com os
demais. De forma semelhante, Dei Prette e Dei Prette (2008) obser­
vam que as HS consistem em classes de comportamentos sociais de
um indivíduo, que se relacionam à sua competência social, fomentan­
do relacionamentos funcionais com outros indivíduos. Por sua vez, as
HS, para Gresham (1981a), podem ser conceituadas como aqueles
comportamentos que, dentro de determinadas situações, maximizam a
probabilidade de obtenção e manutenção de reforço e/ou diminuem a
probabilidade de punição ou extinção de um comportamento social.
Neste sentido, reconhece-se ainda que existem delimitações con­
ceituais de tópicos circunscritos na temática que envolve as HS que
devem ser observadas. Há que se discernir, por exemplo, os conceitos
como desempenho social e competência social. Segundo Dei Prette e
Dei Prette (2001; 2008) o primeiro detém sentido lato, referindo-se à
emissão de comportamento em quaisquer situações sociais, sendo esse
construto mais descritivo do que avaliativo. Ainda segundo estes auto­
res, a competência/ habilidade social, ao contrário, volta-se a uma
questão avaliativa na qual contemplam-se os efeitos do desempenho
social vivenciado pelo indivíduo, relacionando-se, por exemplo, a um
déficit de comportamento. Assim, sob essa perspectiva, assume-se que
um indivíduo possa ser detentor de distintas habilidades, podendo não
utilizá-las, contudo, em seu desempenho. Gresham (1986) ressalta ain­
da que a competência social compreende três subdomínios: o compor­
tamento adaptativo, as habilidades sociais e a aceitação de pares. Para
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 155

o autor, as HS sáo uma parte importante da competência social, po­


rém a mesma não se restringe a elas.
Dei Prette e Dei Prette (2001) também apontam para possíveis
principais classes e subclasses de HS, generalizáveis a distintas faixas
etárias, tais como: a) habilidades de comunicação (que envolvem, basi­
camente, fazer e responder perguntas, pedir e conceder feedback, fazer
elogios; iniciar, manter e encerrar conversação); b) habilidade de civili­
dade; c) habilidades assertivas, de direito e cidadania (que se referem à
manifestação de opinião própria, fazer, recusar e aceitar pedidos, ex­
pressar sentimentos negativos, desculpar-se, estabelecer relacionamen­
to afetivo, encerrar relacionamento, interagir com autoridade); d) ha­
bilidades sociais empáticas; e) habilidades de trabalho/educativas (que
consistem em resolver problemas, tomar decisões, falar em público,
etc.); f) habilidades de expressão de sentimento positivo (referentes a
iniciar e manter amizade, expressar solidariedade, etc.). Cabe ressaltar,
ainda, que cada habilidade possui alguns componentes fundamentais,
sendo eles: I) dimensão comportamental (tipo de habilidade); II) di­
mensão pessoal (variáveis cognitivas); e III) dimensão situacional (con­
texto ambiental) (Caballo, 2006).
Igualmente, verifica-se que não há uma concordância a respeito de
como e quando as HS são aprendidas. Segundo Dei Prette e Dei Prette
(2008), as HS podem ser aprendidas ao longo de todo o ciclo de vida, e,
diante disso, eventuais déficits e dificuldades podem ser superados em
qualquer tempo. Em contraponto, Beauchamp e Anderson (2010) afir­
mam que as HS emergem gradualmente ao longo da infância e adolescên­
cia e refletem uma ação combinada entre o indivíduo e seu ambiente. Em
uma perspectiva semelhante, Caballo (2006) afirma que a infância pode
ser apontada como um período decisivo para a aprendizagem de HS e,
ante condições ambientais limitadas ou inadequadas à aprendizagem de
comportamentos socialmente competentes, existe a possibilidade de défi­
cits nas HS. Por sua vez, segundo Gresham (1981a), déficits de HS po­
dem ser conceituados em três dimensões distintas: Déficit de competên­
cias, Déficit de desempenho e Déficits de autocontrole.
156 Treino de Habilidades Sociais

Sob essa ótica, Beauchamp e Anderson (2010) propõem um mo­


delo integrativo/multidisciplinar para compreensão dos diferentes feto-
res que influenciam a emergência e expressão das HS em populações clí­
nicas, bem como para fornecer uma estrutura teórica para a compreen­
são das origens da disfunção social. Os autores citam um modelo biopsi-
cossocial de desenvolvimento, que incorpora as bases biológicas e habili­
dades sociocognitivas que fundamentam as funções sociais (atenção, co­
municação, habilidades socioemocionais, etc.), bem como o ambiente e
fatores internos que fazem a mediação dessas habilidades.
Todavia, embora não haja um consenso a respeito de como e
quando são aprendidas as HS, verifica-se pela literatura uma concordân­
cia quase absoluta em relação à sua importância e ao seu valor decisivo
na qualidade de vida e na saúde mental. Além disso, uma densa literatu­
ra suporta a premissa de que as HS podem ser treinadas ao longo de
todo o ciclo de vida, sendo que se encontra uma grande quantidade de
técnicas estruturadas para o Treinamento de Habilidades Sociais.

Treinamento de Habilidades Sociais

O Treino de Habilidades Sociais (THS) tem como objetivo apri­


morar ou propiciar a aquisição de HS, sendo possível encontrar na lite­
ratura científica grande gama de técnicas (com destacada ênfase cogniti­
va, comportamental ou cognitivo-comportamental) e programas volta­
dos à diferentes faixas etárias e transtornos. Ressalva-se que dificuldades
em HS podem contribuir para o estresse, isolamento social, redução da
autoestima, e impactar fortemente na qualidade de vida dos indivíduos
nas diferentes faixas etárias (Beauchamp & Anderson, 2010).
Segundo Caballo e Irurtia (2004), no que se refere ao aprimora­
mento das HS, a modificação de comportamentos observáveis pelo
THS consiste em uma metodologia de maior eficácia para a modifica­
ção de pensamentos e para favorecimento de uma conduta socialmente
competente. Os autores ressaltam ainda que no THS deve-se primar
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 157

pela reestruturação cognitiva, sendo que, primeiramente, deverá ser


feita a identificação de cogniçóes inadequadas e, em seguida, a busca e
avaliação de maneiras alternativas de significá-las e praticá-las (para
mais informações, ver Capítulo 1).
Um programa de THS deve levar em consideração elementos
como a forma de aprendizado dos indivíduos, influências do contexto
sociocultural e a existência de fatores e peculiaridades orgânicas e am­
bientais. Sobretudo, tal programa deve ser fundamentado em um pla­
nejamento detalhado da organização do processo à avaliação do treina­
mento (Dei Prette, Dei Prette, & Barreto, 2006). Destaca-se ainda
que, muito embora os programas de THS tenham surgido para aten­
der demandas individuais, cada vez mais propõem-se intervenções
com formatos em grupo (Caballo, 2006).
O THS apresenta-se como um modelo alternativo ao modelo
médico convencional, tendo em vista que, em geral, as psicopatologias
podem ser provenientes da incapacidade do indivíduo em resolver
conflitos e atingir objetivos (Caballo, 2006). Observa-se, inclusive,
que o THS tem substituído até mesmo alguns modelos psicológicos
clássicos, sendo que, dentre os métodos comumente encontrados na
Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), este se refere a uma das
metodologias de maior eficácia para o desenvolvimento e aprimora­
mento de repertório social (Angélico, Crippa, Sé Loureiro, 2006).
Ademais, o THS vem sendo empregado para complementar o trata­
mento de diversos transtornos e sintomas, tais como: ansiedade social,
depressão, uso de substâncias psicoativas, alguns transtornos da perso­
nalidade, dentre outros (Chambom, Cardine, & Dazord, 1996; Bolso-
ni-Silva et al., 2008; Crowe, Beauchamp, & Anderson, 2011; Gra-
nholm et al., 2008; Holden et al., 1990; Mueser, 1997; Mululo et al.,
2009; Sukhodolsky et al., 2005).
Tomando por exemplo os Transtornos de Ansiedade Social
(TAS) e de Ansiedade Generalizada (TAG), um estudo de Kraaimaat e
Dam-Baggen (2000) evidenciou que o THS pode apresentar maior
eficácia que o tratamento pela Terapia Cognitivo-Comportamental em
158 Treino de Habilidades Sociais

Grupo (TCCG) na redução de sintomas de TAS e TAG. Quando


comparado à TCCG, destaca-se que pacientes submetidos ao THS
tendem a apresentar uma redução mais significativa nos escores de an­
siedade social e um acréscimo significativo de HS.
Partindo do pressuposto de que indivíduos com TAS possuem
HS adequadas e que, no entanto, se inibem em aplicá-las em situações
sociais, Kraaimaat e Dam-Baggen (2000) sugerem que o tratamento
de pacientes com TAS deve compreender técnicas para treinamento de
HS Básicas e HS Específicas, tais como modelaçáo, ensaio comporta-
mental, aproximação sucessiva e tarefas de casa. Mais específicamente,
as principais técnicas para a aquisição de HS Básicas consistem em ob­
servação, ouvir, dar e receber feedback e componentes não verbais
(contato visual, volume da voz e entonação). Adicionalmente, as técni­
cas para aquisição e treinamento de HS Específicas devem incluir: fa­
zer e recusar pedidos, fazer e receber elogios, expressar sentimentos po­
sitivos, iniciar e manter conversações, fazer e receber críticas, expressar
opiniões e lutar pelos seus direitos.
Encontra-se ainda na literatura a afirmativa que o objetivo do
THS quando voltado ao TAS consiste em psicoeducar o paciente a
manejar sintomas fisiológicos durante a exposição social, a ampliar o
repertório social, a propiciar a dessensibilização e, desse modo, solu­
cionar os conflitos mais comuns ao transtorno (Mululo et al., 2009;
Caballo, 2006). Pode-se concluir então que uma densa literatura exibe
uma confluência de dados quanto ao uso das seguintes técnicas em
programas de THS para TAS: ensaio comportamental, modelagem,
modelação, tarefas de casa, feedback, reforçamento, biblioterapia, apro­
ximação sucessiva, análise funcional, instruções, automonitoramento,
resolução de problemas, entre outros (Angélico, Crippa, & Loureiro,
2006; Mululo et al., 2009).
Desde a década de 1990, já se abordava uma metodologia mais
extensa para o tratamento do TAS, no qual o THS era visto como um
componente fundamental. Esse programa incluía os seguintes tópicos:
I) Educativo (consiste na psicoeducação sobre o transtorno e sinto-
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 159

mas); II) THS (visa psicoeducar ou aprimorar a prática da interação


social, sendo esta última: dar-se conta do ambiente social, melhora das
HS e das habilidades para falar em público); III) Exposição (que pode­
rá consistir em inundação, sendo esta ao vivo, de forma graduada ou
pela imaginação); III) Prática Programada (as exposições são dirigidas
pelo terapeuta e finalizadas pelo paciente por si só).
No que tange a depressão, Caballo (2006) ressalta que o THS fun­
damenta-se na hipótese de que o comportamento interpessoal inadequado
está diretamente associado ao comportamento depressivo. As premissas
que se relacionam a hipótese são as seguintes: I) o transtorno refere-se a
um programa inadequado de reforçamento contingente ao comportamen­
to não deprimido do indivíduo; II) para os adultos, a maioria dos reforça-
dores positivos mais importantes referem-se aos de natureza interpessoal;
III) parte dos reforços não sociais também dependerão do comportamen­
to do adulto; IV) aquelas técnicas que auxiliem o acréscimo de comporta­
mentos interpessoais devem aumentar o reforço positivo contingente à
resposta, minimizar o aspecto depressivo e maximizar comportamentos
não depressivos (Becker, Heimberg, & Bellack, 1987).
Mesmo ante uma etiología em que se apresentam determinantes
genéticos, bioquímicos e socioculturais, os estados depressivos também
são determinados pela deterioração das relações sociais, pela diminui­
ção da eficácia de reforçadores positivos e pela imitação e reforçamento
de comportamentos depressivos. Ademais, as crenças distorcidas rela­
cionadas ao transtorno comumente associam-se às dificuldades em
manter conversação, defender os próprios direitos e expressar empatia
(Dei Prette & Dei Prette, 2008). Assim, compete ao THS se basear na
aquisição e aprimoramento destas habilidades.
Já de acordo com Beck et al. (1997), a depressão está associada a
um ciclo vicioso de uma visão negativa de si, dos outros e do mundo,
e do futuro. Nesta perspectiva, a competência social será uma perfor­
mance difícil de ser exibida, uma vez que o indivíduo se vê preso em
suas crenças negativas, e sua inatividade será a estratégia compensató­
ria que manterá este processo. Nesta perspectiva a intervenção deverá
160 Treino de Habilidades Sociais

lançar o foco sobre a ativação comportamental e o envolvimento em


atividades de interação, paralelamente à análise e reestruturação dos
pensamentos disfuncionais a respeito da interação social.
Outro exemplo de utilização do THS no contexto da clínica re-
fere-se a seu emprego ao tratamento da Esquizofrenia. Caballo (2006)
argumenta que apesar desses pacientes poderem se beneficiar do THS
devido às suas poucas HS em geral, o uso do THS nesse campo ainda
encontra-se em uma posição controversa. O estudo de Granholm et al.
(2008) com pacientes portadores de esquizofrenia crônica apontou
evidências de que, quando comparado a tratamentos convencionais, o
THS se mostrou mais efetivo na melhora de aspectos funcionais da
doença. Não obstante, o comprometimento neuropsicológico deve ser
considerado um preditor para aquisição de competências.
Chambom, Cardine e Dazord (1996) conduziram, por sua vez,
um estudo cujos resultados indicaram uma dissociação entre os benefí­
cios diretos do THS e a melhora em pacientes esquizofrênicos. Nesse
sentido, os autores concluíram que o tratamento dado somente pelo
THS não é particularmente efetivo em promover mudanças amplas
junto a pacientes não funcionais com esquizofrenia. Entretanto, o
THS pode ser eficaz quando integrado a um serviço de saúde mental
que inclua controle adequado de medicamentos, acompanhamento in­
dividual de casos, entre outros.
Muito embora o tratamento farmacológico seja propício à redu­
ção de sintomas gerais, sabe-se que este por si só não é efetivo para a
intervenção na interação social, pois pouco fomenta a competência so­
cial do paciente e sua vida em sociedade. A esse fato ainda se coadu­
nam os casos que envolvem longas internações, nos quais as relações se
deterioram pelo distanciamento familiar e social, cercados pelos efeitos
da hospitalização (Dei Prette e Dei Prette, 2008).
Em síntese, o THS direcionado ao paciente com esquizofrenia
deve propiciar a aprendizagem de HS cotidianas e de relacionamento
interpessoal. Segundo Caballo (2006), esse tipo de treinamento deve
ser, portanto, centrado em elementos típicos de modelação, ensaio
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 161

comportamental, retroalimentação, representação de papéis adicionais,


entre outros. Em outros termos, Caballo (2006) propõe como objetivos
do THS com pacientes esquizofrênicos: I) Assertividade; II) Habilidades
de conversação; III) Controle da medicação; III) Procura de atividade
laborai; IV) Habilidades recreativas e de lazer; V) Habilidades para rela­
ções; VI) Comunicação com a família; VII) Solução de conflitos.
Outro emprego comum do THS refere-se à intervenção com in­
divíduos com Transtornos de Abuso de Substâncias. Segundo Dei
Prette e Dei Prette (2008), estabelece-se uma relação direta entre o al­
coolismo, depressão e ansiedade social, sendo que o álcool torna-se
uma resposta imediata à ansiedade social, quando o indivíduo não
possui alternativas socialmente competentes. De forma semelhante,
Caballo (2006) assinala que estudos têm mostrado evidências de que
os alcoolistas têm dificuldades em estabelecer relações sociais espera­
das, e que em geral suas respostas sociais são aprendidas de forma ina­
dequada, e logo esquecidas. O autor ressalta ainda que, no caso dos
pré-alcoolistas, existe um duplo processo envolvido, que se refere à evi-
tação de aquisição de respostas sociais mais apropriadas e a manuten­
ção de repertório social inadequado.
Caballo (2006) afirma que os dados sugerem que é possível ge­
neralizar aos transtornos de abuso de substâncias (não somente abuso
de álcool) a premissa de que se estabelece uma correlação entre a ansie­
dade social, déficits de HS e o abuso de substâncias psicoativas. Nessa
direção, o abuso de substâncias atua como meio de enfrentamento e
busca de adaptação social. Contudo, o autor postula que indivíduos
com vícios mais graves podem ter déficits de HS Básicas, no entanto,
por outro lado, encontram-se indivíduos com problemas mais mode­
rados relacionados a substâncias que exibem comportamentos muito
hábeis socialmente em algumas situações. Por essa óptica, segundo o
autor, o THS, para casos mais graves, não deve se focar somente em
psicoeducar o paciente a recusar a pressão social para aceite e consumo
de substâncias, mas deve ser mais amplo do que isso, levando o indiví­
duo a estabelecer outras redes sociais com vínculos mais saudáveis,
162 Treino de Habilidades Sociais

treinamento para lidar com pressões no trabalho, melhorar a comuni­


cação familiar, entre outros.
Medidas preventivas também se mostram eficazes contra o abuso
de substâncias. Caballo (2006) propõem ainda o manejo das seguintes
técnicas para aplicação de um programa de THS de prevenção ao abuso
de substância com adolescentes: I) Informação (referindo-se às informa­
ções sobre o uso de substâncias e pressões inerentes ao meios de comuni­
cação para sua utilização); II) Solução de problemas (na qual são explici­
tados os problemas comuns à vida dos membros do grupo e busca de
soluções para os mesmos, avaliando cada uma das consequências), III)
Autoinstruções (por meio de modelação e ensaio de acontecimentos;
utilizando-se os pensamentos e atitudes dos adolescentes, é introduzido
o acrônimo PODAR: Parar, Opções, Decidir, Agir e Recompensar a si
mesmo); III) Enfrentamento (ensinando o adolescente a antecipar e pre­
parar-se para situações estressantes e obstáculos), IV) Comunicação (psi-
coeducaçâo de componentes verbais e não verbais inerentes ao THS); V)
Sistemas de apoio (reconhecendo-se que um sistema de apoio é funda­
mental, levando-se em consideração a relevância da influência de grupos
na iniciação e manutenção do uso de drogas, o tópico prima a melhoria
na negociação e na manutenção de redes sociais positivas).
E possível ainda estender o THS à delinquência e à psicopatía.
Nesses casos o treinamento deverá primar, fundamentalmente, pela
melhoria dos déficits de HS que são comuns a esses indivíduos. Dei
Prette e Dei Prette (2008) ressaltam que as características mais comuns
inerentes a esses transtornos são: impulsividade, agressão, falta de em­
patia e percepção equivocada de fatos sociais. Nesse sentido, o THS
deve-se voltar ao manejo dessas questões.
Em uma perspectiva paralela a esta, é possível também encontrar
a sistemática de treinamentos específicos para manejo da agressividade
na literatura. Um estudo de Nangle et al. (2000) reporta que o THS
tem emergido como um tratamento padrão para crianças e adolescen­
tes agressivos, que surgiu como uma opção em meio a uma crescente
onda de insatisfações com as abordagens mais tradicionais operantes.
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 163

Ainda segundo os autores, embora na literatura exista uma série de


técnicas que podem ser empregadas nessa situação, alguns procedi­
mentos podem ser concebidos como fundamentais para esse treina­
mento, tais como: instruções, modelagem e modelação, ensaio com-
portamental, feedback, combinados com componentes cognitivo-com-
portamentais, incluindo controle da raiva, resolução de problemas, au-
toinstruções, relaxamentos, e autorregulação.
Por sua vez, Sukhodolsky et al. (2005) compararam o emprego de
técnicas distintas para o manejo da raiva. Segundo esses autores, uma
das técnicas, que consistia no treino de resolução de problemas, utilizou
reestruturação cognitiva, reatribuição e geração de soluções, tendo como
alvo déficits sociocognitivos implicados na raiva e na agressão. A outra
estratégia de tratamento empregada consistiu em um THS baseado em
modelagem e modelação, ensaio comportamental, feedback corretivo,
tendo como alvo competências sociais para a resolução de conflitos in­
terpessoais e para a aquisição de habilidades para expressão adequada da
raiva. Verificou-se, no entanto, que ambos os tratamentos foram similar­
mente significativos na redução de comportamentos agressivos, proble­
mas de conduta e na frequência de expressões de raiva.
Entrementes, o THS também vem sendo amplamente utilizado
para tratar de questões inerentes à infância. Pesquisas empíricas recen­
tes relatam a relevância e a prevalência de problemas sociais funcionais
entre crianças de várias idades e a expansão de estudos dedicados a
compreender as implicações a longo prazo das disfunções sociais que
podem afetar o ambiente escolar, doméstico e social em geral. A com­
petência social consiste em um fator crítico ao desenvolvimento infan­
til, sendo que a identificação de comportamentos necessários para que
as crianças convivam bem com seus pares é de fundamental importân­
cia (Crowe, Beauchamp, & Anderson, 2011).
Existem também relatos na literatura do emprego de THS a
Transtornos do Espectro Autista (TEA). Crianças com TEA podem
demonstrar uma série de déficits em HS, destacando-se: dificuldade
em fazer contato visual, reconhecer linguagem corporal, participar em
164 Treino de Habilidades Sociais

brincadeiras cooperativas, iniciar e manter conversações, responder apro­


priadamente a conversações e a expressões não verbais e desenvolver
amizades duradouras. Em geral, as intervenções em THS voltadas a
TEA, incluem o treinamento de pares e ou cuidadores, treinamento por
scripts, associação com estímulos priming (desencadeado res), instruções
diretas, (p. ex., modelação e modelagem, reforçamento, feedback de aler­
ta), NÍòs.ofeedback e sistema de símbolos, sendo que as intervenções me­
diadas por pares consistem em um dos métodos mais elegíveis para apri­
moramento de HS (Banda et al. 2009; Chung et al., 2006).
Outro exemplo de uso do THS insere-se no manejo de proble­
mas conjugais e familiares. Em geral, a maior parte destes problemas
tem origem em déficits de HS e, sobretudo, nas dificuldades de expres­
são de sentimentos positivos. Segundo Dei Prette e Dei Prette (2008),
nesse caso, o THS deve primar pela melhoria nas habilidades de co­
municação, expressão de sentimentos e opiniões, bem como desequilí­
brios nas trocas comportamentais. No que tange à relação entre pais e
filhos, o desenvolvimento de Habilidades Sociais Educativas Parentais
tem se tornado cada vez mais eficaz no manejo de problemas de rela­
cionamentos familiares (Bolsoni-Silva et al., 2008).
Em síntese, verifica-se a empregabilidade do THS em uma série
de dificuldades comumente encontradas na prática clínica, tais como
as supracitadas e, ainda, em outros transtornos, tais como: transtornos
obsessivos, deficiências mentais, agorafobia, desvios sexuais, crianças
socialmente isoladas, transtorno de personalidade por evitação, falta de
habilidade na busca por trabalho, entre outros (Caballo, 2006; Dei
Prette & Dei Prette, 2009). Ressalva-se, no entanto, que o emprego
clínico do THS não deve possuir como objetivo levar à remissão do
diagnóstico nosológico, mas sim aprimorar a qualidade das interações
sociais dos pacientes, melhorando sua autoestima, reaproximando-o
do contato social e diminuindo índices de reinternações e/ou recaídas.
Considerando os aspectos mencionados, o presente capítulo visa
apresentar algumas técnicas que podem auxiliar o clínico na proposi­
ção de um THS. As técnicas a seguir podem ser aplicadas com objeti­
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 165

vos diversos, no entanto, o enfoque dado aqui será no seu uso para
promover a interação e o desempenho social. Cabe ressaltar, no entan­
to, que o presente trabalho não esboça a pretensão de apresentar exaus­
tivamente as técnicas, nem de relacionar todas as técnicas existentes
para o trabalho de treinar as habilidades sociais dos pacientes em clíni­
ca. Assim, serão apresentadas, a seguir, algumas das técnicas mencio­
nadas na literatura e que compõem os programas de THS utilizados
para manejo dos transtornos mais comuns à clínica.

Técnicas de Treinamento de Habilidades Sociais


Modelação
É possível encontrar na literatura diferentes variações do termo
que nomeia a técnica, sendo esta também denominada por “aprendi­
zagem social”, “aprendizagem vicária / vicariante”, “aprendizagem por
observação” e, mesmo, “imitação”. Esta técnica possui como base a Te­
oria Social-Cognitiva de Bandura que tem como fundamento a apren­
dizagem por observação ou vicariante. Por sua vez, ela consiste na
apresentação de um modelo que exiba ao paciente o comportamento-
alvo a ser desempenhado, sendo esta exibição “mediada” pelo terapeu­
ta, que deverá ressaltar e ou questionar as contingências a serem evi­
denciadas (Bandura, Azzi, & Polydoro, 2008).
Bandura observou que, através do emprego da modelação, o
comportamento se torna passível de diferentes modificações. Estes
efeitos, por sua vez, consistem em categorias que se denominam “Efei­
to Modelador / Aprendizagem por Observação” (no qual são aprendi­
das novas respostas pela observação do desempenho do modelo),
“Efeitos Inibitórios ou Desinibitórios” (que se refere ao fato de que
respostas previamente presentes no repertório do indivíduo podem ser
fortalecidas ou inibidas pela observação do comportamento do mode­
lo e suas respectivas consequências) e “Efeitos de Facilitação de Respos­
ta” (categoria na qual o comportamento do modelo, fundamentalmente,
166 Treino de Habilidades Sociais

ocorre como um estímulo discriminativo ao observador, distinguindo-se


da categoria “efeitos inibitórios ou desinibitórios” por se referir a um
comportamento socialmente aceito, até então não passível de eventuais
punições) (Derdyk & Groberman, 2004).Na prática clínica, segundo
Caballo (2006), é possível que o modelo seja “apresentado” ao paciente
por meio de diferentes formas: I) exibição de vídeos gravados; II) em
grupo, podem-se usar como modelo outros membros que utilizem o
comportamento-alvo corretamente; III) apresentação de um membro
externo à sessão terapêutica. Dei Prette e Dei Prette (2001; 2008) ressal­
tam que a modelação pode ser aplicada de forma “manifesta” ou “enco­
berta”. A primeira refere-se a exposição direta ao modelo, sendo que, na
segunda, o paciente deverá imaginar esse modelo.
Em regra, afirma Caballo (2006), a técnica apresenta maior efi­
cácia quando o modelo e o observador possuem idades próximas e o
mesmo sexo. Adicionalmente, existem alguns componentes funda­
mentais a serem observados para o êxito da técnica: I) Características
do Modelo: o paciente deverá, ainda que minimamente, considerar
desejável o comportamento-alvo e, além disto, um modelo com maior
prestígio social, status ou determinados valores poderá ser mais facil­
mente imitado que outro; II) O paciente não deverá interpretar o
comportamento como o estritamente correto, mas como uma possibi­
lidade a mais de manejar uma situação; III) Características do observa­
dor: um indivíduo que já obteve êxito imitando modelos tem maior
chance de replicar a técnica de forma bem sucedida; IV) Itens como
atenção e memória são imprescindíveis, uma vez que o paciente deverá
aprender pela observação e ser capaz de lembrar-se desta; V) É impor­
tante que o paciente evidencie que isto lhe trará consequências positi­
vas. Neste sentido pelo reforço vicário as contingências do comporta­
mento do modelo determinam a probabilidade da imitação do cliente
(Derdyk & Groberman, 2004; Caballo, 2006).
Segundo Caballo (2006) a técnica apresenta como vantagem a
possibilidade de demonstrar os componentes verbais e não verbais e
paralinguísticos do comportamento. Um exemplo de uso da modela-
Estrategias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 167

ção consiste em reportar-se à exemplos bem-sucedidos próximos ao pa­


ciente, dos quais ele seja capaz de identificar os elementos reforçadores
para manutenção do comportamento. Considerando, por exemplo, um
grupo de THS onde a agenda da sessão seja o autocontrole, os membros
que têm sido bem-sucedidos em manejar a sua raiva podem servir como
modelo para os demais membros, exemplificando como tal comporta­
mento tem afetado positivamente sua vida familiar e social. Nesse caso o
observador deverá ser capaz de evidenciar a contingência estabelecida
entre o autocontrole e as consequências favoráveis deste (ganho de ami­
gos, melhora na relação familiar, evitação de constrangimentos em pú­
blico, etc.). Uma outra possibilidade, quando se trabalha com crianças, é
recorrer a desenhos animados ou livros infantis que ilustrem a situação a
ser trabalhada e as consequências das atitudes do modelo (seja ele nega­
tivo ou positivo). É fundamental que, antes de serem apresentadas as
consequências reais que o modelo sofreu, o paciente seja questionado
sobre quais as consequências que ele acredita que o modelo sofrerá. Esse
aspecto é fundamental, pois, para Bandura, não é o programa de reforço
concreto que age sobre o comportamento, e sim o que o paciente pensa
sobre o programa de reforço que fará com que ele modifique seu com­
portamento (Bandura, Azzi, & Polydoro, 2008).
Por fim, em uma outra perspectiva é possível ainda que se traba­
lhe com a orientação de pais e professores primando torná-los modelos
e mais conscientes das habilidades que se objetiva desenvolver em
crianças e adolescentes. Neste sentido, o terapeuta poderá tanto auxi­
liá-los a selecionar vídeos, histórias e outros elementos que apresentem
o modelo desejado quanto efetivamente fornecer estímulos, específicos
a tarefa de “tonar-se modelo” (Braswell e Kendall, 2006).

Modelagem

Embora muitas vezes confundida com a técnica da modelação, a


modelagem apresenta-se diferenciada desta sobretudo pela introdução
do reforço diferencial. Na técnica, elege-se um comportamento-alvo a
168 Treino de Habilidades Sociais

ser atingido e, mediante a apresentação de performances sucessivamente


mais próximas do comportamento-alvo, são fornecidos reforçadores.
Segundo Dei Prette e Dei Prette (2008), pódese empregar a téc­
nica decompondo certos comportamentos sociais em unidades meno­
res, treinando-os de forma separada e, posteriormente, recompondo-
os. Ressalva-se, no entanto, que em um esquema de reforçamento, é
desejável que o reforçamento ocorra principalmente na aquisição de
classes de respostas emitidas pelo cliente durante a sessão terapêutica,
pois assim se reduz a possibilidade de eventual contra-controle ineren­
te às contingências aversivas (Madi, 2004).
E possível ilustrar a técnica reportando-se à própria aquisição da
habilidade de conversação. O terapeuta poderá decompor a tarefa em
várias partes, como: iniciar conversação, mantê-la (eventualmente de­
composta em outras parte adicionais, como: fazer e responder perguntas,
por exemplo) e finalizar a conversação. Nesse caso, sucessivamente, de­
verá ser proposta uma nova tarefa na medida em que o paciente seja ca­
paz de finalizar a anterior. Presume-se, nessa situação, que o elemento
reforçador serão as próprias aquisições feitas pelo paciente (diálogos,
contatos, vínculos e o próprio sentimento de êxito), eventuais reforçado­
res verbais feitos pelo terapeuta (elogios) ou a execução de acordos tangí­
veis previamente firmados entre terapeuta e paciente, similares a técnica
de Economia de Fichas1 (“você deve se lembrar de que acordamos que,
na conclusão de determinada tarefa, você se daria o direito de adquirir
ingressos para aquela peça de teatro a que tanto queria assistir, mas que,
em razão do trabalho extra, acaba sempre por adiar”... “conforme con­
versamos, quando alcançasse algo importante, você poderia se dar o di­
reito de comprar aquela roupa que há muito tempo estava desejando,
mas que ficava em dúvida, pois achava que era um gasto desnecessário,
embora tenha poupado o suficiente para tanto...”).

1 A técnica, predominantemente empregada com crianças, consiste na busca por atingir metas
que, por sua vez, levará à obtenção de recompensa: na medida em que o paciente realiza
tarefas que são propostas, serão concedidos pontos dentro de um escore, sendo que, quando
se atinge o escore máximo necessário, a recompensa é disponibilizada (Para mais informa­
ções, ver Capítulo 19).
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 169

Fazer críticas: Técnica do “sanduíche”

O método possui como objetivo possibilitar que o paciente seja ca­


paz de fazer críticas de forma pertinente. Em regra, possui a seguinte es­
trutura: a sentença inicia-se por um elogio apontando um aspecto positivo
do comportamento, seguido da crítica ou comportamento a ser modifica­
do e, por fim, finaliza-se com novo ponto favorável (Caballo, 2006).
Exemplo: Bernardo, você é ótimo amigo e alguém por quem tenho muita
afeição, no entanto, o fato de sempre se atrasar, quando passo na sua casa
para te dar carona para o trabalho, tem me aborrecido muito e receio que,
caso este comportamento se mantenha, não será possível que eu continue a
lhe oferecer carona, o que seria lamentável, pois gosto muito das conversas
que temos a caminho do trabalho e sinto satisfação em retribuir a sua
amizade ajudando-o de alguma forma.
Segundo Dei Prette e Dei Prette (2001), em grupo, a técnica pode
ser ampliada da seguinte forma: solicita-se a um membro para que faça a
crítica utilizando a técnica e a outro que a escute sem questioná-la. Pos­
teriormente um dos membros do grupo deverá reproduzir a crítica rece­
bida, expressar se concorda com ela e relatar como se sentiu diante do
que foi dito. Nesse caso a técnica possui como objetivo, além de apren­
der a criticar adequadamente, lidar com críticas, dessensibilizar-se diante
delas, aceitar críticas justas, controlar a impulsividade para reagir, rejeitar
críticas injustas, ouvir críticas com atenção antes de replicar e reconhecer
os próprios sentimentos. No entanto, segundo os autores, é preciso estar
atento a grupos com membros excessivamente críticos, perfeccionistas e
mesmo ansiosos, onde o emprego da técnica pode não ser adequado.

Fazer e recusar pedidos

Fazer pedidos inclui diferentes possibilidades. Algumas pessoas


os fazem de forma agressiva/coercitiva, outros os fazem com extrema
dificuldade, quase se desculpando por fazê-los. Paralelamente, existem
pessoas que não são capazes de emitir uma resposta assertiva sobre a
170 Treino de Habilidades Sociais

razão de não atender ao pedido de outrem e, por serem incapazes de di­


zer não, acabam fornecendo pretextos para não atender ao pedido. A ca­
tegoria ‘“fazer pedidos” inclui pedir favores, solicitar ajuda, entre outros,
enquanto recusar pedidos de forma apropriada inclui a capacidade de
dizer não quando o pedido não for razoável ou não haja desejo ou algu­
ma razão em atendê-lo, sem sentir-se mal por isso (Caballo, 2006).
Segundo Caballo (2006), em geral, no que se refere ao compo­
nente fazer pedidos, apresentam-se como técnica para o THS os seguin­
tes treinamentos: I) Fazer pedidos com frequência (não com o objetivo
de obter algo, mas sim para dar-se conta de que pedido não significa exi­
gência, reconhecendo-se o direito da pessoa em atendê-lo ou recusá-lo);
II) Esclarecer o pedido (caso a outra parte não haja compreendido); III)
Fazer um único pedido, caso seja negado (para que se compreenda que
novos pedidos possam consistir em violação dos direitos de outrem);
IV) Aprender a lidar com crenças irracionais sobre fazer pedidos (“se te­
nho um pedido atendido, estarei em dívida com o outro?}.
Ainda, segundo o autor, devem ser esclarecidos e praticados os
seguintes itens: I) Ser objetivo; II) Nem sempre é necessário fornecer
justificativas, embora explicações auxiliem; III) Não dar pretextos; IV)
Preparar-se para a resposta, seja afirmativa seja negativa, e respeitar o
direito do outro em dizê-lo. Alguns exemplos de tarefas que podem ser
úteis para auxiliar o paciente a treinar a habilidade de fazer pedidos
consistem na delegação de algumas tarefas de casa, tais como: I) Pedir
algo ao vizinho (como exemplo gelo); II) Pedir informação sobre al­
gum endereço; III) Pedir ajuda para resolver algo no trabalho; IV) pe­
dir desconto em alguma compra; V) pedir informações sobre algum
produto em uma loja; VI) pedir para usar o telefone de alguém; VII)
pedir para trocar alguma mercadoria, etc.
Em contrapartida, no que tange a recusar pedidos, há que se lidar
com a possibilidade e ou previsibilidade de o outro sentir-se ferido ou ten­
tar persuadi-lo e, ainda, é necessário que no THS o paciente se dê conta de
que a recusa deve ser seguida de razões, nunca justificativas (Caballo, 2006).
No THS, para se treinar o paciente a recusar um pedido, podem ser mos­
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 171

tradas distintas alternadvas e solicitar-se que ele as pratique sempre que


convir recusar algo: I) Recusar atender ao pedido e explicar a razão da recu­
sa; II) Recusar a solicitação, informando que, embora não possa atendê-la
no momento, poderá fazê-lo no futuro; III) Simplesmente dizer que não
possui disponibilidade; IV) Solicitar tempo para pensar a este respeito.

Fazer perguntas

O método possui como objetivo mostrar ao paciente uma possí­


vel forma de iniciar e de manter uma conversação, haja vista que as
perguntas, em geral, propiciam a introdução e ou ampliação de temas
discutidos e, ademais, levam à demonstração de interesse por outras
pessoas. Segundo Caballo (2006), as perguntas podem ser categoriza­
das e exemplificadas da seguinte forma:
I. Perguntas gerais que propiciam o início da conversação
(como você está?)-, Perguntas específicas, que normalmente
precedem as gerais e mantêm a conversação, ou seja, permi­
te que o outro interlocutor siga falando (“aonde você foi?”,
“o que estava fazendo lã?”)-,
II. Perguntas sobre fatos, utilizadas com a finalidade de obter in­
formações e dar sequência à conversação por meio de novos
temas (“ o que você fez ontem?”')-, Perguntas sobre sentimentos,
feitas com a finalidade de que os outros contem coisas sobre
si (“<? que você achou da festa?')-,
III. Perguntas com final aberto, que são úteis para obter respostas
mais longas e específicas sobre um conteúdo, impossibilitando
respostas como “sim” ou “não” (“o que você fará em suas próxi­
mas férias?')-, Perguntas com final fechado que permitem res­
postas curtas e objetivas (“ você gostou de suas últimasférias?').

Há que se ressalvar ainda, ao paciente, que as perguntas sempre


irão variar conforme o contexto, devendo também ser adequadas à
cada tipo de ouvinte.
172 Treino de Habilidades Sociais

Fornecer respostas

Tão importante quanto a formulação de perguntas propicias em


uma conversação, é o fornecimento de respostas. As respostas, segun­
do Dei Prette e Dei Prette (2008), podem ser fornecidas da seguinte
forma: I) Resposta objetiva ao que foi questionado; II) Resposta ao
que foi colocado de forma implícita (como em caso de confronto ou
de provocação); III) Recusa a responder a pergunta (ignorando-a ple­
na ou parcialmente); IV) Manifestação da própria dificuldade em res­
ponder a pergunta.
E possível exemplificar a situação pelos seguintes diálogos:

— Muitas pessoas têm dificuldade em Matemática. Acaso você também


tem?
— Sim, tenho alguma dificuldade. (Resposta objetiva)
— Em geral pessoas que têm dificuldade com Matemática não são muito
espertas.
— Particularmente, penso que dificuldades nessa disciplina seja algo co­
mum a boa parte das pessoas e, além disso, alguém que tenha dificuldades
com ela pode sair-se bem em outras disciplinas. (Resposta ao que foi colo­
cado deforma implícita)
— Não gosto desse professor novo! Acho detestável a forma com que minis­
tra suas aulas! O que você pensa dele?
— Honestamente, acho difícil responder a seu questionamento, ainda não
tenho uma opinião formada a esse respeito, justamente por ele ser novo
no colégio. (Manifestação da própria dificuldade em responder o que foi
colocado)

Não obstante, antes de tudo, há que se ressalvar que, diante de


distintas possibilidades de respostas, não existe a princípio uma que
possa ser designada como a mais adequada. A resposta avaliada como a
mais competente, dependerá do contexto, da pergunta feita, entre ou­
tros elementos do próprio contexto.
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 173

Psicoeducação sobre agressividade, assertividade,


passividade e treino de assertividade
A técnica pode ser aplicada, a princípio, partindo-se da psicoe-
ducação sobre o tema, dada pelo fornecimento de informações que
instruam o paciente acerca desses estilos de respostas (para mais infor­
mações, ver Capítulo 1). E interessante que se proponha, nesse con­
texto, uma discussão (seja individual ou em grupo) sobre as conse­
quências de cada uma das possibilidades de atuação. Posteriormente é
importante verificar a compreensão e treinar o grupo ou paciente a
discriminar os diferentes estilos, e aprender a usar o estilo assertivo
com maior frequência (Neufeld et aL, 2014).
Uma das possibilidades para verificação da compreensão e treino é
dada por meio do fornecimento de exemplos, dentro de uma estrutura:
I) Apresentação de uma situação:
Seu chefe o acusa de ter feito de forma errônea um relatório im­
portante. Você é duramente criticado por isso; no entanto, ao tomar
para si o relatório, você nota não ter sido o autor do documento.
Quais seriam as possibilidades de ação, dentro dos estilos explicados?

II) Levantamento das possibilidades de ação. Em geral espera-se


que o grupo ou paciente forneça respostas similares a:
• Estilo Agressivo: Eu brigaria com ele, igualmente o ofendería-,
® Estilo Passivo: Eu me calaria, não faria nada, não me defende­
ría, tomaria a crítica para mim em silêncio;
• Estilo Assertivo: Eu me dirigiría a ele, mostraria que ele estava
equivocado, pois não era eu o autor do relatório e, com certo “tato”,
pediría que elefosse cauteloso nas ocasiões seguintes.

III) Levantamento das consequências geradas por cada um dos


estilos. Espera-se respostas similares a:
• Estilo Agressivo: Poderia levar à perda do emprego, perda do
prestigio ante o chefe e os colegas;
174 Treino de Habilidades Sociais

• Estilo Passivo: A situação poderia voltar a se repetir, eu ficaria


me sentindo muito mal e, além disso, poderia até ser penalizado
com a perda do emprego ou por ter cometido um erro que sequer
era meu;
• Estilo Assertivo: Grande possibilidade de o chefie reconhecer o
erro, ser mais cauteloso nas próximas vezes. Haveria de me sentir
melhor comigo mesmo.

Com crianças e adolescentes, embora seja possível que se traba­


lhe dentro da estrutura mencionada, é possível também a exibição de
desenhos ou de filmes para ilustração e identificação dos estilos.
Após a compreensão do significado de cada estilo e a habilidade
de identifica-lo, passa-se ao treino de assertividade. O treino de asserti-
vidade toma como base fundamentalmente as estratégias de role-play,
em que o paciente é incentivado a ensaiar formas mais assertivas de re­
solver as situações interpessoais que ele enfrenta.

Fazer elogios e expressar sentimentos positivos


Em geral, somos mais propícios a criticar, quando alguém nos
faz algo negativo, do que elogiar, quando, ao contrário, nos faz algo
positivo. Há que ser esclarecido de que, em geral, fazer elogios reforça
o comportamento de quem faz algo positivo (propiciando repetições)
e, além disso, propicia que os outros sintam-se respeitados e honrados,
ao contrário de preteridos e ignorados, favorecendo o relacionamento
interpessoal (seja ele com familiares, amigos, colegas de trabalho, etc.).
Normalmente, elogios e expressões positivas podem tornar-se
mais consistentes da seguinte maneira: I) se não há o hábito de realizá-
los, estes devem ser feitos com baixa frequência e ir aumentando pro­
gressivamente; II) a princípio devem ter cunho mais conservador, visto
que expressões de apreço exageradas podem parecer estranhas ou sus­
peitas; III) o ideal é que as expressões sejam manifestas quando não há
a intenção de se fazer um pedido; IV) não é interessante devolver o
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 175

elogio recebido com outro igual dirigido à terceiros, pois pode soar su­
perficial ou como resultado de obrigação (Caballo, 2006).
Como treinamento da técnica, sugere-se que o paciente, de for­
ma autônoma, faça elogios a distintas pessoas, tais como familiares,
amigos, cônjuge e/ou expresse algo positivo. Nesse sentido, agradecer
itens como favores, gentilezas, ajuda prestada, etc. são especialmente
boas formas de treinar esta habilidade.

Dessensibilização sistemática
Também denominada por “Reestruturação Racional Sistemáti­
ca” (Dobson & Dozois, 2006), a técnica, no THS, tem como objetivo
primordial trabalhar sentimentos como ansiedade e medo nas relações
e exposições sociais. Goldfried (1979) enfatizou quatro elementos ca­
tegóricos para a técnica, sendo eles: I) A descrição da fundamentação
terapêutica; II) O emprego de técnicas de relaxamento enquanto mé­
todos de enfretamento; III) Estruturação e uso de hierarquias temáti­
cas; IV) Treinamento de relaxamento progressivo induzido por ele­
mentos ansiogênicos. De forma semelhante, observaram Dei Prette e
Dei Prette (2001; 2008), a aplicação da técnica pressupõe as seguintes
etapas estruturadas: I) definição do problema; II) hierarquização dos
elementos ansiogênicos; III) emprego de técnica de relaxamento; IV)
exposição aos itens da hierarquia e avaliação do relaxamento.
De forma mais específica, a técnica emprega diretamente a ela­
boração da hierarquização de medos (na qual os aversivos deverão ser
dispostos em ordem crescente) daqueles estímulos que geram temor
ou ansiedade e, concomitantemente, ensina-se ao paciente respostas
alternativas por meio de relaxamento. Em seguida, o paciente deverá
ser exposto, paulatina e sucessivamente, aos itens indicados na escala
(dos menos ansiogênicos aos mais), tanto quanto for razoavelmente
possível (em alguns itens pode-se recorrer à imaginação da exposição,
ou seja, ao ensaio cognitivo) (para mais informações, ver Capítulo 4).
Segundo Dobson e Dozois (2006), há que se salientar que a técnica
176 Treino de Habilidades Sociais

detém o principal objetivo de proporcionar recursos para que o cliente


enfrente situações ansiogênicas e estresses iminentes.

Feedback

Dar e receber feedback é fundamental para a regulação de com­


portamentos e de interações sociais. Segundo Dei Prette e Dei Prette
(2008), o feedback pode propiciar a correção, manutenção e melhoria
relacionai. Ele pode, fundamentalmente, consistir em uma resposta
verbal ou escrita sobre determinado comportamento ou desempenho.
Segundo Dei Prette e Dei Prette (2008, p.127), existem princí­
pios fundamentais para o uso da técnica, sendo eles: I) Contiguidade:
dar feedback o mais “temporalmente próximo” do desempenho do pa­
ciente; II) Parcimônia: adequar o feedback às necessidades do paciente,
não fornecendo informações excessivas ou demasiadamente minucio­
sas; III) Descrição: descrever eventuais comportamentos omitindo juí­
zos de valor sobre o mesmo; IV) Orientação: o feedback deve ter estri­
tamente como foco comportamentos passíveis de modificação no mo­
mento; VI) Positividade: o feedback sobre comportamentos adequados
do paciente deve ser priorizado ao feedback sobre comportamentos ne­
gativos; VII) Fidedignidade: deve-se checar se o paciente e outros
membros de um grupo concordam com o feedback fornecido.
Os mesmos autores sugerem a seguinte metodologia para o THS
em grupo:
I) o terapeuta faz uma exposição teórica sobre o conceito;
II) dispondo o grupo em duplas, o terapeuta solicita que se ob­
servem mutuamente e forneçam feedback-,
III) podem ser feitos role-play, com situações análogas ao coti­
diano, tendo como base as habilidades para fornecer e dar

IV) em grupos de adolescentes pode-se trabalhar com colagens;


V) a tarefa pode ser feita por escrito quando o grupo possuir
dificuldade em dar e receber feedback.
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 177

Ainda é possível que como tarefa de casa seja solicitado ao paciente


que treine a técnica, requerendo e fornecendo feedback a pessoas próximas.

Relaxamento muscular

A técnica pode ser utilizada com indivíduos com elevado grau


de ansiedade e em treinos de manejo de raiva. Embora demande uma
prática regular, seu sucesso pode ser alcançado mediante tentativas su­
cessivas. Em geral, o método mais utilizado com adultos é o Jacobson,
ou métodos derivados destes, que consiste em uma série de exercícios
de tensão e relaxamento de grupos musculares.
Para aplicação da técnica, deve-se contrair um grupo muscular por
cinco segundos e em seguida deixá-lo relaxar por dez segundos. O relaxa­
mento pode compreender a seguinte sequência (Lipp, 2008, p. 22-23):
1. A princípio solicita-se ao cliente que sente-se em uma posição con­
fortável e que feche os olhos, tentando não focar em preocupações.
2. Ombros: Respirando fundo, deve-se erguer os ombros na di­
reção da cabeça como se fosse ocultar o pescoço. Enquanto
expira pela boca, deixar que os ombros voltem a sua posição
normal. Posteriormente movimenta-se os ombros de forma
circular, para trás, por três vezes;
3. Braços: esticar o braço direito para a frente, mantendo-ô reto,
cerrando bem o punho. Inspirar enquanto conta até cinco.
Expirar soltando a tensão, deixando o braço cair sobre as per­
nas. Repetir o mesmo procedimento com o outro braço;
4. Pernas: esticar a perna direito para a frente, direcionando os
dedos do pé para baixo de forma a enrijecer a perna. Nova­
mente inspirar pela boca contando até cinco e, posteriormen­
te, expirar pela a boca, soltando a tensão. Suavemente apoiar
o calcanhar no chão movimentando o pé para um lado e de­
pois para o outro. Repetir o mesmo com a perna esquerda;
5. Pescoço e cabeça: Com os membros relaxados, inclinar a cabeça
para a frente como se estivesse “solta”, permitindo que o queixo
178 Treino de Habilidades Sociais

toque o peito, sem forçar. Permitir que a cabeça volte a posição


original. Fazer o inverso, colocando a cabeça para trás (não se
deve forçar além do natural). Contar até cinco e voltar ao nor­
mal. Direcionar a cabeça para o lado direito, como se o ouvido
fosse tocar o ombro direito, sem forçar. Relaxar... um, dois...
cinco. Repetir este último procedimento direcionando a cabeça
para o lado esquerdo. Voltar ao normal;
6. Boca e mandíbula: Apertar os lábios colocando tensão nos maxi­
lares, repetir exercício de respiração e contagem. Fazer o procedi­
mento 3 vezes seguidas. Abrir a boca, deixando solto o queixo.
Movimentar o queixo para um lado e depois para outro.
7. Outros músculos faciais: Fechar os olhos, e apertá-los bem,
tensionar os músculos do rosto como se estivesse fazendo ca­
reta. Repetir a contagem, exercício de respiração e soltar toda
a tensão da face. Tentar franzir o nariz, contando até cinco.
Encerrar o relaxamento pela respiração: inspirar profunda­
mente e expirar lentamente.

Com crianças, recomenda-se uma proposta diferenciada, como a


de Braswell e Kendall (2006). Estes autores propõem uma atividade
lúdica chamada de “jogo do robô ou do boneco de pano” na qual tera­
peuta e paciente caminham pela sala, a princípio como um robô com
braços e pernas rígidos e, posteriormente, ao sinal do terapeuta, se re­
pousam sobre uma cadeira com o corpo e membros relaxados. Ao tér­
mino da atividade é importante, que o terapeuta faça apontamentos
sobre as diferenças entre a musculatura tensa e relaxada, tornando cla­
ro o objetivo da atividade à criança.

Direitos humanos

Nas relações sociais compreende-se que os indivíduos tenham os


mesmos direitos, sendo fundamental que as necessidades e os objetivos
de cada pessoa sejam valorizados de forma isonômica. Segundo Ca-
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 179

bailo (2006), distinguindo os Direitos Humanos (que, em regra, devem


ser generalizados a todos) dos Direito de Representação (aqueles que um
indivíduo possui em razão de um contrato formal ou informal para exer­
cer certas responsabilidades), pode-se propor a seguinte metodologia:
1. o terapeuta solicita que cada membro do grupo faça uma rela­
ção de direitos que pensa ser pertencente a cada um dos mem­
bros de duplas complementares;
2. a seguir expõem-se os direitos aos membros do grupo;
3. os direitos que dependem do papel que o indivíduo represen­
ta em cada uma das duplas seriam direitos de representação,
não podendo ser generalizados a todos os outros membros, o
que ocorrería com direitos humanos;
4. posteriormente, pode-se entregar a cada indivíduo um papel
contendo alguns dos direitos humanos básicos;
5. os membros devem, então, escolher um direito que lhes sejam
incômodo de aceitar e expressar isso em voz alta, a cada mem­
bro do grupo;
6. à sua vez, cada membro deverá replicar “sim, você tem este di­
reito!”.

Civilidade
A civilidade refere-se à habilidade de emitir comportamentos
adequados em situações sociais. No senso comum a civilidade é cha­
mada de “boa educação” ou “boas maneiras” (Dei Prette & Dei Prette,
2009). Essa habilidade acaba por ser muitas vezes esquecida na propo­
sição de THS para os pacientes adultos na clínica, por se hipotetizar
que tal habilidade já esteja sedimentada no adulto. Discutir e encenar
situações corriqueiras nas quais o paciente tenha a oportunidade de
conhecer as respostas esperadas frente ao comportamento dos outros
em situações sociais formais ou corriqueiras pode auxiliar na aquisição
dessa habilidade (Neufeld et al., 2014). Exemplos dessa habilidade são:
agradecer a uma gentileza, anteceder ou finalizar todo pedido com
180 Treino de Habilidades Sociais

“por favor”, cumprimentar as pessoas quando chegar e despedir-se


quando sair, ceder lugar em situações de prioridade, entre outros.

Expressar sentimentos negativos

A expressividade emocional de sentimentos negativos é pouco


valorada e desenvolvida em nossa sociedade. Tipicamente, as pessoas
não são orientadas sobre como expressar desagrado, irritação, raiva,
tristeza, frustração. Desde muito cedo, é comum que as crianças re­
cebam a orientação de “engolir o choro”. Ademais, os adultos comu-
mente são consolados com frases como “não fique assim”, ou “isso
logo passa”, ou ainda “não é nada”. A orientação para expressar emo­
ções negativas nas reações interpessoais segue em grande parte os
passos de expressar desagrado ou desconformidade; no entanto, há
uma estratégia adicional fundamental, que é colocar o foco em si
(Neufeld et al., 2014). A ideia é que o paciente treine a habilidade
de dizer como se sente sem acusar a outra pessoa, ou dizer que a ou­
tra pessoa faz com que ele se sinta de determinada forma. Por exem­
plo: “Sempre que eu fico lhe esperando por muito tempo, eu me sinto
abandonada e isso me deixa triste”, em vez de “Toda vez que você me
faz esperar, você me faz sentir um lixo”.

Treino de empatia

O Treino de Empatia tem como objetivo a apreensão das seguin­


tes habilidades: identificação de componentes não verbais no compor­
tamento alheio; ouvir e compreender a perspectiva de outro sem que
se façam eventuais julgamentos; manifestar compreensão da perspecti­
va / sentimento alheio; manifestar aceitação e compreensão do outro
por meio de componentes não verbais (Falcone, 1999). Esse treino
pode ser empregado por meio das seguintes técnicas propostas por Fal­
cone (1999):
I. Instruções acerca de como se comportar de maneira empática.
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 181

II. Identificação e análise de razões que se interpõem diante da


escuta e compreensão do outro, impedindo que o indivíduo
se comporte empaticamente.
III. Propiciar a imaginação de cenas que envolvam circunstân­
cias de interação vivencias pelos participantes.
IV. Ãí>/e-PZzjy/dramatizações, em que os participantes deverão
buscar manifestar empatia.
V. Prática da habilidade adquirida no contexto dos participantes.

Automonitoramento

Segundo Dei Prette e Dei Prette (2008), o conceito de automo­


nitoramento pode ser compreendido como uma habilidade metacog-
nitiva e afetivo-comportamental, pela qual o indivíduo observa, des­
creve, interpreta regulando pensamentos, sentimentos e comporta­
mentos em distintas situações sociais.
A estratégia psicoterápica, especialmente utilizada pelas terapias cog­
nitiva e comportamental, pode ser empregada por meio de duas formas
distintas. Uma delas refere-se à realização de diários de automonitoramen­
to em que deverão ser feitos registros, dentro do que é proposto pelo mo­
delo cognitivo: Pensamento, Sentimento e Comportamento. Em uma
perspectiva semelhante, pode-se também trabalhar com o registro de aná­
lises funcionais, onde deverá constar a discriminação e análises do pacien­
te, dadas pelo modelo: Eventos Antecedentes - Comportamento — Conse­
quência (para mais informações, ver Capítulo 3).
Segundo Knapp (2004), é fundamental estabelecer de forma cla­
ra junto ao cliente o elemento a ser monitorado (seja pensamento ou
emoção) e, além disto, definir a forma com que ocorrerá (levando em
consideração critérios como duração, ocasião, etc). Adicionalmente,
este autor afirma que ao automonitoramento competirá responder
questões como “quando, onde, com quem e quanto”.
O uso da técnica deve ser feito durante um certo período de tempo,
com a finalidade de identificar determinado pensamento, comportamento
182 Treino de Habilidades Sociais

ou sentimento, sendo que seu aprimoramento deverá ocorrer sucessiva­


mente. Uma vez que for atingido o objetivo estabelecido, devem ser pro­
gramadas novas tarefas que propiciem ao paciente que vivencie as situações
anteriores sob uma nova perspectiva cognitiva ou afetivo-comportamental.

Tarefas de casa

A técnica é amplamente utilizada na TCC. Assume-se, ainda, que


seja fundamental para o êxito do THS, tanto para a sua apreensão quan­
to para o seu aprimoramento (Caballo, 2006; Dei Prette & Dei Prette,
2008). Existem algumas tarefas previamente indiciadas na literatura que
podem ser adequadas a cada programa: automonitoramento, registro de
nível de ansiedade, registro de situações em que tenha agido habilmente,
situações na qual teve dificuldade de agir habilmente, entre outros. As
tarefas devem ser dadas ao final de cada sessão, sendo cobradas ao início
da sessão seguinte (Caballo, 2006; Dei Prette & Dei Prette, 2008). Evi­
dentemente seu sucesso poderá depender do nível de comprometimento
do paciente, bem como de explicações claras sobre seu objetivo.

Considerações finais

Treinar HS está na base da intervenção clínica moderna em TCC,


pois tais habilidades se encontram fortemente ligadas ao fortalecimento da
saúde mental e ao ganho em qualidade de vida. Em uma perspectiva de
clínica ampliada, que vai além da intervenção em sintomas instalados, que
se atém à prevenção de sintomas e à promoção de saúde, o olhar clínico
deve voltar-se cada vez mais sobre intervenções em saúde positiva.
Nessa direção, torna-se fundamental introduzir o conceito de
Habilidades de Vida (HV), além do THS discutido neste capítulo. Se­
gundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), as HV devem ser de­
senvolvidas em todo programa que vise a promover saúde e a prevenir
doenças (WHO, 1997)- As HV são uma classe de aptidões que têm
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 183

sido correlacionadas fortemente com o enfrentamento saudável das de­


mandas cotidianas, bem como com o ganho em qualidade de vida de
pessoas com adversidades psicológicas.
Dentre essas habilidades, podem ser citadas as HS, que foram o
tema do presente capítulo. Porém, além das HS, habilidades para a to­
mada de decisão, resolução de problemas, pensamento crítico, pensa­
mento criativo, autoconhecimento, manejo de emoções e de estresse, ca­
pacidade de iniciar e manter relações de mútua satisfação pessoal, de
aprender com os problemas da vida, de desfrutar da solidão, de se diver­
tir, de rir de si mesmo e do mundo são exemplos de HV (Gorayeb,
2002; Minto, Pedro, Netto, Bugliani, & Gorayeb, 2006; Neufeld, et al.,
2014; Paiva & Rodrigues, 2008). Para finalizar o presente trabalho, fica
o convite ao clínico para que a promoção de HS e HV possam ser incor­
porados em sua prática cotidiana, visando ao empoderamento de seus
pacientes e à potencialização da eficácia de suas intervenções.

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6
Estratégias Experienciais

Marco Aurélio Mendes e Eliane Mary de Oliveira Falcone

As abordagens de Terceira Onda em terapia cognitiva são caracteriza­


das pelo caráter integracionista de suas intervenções. Uma das es­
tratégias psicoterápicas oriundas das abordagens de Terceira Onda
são as estratégias experienciais, advindas de outras correntes teó­
ricas, tais como a Gestalt, Psicodrama e Psicodinâmica, e que foram
inicialmente adotadas pela Terapia do Esquema, de Jeffrey Young e
seus colaboradores. Tais estratégias podem ser particularmente úteis
no tratamento de transtornos da personalidade ou ainda em inter­
venções para sintomas com resposta parcial às intervenções mais ar­
gumentativas, características das abordagens racionalistas da Segun­
da Onda.
W.V.M.

A Terapia do Esquema (TE) é um modelo de psicoterapia que


vem ganhando popularidade entre terapeutas e pacientes desde a última
década, combinando de forma original procedimentos cognitivos,
comportamentais e experienciais. Originada nos EUA e difundindo-se
especialmente na Europa, a TE foi desenvolvida inicialmente para o
tratamento dos transtornos de personalidade e vem sendo adaptada para
utilização em transtornos de ansiedade e humor, transtornos alimen­
tares, luto patológico, entre outros, revelando-se promissoramente eficaz
nos estudos controlados (Bamelis, Bloo, Bernstein, &C Arntz, 2012).
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 187

O objetivo deste capítulo é descrever aspectos teóricos que fun­


damentam a utilização dos procedimentos experienciais na TE, além
da síntese e detalhamento das técnicas e descrições de intervenções em
psicoterapia. (Para maiores informações sobre a teoria da Terapia do
Esquema, ver capítulo 9).

Integração em psicoterapia

A ideia de integração em psicoterapia não é recente. Em 1932,


French buscou integrar conceitos psicanalíticos aos comportamentais,
abordando como cada teoria podería contribuir para o seu enriquecimento
mútuo (Paris, 2013). O que se observou, porém, na maior parte do século
passado, foi a convicção dos clínicos de que o conhecimento de seus
sistemas teóricos era suficiente para o tratamento psicológico, sendo o
diálogo considerado desnecessário (Hawkins & Nestoros, 1997).
Esse quadro vem se alterando recentemente. A ideia de que sis­
temas distintos de psicoterapia possam contribuir uns com os outros,
sendo complementares, enriquecendo o resultado e beneficiando o pa­
ciente parece ser o caminho natural de evolução das psicoterapias. For­
mas de eficiência da prática psicoterápica e da integração entre abor­
dagens vêm sendo discutidas pela própria American Psychological Asso­
ciation [APA], através do Journal of Psychotherapy Integration (APA,
2006; Vieira & Vandenberghe, 2011).
A TE, proposta inicialmente como alternativa de tratamento
para pacientes com transtornos da personalidade que não obtinham
benefícios com a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), é um
bom exemplo desse movimento integrativo que combina, de for­
ma coesa, procedimentos cognitivo-comportamentais com técni­
cas gestálticas, psicodramáticas, além da influência da psicodina-
mica na conceituação caracterológica do paciente (Young, Kloslo, &
Weishaar, 2003).
188 Estratégias Experienciais

Esquemas desadaptatívos remotos

O conceito de esquema na terapia cognitiva foi introduzido por


Beck em seus primeiros trabalhos nos anos 1960, para representar as
estruturas cognitivas que filtram e interpretam o real, permitindo a
categorização das experiências do indivíduo. A definição de esquema
realizada por Young engloba as características centrais do conceito
como elaborado por Beck, detendo-se, porém, em um subconjunto
específico de esquemas iniciados precocemente e repetidos ao longo da
vida mediante padrões autoderrotistas chamados por ele de Esquemas
Iniciais Desadaptatívos ou Esquemas Desadaptatívos Remotos (EDR)
(Young et al., 2003).
Utilizando como referência de desenvolvimento psicológico a
Teoria do Apego proposta por John Bowlby, Young (2003) considera
que os seres humanos possuem necessidades básicas como segurança,
proteção, empatia, cuidados, autonomia, aceitação, validação emocio­
nal, autocontrole e limites adequados, entre outras. Experiências de
vida tóxicas com a frustração recorrente de necessidades, traumas, li­
mites irrealistas e a identificação seletiva com pessoas abusivas favo­
recem o aparecimento desses esquemas precoces.

Teoria do apego

Os EDRs coincidem e superpõem-se ao conceito de modelos


internos de funcionamento (MIF) proposto por Bowlby (Young et al.,
2003). Assim, no decorrer deste capítulo, optaremos por utilizar indis­
tintamente o termo “esquemas” bem como “modelos de funciona­
mento” ou “EDRs”.
Apoiando-se em diversas disciplinas, como a psicanálise, a eto-
logia e a psicologia cognitiva, a Teoria do Apego foi a consequência
natural dos estudos do psicanalista inglês John Bowlby sobre as expe­
riências de perda, luto e dor na infância e o forte laço afetivo observado
entre os bebês e seus cuidadores principais, especialmente a mãe.
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 189

Bowlby propôs ser essa ligação ou apego resultante da necessidade de


proteção e segurança, sendo uma característica selecionada evolutiva­
mente, em função de suas consequências positivas para a sobrevivência
da espécie (Bowlby, 1984).
De acordo com os teóricos do apego, a relação com o cuidador
ou figura de apego é variável-chave na organização psico-orgânica do
indivíduo. E a figura de apego que “apresenta” o mundo à criança e
atua como reguladora das emoções e necessidades do pequeno indi­
víduo, permitindo assim a construção de modelos internos de funcio­
namento ou esquemas, que são modelos iniciais do self, dos outros e
do ambiente, gerados a partir de padrões precoces e recorrentes de
interação. Com a construção gradual dos esquemas, a criança passa a
representar internamente o ambiente à sua volta e, também, a formar
o seu autoconceito, criando e manipulando expectativas, possibilidades
de ação, previsões, comportamentos e consequências (Bowlby, 1984;
Bowlby, 1984a, Fonagy & Target, 2007). Além disso, a criança forma
um modelo de aceitabilidade, ou seja, do quão aceitável ela é, e se é ou
não merecedora de afeto e de atenção, a quem os outros irão ajudar
quando necessário (Bowlby, 1984). Uma figura de apego acessível,
cuidadora e disponível auxilia na construção de modelos adequados e
funcionais. Os esquemas envolvem, portanto, um modelo da figura de
apego, um modelo do eu e do ambiente, que se desenvolvem de forma
complementar (Bowlby, 1984a).
Uma vez formados, os esquemas tendem a estabelecer um ciclo
autoperpetuador possuindo grande importância na percepção da pró­
pria realidade, sendo uma espécie de filtro cognitivo automático, que
analisa as experiências atuais a partir das anteriores. O que o paciente
considera como “verdade absoluta”, é muitas vezes o resultado de dis­
torções provocadas pelos esquemas, que influenciam padrões de com­
portamento disfuncionais tendo como resultado a manutenção dos
próprios esquemas (Young, 2003). Assim, retiramos das experiências
passadas expectativas quanto ao comportamento dos outros e de nós
mesmos, com a tendência a interpretarmos situações novas e ambíguas
190 Estratégias Experienciais

de acordo com estes mesmos esquemas (Behary, 2008; Bretherton


Munholland, 2008).

Estratégias experienciais em terapia do esquema

A busca de evidências, de maior flexibilidade cognitiva, o moni­


toramento e a correção das chamadas cognições disfuncionais, marcam
o dia a dia dos terapeutas cognitivo-comportamentais. Pacientes com
esquemas rígidos, porém, mesmo conseguindo observar evidências
contrárias aos mesmos e tendo consciência da irracionalidade e inflexi­
bilidade de suas crenças, podem não se beneficiar com intervenções
desse tipo. Os pacientes entendem seus padrões disfuncionais intelec­
tualmente, mas não emocionalmente: eles se identificam com os es­
quemas, desconhecendo outra realidade, descartando as evidências
contrárias aos mesmos. Além disso, a ocorrência da evitação cognitiva
e emocional dificultam o insight e a relação colaborativa entre paciente
e terapeuta bem como a presença de cognições carregadas de afeto, as
chamadas cognições quentes {hot cognitions). Dessa forma, a modifica­
ção de pensamentos automáticos e a identificação de crenças disfun­
cionais pode não ser acessível pelo paciente, dificultando a mudança
de crenças disfuncionais.
Nas últimas décadas, novos conhecimentos no campo das ciên­
cias revolucionaram a psicologia cognitiva como a ênfase nas redes de
distribuição neural, nos processos inconscientes, no processamento em
paralelo das informações e na distinção entre os sistemas implícitos e
explícitos de memória (Westen, 2000; Callegaro, 2011). Os elementos
implícitos ganharam maior importância, pois estes formam parte da
nossa subjetividade e orientam nossos estados emocionais. (Siegel,
2012). Por serem formados no início do desenvolvimento, os esquemas
envolvem justamente o sistema de memória implícita, podendo ser
identificados através de sensações, percepções e de fortes reações emo­
cionais. Apesar de não estarem necessariamente associados à recordação
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 191

consciente do objeto ou da situação, os esquemas podem relacionar o


acontecimento atual a uma determinada emoção ou sensação envol­
vendo partes do cérebro que não utilizam processamento consciente
(Lent, 2005; Siegel, 2012). Questionar crenças explícitas através da
lógica racional pode não ser útil para mudar sistemas implícitos de
memória.
A utilização de técnicas experienciais em TE tem como objetivo
auxiliar o paciente a ultrapassar a simples compreensão racional de
seus problemas, promovendo a ativação emocional por meio de expe­
riências emocionais corretivas, maximizando assim os benefícios para
os processos de mudança, pois nossa capacidade de processar infor­
mações tem demonstrado ser mais efetiva na presença das emoções
(Young et al., 2003).
Contudo, a simples expressão das emoções pode não ser ade­
quada para promover mudanças (Young et al., 2003). O sucesso em
alcançar a ativação/expressão emocional, seguida pela reflexão da expe­
riência e pelo desenvolvimento de novos significados, tem se revelado
importante fator de distinção de processos terapêuticos bem-sucedidos
(Greenberg, 2002).
Em relação ao tipo de procedimento experiencial realizado em
TE, destaca-se o trabalho com imagens mentais a partir da adaptação
de procedimentos de outras abordagens como Gestalt, Psicodrama e
Análise Transacional, marcando o caráter integrativo da TE (Holmes,
Arntz, & Smucker, 2007). Young et al. (2003) sugerem a utilização
das técnicas experienciais em fases distintas de avaliação e mudança.
Na fase de avaliação, as técnicas auxiliam na identificação dos esque'
mas, na verificação dos estímulos e das situações que fazem com que
tais esquemas sejam ativados na vida do paciente, na compreensão das
origens dos esquemas da infância a partir das frustações recorrentes das
necessidades emocionais básicas e de situações emocionalmente impac-
tantes, permitindo ao paciente relacionar sua história passada aos pro­
blemas atuais. As técnicas experienciais na fase de avaliação, junta­
mente com os procedimentos cognitivos, auxiliam o paciente na psico-
192 Estratégias Experienciais

educação sobre o modelo da TE e na compreensão das suas dificul­


dades atuais, preparando-o para a fase de mudança. Nessa última fase,
o uso das técnicas experienciais tem como objetivo principal promover
distanciamento emocional dos esquemas do paciente através da mobi­
lização emocional, com forte ênfase na relação terapêutica (reparação
parental). Em síntese, as estratégias experienciais mudam a caracterís­
tica dos esquemas, de egossintônica para egodistônica, tornando o
paciente mais preparado para quebrar os seus padrões comportamentais
(estilos de enfrentamento) (Young et al., 2003).

Imagens mentais

Apesar do uso de técnicas de imagens mentais nas terapias cog­


nitivas não ser algo novo, é cada vez maior o interesse dos terapeutas
em utilizá-las nas intervenções. Estudos recentes demonstraram que as
imagens mentais possuem grande poder de influenciar as emoções:
imaginar uma cena como pular de um penhasco, por exemplo, é uma
experiência emocionalmente mais carregada do que apenas processar
essa mesma informação verbalmente. Assim, a utilização de imagens
na clínica é uma ferramenta poderosa e eficaz no trabalho com as
emoções (Holmes et al., 2007).
Os efeitos da ativação dos esquemas são semelhantes ao aciona­
mento de memórias traumáticas e geram uma cascata de reações neu-
roquímicas relacionadas ao estresse (Behary, 2008). Reviver, desafiar e
dar novos desfechos às imagens são formas eficientes de ressignificação
do material traumático (Holmes et al., 2007). Young et al. (2003)
consideram fundamental o trabalho com imagens na TE pois permi­
tem a identificação dos esquemas centrais do paciente de forma viven-
cial, com grande carga afetiva, auxiliando na relação entre os proble­
mas atuais e sua origem na infância.
No trabalho com imagens, o terapeuta deve ter o constante
cuidado de não ser excessivamente sugestivo, para não fomentar ne­
nhuma espécie de falsa memória. As instruções devem ser mínimas
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 193

(Young et al., 2003). Alguns pacientes, especialmente os que possuem


características evitativas, podem também apresentar pensamentos au­
tomáticos disfuncionais quando o terapeuta sugere o trabalho com
imagens mentais. O significado desses pensamentos pode estar relacio­
nado à incapacidade, ao fracasso ou mesmo à falta de confiança e ao
receio no resultado do procedimento. Um pequeno experimento,
como solicitar ao paciente que feche os olhos e relembre o seu percurso
até o consultório ou mesmo o momento no qual entrou na sala, pode
ser suficiente para flexibilizar essas cogniçóes. Em alguns casos, porém,
é importante respeitar o tempo do paciente para o estabelecimento do
vínculo necessário para o início do trabalho com imagens.

Construindo a imagem de um lugar seguro


Young et al. (2003) sugerem que o início e o término do tra­
balho com imagens mentais deve ser precedido pela construção de
cenas positivas como as de um lugar seguro, em uma espécie de base
para a qual o paciente possa retornar após o trabalho com imagens
muito carregadas afetivamente. Isso é extremamente importante na
prática com pacientes évitativos e inseguros. Quando o paciente tem
um histórico tão disfuncional a ponto de não conseguir produzir ima­
gens positivas, o terapeuta pode auxiliá-lo sugerindo-lhe cenas tranqui­
las de natureza ou mesmo do próprio consultório.

Acessando imagens significativas


Geralmente inicia-se o trabalho com um pedido ao paciente pa­
ra que deixe vir à mente uma imagem desagradável de sua infância
com um dos pais ou com outras pessoas e situações significativas. Soli­
cita-se que ele feche os olhos e descreva verbalmente a cena no tempo
presente, como se esta estivesse acontecendo no momento, no aqui e
agora (Young, 2003). O diálogo entre terapeuta e paciente permite
identificar necessidades emocionais não atingidas relacionadas à cena
em questão. Tais necessidades tornam-se mais evidentes quando o pa­
194 Estratégias Experienciais

ciente, encorajado pelo terapeuta, revela a um de seus pais ou cuidador


os comportamentos destes que o feriram emocionalmente, bem como
aponta como eles deveríam agir para que o paciente se sentisse amado,
protegido, orientado, (p. ex., “Eu gostaria que você fosse mais afetuo­
so, compreensivo, que conversasse mais comigo, que não me punisse
tanto, etc.”).
Em seguida o terapeuta solicita que o paciente apague a imagem,
mantendo a emoção ativada pela mesma, e crie outra imagem de uma
experiência atual em que essa mesma emoção foi experimentada. Nesse
momento, a imagem atual se revela com as mesmas características
daquela experimentada na infância. O paciente geralmente relata uma
experiência com um cônjuge, chefe, amigo ou com alguém de sua in­
teração atual, experiência essa em que as suas necessidades emocionais
não são atendidas e ele é tratado de forma fria, abusiva ou rejeitadora.
Quando utilizada na fase de avaliação, essa estratégia permite a iden­
tificação dos esquemas mais relevantes do paciente. Na fase de mu­
dança, o paciente é encorajado a confrontar os seus pais ou cuidador,
assim como as pessoas de seu relacionamento atual. Esse procedimento
tem a função de reafirmar os direitos da criança de ser tratada com
respeito, amor, atenção e consideração, permitindo o resgate da satis­
fação de necessidades emocionais não atingidas, de forma adaptativa
(Young et al., 2003).
A estratégia experiencial também pode ser iniciada a partir de uma
situação atual. Isso geralmente ocorre quando o paciente revela intensa
emoção e não sabe o que a está ativando. O terapeuta solicita que o pa­
ciente se concentre nas emoções que está experimentando no momento e
depois pede que este crie uma imagem na infância em que essa emoção se
manifestou. Tal procedimento contribui para ajudar os pacientes a conec­
tar as emoções e sensações corporais experimentadas no presente a memó­
rias de infância. Após se tornar consciente de suas memórias de infância,
emoções, sensações corporais, cognições e estilos de enfrentamento, o pa­
ciente começa a exercer algum controle sobre as suas respostas, aumen­
tando o seu livre-arbítrio em relação aos esquemas (Young et al., 2003).
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 195

Em função do envolvimento das memórias implícitas nos EDRs,


o foco nas sensações corporais do presente pode ser uma porta de acesso
ao passado. Pacientes que trazem sensações incômodas e que não conse­
guem associá-las a alguma emoção ou situação podem assim serem so­
licitados a sentirem esse incômodo corporal ainda mais intensamente,
para então buscar associá-los à situações significativas de suas vidas.
As estratégias utilizadas para lidar com as situações disfuncionais
da infância são na verdade adaptações, formas encontradas pelo pa­
ciente para sobreviver às adversidades, mas que, em função do ciclo
autoperpetuador dos esquemas, não são colocadas sob revisão. Con­
forme mencionado anteriormente, o objetivo do trabalho com ima­
gens mentais é permitir ao paciente viver e sentir os esquemas de for­
ma emocional e visceral, para que estes sejam ativados e então desa­
fiados (Falcone, 2011). Acessar diretamente o ambiente de formação
dos esquemas, revisitando cenas carregadas de afeto e episódios mar­
cantes, permitem ao paciente perceber as necessidades emocionais não
atendidas do seu passado e verificar o que tiveram de fazer com suas
vidas para se adaptar a essas situações.
No trabalho experiencial com imagens, os pacientes são, enfim,
incentivados a expressar o seu descontentamento com o ambiente tó­
xico do passado, mobilizando especialmente a emoção da raiva para
tornar os esquemas egodistônicos (Falcone, 2011).

Relação terapêutica e reparação parental limitada


Ao observar as dificuldades atuais a partir do ambiente disfun­
cional da vida do paciente e dós estilos de enfrentamento dos esque­
mas, o terapeuta e o paciente percebem as necessidades emocionais
básicas que não puderam ser satisfeitas e que acabaram resultando na
formação dos EDRs. Esses esquemas, por sua vez, aparecem igual­
mente na relação terapêutica, tendo aí uma dupla significação: ao mes­
mo tempo que constituem verdadeiros obstáculos, são também impor­
tantes fatores para o processo de mudança, pois sinalizam sobre as
dificuldades do paciente e sobre o ponto que ele precisa focar para
196 Estratégias Experienciaís

superar esses mesmos obstáculos. O terapeuta pode atuar de maneira a


reparar, dentro dos limites adequados e éticos da relação terapêutica,
as necessidades emocionais não atendidas da infância, na chamada
reparação paren tal limitada ou reparentalização (Young et al., 2003).
Acima de qualquer técnica ou procedimento específico, a relação
terapêutica é, para o paciente, a possibilidade real de viver uma relação
saudável. Não há nada mais vivencial do que se relacionar com outro
ser humano, dia a dia, momento a momento, aprendendo e experien-
ciando estar diante do outro com suas fraquezas e angústias, sentindo-
se validado e acolhido emocionalmente e sendo confrontado empa-
ticamente, quando necessário, ou recebendo limites adequados. Young
et al. (2003) descrevem a reparação parental limitada como um an­
tídoto parcial aos EDRs, proporcionando assim experiências emocio­
nais corretivas ao paciente.

Rompendo padrões: diálogos e reparentalização


Quando ocorrem imagens de cenas traumáticas que refletem
experiências negativas marcantes na vida do paciente, o terapeuta, ou
outra figura de apoio, que pode ser até mesmo o próprio paciente na
idade atual, pode “entrar” na cena auxiliando o paciente na expressão
das emoções, reivindicando o direito à satisfação de suas necessidades
básicas de afeto, carinho e proteção. Isso facilita o acesso às estruturas
esquemáticas: emoções que não puderam ser expressas no passado
podem ser então processadas integralmente, permitindo uma nova
visão da situação, relacionando os problemas do passado ao presente e
quebrando o ciclo autoperpetuador dos esquemas (Greenberg &
Malcom, 2002; Young et al. 2003).

Exemplo de caso clínico: Paciente Maria, sexo feminino, 30 anos, re­


latou problemas de adaptação e dificuldades de relacionamento no
trabalho. Promovida recentemente para um cargo de diretoria, Maria
é extremamente perfeccionista, rigorosa consigo mesma e com os ou­
tros. Foi acusada pelos seus funcionários de ser exigente em excesso e
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 197

muito rude, além de passar por cima dos outros diretores. Por essa ra­
zão, seu chefe a chamou para conversar, buscando melhorar a con­
vivência entre ela e a equipe, o que foi interpretado por Maria como
uma bronca, fazendo com que se sentisse humilhada.

Na fase de avaliação da psicoterapia, o terapeuta sugeriu a pre­


sença do esquema de Desconfiança/Abuso e de Padrões Inflexíveis. O
procedimento de imagem foi utilizado para a confirmação dos esque­
mas buscando ilustrar as relações entre as situações do passado e as do
presente. O diálogo a seguir ilustra o trabalho de imagem realizado
com a paciente.

T: Podemos fazer um trabalho com imagens agora? Feche seus olhos e


imagine que esta cena, a da bronca do seu chefe, esteja acontecendo
com você neste momento (pausd). Isto. Enriqueça a cena. Coloque
cores, os detalhes do local, o tom de voz do seu chefe (pausa). Agora
me diga Maria. O que está acontecendo?
P: Ele está me chamando para conversar na sala dele. Eu estou an­
dando para lá e todos estão me olhando. Parece que eles sabem que eu
vou ganhar um esporro. E muita humilhação!
T: Continue...
P: Ele está falando duro comigo me acusando de ser uma carrasca, de ser
grossa, de passar por cima de todo mundo. Eu estou congelada.
T: O que você sente neste exato momento. Cómo esse congelamento
aparece no seu corpo?
P: Como assim?
T: Descreva o que acontece no seu corpo nessa situação em que você
se sente congelada ao receber a bronca do seu chefe.
P: Sinto minhas mãos frias e meus braços duros... parece que estão
grudados no meu corpo. Minha garganta parece que vai fechar.
T: Você pode aumentar essas sensações? (foco nas sensações corporais)
Concentre a atenção na sua garganta. Procure aumentar essa tensão
nos braços (pausa). Deixe aparecer agora, alguma cena da sua infância
na qual você sentiu uma sensação parecida... (da situação recente para a
infância)
198 Estrategias Experienciais

P (pausa... começa a falar com uma voz baixa e embargada}-. Eu. estou
na sala e meu pai está gritando com meu irmão chamando ele de bur­
ro. Eu estou sentindo muito medo (ativando o esquema de descon-
fiança/abuso)
T: Medo de quê?
P: Medo. Não sei direito. Ele é muito estúpido. Como pode falar des­
se jeito com uma criança? Isso nunca acontece comigo porque sou óti­
ma na escola.
T (suavizando o tom de voz): Quer dizer, Maria, que você é uma me­
nina nota dez, que não dá trabalho? E se você não tirar uma nota boa?
O que pode acontecer?
P: Ele vai gritar comigo (chorando)! Ele vai me bater! Eu tenho tanto
medo! (gritando e chorando). Não posso errar, senão ele vai fazer o mes­
mo comigo! (ativando o esquema de desconfiança!abuso e de padrões in­
flexíveis).
T: Maria, o que você faz quando sente esse medo?
P: Estudo, cada vez mais. Fico quietinha.
T: E você não sente falta de brincar? De estar com seus amigos? De
poder fazer um pouco de bobagem?
P (longapausa)-. Eu me sinto muito pressionada.

Nesse exemplo, a paciente parte da situação atual para cenas


significativas da infância. A partir da descrição da imagem, o terapeuta
busca primeiramente ampliar os impactos emocionais encorajando a
paciente a detalhar a situação e a sentir as sensações corporais asso­
ciadas para posteriormente solicitar que traga cenas com conteúdos
emocionais semelhantes aos da infância. O terapeuta procura criar um
ambiente seguro, adaptando a sua expressão de voz para entrar em
contato com a criança da paciente. Esta, por sua vez, se permite sentir
e vivenciar o ambiente de formação dos esquemas (no caso descrito, de
Deseonfiança/abuso e Padrões Inflexíveis), compreendendo como os
seus padrões de rigidez e perfeccionismo atuais foram formas de adap­
tação originadas no passado com o objetivo de evitar consequências
negativas, mas que acabaram se tornando disfuncionais no presente.
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 199

Uma vez identificado o que “faltou” ao paciente, o terapeuta


facilita o diálogo com os sujeitos responsáveis pela frustração das neces­
sidades emocionais e situações traumáticas, auxiliando na expressão do
descontentamento, pesar e raiva, realizando também a reparação parental
limitada como na continuação do caso clínico de Maria:

Continuação do trabalho com imagens descrito anteriormente

T: Maria, qual é o nome do seu pai? E do seu irmão?


P: Luiz. Meu irmão é João
T: Maria, fale para o seu pai como você se sente.
P: Não posso. Eu tenho muito medo.
T: Você permite que eu entre nessa cena e lhe ajude?
P: Sim.
T: Ok. Eu estou do seu lado e não vou deixar o seu pai lhe bater. Fala
para ele como você se sente (terapeuta entra na cena para proteger a
paciente e auxiliá-la na expressão emocional).
P (voz baixa e frágil)'- Pai... (pausa)... ai... eu não consigo (chora convul­
sivamente).
T (falando firme com o pai da paciente)-. Olha, Luiz, isso que você está
fazendo com o seu filho é um absurdo. Você não pode chamar uma
criança de burra. Se ele está com dificuldade, você precisa ajudá-lo e
não xingá-lo. A sua filha Maria está morrendo de medo de você e não
consegue nem brincar direito porque fica imaginando que se ela tirar
uma nota ruim vai ganhar uma surra. Eles são crianças. Eles têm o
direito de brincar.
T (falando agora para o paciente)...: Maria, você pode entrar na cena
agora como a mulher que você é hoje e ajudar essas crianças? Entre.
Entre na cena e me diga o que está acontecendo (modo Adulto do
paciente entrando na cena).
P: Eu puxo o meu irmão e tiro ele de perto desse monstro. Meu pai
está me olhando com raiva.
T: Fale, Maria. Diga tudo o que você tem vontade agora.
P (com voz firme)-. Você é um monstro. Veja o que você fez com essas
crianças. O João é um homem medroso e dependente até hoje de
200 Estratégias Experienciais

você. Eu nâo me divirto, não tenho amigos de verdade porque estou


sempre pensando em trabalho e exigindo demais de mim e dos outros
(relacionando os esquemas à situação atual). Não tive tempo ainda nem
para ter um filho. Eu não vou mais deixar você fazer isso (pausa).
T: E o que está acontecendo agora?
P: Ele está quieto e eu estou abraçando as crianças (fazendo intuiti­
vamente a reparentalizaçâo, pois o terapeuta ainda não havia orientado).
T: Isto, Maria. Abrace essas crianças. Sinta-se protegida, acolhida.
Respire devagar (finalizando a reparentalizaçâo; longa pausa)... Quando
quiser, abra os olhos lentamente.

As estratégias experienciais, através da reparação parental, faci­


litam a compreensão de como as experiências infantis se repetem na
vida atual do paciente. Enquanto as estratégias cognitivas necessitam
de várias repetições para que o paciente se distancie do esquema em
um nível intelectual, as estratégias experienciais podem promover esse
distanciamento, em nível emocional, a partir de apenas uma expe­
riência (Young et.al., 2003).

Exemplo de caso clínico: João, 45 anos, relata sentimentos de culpa e


de vazio.
Os sentimentos de culpa e de compaixão são experimentados em rela­
ção à mãe e a süa atual namorada. Sente-se responsável por ambas,
que demandam dele atenção e proteção, além de outras demandas
materiais. Sente-se culpado por não corresponder ou cuidar delas
como deveria, mas ao mesmo tempo sente-se aviltado emocional­
mente, experimentando rancor e raiva. Queixa-se também de uma
“dor emocional”, acompanhada de sentimentos de abandono e de va­
zio, ocorrendo geralmente pela manhã. Seu pai faleceu quando ele
era recém-nascido e sua mãe é descrita como alguém autocentrada e
negligente com os filhos. A partir de uma imagem atual recorrente, o
paciente descreve a sua experiência, permitindo a identificação dos
seus esquemas relevantes.
“Estou no meu quarto. São oito horas da manhã” (descreve os detalhes
físicos do quarto). “Sinto que a vida não tem sentido, que não vale a
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 201

pena. Sinto tristeza, desânimo, abandono. Sinto que não sou impor­
tante para ninguém. Não tenho ninguém que se importe realmente
comigo. Sinto angústia no peito e desesperança total”.

A partir da experiência do paciente, a terapeuta identifica os


esquemas relevantes: Privação Emocional e Abandono. O diálogo a
seguir ilustra o seguimento da estratégia emocional. O terapeuta soli­
cita que o paciente mantenha as suas emoções, apague a imagem atual
e identifique uma imagem vivenciada no passado em que onde esses
sentimentos estavam presentes.

P: Estou na casa de minha avó, no quarto grande, que fica no segundo


andar. Tenho cerca de cinco ou seis anos.
T: O que está acontecendo na imagem?
P: Minha mãe está sentada na cama, chorando, com as mãos co­
brindo-lhe o rosto. Eu me aproximo para consolar, mas ela se recusa,
ignorando a minha presença.
T: Como você se sente?
P: Impotente, culpado. Vejo minha mãe sofrendo e não posso fazer
nada. Sinto-me diminuído, humilhado, tenso, impotente.
T: Diga isso a ela, diga como você está se sentindo.
P: Não adianta, ela não me ouve... Nunca mais vou ser feliz... Tudo
acontece errado. Sinto pena dela, pena de mim... Estou em desvan­
tagem... A vida me deixou assim... Sinto angústia... Estou desprote-

Nesse momento a terapeuta percebe que o paciente não se dá


conta de sua privação emocional. Em vez disso, ele focaliza-se na dor
de sua mãe e no seu sentimento de impotência por não saber como
ajudá-la. Essa reação caracteriza o esquema de Autossacrifício de João,
o qual explica os seus padrões atuais de se sentir culpado por não
atender às necessidades abusivas da mãe e da namorada. Na tentativa
de fazer com que ele se focalize em suas próprias necessidades, a
terapeuta pede para entrar na imagem a fim de falar com o Joãozinho
202 Estratégias Experienciais

(o modo da criança abandonada). O diálogo a seguir ilustra como a


terapeuta realiza a reparação parental.

T: Onde você quer que eu fique? Onde você está sentado?


P: Em um banquinho. Sente perto de mim.
T: Estou aqui, sentada no chão, ao seu lado. Estou abraçando você.
Consegue me ver assim?
P: Sim. Minha mãe está sofrendo, preciso fazer alguma coisa (nova­
mente o paciente ignora as próprias necessidades e foca na dor da
mãe).
T: Você me permite conversar com sua mãe?
P: Sim.
T (falando com a mãe de João na imagem): Imagino como a vida tem
sido difícil para você... perder o marido tão jovem... é muito duro
mesmo... mas olhe para o seu filho agora... veja como ele está aflito,
angustiado por vê-la assim. Ele é uma criança e precisa de você. Veja
como ele se sente ignorado. Ele precisa do seu amor, do seu carinho, de
sua atenção, mas nem consegue se dar conta disso, porque está focado em
ajudar você... (a terapeuta tenta fazer com que João se dê conta de que
suas necessidades relativas ao esquema de Privação Emocional são inibidas
pela forma egoísta com que sua mãe se comporta).
T: Seja sua mãe agora e responda.
P (no papel da mãe): A vida não tem graça para mim... tudo é tão
difícil...não tenho condições de pensar em ninguém.
T: Às vezes a vida nos exige muito. Mas olhe à sua volta. Seu filho depen­
de de você. Ele está carente, é uma criança. Olhe para ele, ele precisa de
você. Não é ele que tem que cuidar de você. Você é que tem que cuidar
dele. Dê atenção ao seu filho... dê carinho ao seu filho. Pare de olhar para
o próprio umbigo por alguns instantes e olhe para o seu filho...

Na etapa seguinte a terapeuta solicita que o João adulto faça a


reparação parental do pequeno João, dialogando com ele, consolando-o,
etc. Após a vivência, João declara: “Fiquei surpreso... Foi libertador...
Agora lembro que minha mãe sempre fazia isso... mobilizava as irmãs,
meus avós... todos viviam ao redor dela, paparicando-a... Hoje vejo que
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 203

minhas tias percebem o quanto ela é manhosa, faz birra quando as coisas
não acontecem como ela quer... faz todos se sentirem culpados”.
Nas sessões subsequentes, foi possível identificar algumas mu­
danças importantes na forma como João passou a lidar com a mãe e a
namorada. Ele relatou ter obtido uma visão mais objetiva da mãe. Em­
bora sentisse compaixão, já não sentia culpa. Passou a ver com mais
clareza como ela exagerava nas lamentações. Declarou que ela poderia
fazer algo para mudar, mas não queria. Com relação à namorada, per­
cebeu que ela não reconhecia as necessidades dele. Reconheceu tam­
bém o seu papel de aceitar a desconsideração. Passou a ser mais asser­
tivo com a namorada.

Diálogos entre o lado do esquema e o lado saudável


Os diálogos entre o lado representativo do esquema e o lado
saudável do paciente são ferramentas de grande auxílio no rompimento
das barreiras que impedem a mudança, especialmente na fase de mu­
dança da TE. Os esquemas lutam para permanecer vivos e os processos
evitativos fazem parte da manutenção do problema atual, com os pa­
cientes apresentando dificuldades para experienciar formas alternativas
e mais saudáveis de comportamento.
O diálogo entre os dois polos pode ser utilizado como inter­
venção cognitiva ou experiencial (quando o diálogo entre os dois polos
se dá na forma de imagens ou com dramatizações e role-plays) (Falcone,
2011). A adaptação da técnica da cadeira-vazia da Gestalt pode ser
utilizada nesse momento. Colocam-se duas cadeiras, uma represen­
tando o lado do esquema e outra o lado saudável: o paciente expressa
opiniões e vivencia um dos lados, trocando de cadeira para emitir
opiniões e se expressar no polo oposto (Young, 2003). Geralmente,
esse procedimento exige do terapeuta participação ativa e encoraj adora,
pois, em função do caráter de filtragem das informações do ambiente,
o paciente acaba desqualificando evidências contrárias ao esquema e
sua própria capacidade de mudança.
204 Estratégias Experienciais

Cartas endereçadas às figuras significativas

O terapeuta pode solicitar ao paciente que escreva cartas ende­


reçadas às figuras significativas de sua vida e que estiveram relacionadas
à formação dos EDRs. Nessas cartas, o paciente é solicitado a expressai
totalmente seus sentimentos e emoções relacionadas às frustrações da
infância (Young et al., 2003). As cartas não precisam ser entregues,
podendo ser lidas no consultório em um procedimento vivencial. O
terapeuta pode realizar um diálogo imaginário com duas cadeiras, no
qual o paciente lê a carta, procurando vivenciar e sentir toda a emoção
possível, imaginando e projetando a imagem da pessoa a quem está
endereçando a carta na cadeira em frente.
A seguir, trechos da carta de uma paciente, Flora, 46 anos, com
esquema de abandono, a partir de experiências infantis repetidas com
as ausências do pai, que viajava e, embora prometendo voltar em 15
dias, ficava fora por tempo imprevisível. Flora também manifestava o
esquema de Privação Emocional e Defectividade (o pai crítico e rejei-
tador costumava depreciar a filha por ela tentar obter a sua atenção,
chamando-a de “chata” e “chorona”). Mais tarde Flora descobriu que o
pai tinha outra família em outra cidade (para uma revisão detalhada
do caso de Flora, ver Malamut & Falcone, 2012).

“...você nunca se preocupou comigo. Achava que podería suprir a sua


ausência me dando brinquedos e mais tarde dinheiro. Não, pai (po­
dería lhe chamar assim?), não podería, não. Podería, sim, com carinho,
perguntando como foi o meu dia...” (p. 506)
“... não escrevi esta carta para lhe provocar, mas sim para aliviar a doi
que já me acompanha há muito tempo. Tempo esse que me manteve
calada por fora e borbulhando de questões por dentro. Espero que
você me entenda, mas espero mais ainda que você reconheça o que me
causou...” (p. 506).

Flora expressou sua vontade de entregar a carta ao pai, contra­


riando a sugestão de sua terapeuta. A entrega da carta gerou uma
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 205

conversa franca, o que melhorou posteriormente a interação entre


ambos. A experiência de entregar a carta ao pai foi positiva para a pa­
ciente, que se sentiu aliviada e satisfeita por ser honesta consigo mes­
ma. Flora passou a diferenciar a voz do pai (de que ela era problemática
e carente) de sua própria voz (o pai tinha dificuldades em expressar
afeto, era egoísta e só se preocupava com o dinheiro e o trabalho).
Nesse ponto, o caráter egossintônico de seus esquemas de abandono,
privação emocional e defectividade, transformou-se em egodistônico
(Malamut & Falcone, 2012).

Quadro 6.1 Principais procedimentos utilizados nas técnicas experienciais


em Terapia do Esquema
Técnica Objetivo Quando usar

Construção de um lugar Fazer com o que o paciente cons­ No início e ao final do trabalho
seguro trua uma imagem mental de tran­ com imagens, ou para auxiliar a
quilidade e segurança regular a emoção e tranquilizar o
paciente após momentos de grande
sobrecarga
Solicitando ao paciente a Avaliação dos EDRs e do ambiente Na psicoeducação e na conceitua-
produção de imagens com da infância lização do caso
figuras significativas
Da situação atual para o Relacionar as emoções/situações Na psicoeducação e na conceituali-
passado atuais aos EDRs zação de caso
Foco nas sensações cor­ Acessar os EDRs Quando o paciente falar sobre sen­
porais sações incômodas e difusas ou para
facilitar o acesso aos EDRs
Diálogo nas imagens trau­ Possibilitar ao paciente expressar Quando o paciente já entende ra­
máticas as suas necessidades emocionais cionalmente, mas ainda não consegue
básicas e se distanciar dos EDRs sentir-se diferente
Reparentalização Acolher o modo Criança do pa­ Após o trabalho com imagens signi­
ciente, oferecendo suporte e pro­ ficativas
teção
Diálogo lado do esquema Romper a evitação experiencial e Na fase de mudança, quando exis­
versus lado saudável fornecer evidências contrárias ao tem dificuldades na busca por com­
esquema portamentos mais saudáveis, e nos
momentos de impasse
Cartas endereçadas às fi­ Auxiliar na expressão das emo­ Na fase de mudança
guras significativas ções e se distanciar dos EDRs,
complementando o trabalho com
imagens
206 Estratégias Experienciais

Outros procedimentos experienciais


Diversos procedimentos experienciais além dos descritos por
Young vêm sendo utilizados por terapeutas do esquema e incorporados
gradualmente à prática da TE (Edwards & Arntz, 2012). Devido ao
seu caráter integrativo, a TE tem se mostrado receptiva a essa diversi­
ficação, desde que a intervenção seja compatível à fundamentação
teórica do modelo e benéfica ao paciente.
Kellog (2012), por exemplo, realiza dois tipos básicos de traba­
lho, adaptando a cadeira-vazia da Gestalt à TE, no que vem chamando
de Chairwork Dialogues. No primeiro tipo, o paciente realiza o diálo­
go imaginário com alguém na cadeira em frente à qual está sentado,
alguém com quem tenha algum tipo de problema não resolvido (unfi­
nished business), podendo também ser utilizado em caso de luto pato­
lógico. No segundo tipo, o paciente pode utilizar a cadeira-vazia para
trabalhar impasses e decisões difíceis. Além da forma já conhecida da
expressão de um determinado ponto de vista em uma cadeira, alter­
nando para a cadeira oposta para expressar a visão alternativa, Kellog
(2012) adaptou esse trabalho de forma particular para pacientes com
problemas de abuso de substâncias.

Considerações finais

A TE é um modelo de psicoterapia focado nas necessidades


emocionais centrais dos indivíduos, que visa à obtenção de necessi­
dades emocionais não atingidas através de uma forma adulta e sau­
dável, em contraposição a padrões autoderrotistas do paciente (para
maiores informações, ver Capítulo 9). Os procedimentos utilizados in­
cluem estratégias cognitivas, experienciais e comportamentais. Além
disso, focaliza-se a relação adequada com o paciente como facilitadora
dos processos de mudança. O trabalho experiencial é parte funda­
mental do modelo e necessário para mudar o esquema de egossintônico
para egodistônico. A utilização de técnicas experienciais demanda grande
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 207

disponibilidade afetiva por parte do terapeuta, devendo este ficar


atento não apenas aos aspectos técnicos, mas também aos seus limites
emocionais e pessoais.

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7
Mindfulness

Carolina B. Menezes, Isadora Klamt-Conceição e Wilson Vieira Melo

A palavra mindfulness vem sendo empregada no mundo todo, uma


vez que não há uma expressão exata que traduza seu significado -
atenção plena. Intervenções que se valem dessa estratégia psico-
terápica, atualmente, são utilizadas em diferentes populações clíni­
cas. Contudo, é importante atentar para o fato de que cada trans­
torno, assim como cada paciente, possui características particulares,
de forma que estas devem ser consideradas no planejamento e exe­
cução de intervenções baseadas em mindfulness. O uso de mindfulness,
não substitui os protocolos baseados em evidências propostos pela te­
rapia cognitivo-comportamental. Contrariamente, é importante co­
nhecer tais modelos de intervenção para que se possa adequada­
mente associar, quando indicado, os recursos dessa importante estra­
tégia psicoterápica às técnicas de escolha para cada uma das dife­
rentes demandas clínicas.
W.V.M.

O interesse no uso de mindfulness vem crescendo progressiva­


mente no campo das psicoterapias, tanto na clínica, como na investi­
gação científica, sendo o conhecimento sobre seus benefícios já bastan­
te disseminado mundialmente e em diferentes contextos. Um levanta­
mento que investigou o interesse de estudantes universitários brasilei­
ros em participar de um treino de mindfulness mostrou que um grande
210 Mindfulness

número de alunos (524) que não possuíam experiência prévia com a


prática desejava conhecê-la e experimentá-la (Menezes, Fiorentin, & Bi­
zarro, 2012). A principal motivação para a participação nesse tipo de
treino foi atribuída ao gosto e à curiosidade pela temática, bem como ao
desejo de obter benefícios emocionais e cognitivos. De fato, esses benefí­
cios estão entre os mais relacionados à prática segundo a percepção dos
próprios praticantes (Menezes & Dell’Aglio, 2009). Além disso, de for­
ma geral, os efeitos psicológicos de mindfu-lness vêm sendo demonstrados
empíricamente (Menezes, Dell’Aglio, & Bizarro, 2012; Sedlmeier et al.,
2012), razão pela qual a aplicação clínica dessa técnica é cada vez mais
incorporada ao repertório de diferentes abordagens psicoterápicas, den­
tre elas as terapias cognitivas (Walsh & Shapiro, 2006).
Originalmente, o conceito de mindfidness provém da filosofia oriental
budista, podendo ser entendido como uma qualidade mental que deve
ser desenvolvida e cultivada através da prática da meditação (Chiesa &
Malinowski, 2011). Essa qualidade pode ser descrita como uma consciência
clara do que está exatamente acontecendo no momento mesmo em que
acontece (Gunaratana, 2005), de forma que também é designada como um
estado de presença mental e atenção plena (Chiesa & Malinowski, 2011). E
por este motivo que, mesmo no Budismo, essa prática é concebida como
inerentemente clínica e mais diretamente relacionada à psicologia do que à
religião, sendo também denominada de meditação do insight (Gunaratana,
2005) ou ainda zKsgéímetacognitivo (Teasdale, 1999).
Mindfitlness é uma prática dirigida à percepção e à ampliação da
consciência dos processos internos, tal como experiências físicas, sen­
sações, sentimentos, eventos mentais e suas flutuações. Entende-se que
a ampliação dessa consciência possibilita a compreensão de que: a) es­
tes processos são transitórios, b) a falta de consciência acerca do auto­
matismo com que se reage a eles leva ao sofrimento, e c) esses proces­
sos não refletem, necessariamente, o self, ou seja, a identidade propria­
mente dita (Grabovac, Lau, & Willett, 2011).
É a partir desse entendimento que no Ocidente, particularmente
no contexto da prática meditativa, o conceito de :nindfulness é utilizado
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 211

para descrever um tipo de atividade mental que se caracteriza como uma


forma particular de prestar atenção (Kabat-Zinn, 2009). Mais específi­
camente, é uma atividade que envolve o monitoramento atento e cons­
ciente da experiência, momento a momento, de forma não reativa, sem
julgamento, e sem engajamento na elaboração do conteúdo dessas expe­
riências (Kabat-Zinn, 2009; Lutz, Slagter, Dunne, & Davidson, 2008).
Através da prática de mindfulness busca-se desenvolver uma
consciência menos condicionada e, consequentemente, uma percepção
mais clara acerca da natureza das experiências e da atividade mental
(Lutz, Dunne, & Davidson, 2007). Em termos psicológicos, entende-
se que uma consciência menos condicionada facilita um descentra-
mento e uma desidentificação com processos mentais disfimcionais
(Walsh & Shapiro, 2006). Assim sendo, tanto em sua forma original,
oriunda das tradições espirituais do Oriente, como na sua forma secu­
lar, adaptada ao Ocidente, a meditação mindfulness tem como objetivo
a busca do funcionamento psicológico saudável. A diferença é que, na
meditação oriental, a aspiração ao desenvolvimento pessoal está atrela­
da à dimensão espiritual, a qual não é necessariamente enfatizada e/ou
vinculada à proposta ocidental, abordada nas psicoterapias.
O treino sistemático de mindfulness é o instrumento através do
qual é possível desenvolver a qualidade da atenção plena. Existem dife­
rentes técnicas que possibilitam esse treino e estas serão melhor descri­
tas em uma seção posterior deste capítulo. É interessante salientar que,
embora ainda não exista um consenso sobre a melhor definição opera­
cional para a mensuração de mindfulness, existem atualmente diferen­
tes instrumentos que buscam avaliar e medir essa qualidade mental
(Menezes et al, 2012). Nesse contexto, mindfulness pode ser conceitua­
da como uma qualidade mental desenvolvida através da prática da me­
ditação, assim como um traço psicológico.
Por fim, cabe ressaltar que, no Ocidente, o termo mindfulness é
também empregado fora do contexto da meditação, sendo qualificado
como uma característica pessoal disposicional, bastante associada ao
bem-estar (Langer, 2005). Segundo essa concepção, mindfulness é um
212 Mindfulness

atributo inerente ao processamento mental saudável, podendo se ma­


nifestar em maior ou menor grau em qualquer indivíduo. E concebido
como um fenômeno oposto ao estado de mindlessness, o qual se carac­
teriza como um modo de funcionamento automatizado e rígido, além
de pouco reflexivo e crítico (Langer, 1989). Dessa forma, observa-se
que uma distinção particularmente importante entre os conceitos des­
critos (Kabat-Zinn, 2009; Langer, 2005) é que no contexto da prática
da meditação, mindfulness não envolve um processamento reflexivo e
crítico, e tampouco assemelha-se ao conceito de mindlessness. Portanto,
mesmo que no conceito proposto por Langer e Moldoveanu (2000)
mindfulness seja relacionado a uma experiência subjetiva de maior
consciência e atenção ao momento presente, o processo através do qual
essa experiência emerge é bastante distinto, uma vez que envolve a
classificação e a categorização de experiências novas, assim como a or­
ganização de perspectivas que facilitem a resolução de problemas.

Mindfulness e a Terapia Cognitiva

Embora o uso de mindfulness em psicoterapia seja decorrente dos


trabalhos de Langer (2005) e Kabat-Zin (2009), observa-se que a aplica­
ção clínica de mindfulness é principalmente influenciada pelos conceitos
e práticas propostos por este último (Baer, 2006; Chiesa & Serretti,
2009; Didonna, 2009), assim como por trabalhos relacionados subse­
quentemente (Bowen, Chawla, & Marlatt, 2011; Chiesa & Malinowski,
2011; Roemer & Orsillo, 2009; Williams & Penman, 2011).
Com respeito à inserção de mindfulness nas terapias cognitivas, po­
de-se atribuir a força dessa influência a dois aspectos fundamentais e com­
plementares. O primeiro se refere à demonstração empírica dos efeitos
dessas intervenções, qualificando as abordagens com mindfulness como
práticas baseadas em evidências (Chiesa & Serretti, 2011; Fjorback, Aren­
dt, Ombol, Fink, & Walach, 2011). Trata-se de uma concepção funda­
mental nas terapias cognitivas, já que estas priorizam a sistematização e o
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 213

uso de estratégias terapêuticas cuja eficácia tenha sido demonstrada (Salko-


vskis, 2002). O segundo aspecto de grande relevância é o fato de existirem
importantes paralelos entre os pressupostos teóricos que embasam tanto as
práticas de mindfidness como as terapias cognitivas. Por exemplo, um con-
ceito-chave comum a ambas é o entendimento de que a relação que o in­
divíduo estabelece com a sua atividade mental, isto é, com a sua percepção
e interpretação dos eventos, é mais determinante na forma com que ele se
sente e comporta do que o evento propriamente dito (Sipe & Eisendrath,
2012; Wells, 2006; Williams & Penman, 2011).
Além disso, assim como nas terapias cognitivas, no cerne da práti­
ca de mindfidness, há o entendimento de que os sintomas clínicos e o so­
frimento psicológico derivam de reações habituais/automatizadas que
comumente refletem uma reação de apego, ou uma reação de aversão
(Grabovac et al., 2011). Assim, através do treino para empregar uma
atenção plena momento a momento, busca-se permitir que sensações,
sentimentos e eventos mentais naturalmente surjam e desapareçam da
experiência perceptiva consciente, sem que esse fluxo desencadeie um
processamento cognitivo subsequente oriundo do apego ou da aversão.
A mudança na forma de se relacionar com esses eventos mentais
acaba por produzir uma nova forma de perceber e reagir aos fatos em
si mesmos. Um dos princípios que está na base desse processo é a ex­
tinção, a qual é bastante relevante nas intervenções comportamentais
(Salkovskis, 2002). Neste sentido, especialmente no que tange a pen­
samentos e sentimentos que geram sofrimento, propõe-se que através
do treino em mindfiulness o praticante possa sucessivamente combinar/
parear uma gradual exposição a esses conteúdos — oriundos do fluxo
natural de sua atividade mental — com uma nova forma de relacionar­
se com os mesmos, particularmente uma menor reatividade. Dessa
forma, espera-se que gradualmente os conteúdos sejam extintos, uma
vez que perdem sua força e impacto (Baer, 2003).
Outro paralelo refere-se à importância da regulação atencional para
o desenvolvimento de habilidades mais abrangentes, tal como o automo-
nitoramento e a autorregulação, os quais constituem desfechos esperados
214 Mindfulness

de ambas as abordagens. No contexto de mindfulness-, o treino da atenção


é o alicerce sobre o qual toda a atividade se desenvolve (Kabat-Zinn, 2009;
Williams & Penman, 2011). Entende-se que sem uma adequada capaci­
dade de sustentar a atenção, o indivíduo não consegue controlar a reativi-
dade às distrações internas e/ou externas, tampouco manter a vigilância de
sua própria consciência (Wallace & Shapiro, 2006; Wallace, 2008).
É interessante notar que, na perspectiva da psicologia cognitiva,
o viés para emoções negativas é em grande parte atribuído a uma difi­
culdade que o indivíduo possui em desengajar sua atenção desses estí­
mulos, ou em engajar sua atenção em alguma outra classe de estímulo
(Rudaizky, Basanovic, & Macleod, 2013). Assim, não surpreende que
atualmente o treino da atenção venha sendo bastante discutido e in­
corporado a intervenções terapêuticas cujo o intuito é desenvolver
uma maior regulação emocional (Hakamata et al., 2010; Wadlinger &
Isaacowitz, 2011; Wells, 2006), e que muito se tem dedicado à investi­
gação da técnica da distração (Ochsner 6c Gross, 2005; Wells, 2006).
Deve-se ressaltar que esta é uma técnica que difere do treino aten-
cional cultivado em mindfiilness (Goldin & Gross, 2010). Uma forma
de explicar essa distinção é a partir do entendimento de que, com a dis­
tração, se busca uma maneira de distanciar-se e de eliminar da percepção
consciente o evento mental disfuncional gerador de desconforto ou so­
frimento, ao passo que, através de mindfulness. se pretende o oposto. O
objetivo de mindfulness é aprender a observar, a perceber e a reconhecer
os pensamentos e os sentimentos, porém sem se fixar aos mesmos (Sipe
& Eisendrath, 2012). Tal distinção está na essência do que diferencia
mindfiilness de muitas outras técnicas terapêuticas cognitivas e/ou com-
portaméntais da primeira e segunda onda, sendo a ideia de aceitação o
princípio subjacente (Baer, 2003; Bishop et al., 2004; Kabat-Zinn,
2009). Nesse contexto, aceitação não significa obrigar-se a aprovar e a
gostar de tudo, a ter uma atitude passiva em relação à vida, ou a ter que
estar satisfeito com qualquer condição. A aceitação deve ser uma atitude
que envolva uma disposição e uma curiosidade de reconhecer as coisas
tal como se apresentam, sejam boas ou ruins, evitando que a percepção
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 215

destas seja influenciada por um processamento subsequente de categori-


zações e julgamentos, os quais acabam determinando como o indivíduo
pensa e se sente sobre a experiência (Kabat-Zinn, 2009).
Dessa forma, é através do exercício de aceitação por meio da aten­
ção plena que mindfidness também se distingue de outras técnicas, além
da técnica da distração. Por exemplo, mindfidness não deve ser compara­
da à técnica da supressão, uma vez que não trabalha para suprimir/im-
pedir a manifestação de experiências internas, mas busca reconhecê-las
de forma não reativa (Hooper, Davies, Davies, & McHugh, 2011; Weg-
ner, 2011). Tampouco deve ser equiparada à reestruturação cognitiva ou
reavaliação, tendo em vista que o objetivo de mindfulness não é intencio­
nalmente modificar o conteúdo das representações (Bishop et al., 2004;
Farb, Anderson, & Segai, 2012; Sipe & Eisendrath, 2012; Teasdale,
1999). Contudo, salienta-se que, mesmo que a mudança cognitiva não
deva ser um meio em si, ela pode e deve ser uma consequência natural
do processo. Ainda, mindfidness não compreende um processo idêntico
ao do relaxamento (Lutz et al., 2007; Menezes et al., 2012). Concei-
tualmente, o relaxamento se constitui como um elemento, mas não como
a totalidade do processo, da mesma forma que se configura como um sub­
produto, e não como um fim em si. Em termos práticos, o que se busca
é um equilíbrio e uma combinação entre um estado de relaxamento ou
hipoativação e um estado de alerta.
Por fim, cabe destacar que esta seção não pretendeu esgotar to­
dos os paralelos e distinções possíveis entre as práticas de mindfulness e
as terapias cognitivas. O objetivo foi abordar, especialmente na pers­
pectiva de mindfulness, aqueles aspectos considerados elementares, a
partir dos quais muitos outros podem ser explorados e inferidos.

As intervenções baseadas em Mindfulness

Antes de abordar alguns resultados clínicos que vêm sendo obti­


dos com mindfulness, é relevante assinalar que grande parte dos acha-
216 Mindfulness

dos advêm de pesquisas que relacionam mindfulness ao contexto da


meditação e que testam a eficácia de programas e treinamentos basea­
dos em mindfulness no contexto grupai, uma vez que esta vem sendo a
configuração mais comumente utilizada (Fjorback et al., 2011; Sedl-
meier et al., 2012). Não obstante, as técnicas de mindfidness podem
ser aplicadas isoladamente, bem como no setting clínico individual,
embora os estudos com esse tipo de aplicação ainda sejam mais escas­
sos (Davis & Hayes, 2011; Fulton, 2009).
Grande parte dos programas baseados em mindfulness derivam
do programa original proposto por Kabat-Zin na década de 1970, atu­
almente denominado Programa de Redução do Estresse Baseado em
Mindfulness (Mindfulness-Based Stress Reduction Program - MBSR) (Ka-
bat-Zinn, 2009). Na sua forma-padrão, o programa tem duração de
oito semanas, com encontros presenciais semanais de aproximadamen­
te duas horas e meia, os quais envolvem uma combinação de exercícios
formais e informais. A prática formal inclui a meditação sentada e si­
lenciosa da respiração (breath meditation}, o escaneamento corporal,
movimentos de ioga e a meditação durante caminhadas. As práticas
consideradas informais compreendem o treino para manter-se plena­
mente atento e presente (mindful) durante a realização de tarefas coti­
dianas. O programa ainda inclui aulas de psicoeducação sobre estresse
e mindfulness, um retiro de sete horas na sexta semana, bem como dis­
cussões em grupo ao final de cada encontro. Os participantes são soli­
citados a manter sua prática pessoal (formal e informal) nos dias em
que não há encontro presencial, sendo que, para a prática formal, um
CD com uma meditação guiada de 45 minutos é entregue a cada par­
ticipante (Kabat-Zinn, 2009).
Os programas subsequentes, através da inclusão de técnicas
oriundas de outras abordagens psicoterápicas, buscam adaptar o
MBSR a necessidades e habilidades mais específicas. De particular in­
teresse para o presente capítulo é a Terapia Cognitiva Baseada em min­
dfulness (Mindfulness-Based Cognitive Therapy - MBCT), a qual foi ori­
ginalmente desenvolvida para trabalhar com a prevenção da recaída na
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 217

depressão. Além das atividades do MBSR, exceto o dia de retiro, o MBCT


inclui algumas técnicas cognitivo-comportamentais, dentre elas a psicoe-
ducação e a discussão sobre pensamentos automáticos relacionados à de­
pressão, assim como a instrução para que questões difíceis e perturbado­
ras sejam deliberadamente incluídas na meditação na quinta semana.
Além disso, nos últimos encontros trabalha-se com a realização de uma
lista de atividades prazerosas e com um plano de ação para a prevenção
da recaída. Outra particularidade do MBCT é a proposta de meditações
com períodos mais curtos, tal como três minutos, adicionalmente à prá­
tica formal (Williams & Penman, 2011). Por fim, destaca-se que, assim
como o MBSR, atualmente o MBCT tem sido utilizado para inúmeras
condições além da depressão (Chiesa & Serretti, 2010).
Outros exemplos de programas incluem a Prevenção de Recaída
Baseada em mindfulness {Mindfulness-Based Relapse Prevention - MBRP),
destinada a trabalhar com a prevenção da recaída em usuários de dro­
gas a partir da combinação de técnicas cognitivo-comportamentais de
prevenção de recaída e técnicas do MBSR (Witkiewitz, Bowen, Dou­
glas, & Hsu, 2013), e a Melhora das Relações Baseada em mindfulness
{Mindfulness-Based Relationship Enhancement - MBRE), voltada para o
trabalho com casais (Carson, Carson, Gil, & Baucom, 2004). Tam­
bém existe a Arteterapia Baseada em mindfulness {Mindfulness-Based
Art Therapy - MBAT), a qual visa combinar as técnicas de mindfulness
e de arteterapia para reduzir o estresse e a ansiedade em diversas condi­
ções (Monti et al., 2006).
Baer (2006) ainda considera como intervenções baseadas em
mindfulness a Terapia Comportamental Dialética {Dialectical Behavior
Therapy - DBT), delineada para trabalhar com pacientes borderlines
(para maiores informações, ver Capítulo 11), e a Terapia de Aceitação
e Compromisso {Acceptance and Commitment Therapy - ACT), cujo
objetivo é promover flexibilidade psicológica através da aceitação (para
maiores informações ver, Capítulo 12). No entanto, ao considerar as
bases filosóficas de mindfulness, discute-se que a DBT e a ACT pos­
suem origens conceituais e técnicas distintas (Chiesa &C Malinowski,
218 Mindfulness

2011). Dentre as principais diferenças, podem-se citar a não inclusão da


prática formal de meditação e a priorização da modificação de cogniçóes e
comportamentos, pois, aí, o foco no conteúdo da experiência é mais rele­
vante do que o processo da experiência (Chiesa & Malinowski, 2011).
Também existem programas que, apesar de não compreende­
rem uma adaptação do MBSR propriamente dito, configuram inter­
venções que se baseiam e utilizam os princípios de mindfiulness. Alguns
exemplos são o Mindfiulness Awareness Practices, já testado com pacien­
tes com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (Zylowska
et al., 2008), o Body in Mind Training, originalmente destinado a tra­
balhar com pacientes psiquiátricos mais severos (Russell, 2011), o Bre-
athworks, já testado como programa de manejo da dor (Cusens, Dug-
gan, Thorne, & Burch, 2010), o Mindfiulness in Schools Programme,
cujo objetivo é introduzir práticas de mindfiulness nas escolas (Kuyken
et al., 2013), e o Cultivating Emotional Balance, o qual busca combi­
nar práticas de mindfiulness com treinamento de regulação emocional
(Kemeny et al., 2012). Por fim, destaca-se que muitos estudos objeti­
vam avaliar intervenções que se baseiam exclusivamente no uso de téc­
nicas de meditação e mindfiulness, sem que estas se caracterizem como
um programa específico (Jacobs et al., 2011; Kozasa et al., 2012; Lutz
et al., 2007; Menezes et al., 2013; Slagter, Davidson, & Lutz, 2011;
Telles, Naveen, & Balkrishna, 2010).
Com relação ao setting clínico, além dos benefícios intrapessoais
que mindfiulness pode produzir tanto ao terapeuta como ao paciente, a
instrução e o uso das técnicas de mindfiulness também podem contri­
buir de diversas formas para o processo terapêutico (Davis & Hayes,
2011). O terapeuta pode solicitar que o paciente utilize a técnica de
atenção plena para conseguir identificar o que realmente sente e/ou a
distinguir diferenças sutis entre sentimentos e sensações. Também
pode recorrer ao escaneamento corporal para que o paciente possa per­
ceber e reconhecer sensações corporais, aceitando-as sem reagir e sem
gerar resistência às mesmas. A prática de mindfiulness ainda pode facili­
tar a utilização de exercícios de contato visual entre casais, estimulando
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 219

que os mesmos percebam as reações um do outro com aceitação e sem


julgamento. Ademais, a prática pode ser utilizada como forma de au­
mentar a relação de empatia e aceitação entre terapeuta e paciente. Neste
sentido, há evidências de que terapeutas que utilizam mindfulness como
prática pessoal relatam sentimentos de maior autoeficácia com relação
ao aconselhamento, bem como de maior compaixão (Davis & Hayes,
2011). Por fim, discute-se que mindfulness é uma técnica potencialmen­
te benéfica para o processo de supervisão clínica (Davis & Hayes, 2011).

Achados empíricos dos efeitos de Mindfulness

Tomando por base as idéias e os pressupostos expostos até aqui,


não é de surpreender que um acúmulo de evidências venha indicando
que mindfulness pode produzir efeitos clínicos importantes, caracteri­
zando-se como uma potencial intervenção terapêutica (Abbey, 2012;
Sedlmeier et al., 2012). Por exemplo, estudos de metanálise apontam
que essa técnica ajuda a reduzir diversos sintomas relacionados ao so­
frimento emocional, tais como estresse, a ansiedade e a depressão, tan­
to em amostras clínicas acometidas por problemas de saúde física e/ou
mental (Hofmann, Sawyer, Witt, & Oh, 2010) como em amostras
não clínicas (Sedlmeier et al., 2012).
Com relação ao contexto clínico, atualmente podem-se encon­
trar trabalhos que demonstram o efeito terapêutico de mindfulness para
diversas condições psiquiátricas, tais como depressão (Green & Bie-
ling, 2012; Hofmann et al., 2010; Teasdale et al., 2000), ansiedade ge­
neralizada (Hõlzel et al., 2013; Roemer, Salters-Pedneault, & Orsillo,
2006), ansiedade social (Goldin, Ziv, Jazaieri, Hahn, & Gross, 2012),
fobia específica (Hooper et al., 2011), transtorno obsessivo-compulsi-
vo (Fairfax, 2008), estresse pós-traumático (Bhatnagar et al., 2013),
transtornos alimentares (Woolhouse, Knowles, & Crafti, 2012), de­
pendência química (Witkiewitz et al., 2013), transtorno de déficit de
atenção e hiperatividade (Zylowska et al., 2008), e esquizofrenia (Rus-
220 Mindfulness

sell, 2011). Outros exemplos em que a aplicação terapêutica dessa téc­


nica tem se mostrado útil incluem relações conjugais, com a melhora
na vinculação amorosa entre os parceiros estando relacionada a uma
maior sensação de segurança e afeto positivo (Jones, Welton, Oliver, &
Thoburn, 2011), e relações familiares em que se observam uma me­
lhor capacidade de empatia entre pais e filhos (Benn, Akiva, Arei, &
Roeser, 2012). Também há evidências da eficácia de mindfulness como
tratamento coadjuvante de doenças físicas. Dentre estas, podem-se citar
intervenções com pacientes de câncer (Treadway & Lazar, 2009), com
dor crônica (Garland & Howard, 2013), com problemas de sono (Koza-
sa et al., 2010), com HIV (Creswell, Myers, Cole, & Irwin, 2009), com
epilepsia (Walker, Obolensky, Dini, & Thompson, 2010), entre outros.
De forma geral, esses estudos apontam que o uso de mindfulness auxilia
na redução de sintomas psicológicos — tais como depressão, ansiedade,
estresse e insônia —, que normalmente acompanham tais quadros clíni­
cos. Dessa forma, em consonância com a percepção subjetiva de prati­
cantes de mindfulness (Menezes & DelTAglio, 2009), os achados empíri­
cos acerca dos desfechos obtidos com essa técnica, bem como dos meca­
nismos subjacentes, evidenciam que essa prática está especialmente rela­
cionada a benefícios cognitivos e emocionais. Por tal razão, é considera­
da uma prática psicológica e clínica por natureza (Grabovac et al., 2011;
Gunaratana, 2005), bem como uma estratégia particular de regulação
emocional (Menezes, Pereira, & Bizarro, 2012).

Aspectos neurobiológicos de Mindfulness

A pesquisa sobre as bases neurais de mindfulness também tem


contribuído para a validação e a incorporação dessa técnica no âmbito
terapêutico, uma vez que diversos resultados vêm corroborando tanto
os seus pressupostos teóricos, como os achados empíricos oriundos de
medidas subjetivas e comportamentais (Farb et al., 2012; Lutz et al.,
2007). Além disso, é interessante notar que, assim como em outras su-
báreas de investigação, também nas neurociências tem havido um ex­
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 221

pressivo e crescente interesse no estudo de mindfulness. Atualmente,


por exemplo, até mesmo uma nomenclatura específica — mindfulness
neuroscicence (a “neurociência de mindfulness^, em analogia com os ter­
mos neurociência cognitiva e neurociência afetiva) — tem sido utilizada
para qualificar os estudos nessa área como um campo de pesquisa
emergente (Tang & Posner, 2013).
De forma geral, as evidências demonstram que mindfulness pode
promover mudanças estruturais e funcionais de curto e longo prazo
em regiões clinicamente importantes, relacionadas a habilidades regu-
latórias, tais como o córtex pré-frontal dorsolateral e mediai, o córtex
cingulado anterior e posterior, a insula e a amígdala (Treadway & La-
zar, 2009). Por exemplo, a partir de um estudo que avaliava o efeito do
MBSR em pacientes com ansiedade social encontrou-se uma maior
ativação do córtex parietal — relacionado à orientação atencional —
quando os participantes eram expostos a pensamentos automáticos tí­
picos desta condição, indicando que a intervenção auxiliou na redução
da evitação de tais conteúdos. Ainda mais importante, também obser­
vou-se uma menor ativação da amígdala, sugerindo que a maior tolerân­
cia à exposição aos conteúdos ansiogênicos foi acompanhada por uma
menor reatividade emocional aos mesmos (Goldin & Gross, 2010). Si­
milarmente, em pacientes com ansiedade generalizada, observou-se um
aumento na conectividade funcional entre córtex pré-frontal e amígdala.
Além disso, esse padrão correlacionou-se com a redução nos escores de
ansiedade (Hõlzel et al., 2013), sugerindo que a percepção da melhora
de sintomas corrobora as mudanças que o mindfulness produz em áreas
fronto-límbicas cruciais à regulação emocional (Hõlzel et al., 2013).
Padrões indicativos de uma melhor regulação emocional tam­
bém são observados em estudos com amostras não clínicas. Por exem­
plo, a prática de mindfulness durante a exposição a imagens (Taylor et
al., 2011) ou sons emocionais desagradáveis (Brefczynski-Lewis, Lutz,
Schaefer, Levinson, & Davidson, 2007) produziu uma diminuição da
ativação de regiões do cérebro ligadas à rede default mode, tal como o
córtex pré-frontal mediai e o córtex cingulado posterior. De forma
222 Mindfulness

análoga, mindfulness também produziu uma menor resposta galvânica


frente à exposição a imagens desagradáveis (Ortner, Kilner, & Zelazo,
2007), bem como uma menor sincronização de ondas gamma durante
exposição a filmes negativos (Aftanas & Golosheykin, 2005). Em con­
junto, esses dados sugerem que mindfulness ajuda a desenvolver uma
maior habilidade de interromper a elaboração cognitiva e conceituai
de emoções negativas, a reduzir a resposta fisiológica às emoções e a
atenuar um processamento automático de autorreferência e autoavalia-
ção (Farb et al., 2007; Farb et aL, 2012; Ortner et al., 2007).
Além disso, um estudo mostrou que mindfulness, enquanto traço,
se correlacionou inversamente com a atividade bilateral da amígdala,
tanto em um estado basal como em uma condição de exposição a faces
emocionais (Way, Creswell, Eisenberger, Só Lieberman, 2010). Nessa
mesma direção, também foi demonstrado que, durante uma condição
de inibição de estímulos negativos, a dimensão de não reatividade a ex­
periências internas do Questionário Cinco Facetas de Mindfulness se cor­
relacionou negativamente com a atividade da insula (Paul et al., 2013).
Ainda, outro estudo mostrou que as pessoas com escores mais altos no
traço de mindfulness apresentaram uma menor reatividade a imagens ne­
gativas, conforme medido pela atividade elétrica do cérebro (Brown,
Goodman, & Inzlicht, 2013). Em particular, foi detectada uma menor
resposta do componente denominado potencial positivo tardio (late po­
sitive potential - LPP). Esse estudo mostrou ainda que as pessoas com es­
cores mais elevados em neuroticismo e afeto negativo apresentaram um
padrão contrário, manifestando uma maior resposta do LPP quando ex­
postas às mesmas imagens (Brown, Goodman, & Inzlicht, 2013).
Assim sendo, em um nível neurofisiológico, há evidências de
que mindfulness está associada a um padrão cerebral mais funcional —
observado tanto na atividade elétrica do cérebro como na conectivida­
de de circuitos córtico-límbicos —, bem como a respostas psicofisioló-
gicas mais adaptativas. Em termos psicológicos, mindfulness parece
proteger contra formas de processamento potencialmente disfuncio-
nais, tais como ruminação e reatividade a emoções negativas. Tomados
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 223

em conjunto, esses padrões indicam os mecanismos pelos quais min­


dfulness se configura como uma ferramenta capaz de reduzir a vulnera­
bilidade a condições psiquiátricas.

Considerações acerca da prática

Os tópicos apresentados até este ponto ajudam a entender por


que treinar mindfulness pode ser desejável e aconselhável, por que min­
dfulness tem relação com as terapias cognitivas, e por que mindfulness
tem potencial terapêutico. Nesse estágio, a pergunta que resta respon­
der é: afinal, como é a prática e como inserir a mesma na clínica?
Pode-se exercitar e desenvolver mindfulness através de diferentes
técnicas, sendo a meditação formal, sentada e silenciosa, a principal
forma de aprimorar essa habilidade. Referente à prática formal, é im­
portante destacar que a meditação mindfulness é mais comumente des­
crita como uma meditação de monitoramento aberto, em que não há
um foco específico no qual se deve repousar a atenção (Lutz et al.,
2007). No entanto, discute-se que o treino de sustentar e focalizar a
atenção em um objeto específico, característico da meditação da aten­
ção focada, pode ser necessário para que se adquira a habilidade de
manter o monitoramento aberto mais estável e com menor suscetibili-
dade às distrações ao longo do tempo (Wallace, 2008). Por essa razão,
ambos os tipos de meditação — atenção focada e monitoramento aber­
to - são considerados polos de um mesmo contínuo. Ademais, para al­
guém que nunca praticou, é recomendável que o processo seja gradual.
Assim, o treino de focalização da atenção pode ser uma das ferramen­
tas para que o praticante consiga conquistar e sustentar uma maior es­
tabilidade mental, superando tanto a agitação interna como a letargia
(Wallace & Shapiro, 2006; Wallace, 2008).
Algumas técnicas consideradas preparatórias e complementares
também são comumente sugeridas. Estas podem auxiliar na transição
de um estado mental de intensa atividade para uma postura interna de
224 Mindfulness

não ação e no desenvolvimento de qualidades importantes à prática da


meditação, tais como maior relaxamento mental e físico, maior auto-
percepção, maior autoconsciência e maior aceitação das sensações físi­
cas. Algumas dessas técnicas incluem os exercícios de respiração dia-
fragmática, de relaxamento e de consciência corporal, assim como de
ioga. Em todos esses exercícios, inclusive na meditação formal, a cons­
ciência da respiração — preferencialmente suave, lenta e nasal —, bem
como do corpo, é um elemento fundamental, considerado fio condu­
tor de todo o processo. Respiração e corpo são considerados âncoras,
as quais possibilitam que a cada novo instante a consciência e a aten­
ção sejam (re) direcionadas ao momento presente.
Algumas práticas serão descritas a seguir. Estas podem ser ensi­
nadas individualmente ou em grupo, podem ser aplicadas tanto dentro
como fora do setting clínico, e podem ser praticadas isoladamente, ou
de forma combinada, uma por vez. Não existe uma duração mínima
ou máxima para cada uma das práticas. No entanto, é importante que
o praticante dedique tempo suficiente para que em cada uma delas a
experiência de mindfidness ocorra. É comum a recomendação de uma
duração mínima de 10 a 15 minutos para cada técnica, sendo que,
para a meditação formal, recomenda-se de 15 a 45 minutos. Contudo,
também pode-se sugerir práticas com períodos curtos, mas frequentes
e regulares, tal como repetidas vezes durante um mesmo dia, como é o
caso da proposta da meditação de três minutos. Do ponto de vista
comportamental, é importante discutir com o paciente qual a melhor
forma de inserir esse novo hábito em sua rotina, de forma que haja um
equilíbrio entre o tempo e frequência recomendados de prática e a dis­
ponibilidade de tempo do paciente.
Respiração diafragmãtica-. Envolve o treino e a conscientização da
respiração abdominal. Nesta, uma leve expansão do abdômen deve ser
feita durante a inalação, a fim de que o diafragma possa contrair e se
movimentar para baixo com maior facilidade, permitindo que um
maior volume de ar entre nos pulmões. Um movimento contrário deve
ser feito na exalação, uma vez que retrair o abdômen facilita que o dia-
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 225

fragma retorne à posição inicial, auxiliando a expulsão do ar que se en­


contra nos pulmões. Esse exercício pode ser feito na posição supina ou
sentada e uma das mãos pode ser apoiada no abdômen a fim de facili­
tar a conscientização e realização do movimento abdominal. Além de
produzir maior relaxamento e calma, o objetivo desse exercício é fazer
com que gradualmente esse tipo de respiração se torne o padrão respi­
ratório natural do praticante. Outro objetivo é permitir que, durante a
realização da meditação da respiração, o movimento respiratório não
exija esforço e controle, e ocorra de forma natural e suave.
Escaneamento corporal-. Exercício de consciência corporal que
pode ser feito na posição supina ou sentada. Inicialmente, o praticante
é guiado a tomar consciência do corpo inteiro, da cabeça aos pés. Em
seguida, é instruído a conscientizar a respiração, tornando-a abdomi­
nal, de forma a perceber como o corpo inteiro, ou cada parte do cor­
po, reage a esse tipo de respiração. Após, o praticante é guiado a pres­
tar atenção em cada parte do corpo, mantendo por algum tempo a
consciência em cada uma das partes trabalhadas. Pode-se iniciar a var­
redura do corpo pelos pés até chegar a cabeça, ou no sentido contrário.
É importante orientar o praticante para que busque cultivar e manter
uma atitude de aceitação da sensação presente em cada parte sendo
conscientizada. Mesmo quando houver alguma sensação de dor ou
desconforto, o praticante deve exercitar a habilidade de conectar-se
com a sensação, sem tentar afastá-la ou confrontá-la mentalmente. Isso
é possível a medida que o praticante procura “respirar dentro de cada
sensação”, cujo processo naturalmente produz um relaxamento tanto
da área visada como da área ao seu redor.
Meditação da respiração-. Esse exercício envolve manter a atenção
e a consciência da respiração, percebendo-se e sentindo-se cada inala­
ção e cada exalação, momento a momento. Não é um exercício de
controle da respiração. Tampouco é um exercício para pensar sobre a
respiração. E um exercício de estar consciente do processo de respirar,
assim como das sensações associadas, sem que estas sejam categoriza­
das ou conceitualizadas. É um exercício de sentir-se presente e ancora­
226 Mindfulness

do no corpo através de cada inalação e exalação. Portanto, manter uma


atenção plena no momento presente envolve manter a atenção plena a
cada nova inalação e a cada nova exalação. Toda vez que o praticante
perceber que sua atenção dissipou-se, gentilmente deve redirecioná-la
à consciência da respiração, tantas vezes quanto for necessário. Essa
prática pode ser feita na posição sentada no chão, com as pernas cruza­
das, ou sentada em uma cadeira, sem que as costas toquem o encosto,
com os pés apoiados no chão e as mãos apoiadas nos joelhos. No chão
ou na cadeira, os ombros, braços e a face devem estar relaxados, os
olhos levemente cerrados, a coluna ereta, e a sensação interna deve ser
de conforto e tranquilidade. É importante que o praticante entenda
que, para conquistar uma estabilidade e equilíbrio mental, é necessário
também conquistar estabilidade e equilíbrio físico. Alguns exercícios
de respiração diafragmática podem ser realizados antes de iniciar-se a
meditação da respiração propriamente dita. Da mesma forma, tam­
bém pode-se fazer um breve escaneamento corporal antes da medita­
ção, mesmo na posição sentada, uma vez que é importante conectar-se
com a consciência do corpo, observando e soltando partes possivel­
mente tensionadas. Mesmo que breves, esses exercícios podem ser de
grande contribuição para a preparação do corpo e da mente para o
exercício da meditação.
Meditação da atenção focada (p. ex., contagem). Usar apenas a
respiração como âncora pode ser difícil no início ou para quem tem
pouca prática, devido tanto ao número de distrações que podem inter­
ferir como ao tempo que pode levar até que o praticante perceba que
não está mais consciente do momento presente e da respiração. Assim,
técnicas de focalização em um objeto mais específico podem ser adota­
das, tal como o uso da contagem sincronizada à respiração, sendo que
diferentes modalidades de contagem podem ser empregadas. Uma de­
las envolve contar ciclos de 10 contagens, sendo cada número sincro­
nizado com um movimento respiratório. Assim, o praticante conta
mentalmente o número 1 enquanto inspira, e conta mentalmente o
número 2 enquanto expira; o número 3 enquanto inspira, o número 4
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 227

enquanto expira; o número 5 enquanto inspira, o número 6 enquanto


expira; e assim por diante, até atingir a contagem do número 10. Ao
completar o ciclo de 10 contagens, gentilmente retoma-se a contagem
a partir do número 1, mantendo um número por movimento, até
completar o ciclo com a contagem do número 10, e assim sucessiva­
mente. Outra contagem semelhante, também com ciclos de 10 conta­
gens, envolve contar um número a cada exalação apenas. Dessa forma,
inspira-se e apenas ao exalar conta-se mentalmente 1; inspira-se e ao
exalar conta-se mentalmente 2; inspira-se e ao exalar conta-se mental­
mente 3; deve-se manter esta contagem até o número 10. Da mesma
forma que na contagem anterior, ao completar o ciclo de 10, gentil e
naturalmente deve-se retornar ao número 1, iniciando um novo ciclo
até alcançar o número 10, e assim sucessivamente. Em qualquer um
dos tipos de contagem, toda vez que o praticante perceber que se dis­
traiu, deve gentilmente retornar o foco à contagem, reiniciando a par­
tir do número 1. Além disso, o praticante pode utilizar a contagem
durante todo o período destinado à meditação, ou pode utilizá-la até
sentir que sua mente estabilizou, passando a realizar a meditação da
respiração pelo período restante.
Meditação da atenção plena sem foco específico. Nesta meditação
busca-se estar atento e consciente à totalidade da experiência do mo­
mento presente, seja qual for a experiência. Essa experiência pode en­
volver a percepção de sensações, sons, pensamentos e/ou sentimentos.
Através desse processo, é comum que as pessoas percebam, mais do
que nunca, o grande número de pensamentos que as acompanha in­
cessantemente. Toma-se consciência de que a mente parece nunca pa­
rar de pensar, e algumas pessoas chegam mesmo a concluir que a práti­
ca da atenção plena está fazendo com que pensem ainda mais. No en­
tanto, esta é uma conclusão equivocada. A meditação da atenção plena
apenas possibilita a percepção e a conscientização da atividade mental
normal, a qual nem sempre é inteiramente percebida e conhecida
quando nos encontramos em estados de vigília e distração. Portanto,
com essa meditação busca-se a consciência do momento presente, in-
228 Mindfulness

cluindo os pensamentos. A característica principal é que se deve obser­


var os pensamentos, deixando-os surgirem e desaparecerem natural­
mente. Em outras palavras, na meditação da atenção plena busca-se
olhar para os pensamentos, em vez de olhar a partir dos pensamentos.
Esse processo pode não ser fácil, uma vez que a atividade mental hu­
mana é essencialmente semântica e associativa, sendo natural que os
pensamentos sigam um fluxo de encadeamentos e elaborações. Portanto,
algumas estratégias são sugeridas para que gradualmente o praticante de­
senvolva a habilidade de apenas observar os pensamentos, sem ser guia­
do por eles. Dentre elas pode-se citar metáforas como a tela de cinema, o
céu e nuvens, e as folhas em um riacho. Na tela de cinema, percebe-se a
atividade mental como imagens que passam em uma tela, restringindo-
se a função do praticante a apenas notar cada uma dessas imagens en­
quanto surgem na tela. No céu e nuvens, a mente é como o céu e os pen­
samentos são as nuvens que vêm e vão. Analogamente, na metáfora das
folhas em um riacho, os pensamentos são como folhas que caem em um
riacho e são carregadas pela água corrente. E importante destacar que es­
sas técnicas apenas auxiliam o entendimento do processo que deve ser
desenvolvido através da meditação da atenção plena. Elas podem ser uti­
lizadas como estratégias preparatórias ou durante a prática em fases ini­
ciais, mas não devem constituir-se como uma técnica permanente, uma
vez que induzem em algum grau processos de imaginação, visualização e
verbalização, os quais não devem ser cultivados na prática da atenção da
plena propriamente dita. Tendo em vista que é bastante desafiador man­
ter a atenção plena no momento presente sem um foco específico, suge­
re-se que o praticante recorra à atenção à respiração pelo tempo que jul­
gar necessário, toda vez que perceber que se distraiu ou quando perceber
que está com dificuldade de manter a atenção estável. Vale enfatizar: em
qualquer tipo de meditação, a respiração e o corpo sempre serão âncoras
para a conexão com o momento presente.
Meditação dos três minutos de respiração. Este exercício tem o ob­
jetivo de auxiliar a pessoa a permanecer presente e ancorada ao longo
do dia, ou em qualquer momento ou situação que sinta que o seu sen­
so de equilíbrio e o seu controle estão prejudicados. Além disso, auxi-
Estrategias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 229

lia na consolidação dos ganhos oriundos da prática formal mais longa.


A meditação dos três minutos pode ser descrita como urna “minimedi-
tação”, que funciona como urna ponte entre a prática mais longa e as
demandas do dia a dia. Mesmo sendo mais fácil e rápida, pode ser de­
safiadora, urna vez que é necessário a lembrança de realizá-la repetida­
mente. Sendo assim, recomenda-se que seja realizada em horários re­
gulares de cada dia, tornando-a parte da rotina diária. Essa breve me­
ditação caracteriza-se por três fases subsequentes de um minuto cada:
1) tornar-se consciente, 2) focalizar a atenção e 3) expandir a atenção.
Na primeira, após acomodar-se da melhor forma possível — seguindo
as mesmas instruções já descritas de como sentar-se no chão ou na ca­
deira para meditações mais longas, ou mantendo-se em pé —, deve-se
trazer à consciência as experiências internas, reconhecendo-as através
da pergunta “qual é a minha experiência neste momento?”, a qual
pode ser desmembrada nos questionamentos “quais pensamentos estão
se passando na minha cabeça?”, “quais sentimentos estão presentes
neste momento?”, e “quais sensações corporais estão presentes neste
momento?”. Na segunda fase deve-se direcionar a atenção a um foco
mais fechado, em particular as sensações físicas da respiração, perce­
bendo e conectando-se com os movimentos que acompanham a inala­
ção e a exalação. Deve-se usar cada respiração como uma oportunida­
de de ancorar-se no presente. A seguir, na última fase, deve-se expandir
o campo da consciência da respiração, percebendo o corpo como um
todo, a postura e a expressão facial, como se o corpo inteiro estivesse
respirando. Caso ocorra a percepção de algum desconforto ou tensão,
deve-se levar o foco da atenção à região e à intensidade da sensação,
imaginando e sentindo que a respiração ocorre ao redor da mesma.
Dessa forma, busca-se desenvolver a habilidade de explorar as sensa­
ções de desconforto, sem gerar resistência às mesmas.
Meditação informal. O objetivo das práticas formais consiste em
que, em última instância, as habilidades adquiridas possam ser aplica­
das na vida diária. Assim, entende-se que a atenção plena ao momento
presente também deve ser cultivada e praticada em outros contextos e du­
rante atividades do dia a dia. Sendo assim, cada praticante pode pensar
230 Mindfulness

quais as atividades que compõem a sua rotina e como podería praticar a


atenção plena em cada uma delas. Alguns exemplos de atividades e situa­
ções em que se pode experimentar e praticar a atenção plena incluem o
momento de escovar os dentes, o banho, o deslocamento de um local a
outro, o momento de cozinhar uma refeição, o momento de comer uma
refeição, a relação íntima com o parceiro amoroso, entre outros. A medita­
ção dos três minutos de respiração, descrita anteriormente, pode ser uma
grande aliada da meditação informal, uma vez que potencializa a lembran­
ça de mantermos uma atenção plena ao longo do dia.

Considerações finais sobre a prática

Tempo e Frequência. Meditação é uma habilidade que deve ser


aprendida, sendo assim, a competência deve ser desenvolvida gradual­
mente, ao longo do tempo. Para tanto, é necessário que a prática seja
regular. Embora recomende-se que a prática formal tenha uma dura­
ção mais prolongada (p. ex.: 30 ou 45 minutos), para que a experiên­
cia de mindfulness possa realmente ser experimentada e aprofundada, a
regularidade da prática pode ser tão ou mais importante do que a du­
ração. Por exemplo, um estudo que mostrou que os níveis de bem-es­
tar psicológico aumentam à medida que o tempo de prática aumenta,
mostrou também que as pessoas com até um ano de prática, que me­
ditavam de seis a sete vezes por semana, apresentavam os mesmos ní­
veis de bem-estar psicológico dos praticantes que tinham mais de cin­
co anos de prática, mas que não meditavam com a mesma regularida­
de (Menezes & Dell’Aglio, 2009). Além disso, é importante considerar
que, conforme a condição e a sintomatologia clínica, estados de confu­
são, fadiga, depressão e ansiedade podem prejudicar e atrapalhar a in­
tenção de praticar regularmente, mesmo que não haja consciência des­
se processo. Assim, o comprometimento com a proposta e com a prá­
tica regular é fundamental, pois facilita que o paciente se mantenha
engajado no processo, a despeito de sentir uma força interna contrária.
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 231

Motivação e Disciplina. Um dos elementos que está na base do


comprometimento com a regularidade da prática é a motivação, uma
vez que sem esta torna-se difícil manter a disciplina. Embora as pesso­
as tenham curiosidade sobre o tema da meditação, e até manifestem o
desejo de praticá-la, percebe-se que o comprometimento com a prática
exige um grau maior de motivação, assim como na mudança de hábi­
tos, visto que inserir novos hábitos na rotina pode ser igualmente desa­
fiador. Portanto, ao trabalhar com técnicas de meditação, é fundamen­
tal que se trabalhe com a motivação para a mesma. Neste sentido, dis­
cute-se que uma particularidade do trabalho com técnicas de medita­
ção é que grande parte da motivação do praticante advém da forma
com que o instrutor consegue transmitir o seu conhecimento sobre o
tema e o processo. Em outras palavras, entende-se que a prática pesso­
al do instrutor (ou terapeuta) é indispensável e constitui-se como a
principal característica para que o mesmo possa ser um perpetuador da
prática. Outro elemento que deve ser utilizado para trabalhar a moti­
vação do paciente — em consonância com as técnicas empregadas pelas
TCC’s - é a qualidade da psicoeducação acerca da meditação. Esta
deve incluir a sugestão de leituras, filmes, documentários e materiais
que demonstrem os potenciais terapêuticos da prática, assim como
materiais de apoio para a realização da prática. Ainda no que concerne
à motivação, observa-se que uma das dificuldades que os pacientes re­
latam refere-se à manutenção da prática. Muitas vezes a motivação ini­
cial que garante a realização da prática regular vai enfraquecendo com
o passar do tempo. Os pacientes relatam a dificuldade de manter a
prática por si mesmos. Assim, uma alternativa para quem trabalha com
técnicas de meditação é oferecer no consultório um horário extra dis­
ponível e dedicado à prática da meditação. O encontro pode ocorrer
uma ou mais vezes por semana e pode ser aberto a todos os pacientes
que se interessam pela prática, ou a um determinado grupo de pacien­
tes, conforme o critério do terapeuta. Também pode ser útil conhecer
locais e espaços dedicados à prática da meditação para que sejam reco­
mendados ao paciente.
232 Mindfulness

Diretrizes gerais. Existem algumas características e atitudes inter­


nas que podem contribuir com a qualidade e o desenvolvimento da
prática de meditação. Por exemplo, independentemente do tipo de
exercício realizado, é importante que o praticante não cultive expecta­
tivas, tenha paciência e não tenha pressa. A busca por resultados ime­
diatos pode frustrar, uma vez que a qualidade e a proficiência em me­
ditação dependem de um processo gradual. Muitos benefícios resultam
de um acúmulo de práticas. Também recomenda-se que não sejam fei­
tas comparações entre uma prática e outra, tampouco com outros pra­
ticantes, uma vez que meditação não se trata de performance. A práti­
ca da meditação deve ser um espaço onde se possa justamente afastar
pressões que sinalizam o que, como, ou por que devemos ser de uma
forma ou outra. E neste sentido que o relaxamento pode ser considera­
do um elemento crucial do processo, ou seja, é importante ser gentil e
ter calma consigo mesmo, não estar orientado a resultados e desligar-se
das pressões quanto ao desempenho. Portanto, a meditação não deve
estar baseada na ideia de esforço ou tensão, uma vez que essas atitudes
contrariam os princípios que fundamentam o processo meditativo.
Trazer a mente de volta. È muito comum que durante a medita­
ção, mesmo com larga experiência na prática, a mente divague e se
distraia. Uma importante instrução a esse respeito é: sempre que hou­
ver a percepção de que a mente distraiu-se/divagou/escapou, a atenção
deve ser gentilmente redirecionada ao foco — seja ele um objeto especí­
fico ou simplesmente o momento presente. E importante que o prati­
cante aprenda a não distrair-se ainda mais porque percebeu que se dis­
traiu. Assim, não se deve pensar sobre a distração, tampouco sobre os
motivos que o levaram à distração. O praticante deve apenas retomar
o foco de sua meditação toda vez que perceber a distração, de forma
suave e natural, tantas vezes quanto necessário.
Estilos pessoais. Um último aspecto que deve ser discutido refere-
se aos estilos e particularidades pessoais, tanto do ponto de vista do te­
rapeuta, como do paciente. Com relação ao terapeuta, é importante
que este se sinta à vontade para adaptar a incorporação dos exercícios
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 233

d.e meditação ao seu repertório de técnicas terapêuticas, levando em con­


sideração suas crenças e práticas profissionais. Por exemplo, um terapeu­
ta pode não se sentir à vontade de incluir este tipo de exercício dentro
do horário destinado à sessão com o paciente. Não obstante, pode abor­
dar a psicoeducaçáo acerca da meditação, assim como oferecer instru­
ções sobre a prática. Além disso, conforme já discutido, a utilização de
mindfulness pode ser atrelada a objetivos específicos do processo terapêu­
tico, dependendo dos temas com os quais o terapeuta trabalha ou está
trabalhando (p. ex., a utilização de mindfulness para o exercício de conta­
to visual na terapia de casais). Analogamente, a utilização de mindfulness
deve estar atrelada às demandas e características do paciente, bem como
à condição psicológica do mesmo. Em consonância com os princípios
das TCC’s, essas questões devem ser discutidas com o próprio paciente,
de forma que ambos concordem sobre a prática mais adequada.

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8
Prevenção da Recaída

Luciano Dias de Mattos Souza,


Evelin Franco Kelbert e Wilson Vieira Melo

O conceito de cura da medicina convencional não pode ser aplicado à


maioria dos transtornos mentais, visto que muitos deles apresentam
um curso crónico e altamente oscilante. O modelo da Prevenção da
Recaída foi desenvolvido na década de 1970 com o nome de trei­
namento de habilidades, inicialmente descrito como um tratamento
para os problemas relacionados ao uso de álcool e, posteriormente,
ao consumo de outras drogas. Entretanto, rapidamente se observou
que seus conceitos e técnicas, focados principalmente no desenvol­
vimento de habilidades e estratégias de enfrentamento bem como na
evitação de situações de risco e na identificação de sintomas prodró-
micos, poderíam ser utilizados também no trabalho com outras psi-
copatologias. Atualmente, tornaram-se uma heurística no tratamento
em terapia cognitiva, sendo incorporados em diversos protocolos de
tratamento. A Prevenção da Recaída como estratégia psicoterápica
nas terapias cognitivas visa promover os ganhos terapêuticos con­
quistados ao longo do tratamento e a auxiliar na redução de recor­
rência da sintomatologia.
W.V.M.

A terapia cognitiva é de epistemología congruente com outros


importantes movimentos científicos que visam a aperfeiçoar a forma
de compreensão do ser humano (Beck, 1979; Beck & Alford, 2000).
Avanços metodológicos de diversas áreas da ciência colaboraram para
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 239

o estudo dos processos mentais e do comportamento humano através


de uma perspectiva epistemológica específica que enfatiza a relevância
do método científico (Dryden & Ellis, 2001; Ellis, 1994/1962). Tais
avanços ofereceram suporte científico às práticas da TCC. No mesmo
sentido, a Medicina Baseada em Evidências (MBE) foi um movimento
médico que enfatizava a aplicação do método científico a toda prática
médica, especialmente às práticas tradicionalmente estabelecidas que
não houvessem sido submetidas ao estudo sistemático (Cochrane,
1972). Posteriormente, esse movimento foi ampliado para outras áreas
e práticas da saúde, sendo aplicado, inclusive, com grande valia à saú­
de mental (para mais informações, ver Capítulo 24).
Tal fator foi importante para contribuir com a consolidação da te­
rapia cognitiva como opção de tratamento de credibilidade e reconheci­
mento da efetividade de seus resultados. O encaminhamento para trata­
mento com terapeutas cognitivos, assim como a sua procura, cresce a
cada dia, motivado pela resolubilidade demonstrada ao longo das últi­
mas décadas, especialmente de casos considerados anteriormente sem
resposta terapêutica satisfatória. De fato, a terapia cognitiva traz dentre
suas principais características o pragmatismo e a busca de resultados.
As influências dos movimentos científicos citados anteriormente cola­
boraram também para definição da terminologia adotada pela terapia cogni­
tiva. Os termos remissão, recuperação, recaída e recorrência são amplamente
utilizados, de forma padronizada, na literatura em saúde mental (Piccoloto,
Wainer, Benvegnú, & Juruena, 2000). Em especial, o termo recaída pode
ser compreendido e utilizado tanto como uma variável dicotômica - oriun­
da de um modelo médico positivista e estruturalista que atribui a qualidade
de “doente” ou “não doente” ao paciente — como um processo distribuído
em um continuam de mudança no padrão de comportamento (Brownell,
Marlatt, Lichtenstein, & Wilson, 1986). Nesse contexto, é notável a preocu­
pação com a possível recaída dos pacientes desde a elaboração dos primeiros
modelos de tratamento em terapia cognitiva.
Em sua clássica obra Terapia cognitiva-, teoria e prática (1995),
Judith Beck dedicou um capítulo especialmente designado para tratar
da fase final do tratamento, intitulado “Término e Prevenção de Recaí­
240 Prevenção da Recaída

da”. Neste, a autora ressalta a importância dessa fase para o resultado do


processo ao destinar intervenções desde a primeira sessão do tratamento
que visem a preparar o paciente tanto para o término da terapia como
para as oscilações de funcionamento e sintomatologia ao longo do pro­
cesso e após o tratamento propriamente dito. Assim, na prática clínica, a
estrutura da terapia cognitiva deve contemplar a prevenção de recaídas
ao longo de seu processo (Beck, 1995). Espera-se que toda psicoterapia
chegue ao seu término após atingir as metas iniciais postuladas, e que
ocorra uma melhora significativa de problemas que trouxeram o pacien­
te ao tratamento. A Prevenção da Recaídas como estratégia psicoterapêu-
tica visa contribuir com a efetividade dos resultados e prolongar seus
efeitos. Posteriormente, detalharemos algumas técnicas específicas que
podem dar uma contribuição ao bom fluxo desse processo.
Contudo, muitas variações de melhora podem ocorrer e estas são de
difícil predição, dada as especificidades de cada caso. Distintas realidades e
a singularidade de contextos vitais podem trazer mudanças significativas
ao processo terapêutico e, por consequência, influenciar nas estratégias de
Prevenção da Recaídas a serem adotadas. No contexto clínico, os pacientes
frequentemente apresentam problemas complexos e crônicos que venham
talvez a apresentar alguma melhora, mas que podem não ser eliminados
totalmente. Diferentemente dos estudos clínicos controlados e dos casos
apresentados no âmbito acadêmico, não é raro observarmos processos te­
rapêuticos em terapia cognitiva apresentarem duração de anos. A falta de
uma adequada adesão ao tratamento, em casos de processos terapêuticos
intermitentes (com diversos e curtos períodos de psicoterapia) e processos
terapêuticos com múltiplos objetivos, pode contribuir também para que
os desfechos sejam diferentes daqueles que gostaríamos.
Neste mesmo sentido, é comum que alguns processos terapêuti­
cos possam se estender ou ainda que a etapa final de tratamento se
prolongue. Isso não indica necessariamente falta de habilidades técni­
cas ou inadequações dos terapeutas. A adaptação das técnicas e dos
protocolos de tratamento aos diferentes contextos clínicos certamente
pode levar a ocorrência de tais fenômenos no processo terapêutico
(Dobson, Dobson, 2009).
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 241

É importante ressaltar que, evidentemente, alguns aspectos não espe­


cíficos do tratamento, como dificuldades com o rompimento da aliança te­
rapêutica entre terapeuta e paciente e a intolerância ou a não aceitação quan­
to à presença de sintomas residuais ao final do processo, podem dificultar o
processo de término e de prevenção de recaídas. Desta forma, as expectativas
em relação aos resultados do processo de psicoterapia devem ser exploradas e
esclarecidas mediante o contexto do caso e levadas em consideração pelo te­
rapeuta no curso do tratamento (Dobson & Dobson, 2009).
A escolha em relação ao momento do término é um fator que
pode colaborar para ocorrência de recaídas. Nesta perspectiva, é im­
portante considerar a distinção entre resultados que indicam mudan­
ças estatisticamente significativas (observadas em estudos clínicos con­
trolados) e clínicamente significativas (percepção subjetiva da prática
clínica). Muitas vezes, as pesquisas apresentam resultados de eficácia
que obedecem aos rigores científicos e estatísticos para protocolos de
tratamentos com duração definida. Assim, é indicado que o número
de sessões de um tratamento cognitivo deva ser sempre estimado e ra­
ramente definido previamente de forma fixa.
Da mesma forma, após a realização de um protocolo de trata­
mento em terapia cognitiva com número fixo de sessões, é possível que
os pacientes não apresentem sintomas que indiquem a necessidade da
continuidade do tratamento, mas exibam padrão de funcionamento
desadaptativo que ainda precise da atenção clínica. Assim, diferente­
mente dos estudos controlados, na prática clínica a decisão sobre o tér­
mino do processo terapêutico é tarefa que requer sensibilidade tanto
do terapeuta quanto do paciente (Beck, 2007).
Apesar de a terapia cognitiva ser uma abordagem baseada em
evidências e com excelente relação custo/benefício (Scott, Palmer,
Paykel, Teasdale, & Hayhurst, 2003; Buder, Chapman, Forman, &
Beck, 2006; Cuijpers et al., 2013), ainda são necessários estudos para am­
pliar a capacidade de manutenção dos resultados obtidos (Durham et al.,
2005; James et al., 2013). Infelizmente, em acompanhamentos de longo
prazo, devido às características de curso de diversas psicopatologias, a re­
caída ainda é algo usual (Feng et al., 2012; Condon et al., 2011).
242 Prevenção da Recaída

Prevenção da Recaída como Estratégia Psicoterápica

A prevenção de recaída tem sido enfatizada na literatura, náo apenas


na fàse final do tratamento, mas desde a primeira sessão (Beck, 2013). No
início do tratamento é importante que o terapeuta prepare o paciente para
prováveis retrocessos ao longo do curso da intervenção. O objetivo funda­
mental do tratamento cognitivo-comportamental é auxiliar na remissão
do transtorno e ensinar ao paciente as habilidades para o manejo de suas
dificuldades e para o seu automonitoramento, com o propósito de torná-
-lo cada vez mais independente e fazendo-se seu próprio terapeuta.
Evidentemente, durante o processo de psicoterapia, espera-se
que o paciente apresente melhora. Todavia, altos e baixos fazem parte
desse processo. Dificilmente um processo de melhora ocorre de forma
linear e contínua, e a prática clínica demonstra que é muito mais co­
mum se observar o progresso terapêutico de maneira oscilante. Devem
ser discutidas em sessão as oscilações do tratamento e a normalidade
desses retrocessos. Essa informação permitirá que o paciente atravesse
tais períodos sem maiores preocupações e que, junto ao terapeuta, pla­
neje estratégias para enfrentar possíveis recaídas.
Através de gráficos, as melhoras e retrocessos podem ser apresen­
tados visualmente, de modo que fique nítida a diminuição e a inten­
sificação dos momentos de baixa. Disponibilizar essa ferramenta ao
paciente auxilia no manejo de situações difíceis, quando surjam pensa­
mentos sobre a ineficácia do tratamento ou se insinue a descrença na
melhora. A possibilidade de retomar essas questões devolve ao paciente
a confiança em que oscilações fazem parte do tratamento e da vida, e
que, mesmo após o término do tratamento, é provável que tais retroces­
sos ocorram.
Ao longo do tratamento, algumas técnicas devem ser inseridas
como facilitadoras da prevenção de recaídas. Atribuir o progresso ao
paciente está entre as técnicas que o terapeuta pode utilizar como um
meio de reforçar o paciente por sua melhora de humor e, junto a ele,
investigar quais as mudanças realizadas que o ajudaram a modificar
pensamentos e comportamentos.
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 243

Outras técnicas específicas podem ser ensinadas aos pacientes e


implementadas em diversas situações em que o risco da recaída seja
elevado, tanto durante quanto após o tratamento. O paciente deve uti­
lizar essas técnicas quando perceber que está reagindo de forma des­
proporcional, disfuncional ou com dificuldades de regulação emocio­
nal (Automonitoramento). Do mesmo modo, outro recurso que colabora
para manutenção adequada de pensamentos e comportamentos fun­
cionais consiste em dividir um grande problema em partes, de modo
que o paciente possa manejá-lo. A construção desta aprendizagem no
setting terapêutico encoraja o paciente a buscar respostas mais adapta-
tivas para o seu contexto e previne retrocessos (Resolução de Proble­
mas). Fazer um brainstorm para resolução de problemas amplia o re­
pertório de soluções que facilitam a tomada de decisões. O registro de
pensamentos disfuncionais também serve de auxílio para identificar si­
tuações que ativam pensamentos automáticos e crenças disfuncionais,
promovendo a possibilidade de identificar, testar e responder funcio-
nalmente ao fluxo do pensamento (para mais informações, ver Capítu­
lo 3). Realizar um planejamento semanal de atividades e monitorar o
grau de facilidade/dificuldade na operacionalização das metas previa­
mente construídas de acordo com níveis de dificuldade auxilia no re­
gistro do humor. E importante destacar que as oscilações de humor
podem precipitar momentos de retrocesso ou recaída.
A prática de exercícios de relaxamento, a mudança de foco aten-
cional para tarefas que tragam menor desgaste emocional, técnicas de
distração para desviar a atenção de reações internas para estímulos ex­
ternos em momentos de intensa atividade emocional são úteis para di­
minuir a valência das emoções. Contudo, é necessário que o paciente
tenha a consciência de que alguns sintomas residuais podem permane­
cer e será necessário que este tenha habilidades para manejá-los.
Outras técnicas de grande valia na Prevenção da Recaída consis­
tem em elaborar uma lista de méritos e identificar as vantagens e des­
vantagens. A lista ajuda o paciente a se autoavaliar de forma mais rea­
lista e baseada em evidências, evitando comparações disfuncionais em
relação a visão de si e dos outros. A identificação de vantagens e des­
244 Prevenção da Recaída

vantagens de pensamentos, crenças, comportamentos ou escolhas au­


xilia na verificação da funcionalidade desses elementos e assim cria a
possibilidade de tomada de decisões embasadas em respostas mais
adaptativas entre o pensamento, emoções e comportamento.
Tendo em vista a evolução do tratamento, tanto sintomática quanto
nas habilidades em lidar com os períodos de altos e baixos, é necessário
que paciente e terapeuta avaliem a possibilidade de diminuir a frequên­
cia das sessões de terapia. Na fase final do tratamento, é indicado que o
terapeuta proponha a redução como uma experiência, na qual ambos dis­
cutam, a cada sessão, se o espaçamento entre estas deve se manter o mes­
mo ou se haverá necessidade de voltar a frequência anterior.
No período de término, usualmente aparecem algumas preocupa­
ções quanto a possíveis recaídas. No entanto, o exame das cogniçóes
vigentes ajuda o paciente a identificar distorções em relação à recaída.
Informar o paciente de que o término da terapia acontece de forma
gradual ajuda-o com a sua tarefa de revisão em relação aos aprendiza­
dos da terapia (pontos importantes e habilidades desenvolvidas duran­
te o tratamento). Esses intervalos de tempo entre as sessões podem ser
organizados para que o paciente realize sessões de autoterapia. Dessa
forma, o paciente pode reavaliar seu desempenho enquanto autotera-
peuta e também monitorar a manutenção das técnicas aprendidas, di­
minuindo as chances de recaída.
A prevenção à recaída será enfatizada durante todos os momen­
tos da terapia, no entanto, na fase final do tratamento, é indicado que
o paciente produza um cartão de enfrentamento que descreva procedi­
mentos perante a recaída. E conveniente ressaltar que ele tente lidar
sozinho com suas dificuldades, antes de recorrer ao terapeuta. Caso
exista necessidade de uma nova consulta, esta é marcada com foco em
ajudar o paciente a criar novas estratégias de enfrentamento.
Ainda em relação ao término e processo de alta, é necessário agen­
dar algumas sessões de reforço, para verificar junto ao paciente o progresso
pós-terapia e também para averiguar as dificuldades ou o ressurgimento de
estratégias disfuncionais. Cabe ressaltar que comumente as sessões de re­
forço diminuem a ansiedade do paciente em manter sua evolução.
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 245

Prevenção da Recaída nos


problemas com uso de substâncias

Miller e Rollnick (2001) promoveram avanço significativo na temá­


tica ao estruturar uma forma de compreensão do processo de motivação
para mudança (para mais informações, ver Capítulo 2). No mesmo perío­
do, a Prevenção da Recaída foi definida como um programa de automa-
nejo destinado a promover melhorias na fase de manutenção no processo
de mudança de hábitos. Essa melhora ocorre através da aquisição de técni­
cas que visam a antecipar e enfrentar situações, pensamentos, emoções e
comportamentos que possam desestabilizar a fase de manutenção do pro­
cesso de mudança e, por consequência, suscitar a recaída. Assim, essa es­
tratégia psicotetápica tem como objetivos estabelecer e manter o compro­
misso com a mudança do paciente, prevenir lapsos iniciais e impedir a
progressão de possíveis lapsos (Marlatt & Donavan, 2009).
Desde a as primeiras publicações acerca da Prevenção da Recaí­
da, até os dias de hoje, essa definição segue sendo válida. Com relação
a sua aplicabilidade, inicialmente a ela foi concebida como forma de
tratamento específico da abordagem cognitivo-comportamental para
transtornos relacionados ao uso de substâncias apresentando resultados
de expressiva eficácia em diferentes estudos clínicos controlados. Em
um clássico estudo de revisão sistemática, Irvin, Bowers, Dunn e Wang
(1999) avaliaram a eficácia da Prevenção da Recaída considerando 26
estudos clínicos com participação de 9-504 pacientes no total. Os re­
sultados sugeriram uma eficácia consistente da abordagem para redu­
ção do uso de substâncias e para melhora do funcionamento psicosso-
cial. Tais resultados puderam ser observados em modalidades de
tratamento tanto individual como em grupo e em pacientes interna­
dos e não internados. Os melhores resultados da Prevenção da Recaída
foram identificados no tratamento de pacientes usuários de álcool e
múltiplas substâncias, enquanto usuários de tabaco e cocaína apresen­
taram resultados menos expressivos. Em uma metanálise com objetivo
semelhante corrobora tais resultados, concluindo que 58% dos indiví­
duos que receberam terapia cognitiva baseada no modelo de Prevenção
246 Prevenção da Recaída

da Recaída para tratamento de transtornos por uso de substância apre­


sentaram os melhores resultados (Magill & Ray, 2009).
Embora existam críticas ao modelo da Prevenção da Recaída,
por este não enfatizar fatores interpessoais do paciente durante o trata­
mento (Stanton, 2005; McKay, Franklin, Patapis, & Lynch, 2006),
essa abordagem tem sido utilizada com sucesso em diferentes culturas
(Min et al., 2011).

Modelo da Prevenção da Recaída

O objetivo da Prevenção da Recaída é tratar, prevenir e manejar


o problema da recaída. Estrutura-se a partir da abordagem cognitivo-
comportamental e tem como alvo identificar situações de alto risco,
nas quais o paciente se percebe mais vulnerável à recaída (Marlatt &
Donavan, 2009). O modelo associa treinamento de habilidades com-
portamentais às intervenções cognitivas com a finalidade de prevenir ou
limitar a ocorrência de episódios de comportamentos indesejados (Olivei­
ra, Freire, & Laranjeira, 2011). Nesse sentido, nos problemas relacionados
ao uso de substâncias, a Prevenção da Recaída também é caracterizada
como uma estratégia de reabilitação, que se concentra em dois objetivos
específicos: 1) prevenir um lapso inicial e manter o paciente abstinente, ou
nas metas do tratamento de redução de dano, e 2) proporcionar o manejo
adequado do lapso, com o intuito de prevenir uma recaída.
Tais conceitos, oriundos das primeiras propostas de intervenção
na abordagem da Prevenção da Recaída para problemas relacionados
ao uso de substâncias, podem ser utilizados no tratamento de outros
transtornos mentais, tais como transtornos depressivos e bipolares,
transtornos de ansiedade, alimentares, dentre outros. O uso dessa es­
tratégia psicoterápica em transtornos que vão além dos problemas com
o uso de substâncias será discutido a seguir.
Ainda no que diz respeito à Prevenção da Recaída como modelo
de intervenção nos problemas relacionados ao uso de substâncias, é
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 247

importante considerar alguns conceitos fundamentais. Segundo Marlatt e


Donovan (2009), a recaída se caracteriza por voltar a utilizar a subs­
tância no mesmo padrão anterior. Diferentemente do lapso, que é de­
finido por um episódio de ingesta da substância, sem que se retorne ao
padrão anterior. Aquele que “encara um lapso como uma experiência
de aprendizagem tem maior probabilidade de experimentar estratégias
de enfrentamento alternativas no futuro, o que pode conduzir a res­
postas mais eficazes em situações de alto risço” (Marlatt & Donavan,
2009, p. 17). Estratégias de automanejo no estilo de vida devem ser
observadas, pois estressores diários aumentam as chances de uma reca­
ída. Por essa razão, o paciente deve ser estimulado a buscar equilíbrio
em seu estilo de vida, a fim de diminuir alguns estressores. Neste senti­
do, o terapeuta inclui no tratamento técnicas como treino de relaxa­
mento, manejo do estresse (para mais informações, ver Capítulo 4) ou
ainda exercício do manejo do tempo e meditação com atenção plena
(mindjulness) (para mais informações, ver Capítulo 7). Tais técnicas te­
rão maior probabilidade de sucesso se treinadas ao longo do protocolo
de tratamento e desde que tenham efetivamente apresentado boa ade­
rência por parte do paciente.
Outro conceito fundamental, quando se trabalha com a Prevenção
da Recaída, é o que se chamada “situações de risco” (Marlatt & Donovan,
2009). Estas são definidas como situações que, a partir de fatores internos
ou externos, colocam o controle do paciente em perigo, ameaçando a abs­
tinência. Por fim, o conceito de “autoeficáciá”, que consiste no grau de
confiança do paciente na sua capacidade de colocar em prática suas habili­
dades de enfrentamento para diversas situações. Apesar de desenvolvidos
para o problema da dependência química, tais conceitos podem ser perfei-
tamente adaptáveis ao tratamento de outros transtornos mentais.
De acordo com o modelo de Marlatt e Gordon (1985), essa
abordagem se baseia primeiramente na detecção de situações de alto
risco que possam precipitar a recaída. Paciente e terapeuta trabalham
no mapeamento dessas situações para que primeiro seja possível usar
respostas de enfrentamento adequadas, visto que estratégias de en-
248 Prevenção da Recaída

frentamento eficazes melhoram a autoeficácia e previnem a ocorrên­


cia de um lapso ou recaída. Festas de final de ano, carnaval, frequen-
tação de locais relacionados ao uso da substância são exemplos de
situações-gatilho” para a fissura, que representam maior risco de uso
e podem desencadear o lapso ou, até mesmo, a recaída (Oliveira,
Freire, & Laranjeira, 2011).
Não existe uma lista específica de situações de alto risco, uma
vez que isso depende diretamente da experiência do indivíduo com a
substância (Marlatt & Donavan, 2009). Alguns pacientes podem se
sentir vulneráveis à recaída quando têm dinheiro disponível, outros, ao
contrário, quando se encontram com poucos recursos financeiros.
Muitos se sentem propensos a recair quando estão no meio de outras
pessoas, enquanto outros, por sua vez, recaem quando estão sozinhos,
e assim por diante.
Quando tais situações não são avaliadas adequadamente, o pa­
ciente pode não apresentar uma resposta de enfrentamento eficaz.
Desta forma, sua autoeficácia se torna reduzida, influenciando a to­
mada de decisão sobre fazer uso ou não de uma determinada substân­
cia, de acordo com as expectativas do paciente quanto aos efeitos ini­
ciais desse uso (Jones, Corbin, & Fromme, 2001). Os pacientes que
acabam por consumir podem estar mais suscetíveis ao chamado “Efei­
to da Violação da Abstinência” (EVA) causador da sensação de culpa
e perda de controle após romperem com as regras auto impostas (Cur-
ry, Marlatt, & Gordon, 1987), influenciando no aumento da proba­
bilidade de recaída.
Sendo assim, o monitoramento das habilidades de enfrentamen­
to, a autoeficácia e os fatores de estilo de vida do indivíduo (Marlatt &
Donavan, 2009) são essenciais na prevenção a recaída, pois, quaisquer
desequilíbrios em uma dessas áreas, pode aumentar as chances de o in­
divíduo se envolver em uma situação de alto risco (Daley, Marlatt, &
Spotts, 2003; Larimer, Palmer, & Marlatt, 1999).
Witkiewitz e Marlatt (2004) propõem o modelo dinâmico de
recaída, pois, a exemplo de outros autores, compreendem a recaída
como “complexa, dinâmica e imprevisível” (Marlatt & Donavan, 2009,
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 249

p. 40). Essa proposta abarca a interação dinâmica entre diversos aspec­


tos que direcionam o indivíduo a uma situação de alto risco. Assim,
pequenas mudanças, aparentemente sem importância na vida do pa­
ciente, podem gerar o desafio de ter que lidar com múltiplos gatilhos e
suas consequências.
A resposta do paciente pode ser explicada pelos fatores de risco dis­
tais que constituem um sistema de auto-organização junto aos de fatores
de risco, tais como tempo de dependência química, dados importantes da
história familiar, apoio social e transtornos co-mórbidos. Desse modo, a
relação entre riscos distais e proximais — entre os últimos: abstinência físi­
ca, estado afetivo atual, comportamento de uso de substância e efeitos per­
cebidos — permite diversos tipos de configurações de recaídas.
Em síntese, o modelo da Prevenção da Recaída constitui-se em
um modelo de entendimento dos processos de recaída que leva em
consideração tanto aspectos distais quanto proximais. Essa compreen­
são dinâmica mostra-se muito importante na compreensão dos fenô­
menos psicológicos e comportamentais envolvidos no processo de re­
caída não só na área da drogadição, mas também nos mais diversos
transtornos mentais.

Técnicas para Prevenção da Recaída


em diferentes transtornos mentais

Diversas técnicas em terapia cognitiva podem servir à estratégia


psicoterápica da Prevenção da Recaída. Algumas delas são apresentadas
em outros capítulos deste livro, uma vez que as técnicas em terapia
cognitiva podem servir a mais de um objetivo e sua divisão em dife­
rentes estratégias psicoterápicas visa simplesmente a tornar a sua orga­
nização mais didática. Dentre os recursos aplicados para a Prevenção
da Recaída, estão a Psicoeducação e a Reestruturação Cognitiva (para
mais informações, ver Capítulo 1), o Automonitoramento e a Resolu­
ção de Problemas (Capítulo 3), estratégias de manejo da ansiedade e
estresse (Capítulo 6) e até mesmo Mindfidness (Capítulo 7).
250 Prevenção da Recaída

A Psicoeducação permite ao paciente melhores condições para


sua tomada de decisão em situações de alto risco. Explicações sobre o
EVA, nos problemas relacionados ao uso de substâncias, são importan­
tes na preparação para possíveis lapsos e também para prevenir recaída
(Marlatt & Donovan, 2009). Igualmente, nos transtornos bipolares, a
explicação acerca dos sinais e sintomas que precipitam um episódio de
humor pode ser de fundamental importância na identificação e na in­
tervenção precoces (Basco & Rush, 2009).
Por outro lado, a Reestruturação Cognitiva de percepções inade­
quadas e pensamentos desadaptativos é de extrema relevância na pre­
venção da recaída; por exemplo, nos transtornos depressivos (Beck,
1979; Pergher, Stein, & Wainer, 2004), de ansiedade (Clark & Beck,
2012) e alimentares (Segai, 2002/2012) (para mais informações, ver
Capítulo 1). Em seguida serão apresentadas algumas técnicas utilizadas
com a finalidade de prevenir a recaída. Algumas delas são específicas
para determinados transtornos, enquanto outras podem ser perfeita-
mente adaptáveis para as diferentes condições contextuáis.

Registro de Pensamento Disfuncional (RPD): O RPD é um


instrumento desenvolvido com o intuito de auxiliar no monitoramen­
to de cognições disfuncionais que possam estar relacionadas a emoções
negativas e comportamentos desadaptativos (Greenberger & Padesky,
1999) (para mais informações, ver capítulos 1 e 3). Ele pode ser de ex­
trema importância no monitoramento das cognições disfuncionais
presentes nos transtornos depressivos e alimentares, ajudando na rápi­
da identificação de indicativos de recaída.

Lista de Sintomas: Uma das técnicas bastante utilizadas na tera­


pia cognitiva dos transtornos bipolares é a lista de sintomas (Basco &
Rush, 2009). Tal técnica consiste em identificar claramente quais os sin­
tomas presentes em cada uma das fases do transtorno a fim de que o pa­
ciente possa monitorar a incidência de pródromos, isto é, sintomas que
denunciam a recorrência do episódio de humor. O quadro a seguir apre­
senta um exemplo da utilização da técnica em um paciente bipolar.
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 251

Quadro 8.1 Exemplo de lista de sintomas na bipolaridade


Fase Depressiva Eutímia Fase Maníaca / Hipomaníaca

Sintomas cognitivos Sintomas cognitivos Sintomas cognitivos


• Pensamentos autodepreciativos • Pensamentos mais funcionais e • Idéias de grandiosidade
• Ruminação de eventos negativos realistas • Distorção da interpretação pela
do passado • Pouca incidência de distorções visão irrealisticamente positiva dos
• Desconsideração dos aspectos cognitivas fatos
positivos • Superavaliação das próprias habili­
dades
Sintomas emocionais Sintomas emocionais Sintomas emocionais
• Tristeza • Tranquilidade • Irritabilidade
• Desesperança • Raramente ansioso ou preocu­ • Euforia
• Solidão pado • Ansiedade
Sintomas fisiológicos Sintomas fisiológicos Sintomas fisiológicos
• Hipersonia • Dormir oito horas por noite • Necessidade diminuída de sono
• Falta de energia • Energia para executar as ativida­ • Aumento da libido
• "Paralisia de chumbo" (sensação des diárias ■ Aumento exagerado de energia
de peso nos membros superiores direcionada a objetivos
e inferiores)
• Ausência de libido
• Aumento de apetite
Sintomas comportamentais Sintomas comportamentais Sintomas comportamentais
• Faltas ao trabalho • Relacionamento interpessoal • Gastos financeiros exagerados
• Evitar sair de casa • Prática esportiva • Faltas no trabalho
• Dormir de roupa • Cuidados pessoais/higiene • Improdutivtdade
• Ficar dias sem tomar banho preservados • Promiscuidade sexual
• Uso de substâncias (álcool) í • Produtividade no trabalho • Uso de substâncias (álcool e tabaco)

A partir da elaboração da lista de sintomas dentro da consulta, pa­


ciente e terapeuta estão aptos a trabalhar no monitoramento de elementos
que sugiram a mudança de humor. Tais elementos serão fundamentais
para o processo de Prevenção da Recaída uma vez que possibilitarão uma
intervenção precoce, seja ela farmacológica ou psicoterápica.
Cartões de enffentamento — O objetivo da elaboração e utiliza­
ção do cartão de enffentamento é auxiliar o paciente no monitoramen­
to de crenças e aumento do controle comportamental. O uso do car­
tão também colabora para que o paciente consiga executar outras
intervenções cognitivas e comportamentais com maior efetividade
(Range & Marlatt, 2008) (para mais informações, ver Capítulo 3).
Após o término do processo terapêutico, a utilização do cartão de en-
frentamento ajuda não apenas para identificação mais rápida da situa-
ção-problema, mas principalmente contribui para que estratégias de en-
252 Prevenção da Recaída

frentamento específicas possam ser conduzidas pelo próprio paciente de


acordo com um planejamento prévio (Wright, Basco, & Tirase, 2008).
A escolha da situaçáo-problema e a produção do cartão são etapas
realizadas ao longo do processo de tratamento. Cabe frisar que a exequi-
bilidade da utilização do cartão dependerá da forma como este foi con­
cebido e administrado em momentos anteriores do tratamento. Nova­
mente, destacamos que uma prática de acesso simples para a utilização
do cartão aumenta a probabilidade de sucesso em seu objetivo. Por
exemplo, a utilização de cartão de enfrentamento em dispositivos eletrô­
nicos, tais como celulares e computadores, pode ter melhores resultados.
Uma das principais questões a serem abordadas no tratamento de
pacientes diagnosticados com Transtorno Bipolar diz respeito à aderência
ao tratamento farmacológico. São comuns relatos de pacientes que deixam
de perceber e valorizar a relevância da medicação na manutenção de seu
humor eutímico e, por consequência, diminuem a frequência ou a dosa­
gem da medicação por conta própria, ou simplesmente abandonam o tra­
tamento medicamentoso (para mais informações, ver Capítulo 23).
Dessa forma, o cartão de enfrentamento pode ser um recurso de
grande utilidade, quando aplicado em indivíduos que não apresentem boa
aderência ao tratamento farmacológico. Por exemplo, uma paciente, com
idade de 36 anos, diagnosticada com Transtorno Bipolar e com episódios
marcantes de comer compulsivo, possui vasto histórico de tratamentos an­
teriores. Após a estabilização de seu humor através da retomada de seu tra­
tamento farmacológico e psicoterápico, durante a realização de algumas
sessões de psicoeducação sobre a psicopatologia e o tratamento, em que o
foco era a aderência ao tratamento farmacológico, a paciente recordou que
em um momento mais estável de sua vida utilizou uma dieta elaborada
por sua nutricionista, dieta esta que foi fixada em sua geladeira e que pare­
ce ter funcionado por um longo período de sua vida.
Assim, foi elaborado em sessão um cartão de enfrentamento que con­
tinha duas frases que evidenciavam os benefícios da eutimia ao vinculá-los
aos momentos mais importantes da vida da paciente e aos momentos em
que a mesma aderia exemplarmente ao tratamento farmacológico. Esse car­
tão foi fixado no espelho de seu banheiro. Após alguns meses, a paciente
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 253

percebeu que, quando não dormia em sua casa, era difícil uma boa aderên­
cia ao fármaco. Como viajava a trabalho frequentemente, decidiu gravar um
vídeo de si mesma, em seu telefone celular, citando as duas frases.
Técnica de autoinstrução — O treinamento de autoinstrução é
outra intervenção que auxilia na manutenção de estratégias metacogniti-
vas (Wells, 2000). Esse treinamento visa corrigir distorções cognitivas ao
acionar voluntariamente pensamentos e comportamentos adaptativos e
desassociar os pensamentos e crenças desadaptativas da intensidade emo­
cional da situação-problema (Knapp & Caminha, 2003). Falar em voz
alta as instruções estabelecidas previamente, assim como dividir essas
instruções com familiares ou cuidadores com boas habilidades sociais e
assertividade também podem aumentar a efetividade da técnica.
Manejo de contingências — Essa técnica comportamental visa
principalmente ao reforço de comportamentos desejáveis ou saudáveis.
Dois momentos são vitais para o desenvolvimento e a execução eficaz da
técnica. Inicialmente, é necessária a clara identificação de comportamen-
tos-alvos e a definição da sua forma de monitoramento. Em seguida, pro­
cede-se ao estabelecimento do comportamento desejado e ao manejo das
consequências advindas dele, de modo que seja aumentada a frequência e/
ou a probabilidade de ocorrência desse comportamento em tempo e ma­
neira adequados (Higgins & Petry, 1999). Para ambas as etapas da inter­
venção, é necessária uma forte aliança entre terapeuta e paciente a fim de
determinar comportamentos relevantes à condição clínica do paciente e
estabelecer reforçadores efetivos e realistas. A aplicabilidade das contingên­
cias dependerá dessas características. Por vezes, é necessária a elaboração de
reforçadores arbitrários (produto indireto do comportamento-alvo) para
que o comportamento desejado seja mais facilmente adquirido. Com a
evolução clínica do paciente, em um cenário ideal, espera-se que os refor­
çadores naturais (produto direto do comportamento-alvo) sejam identifi­
cados e explorados para que o comportamento desejado possua uma
maior chance de manter a frequência almejada e com maior estabilidade.
O manejo de contingências possibilita a adesão à punição como
estratégia para a redução de comportamentos indesejados. Contudo, é
254 Prevenção da Recaída

importante destacar que este é um recurso de última escolha, tendo em


vista seu caráter aversivo e suas potenciais consequências negativas em
relação a outros comportamentos do paciente (Borges & Cassas, 2012).
Alguns contextos clínicos específicos são mais propícios para a uti­
lização do manejo de contingências dentro do protocolo de tratamento
e, especialmente, em um plano de prevenção à recaída. A utilização do
manejo de contingências pode favorecer a melhor adesão aos fármacos.
Em pacientes com problemas relacionados ao uso de substâncias, tal es­
tratégia tem apresentado resultados satisfatórios tanto no final do pro­
cesso terapêutico como no que se refere à redução do consumo de dro­
gas e à maior expressão de autoeficácia a longo prazo (Epstein, Covi,
Hawkins, Umbricht, ôc Preston, 2003; Rawson et al., 2005).
No tratamento infantil, o manejo de contingências possui ampla
aprovação clínica, sendo uma das técnicas mais utilizadas, especial­
mente, em conjunto com a técnica de economia de fichas (para mais
informações, ver capítulos 17, 18 e 19).

Sessões de revisão/encorajamento e consolidação — Usual­


mente se espera que, ao final de um protocolo de tratamento, o pa­
ciente apresente remissão total dos sintomas, tendo este aprendido as
técnicas que irão proporcionar a manutenção dos resultados alcança­
dos. Contudo, na realidade clínica, os pacientes frequentemente
apresentam problemas complexos e crônicos que podem melhorar de
forma significativa, mas permanecerem com sintomas residuais ou
inseguros quanto às suas estratégias de enfrentamento das situações-
problemas. Embora existam dados irrefutáveis sobre a eficácia da te­
rapia cognitiva para diversos transtornos mentais, o tamanho de efei­
to da melhora é de modesto a moderado para diversos quadros
clínicos (Lambert & Ogles, 2004). Dessa forma, é importante consi­
derar essas informações nas sessões de revisão ao final dos protocolos
de tratamento. Em muitas ocasiões, especialmente em casos de pa­
cientes com comorbidades com transtornos da personalidade, dife­
renças estatisticamente significativas, encontradas nas pesquisas clíni­
cas controladas, devem ser consideradas com cautela, tendo em vista
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 255

a sua distinção conceituai de diferenças clinicamente significativas


para a prática clínica (Dobson & Dobson, 2009). Beck e Alford (2000)
sugerem a prática das sessões de encorajamento, isto é, sessões pre­
viamente agendadas para após a alta, como recurso de manutenção e
monitoramento dos resultados alcançados.
Após o estabelecimento de uma adequada aliança terapêutica e
transcurso de um processo terapêutico adequado, é comum que tanto
o paciente como o terapeuta possam sentir uma certa relutância em fi­
nalizar o processo de tratamento e, por consequência, ocorra o aumen­
to do número de sessões de revisão. Por isso, é relevante estabelecer
critérios claros com os pacientes sobre a melhora esperada no início
processo terapêutico, com readequaçóes ao longo do processo terapêu­
tico, de acordo com a evolução do mesmo (Beck, 1979). Da mesma
forma, o objetivo de apartar gradualmente o paciente da figura do te­
rapeuta pode ser atingido através das seguintes ações: diminuir a fre­
quência das sessões, aumentar o espaçamento temporal entre estas,
adotar estrutura das sessões mais flexíveis e substituir o horário de ses­
são de revisão para breves contatos telefônicos e/ou e-mail.

Técnicas para situações de risco e desenvolvimento de habili­


dades de enfirentamento - É fundamental durante a etapa final da
psicoterapia que o paciente seja capacitado para identificar as situações
em que aumentam as chances de uma recaída. Nos transtornos de an­
siedade, por exemplo, além de reduzir os níveis de ansiedade do pa­
ciente, é importante que se possa ensiná-lo a conviver e tolerar tais sin­
tomas (Clark & Beck, 2012). Assim, após os ganhos terapêuticos
proporcionados com o trabalho de exposição e manejo da ansiedade e
estresse (para mais informações, ver Capítulo 4), é necessário que as
conquistas sejam mantidas, a fim de que a sensibilidade à ansiedade
possa ser mantida em níveis funcionais (McNally, 2002). Comporta­
mentos de evitação frente às situações ansiogênicas podem ser situa­
ções de risco para o ressurgimento da sintomatologia ansiosa.
No transtorno obsessivo-compulsivo e relacionados é importan­
te que o trabalho acerca das compulsões, rituais e evitações possa ser
256 Prevenção da Recaída

mantido, mesmo ao final do processo psicoterápico (Cordiolli, 2014).


As estratégias de Prevenção da Recaída pressupõem a continuidade da­
quilo que foi trabalhado ao longo do tratamento como recurso para
manutenção dos ganhos obtidos.
Nos transtornos relacionados ao uso de substâncias, o monitora­
mento e registro da rotina de vida dos pacientes colaboram para a
identificação das situações de risco para recaídas (Marlatt & Gordon,
1994.). Uma rotina de vida estável, com horários definidos para dor­
mir, acordar, comer, etc., é favorável para a manutenção do estado fi­
siológico e emocional do indivíduo. O uso de outros recursos e servi­
ços de saúde ou atividades saudáveis pode colaborar para prevenção à
recaída, tais como aconselhamento profissional, serviços recreacionais,
atividades de lazer, aconselhamento nutricional, terapia de família,
medicação, mudança do círculo social, dentre outros.

Mindfiilness — As terapias de terceira onda vêm utilizando re­


cursos integrativos tais como os que as técnicas de meditação e de
atenção plena podem proporcionar (Segai, Williams & Teasdale, 2002).
O Mindfulness é uma estratégia psicoterápica que pode ser bastante
útil quando associada às demais técnicas de Prevenção da Recaída. Tal
intervenção estimula que o paciente, após o tratamento, possa enfren­
tar a situação-problema observando suas reações cognitivas com acei­
tação e desde uma perspectiva mais ampla e descentralizada do proble­
ma (para mais informações, ver Capítulo 7).
Existem evidências na literatura que sugerem que o treinamento
de habilidades de Mindfulness diminui a probabilidades de recaídas
pós-tratamento (Teasdale et al., 2000; Ma & Teasdale, 2004; Godírin
van Heeringen, 2010; Geschwind, Peeters, Huibers, van Os, &
Wichers, 2012; Piet Sc Hougaard, 2011). Existem protocolos específi­
cos para o desenvolvimento dessas habilidades, que vão desde exercí­
cios formais de meditação (varredura do corpo, meditação sentada,
meditação andando e movimento pleno-consciente), exercícios de esti­
mulação da atenção à consciência das atividades cotidianas, como co­
mer ou tomar banho (Kabat-Zinn, 1990; Crane et al., 2012).
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 257

Estratégias para diminuição de excitação autonómica — As es­


tratégias de manejo da ansiedade e estresse podem ser de grande utili­
dade para a manutenção dos ganhos terapêuticos em longo prazo,
principalmente nos transtornos de ansiedade (para mais informações,
ver Capítulo 4). Assim, técnicas de respiração e de relaxamento podem
ser consideradas bastante relevantes em diversos protocolos de trata­
mento em terapia cognitivo-comportamental. Embora não ocorra com
a mesma rapidez que as respostas de luta e de fuga, a resposta de rela­
xamento propicia o retorno do organismo ao seu estado basal (Benson
& Klipper, 1995) e é o foco das referidas técnicas.
Exercícios de respiração são utilizados amplamente em diferentes
práticas clínicas (Neves, 2011). A utilização de biofeedback associado ao
exercício de respiração pode contribuir para maior eficácia da aprendiza­
gem da técnica, aumentar a motivação do paciente para com o seu trei­
namento e facilitar a adesão às técnicas cognitivas (Fried, 1987)-
Dentre os exercícios de relaxamento mais utilizados na terapia
cognitiva, estão o relaxamento muscular progressivo de Jacobson e a
relaxamento autógeno de Schultz. O primeiro orienta o indivíduo a
provocar, voluntariamente, tensão e relaxamento de grupos de mús­
culos específicos, com objetivo de um relaxamento muscular comple­
to. Cada grupo de músculos de partes específicas do corpo (mão, an­
tebraço, braço, ombros, parte posterior do pescoço, nuca, testa, olhos,
boca, mandíbula, língua e parte interna de pescoço, peito, abdome,
nádegas, coxas, panturrilhas, pés) é tensionada durante uns 10 segun­
dos e logo relaxado. Esse processo é repetido algumas vezes para que a
sensação de relaxamento torne-se cada vez mais intensa. A realização
do exercício em ambiente propício ao relaxamento se faz necessária
(Caballo, 2003).
O relaxamento autógeno consiste em uma série de exercícios de
ativação da concentração em sensações corporais específicas, especial­
mente de calor, de peso e sensações cenestésicas. Este foi proposto ini­
cialmente para profilaxia do estresse e que posteriormente foi aplicado
visando a regulação emocional (Neves, 2011).
258 Prevenção da Recaída

Manejo clínico para situações de recaída — Caso ocorra uma


recaída, é importante que existam instruções e técnicas aprendidas que
motivem o paciente a recomeçar o processo de mudanças (Knapp,
2004; Leahy, 2003). Para tanto, são passos iniciais importantes lidar
com as emoções da recaída (raiva, culpa e outras envolvidas com o
transtorno em questão), bem como fazer uma avaliação precisa das res­
postas de enfrentamento do paciente. Nesse sentido, fazer combina­
ções acerca de como agir frente a uma situação de recaída é um recurso
válido para se lidar elas, na eventualidade de sua ocorrência.
Quando se está tentando mudar padrões comportamentais, tais
como os que ocorrem nos transtornos por uso de substâncias, os lapsos
e as recaídas são extremamente prováveis (Marlatt & Donovan, 2009).
Assim, torna-se fundamental a aceitação desse tipo de ocorrência, sem
que isso necessariamente implique em uma falha da técnica ou do pro­
tocolo de tratamento. Reiniciar um acompanhamento psicoterapêuti-
co e/ou farmacoterapêutico pode ser uma estratégia necessária.

Considerações finais

Os transtornos mentais apresentam uma ampla variação no que


diz respeito às características de curso e prognóstico, muitos deles sen­
do crônicos e oscilantes (Beck, 2007). A Prevenção da Recaída como
estratégia psicoterápica foi desenvolvida para lidar com tal característi­
ca, uma vez que visa proporcionar recursos capazes de diminuir a ocor­
rência de retrocessos e recaídas. A aplicabilidade de tais recursos nos
diferentes contextos clínicos torna essa estratégia central no tratamen­
to em terapia cognitiva.
Apesar do modelo da Prevenção da Recaída ter sido desenvolvi­
do inicialmente para o tratamento de problemas relacionados com o
uso do álcool (Marlatt &c Donovan, 2009), diversas técnicas com apli­
cabilidade para outras condições podem ser utilizadas com a finalidade
de prevenir as oscilações características dos diversos transtornos men­
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 259

tais. Tal aplicabilidade reforça a importância de se abordar a estabilida­


de dos ganhos terapêuticos desde o início do processo psicoterápico.
A terapia cognitiva é uma abordagem baseada em evidências, e a
preocupação com a manutenção dos resultados obtidos com a inter­
venção sempre foi uma característica desse modelo (Beck, 2013). Al­
cançar resultados efetivos e duradouros, apesar do perfil de cronicidade
dos transtornos mentais, torna essa abordagem a mais bem estudada e
estruturada das últimas décadas. O desenvolvimento de abordagens de
terceira onda mantém as características de busca de resultados da tera­
pia cognitiva convencional, mas integra diferentes recursos e conceitos
ao processo terapêutico. Tal movimento demonstra que, apesar da teo­
ria cognitiva ter completado mais de cinco décadas de desenvolvimen­
to, continua atualizada e preocupada com a ampliação e a renovação
de seus fundamentos.

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Parte II
As Abordagens
da Terceira Onda

Tk T95 últimos anos, diversas abordagens


1^1 psicoterápicas foram desenvolvidas, muidas
X 11 delas avançando nos conceitos das teorias
argumentativas, características da abordagem
racionalista da terapia cognitivo-comportamental
tradicional. Tais teorías integram uma concepção,
da psicoterapia, chamada de Terceira Onda em
razão do caráter integrador dos seus conceitos
e intervenções. A Parte II abordará algumas das '
principáis teorias pertencentes à Terceira Onda em
psicoterapia, apresentando seus principais conceitos
e diferenciais com relação às terapias de Primeira e
ide Segunda Onda.
W.VM.
Terapia do Esquema

Eliane Mary de Oliveira Falcone

A terapia do esquema é hoje uma das abordagens da terceira onda


com maior projeção. Desenvolvida inicialmente como uma modalidade
de tratamento para transtornos da personalidade, ela expandiu suas
fronteiras para tratar diferentes problemáticas. A terapia do esquema
se diferencia da terapia cognitiva convencional por utilizar um modelo
de desenvolvimento que ajuda a conscientizar o paciente sobre as
origens dos seus problemas a partir de suas relações parentais, de seu
temperamento e de seus estilos de enfrentamento desenvolvidos ao
longo da vida. Ademais, existe uma maior ênfase nas estratégias
emocionais vivenciais. A relação terapêutica é vista como um recurso
de mudança, cam um papel maior do que apenas o de favorecer a
adesão ao tratamento.
W.V.M.

Inicialmente desenvolvida para tratar de indivíduos com trans­


torno de personalidade, depressão e ansiedade recorrentes, a Terapia
do Esquema (TE) tem sido reconhecidamente útil no tratamento de
problemas conjugais difíceis, de transtornos alimentares, de abuso de
substâncias e, ainda, de agressores criminosos (Young, Klosko &
Weishaar, 2003). A eficácia da TE em pacientes borderlines tem sido
amplamente testada e confirmada na Holanda, na Inglaterra e na No-
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 265

ruega (Arntz, Klokman & Sieswerda, 2005; Gude & Hoffart, 2008;
Nadort et al., 2009; Nordahl & Nysaeter, 2005), e correlações signifi­
cativas entre esquemas e modos com transtornos de personalidade têm
sido encontradas (Nordahl & Nysaeter, 2005).
Pesquisas recentes demonstram a aplicabilidade da TE no trata­
mento dos transtornos do humor e da ansiedade e indicam fortes corre­
lações entre esquemas e esses transtornos (Hawke & Provencher, 2011).
Além disso, em estudo que comparou a eficácia da TCC tradicional com
a TE no tratamento de indivíduos com transtorno de estresse pós-trau-
mático, verificou-se a superioridade da segunda, embora ambos os trata­
mentos tenham sido efetivos (Cockram et al., 2010 como citado em
Hawke & Provencher, 2011). Sendo assim, a TE pode também ser útil
no tratamento da depressão e da ansiedade, mesmo que os pacientes não
preencham critérios para transtorno de personalidade.
Em sua fase mais atual, a TE tem sido adaptada ao formato de
terapia de grupo para tratamento de pacientes com transtorno border-
line, sendo este formato descrito por Young (2010 como citado em
Farrell, 2012) como a terceira fase dessa abordagem de tratamento,
com uma perspectiva bastante promissora.
A TE constitui-se originalmente como uma ampliação da Tera­
pia Cognitivo-Comportamental (TCC), em sua forma-padrão, para se
adequar mais facilmente ao tratamento de pacientes difíceis (indivídu­
os resistentes à mudança e/ou que manifestam transtornos de persona­
lidade) (Klosko & Young, 2004). Esses indivíduos possuem mais difi­
culdade para acessar, avaliar e mudar as suas cognições e emoções, para
formar uma aliança terapêutica e para estabelecer um alvo de trata­
mento, em razão de apresentarem problemas vagos, crônicos e difusos
(Young et al., 2003).
A partir das limitações encontradas para tratar indivíduos com
transtorno de personalidade com a TCC-padrão, Young buscou novos
modelos teóricos que dessem conta da maior complexidade envolvida
na problemática desses indivíduos. Assim, a integração de vários mo­
delos de psicoterapia com a TCC, tais como as abordagens: psicodinâ-
266 Terapia do Esquema

mica, de relações objetais e da gestalt, além das contribuições do mo­


delo cognitivo construtivista de personalidade de Guidano e Liotti
(1983), levou à construção de um sistema teórico de tratamento siste­
mático e estruturado que fosse acessível à compreensão do paciente
(Young, 2008; Falcone, 2011). E importante ressaltar que esse sistema
não constitui um ecletismo teórico. Em vez disso, ele reflete uma cons­
trução abrangente, que envolve sistemas cognitivos e emocionais bem
fundamentados empíricamente (Young, 2008).
Como resultado dessa ampliação, a TE se diferencia da TCC-pa-
drâo por utilizar um modelo de desenvolvimento que ajuda a conscienti­
zar o paciente sobre as origens dos seus problemas a partir de suas relações
parentais, de seu temperamento e dos estilos de enfrentamento que desen­
volveu ao longo da vida. Em outras palavras, o paciente compreende que,
para se adaptar à forma tóxica como foi tratado por seus cuidadores na in­
fância (p. ex., rejeição, ausência de afeto, abuso, negligência, superprote-
ção, etc.), ele cria padrões de funcionamento cognitivo, emocional e com-
portamental que irão se repetir ao longo de sua vida. Assim, ele escolherá
situações e relações que confirmem e reforcem esses padrões, o que o leva
a fracassar na busca de seus objetivos e na satisfação de suas necessidades
(Young & Klosko, 1993; Young et al., 2003).
Outro diferencial característico da TE, comparada à TCC tradicio­
nal, refere-se à maior ênfase nas estratégias emocionais vivenciais, especial­
mente na forma de diálogos. A partir da ativação de memórias infantis
significativas, o paciente, com o auxílio do terapeuta e através de imagens
mentais, conecta as suas emoções e sensações corporais a essas memórias,
ligando-as às experiências atuais carregadas dessas mesmas emoções. Após
se tornar consciente de suas memórias de infância, emoções, sensações
corporais, cognições e estilos de enfrentamento, o paciente pode relacioná-
-las aos seus problemas atuais e confrontar os seus esquemas (Young et al.,
2003) (Para maiores informações, ver Capítulo 6).
A relação terapêutica também é considerada como um ingre­
diente ativo de mudança que vai além de um recurso favorecedor da
adesão ao tratamento. Essa característica representa um importante di­
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 267

ferencial da TE em relação à TCC-padrâo, na medida em que o tera­


peuta assume o papel do cuidador que irá atender as necessidades
emocionais não atingidas do paciente. Agindo como um pai ou mãe
saudável, que irá oferecer atenção, afeto, apoio, aceitação, limites, etc.,
o clínico favorece o que é referido como reparação parental (Young et
al„ 2003). A reparação parental pode se manifestar de diferentes ma­
neiras, como, por exemplo, quando o terapeuta entra na imagem rea­
lizada pelo paciente para ser o adulto saudável que irá protegê-lo dos
abusos de seus cuidadores, proporcionando apoio emocional ou, nas
sessões terapêuticas, apontando limites e aumentando a autoconsciên-
cia do paciente. Através da reparação parental, o paciente pode modi­
ficar o seu funcionamento interpessoal guiado pelos seus esquemas e
reforçados pelos estilos de enfrentamento (Falcone, 2011; Gluhosky
& Young, 1997; Young et al., 2003).
Finalmente, outro diferencial da TE refere-se ao seu foco nos as­
pectos crônicos e de personalidade, em vez de centrar-se nos sintomas
agudos. Através do fortalecimento da parte adulta do paciente, que
está inibida pela ação dos esquemas, a TE propõe-se a mudar traços de
personalidade, em vez de apenas desenvolver habilidades específicas de
enfrentamento (Falcone, 2011; Young et al., 2003). Embora a TCC-
-padrão seja reconhecidamente eficaz no tratamento da maioria dos
transtornos de humor e de ansiedade, verificou-se em um estudo de
Rusinek et al., 2004 (conforme citado em Hawke & Provencher,
2011), que esta não promoveu mudanças nos esquemas de pacientes
com transtorno de pânico e agorafobia. Esses resultados confirmam a
proposição de que os esquemas são resistentes à mudança (Young et
al., 2003) e que provavelmente constituem fatores de vulnerabilidade
para os transtornos de humor e de ansiedade (Hawke & Provencher,
2011). Desse modo, a TE pode ser a intervenção de escolha para os
transtornos de ansiedade e de humor, assim como um recurso comple­
mentar à TCC-padrâo no tratamento desses transtornos. Neste capí­
tulo serão apresentados os fundamentos teóricos e empíricos que em-
basam a TE, assim como o seu modelo conceituai.
268 Terapia do Esquema

Personalidade: hereditariedade e ambiente

Como mencionado anteriormente, a TE trata dos traços de perso­


nalidade, referidos como esquemas, e considera que esses traços, para o
seu desenvolvimento, possuem uma base herdada (temperamento) im­
portante (Young et al., 2003). Assim, compreender como se articulam o
temperamento, os padrões parentais e as experiências infantis na estru­
turação da personalidade facilita o trabalho do terapeuta, principalmen­
te na fase de avaliação da TE (Falcone, 2011; Young et al., 2003).
A personalidade é compreendida como um conjunto de caracte­
rísticas ou qualidades específicas de uma pessoa que são relativamente
estáveis ao longo do tempo e que determinam os pensamentos, senti­
mentos e ações em diferentes contextos (Gazzaniga & Heatherton,
2005; Gerring & Zimbardo, 2005; Pervin & John, 2004). No passado,
as explicações sobre como essas características são formadas gerou muita
polêmica, protagonizada por teorias rivais que enfatizavam ou o papel
do ambiente ou o da biologia.
O confronto entre hereditariedade e ambiente envolveu não ape­
nas questões científicas como também questões políticas e sociais, que
continuam até hoje. Durante as décadas de 1930 e 1940, identificou-se
uma tendência a explicar a origem da personalidade a partir da herança
genética. Tal tendência despertou um interesse para melhorar a espécie
humana através de acasalamento seletivo. Essa visão se tornou extrema­
mente impopular por ficar associada às idéias da Alemanha nazista. A
partir da década de 1950, havia praticamente um consenso de que a bio­
logia era supérflua em explicar as diferenças da personalidade humana.
Assim, o pensamento de que a experiência era fundamental nessa expli­
cação tornou-se um dogma (Pervin & John, 2004).
Contribuições das perspectivas evolutivas, da genética do com­
portamento, da psicologia do desenvolvimento e das neurociências, re­
forçadas por um corpo robusto de pesquisas, permitem reconhecer
atualmente a influência dos fatores genéticos e ambientais, bem como
a articulação entre esses fatores, na estruturação da personalidade.
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 269

Uma revisão de estudos realizada por Gazzaniga & Heatherton (2005),


ressaltando a participação genética na formação da personalidade, in­
clui: a) o exame das semelhanças de uma variedade de traços de perso­
nalidade entre mais de 800 pares de gêmeos indicou que os gêmeos
monozigóticos são muito mais semelhantes do que os dizigóticos; b)
outros estudos com gêmeos revelaram que a influência genética é res­
ponsável por 40% dos traços de personalidade, a partir da avaliação
dos próprios gêmeos, da família, dos amigos ou de observadores trei­
nados; c) gêmeos criados separados são tão semelhantes ou mais do
que gêmeos criados juntos; d) irmãos adotados (não relacionados bio­
logicamente) e criados na mesma família não são mais semelhantes em
personalidade do que dois desconhecidos escolhidos aleatoriamente na
rua; e) as personalidades de crianças adotadas não se relacionam com
as dos pais adotivos.
Por outro lado, uma revisão de Feshbach e Weiner (1991) sugere
que o comportamento dos pais exerce influência sobre as característi­
cas de recém-nascidos a ponto de modificar padrões iniciais de com­
portamento dos mesmos, conforme apontam os resultados a seguir: a)
embora os bebês considerados difíceis (choros frequentes e longos, flu­
tuações no estado emocional, resistência às tentativas de consolo e aca­
lanto, etc.) sejam mais propensos a desenvolver distúrbios de compor­
tamentos mais tarde, foi identificada uma fraca relação entre distúrbios
nos anos iniciais e psicopatologias subsequentes; b) a resposta parental
ao comportamento da criança, os valores e influências da cultura e as
experiências particulares das crianças com os pares e em outros contex­
tos poderão inibir ou favorecer problemas de comportamento no futu­
ro; c) as características de uma criança podem influenciar o seu am­
biente (uma criança difícil irá evocar respostas nos seus cuidadores di­
ferentes daquelas evocadas por uma criança de temperamento mais
calmo); d) um padrão materno consistente de comportamento caloro­
so e paciente poderá, após um tempo, prover mudanças positivas de
resposta emocional da criança, a qual, posteriormente, pode reforçar o
comportamento materno; e) respostas ambivalentes de uma mãe que
270 Terapia do Esquema

oscila entre excessiva proteção e rejeição poderão exacerbar os compor­


tamentos difíceis da criança, a qual, por sua vez, intensificará a ambi­
valencia da mãe.
Os dados apresentados sugerem que os fatores genéticos são
fundamentais na formação da personalidade e que o ambiente pode
manter, reduzir ou intensificar o temperamento. Para avaliar a con­
tribuição da hereditariedade e do ambiente na formação da persona­
lidade, os geneticistas do comportamento consideram dois tipos de
ambientes: os ambientes compartilhados (convivência com os ir­
mãos, como resultado de crescer dentro da mesma família) e os am­
bientes não compartilhados (convivência com colegas na escola e ou­
tros ambientes fora da família, ou padrões parentais diferentes de
cada pai/mãe com cada filho). As experiências únicas que os irmãos
têm dentro e fora da família parecem ser muito mais importantes
para o desenvolvimento da personalidade do que as experiências
compartilhadas (Pervin & John, 2004).
Conforme indicam alguns estudos mencionados anteriormente,
o modo como os pais tratam cada filho depende dos diferentes com­
portamentos evocados por cada criança e pelas características pessoais
desses pais. As experiências familiares são importantes, assim como
aquelas que ocorrem fora da família. Porém o mais importante corres­
ponde às experiências que são únicas para cada criança, em vez daque­
las compartilhadas pelas crianças da mesma família.
Os estudos de Dunn e Ploming (1990, como citado em Pervin &
John, 2004) propõem que os íàtores genéticos contribuem com 40% na for­
mação da personalidade Os efeitos de ambientes não compartilhados partici­
pam com 35% e os de ambientes compartilhados com 5%. Assim, gene e
ambiente estão sempre interagindo entre si. Pervin & John (2004) apresentam
três tipos de interações entre hereditariedade e ambiente, descritas a seguir:
Ia) A mesma experiência ambiental pode ter diferentes efeitos
em indivíduos com diferentes constituições genéticas. Um pai ansioso,
por exemplo, pode provocar reações diferentes nos filhos, em uma
criança irritável e em outra calma. Um pai crítico e rejeitador poderá
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 271

contribuir mais para a baixa autoestima de uma criança de tempera­


mento tímido do que de uma criança extrovertida e comunicativa.
2a) Indivíduos com diferentes constituições genéticas podem
evocar diferentes respostas do ambiente. Assim, uma criança calma e
independente poderá evocar nos pais menos atenção do que o seu ir­
mão dependente que busca atenção e afeto.
3a) Indivíduos com diferentes constituições genéticas selecionam
e criam ambientes diferentes. Por exemplo, indivíduos extrovertidos
buscam mais contatos sociais e podem ter mais chances de viver expe­
riências sociais corretivas com colegas de escola e professores quando
os pais são pouco afetivos; indivíduos atléticos, talentosos em música,
etc. podem criar ambientes que propiciam mais reforços positivos do
que aqueles desprovidos desses talentos.

Em síntese, o desenvolvimento da personalidade é sempre função


da interação entre gene e ambientes. Não existe hereditariedade sem a
criação, assim como a criação é influenciada pela hereditariedade. As duas
nunca operam de forma independente (Pervin & John, 2004).
O modelo conceituai da TE apresenta-se de forma congruente
com os estudos citados anteriormente. De acordo com Young et al.
(2003), o temperamento emocional de uma criança (p. ex., ansioso versus
calmo, tímido versus sociável, distímico versus otimista, agressivo versus
passivo, etc.) terá importante influência sobre as suas circunstâncias de
vida. Assim é que uma criança agressiva, por exemplo, tenderá a evocar
mais comportamentos abusivos por parte de seus cuidadores do que
uma criança passiva. Do mesmo modo, diante do mesmo tratamento
dado pelos pais (p. ex., rejeição), dois irmãos tenderão a responder de
forma diferente, tal como mencionado anteriormente.
Entretanto, experiências ambientais precoces extremamente favorá­
veis ou adversas podem alterar o temperamento emocional. Uma criança
sociável poderá se sentir retraída frente a um ambiente rejeitador, do mes­
mo modo que uma criança tímida poderá se tomar mais sociável diante de
um ambiente familiar amoroso e acolhedor (Young et al., 2003).
272 Terapia do Esquema

Em revisão de estudos realizada por Genderen, Rijkeboer e


Arntz (2012), verificou-se que o desenvolvimento da personalidade
patológica costuma estar ligado a eventos traumáticos tais como vio­
lência ou abuso. Porém padrões frequentes de reações negativas ou ina­
dequadas dirigidas a uma criança podem igualmente levar ao desen­
volvimento de patologia. Neste sentido, os padrões parentais de intera­
ção exercem forte influência na formação da personalidade saudável
ou patológica em fases precoces do desenvolvimento.

Estilos de apego e esquemas interpessoais

A teoria do apego, formulada inicialmente por Bowlby (1984),


tem sido utilizada e adaptada por muitos autores contemporâneos para
compreender a estruturação da personalidade a partir dos vínculos afe­
tivos. Na clínica, ela tem servido para explicar as várias formas desa-
daptativas de interação (Abreu, 2005; Safran, 2002) e constitui uma
importante base de construção do modelo de esquemas proposto por
Young (Genderen et al., 2012; Young et al., 2003).
Ao tentar compreender o instinto dentro de uma perspectiva
científica, Bowlby encontrou na etologia as bases para as suas elabora­
ções e investigações empíricas sobre os vínculos afetivos, bem como
sobre os efeitos do rompimento desses vínculos (Bowlby, 2001). Tais
bases incluem: a) os vínculos diferem de uma espécie para outra, sendo
os mais comuns aqueles que existem entre os pais e sua prole, como
também entre adultos de sexos opostos; b) nos mamíferos, incluindo
os primatas, o primeiro e mais persistente dos vínculos ocorre entre a
mãe e seu filho pequeno, o qual persistirá até a idade adulta; c) qual­
quer tentativa de terceiros para separar um par vinculado encontrará
resistência vigorosa, que inclui o ataque ao intruso, enquanto o mais
fraco tentará fugir. O comportamento agressivo expresso pelo afugen-
tamento de intrusos ou pela punição de um parceiro errante (esposa,
marido ou filho) pode assumir posteriormente uma forma patológica;
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 273

d) as emoções humanas mais intensas surgem durante a formação, a


manutenção, o rompimento ou a renovação de vínculos emocionais;
e) a fonção primária da vinculação não é a alimentação e nem a satis­
fação sexual, mas sim a proteção contra predadores, que é tão impor­
tante quanto a nutrição ou a reprodução para a sobrevivência de uma
população; f) a capacidade de um indivíduo para estabelecer vínculos afe­
tivos de um tipo adequado a cada fase do cido vital de sua espécie é tão
importante quanto a de ver, ouvir, comer e digerir, no sentido de garantir
a sobrevivência (Bowlby, 2001).
Quando uma criança possui vinculação saudável com sua mãe (a mãe
está presente ou seu paradeiro é conhecido e esta se encontra disponível para
um jogo amistoso), ela deixa de apresentar comportamento de ligação e pre­
fere explorar o seu meio ambiente. Isso significa que a mãe é fornecedora de
uma base segura para a criança, a qual irá fazer as suas explorações e depois
regressar, quando estiver cansada ou assustada. Tal padrão de comportamen­
to caracterizado por períodos cada vez maiores de afastamento dos entes
queridos, com posterior regresso, irá perdurar pelo resto da vida. Assim, o
modo como os pais lidam com os seus filhos influenciam fortemente na for­
ma como estes irão se vincular no futuro (Bowlby, 1984, 2001).
O estilo de apego começa a se desenvolver nos primeiros estágios
da vida através de interações com os cuidadores. A partir dessas expe­
riências interpessoais, a criança desenvolve expectativas sobre a dispo­
nibilidade de seus cuidadores, que basearão a construção de modelos
internos de funcionamento. Quando as experiências levam à expectati­
va de que os cuidadores serão amáveis e responsivos, a criança adquire
um modelo de eu que indica que ela é amada e valorizada, e um mo­
delo do outro como caloroso e amoroso. Nesse caso, ela desenvolverá
um estilo de apego seguro. Se, por outro lado, as experiências da crian­
ça geram expectativas de que os cuidadores são rejeitadores e não con­
fiáveis ou disponíveis, ela construirá um modelo de eu como não ama­
da e rejeitada, e um modelo do outro como não afetuoso e rejeitador.
Nesse caso, a criança estará propensa a desenvolver um estilo de apego
inseguro (Muris, Meesters, Morren & Moorman, 2004).
274 Terapia do Esquema

A construção de um modelo internalizado de relação com os ou­


tros é considerada normal e adaptativa na medida em que, a partir de
experiências precoces de apego, a pessoa ganha informações importan­
tes, sobre si mesma e sobre os outros, além de desenvolver capacidades
para regular as próprias experiências internas e padrões de comporta­
mento para manter a proximidade dos outros. Além disso, a aprendi­
zagem precoce é mutável a partir de experiências posteriores. Por outro
lado ela pode modelar a percepção de novos eventos e relacionamen­
tos, persistindo na vida adulta, mesmo diante de experiências correti­
vas (Critchfield, Levy, Clarkin & Kernberg, 2008).
Problemas na vinculação decorrentes de ausência de oportunida­
de para o estabelecimento de vínculos afetivos ou por rupturas repeti­
das e/ou prolongadas de vínculos previamente estabelecidos consti­
tuem a origem de perturbações emocionais, as quais podem perdurar
por toda a vida. Estudos empíricos têm relacionado uma elevada inci­
dência de vínculos afetivos desfeitos a transtornos de personalidade,
comportamento suicida e depressão (Bowlby, 1984, 2001).
Bowlby (2001) relaciona alguns padrões disfuncionais de paren-
talidade responsáveis por problemas de vinculação. São eles: a) não
atendimento às necessidades de cuidados da criança e/ou depreciação e
rejeição marcantes; b) descontinuidade da parentalidade, incluindo pe­
ríodos em hospital ou instituição; c) tentativa de controle, da parte dos
pais, por meio de ameaças de deixar de amar a criança; d) ameaça de
abandono do lar por parte de um dos cônjuges; e) ameaças de agressão
física ou de tentativa de suicídio por parte de um dos cônjuges; f) in­
dução de culpa à criança pela doença e morte de um dos pais.
Os padrões disfuncionais de relação parental promovem ansieda­
de, raiva e ressentimento na criança, além da inibição de expressão das
emoções. As formas patológicas de vinculação resultantes desses padrões
parentais incluem: a) a ligação ansiosa, caracterizada por uma forma exa­
gerada de buscar amor e apoio que, em níveis extremos, se expressam
através de tentativas de suicídio, sintomas de conversão, anorexia nervo­
sa, hipocondría, etc.; b) a autoconfiança compulsiva, na qual, em vez de
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 275

buscar o amor e o cuidado dos outros, a pessoa procura fazer tudo por si
mesma, mesmo nas condições mais difíceis; c) a solicitude compulsiva,
caracterizada por uma tendência a desempenhar o papel de cuidador e
de evitar ser cuidado. Em todas essas manifestações, os sentimentos de
ansiedade, de tristeza e de raiva estão presentes (Bowlby, 2001).
Embora fundamentada nas orientações psicodinâmica e de de­
senvolvimento, a teoria do apego foi conceitualizada em termos cogni­
tivos, baseados na teoria do processamento da informação. De acordo
com essa perspectiva, as experiências precoces com os cuidadores for­
mam estruturas cognitivas subjacentes, as quais codificam representa­
ções do eu e do outro e moldam as experiências e emoções posteriores
ao longo da vida (Edwards 6c Arntz, 2012).
Algumas formulações derivadas da teoria do processamento da in­
formação têm explicado como os estilos de apego podem se desenvolver
com o propósito de manter a relação com o outro e de garantir a sobrevi­
vência. Bretherton & Munholland (1999) propõem que esses modelos in­
ternos de funcionamento atuam como mapas cognitivos e emocionais que
orientam a percepção, a interpretação e o comportamento das pessoas nos
diferentes contextos interacionais, podendo refletir o padrão de interação
experienciado com as figuras de apego, integrando modelos de si mesmo e
dos outros. Tais modelos são conceituados em termos de esquemas.
Esquemas são referidos como “estruturas cognitivas que servem
como base para classificar, categorizar e interpretar as experiências”
(Pretzer & Beck, 2004, 271). Os esquemas consistem de percepções,
emoções e ações, bem como de significados que são atribuídos a estas.
Funcionam como filtros através dos quais as pessoas ordenam, inter­
pretam e predizem o mundo. Desde os primeiros anos de vida, as ex­
periências são salvas em nível não verbal em nossa memória autobio­
gráfica por meio dos esquemas (Genderen et al., 2012).
Safran (2002) sugere que os modelos internos de funcionamen­
to podem ser conceituados como um esquema interpessoal, o qual é
baseado nas figuras de apego e permite que o indivíduo prognostique
interações de modo a aumentar a probabilidade de manter a relação
276 Terapia do Esquema

com essas figuras. Assim, “esse tipo de esquema constitui uma repre­
sentação generalizada de relacionamentos do eu com o outro, de natu­
reza intrínsecamente interacional” (Safran, 2002, 75).
Os esquemas interpessoais se desenvolvem de forma saudável e
adaptativa quando o ambiente social é favorável às necessidades da
criança, ou seja, quando os cuidadores são atenciosos, carinhosos e res­
ponsivos. Entretanto, eles se tornam disfuncionais quando essas rela­
ções são emocionalmente frias, imprevisíveis, hostis ou abusivas. Nes­
sas condições, os indivíduos podem desenvolver problemas com a re­
gulação do afeto através de um padrão interacional retraído e de um
autocontrole ou exagerado ou insuficiente (Edwards & Arntz, 2012).
Os esquemas interpessoais moldam estratégias que são utilizadas
para facilitar a previsão de interações com figuras de apego e manter a
relação interpessoal. Embora essas estratégias tenham sido historica­
mente adaptativas para o bebê, elas podem não ser adequadas para o
contexto presente (Safran, 2002). Assim, uma criança que é frequente­
mente criticada e/ou punida na sua infância, poderá desenvolver estra­
tégias de interação tais como agir de forma subserviente e excessiva­
mente obediente para prevenir rejeição ou punição. Tais padrões po­
dem ser adaptativos para o seu contexto familiar (uma vez que poderão
realmente evitar punições e maus-tratos), mas trarão problemas mais
tarde, quando, ao se tornar adulta, essa pessoa passar a repeti-los, com
medo de ser rejeitada e punida.
Conforme propõe Abreu (2005), as estratégias também provocam
respostas do ambiente que confirmam e sustentam a sua adaptação anterior,
ignorando as evidências não confirmatorias. O autor utiliza como exemplo
o de crianças com apego inseguro que “não apenas esperam a rejeição dos
outros (rejeitando-os antecipadamente), mas são realmente rejeitadas por
eles, por agirem de maneira não muito amistosa, pois são naturalmente mais
refratárias” (Abreu, 2005, 105). Dessa forma, através da profecia autoconfir-
matória, as estratégias mal-adaptadas de interação se fortalecem ao longo da
vida, provocando aquilo que o indivíduo deseja evitar (Abreu, 2005) e refor­
çando um ciclo cognitivo-interpessoal disfuncional.
Estratégias Psicoterápícas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 277

Safran (2002) confirma as proposições descritas anteriormente pos­


tulando que “os padrões interacionais desadaptativos de uma pessoa persis­
tem porque são baseados em modelos de relacionamentos interpessoais que
são consistentemente confirmados pelas consequências interpessoais de seu
comportamento”. O indivíduo psicologicamente perturbado tem expecta­
tivas negativas e rígidas sobre as características da outra pessoa, assim como
sobre a maneira como deve se comportar para manter a relação interpes­
soal. Tais expectativas são orientadas por seus esquemas interpessoais, os
quais restringem os seus comportamentos (Safran, 2002).

O modelo conceituai da terapia do esquema

Conforme demonstrado anteriormente, o modelo de personali­


dade e psicopatologia proposto por Young et al. (2003) é fortemente
baseado na teoria do apego de Bowlby (1984), como também conside­
ra os estudos contemporâneos da estruturação da personalidade (Per-
vin & John, 2004). De acordo com esse modelo os esquemas desadap­
tativos se desenvolvem em idade precoce como resultado de uma com­
binação de fatores tais como o temperamento da criança, os padrões
parentais e as experiências negativas repetidas ou traumáticas. Em ou­
tras palavras, os modelos internos de funcionamento (Bowlby, 1984)
são compreendidos, em sua patologia, como esquemas desadaptativos
remotos (EDR) (Young et al., 2003).
Os indivíduos são programados, desde o nascimento, a ter neces­
sidades emocionais satisfeitas (vínculos seguros, base estável, previsibili­
dade, amor, carinho, atenção, aceitação, elogio, empatia e limites realis­
tas) para se desenvolver e para manter as relações com os outros de for­
ma saudável. Necessidades emocionais frustradas de forma consistente e/
ou traumática (padrões parentais erráticos ou disfuncionais) podem le­
var à construção de EDR, os quais representam formas autoderrotistas
de funcionamento interpessoal (Falcone, 2011; Genderen et al., 2012;
Young et al., 2003).
278 Terapia do Esquema

Um EDR reúne um conjunto de memórias, emoções, sensações


corporais e cognições relacionados a um tema de infância como abando­
no, abuso, negligência ou rejeição. As memórias conscientes de situações
traumáticas são estabelecidas por um sistema que envolve o hipocampo
e áreas corticais relacionadas, enquanto as memórias inconscientes ope­
ram por um sistema baseado nas amigdalas (Young et al., 2003).
Diante de estímulos semelhantes àqueles reminiscentes da infân­
cia, o indivíduo irá experimentar emoções e sensações corporais asso­
ciadas às experiências infantis, as quais são ativadas inconscientemente
pelo sistema da amígdala. Muitos esquemas se desenvolvem na fase
pré-verbal, quando a criança armazena apenas memórias, emoções e
sensações corporais. Componentes cognitivos de um esquema surgem
depois que as emoções e as sensações corporais já estão armazenadas
na amígdala. Assim sendo, os EDR encontram-se geralmente fora da
consciência, embora se tornem acessíveis com a ajuda da psicoterapia
(Genderen et al., 2012; Young et al., 2003).
Apesar de construídos na infância, objetivando à adaptação a si­
tuações interpessoais negativas com os cuidadores, os EDR assumem
um caráter desadaptativo na vida adulta, conforme mencionado ante­
riormente (Safran, 2002). Produzem emoções intensas, além de soma-
tizações e comportamentos autodestrutivos e impedem que o indiví­
duo atinja as suas necessidades básicas de autodeterminação, indepen­
dência, relação interpessoal, validação, espontaneidade e limites realis­
tas (Gluhoski & Young, 1997). Quanto mais patológico é o padrão
interpessoal de uma pessoa e mais severas são as suas experiências trau­
máticas, mais rígidos serão os EDR e mais problemas o indivíduo irá
experimentar em sua vida (Genderen et al., 2012).

Os esquemas e os seus temas subjacentes

Young et al. (2003) apresentam 18 esquemas, os quais estão pre­


sentes na versão original do Questionário de Esquemas de Young
(QEY-L2; Young & Brown, 1990). Estudos recentes incluem o esque-
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 279

ma de Indesejabilidade Social (Social Undesirability) (Genderen et al.,


2012). O Quadro 1 apresenta os 19 EDR com os seus temas subjacen­
tes de sofrimento que motivam a busca de terapia (Genderen et al.,
2012; Young et al., 2003), bem como as suas necessidades emocionais
centrais não atendidas (Lockwood & Perris, 2012).

Quadro 9.1 Os EDR, suas necessidades emocionais centrais (NEC) não


atendidas, seus temas subjacentes e sentimentos relacionados
EDR NEC- não atendidas Temas subjacentes Sentimentos
Privação Acolhimento, afeição, empatia, Expectativas de jamais atingir Isolamento e soli­
Emocional proteção, orientação, compartilha­ necessidades de apoio, cuida­ dão.
mento de experiência pessoal do, empatia e proteção.
Abandono/ Figuras de apego emocional es­ Expectativas de ser abando­ Mágoa, ansiedade
Instabilidade táveis nado por significantes. Os e raiva
outros são imprevisíveis e
não disponíveis
Desconfiança/ Honestidade, confiabilidade, lealda­ Expectativas de ser humi­ Estado de alarme,
Abuso de e ausência de abuso lhado, prejudicado ou abu­ ansiedade, raiva
sado
Isolamento Inclusão e aceitação por uma co­ Crenças de estar de fora do Ansiedade
social/Alienaçao munidade que compartilhe inte­ grupo
resses e valores
Defectividade/ Aceitação e amor incondicionais, Crença de ser defeituoso, Vergonha e ansie­
Vergonha ausência de crítica e/ou de rejei­ mau e indigno/inferior dade
ção. Encorajamento para compar­
tilhar dúvidas e sentimentos, em
vez de escondê-los
Indesejabilidade *** Crença de ser não atraente Ansiedade
social fisicamente, incapaz social­
mente, tolo e chato
Fracasso Apoio e orientação no desenvol­ Senso de ser incapaz de de­ Sentimento de ser
vimento de competências e na sempenhar bem em relação estúpido e medío­
escolha de áreas de conquista aos pares cre
Dependência/ Apoio e orientação no confronto Incapacidade de funcionar Ansiedade e ten­
Incompetência com desafios diários, tomadas de de forma autônoma como são
decisão, sem ajuda excessiva tomar decisões
Vulnerabilidade Modelo que equilibra preocupa­ Expectativas de ser devas­ Ansiedade
a danos/doenças ções razoáveis com enfrentamen- tado por catástrofes, bem
to de riscos, sem preocupação ou como os parentes e de ser
superproteção indevidas incapaz de prevenir
Emaranhamento/5e// Promoção e aceitação de uma Envolvimento e proximida­ Ansiedade
subdesenvolvido identidade separada e de direção de excessivos com signifi­
na vida. Respeito aos limites pes­ cantes; incapacidade para
soais desenvolver a própria iden­
tidade
continua
280 Terapia do Esquema

Quadro 9.1 Continuação


Subjugação Liberdade de expressão das ne­ Submissão aos outros por Ansiedade, raiva
cessidades, sentimentos e opini­ medo de conflito e punição
ões nas relações, sem medo de
punição ou rejeição
Autossacrifício Equilíbrio na importância das ne­ Foco excessivo nas necessi­ Culpa, raiva
cessidades de cada pessoa, sem dades dos outros para evitar
uso da culpa como controle da a culpa
expressão e da consideração com
os outros
Busca de *** Busca excessiva de atenção, Ansiedade
aprovação reconhecimento e aprovação
Inibição Figuras significantes que estimu­ Expectativa de que a ex­ Inibição de emo-
emocional lem e ajam com espontaneidade, pressão de sentimentos e a ções/racionalida-
que falem de sentimentos e enco­ espontaneidade leva a em­ de excessiva
rajem expressões de emoções baraço e retaliação
Padrões Orientação apropriada no desen­ Busca excessiva de perfeição, Ansiedade
inflexíveis/ volvimento de padrões e ideais, hipercrítico com os outros e
crítica exagerada assim como equilíbrio nas metas consigo, abandono do lazer
e no desempenho; valorização em prol das obrigações
de saúde, intimidade, lazer, as­
sim como o perdão frente aos
erros e imperfeições
Negativismo/ *** Foco excessivo nos aspec­ Ansiedade e esta­
pessimismo tos negativos da vida, igno­ do de alerta
rando os positivos
Postura punitiva *** Expectativas de que os erros Irritabilidade
devem ser punidos. Agressivida­
de, intolerância, impaciência.
Merecimento/ Orientação e limite empático Crença de ser superior e de Raiva
arrogo para o aprendizado da empatia ter mais direitos do que os
com a perspectiva, direitos e ne­ outros
cessidades dos outros, bem co­
mo do respeito a igualdade
Autocontrole/ Orientação e limite empático Intolerância a frustração e Raiva
Autodisciplina com relação às competências di­ incapacidade para controlar
insuficientes árias de rotina, responsabilida­ impulsos
des e metas de longo prazo. Limi­
tes frente a expressões descon­
troladas de emoções ou de im­
pulsividade
" Necessidades ainda em estudo (Lockwood & Perris, 2012).

Estratégias para evitar o sofrimento do


esquema: os estilos de enfrentamento
Uma vez que a ativação de um esquema é dolorosa, o indivíduo
tenderá a evitar ou desconsiderar as situações que poderiam corrigir o
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 281

EDR, ou também procurar pessoas que irão confirmá-lo. Dessa forma,


os padrões ou estratégias aprendidos na infância para a obtenção de
necessidades não atendidas se repetirão ao longo da vida, mantendo os
esquemas fortalecidos e a frustração das necessidades. Tais estratégias
são chamadas no modelo de Young (Young et al., 2003) de estilos de
enfrentamento, quais sejam: Resignação, Evitação e Supercompensação.
Embora esses estilos de enfrentamento produzam alívio em curto pra­
zo (p. ex., evitar relacionamentos amorosos para não sofrer o abando­
no), eles criam e/ou mantêm as dificuldades inerentes aos esquemas
(p. ex., manter uma vida solitária para evitar perdas e confirmar o
abandono). Deve-se considerar que os estilos de enfrentamento consti­
tuem uma manifestação automática ou não consciente frente a uma
ameaça correspondente às reações evolutivas de alarme (lutar, fugir ou
congelar) (Young et al., 2003) e não a uma escolha consciente. No en­
tanto, eles podem ser identificados em terapia nos comportamentos e
nas cognições do paciente (Genderen et al., 2012).
Genderen et al. (2012) apontam cada estilo de enfrentamento
em termos comportamentais, cognitivos e afetivos, tal como represen­
tado no Quadro 9.2.

Quadro 9.2 Manifestações cognitivas, afetivas e comportamentais dos


estilos de enfrentamento
Estilos de
Comportamento Pensamentos Sentimentos
enfrentamento
Resignação ao esquema Repetir os padrões intera- Processamento seletivo, vendo A dor emocional do
(Entregar-se ao esquema e cionais da infância, esco­ as informações que confirmam esquema é sentida
adaptar-se a ele) lhendo pessoas semelhan­ o esquema e ignorando as que diretamente
tes aos seus cuidadores desconfirmam
Evitação do esquema Evitação ativa e passiva de Negação de eventos ou de Encobrir ou negar
(Esquiva de atividades que dis­ situações disparadoras do memórias, despersonalização sentimentos
param o esquema, impedindo esquema ou dissociação
experiências corretivas)
Supercompensação Comportar-se de forma opo­ Os pensamentos são oposito­ Mascarar sentimen­
do esquema sitora ao esquema (geral­ res ao esquema; negação do tos desconfortáveis
(Ações opostas ao tema central mente exagerada) esquema relacionados ao es­
do esquema para não ser atin­ quema (p. ex., arro­
gido por ele; superestimativa gância .para escon­
da influência do esquema; ati­ der sentimento de
tude excessivamente assertiva, inferioridade)
agressiva ou independente)
282 Terapia do Esquema

A identificação de cada estilo de enfrentamento adotado pelo


paciente facilita a compreensão de como ele tem lidado com as suas
dificuldades. Além disso, pode encurtar o caminho para conhecer os
esquemas (Young et al., 2003). Embora seja mais provável que um
paciente possua apenas um estilo de enfrentamento dominante, este
poderá, ao longo do tempo, adotar outros estilos (Genderen et al.,
2012). Tomando como exemplo o esquema de autossacrifício, obser­
va-se que um foco excessivo na necessidade do outro ao preço de pri­
vações pessoais (resignação) tende a ser o estilo dominante em indi­
víduos com esse esquema. Isso ocorre porque o indivíduo dimensio­
na em excesso a fragilidade das outras pessoas, vendo a si mesmo
como alguém mais forte e capaz de lidar com as frustrações. Além
disso, essa é uma forma de evitar a culpa por não proteger a outra
pessoa (Young et al., 2003). Entretanto, esse padrão leva à exaustão e
à frustração pela não obtenção da recíproca (muitas vezes é o próprio
paciente que impede as chances de recíproca). Tal consequência pode
favorecer um curto período de tempo em que o indivíduo passa a su-
percompensar, agindo de forma agressiva ou hostil, desconsiderando
a outra pessoa (Genderen et al., 2012).
Young et al. (2003) apresentam os três tipos de estilos de enfren­
tamento relacionados a cada esquema. Por exemplo, um indivíduo
com esquema de abandono poderá escolher pares inconstantes, que
não poderão manter relações duradouras (resignação); ele poderá tam­
bém recusar convites para encontros amorosos, temendo se envolver e
sofrer o abandono, ou pode romper as relações românticas, caso come­
ce a se sentir mais envolvido (evitação). Finalmente, também poderá
supercompensar, sufocando o seu par com crises de ciúmes e impondo
uma intimidade desproporcional ao contexto (para uma revisão mais
detalhada, ver Young et al., 2003). Algumas categorias de evitação e de
supercompensação são apresentadas por Young (2007) as quais se en­
contram no Quadro 9-3-
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 283

Quadro 9.3 Categorias de estilos de enfrentamento (evitação e super-


compensação) propostos por Young (2007)
Tipos de Evitação | Tipos de Supercompensação (contra-ataque)
Isolamento social, autonomia excessiva: enfrentamento Agressão, hostilidade: contra-ataca desafiando,
através de isolamento, desconexão e afastamento sendo abusivo, culpando, atacando ou criticando
social; enfoque exagerado na independência em vez os outros.
do envolvimento com os outros; busca de atividades
privadas (TV, leitura, computador, trabalho solitário). Domínio, autoafirmaçõo excessiva: controla os
outros através de meios diretos para atingir.
Busca compulsiva de estimulação: busca agitação
fazendo compras compulsivamente, envolvendo- Busca de reconhecimento ou status: supercompensa
se em atividades sexuais, jogando jogos de azar, através do esforço para impressionar, alta conquista,
assumindo riscos através de atividade física, novi­ status, busca de atenção, etc.
dades, etc.
Manipulação, exploração: Satisfaz as próprias ne­
Vício na autotranqüilização: evita através de vícios cessidades através da manipulação, sedução, deso­
envolvendo o corpo (bebidas alcoólicas, drogas, co­ nestidade ou enganação dissimulada.
mer demais, masturbação excessiva, etc.).
Agressão passiva, rebeldia: mostra-se complacente
Afastamento psicológico: enfrenta através de disso­ e ao mesmo tempo pune ou se rebela secretamente,
ciação, entorpecimento, negação, fantasia ou outras procrastinando, amuando-se, "dando facada pelas
formas internas de evitação psicológica. costas", atrasando-se, queixando-se, rebelando-se,
não agindo, etc.

Ordenação excessiva, obsessão: ordenação rigo­


rosa, forte autocontrole ou previsibilidade, atra­
vés de organização e planejamento, aderência
excessiva à rotina. Gasta tempo encontrando a
melhor maneira de realizar tarefas ou evitar re­
sultados negativos.

Os modos de esquema
O conceito de modos de esquema no modelo de Young surgiu
mais tarde, a partir de dificuldades encontradas no tratamento de pa­
cientes borderline e narcisistas (Young et al., 2003). Os indivíduos bor-
derlines apresentam-se com muitos esquemas, o que dificulta a identifi­
cação daqueles mais relevantes para tratamento. Além disso, eles mudam
de humor com uma frequência muito alta. Em um momento estão tris­
tes, depois furiosos e ainda podem se apresentar de forma distante, como
se estivessem alheios à situação do momento. Nessas circunstâncias, o
modelo do esquema não é um recurso suficiente para compreender essas
mudanças bruscas e atuar sobre elas (Young et al., 2003).
284 Terapia do Esquema

Da mesma forma, pacientes narcisistas apresentam problemas de


regulação da autoestima e tendem a supercompensar através dos pa­
drões de arrogo e de autoengrandecimento. Tais padrões são utilizados
para disfarçar ou inibir crenças de ser inadequado, vulnerável, carente,
indigno de ser amado, etc., assim como sentimentos de tristeza e de
ansiedade. Manifestam-se na terapia através de discursos autoelogiosos
ou de desqualificaçáo do terapeuta (Behary, 2011; Falcone & Macedo,
2012). Desse modo, acessar a parte vulnerável do paciente diretamente
torna-se inviável mediante intervenção baseada apenas em esquemas
(Young et al., 2003).
Enquanto os esquemas representam traços de personalidade e
são mais ou menos estáveis, um modo de esquema reflete “uma cons­
telação de esquemas e estilos de enfrentamento que estão ativos em
um determinado momento” (Genderen et al., 2012, 33). Por exemplo,
quando um paciente borderline se apresenta triste e deprimido, verbali­
zando sentimentos de abandono e de ser mau e inadequado, ele se en­
contra no modo da criança vulnerável. Esse modo consiste na ativação
dos esquemas de Defectividade/Vergonha e de Privação Emocional
(Genderen et al., 2012).
Formas adaptativas de um modo de esquema ocorrem com
pessoas saudáveis e não necessariamente em indivíduos com trans­
torno de personalidade. Em sua forma adaptativa, os modos indicam
o estado de humor predominante de alguém em um dado momento.
Mudanças de um modo (p. ex., desligado) para outro (p. ex., zanga­
do) podem ocorrer com as mudanças de contexto. Nesses casos, o
modo adulto saudável atua como um regulador emocional, permi­
tindo que o indivíduo expresse suas emoções de forma culturalmente
aceitável (Falcone, 2011). Portanto, quanto mais saudável é uma pes­
soa, mais independentes e menos dominantes serão os seus modos de
esquema. Já no caso de indivíduos com transtorno de personalidade,
os modos dominam o seu humor e os seus comportamentos (Gende­
ren et al., 2012). O Quadro 9.4 apresenta os modos de esquema do
modelo de Young (Young et al., 2003).
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 285

Quadro 9.4 Os modos de esquemas


Modos inatos 1. Criança abandonada (solitária, vulnerável):
da criança Sente dor e medo do abandono, causados pela história abusiva, a qual expressa
desespero, medo, tristeza e sentimentos de inferioridade. Sente-se incapaz de
cuidar de si mesma. Sentimento de estar desamparado. A pessoa nesse modo
se sente deprimida, ameaçada ou não amada e pode fazer grandes esforços para
evitar o abandono e ter uma visão idealizada dos cuidadores.
2. Criança zangada e impulsiva
0 modo de esquema é ativado quando a pessoa age impulsivamente para atingir
as necessidades ou ventila os sentimentos, geralmente de forma inapropriada.
Os sinais e sintomas podem ser de raiva intensa, impulsividade, exigência,
desvalorização ou comportamento abusivo, promiscuidade e ameaças suicidas.
3. Criança feliz
Necessidades emocionais básicas atendidas atualmente.
Modos de 4. Capitulador complacente
enfrentamento Submete-se ao esquema tornando-se a criança passiva e desamparada que deve
disfuncional ceder aos outros. Permite passivamente ser maltratado ou não toma atitude
(correspondentes para ter as próprias necessidades atendidas.
aos três estilos 5. Protetor desligado
de enfrentamento) A pessoa se desliga dos próprios sentimentos, bem como das outras pessoas e
se comporta de forma obediente ou evitativa, de modo a estabilizar a si mesma.
Como resultado, a é empurrada para um estado disfórico, tal como depressão,
sentimentos de vazio e de enfado. Algumas respostas associadas incluem: abuso
de álcool ou drogas, automutilação, despersonalização, queixas psicossomáticas,
submissão ou comportamento evitativo.
6. Hipercompensador
Reage de forma extrema, hipervigilante, controladora, arrogante, vingativa, agressiva.

Modos de 7. Pai/mãe punitivo


pais disfuncionais Nesse modo, a criança se pune por expressar necessidades e sentimentos
(visão internalizada normais, por cometer erros ou por não preencher as próprias expectativas ou
de um dos pais — as dos outros. Isso pode gerar aversão a si mesma ou intensa autocrítica por ser
identificação) carente e, subsequentemente, autonegação ou automutilação.
S. Pai/mãe punitivo exigente
Pressiona a criança para cumprir padrões demasiado elevados.
Modo adulto 9. Adulto saudável
Que tem que aprender a moderar, cuidar ou curar os outros modos. É o que se
busca fortalecer na terapia.

Outros modelos de modos, ainda em estágio experimental, têm


sido desenvolvidos em estudos de Lobbestael et al. (2007 como citado
em Genderen et al., 2012). São eles: 1. Protetor raivoso (uso da raiva
para se proteger daqueles considerados como ameaça); 2. Obsessivo su-
percontrolador (uso de rituais para se proteger e manter tudo sob con­
trole); 3. Paranoide (camuflagem das reais intenções para se proteger
286 Terapia do Esquema

de ameaças); 4. Manipulação (trapaça ou mentira com o propósito de


se vitimar e evitar punição); 5. Predador (eliminação de ameaças, ri­
vais, obstáculos ou inimigos de um modo frio e calculado); 6. Persegui­
dor de atenção (busca ativa da aprovação e da atenção dos outros atra­
vés de comportamento exagerado, sedução erótica ou grandiosidade)
(Genderen et al., 2012, 35).
Atualmente o trabalho com os modos de esquema não se res­
tringem apenas aos transtornos borderline e narcisista de personalida­
de. Ele tornou-se parte integrante da TE e é mesclado ao trabalho de
esquemas. Assim, pode ser utilizado de forma secundária com pacien­
tes mais saudáveis (Young et al., 2003).

Considerações finais

A TE representa uma parte de uma tendência mais ampla em


TCC para compreender o processamento da informação que não se en­
contra disponível aos processos conscientes (Edwards & Arntz, 2012).
Além disso, o modelo conceituai da TE não se limita apenas a elabora­
ções teóricas. Em vez disso, parte de reflexões baseadas nos casos refratá-
rios e em dados empíricos, atendendo a uma importante condição para
uma teoria científica da personalidade (Pervin & John, 2004).
Conforme visto neste capítulo, a TE incorpora modelos de teo­
rias de esquemas às técnicas desenvolvidas em outras tradições psicote-
rápicas; dentre estas, ressalta-se as contribuições da Gestalt terapia nos
trabalhos com as emoções. A partir de experiências pessoais com essa
abordagem, Young verificou que, após cerca de 10 sessões, ele havia
aprendido muito mais sobre si mesmo com as técnicas de imagem do
que com um ano de TCC (Roediger & Young, 2009 como citado em
Edward & Arntz, 2012). Esse foi o ponto inicial na exploração dos
procedimentos vivenciais que hoje enriquecem a TE.
O caráter integrador da TE, aliado a um corpo substancial de
pesquisas que se multiplicam nos últimos anos, parece contribuir para
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 287

o rápido avanço da popularidade dessa abordagem de tratamento. Em


estudo de Norcross, Hedges e Prochaska (2002), que avaliou as previ­
sões dos tratamentos de maior projeção no futuro, verificou-se que as
terapias cognitivas e integrativas apresentaram maior crescimento e
predominância no cenário das psicoterapias. Neste sentido, a TE se re­
vela como uma abordagem integrativa e cognitiva de amplo alcance.

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10
Terapia do Esquema Emocional

Conceição Reis de Sousa e Ricardo da Costa Padovani

A Terapia do Esquema Emocional pressupõe que a saúde mental não é


promovida pela eliminação das emoções, mas antes pela sua identi­
ficação e aceitação, e pela convivência com elas. Mais do que a maioria
das outras abordagens em terapia cognitiva, esse modelo de interven­
ção acredita que é necessário que os pacientes compreendam o papel
que as emoções cumprem em sua vida. Ela instrumentaliza terapeutas
cognitivos para ajudar seus pacientes a usarem suas emoções para a
construção de uma vida saudável, desenvolvendo estratégias de en-
frentamento mais adequadas.
W.V.M.

Um grande desafio para os clínicos reside na preocupação do pa­


ciente em experimentar emoções negativas. Como lidar com suas emo­
ções: controlá-las, supri-las ou aceitá-las? A resposta ao impasse é dada
em função dos esquemas emocionais, que, de acordo com a Terapia do
Esquema Emocional (TEE), correspondem à forma como o indivíduo
significa, avalia e reage às suas emoções (Leahy, Tirch & Napolitano,
2013). Este capítulo objetiva apresentar o modelo da TEE, proposto
Robert Leahy et al. (2013), na abordagem cognitivo-comportamental.
O processo de significação das próprias emoções não pode ser com­
preendido fora do contexto das relações sociais e dos vínculos pessoais,
290 Terapia do Esquema Emocional

visto que o homem se constitui a partir da evolução biológica das espé­


cies e sob certas condições socioculturais, que são produto de uma socie­
dade em urna determinada etapa de sua evolução (Vygotski, 2005). A
sociedade está em constante mutação, o que implica em transformações
no mundo que repercutem na vivência do sujeito contemporâneo.
As relações interpessoais estabelecidas na contemporaneidade dife­
rem expressivamente de formas anteriores quanto aos padrões de interação,
formas e meios de comunicação, velocidade de transmissão da informação,
a noção de si e do outro em um mundo globalizado. Na atual perspectiva
de dinâmica social, as contingências impostas exigem reorganizações ex­
pressivas na relação entre tempo e espaço, alterando radicalmente os princí­
pios norteadores da vida social cotidiana. Diante de um modelo de mundo
em constante transformação e de múltiplas escolhas e possibilidades, as no­
ções de confiança e risco, o processo de tomada de decisão e a sensação de
vulnerabilidade merecem atenção. Em circunstâncias de dúvida e incerteza,
a sensação de segurança se revela ameaçada, amplificando a avaliação do
risco. Afloram emoções como medo e ansiedade, que se apresentam proe­
minentes em mundo no qual referências duradouras estão cada vez menos
presentes. As emoções e sua expressão constituem importantes sinalizadores
da organização de si, dos outros e do mundo. Para atender as demandas
emocionais impostas na contemporaneidade, fàz-se necessário desenvolver
modelos teóricos que sejam abrangentes e integrativos.
Nesse ambiente marcado pelo dinamismo, fica evidente a cen-
tralidade da regulação emocional na emissão de comportamentos con­
siderados socialmente adequados. O modelo clínico cognitivo propos­
to Leahy (2002) e Leahy et al. (2013), denominado de Terapia do Es­
quema Emocional, apresenta a regulação emocional como aspecto
central na expressão dos fenômenos psicológicos.

A pós-modemidade e a ascensão das emoções

Para compreender a relação entre a forma de lidar com as emo­


ções e as mudanças ocorridas na atualidade, primeiro serão analisadas
Estrategias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 291

brevemente algumas características da contemporaneidade, compreen-


dendo-se o período que teve inicio nos anos 1970/1980, marcado por
mudanças econômicas, sociais, políticas e culturais.
Não há consenso a respeito da nomenclatura empregada para
descrever o conjunto de mudanças sociais ocorridas no mundo Oci­
dental nas últimas décadas, pois diversos estudiosos enfatizam aspectos
diferentes do processo. Para facilitar a discussão, neste capítulo traba-
lha-se com a denominação proposta pelo sociólogo polonês Bauman
(2001), que inicialmente divide esse período em modernidade e pós-
modernidade, e, posteriormente, em modernidade sólida e moderni­
dade líquida. Nesse segundo momento haveria uma liquefação dos
marcos da modernidade sólida.
Sendo assim, a modernidade sólida caracterizava-se pela valoriza­
ção da objetividade, da razão, da ordem, do progresso, das fronteiras ní­
tidas, das teorias universalistas, das instituições sólidas e de claras distin­
ções entre público e privado. Por outro lado, o momento atual é marca­
do pela globalização, o consumo, a mobilidade, a ruptura de fronteiras,
o imediatismo, a imprevisibilidade, as comunicações eletrônicas, a flexi­
bilidade, o individualismo e pela ampla liberdade individual.
A nova ideologia individualista-hedonista impõe o culto ao de­
senvolvimento pessoal e ao bem estar material. A felicidade passa a ser
circunscrita a ações individuais e as expectativas de um futuro glorioso
foram substituídas pelo fascínio do presente sempre novo. Ocorre a as­
censão da cultura hedonista que é marcada: (a) pela busca de prazeres
(através do consumo de tudo, sem demora e sem renúncias), (b) pelo
imediatismo (o curto prazo substitui o longo prazo, vive-se do presen­
te e não mais em função do passado e do futuro), (c) pela hipervalori-
zação do bem-estar e do conforto (através do culto ao corpo e da aqui­
sição de bens) e (d) pela incessante busca do lazer (divertir-se todo o
tempo). O homem contemporâneo tem a sensação de poder obter
tudo com mínimo de esforço e com máximo de prazer.
A busca por segurança material — vinculada a ideia de que a feli­
cidade depende do consumo de determinados produtos e serviços —
292 Terapia do Esquema Emocional

tenta aplacar a sensação de insegurança e vazio. A disseminação da insegu­


rança e do medo de ser excluido do consumo e - exacerbados em um siste­
ma socioeconómico marcado pela escassez de empregos e pela progressiva
ausência dos amparos estatais — constitui a ideologia segundo a qual todos
são potencialmente perigosos e é preciso ficar vigilante a todos e a tudo.
Essa situação acelera muito a dissolução dos laços afetivos e sociais, fortale­
cendo a representação do mundo como urna selva e do homem como um
sobrevivente solitario (Caniato & Nascimento, 2007). Há um desengaja-
mento entre os sujeitos que torna cada um o único responsável por manejar
suas aspirações e dificuldades e um aumento da ansiedade.
O enfraquecimento de instituições tradicionais como a familia
patriarcal, a quebra do Estado e o desencanto com a ciencia como pro­
messa de desenvolvimento humano geram a vivencia de desamparo,
pois as instituições tradicionais já não apontam mais caminhos únicos
para enfrentar as oscilações emocionais (Paravidini, Rocha, Perfeito,
Campos, & Dias, 2008).
Nesse contexto de incertezas muitos se recusam a entrar em con­
tato com as próprias emoções, as preocupações passam a ser centradas
principalmente no próprio corpo e nas ações. A procura de soluções
imediatistas pode levar ao uso de estratégias não adaptativas que dri­
blam a possibilidade de aceitar suas emoções como parte legítima do
psiquismo. As propostas terapêuticas para enfrentar esse problema
também sofreram influência das mudanças sociais. A TEE se apresenta
como uma nova proposta de manejo das emoções, temidas ou evitadas
pelos pacientes, que difere das abordagens tradicionais de terapia cog-
nitivo-comportamental. Tal proposta vem compor o que foi denomi­
nado de Terceira Onda em Terapia Cognitiva.

Uma nova perspectiva das emoções

As emoções são estudas desde a Grécia antiga, mas ao longo da


história elas ocuparam lugares diferentes no interesse dos estudiosos.
No início do século XX as emoções foram relegadas, pela ciência, ao ,
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 293

segundo plano, a fim de preservar a almejada objetividade dos estudos


científicos. Além dessa separação entre razão e emoção, o pensamento
moderno sustentou outros dualismos como: corpo/mente, essência/apa­
rência, público/privado e natureza/cultura (Parpinelli & Fernandes,
2011; Tomaz & Giugliano, 1997). O fortalecimento dessas dicotomías
repercutiu não apenas na forma de nomear as emoções, mas também no
modo de compreender suas causas e consequências. Emoções foram vis­
tas como perturbadoras da ordem e do equilíbrio psíquico. Nessa pers­
pectiva, é interessante observar que o behaviorismo e o modelo cogniti­
vo (proposto por Beck) também não atribuíram papel central às emo­
ções na determinação do comportamento (Oliva et al., 2006).
A partir da segunda, metade do século XX, há uma retomada nos in­
vestimentos em pesquisas científicas sobre as emoções. A Psicologia Evolu­
cionista, por exemplo, ressalta a importância das emoções. Elas são entendi­
das como produtos da seleção natural e como dotadas de um valor adaptati-
vo. A tomada de decisão, a realização de escolhas e o agir dependem da
complementaridade de razão e emoção, ou seja, não apenas de mecanismos
comeáis, mas também subcorticais (Damásio, 2005). Tais considerações
evidenciam claramente o componente adaptativo da emoção no funciona­
mento humano, sem limitá-la como simplesmente secundária à cognição.
Os novos conhecimentos nas neurociências exerceram influência
em outras áreas do conhecimento. Os estudos de Damásio, destacando o
papel das emoções para o psiquismo humano, exerceram forte influência
na concepção cognitiva construtivista. Esta pressupõe que a emoção tem
um papel central, em oposição ao modelo cognitivo proposto por Beck,
na compreensão do processo de significação do paciente, que não deve ser
corrigido, mas apenas ampliado (Abreu, 2001; Mahoney, 2003).
Outros modelos cognitivos também apontam a tendência desse
novo modo de olhar para as emoções nas psicoterapias cognitivas con­
temporâneas. Particularmente, a TEE reconhece a importância de de­
senvolver recursos para ajudar os pacientes a lidarem com suas emo­
ções, independentemente de se estabelecer uma primazia entre cognição
ou emoção. As emoções são compreendidas como produtos de adapta­
ção evolutiva, sendo, portanto, universais. No entanto, elas sofrem ava­
294 Terapia do Esquema Emocional

liações e interpretações pessoais, o que implica em adoção de diferentes


estratégias de controle emocional. Recentemente surgiram teorias que
defendem que a construção de significados das emoções se dá èm meio
às relações sociais e práticas culturais específicas. Por essa perspectiva, as
emoções passam a ser entendidas como um ponto de convergência do
corpo, do psiquismo e da cultura (Neubern, 2000). Conforme destacou
Greenberg (2012), “As emoções são nossas maiores amigas e às vezes a
nossa pior inimiga. Elas são as companheiras constantes de nossas vidas,
e elas governam muito do que fazemos” (p.697).
Cada cultura tem seus mitos sobre as emoções, que favorecem o
uso de estratégias não adaptativas de regulação emocional. E fundamen­
tal realizar a psicoeducação sobre as emoções, o que inclui orientar o pa­
ciente no sentido de que: (a) os homens nascem com a capacidade de
experimentar emoções universais como medo, raiva, tristeza, alegria,
nojo e surpresa; estas emoções não requerem aprendizagem (embora a
expressão ou a inibição das mesmas dependa do desenvolvimento cogni­
tivo e do contexto cultural) e possuem um valor adaptativo; (b) outras
emoções surgem posteriormente, como a vergonha e a culpa; (c) as emo­
ções não duram indefinidamente (mas apenas segundos ou minutos),
tendendo a diminuir de intensidade após atingirem o pico; (d) as emo­
ções podem se autoperpetuar e talvez se tornarem um estado de humor
(que pode ser prolongado e não apresentar um estímulo causador iden­
tificável). Além da oferta de informação sobre as emoções, podem ser
propostos experimentos para testar a validade dos mitos emocionais a
fim de permitir a vivência plena das emoções (Leahy et al., 2013).
A aceitação das emoções requer também que os pacientes compre­
endam que elas têm funções importantes em suas vidas. As emoções ser­
vem para influenciar outras pessoas e também para preparar o indivíduo
para interagir com o meio, e desempenham um papel muito significati­
vo na motivação humana. O conhecimento sobre as emoções facilita a
aceitação e reduz a chance de julgamentos negativos sobre as mesmas.
Aceitação não tem como meta a redução dos sintomas através de
modificação de pensamentos ou sentimentos, mas visa ampliar capaci­
dade de suportar estímulos desagradáveis, vivendo os mesmos sem jul-
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 295

gá-los. A idéia é aceitar que certo grau de dor e sofrimento é inerente à


vida. Esse ponto é bastante complexo, pois vivemos em um momento
histórico que exalta o prazer e a liberdade de escolha (de marcas, mer­
cadorias, pessoas, identidades ou emoções) e cria a ilusão de que é pos­
sível evitar qualquer estímulo desagradável.
De acordo com aTEE, as pessoas julgam suas emoções, apresentam
tendências a reagir e a empregar estratégias comportamentais para lidar
com elas. Esse conjunto é nomeado “esquema emocional”. Crenças de
que as emoções não apresentam um sentido aceitável, de que são perma­
nentes, de que comprometem toda a vida da pessoa e de que precisam ser
ocultadas por serem inadmissíveis socialmente podem gerar estratégias
funcionais a curto prazo, mas deteriorantes a longo prazo. Preocupações,
ruminações, esquivas emocionais e comportamentais, abuso do álcool,
compulsões e dissociação ilustram formas não adaptativas de lidar com o
desconforto emocional. Por outro lado, revelam-se modos mais benéficos:
o reconhecimento, a nomeação e a diferenciação das emoções, que em
conjunto podem produzir estratégias adaptativas como tolerância, aceita­
ção, expressão verbal e adoção de comportamentos para o manejo de si­
tuações difíceis. A forma como a pessoa interpreta e avalia suas emoções é
decisiva na escolha de estratégias adaptativas ou não para manejá-las.
A regulação emocional é uma proposta de desenvolvimento de
recursos terapêuticos para ajudar pacientes, independentemente de seu
diagnóstico, a lidar com experiências emocionais evitadas ou temidas.
A esquiva emocional e a supressão emocional são estratégias de manejo
das emoções presentes em diversos transtornos, como o transtorno de
ansiedade generalizada, a fobia específica, o transtorno de ansiedade
social, o transtorno obsessivo-compulsivo, a depressão, o transtorno de
estresse pós-traumático, transtornos da personalidade, dentre outros.
Os pacientes evitam o contato com seus sentimentos porque temem
não suportar o sofrimento causado por eles. A tendência a escapar de
estímulos desagradáveis — sejam eles pensamentos, sentimentos, pes­
soas ou objetos — foi útil ao longo da evolução da espécie humana,
contudo, quando excessivamente generalizada e enrijecida, pode limi­
tar as oportunidades de viver plenamente (Leahy et al., 2013). A es­
296 Terapia do Esquema Emocional

quiva emocional perpetua o medo das emoções, produzindo um alí­


vio imediato (embora transitório) que nâo permite ao paciente testar
a sua avaliação de que será insuportável ter aquela experiência emo­
cional. Há múltiplas formas de fugir das próprias emoções, dentre
elas: uso de drogas lícitas (incluindo as bebidas alcoólicas e as medica­
ções psicotrópicas) ou ilícitas, comportamentos compulsivos (incluin­
do comer, jogar, comprar, etc.) e comportamentos que levem à distra­
ção das próprias emoções.
Cada emoção envolve vários processos, tais como: avaliação, sen­
sação, intencionalidade, sentimento, comportamento motor e compo­
nente interpessoal. Esse caráter multidimensional das emoções permite
que o tratamento possa ser iniciado por diferentes caminhos, a serem
definidos a partir da conceituação de cada caso (Leahy et al., 2013).

Aonde terapeutas cognitivos querem


ir com a regulação emocional?

O que fazer diante de um turbilhão de emoções? O romance Alice


no País das Maravilhas, de Lewis Carroll, narra o encontro entre o gato e
Alice, quando ela questiona: "...que caminho devo seguir para sair da­
qui?”. O gato responde: 'Isso depende muito de para onde queres ir”.
Diante do questionamento dos pacientes do que fazer para sair do turbi­
lhão de emoções, terapeutas cognitivos devem remeter, como o gato, à
necessidade de definir um destino. Se o objetivo final for o enfrenta-
mento do sofrimento, então o caminho é o da regulação emocional. A
saúde mental não é promovida pela eliminação das emoções, e sim pela
identificação, pela aceitação e pela convivência com as emoções. Nessa
perspectiva, salienta-se que as emoções constituem importantes indica­
dores das reações a situações, ao passo que a inibição de sua expressão
constitui importante sinalizador de sofrimento e adoecimento psíquico.
Pode-se adotar como um processo terapêutico desejável aquele que en­
volve ativação emocional associada ao processamento cognitivo da expe­
riência emocional. A problematização dessas questões amplia o entendi­
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 297

mento das variáveis que precisam ser priorizadas no modelo psicotera-


pêutico proposto (Greenberg & Safran, 1984; Greenberg, 2012; Leahy
et al., 2013; Rottenberg & Gross, 2007). Portanto, pode-se afirmar que
o desenvolvimento de modelos teóricos que venham a ampliar a com­
preensão da emoção no processo psicoterapêutico é de grande interesse
para pesquisadores e clínicos cognitivo-comportamentais.
A TEE instrumentaliza terapeutas cognitivos para ajudar seus pa­
cientes a usarem suas emoções para a construção de uma vida saudável,
o que envolve a significação mais adaptativa das emoções (Leahy, 2002;
Leahy et al., 2013).
Regulação emocional pode ser feita através de estratégias de ma­
nejo antecedente à emoção ou focadas na regulação das respostas emo­
cionais (fisiológicas e comportamentais). O manejo antecedente pode
ser realizado através da reestruturação cognitiva que modifica significa­
dos atribuídos à situação interna ou externa envolvida na emoção, per­
mitindo, portanto, uma reavaliação da situação. Modificando a intepre-
tação de um evento, o indivíduo pode efetivamente reduzir o impacto
emocional da experiência vivenciada. O significado pessoal que é atribu­
ído a uma situação é essencial, uma vez que influenciará quais tendên­
cias comportamentais e fisiológicas poderão emergir em uma situação
particular. Outra forma de regulação, porém não favorável à expressivi­
dade e ao desenvolvimento da flexibilidade psicológica, é a focalizada na
supressão emocional, que envolve a supressão dos sinais exteriores das
emoções (Gross, 1998a, 1998b, 2002; Leahy et al., 2013).

O que é regulação emocional?

A regulação emocional pode incluir qualquer estratégia de enfrenta-


mento (seja problemática ou adaptativa) que o indivíduo usa ao con­
frontar a intensidade emocionalmente indesejada. É importante reco­
nhecer que a regulação emocional é como um termostato homeostáti-
co capaz de regular as emoções e mantê-las em “nível controlável” para
que se possa lidar com elas (Leahy et al., 2013, p.21).
298 Terapia do Esquema Emocional

O caráter adaptativo ou nao da estrategia adotada está relacionado


ao conjunto de circunstancias pessoais e sociais no qual a pessoa se inse­
re. A compreensão do problema apresentado pelo paciente como urna
estratégia adaptativa ou nao de manejar suas emoções exige a contextua-
lização da mesma. Uma estrategia muito comum de regular o estado de
humor é ‘ sair às compras”, muitos chegam a se endividar excessivamente
na tentativa de aplacar emoções consideradas insuportáveis através do
consumo. No entanto, antes de rotular o comportamento de se endivi­
dar como um problema de caráter psíquico, é preciso considerar o con­
texto de desigualdade socioeconómica do país, não perdendo de vista
que tal comportamento pode representar um problema social e nao urna
“adição ao consumo” (Stacechan & Bento, 2008).
Outro critério para classificar as estratégias como adaptativas ou
não adaptativas envolve as consequências de curto e longo prazo para a
concretização das metas e objetivos estabelecidos pelo próprio paciente.
Sendo assim, é preciso esclarecer quais são os objetivos do paciente, que
não são estabelecidos no vácuo. Vive-se um período de grande turbulên­
cia, marcado por mudanças sociais que afetam o modo de ser e de estar
no mundo. As inovações acontecem em ritmo frenético, às certezas são
efêmeras e os objetivos calculados perdem parte do seu sentido. Neste
momento há uma tendência a trocar segurança por felicidade imediata,
visto que há uma expansão do presente em detrimento do passado e do
futuro. Há uma clara dificuldade em estabelecer objetivos de longo pra­
zo, pois a ética do esforço cede lugar à satisfação imediata e a frustração
se torna inaceitável. Esse cenário dificulta a escolha de objetivos e de ca­
minhos para atingi-los, o que diminui a tolerância às emoções aflitivas.
Por outro lado, a clareza sobre o próprio projeto de vida pode
facilitar a escolha de estratégias adaptativas para lidar com a oscilação
de emoções. Por exemplo, toma-se como ilustração o modo como Pe­
dro vivencia seu processo de aposentadoria. Pedro tem condições de se
aposentar com uma boa renda, mas sente dificuldade em fãzê-lo, pois ex­
perimenta emoções diversas como alegria, tristeza, alívio, ansiedade e rai­
va. Ele entende que é natural o surgimento de emoções conflitantes, pois
em nossa sociedade a aposentadoria é frequentemente associada a valores
Estratégias Psicoterãpicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 299

como inutilidade, incapacidade e envelhecimento. Na tentativa de encon­


trar o equilíbrio emocional, ele busca conversar sobre suas emoções com a
esposa, que faz uma validação de suas emoções (demonstra compreensão e
preocupação com as emoções, sem deixar de reconhecer a necessidade de
mudanças). Ele começa a nadar regularmente, a fazer caminhadas e a acei­
tar que precisará de um tempo para aprender a lidar com a perda de posi­
ção social, da convivência com os amigos de trabalho e das rotinas diárias
(estratégias adaptativas). Em alguns momentos ele pensa em se isolar e evi­
tar todos os contatos sociais (estratégia desadaptativa) para não ter que
pensar sobre o assunto, mas depois reavalia a importância de não se dis­
tanciar dos outros. E capaz de se perceber como uma pessoa que fez uma
trajetória profissional satisfatória, entendendo que, a partir desse ponto,
pode estabelecer novas metas e objetivos de vida, como, por exemplo,
aprender fotografia. Ele admite que vivencia emoções ambíguas, mas que
isto não é visto como inadmissível. Pedro pode viver de forma mais saudá­
vel, pois não precisa excluir as emoções de sua vida.
Tal ilustração deixa evidente o papel do processamento emocional
na determinação dos fenômenos psicopatológicos. Nessa direção, é im­
portante a constatação de que os modelos cognitivo-comportamentais
estão sendo ampliados para refletir as questões relacionadas às perspecti­
vas da regulação emocional. Os déficits de regulação emocional já foram
identificados em diferentes transtornos clínicos (Leahy et al., 2013;
Leahy, 2007b; Leahy, 2007c).

O que é desregulação emocional?

Leahy et al. (2013) propuseram que a desregulação emocional


pode ser compreendida como a falta de recursos para manejar as emo­
ções, que pode se expressar como intensificação excessiva ou como desa­
tivação excessiva das emoções. A exacerbação das emoções pode produzir
pânico, temor ou senso de urgência, que conduzem à sensação de sobre­
carga. Por outro lado, a desativação excessiva en-volve experiências dis-
sociativas como despersonalização, desrealização ou entorpecimento
300 Terapia do Esquema Emocional

emocional. Nesses casos o sujeito pode recorrer a estratégias nâo adapta-


tivas para lidar com as emoções, tais como: uso de drogas lícitas ou ilíci­
tas, comportamentos compulsivos, automutilação, que produzem alívio
momentâneo do sofrimento, mas geram problemas de outra ordem,
além de impedirem o contato com a emoção.
Retomando o exemplo anterior — o do momento da aposentadoria
-, mas com um paciente que tem esquemas emocionais negativos. Rober­
to apresenta muita dificuldade em regular suas emoções ao se aposentar.
Ainda que tenha conquistado uma boa renda, experimenta emoções nega­
tivas ao se afastar de suas atividades laborais. Ele se recusa a aceitar que
pode ter emoções ambíguas, tanto de liberdade quanto de ansiedade, acre­
ditando que vai ficar cada vez pior. Ele rumina sobre sua imagem de inati­
vo e a injustiça de sua aposentadoria compulsória. Sente-se fraco por não
estar conseguindo estabelecer novas metas e objetivos. Nos momentos em
que se sente mais angustiado, ingere bebidas alcoólicas para aplacar a sua
“dor”. Acredita que só poderá voltar a jogar futebol com os amigos quan­
do estiver se sentindo bem. Acha insuportável a “montanha-russa” de
emoções que experimenta diariamente. A TEE podería auxiliar Roberto a
viver melhor com suas emoções. Nesse caso seria preciso fazer a conceitua-
ção do esquema emocional para definir a melhor forma de regular as osci­
lações emocionais. A TEE é uma nova proposta para enfrentar um antigo
desafio da clínica: o manejo de emoções intensas.

A Terapia do Esquema Emocional

Ao propor o modelo da TEE, Leahy (2002) e Leahy et al. (2013)


problematizam que, embora no modelo cognitivo emoções e esquemas
cognitivos possam estar reciprocamente ativados, o lugar das emoções
não tem sido plenamente desenvolvido. A importância de se investigar o
papel das emoções como determinante nos fenômenos psicológicos vem
sendo amplamente apoiado por estudiosos cognitivos.
As propostas iniciais do modelo cognitivo sugerem que o humor
pode contribuir para vieses atencionais de memória e que a cognição de­
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 301

termina padrões de emoções e de memória que serão ativadas. Tal posi­


ção evidencia a supremacia da cognição na determinação dos fenômenos
psicológicos, patológicos ou não (Alford & Beck, 1997; Knapp & Beck,
2008; Beck, 2005). Portanto, pode-se afirmar que a função da atribui­
ção de significado proposto no modelo tradicional cognitivo é a de con­
trolar as respostas emocionais, conferindo estabilidade a um mundo em
constante modificação. Neste ponto é importante considerar que, apesar
do termo “controle” não ter sido empregado nos pressupostos beckianos,
a noção de modificar crenças que dão origem ou mantêm o afeto negati­
vo remete, sem dúvida, ao conceito de controle.
A perspectiva adotada no modelo da reestruturação cognitiva
enfatiza quê a mudança emocional é estabelecida a partir da reformu­
lação da avaliação da situação, denominada de teste de realidade. De­
ve-se registrar a expressiva eficácia do modelo cognitivo proposto por
Beck no tratamento clínico (Beck, 2005; Knapp, 2004).
O modelo do processamento emocional, por sua vez, propõe o
aprendizado de novas associações e representações entre emoções e estí­
mulos, o que ultrapassa avaliação e controle da experiência emocional.
Leahy (2007a) e Leahy et al. (2013) advertem que a extinção não pres­
supõe o “apagamento” de algo aprendido; portanto, não corresponde ao
desaprender, e sim ao estabelecimento de novas relações com os estímu­
los. Nessa linha de argumentação, a exposição, a habituação e a extinção
não constituem simplesmente a liberação da emoção, mas sim a incor­
poração de elementos cognitivos que venham a informar que a relação
estabelecida se modificou. De acordo com o modelo da TEE, os esque­
mas emocionais constituem os diferentes padrões de interpretar, de ava­
liar e de se comportar que um indivíduo pode utilizar quando uma
emoção é ativada (Leahy, 2007a; Leahy et al., 2013).
E importante pontuar que os pressupostos iniciais, bem como os
avanços das formulações cognitivas, registram a relevância do entendi­
mento dos padrões emocionais na determinação dos processos psicopa-
tológicos. A título de exemplo, pode-se destacar: (a) o apontamento da
relevância da tomada de consciência das emoções nos pressupostos de
Albert Ellis ao formular a Terapia Racional Emotiva Comportamental;
302 Terapia do Esquema Emocional

(b) as considerações do modelo metacognitivo nos pressupostos da tera­


pia cognitiva; (c) os avanços de Beck na apresentação da noção de mo­
dos na terapia cognitiva; (d) o modelo da atenção plena {jnindfitllness),
expandindo o escopo das terapias cognitivo-comportamentais no intuito
de melhora da regulação emocional; (e) a problematização das experien­
cias iniciais desadaptivas nas formulações de Young e colaboradores, am­
pliando os conceitos cognitivo-comportamentais tradicionais (Alford &
Beck, 1997; Beck, 2005, Knapp, 2004; Leahy, 2002; Roemer & Orsillo,
2010; Young, Klosko, & Weishaar, 2008).
Ao apresentar modelo do esquema emocional, Leahy (2007a) e
Leahy et al. (2013) buscam integrar o modelo proposto por Beck, Free-
man e Davis (2005) e o modelo proposto por Young e colaboradores
(2008) para discutir e problematizar a questão da regulação emocional
nos processos psicológicos. Tanto no modelo proposto por Beck e cola­
boradores (2005), quanto no de Young e colaboradores (2008), é possí­
vel identificar estratégias que podem estar subdesenvolvidas ou superde-
senvolvidas e modelos de esquiva, de compensação e de manutenção do
esquema comumente empregados pelo individuo. Tais padrões organiza­
dores da subjetividade refletem a noção de si, dos outros e do mundo,
estabelecidas precocemente no processo desenvolvimental.
Leahy (2002) e Leahy et al. (2013) defendem que as reações emo­
cionais são universais e que a singularidade se apresenta na forma de inter­
pretar e lidar com a experiência emocional. Destaca ainda que, na tentati­
va de lidar com a experiência emocional, o indivíduo pode apresentar
comportamentos de esquiva experiencial (entorpecimento, evitaçâo, fuga),
estratégias cognitivas disfuncionais (preocupação, pensamentos obsessivos)
e busca de apoio social (tentativas tanto adaptativas quanto não adaptati-
vas de validação). Os esquemas emocionais refletem modelos filosóficos
elaborados pelo próprio indivíduo sobre as emoções. Trata-se, portanto, de
um modelo “metaexperiencial” da emoção, na qual as emoções são objeto
da cogniçâo social (Leahy 2002; Leahy et al., 2013).
Nessa perspectiva, a TEE busca identificar a teoria que os pa­
cientes têm sobre suas emoções e suas estratégias de controle emocio­
nal. As crenças do indivíduo sobre a legitimidade das emoções, a ne­
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 303

cessidade de controlá-las, suprimir ou expressá-las constituem foco de


análise desse modelo terapêutico. Indivíduos diferem quanto às estra­
tégias que supõem ser necessárias para lidar com as emoções; podendo
aceitá-las, validando e ampliando a compreensão a partir da experiên­
cia vivenciada; ou suprimindo a experiência emocional, buscando alí­
vio ou remissão da experiência emocionalmente desconfortável.
O modelo cognitivo do processamento emocional (Leahy, 2002;
Leahy et al., 2013) utiliza o termo “esquema emocional” para se referir a
planos, conceitos e estratégias empregadas em resposta a uma emoção.
Para ilustração da dinâmica do modelo proposto, pode-se imaginar que
uma emoção, por exemplo, a ansiedade, foi ativada. O primeiro passo
constitui-se em identificar e rotular a emoção (no exemplo, ansiedade).
Nessa situação, dois caminhos se mostram disponíveis, refletindo estilos
normalizadores ou patológicos. Se o indivíduo normalizar a experiência
emocional, aceitando-a como normal e temporária, as formas de enfrenta-
mento escolhidas se revelarão mais flexíveis e adaptativas, como por exem­
plo, a ativação comportamental e o estabelecimento de relacionamentos
solidários mais significativos para lidar com a emoção. No entanto, o indi­
víduo também podería adotar um estilo patológico ao experimentar uma
emoção negativa intensa. Nessa condição, a emoção se apresenta como
problemática e sinalizadora de ameaça, ativando esquemas cognitivos que
remetem à sensação de fragilidade e de incontrolabilidade.
Neste continuum, a título de ilustração, vale considerar que a
excitabilidade, observada pelo senso de urgência em eliminar o des­
confortando emocional experimentando, favorece a emergência de
padrões de esquiva emocional, observados, por exemplo, no abuso de
substâncias psicoativas para aliviar a tensão emocional ou na excessiva
preocupação com a situação que ativou a emoção referida (Leahy,
2006; Leahy et al., 2013). Ao se preocupar excessivamente, padrões
de reasseguramento, de evitação e pensamentos obsessivos são ativa­
dos, evidenciando o contato consciente com a emoção intensa e des­
confortável. É interessante observar que a preocupação remete à sen­
sação de controle e de ação responsável; ao se preocupar, o indivíduo
evita entrar em contato com as emoções intensas e desagradáveis (Le-
304 Terapia do Esquema Emocional

ahy, 2007a). Pode-se afirmar que o déficit em habilidades de regula­


ção emocional prejudica significativamente o desenvolvimento da au­
tonomia, da espontaneidade e da autoconfiança.
Na perspectiva teórica proposta (Leahy, 2002; Leahy et al., 2013),
os indivíduos diferem tanto na forma de conceitualizar as suas emoções
quanto na forma de lidar com elas. Leahy (2002) definiu 14 dimensões
as quais os esquemas emocionais podem ser compreendidos, a saber: va­
lidação; inteligibilidade, culpa, visão simplista das emoções, valores mais
elevados, controle, entorpecimento, necessidade de ser racional, duração,
consenso, aceitação dos sentimentos, ruminação, expressão e responsabi­
lidade. Para investigação de tais dimensões, o autor desenvolveu a Escala
dos Esquemas Emocionais de Leahy (LESS) (ver Leahy et al., 2013).
A TEE é uma forma de terapia cognitivo-comportamental que
adota a reação emocional como norteadora dos fenômenos cognitivos.
Nesta perspectiva, adota como princípios fundamentais:
— As emoções dolorosas são universais e constituem produtos da
evolução; no passado remoto serviram como sinalizadores dos
perigos e de necessidades;
— Crenças e estratégias subjacentes (esquemas) acerca das emo­
ções determinam o impacto de uma emoção sobre seu aumen­
to ou manutenção;
— Esquemas problemáticos incluem tornar as emoções catastrófi­
cas; estratégias de controle emocional como tentativas de suprir,
ignorar, neutralizar ou eliminar as emoções pelo uso de substân­
cias psicoativas ou compulsão alimentar reforçam as crenças ne­
gativas a respeito das emoções como experiências intoleráveis;
— Expressão e normalização são úteis na medida em que universa­
lizam e ampliam a compreensão e a tolerância da experiência.

A TEE busca auxiliar o paciente a identificar e nomear as dife­


rentes emoções; normalizar a experiência emocional, especialmente as
emoções mais dolorosas e intensas; conectá-las às necessidades pessoais
e à comunicação interpessoal; identificar crenças e estratégias que se
revelam problemáticas para que se possa interpretar e lidar de forma
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 305

diferenciada com a emoção experienciada. Nesse sentido, a TEE busca


validar a experiência emocional, explorar os sentidos envolvidos na sua
expressão, normalizando-a, em vez de eliminá-la ou suprimi-la. Ressal­
ta a importância de discriminar as emoções, buscando formas constru­
tivas de utilizar a experiência emocional. Experiências emocionais in­
tensas podem constituir importantes oportunidades terapêuticas para
acessar conteúdos cognitivos relevantes, crenças centrais, imagens e
lembranças associadas a emoções intensas e demais eventos significati­
vos da vida. Sentimentos dolorosos são inerentes à condição humana e
constituem importantes oportunidades para construir relacionamentos
íntimos mais significativos e produtivos.

Técnicas da terapia do esquema emocional

As estratégias e técnicas terapêuticas comumente empregadas


neste modelo clínico são (Leahy, 2006; Leahy et al., 2013):
1) Modificação de esquemas emocionais: identificação de esquemas
emocionais; nomeação e diferenciação de outras emoções pos­
síveis; normalização da emoção; percepção de que as emoções
são temporárias; aceitação da emoção; aprender a como tolerar
sentimentos mistos, exploração das emoções como metas; aber­
tura de espaço para a emoção; escada de significados elevados.
2) Aceitação: prática da aceitação, ação comprometida, desfusão; a
metáfora dos “monstros no ônibus”; “como parar a guerra”.
3) Atenção plena: atenção plena respiratória, ampliação do espa­
ço, atenção plena do movimento (para maiores informações,
ver Capítulo 7).
4) Redução da excitação: relaxamento muscular progressivo; res­
piração diafragmática; relaxamento e imagens mentais (capí­
tulo 4).
5) Resolução de problemas: identificar e especificar o problema;
levantamento de possíveis soluções; avaliar as consequências
306 Terapia do Esquema Emocional

de cada urna das soluções levantadas; prática da solução; ava­


liar resultados obtidos (capítulo 3).
6) Ativação comporta-mental: programação de atividades e previ­
são de prazer; gerenciamento do tempo; autorreforçamento.
7) Reestruturação cognitiva: distinção entre pensamento e senti­
mentos; descatratofização; questionamento socrático (capítulo 1).
8) Comportamentos adaptativos voltados à busca de apoio social:
resistência à validação; identificação de reações problemáticas
à invalidação, exame do significado da invalidação; desenvol­
vimento de estratégias mais adaptativas para lidar com a in­
validação; superação da validação de si mesmo.

Verifica-se que uma parte importante das técnicas empregadas


na TEE é comum a outras terapias cognitivo-comportamentais, evi­
dência de que se trata de um modelo abrangente e integrado da regu­
lação emocional. Dentre os aspectos conceituais norteadores da tera­
pêutica proposta na TEE no desenvolvimento da regulação emocional,
podem-se destacar: a importância da validação, da empatia e da cone­
xão emocional no processo terapêutico e, consequentemente, a consi­
deração dos estilos de apego do paciente evidenciados no processo te­
rapêutico; a identificação e a refutação de mitos emocionais para ques­
tionar modelos cognitivos preconcebidos propostas pela Terapia Com-
portamental Dialética (TCD) (capítulo 11) para se referir às crenças
equivocadas acerca das emoções; o treinamento de atenção plena {min-
dfulness) (capítulo 7), possibilitando a experimentação das emoções de
forma completa, ficando em contato com o presente sem apresentar
reatividade comportamental intensa; a aceitação experiencial, permi­
tindo o contato com o presente, a disposição para vivenciar plenamen­
te as experiências privadas, proposta no modelo da Terapia de Aceita­
ção e Compromisso (ACT) (capítulo 12), o treinamento da menta
compassiva, proposta na Terapia Focada na Compaixão (TFC) (capí­
tulo 13), no desenvolvimento de esquemas emocionais adaptativos e
saudáveis; a psicoeducação e a reestruturação cognitiva (capítulo 1), no
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 307

processo de reestruturação de pensamentos disfuncionais; e a redução


do estresse (capítulo 4), central no processo de regulação emocional.
E como o terapeuta deve proceder para escolher as técnicas mais
adequadas? É importante ressaltar que, como em qualquer processo psi-
coterapêutico, a TEE começa realizando uma avaliação do estado mental
(Exame do Estado Mental) e da história de vida do paciente, elaborados
a partir de uma anamnese criteriosa. O conjunto de dados coletados a
respeito da história e da dinâmica de funcionamento do paciente permi­
te que o terapeuta elabore uma conceituação emocional ampla que
orientará o trabalho a ser desenvolvido com paciente. Tal conceituação
permitirá que o terapeuta tenha uma compreensão da teoria geral do pa­
ciente sobre suas emoções, incluindo avaliações, previsões e estratégias
empregadas para lidar nas diferentes situações-problema. Objetiva-se no
processo terapêutico a flexibilidade psicológica a partir do desenvolvi­
mento de habilidades de tolerância e regulação emocional. A medida
que a postura metaexperiencial é menos obsessiva e, portanto, mais aber­
ta às emoções e fundamentada na consciência receptiva das experiências,
menor é o sofrimento do indivíduo e mais adaptativos são os esquemas
emocionais. Nessa condição, a probabilidade de reagir com flexibilidade,
em vez de proceder à esquiva experiencial, revela-se maior. A TEE auxi­
lia o paciente a elaborar sua teoria implícita da emoção e da regulação,
bem como a desenvolver um modelo mais realista e adaptado da experi­
ência emocional (Leahy et al., 2013).

Dificuldades na regulação das


emoções na pós-modemidade

Como já discutido neste capítulo, a TEE auxilia o paciente a


construir um modelo mais realista a respeito das experiências emocio­
nais. No entanto, é possível que a realidade atual esteja facilitando a
desregulação emocional? Recorre-se neste ponto ao emprego de uma
metáfora para discutir a contribuição da cultura Ocidental para a des-
308 Terapia do Esquema Emocional

regulação emocional através de dois fenômenos: o surgimento da in­


ternet e das tecnologias digitais e o uso abusivo de medicações.
Imagine que a vida de cada pessoa é um barco a vela que ela pode
usar para explorar o mundo. As emoções e os pensamentos são como o
vento e as velas são os modos como se lida com as mesmas. A arte de ve­
lejar é a arte de manobrar as velas em função do vento, direção e intensi­
dade, com o rumo que se quer seguir. Um barco pode velejar a favor ou
contra o vento, o ajuste das velas é que garantirá a qualidade da viagem.
Não pode haver radicalismos, a vela não deve ser nem muito caçada (pu­
xada) nem muito folgada. Quando a viagem é na direção do vento (ex­
periência de emoções agradáveis), o veleiro é submetido à simples pres­
são do vento em sua vela; essa pressão impele a embarcação para frente.
Mas ao navegar contra o vento (experiência de emoções desagradáveis),
a vela é exposta a um conjunto mais complexo de forças. Se quiser che­
gar mais rapidamente ao destino, devem-se ajustar as posições da vela,
isto é fazer a regulação emocional, para aumentar ao máximo a velocida­
de. Em alguns momentos o barco pode começar a se inclinar para um
dos lados (adernar); para controlar esse movimento e manter o curso, é
importante estar ciente do vento (emoções/pensamentos), da posição
das velas (meios de lidar coma as emoções) e também do peso que se
leva a bordo e de como ele está distribuído.
O peso dado pela cultura à interioridade ou a exterioridade na cons­
tituição da subjetividade representa uma possível mudança no rumo da
construção do próprio eu na pós-modernidade (Bruno & Pedro, 2004). A
exposição ao olhar do outro foi facilitada pela internet e pelas tecnologias
digitais (celulares, e-mail, GPS), que nos permitem estar sempre disponí­
veis e potencialmente em contato para fins de busca de informação, co­
municação, socialização e entretenimento. Se, por um lado, há uma cone­
xão constante com outras pessoas, por outro, seu uso também pode ser
uma rota de fuga das emoções desagradáveis ou de exaltação desmedida
das emoções prazerosas (afinal nas redes sociais existem tantas pessoas be­
las, realizadas, descolados, engraçadas, etc.).
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 309

Várias dessas emoções náo estão mais relacionadas à degradação


do ser ao ter, mas a necessidade de “aparecer” para se constituir como
indivíduo; nesse cenário, garantir a visibilidade individual se tornou
o valor máximo. A administração da imagem que projeta o “eu” pode,
por exemplo, se tornar fonte de:
• Ansiedade — sentindo-se ameaçado com: (a) a sensação de que
mesmo continuamente conectado, não se está acompanhando
tudo; (b) a checagem de estatísticas de visitantes, de quem
seguiu ou deixou de seguir ou de quem “curtiu” alguma foto ou
mensagem; (c) as dúvidas sobre aceitar pedidos de amizade; e
(d) a pressão para produzir algo interessante sobre si, etc.
• Tristeza — fazer um post e não receber nenhum comentário
pode levar a pessoa a se sentir solitária ou desprezada, A com­
paração com as realizações alheias se tornou fácil e pode ser
vivida como uma sensação de fracasso.
• Preocupação com o poder e fama avaliados a partir de segui­
dores no Twitter e Instagram ou ainda de “curtidas” no Facebook.

Como tudo no mundo, as redes sociais não causam apenas da­


nos ou oferecem somente benefícios, o que faz a diferença é o modo
como às pessoas usam esses novos recursos. Nas redes sociais o indi­
víduo fala, por exemplo, de si mesmo, de seus sentimentos, de suas
preferências e do que faz; e também observa com curiosidade a intimi­
dade do outro. Será que as trocas permitem a vivência da sensação de
aceitação e de “normalidade” das emoções? Conhecer as dificuldades
vividas por outros e perceber que pessoas com problemas semelhantes
conseguem solucioná-los reduziría a sensação de desamparo? O acesso
à informação sobre os transtornos psicológicos e o tratamento pode ser
ampliado nas redes, mas, por outro lado, informações distorcidas po­
dem circular com mais velocidade.
No mar da pós-modernidade há muita ventania e também muitos
meios de ajustar as velas, uns mais eficazes, outros menos. A intensifica­
ção ou a desativação excessiva das emoções representa um desajuste nas
310 Terapia do Esquema Emocional

posições das velas, muito favorecido pela cultura na qual se está inse­
rido. Neste momento há uma tendência na cultura ocidental em usar
medicação para suprimir as emoções desagradáveis, em vez de promo­
ver a regulação das mesmas. Os ansiolíticos estão entre as medicações
mais consumidas no mundo todo (Andrade, Andrade & Santos,
2004). Associado ao uso indevido de psicotrópicos (casos de pacientes
que compraram o medicamento sem prescrição médica ou que con­
sumiram a droga em quantidades ou prazos superiores ao recomenda­
do) se encontra a crença não funcional de que todos os problemas de­
vem ser rapidamente superados e que as frustrações cotidianas devem
ser atenuadas pelo lazer e pelo consumo incessante de produtos, in­
clusive medicamentos (Dantas, 2009). As propagandas dos laborato­
rios farmacêuticos associam as pessoas felizes ao uso de medicamentos
que eliminam emoções — como a ansiedade — causadas pelos proble­
mas cotidianos. Ironicamente, ansiolíticos (comumente chamados de
tranquilizantes) podem causar dependência, e, consequentemente,
sem a droga, o individuo pode passar a se sentir mais irritado, ter in­
sônia, sudorese e dores pelo corpo. Então, a tentativa de supressão de
uma emoção pode provocar justamente o oposto. Hoje, o sofrimento
psíquico passou a ser compreendido e vivenciado por muitos como
um problema médico, deixando de ser um drama subjetivo. A partir
desta perspectiva, as emoções desagradáveis cotidianas e as decepções
da vida passam a ser entendidas como fruto primariamente de um
transtorno da neurotransmissão cerebral (para uma discussão mais ex­
tensa, ver Capítulo 23).
A proposta de regulação emocional por meio da psicoterapia
pode parecer menos atraente que o simples tratamento medicamento­
so, que aparecería como mais eficiente, rápido e garantido (Pelegrini,
2003). No entanto, o comando da embarcação no mar de emoções
envolve o desenvolvimento de competências de regulação emocional
que podem ser aprendidas na terapia. Paciente e terapeuta são como o
timoneiro e o navegador que combinam as táticas e procedimentos (já
mencionadas anteriormente) usados durante a regata.
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 311

Considerações finais

Os esquemas emocionais parecem desempenhar um papel im­


portante em diversos transtornos psicológicos. Terapeutas cognitivos
experientes reconhecem que a ativação intensa das emoções pode in­
clusive dificultar a aprendizagem de técnicas cognitivas. Ensinar o pa­
ciente a suportar e a regular suas emoções pode trazer grande alívio do
sofrimento psíquico, visto que, em função desse desconforto emocio­
nal, muitos pacientes adotam comportamentos problemáticos para re­
duzir o sofrimento.
Lidar com as emoções sempre foi um desafio: mesmo desejando-
se a tranquilidade, não é possível navegar sem tempestades. Atualmente,
o mar da vida se encontra muito agitado. A revolução tecnológica vem
transformando o modo das pessoas de sentir, de pensar e de viver. Evi­
dentemente não há como estabelecer relações de simples causalidade en­
tre as mudanças socioculturais e o sofrimento psíquico. Pelo contrário,
muitas pessoas aceitam, dão sentido para suas emoções e as usam para
navegar pelo oceano do mundo. Contudo, no mundo fluido da pós-
modernidade não é mais possível viver ancorado nas tradições e institui­
ções. As tempestades produzidas pela a supervalorização da performan­
ce, do consumo, a necessidade de visibilidade, a mudança na qualidade
dos vínculos e a percepção de que a condução da própria vida depende
apenas de si pode gerar fortes ondas emocionais. A TEE parece muito
útil neste novo cenário. Nessa perspectiva, o desenvolvimento de estudos
que ampliem a discussão do papel da regulação emocional se revela ne­
cessário e relevante para o avanço dessa área de investigação.
Diante do exposto, pode-se considerar que buscar precisão no
mar das emoções talvez seja um equívoco. As técnicas e estratégias para
lidar com as emoções, discutidas ao longo do capítulo, não oferecem a
precisão que os instrumentos náuticos proporcionam, no entanto, re­
presentam uma forma de aceitar os sentimentos negativos como parte
integral de cada pessoa.
312 Terapia do Esquema Emocional

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11
Terapia Comportamental Dialética

Wilson Vieira Melo

A Terapia Comportamental Dialética é um tratamento estruturado,


específicamente desenhado para o tratamento de pacientes borderlines
graves, apesar de, especialmente na última década, estar sendo tes­
tado em diferentes populações. Ele pode ser realizado individualmente
e também em formato grupai. No que se refere ao entendimento da
personalidade borderline, a principal diferença entre a abordagem
convencional da terapia cognitivo-comportamental e a Terapia Com­
portamental Dialética é a de que a primeira considera a interpretação
distorcida dos eventos de como associada à gênese e à manutenção da
psicopatologia, enquanto a segunda pressupõe que d desregulação
emocional estaria associada às demais dificuldades que o paciente
borderline enfrenta em sua vida, ou seja, a desregulação emocional
levaria à desregulação cognitiva, comportamental e interpessoal.
W.V.M.

A Terapia Comportamental Dialética (TCD) é um tratamente


desenvolvido no início da década de 1990, orientado inicialmente parí
tratar mulheres com níveis graves de Transtorno da Personalidade bor­
derline (TPB) (Linehan, 2010a). E considerada pela Força-Tarefa 12
da APA como o tratamento de escolha para pacientes com grave TPB ou
que apresentem comportamentos suicidas graves (Critchfield & Benjamin
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 315

2006; Linehan et al., 2006). Tal abordagem se desenvolveu após a sua


criadora, a psicóloga americana Marsha M. Linehan, se defrontar com
as inúmeras dificuldades existentes nas tentativas, muitas vezes frustra­
das, de profissionais tratar pacientes com tais características. Pessoas
com diagnóstico de TPB costumam ser bastante instáveis e, de certa
forma, é possível afirmar que a única coisa relativamente estável na
vida desses indivíduos é sua instabilidade.
Como Linehan tinha um interesse pessoal no entendimento da per­
sonalidade borderline-, ela se ocupou de estudar e ler tudo o que já havia
sido discutido acerca do assunto, nas diferentes abordagens teóricas dispo­
níveis até então (Linehan, 2010a). A partir daí, deu início a um tratamen­
to altamente estruturado, que mescla elementos de diferentes abordagens
teóricas, tanto para o tratamento quanto para o manejo de situações de
crise ao longo dele. Apesar de dividir elementos com sistemas psicodinâ-
micos, centrada no cliente, gesta.lt e estratégias paradoxais (Heard & Li­
nehan, 1994), é a aplicação da ciência comportamental, mindfidness, e a
filosofia oriental que definem suas características essenciais.
Pessoas com TPB podem apresentar inúmeros padrões disfuncio-
nais nas esferas cognitiva, emocional, comportamental e interpessoal
(APA, 2013). A TCD propõe uma abordagem organizada e sistemática,
na qual uma numerosa equipe de tratamento compartilha alguns pressu­
postos fundamentais acerca da terapia e também do paciente. Indivíduos
borderlines graves frequentemente tentam o suicídio como uma forma de
obter alívio para seu sofrimento, ou ainda devido às suas características de
intensa impulsividade (APA, 2013). Tal abordagem considera comporta­
mentos suicidas, por exemplo, como uma estratégia mal-adaptativa de re­
solução de problemas e usa as técnicas bem estudadas e empíricamente va­
lidadas da Terapia Cognitivo-Comportamental para ajudar os pacientes a
resolver seus problemas de vida de modo mais adaptativo.

Transtomo da Personalidade Borderline

O TPB se caracteriza por um padrão constante de instabilidade


; em diversas áreas da vida do indivíduo. Tal característica inclui relacio-
316 Terapia Comportamental Dialética

namentos interpessoais, autoimagem, afeto, além de uma considerável


impulsividade que começa no início da idade adulta e está presente em
uma variedade de contextos. Tais padrões sâo de difícil manejo e justi­
ficam o porqué de tais indivíduos terem sido considerados praticamen-
te intratáveis até o inicio da década de 1990.
Indivíduos com TPB costumam empregar um enorme esforço
para evitar o abandono, que pode ser real ou até mesmo imaginário
(Critério 1) (APA, 2013). A percepção de abandono ou rejeição imi­
nente pode levar a profundas mudanças da autoimagem, do afeto, da
cognição e do comportamento, o que faz com que esses indivíduos se­
jam bastante suscetíveis às circunstâncias ambientais. Eles costumam
experimentar temores intensos com a possibilidade de abandono e ain­
da raiva inapropriada quando se defrontam com uma separação realís­
tica por tempo limitado ou, em alguns casos mais graves, quando exis­
tem mudanças inevitáveis nos planos, como, por exemplo, reações sú­
bitas de intensa emoção frente ao anúncio do terapeuta de que vai via­
jar por alguns dias, ou até mesmo ante o término do horário da con­
sulta. Tais reações podem se apresentar em forma de intensa furia ou
até mesmo de pânico, quando alguém importante para eles está alguns
minutos atrasado ou necessita cancelar um compromisso previamente
agendado. O temor frente ao abandono é uma das características mais
marcantes do TPB (Linehan, 2010a).
Pessoas com TPD podem acreditar que tais situações, interpreta­
das como abandono, são evidências de que eles são maus ou inaceitá­
veis, denotando frequentemente tais crenças centrais acerca do próprio
r^(Beck, Freeman, & Davis, 2005). Esse medo intenso do abandono
está relacionado a uma intolerância a estar sozinho e a uma necessida­
de de ter outras pessoas por perto. Tal esforço frenético para evitar o
abandono pode incluir atos impulsivos tais como automutilação ou
ainda comportamentos suicidas.
E bastante comum os indivíduos com TPB apresentarem pa­
drões significativos de uma intensa instabilidade nos seus relaciona­
mentos interpessoais (Critério 2) (APA, 2013). Eles podem idealizar
os seus cuidadores ou parceiros já no primeiro ou segundo encontro,
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 317

buscando passar muito tempo juntos e dividindo detalhes íntimos de


suas vidas já nas primeiras semanas ou dias de relacionamento. Entre­
tanto, podem mudar rapidamente da idealização para a extrema desva­
lorização, interpretando e consequentemente sentindo como se o ou­
tro não cuidasse deles ou não se doassem o suficiente, ou ainda que
não estejam suficientemente disponíveis.
Em razão desse padrão, criam um ideal de pessoa que pode ser
bastante perigoso, na medida em que a frustração pode induzi-los a
um sentimento de intensa decepção. Esses indivíduos podem sentir
empatia e cuidar de outras pessoas, mas apenas com a expectativa de
que a outra pessoa estará disponível para satisfazer as suas próprias de­
mandas de necessidades afetivas. Pessoas com TPB estão propensas a
mudanças súbitas e dramáticas em seu ponto de vista acerca dos ou­
tros, que podem, alternativamente, ser vistos como suportes beneficen­
tes ou como cruelmente punitivos (Lotufo Neto & Saffi, 2011). Tais
características representam uma imensa dificuldade no tratamento des­
ses pacientes, uma vez que o terapeuta pode rapidamente passar da
condição de “tábua de salvação” para a de vilão, e despertar todo o
medo de rejeição e abandono característico do funcionamento da per­
sonalidade borderline.
Outro aspecto importante é o de que pode haver um distúrbio
acentuado e constante de autoimagem e de senso de identidade (Crité­
rio 3) (APA, 2013). Essa instabilidade pode se manifestar através de
mudanças de metas, de valores ou até mesmo de aspirações vocacio­
nais. Podem mudar subitamente de opinião e de planos acerca da car­
reira, identidade sexual, valores pessoais e amigos. Esses indivíduos po­
dem mudar, de repente, do papel de uma pessoa suplicante, carente de
ajuda, ao de um justo vingador de maus-tratos do passado. Embora
eles habitualmente tenham uma autoimagem de que são maus ou mal­
vados, os indivíduos com esse transtorno podem, por vezes, ter a sen­
sação de que eles não existem (Melo & Fava, 2012). Tais experiências
geralmente ocorrem em situações nas quais os indivíduos sentem falta
de um relacionamento significativo, carinho e apoio. Em razão disso,
podem apresentar uma desorganização ou piora no desempenho esco­
318 Terapia Comportamental Dialética

lar ou no trabalho. A vida emocional dos individuos borderlines pode


ser impressionantemente turbulenta, e isso interfere de maneira direta
em todas as outras áreas de suas vidas.
Urna das marcas registradas de indivíduos com TPB é a impulsi­
vidade acentuada, que deve estar presente em pelo menos duas áreas
potencialmente autodestrutivas (Criterio 4) (APA, 2013). Em razáo
disso, podem jogar apostando dinheiro, gastar recursos financeiros de
forma irresponsável, apresentar consumo alimentar compulsivo, abu­
sar de substancias como álcool e outras drogas, ter relações sexuais pro­
miscuas e sem proteção ou dirigir perigosamente. Pessoas com perso­
nalidade borderline podem apresentar, de modo recorrente, comporta­
mentos suicidas ou atos, gestos ou ameaças parassuicidas e também
comportamento automutilante (Critério 5) (APA, 2013). O suicídio
consumado ocorre em 8 a 10% dos casos e os comportamentos auto-
mutilantes, tais como se cortar ou se queimar, e ameaças e tentativas
de suicídio são bastante comuns (APA, 2013; Linehan, 2010).
Os comportamentos e gestos suicidas são uma forma mal-adap-
tativa desses indivíduos em resolverem seus problemas e em pedirem
ajuda aos outros (Heard & Linehan, 1994; Melo & Fava, 2012). Tais
atos autodestrutivos são muitas vezes precipitados por ameaça de sepa­
ração ou de rejeição, ou ainda por expectativas de que o indivíduo está
para assumir um aumento das responsabilidades. Isso pode ocorrer de­
vido à frágil autoestima presente e à falta de autoconfiança. Os episó­
dios de automutilaçâo podem ocorrer durante crises e experiências dis-
sociativas e frequentemente trazem alívio devido a reafirmação da ca­
pacidade de que podem sentir emoções ou ainda confirmar e dar sen­
tido à crença de que eles são maus. Pacientes borderlines frequentemen­
te relatam que a dor física parece trazer um alívio à dor emocional e ao
sentimento de vazio que costumam sentir.
Indivíduos com TPB podem apresentar uma instabilidade afeti­
va que é derivada de uma acentuada reatividade do humor, como, por
exemplo, episódios de intensa disforia, irritabilidade ou ansiedade, ge­
ralmente durando algumas horas e apenas raramente mais do que al­
guns dias (Critério 6) (APA, 2013). O humor disfórico desses indiví­
Estratégias Psicoterápicas è a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 319

duos, caracterizado por sentimento de tristeza concomitante com irri­


tabilidade, comumente é perturbado por períodos de raiva, pânico ou
desespero e raramente sâo aliviados pelos períodos de bem-estar ou sa­
tisfação. Tais episódios podem refletir a extrema reatividade desses in­
divíduos a situações interpessoais estressantes, muitas vezes apresentan­
do um sentimento crônico de vazio (Critério 7) (APA, 2013).
Um dos critérios diagnósticos que reflete claramente a intensa
instabilidade e desregulação emocional dos indivíduos com TPB é o
de que eles apresentam uma raiva inapropriada ou intensa (Critério 8)
(APA, 2013). Tal sentimento de raiva pode fazer com que apresentem
uma importante desregulação comportamental, uma vez que pode ser
difícil para eles controlar seus atos raivosos e impulsivos. Linehan
(2010a) questiona o texto apresentado pelo Manual Diagnóstico e Es­
tatístico dos Transtornos Mentais (DSM 5), pois, de acordo com a sua
hipótese teórica, indivíduos borderlines apresentam uma desregulação
emocional que abrange todas as emoções. Para ela, a raiva acaba sendo
mais observada por estar mais associada a comportamentos externali-
zantes, como agressões, automutilação e outras condutas impulsivas.
De acordo com esta visão, nos indivíduos com TPB, as emoções nega­
tivas como um todo são intensas e podem ser inapropriadas e não se
limitarem apenas a raiva, conforme proposto pela Associação Psiquiá­
trica Americana (APA, 2013).
Em razão dessa intensa desregulação emocional, podem de­
monstrar intenso sarcasmo, rancor permanente e explosões ou ataques
verbais. A raiva é frequentemente eliciada quando um cuidador ou
parceiro é visto como negligente, indiferente ou propenso a abando­
nar. Tais expressões de raiva são comumente seguidas de vergonha e
culpa e contribuem para a confirmação de que são maus ou intrinsica-
mente inaceitáveis (Beck et al-, 2005). Tais comportamentos interfe­
rem diretamente no manejo terapêutico desses pacientes uma vez que
esse padrão pode ocorrer também nas consultas, internações e até mes­
mo durante telefonemas.
Durante períodos de estresse intenso, ideações paranoides transi­
tórias ou sintomas dissociativos, tais como despersonalização e desreali-
320 Terapia Comportamental Dialética

zação, podem ocorrer (Critério 9) (APA, 2013), mas estes são geralmen­
te com gravidade ou duração insuficientes para garantir um diagnóstico
adicional. Esses episódios correm mais frequentemente em resposta a
um abandono real ou imaginário e tendem a ser transitórios, durar mi­
nutos ou horas apenas. O retorno ou contato, real ou percebido, do cui­
dador ou parceiro, frequentemente resulta na remissão de tais sintomas.
O TPB é um diagnóstico menos frequente em homens; 75% dos
casos correspondem a mulheres (APA, 2013). Em razão da maioria dos
pacientes serem do sexo feminino, os exemplos abordados no texto deste
capítulo serão com mulheres. A média da prevalência populacional é es­
timada entre 1,6% e 5,9%, nas estimativas mais elevadas. Nos serviços
de cuidados primários em saúde, a prevalência pode chegar a 6% e entre
indivíduos atendidos em serviços de saúde mental ambulatoriamente a
prevalência é de 10%. Entretanto, nos serviços de internação em clínicas
e hospitais psiquiátricos a estimativa é de que 20% dos pacientes tenham
o diagnóstico de TPB (APA, 2013). Dessa forma, o TPB é o transtorno
da personalidade mais prevalente em populações clínicas. Apesar de ser
um diagnóstico grave e com grandes níveis de disfimcionalidade, um
dado de pesquisa promissor é o de que a prevalência do mesmo diminui
ao longo dos anos (APA, 2013). Até os 50 anos de idade, a maioria dos
indivíduos com TPB obtém grande estabilidade nos seus relacionamen­
tos e no funcionamento ocupacional.
Como o TPB é um diagnóstico com sintomas que podem ser
confundidos ou até mesmo compartilhados com outros transtornos
mentais, é muito importante que se realize uma apropriada avaliação
diagnostica. Dentre os principais diagnósticos diferenciais estão os trans­
tornos depressivos e bipolares. A instabilidade do humor pode confun­
dir a avaliação do clínico e tornar o diagnóstico pouco claro ou impreci­
so. Além disso, outros transtornos da personalidade, em especial os do
Cluster B (APA, 2013): transtorno da personalidade antissocial, trans­
torno da personalidade histriônica e o transtorno da personalidade nar­
cisista, podem apresentar características de sedução, dramaticidade e ma­
nipulação, frequentemente observados também em pacientes com TPB.
É importante considerar também o diagnóstico de alterações da perso-
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 321

nalidade devido a outra condição médica, sempre que algum dado rele­
vante da história clínica do indivíduo possa ser relacionada a tais padrões
de funcionamento da personalidade. Ademais, transtornos por uso de
substâncias podem ser confundidos com o TPB, uma vez que o uso da
substância pode exacerbar, mascarar, ou até mesmo atenuar característi­
cas do funcionamento da personalidade do indivíduo.
O TPB é um diagnóstico bastante complexo, no qual frequente­
mente são encontrados diagnósticos adicionais. As comorbidades po­
dem tornar a avaliação e o tratamento consideravelmente mais com­
plexos. Eventos traumáticos ao longo da vida, tais como abuso sexual,
emocional e físico, podem estar diretamente associados a etiología da
personalidade borderline. Esse estilo de personalidade, de acordo com
Linehan (2010a), teria se originado a partir de uma vulnerabilidade
biológica e temperamental, em interação com o que ela, em sua Teoria
Biossocial, denominou Ambientes Invalidantes.

Teoria Biossocial

A conceitualização de caso na TCD é baseada na Teoria Biosso­


cial e também no nível de comprometimento e gravidade do transtor­
no. Vários elementos da TCD dão uma estrutura claramente definida
para a intervenção terapêutica. Essa estrutura por sua vez, se traduz em
uma postura terapêutica colaborativa e em objetivos e metas de trata­
mento que são hierarquicamente organizados de acordo com a impor­
tância a ela atribuída (Koerner & Dimeff, 2007).
De acordo com Linehan (2010a), o problema primário do
TPB é um padrão invasivo de regulação do sistema emocional. Par­
tindo dessa premissa, todos os problemas comportamentais (p. ex.:
comportamentos suicidas e autoautomutilantes), bem como a desre-
gulação cognitiva (p. ex.: pensamento dicotômico e ideação paranoi-
de transitória) e osproblemas interpessoais (p. ex.: instabilidade nos
relacionamentos e busca de aceitação) seriam consequências dessa
desregulação emocional.
322 Terapia Comportamental Dialética

Essa desregulação emocional seria supostamente derivada e tam­


bém mantida tanto por fatores biológicos quanto por fatores ambien­
tais. No que diz respeito aos aspectos biológicos, tais indivíduos apre­
sentariam uma vulnerabilidade e uma predisposição a tal dificuldade
em regular suas emoções (Ebner-Priemer et al., 2005) devidas a altera­
ções em seu Sistema Nervoso Central. Pacientes com TPB apresentam
ativações emocionais com mais frequência e com maior intensidade e
tendem a demorar mais tempo para retornar aos níveis emocionais ini­
ciais do que indivíduos sem o transtorno (Stiglmayr, Grathwol, Li-
nehan, Ihorst, Fahrenberg & Bohus, 2005).
Entretanto, a predisposição biológica não seria o suficiente
para desencadear o TPB. De acordo com Linehan (2010a), a invali­
dação das necessidades emocionais da criança estariam diretamente
ligadas ao surgimento das características dos indivíduos borderlines.
Tais experiências seriam derivadas daquilo que ela denominou Am­
bientes Invalidantes. Linehan (2010a) define com tal conceito aquele
ambiente onde a criança se percebe punida por ser como é, se com­
portar como se comporta e sentir da maneira que sente. O indivíduo
que cresce em um Ambiente Invalidante acaba por não desenvolver
um self estávei, uma vez que passa a sondar no ambiente pistas de
como deve interpretar, sentir e agir. Adicionalmente, tais contingên­
cias ambientais não fornecem instruções claras de como deve se agir.
A falta de uma instrução definida faz com que a personalidade se de­
senvolva de modo errático e instável.
O abuso sexual infantil é o protótipo de Ambiente Invalidante
relacionado ao TPB, dada a correlação observada entre o transtorno,
comportamento suicida e relatos de abuso sexual na infância (Wagner
& Linehan, 1997). Entretanto, em razão de nem todos os indivíduos
com TPB apresentarem história de abuso sexual na infância, e também
porque nem todas as vítimas de abuso sexual na infância desenvolvem
TPB, tal associação permanece pouco clara no que diz respeito às dife­
renças individuais. Achados interessantes sugerem que a intensidade/
reatividade de afeto negativo é maior preditor de sintomas do TPB do
que abuso sexual (Rosenthal, Cheavens, Lejuez, & Lynch, 2005).
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 323

O resultado desse padrão invasivo de desregulação emocional in­


terfere na capacidade de resolução de problemas, o que inevitavelmen­
te leva a outras situações-problema. Por exemplo, uma paciente vem
para sua consulta de terapia após ter tido uma discussão intensa com o
companheiro, que resultou no término do relacionamento. Quando o
terapeuta pergunta a ela sobre o fato ocorrido, a paciente está bastante
envergonhada, fica calada e se enrola abraçando as pernas e batendo
com a cabeça contra a poltrona. Essa resposta prejudica qualquer ten­
tativa de ajuda que o terapeuta podería ter oferecido sobre o gerencia­
mento da raiva no relacionamento com o namorado e cria uma nova
situação sobre a qual a paciente sente vergonha, isto é, o modo como
age na terapia (Melo & Fava, 2012). Tais condutas mal-adaptativas,
incluindo comportamentos extremos como atos suicidas e parassuici-
das, são utilizadas em uma tentativa de solucionar os problemas e, em
particular, ocorrem durante estados emocionais dolorosos, muitas ve­
zes buscando proporcionar um alívio (Koerner & Dimeff, 2007). Tor-
na-se difícil para muitos pacientes saberem quando culpar a si mesmos
ou aos outros. “Qualquer um é capaz de controlar seu próprio com­
portamento [tal como os outros acreditam ou esperam]. Como não
consigo, sou manipuladora, ou sou incapaz de controlar minhas emoções,
como uma vida inteira de experiências mostra. Isso significa que a vida
será sempre um pesadelo de interminável descontrole”.
Na TCD as habilidades não devem ser esperadas, mas sim en­
sinadas (Linehan, 2010a). Quando a pessoa tenta satisfazer as expec­
tativas que estão fora de sintonia com suas verdadeiras capacidades,
ela pode falhar, sentir-se envergonhada, e decidir que ser punida ou
mesmo morrer é o que ela merece. Do mesmo modo, quando a pes­
soa adequa suas expectativas para acomodar suas vulnerabilidades,
mas os outros não, ela pode ficar com raiva por ninguém oferecer
ajuda. Esse é o grande dilema da terapia. O terapeuta deve manter-se
dialeticamente em equilíbrio a fim de aceitar dificuldades e validar as
necessidades emocionais da paciente, sem deixar de exigir mudanças.
Todo processo de terapia envolve aceitação do que se é, e mudança
daquilo que se é.
324 Terapia Comportamental Dialética

Estrutura do tratamento na Terapia


Comportamental Dialética

Em qualquer tratamento psicoterápico, é importante que o pa­


ciente possa ser avaliado do ponto de vista do diagnóstico descritivo e
ateórico. O diagnóstico nosológico será a senha para saber se o pacien­
te tem ou não indicação para a TCD, bem como se ele poderá se be­
neficiar de um acompanhamento psicofarmacológico adicional. Urna
adequada avaliação diagnóstica envolve a busca por eventuais comor-
bidades, bem como demais informações clínicas relevantes para a ela­
boração de uma hipótese diagnóstica confiável. Conforme dito ante­
riormente, a TCD foi desenvolvida inicialmente e testada com sucesso
no tratamento de pacientes com TPB, em especial aqueles pacientes
com maior gravidade de sintoma (Linehan, 2010a).
A TCD é uma abordagem com uma estrutura de intervenção
bastante clara, na qual é necessário um total compromisso para com as
metas do tratamento. O estabelecimento adequado de metas é uma
condição imprescindível para que o trabalho tenha sucesso e, da mes­
ma forma, para que seja possível a obtenção de resultados. Vale aqui
uma frase feita, de autor desconhecido: “Onde tudo é prioridade, nada
é priorizado”. A TCD prioriza os problemas que devem ser primeira­
mente abordados como ponto inicial da terapia de acordo com a ame­
aça que eles oferecem à vida, à integridade física e à qualidade de vida
da paciente. O Quadro 11.1 apresenta a estrutura geral do tratamento
na TCD (Linehan, 2010a).

Quadro 11.1 Estrutura geral do tratamento na Terapia Comportamental


Dialética
ESTÁGIO OBJETIVOS
Pré-tratamento Compromisso com as metas primárias do tratamento.
Primeiro estágio Estabilidade emocional e dos relacionamentos.
Segundo estágio Trabalho sobre o processamento emocional do passado.
Terceiro estágio Síntese e resolução de problemas.
Quarto estágio Foco no senso de completude.
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 325

O primeiro passo é o chamado estágio pré-tratamento, seguido


dos estágios subsequentes do primeiro ao quarto (Linehan, 2010a).
No estágio pré-tratamento, assim como em outras abordagens da tera­
pia cognitiva, terapeuta e paciente estabelecem uma relação colaborati-
va de trabalho e firmam uma concordância quanto às metas essenciais
e ao método do tratamento. Não é necessário estabelecer um contrato
por escrito, mas é fundamental que ocorra uma concordância verbal
genuína acerca das metas de tratamento.
As combinações podem variar de um paciente para outro, depen­
dendo da extensão das metas e da gravidade do transtorno. Comumente
tais aspectos envolvem não vir intoxicado para as consultas e também não
se atrasar para elas, avisar que não poderá comparecer, em vez de simples­
mente faltar, combinações gerais quanto ao uso de telefonemas como re­
curso da terapia, além de outras combinações financeiras e de compromis­
so com a pesquisa, quando aplicável. Dado o nível de gravidade de muitos
casos, um dos acordos que devem ser assumidos nesse estágio pré-trata­
mento é o compromisso de um ano de tratamento. O paciente se compro­
mete a, dentro destes primeiros 12 meses, não tentar se matar, não se muti­
lar, não utilizar substâncias como álcool e outras drogas de modo abusivo,
utilizar a medicação conforme a prescrição e a seguir todas as combinações
estabelecidas pela terapia. Somente após esse compromisso ser assumido,
pode-se iniciar o primeiro estágio daTCD. A duração do estágio pré-trata­
mento pode variar de apenas uma ou duas consultas até vários meses, de­
pendendo de cada indivíduo. Muitas vezes, nessa etapa do tratamento, os
princípios da Entrevista Motivacional (Miller & Rolnick, 2001) podem ser
empregados como estratégia terapêutica auxiliar no comprometimento
para com o trabalho que se inicia (Esposito-Smythers, Walsh, Spirito, Ri-
zzo, Goldston, & Kaminer, 2012; McMurran, Cox, Coupe, Whitham, &
Hedges, 2010). Para saber mais sobre a Entrevista Motivacional como es­
tratégia psicoterápica, veja-se o Capítulo 2 deste livro.
Após a fase do pré-tratamento, inicia-se o primeiro estágio, indi­
cado para os casos mais graves do TPB. Nesta etapa o alvo são os com­
portamentos necessários para alcançar imediato aumento da expectati­
va de vida, controle das ações e vínculo suficiente para o tratamento,
326 Terapia Comportamental Dialética

além das capacidades comportamentais para atingir esses objetivos (Li-


nehan, 2010a). O tempo do tratamento deve ser alocado para dar
prioridade aos seguintes focos, listados por ordem de importância:
I. Comportamentos suicidas e homicidas ou ainda outras ameaças
iminentes à vida. Por motivos óbvios, o paciente deve estar vivo
para que as outras metas possam ser atingidas posteriormente.
II. Comportamentos do paciente ou do terapeuta que interferem
na terapia. O terapeuta deve tentar remover qualquer obstáculo
que interfira no bom andamento da relação terapêutica que se
inicia. Por exemplo, ele pode abordar diretamente o comporta­
mento hostil da paciente para lhe dizer que deve se comportar
adequadamente ao longo de todo o tratamento, a fim de que
ele, terapeuta, queira continuar tratando do seu caso. Outros
comportamentos, como os que violam as regras da terapia, tam­
bém devem ser abordados nessa fase inicial.
III. Comportamentos que interferem na qualidade de vida do pa­
ciente, tais como comorbidades com outros transtornos menos
graves, doenças, problemas de relacionamento interpessoal, com
o sistema legal, com o trabalho/escola ou ainda de moradia.
IV. Déficits nas habilidades comportamentais necessárias para
promover tais mudanças em sua vida. Na TCD, o ensina­
mento das habilidades está presente desde as etapas iniciais
do processo até o momento da alta.

A TCD assume que existem alguns déficits de habilidades parti­


cularmente relevantes na personalidade borderline e que proporcionar
o aprendizado dessas habilidades pode ajudar os pacientes a regular
suas emoções, a tolerar melhor o sofrimento e a reagir de maneira mais
habilidosa às situações interpessoais. Além disso, o desenvolvimento de
tais habilidades pode fazer com que os pacientes aprendam a observar,
descrever e participar sem julgamento, com mais consciência e foco na
eficácia interpessoal (Linehan, 2010a; Melo & Fava, 2012). Dessa for­
ma, será mais fácil manejar seu próprio comportamento com estraté­
gias diferentes das anteriormente empregadas.
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 327

O trabalho sobre essas habilidades visa diminuir a desregulação


cognitiva, emocional, comportamental e interpessoal. Para tanto, o
uso de estratégias como o Mindfulness vem sendo bastante ampliado
no trabalho com pacientes Borderlines (Bohus et al., 2004). A utiliza­
ção da atenção plena auxilia tais pacientes a desenvolverem a capacida­
de de prestar atenção às próprias sensações e sentimentos. Dessa for­
ma, Mindfulness oportuniza, além de plena atenção ao momento pre­
sente, a descrição não julgadora dos eventos e das próprias reações aos
mesmos, a participação ativa nos acontecimentos e momentos vividos
e o agir de acordo com seus valores e objetivos de vida (Vandenberghe
& Aquino de Souza, 2006). Para saber mais sobre Mindfulness como
estratégia psicoterápica, veja-se o Capítulo 7 deste livro.
Linehan (2010a) diferencia três estados mentais primários. A
“mente racional” é aquela pela qual a pessoa se concentra no aspecto in­
telectual, o raciocínio é puramente lógico ou racional. O segundo estado
seria a “mente emocional”, mediante a qual os acontecimentos são dis­
torcidos para que tenham coerência com o estado emocional. Por fim,
existiría a “mente sábia”, responsável por adicionar o conhecimento in­
tuitivo à experiência emocional e à análise lógica. O Mindfulness na
TCD é utilizado para se alcançar a “mente sábia” e para isso são conside­
radas habilidades do tipo “o que” e do tipo “como”. As do tipo “o que”
envolvem: a) observar; b) descrever e; c) participar. Já as habilidades do
tipo “como” são: i) postura acrítica; ii) aprender a concentrar a mente e
a consciência no momento; e iii) fazer o que realmente é necessário em
uma situação. Exercícios práticos podem trazer a orientação para que o
paciente sinta as sensações do seu corpo, os sons do ambiente, e in­
cluem, se for o caso, o pedido para que se afaste da cena e apenas obser­
ve (Bohus et al., 2004). E importante lembrarmos que observar ou des­
crever o que sentem e pensam não significa dissociar.
Pacientes borderlines sempre foram considerados difíceis de se­
rem tratados e grande parte dessa fama se deve às dificuldades de rela­
cionamento interpessoal, uma vez que o terapeuta é, antes de ser tera­
peuta, uma pessoa. Dessa forma, uma das metas a serem atingidas
logo no início da terapia é a de reduzir comportamentos que interfe-
328 Terapia Comportamental Dialética

rem diretamente no tratamento, tanto por parte do paciente quanto


do terapeuta (Linehan, 2010a). Em outras palavras, comportamentos
do paciente que interferem no recebimento da terapia, tais como nao
comparecer ñas consultas, apresentar urna postura não colaborativa ou
de falta de comprometimento, ou ainda a manifestação de condutas
que levem o terapeuta até a fronteira dos seus limites ou que reduzam
a sua motivação para tratá-los, sáo vistos em pé de igualdade com os
comportamentos do terapeuta que podem desequilibrar a terapia.
Dentre os comportamentos do terapeuta que desequilibram a terapia
está a dificuldade em se manter dialético (Heard & Linehan, 1994).
Isso inclui aceitar demais as dificuldades da paciente ou ser extrema­
mente intolerante a elas, isto é, ou ser muito flexível ou ser rígido de­
mais, e assim por diante.
E importante ressaltar que naTCD as metas e objetivos da terapia
não consistem apenas em suprimir comportamentos disfuncionais gra­
ves, mas sim em construir urna vida que qualquer pessoa consideraria
razoavelmente digna de ser vivida. Dessa forma, as metas do segundo es­
tágio da terapia estão em alcançar-se experiências não traumáticas e a
conexão com o meio ambiente (Bohus et al., 2004; Ebner-Priemer et
al., 2005). O trabalho com as memórias traumáticas derivadas do Am­
biente Invalidante e experiências negativas da história de vida são a prio­
ridade nessa etapa. O trabalho realizado no estágio anterior é crucial
para que se desenvolva a estabilidade emocional necessária para acessar
tais memórias e reinterpretá-las através das estratégias terapêuticas da te­
rapia cognitiva. Não existe tempo delimitado para cada um dos estágios,
variando enormemente de um paciente para outro, dependendo das ca­
racterísticas de cada história de vida, recursos e habilidades individuais.
No terceiro estágio, o paciente sintetiza o que foi aprendido nos
estágios anteriores, com ênfase no aumento do respeito próprio e um
permanente sentido de conexão, bem como resolução de problemas de
vida (Heard èc Linehan, 1994; Koerner Sc Dimeff, 2007). Nessa etapa
do tratamento, a psicoterapia se assemelha a uma psicoterapia de um
paciente sem o TPB, com problemas da vida cotidiana que podem ser
encontrados na vida de qualquer pessoa. Os alvos aqui são o autorres-
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 329

peito, o domínio de seus comportamentos e emoções, a autoeficácia,


um senso de moralidade, e uma qualidade de vida aceitável.
O objetivo da terapia não é fazer com que o paciente esqueça as
experiências dolorosas do passado, mas sim tornar possíveis as lem­
branças sem sofrimento, ou, pelo menos, conseguir que essas lembran­
ças não acarretem um descontrole devido à hiperativação emocional.
Assim como em outras abordagens para o tratamento do trauma (Fol-
lette & Ruzek, 2006), a TCD incentiva a aquisição de competências
em um nível suficiente para que se tenha uma qualidade de vida razoá­
vel, bem como estabilidade do controle comportamental, antes da ex­
posição sistemática para os estímulos que estão associados a traumas
passados. Dessa forma, o trabalho no segundo estágio da TCD pode
ser considerado análogo ao tratamento empregado nos quadros de
transtorno de estresse pós-traumático (APA, 2013).
A diminuição da frequência dos comportamentos disfuncio­
nais, presentes no primeiro estágio, bem como a velocidade da reto­
mada da estabilidade emocional definem a diferença entre os estágios.
A prontidão para o segundo estágio é um processo bastante pessoal e
idiossincrático. Em geral, os pacientes estão prontos para a transição
quando não estão mais apresentando comportamentos gravemente
disfuncionais e se mostram capazes de manter uma relação fortemen­
te estável na terapia (Linehan, 2010a). No terceiro estágio, os pacien­
tes já demonstram maiores habilidades para enfrentarem por si mes­
mos as pistas relacionadas às experiências traumáticas, e é quando
ocorre uma revisão e uma síntese das fases anteriores, com ênfase na
resolução de problemas.
O quarto estágio foca no senso de incompletude que muitos in­
divíduos borderlines experimentam, mesmo após seus problemas de
vida terem sido essencialmente resolvidos (Koerner & Dimeff, 2007).
Para muitos, as metas dessa etapa final do tratamento caem fora do
reino da terapia tradicional e dentro de uma prática espiritual que dá
origem a uma maior capacidade de liberdade, alegria ou, ainda, de rea­
lização espiritual. Linehan (2010a) afirma que muitos pacientes po­
dem buscar esse senso de completude através da meditação, da religião
330 Terapia Comportamental Dialética

e demais práticas espirituais, e que nem todos os pacientes precisam


ou conseguem atingir esse último estágio do tratamento.
Apesar dos quatro estágios serem apresentados de maneira linear,
a progressão através deles não ocorre necessariamente desse modo.
Muitas vezes a redefinição de metas de tratamento e recombinaçóes
quanto ao comprometimento que já havia sido discutido no estágio
pré-tratamento voltam à tona durante as fases subsequentes do mesmo
(Linehan et al., 2006). A transição do primeiro para o segundo está­
gio, por exemplo, pode ser bastante difícil para muitos pacientes por­
que o trabalho de exposição pode levar a uma intensa e dolorosa ativa­
ção emocional e, consequentemente, a uma descontrole comporta­
mental.

Resolução de problemas na
Terapia Comportamental Dialética

Muitos pacientes com TPB apresentam comorbidades com ou­


tros transtornos mentais (APA, 2013). A TCD utiliza protocolos em­
píricamente validados para o tratamento dos diferentes transtornos
que possam estar associados ao diagnóstico de TPB. Assim como ou­
tras abordagens em terapia cognitiva, os princípios da ciência compor­
tamental e da análise do comportamento são utilizados para determi­
nar o controle das variáveis para lidar com os problemas de comporta­
mento. Também são utilizadas as estratégias psicoterápicas da terapia
cognitiva para auxílio na resolução de problemas tais como a psicoedu-
cação, reestruturação cognitiva (para mais informações, ver Capítulo 1
deste livro), automonitoramento (capítulo 3), treino de habilidades so­
ciais (capítulo 5) e Mindfulness (capítulo 7).
Após terapeuta e paciente desenvolverem as metas e combina­
ções, o paciente começa a monitorar aqueles comportamentos que ele
concordaram em ter como alvo no tratamento (Linehan, 2010a). As­
sim que um dos comportamentos-problemas ocorrerem, a dupla tera­
peuta e paciente conduzem uma profunda análise de eventos e fatores
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 331

situacionais que se sucederam antes, durante e depois da situação em


questão. O objetivo de prover uma análise em cadeia é fornecer um re­
lato preciso e razoavelmente completo dos eventos comportamentais e
ambientais associados com o comportamento-problema. Como tera­
peuta e paciente discutem uma cadeia de eventos, o primeiro ressalta
os comportamentos disfúncionais, focando nas emoções, e ajudando o
paciente a se dar conta e a reconhecer os padrões entre esta e outras si-
tuações-problemas em sua vida. Juntos eles identificam onde uma res­
posta alternativa do paciente poderia ter produzido mudanças positi­
vas e por que tais respostas mais habilidosas não ocorreram (Heard &
Linehan, 1994; Koerner & Dimeff, 2007). Esse processo de análise em
cadeia, momento a momento ao longo do tempo, determina quais va­
riáveis controlam e influenciam a ocorrência de cada comportamento-
problema apontado, e o modo como ele ocorre.
Quatro pilares sustentam esse processo de mudança nos pa­
drões relacionados aos comportamentos-problemas: treino de habili­
dades, procedimento de exposição, manejo de contingências ambien­
tais e reestruturação cognitiva (Linehan, 2010a). Se a análise em ca­
deia revela um déficit nas capacidades, tais como a falta de habilida­
des necessárias no repertório do paciente, tais habilidades devem ser
ensinadas. Por outro lado, se o indivíduo apresenta as habilidades,
mas emoções, contingências ambientais e distorções cognitivas inter­
ferem no comportamento mais habilidoso, o terapeuta usa os princí­
pios básicos da exposição, manejo de contingências e reestruturação
cognitiva para ajudar o paciente a transpor tais barreiras usando suas
capacidades. Em qualquer uma das situações, é a análise em cadeia
que proporcionará os elementos que definirão qual a melhor estraté­
gia a ser utilizada em cada um dos diferentes casos.
Tratar pacientes com graves, crônicos e múltiplos transtornos re­
quer conhecimento acerca de diferentes protocolos de tratamento para
cada uma das diferentes psicopatologias, mas também exige que o te­
rapeuta apresente uma forma coesa de integrá-los para tratar um cená­
rio nunca antes modificado (Esposito-Smythers, 2012). A tarefa se tor­
332 Terapia Comportamental Dialética

na ainda mais complexa porque o trabalho deve estabelecer e manter


uma relação terapêutica colaborativa e produtiva. A aplicação das es­
tratégias de resolução de problemas de maneira flexível, associada ao
uso de protocolos de psicoterapia baseados em evidências e, também, à
filosofia dialética ajudam a resolver esses impasses terapêuticos.

Treino de habilidades na Terapia


Comportamental Dialética

Segundo Linehan (2010a), é proposto que dentro da estrutura


do tratamento exista um espaço específico para o treinamento de tais
habilidades. Esse trabalho pode ser desenvolvido tanto pelo terapeuta
individual (primário) quanto por um segundo profissional, denomina­
do treinador de habilidades. O treinador de habilidades tem a função
específica de desenvolver as habilidades que estão deficitárias no fun­
cionamento do paciente, e deve manter contato semanal com o tera­
peuta individual. Na TCD, é atribuído ao terapeuta individual a tarefa
de planejamento do tratamento e orientação dos demais membros da
equipe que interagem diretamente com a paciente.
O trabalho na TCD inclui o treinamento de habilidades como
um dos modos de tratamento dedicado a aumentar as habilidades em
áreas onde o indivíduo com TPB apresente déficits (Linehan, 2010a;
2010b). O treinamento envolve ensinar e fortalecer as habilidades para
regular as emoções, tolerar o sofrimento emocional, ser mais efetivo
nos conflitos interpessoais e desenvolver maior controle atencional.
Conforme dito anteriormente, na TCD as habilidades não são espera­
das, e sim ensinadas. Dessa forma, o trabalho com o desenvolvimento
de habilidades inicia já na primeira etapa do tratamento.
O treinamento das habilidades de regulação emocional ensina
uma série de estratégias comportamentais e cognitivas para reduzir res­
postas emocionais indesejadas, bem como comportamentos disfuncio-
nais impulsivos que ocorrem no contexto de intensas emoções (Melo
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 333

& Fava, 2012; Rosenthal et al., 2005). Dessa forma, busca-se ensinar
aos pacientes maneiras de identificar e descrever emoções, parar de evi­
tar as emoções negativas, aumentar emoções positivas, e também alte­
rar as emoções negativas indesejadas.
Uma vez que pacientes borderlines apresentam uma hiper-reati-
vidade emocional, é importante desenvolver também habilidades para
reduzir e tolerar melhor o sofrimento. O treinamento de habilidades
para aumento da capacidade de tolerância ao sofrimento auxilia no de­
senvolvimento de estratégias para controle da impulsividade e controle
da raiva, estratégias que visam a ensinar a sobreviver às crises sem usar
drogas, tentar o suicídio ou realizar outros comportamentos disfuncio-
nais (Bohus et al., 2004; Rosenthal et al., 2005).
Outra característica presente na vida da maioria dos indivíduos
borderlines é a instabilidade dos relacionamentos interpessoais (Ebner-
-Priemer et al., 2005). O aumento da eficácia interpessoal é ensinado
através de uma variedade de habilidades de assertividade para alcançar
um objetivo, mantendo os relacionamentos e preservando o autorres-
peito. Por fim, as habilidades de controle da atenção são trabalhadas
através das estratégias de Mindfulness, focando na conscientização e no
desenvolvimento de eficácia. Tais habilidades incluem focar a atenção
na observação de si mesmo ou de um contexto imediato, descrevendo
observações, participando espontaneamente e assumindo uma postura
que evita o julgamento (Vandenberghe & Sousa, 2006).
Se na terapia cognitiva a generalização das habilidades é algo
bastante desejado, na TCD isso é ainda mais necessário. Para auxiliar
no processo de generalização das habilidades recentemente aprendidas
na terapia, o terapeuta emprega recursos como o uso de telefonemas,
as consultas em grupo e a consultoria ao paciente no ambiente, isto é,
fora do consultório, quando necessário (Linehan, 2010a). Embora a
aquisição de competências e o fortalecimento das habilidades sejam
atribuição dos treinadores de habilidades no contexto do grupo de
treinamento de habilidades, é tarefa do terapeuta individual ajudar a
generalizar tais habilidades em todos os contextos relevantes.
334 Terapia Comportamental Dialética

Validação na Terapia Comportamental Dialética

Todos os pacientes se beneficiam em ter suas necessidades emo­


cionais validadas, mas a validação é particularmente essencial para c
sucesso das estratégias de mudança daqueles que são substancialmente
sensíveis emocionalmente e propensos à desregulação emocional (Li-
nehan, 2010a). As estratégias de validação daTCD não são destinadas
somente a comunicar um entendimento empático, mas também a co­
municar a validade das emoções do paciente, bem como a dos seus
pensamentos e ações.
Pacientes borderlines frequentemente estão acostumados a tratai
suas próprias respostas válidas como inválidas, assim como os próprios
terapeutas podem se acostumar a perceber respostas normais como pa­
tológicas (Ebner-Priemer et al., 2005). As estratégias de validação
equilibram esse ponto de vista, fazendo com que o terapeuta procure
por pontos positivos do paciente sempre que possível, além de ensina­
do a se autovalidar.
Por outro lado, mesmo um comportamento claramente inválido
pode ser válido em termos de sua eficácia (Rosenthal et al., 2005).
Quando um paciente diz que odeia a si mesmo, o ódio pode ser váli­
do, pois é uma resposta justificável se a pessoa agiu de uma forma que
viola valores importantes, como, por exemplo, se ela, deliberadamente
e por raiva, prejudicou outra pessoa. Cortar os braços em resposta ao
estresse emocional esmagador é válido, isto é, faz sentido, uma vez que
muitas vezes produz alívio de emoções insuportáveis. Por outro lado,
contudo, é inválido, uma vez que impede o desenvolvimento de outros
meios de regulação da emoção, provoca cicatrizes e afasta as outras
pessoas. O mesmo comportamento pode ser válido e inválido ao mes­
mo tempo (Linehan, 2010a; Wagner & Linehan, 1997). A partir dessa
perspectiva, todos os comportamentos podem ser válidos de alguma
forma, e o terapeuta deve se esforçar para identificar e comunicar o
que é válido com cada paciente.
Em quase todas as situações dentro da TCD, o terapeuta pode
validar que os problemas da paciente são importantes, que a tarefa é
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 335

difícil, que a dor emocional e o sentimento de estar fora de controle é


compreensível. Da mesma forma, frequentemente é útil validar o pon­
to de vista do paciente acerca dos problemas de vida e das crenças so­
bre como as mudanças poderíam ou não ser realizadas. Em outras pa­
lavras, a menos que o paciente acredite que o terapeuta compreende
verdadeiramente o quão doloroso, difícil de mudar, ou importante é o
problema, ele não confiará que as soluções do terapeuta são apropria­
das ou adequadas. Dessa forma, a colaboração e, consequentemente, a
capacidade do terapeuta em ajudar o paciente a mudar será inevitavel­
mente limitada.
O processo de validação na TCD é essencial para a mudança dos
padrões disfúncionais do paciente. Assim, é necessário que o terapeuta,
ao mesmo tempo, entenda a fundo a perspectiva do paciente, bem
como mantenha a esperança e a clareza acerca de como efetuar a mu­
dança. E preciso navegar por águas turbulentas, sem perder o rumo do
ponto de chegada ou, nas palavras de Marsha M. Linehan, ‘ e preciso
mergulhar onde os anjos temem passar” (Linehan, 2010a).

Dialética na Terapia Comportamental Dialética

Dialética é um termo oriundo da filosofia que pode ter mais de


um significado, dependendo do autor ou filósofo que o emprega
(Schopenhauer, 2009). Tal conceito pode tanto ser um método de per­
suasão, quanto uma visão de mundo ou um conjunto de pressupostos
acerca da natureza da realidade. Na TCD, ele fornece os meios práti­
cos para terapeuta e paciente manterem a flexibilidade e o equilíbrio
ao longo de todo o processo terapêutico (Linehan, 2010a). Uma coisa
pode ser, simultaneamente, boa e ruim, alguém pode querer e não
querer um relacionamento amoroso, e um paciente suicida pode que­
rer viver e morrer ao mesmo tempo. Dizer em alto e bom som ao tera­
peuta que deseja morrer, em vez de simplesmente, e em silêncio, suici­
dar-se, contém na própria ação a posição contrária de querer acabar
com a própria vida.
336 Terapia Comportamental Dialética

A visão de mundo dialética permeia toda a TCD e tal perspecti­


va sustenta que não se pode dar sentido às partes, sem considerar o
todo, e que a natureza da realidade é holística (Melo & Fava, 2012). O
terapeuta que interage com a paciente na terapia individual, o treina­
dor de habilidades e o grupo, a familia que convive com a paciente
diariamente, os amigos que interagem com ela no trabalho ou o ña-
morado que com ela vive a intimidade. Cada perspectiva é verdadeira,
mas cada uma é somente parcial. Na TCD, as coisas não são interpre­
tadas em termos de ou isso ou aquilo, e sim ambas as alternativas, e o
que mais, além disso, pode ser (Linehan, 2010a).
As estratégias de modificação cognitiva são baseadas na persua­
são dialética. Apesar de o terapeuta algumas vezes poder desafiar as
crenças disfuncionais com técnicas como a disputa racional, diálogo
socrático ou checagem de evidências e pensamentos disfuncionais,
como nas abordagens de segunda onda em terapia cognitiva (Beck et
al., 2005), na TCD existe uma especial ênfase nas modificações cogni­
tivas através da conversação que cria uma experiência de contradição
inerente à própria posição (Heard & Linehan, 1994; Koerner & Di-
meff, 2007). Para tal, é utilizado um conjunto de estratégias terapêuti­
cas próprias da TCD.

Estratégias dialéticas na Terapia


Comportamental Dialética

As diversas estratégias dialéticas que são utilizadas na TCD têm o


papel de auxiliar na manutenção de equilibrio do processo terapêutico,
além de fornecer um suporte para a visão de mundo dialética que a terapia
sustenta (Bohus et al., 2004). A primeira delas é que as estratégias centrais
são utilizadas para manter o equilíbrio entre aceitação e mudança. Tais es­
tratégias dependem do modo como o terapeuta estrutura as intervenções,
o modo como ele define os comportamentos habilidosos e do uso de es­
tratégias dialéticas específicas. O Quadro 11.2 apresenta as estratégias es­
pecíficas da TCD, descritas por Linehan (2010a):
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 337

Quadro 11.2 Estratégias específicas na Terapia Comportamental Dialética


Estratégias
Definições e exemplos
dialéticas específicas
Penetrar no ♦ Os pacientes são livres para escolher séu próprio comportamento, mas não
paradoxo podem permanecer na terapia se não se esforçarem para mudá-lo.
♦ Os pacientes são ensinados a obter maior independência, tornando-se mais
habilidosos ao pedirem ajuda aos outros.
♦ Os pacientes têm uma razão pára se matar, mas, se convencerem o terapeuta
de que o suicídio é iminente, podem ser internados.
♦ Ex.: "Sim, seria melhor para você sé éu não viajasse no final de semana. É eu
ainda assim estou certo por não desistir de viajar por você".

Uso de metáforas • Comportamentos que interferem na terapia:


- Alpinista que se recusa a usar o material de segurança
- Burro empacado
-Cozinheiro que coloca uma xícara de sal no bolo do companheiro de cozi­
nha.
• Comportamento passivo e evitação emocional:
- Ficar no prédio em chamas
- Ficar na chuva em meio a uma tempestade
• Comportamentos suicidas:
- Pular da montanha amarrado ao instrutor (terapeuta).
• Aprendera aceitar:
- Tulipa que tenta ser rosa porque foi plantada em um canteiro com rosas.
• Terapia:
- Nadador versus treinador no barco
Advogado do diabo • Uso do exagero com basenascrençasda paciente para provocara contra-argu-
méntação: .
— Ex.: "Talvez abandonar a terapia seja uma coisa boa para você neste momento,
pois terá mais tempo para resolver sozinha esses problemas".

Expandir • É a versão emocional do Advogado do Diabo:


- Ex.: "Se você está se sentindo sozinha e quer se matar porque está acima do peso
e se acha feia, eu penso que isso deva ser uma boa idéia para outras pessoas
também. Muitas pessoas têm problemas com a balança. Eu mesmo tenho me
sentido mal com minha aparência ultimamente e talvez deva considerar o suicídio
como uma alternativa inteligente para mim. Nunca tinha pensado dessa forma,
mas isso fez sentido e é muito sério"
Ativar a mente sábia • Apresenta a integração entre a mente racional e a mente emocional. É a síntese
da tese (razão) e da antítese (emoção).
Fazer dos limões uma • Utilizam-se as experiências negativas da vida como experiências ricas em
limonada aprendizado e fortalecimento pessoal para futuras situações.
Permitir mudanças • A dialética pressupõe quea natureza da realidade é processo, desenvolvimento
naturais e mudança.
• A organização do ambiente físico pode mudar á cada momento, a hora da
consulta pode variar, as regras podem mudar e os diferentes terapeutas que
interagem com a paciente podem dizer coisas diferentes.
• Palavras-chaves:."Permitir"e "naturalmente" <

Avaliação dialética • Uso de questionamentos:


- "O que está sendo excluído daqui"?
- "0 que mais, além disso, pode ser"?
- "Isso poderia ser interpretado de uma outra maneira"?
338 Terapia Comportamental Dialética

As intervenções na TCD são baseadas em duas formas de interagir


com a paciente, as quais são denominadas estilística de Interação Recí­
proca e estilística Irreverente (Linehan, 2010a). A primeira corresponde
à maioria das interações com a paciente e têm a função de promover a
validação. E uma forma de intervenção comum a muitas escolas psicote-
rápicas, tais como as abordagens psicodinâmicas, Gestalt, Centrada no
Cliente, dentre outras (Heard & Linehan, 1994). Já a estilística denomi­
nada Irreverente tem a função de ganhar a atenção da paciente, com es­
pecial utilidade naqueles momentos em que o terapeuta se sente mani­
pulado ou precisa mudar o rumo da intervenção (Linehan, 2010a).
Para fins ilustrativos, imagine a seguinte cena de uma paciente
de vinte e poucos anos, com diagnóstico de TPB, que, após discordar
de uma orientação do terapeuta, diz a ele: “Se você acha que vai man­
dar em mim, está ferrado”, e sai porta afora, deixando a sessão antes
do seu término. Algun tempo depois, ela liga para o terapeuta e diz
que está sobre uma ponte e que pretende se jogar de lá porque nin­
guém a entende. Se o terapeuta optar pela estilística de Interação Recí­
proca, pode falar calmamente: “Entendo o seu sofrimento e posso ver
o quão difícil pode estar sendo para você esse momento. Gosto muito
de você e quero poder lhe ajudar. Você acha que eu deva conduzir as
coisas para você neste momento? Talvez devamos dar um tempo em
nosso tratamento, ou pensar em alternativas para que possamos con­
quistar nossos objetivos”. Por outro lado, na estilística Irreverente, o
terapeuta poderia simplesmente responder à investida da paciente di­
zendo: “Conheço bons hospitais para tratar fraturas, caso queiras um
encaminhamento”. A estilística Irreverente consiste em falar aquilo que
a paciente não espera ouvir do terapeuta e tem o objetivo de ganhar a
atenção dela (Linehan, 2010a). Em seguida, o terapeuta poderia seguir
o diálogo com uma intervenção da estilística Interação Recíproca.
O vínculo terapêutico é uma ferramenta imprescindível no tra­
tamento de pacientes borderlines (Lotufo Neto & Safíi, 2011). Ele será
utilizado para negociar as mudanças comportamentais com a paciente
ao longo do tratamento. Entretanto, “é preciso ter dinheiro no banco
para poder gastá-lo” (Linehan, 2010a). Uma das estratégias que auxi­
Éstrátégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 339

liam no estabelecimento do vínculo terapéutico é o uso dos telefone­


mas. As ligações telefônicas são utilizadas com o propósito de ensinar
os pacientes a aplicar as habilidades aprendidas na terapia nas situações
do dia a dia. Ademais, proporcionam um tempo extra de terapia entre
uma sessão e outra nos períodos de crise. Pacientes borderlines frequen­
temente necessitam de suporte extra.
Urna importante técnica no manejo de pacientes com TPB que
apresentam forte impulsividade e risco de suicidio é o a técnica das
24h. Tal técnica consiste em fazer uma combinação prévia com o pa­
ciente de que ele não poderá ligar para o terapeuta por 24h após uma
tentativa de suicídio (Linehan, 2010a). Essa combinação visa fazer com
que a paciente controle sua impulsividade e procure ajuda dos recursos
da terapia antes de utilizar as estratégias a que está acostumada. Além
disso, o terapeuta será mais útil antes da tentativa do que após.
Uma vez que tais comportamentos disfuncionais são encarados
como estratégias mal-adaptativas de resolução de problemas, o objeti­
vo da terapia também é o de treinar os pacientes para solicitar auxílio
de maneira mais assertiva. Muitos ligam ao menor sinal de problema,
em horas inapropriadas, e, frequentemente, se expressando de maneira
hostil (Rosenthal et al., 2005). O papel da terapia será o de fornecer
novas habilidades para lidar com os problemas, mas o terapeuta e a
equipe precisam ensinar tais habilidades.

Supervisão e equipe de tratamento


da Terapia Comportamental Dialética

Tratar pacientes borderlines é imensamente estressante e perma­


necer dentro do sistema terapêutico da TCD pode ser extraordinaria­
mente difícil (Esposito-Smythers et al., 2012; Heard & Linehan,
1994). Trabalhar dentro de uma equipe de tratamento é uma das for­
mas de se manter dialético ao longo do processo terapêutico, uma vez
que as reuniões de equipe que devem ocorrer semanalmente, permi­
tem que o terapeuta possa dividir suas dificuldades e obter o suporte
340 Terapia Comportamental Dialética

necessário para se manter dialético. Tais reuniões também auxiliam


para que a equipe não dissocie, já que muitas vezes pacientes borderli-
nes podem manipular contingências que estruturam a intervenção, tor­
nando o processo de melhora fragilizado.
De acordo com (Linehan, 2010a), a equipe de trabalho deve
conter um terapeuta individual, um treinador de habilidades, um su­
pervisor e uma equipe composta por outros profissionais que intera­
gem com a paciente e que compartilham dos mesmos pressupostos
que fundamentam a TCD. O terapeuta individual, que geralmente é o
profissional que melhor conhece a paciente e suas dificuldades, via de
regra também é quem detém o melhor vínculo com ela. Por esses mo­
tivos, usualmente cabe a ele orientar os demais profissionais acerca de
como manejar e conduzir o tratamento.
Os grupos para treino de habilidades podem ser coordenados pelo
próprio terapeuta, pelo treinador de habilidades ou ainda por outro profis­
sional da equipe de TCD, dependendo da estrutura disponível no local de
tratamento (Koener, Dimeff & Swenson, 2007). Todos os profissionais
que interagem com a paciente devem estar presentes nas reuniões que dis­
cutem os aspectos do tratamento, manejo em situações de crise e demais
especificidades de cada caso. Outros profissionais que também interagem
com a paciente, mas não compartilham necessariamente dos pressupostos
teóricos da TCD, são denominados “outros” (Linehan, 2010a). Eles cos­
tumam ser um psicofarmacologista e os outros médicos, os enfermeiros e
a equipe de internação, um acompanhante terapêutico, uma nutricionista,
um fonoaudiólogo ou ainda qualquer outro profissional.
Outro aspecto importante do tratamento dentro da TCD é o
papel da supervisão. Esta tem a importante função de orientar o tera­
peuta a como interagir com a paciente, não só nos momentos de crise
como também nos períodos entre crises, quando ocorre uma maior es­
tabilidade emocional, propícia para avanços importantes (Linehan,
2010a). Na TCD, o supervisor individual ou a equipe de orientação
de caso podem ser essenciais para ajudar os terapeutas a monitorar o
seu comportamento de autorrevelação. O supervisor também pode
utilizar sua experiência e conhecimento para apresentar uma visão al­
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 341

ternativa de entendimento para o caso. Um ponto importante é que,


como uma visão de mundo dialética propõe que a verdade não é uma
só, terapeuta, supervisor e membros da equipe podem discordar entre
si, sem que isso seja um ponto de impasse. A dialética pressupõe que a
pluralidade de interpretações e de divergências são aceitas como natu­
rais. Da mesma forma, a TCD ajuda o paciente a aprender a lidar com
as pessoas e suas diferenças, e de forma alguma irá ensinar o ambiente
a como lidar com a paciente.

Considerações finais

A TCD é o tratamento de escolha para o tratamento de pacien­


tes com diagnóstico de TPB graves, além de ser uma das abordagens
mais bem estudadas e estruturadas para o tratamento de casos comple­
xos (Critchfield & Benjamín, 2006). Entretanto, utilizar protocolos de
tratamentos baseados em evidências fora de um contexto de pesquisa
não é simplesmente “plug andplay”. Algumas questões são importantes
para nortear o trabalho do clínico, dentre elas, decidir se a melhor es­
tratégia para cada caso em particular será adotar ou adaptar o modelo
já anteriormente testado.
Algumas implicações a serem consideradas envolvem o fato de
que algumas modificações podem ou não funcionar tão bem como o
modelo original. Protocolos de terapias baseadas em evidências pos­
suem um alto nível de controle metodológico para a intervenção, que
inclui uma estrutura de tratamento que muitas vezes não se pode re­
produzir num contexto ecológico, isto é, no mundo real. Ademais, em
caso de pesquisa, oferecer um modelo diferente do já testado pode tra­
zer complicações para os aspectos éticos.
É importante ter mente alguns pontos que podem ajudar na re­
solução desse dilema entre adotar ou adaptar o modelo original de tra­
tamento (Koener, DimefF, & Swenson, 2007). A primeira questão é
aceitar radicalmente a tensão dialética entre os dois polos e procurar a
síntese. Em segundo lugar, cabe identificar claramente se o plano a ser
342 Terapia Comportamental Dialética

seguido é o de adotar ou o de adaptar o modelo já testado. Nos casos


em que o modelo de tratamento será empregado pela primeira vez em
um serviço em saúde mental, o melhor é começar com um programa-
piloto pequeno e firmemente focado. E importante pensar nas ques­
tões típicas da sua realidade, nos problemas funcionais e operacionais,
bem como nas questões relacionadas à falta de aderência ao tratamen­
to. Por fim, é indispensável o uso toda literatura científica disponível
para aumentar as chances de êxito.

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Terapia de Aceitação e Compromisso

Giovanni Kuckartz Pergher e Wilson Vieira Melo

Aceitar não é concordar ou achar bom. Da mesma forma, não é assu­


mir uma postura conformista e resignada. Aceitar implica receber as coi­
sas como são apresentadas, sem tentar controlar as emoções. A Terapia
de Aceitação e Compromisso é um dos principais modelos de intervenção
dentro das abordagens da Terceira Onda. Ela é oriunda do modelo
comportamento! e postula seus fundamentos nos pressupostos na Teoria
do Quadro Relacionai. De acordo com tais pressupostos, a maneira como
ocorre uma fusão entre a representação de um dado evento em nossa
mente, faz com que não ocorra uma separação entre a representação e
o fato. Assim, a linguagem assume um papel fundamental na compreen­
são do sofrimento emocional. A definição dos valores pessoais, e o com­
promisso para com eles, são pontos fundamentais dentro desta proposta‘
de entendimento humano e intervenção terapêutica.
wvm;

A Terapia de Aceitação e Compromisso (Accepatance and Com­


mitment Therapy — ACT — pronunciada como uma palavra única) é,
provavelmente, uma das mais conhecidas e estudadas abordagens den­
tre aquelas que compõem a chamada “terceira onda” das TCC’s.
A origem da ACT não pode ser dissociada da história de vida de seu
fundador, Steven C. Hayes. Para não estendermo-nos em demasia na histó­
Estrategias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 345

ria do autor, a questão central para presente discussão reside no feto de que,
em certo momento de sua história de vida, Hayes passou a sofrer ataques
de pânico, vindo a desenvolver um severo Transtomo de Pánico e Agorafo­
bia. Na época (final dos anos 1970), já havia protocolos de TCC bem esta­
belecidos para o tratamento do transtorno, e Hayes submeteu-se a eles. Os
resultados, porém, foram pouco significativos, e os ataques persistiam mes­
mo quando Hayes fazia o uso rigoroso de estratégias como análise de evi­
dências e questionamento das distorções cognitivas (Cloud, 2006).
Depois de algumas tentativas frustradas de esbatimento dos sín­
tomas através da TCC tradicional, Hayes passou a buscar os motivos
pelos quais o tratamento não estava surtindo efeito. Nesse processo de
busca, surgiu a semente que se tornaria uma das pedras angulares da
ACT: o sofrimento psicológico intenso não é consequência da ativida­
de cognitiva ou das emoções em si, mas sim da maneira como a pessoa
se relaciona e responde a própria atividade cognitiva e demais eventos
internos (Hayes & Lillis, 2012). Mais específicamente, Hayes passou a
reconhecer que, mesmo experenciando pensamentos distorcidos e emo­
ções provocadoras de grande desconforto, era possível agir de modo a
criar uma vida significativa.
O próprio nome da abordagem — Terapia de Aceitação e Compro­
misso — resume os principais elementos da proposta. De um lado, a aceita­
ção daquilo que está fora de nosso controle, seja no mundo externo, seja
no mundo interno. No outro lado, está o compromisso que podemos es­
tabelecer em praticar ações que possibilitem uma vida mais significativa,
independente da presença de eventos internos ou externos indesejáveis.
Salienta-se aqui o fato de que o compromisso firmado é o de praticar ações
significativas, não de atingir um resultado específico (Harris, 2009).
Ainda que a ACT possua diversas características semelhantes às
abordagens mais tradicionais em TCC (Ciarrochi & Bailey, 2008), é
importante salientar, desde o início, uma diferença fundamental no
que diz respeito aos seus pressupostos teóricos. Compreender as dife­
renças nesses pressupostos é importante na medida em que cada pressupos­
to conduz a um modelo explicativo de psicopatologia distinto; da mesma
346 Terapia de Aceitação e Compromisso

forma, cada pressuposto conduzirá a propostas de intervenção terapêutica


específica (Hayes, Levin, Plumb-Vilardaga, Villatte, & Pistorello, 2013).
Embora qualquer proposta de taxonomía que agrupe as TCC’s
“de segunda onda” vá ser alvo de crítica, é amplamente aceita a ideia de
que as abordagens terapêuticas classificadas como TCC compartilham
três pressupostos: 1) A atividade cognitiva afeta o humor e o comporta­
mento; 2) a atividade cognitiva pode ser monitorada e alterada e 3) mu­
danças desejadas no humor e comportamento podem ser obtidas por
meio de mudanças na atividade cognitiva (Dobson, 2010). A despeito
de nenhum destes pressupostos implicar que a mudança cognitiva seja
necessária ou suficiente para obtenção das mudanças comportamentais e
de humor desejadas, fica claro que a mudança cognitiva é o principal ve­
ículo na busca da mudança terapêutica (Hayes, 2008).
Ao contrário das abordagens de 2a onda, o embasamento teórico da
ACT é comportamental, e não cognitivista. Mais específicamente, a ACT
se baseia em uma teoria comportamental da linguagem e cogniçâo huma­
na denominada Teoria do Quadro Relacionai (Relational Frame Theory -
RFT) (Hayes, Luoma, Bond, Masuda, & Lillis, 2006). Foge do escopo do
presente capítulo uma discussão aprofundada acerca da RFT. Nesse senti­
do, limitaremos a discussão da teoria às suas principais características, das
quais derivam implicações clínicas relevantes. Metaforicamente, a RFT
pode ser equiparada conhecimento sobre o funcionamento do motor de
um carro, ao passo que a ACT representa o processo de dirigir. Da mesma
forma que podemos ser bons motoristas sem conhecer detalhes sobre
como o motor funciona, é possível ser um bom terapeuta ACT mesmo
sem um domínio profundo da RFT (Harris, 2009).
Da RFT deriva o modelo de psicopatologia utilizado em ACT
como base para a conceitualização de caso (i. e., entendimento dos
mecanismos psicológicos subjacentes às queixas apresentadas pelo in­
divíduo) (Hayes, 2005). Como consequência, este modelo de psicopa­
tologia é a pedra angular sobre a qual se baseiam as intervenções tera­
pêuticas em ACT. Duas palavras sintetizam aquilo que, sob a perspec­
tiva da ACT, é a essência da psicopatologia: Inflexibilidade Psicológica
(Polk & Schoendorrf, 2014).
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 347

Mais especificamente, a inflexibilidade psicológica é o resultado da


ação conjunta de 6 processos centrais, hipotetizados como sendo as bases
do sofrimento humano e da psicopatologia. Do ponto de vista da RFT,
estes processos estão associados ao problema da experiência literal da lin­
guagem, ou seja, ao fato de reagirmos à linguagem interna da mesma for­
ma que reagiriamos aos eventos reais que ela representa (Barnes-Holmes,
Barnes-Holmes, Hayes, & McHugh, 2004). Como consequência, há uma
tendência de intensificação da dor experimentada frente a eventos indese-
jados (pois o indivíduo acaba entrando em contato apenas com represen­
tação lingüística destes), o que, por sua vez, predispõe a pessoa a lançar
mão de uma abordagem de resolução de problemas na tentativa de aliviar
a dor sentida. Cabe salientar aqui que este modo de resolução de proble­
mas está fadado ao fracasso quando o alvo são eventos internos (p. ex., an­
siedade, pensamentos intrusivos), uma vez que não há nada a ser objetiva­
mente “resolvido” (Luoma, Hayes, & Walser, 2007)
Esses seis processos centrais estão relacionados entre si e, por esse
motivo, eles geralmente são representados graficamente sob a forma de
um hexágono, no qual cada vértice corresponde a um processo (Hayes,
Barnes-Holmes, & Roche, 2001).
Predominância do passado
conceituai e de um
futuro temido; baixo
autoconhecimento

Figura 12.1 Representação conhecida como "Modelo Hexaflex".


348 Terapia de Aceitação e Compromisso

Para cada um desses seis processos associados à psicopatologia,


existe um processo terapêutico correspondente, cujo objetivo é mi­
tigar os efeitos de desenvolvimento da Inflexibilidade Psicológica (Wilson
& Dufrene, 2009)- A relação entre os processos relacionados à psico­
patologia e seus respectivos processos terapêuticos é ilustrada no Qua­
dro 12.1.

Quadro 12.1. Processos associados à psicopatologia


Processo relacionado à
Processo terapêutico
Inflexibilidade Psicológica
Evitação Experiencial Aceitação
Fusão Cognitiva Desfusão
Apego ao Self conceitualizado Se//-como-contexto
Domínio do passado e futuro conceitualizados Contato com o momento presente
Inação, Impulsividade ou Persistência evitativa Ação Comprometida
Falta de clareza dos valores Definindo direções valorizadas

O Quadro 12.1 evidencia que a ACT é uma abordagem em


consonância com os critérios estabelecidos por Beck (1976) a serem
satisfeitos por um bom sistema de Psicoterapia. Em seu clássico livro
Cognitive therapy and the emotional disorders, Beck (1976) postula que:
“(-..) nós devemos distinguir entre um sistema de psicoterapia e um
simples agrupamento de técnicas. Um sistema de psicoterapia provê
tanto uma estrutura para o entendimento dos transtornos psicológicos
que se propõe a tratar e um panorama acerca dos princípios gerais e
procedimentos específicos de tratamento. Um sistema bem desenvolvi­
do provê (a) um modelo compreensivo de psicopatologia e (b) uma
descrição detalhada e diretrizes de utilização das técnicas terapêuticas
relacionadas a este modelo” (p. 306-307). No restante do capítulo,
apresentaremos, primeiramente, de que maneira cada um dos elemen­
tos do modelo hexaflex contribui para fornecer um entendimento
compreensivo dos transtornos mentais e, em seguida, suas respectivas
implicações terapêuticas.
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 349

Modelo ACT de psicopatologia


Evitação experiencial

A evitação experiencial pode ser considerada como um protótipo


do entendimento da psicopatologia em ACT. Em essência, este processo
faz referência às tentativas que o individuo faz para evitar ou minimizar
contato com experiências internas indesejadas. Salienta-se aqui que tais
experiências não são indesejadas por representarem uma real ameaça à
pessoa. Antes disso, estes eventos internos adquiriram suas propriedades
aversivas na medida em que o indivíduo passou a responder a eles da
mesma maneira que respondería às ameaças reais. Em outras palavras, a
evitação experiencial é uma consequência da capacidade da linguagem
humana de modificar as funções dos estímulos, uma vez que o indiví­
duo passa a lidar com estímulos internos (inofensivos) da mesma forma
que lidaria com os eventos físicos associados (ameaças reais a sua sobre­
vivência) (Dahl, Stewart, Martell, & Kaplan, 2014).
O efeito deletério da evitação experiencial ocorre quando a pes­
soa passa a investir sua energia em uma batalha contra o contato com
seus eventos internos. Assim, seus recursos esgotam-se nas suas tentati­
vas de manejo de seus pensamentos, emoções e reações fisiológicas (i.
e, sintomas), de modo que faltam recursos para construção de uma
vida significativa. Na perspectiva da ACT, a psicopatologia não é ca­
racterizada pela presença de sintomas, tais como sentimentos de triste­
za, pensamentos intrusivos ou baixa motivação. Ao invés disso, enten­
de-se que a psicopatologia só ocorre quando a pessoa deixa de buscar
uma vida significativa para evitar experiências internas indesejadas
(Bach ôé Moran, 2008).

Fusão cognitiva
Para compreendermos o conceito de Fusão Cognitiva, é bastante
útil começarmos com uma recapitulação do significado do termo fu­
são. Sendo ambos autores filiantes nativos e fluentes de português, as-
350 Terapia de Aceitação e Compromisso

sumiremos que a definição a seguir, por nós elaborada, possui validad


pragmática independente de sua correspondência com a definição pre
sente nos dicionários. “Fusão: processo através do qual dois elementos
inicialmente independentes, unem-se e formam um único elemento”
No caso da Fusão Cognitiva, os dois elementos são os pensamentos e ;
realidade, os quais fundem-se para formar uma entidade única. Assim
pensamentos e realidade tornam-se indistinguíveis (Lejeune, 2007).
A fusão cognitiva contribui para constituição da psicopatologia
na medida em que o comportamento do indivíduo passa a ser influen­
ciado cada vez menos pelos estímulos do ambiente externo, tornando-
-se progressivamente uma resposta a seus pensamentos. Nesse sentido,
salienta-se uma importante distinção entre o modelo ACT e o modelo
cognitivo de psicopatologia. Sob a ótica da ACT, o que leva a pessoa a
sair de seu caminho em busca de uma vida significativa não tem a ver
com o fato de os pensamentos distorcerem a realidade, mas sim com o
fato de a pessoa reagir a seus pensamentos da mesma forma reagiría
aos eventos concretos por eles representados (Hayes, Barnes-Holmes,
& Roche, 2001). Coloquialmente, dizemos que a fusão cognitiva ocorre
quando o indivíduo “compra” o pensamento.

Apego ao self conceitualizado

conceitualizado (também chamado de se^como-conteúdo)


é definido como o conteúdo verbal que utilizamos para descrever e de­
finir a nós mesmos. Afirmações como “Sou o engenheiro João, diretor
de logística da empresa XYZ” e “Sou uma mulher fraca e uma péssima
mãe” são exemplos de self conceitualizado. Conforme os exemplos
ilustram, alguns conteúdos utilizados para caracterizar o Self são mais
descritivos e observáveis (p. ex.: “engenheiro”, “diretor”) ao passo que
outros implicam em um julgamento ou avaliação (“fraca”, “péssima”).
O se^como-conteúdo também pode ser entendido como o con­
junto de rótulos com os quais nos identificamos. Cada rótulo indica
que pertencemos a uma determinada categoria, e, portanto, possuímos
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 351

as características que os membros dessa categoria tem em comum. Dada


a necessidade humana de coerência e previsibilidade (um ambiente caó­
tico e imprevisível é uma ameaça em potencial à sobrevivência), é natu­
ral que desenvolvamos um comportamento que venha a confirmar a ve­
racidade dos rótulos que atribuímos a nós mesmos (Twohig & Hayes,
2008). Por exemplo, se me identifico com o rótulo de “fracassado”, e en­
tendo que os membros dessa categoria possuem como características a
incapacidade de iniciar empreendimentos que logrem êxito, terei uma
menor probabilidade de me engajar em novas atividades, uma tendência
a evitar desafios e até mesmo uma constante sensação de falta de energia.
Cabe salientar que o nome do processo associado à inflexibilidade
psicológica não é “re^conceitualizado”, mas sim “apego ao re^fconcei-
tualizado”. Isso significa que os rótulos verbais que as pessoas utilizam
para descreverem-se não são um problema em si. Na realidade, se não
fôssemos capazes de conceber uma identidade composta de característi­
cas passíveis de serem enquadradas em determinadas características, a in­
teração com o meio social ficaria bastante comprometida. Portanto, é o
apego ao self conceitualizado que gera a inflexibilidade psicológica. Na
busca por coerência entre os rótulos autoimpostos e seu comportamen­
to, este apego leva um estreitamento do repertório de respostas que o in­
divíduo. Dito de maneira diferente, a variedade de comportamentos
emitidos pela pessoa fica restrita àqueles compatíveis com a visão que
tem de si, o que limita sobremaneira as possibilidades de avançar em di­
reção a uma vida significativa (Pearson, Heffner, & Follette, 2010)

Domínio do passado e futuro conceitualizados

Para compreender o processo de domínio do passado e futuro


conceitualizados, é útil começar conhecendo suas implicações clínicas
mais comuns: ruminação e preocupação. Tais sintomas, embora sejam
mais comumente associados aos diagnósticos de depressão e transtor­
no de ansiedade generalizada, respectivamente, estão presentes nas
mais variadas queixas trazidas à terapia. Ruminação e preocupação
352 Terapia de Aceitação e Compromisso

possuem como semelhança o fato de o indivíduo deixar de experien-


ciar o presente momento, vivendo em um passado ou futuro que exis­
te apenas em sua mente. Quando o momento vivido é o passado, o
sintoma apresentado é a ruminação; quando o foco da pessoa está di­
rigido fundamentalmente para o futuro, a manifestação clínica é a
preocupação (Luoma, Hayes, & Walser, 2007).
Dado que tanto o passado quanto o futuro são criaçõés de nos­
sas mentes a partir das experiências que acumulamos ao longo da vida,
ambos estão fora da nossa esfera de influência. Não seria exagero dizer
que passado e futuro não existem na realidade objetiva. E é justamente
por esse motivo que são conceitualizados, ou seja, só “existem” en­
quanto conceitos representados por meio da linguagem (Hayes, 1989).
Cabe relembrar que, em ACT, a psicopatologia é entendida co­
mo uma consequência do indivíduo não estar agindo de modo a cons­
truir urna vida que lhe seja significativa. Aquí está implícita a noção de
que urna vida significativa só pode ser construída através do comporta­
mento da pessoa. Como o comportamento pode influenciar apenas a
realidade objetiva, ele não é capaz de exercer qualquer ingerência sobre
um passado e futuro que inexistem no mundo físico. Portanto, existe
um único momento em que é possível criar uma vida significativa:
agora (Wilson & Dufrene, 2009).
Tal qual ocorre com os outros processos, passado e futuro concei­
tualizados, em si, não levam à inflexibilidade psicológica. Um foco no pas­
sado é importante na medida em que reflexões sobre nossa história podem
levar a novas aprendizagens; de maneira semelhante, seria difícil organizar
os passos em direção a uma vida significativa sem um planejamento do fu­
turo. Consequentemente, os problemas ocorrem na medida em que há o
domínio do passado e futuro conceitualizados (Zetde, 2007).

Falta de clareza dos valores

Ao longo da discussão do modelo hexaflex, enfatizamos sistema­


ticamente que a psicopatologia é definida a partir dos efeitos provoca-
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 353

dos pela inflexibilidade psicológica. Mais específicamente, em ACT, a


psicopatologia ocorre quando o comportamento do indivíduo não está
contribuindo para construção de uma vida que lhe seja significativa.
Porém, aquilo que cada um considera como sendo uma vida significa­
tiva é altamente idiossincrático, portanto, impassível de ser definida a
priori. Assim, conceitos como “vida significativa” e “funcional” são só
podem ser definidos como tal a partir daquilo que é importante para
pessoa, ou seja, seus valores. Em outras palavras, os comportamentos
do indivíduo são funcionais na medida em que estão contribuindo
para construção de uma vida significativa, e uma vida significativa é
aquela que reflete seus valores (Dahl, Plumb, Stewart, & Lundgren,
2009). São os valores que dão à vida um senso de propósito.
Uma importante característica dos valores é que eles nunca po­
dem ser satisfeitos ou alcançados por completo. Por esse motivo, valo­
res não devem ser confundidos com objetivos ou metas. Metaforica­
mente falando, os valores são como uma bússola, a qual sempre aponta
na mesma direção, independente de onde estejamos. Os objetivos ou
metas, por outro lado, correspondem aos locais específicos que encon­
tramos ao longo da caminhada em dada direção. Se eu estabelecer, por
exemplo, que viajarei para oeste (direção), não importa quantos quilô­
metros eu percorra — sempre poderei continuar minha jornada rumo à
oeste. Ao longo do caminho, encontrarei diferentes cidades (objetivos
ou metas) — mas estas ficarão para trás na medida em que seguir mi­
nha caminhada na direção que escolhi (Harris, 2009).
Viver de maneira significativa, contudo, não é tarefa fácil. Isso
em função de que os comportamentos que fazem parte do processo de
construção de uma vida dotada de sentido produzem efeitos indeseja-
dos de curto prazo. Por exemplo, se quero ter saúde física, não poderei
comer sobremesas ricas em açúcar após todas as minhas refeições.
Como consequência, ao agir em consonância com a busca pela minha
saúde física, estarei trazendo a experiência de frustração ao meu coti­
diano. Todos os dias, mediatamente após cada refeição, terei um desa-
354 Terapia de Aceitação e Compromisso

gradável senso de privação da minha fissura por altas e desnecessárias


quantidades de açúcar. Assim, precisarei de bons motivos para persistir
lançando mão de comportamentos cujos efeitos imediatos são aversi-
vos. Esses bons motivos são meus valores (Bach & Moran, 2008).
Dito de maneira diferente, se não possuirmos valores bem defini­
dos, teremos uma inflexibilidade psicológica na medida em que nosso
comportamento será determinado apenas pelas contingências imediatas
nas quais nos encontramos. Desnecessário dizer que uma vida significa­
tiva não pode ser ativamente construída com atitudes que são meras rea­
ções ao ambiente. Por esse motivo, em última instância, todas as inter­
venções em ACT estão subordinadas a ajudar o paciente a viver de acor­
do com seus valores. Se não fosse pelos valores, não haveria sentido, por
exemplo, em aceitar uma realidade indesejada (Hayes & Lillis, 2012).

Inação, impulsividade ou persistência evitativa

Conforme visto anteriormente, os valores representam a direção


que optamos seguir. A despeito dessa direção ser o elemento central que
define uma vida significativa, esta última só pode ser construída na me­
dida em que agimos de modo a avançar na direção escolhida. O fato de
possuirmos valores bem definidos, por si só, não nos leva automatica­
mente a agirmos de maneira consistente com esses valores — afinal de
contas, experiências internas indesejadas surgirão quando colocarmos
em prática a ação valorizada. Cabe lembrar que, sob a ótica da ACT,
uma vida significativa não depende daquilo que desejamos, mas sim da­
quilo que efetivamente fazemos. Metaforicamente falando, lenhador não
é aquele que afia rigorosamente seu machado, mas sim aquele que usa
seu machado para fazer lenha (Luoma, Hayes, & Walser, 2007).
Inação, impulsividade ou persistência evitativa são diferentes
manifestações de um repertório comportamental limitado e inflexível.
Este estreitamento de repertório é em grande parte decorrente das ten­
tativas do indivíduo de não entrar em contato com eventos privados
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 355

aversivos. Em outras palavras, o foco do indivíduo em evitar aquilo


que não quer acaba impossibilitando-o de agir em busca daquilo que
quer (Dahl, Wilson, Luciano, & Hayes, 2005).
Tendo em perspectiva que a psicopatologia é definida em função
da dissonância entre os valores do indivíduo e os seus padrões habituais
de comportamento, as intervenções em ACT perderíam seu propósito se
não levassem o paciente abandonar seus comportamentos motivados
pela evitação experiencial em detrimento daqueles que o colocam na di­
reção de uma vida significativa (Hayes, Levin, Plumb-Vilardaga, Villatte,
& Pistorello, 2013). Ressalta-se aqui que o estreitamento de repertório
não é uma consequência direta das experiências internas aversivas, mas
sim o reflexo de uma falta de comprometimento do indivíduo com o
fato de que ele pode escolher como vai se comportar independente do
que esteja se passando embaixo de sua pele (Ruiz, 2010).

Processos terapêuticos centrais em ACT

A ACT é uma das novas teorias psicoterápicas advindas tanto do


modelo cognitivo quanto comportamental, que compõem as chama­
das abordagens da Terceira Onda. Esta modalidade de tratamento sur­
giu a partir da Teoria do Quadro Relacionai que coloca a habilidade
em relacionar eventos arbitrariamente como núcleo da linguagem e
cognição humana (Hayes et al., 2011). O aspecto central da ACT é le­
var o indivíduo a aceitar acontecimentos pessoais negativos (e aqui se
incluem pensamentos, emoções, memórias e vivencias) sem a utiliza­
ção de qualquer tipo de esquiva. Comumente observamos uma forte
tendência nos pacientes, e também em nós mesmos, de tentar contro­
lar as emòções e em lutar contra elas. A aceitação não implica em con­
cordar ou achar bom e sim, aprender a compreender a natureza das
coisas sem se debater contra ela. Dessa forma, foram desenvolvidos seis
conceitos que são centrais na teoria, e que integram o modelo de in­
tervenção da ACT, apresentados no Quadro 12.2.
356 Terapia de Aceitação e Compromisso

Quadro 12.2 Processos centrais na Terapia de Aceitação e Compromisso


Processo Definição
Aceitação Visa ajudar o sujeito a reduzir as tentativas de mudar a frequência ou forma,
de pensamentos e emoções indesejáveis ou que trazem algum tipo de'
sofrimento, conhecendo-os e aceitando-os. 1 g
Defusão cognitiva Busca modificar as funções indesejáveis dos eventos pessoais, alterando,
basicamente, a forma com que o individuo interage e se relaciona com os
pensamentos através da criação de contextos nos quais as funções nocivas
são diminuídas.
Se/f-como-contexto ■■■ • Visa que o sujeito perceba o se/fcomo transcendental, não um objeto mutáveis
i s. Cria um senso de segurança;,já que apesar de todas as mudanças emocionais,
■ / comportamentais/ou de pensamentos; o self permanece integro.:
Ação comprometida Nessa etapa o objetivo é identificar dificuldades do sujeito em alcançar
suas metas já estabelecidas, dando ferramentas e modificando padrões de
funcionamento disfuncionais.
Definindo Visa estabelecer diretivas/metas, passo a passo, em vários domínios)
direções valorizadas (familiar, profissional, espiritual, entre outros) da vida do sujeito sem que <>:
mesmo apresente algum tipo de esquiva. • . Vi
Contato com o • Busca levar o sujeito a visualizar acontecimentos pessoais de maneira
momento presente direta, sem atribuição de qualquer juízo de valor.

Ao se trabalhar a aceitação com o paciente, o terapeuta deve en­


corajar o indivíduo a diminuir as tentativas desnecessárias de mudar a
frequência ou forma de pensamentos e emoções desagradáveis (Hayes
8c Lillis, 2012). De acordo com Hayes e Smith (2005), nosso cérebro
é treinado para escapar das situações de perigo e de dano em potencial.
No mundo externo, esta atitude faz bastante sentido. Entretanto,
quando se fala de sofrimento ou dor psicológica, a tentativa de esquiva
não funciona, e lutar contra as emoções parece piorar ainda mais os
seus efeitos nocivos.
Assim como no modelo comportamental {Primeira Onda}, na an­
siedade, a esquiva fóbica de altura, por exemplo, faz com que o medo se
torne cada vez mais incapacitante. O mesmo parece ocorrer com outras
tentativas de evitação emocional. Toda vez que o paciente se propõe a ter
um comportamento que vise a evitação de alguma dor pessoal, ele aumen­
tará o nível de sofrimento atrelado a tal situação (Hayes & Smith, 2005).
Este é o princípio associado ao conceito de aceitação dentro da ACT.
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 357

A palavra “aceitação” vem do Latin “caperè’, que significa “tomar”


(Hayes & Smith, 2005). Assim, aceitação é o ato de receber ou “tomar o
que é oferecido”. Aceitar é o oposto de tentar controlar. Para a ACT, o
objetivo da aceitação não é o de se sentir melhor, mas antes, se abrir para
a vitalidade do momento, e sentir as emoções presentes em sua plenitu­
de. Deste modo, o terapeuta pode treinar com o paciente, no momento
em que o mesmo já assimilou que é capaz de enfrentar emoções e rea­
ções fisiológicas intensas, sem que danos de fato ocorram. Uma das téc­
nicas mais utilizadas para trabalhar com o paciente a aceitação, ou seja, a
interrupção do processo de tentativa de controle das emoções é a técnica
da armadilha de dedos chinesa (Hayes & Smith, 2005).

Figura 12.2 Armadilha de dedos chinesa.

Na técnica da armadilha de dedos chinesa, quanto mais se lutar


contra ela, forçando o escape, maior será o aprisionamento dos dedos
no instrumento. Assim, a analogia com as dores emocionais ajuda a
entender o processo de aceitação e de não resistência das emoções ne­
gativas (Hayes, Strosahl, & Wilson, 2011).
358 Terapia de Aceitação e Compromisso

Outro processo central da ACT é o que foi descrito no conceito


de defusão cognitiva (Hayes & Smith, 2005). A diferença entre ter um
pensamento e acreditar ou comprar a ideia é o principal mecanismo
envolvido neste processo. Assim, existe uma diferença importante en­
tre ver as coisas “de fora dos pensamentos” ao invés de “de dentro dos
pensamentos”. Isso se torna importante uma vez que, muitas vezes,
aquilo que a nossa mente nos diz, não é exatamente a melhor interpre­
tação. Isto se torna particularmente verdadeiro quando se fala das nos­
sos próprios processos internos e dores emocionais.
A ACT apresenta uma série de técnicas utilizadas para separar os
pensamentos de seus referenciais (Hayes & Smith, 2005). Tais técnicas
não precisam ser empregadas em uma ordem pré-estabelecida e, mui­
tas delas podem, inclusive, se sobreporem umas às outras. Neste senti­
do, é importante que o terapeuta possa fomentar a identificação de
pensamentos, imagens e lembranças demonstrando que eles não ne­
cessariamente se tornam realidade. Como resultado, o paciente apre­
senta uma diminuição do quanto acredita na crença, uma vez que a re­
estruturação cognitiva também está presente na ACT.
As técnicas de defusão cognitiva não são métodos de como eli­
minar o sofrimento ou a dor. Tratam-se de métodos para se aprender a
como estar presente no aqui e agora, de um modo mais amplo e flexí­
vel (Luoma et al., 2007). O ponto crucial aqui é parar o processo de
pensamento e interpretá-lo de fora. Se olharmos um desenho em uma
folha de papel há uma distância de um centímetro dos nossos olhos,
ele será percebido de um modo diferente do que se conseguirmos o
afastar há um metro dele. O mesmo ocorre com os processos interpre­
tativos derivados dos nossos pensamento. A consciência deste processo
dará mais condições de flexibilizar tais interpretações, e a melhor for­
ma de fazer isso é treinar, treinar e treinar (Hayes & Smith, 2005).
A ACT é um modelo de intervenção que entende a linguagem
como um elemento fundamental para a forma com que se experimen­
ta e vivencia a dor emocional (Hayes & Lillis, 2012). Segundo os pres­
supostos deste modelo de tratamento, quando se entende que palavras
Estrategias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 359

são apenas palavras, e começa-se a usar isso como uma habilidade que
se pode desenvolver, torna-se fácil entender e modificar a relação entre
as palavras e o sofrimento. De acordo com Hayes e Smith (2005), na
técnica de rotulaçáo dos pensamentos, se modificarmos, por exemplo,
o pensamento de “tenho muitas coisas para fazer mais tarde” para “es­
tou tendo o pensamento de que tenho muitas coisas para fazer mais
tarde” isso reduziria a carga emocional derivada da maneira com que o
processamento da linguagem ativou o sistema emocional. Se você está
se sentindo triste, pode dizer para si mesmo “eu estou tendo o senti­
mento de tristeza” e, assim, esse processo permitirá que se desarme dos
conteúdos de sua experiência particular.
Existem diversas outras técnicas de defusão cognitiva e que po­
dem ser utilizadas de diversas formas dentro da abordagem da ACT,
inclusive sendo possível criar as próprias técnicas com o paciente
(Hayes & Smith, 2005). Este processo deve ser utilizado quando os
pensamentos parecerem ser bastante familiares ou também podem ser
especialmente útil quando o individuo está se sentindo confuso.
O processo entendido como recomo-contexto diz respeito a
realizar exercícios de conscientização, metáforas e processos experien-
ciais para reforçar para o paciente a percepção de urna parte sua como
transcendental, preservada de qualquer prejuízo (Hayes & Lillis,
2012). De acordo com a teoria da linguagem que está por trás ACT,
há pelo menos três sentidos de selfcpiç. emergem de nossas habilidades
verbais: o self concebido, a autoconsciéncia e o se^como-contexto
(Barnes-Holmes, Hayes, & Dymond, 2001).
O concebido seria a forma como o individuo se percebe, como
por exemplo, ”sou ansioso”, ”sou bonito”, ”sou infeliz”, etc. Estes con­
ceitos são oriundos das experiências de vida e contém pensamentos, sen­
timentos, sensações corporais, memórias e predisposições comportamen-
tais que o indivíduo tenha tomado para si e integrado a imagem que
tem de si próprio (Hayes & Smith, 2005). Este é provavelmente o self
com que o indivíduo deve estar mais familiarizado, posto que é um
produto da aplicação normal da linguagem a ele mesmo e a sua vida.
360 Terapia de Aceitação e Compromisso

A autoconsciência é um processo permanente de conhecimento


de suas próprias experiências no momento presente (Hayes & Smith,
2005). É como o selfconcebido, pois também aplica categorias verbais
ao self. Contudo, é diferente, pois ao invés de resumir, as categorias são
descritivas, não avaliativas, presentes e flexíveis. Incluem autoavaliações
do tipo ’’agora eu estou me sentindo assim”, ’’agora eu estou pensando
isso” ou ’’agora eu estou me lembrando daquilo”, etc.
Existem muitas evidências de que a autoconsciência é importan­
te para o funcionamento psicológico saudável (Hayes & Lillis, 2012).
Indivíduos com sintoma de alexitimia, as quais têm dificuldade de
identificar as suas experiências emocionais, têm uma ampla gama
de problemas psicológicos correlacionados com este déficit clínico. A
autoconsciência tende a ficar diminuida quando está atrelada a um
self concebido dominante. As técnicas de defusão e de aceitação, na­
turalmente apoiam o desenvolvimento de um processo contínuo de
tomada de consciência.
O self como-contexto, não é um conteúdo que possa ser descrito
através da linguagem, como os anteriores. De acordo com a teoria que
embasa a ACT, ele emerge como um resultado do uso da linguagem e
é crítico para a saúde psicológica (Hayes & Smith, 2005). Entrar em
contato com o self-como-contexto é uma questão de experiência, e
não existe uma “receita de bolo” sobre como entrar em contato com
este senso de consciência e presença. Assim, a ACT oferece exercícios e
metáforas que podem ajudar a apontar para a direção correta.
Uma das metáforas utilizadas é a que se apresenta na figura ilus­
trada na capa deste livro. Imagine um tabuleiro de xadrez, infinito em
todas as direções, com peças brancas e pretas (Hayes & Smith, 2005).
Elas se alinham e se agrupam no centro do tabuleiro, organizadas em
dois times diferentes, frente a frente. Imagine que cada peça representa
uma emoção, cognição, memória ou sensação. Algumas são positivas,
como felicidade, memórias agradáveis e sentimentos prazerosos e ou­
tras negativas, tais como ansiedade, tristeza, memórias de situações de
fracasso pessoal ou rejeição. As peças começam a brigar entre si, em
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 361

uma batalha sangrenta que dura anos. Apenas um dos times é você e
abandonar a batalha não é uma opção. Com o passar do tempo, o pro­
cesso de tomada de consciência faz você se dar conta que tem acesso a
todas as peças, e que não é nem o time branco e nem o time preto, mas
sim, o jogador de xadrez, com poderes para movimentar os dois times.
Uma das estratégias psicoterápicas bastante presentes na ACT é
o mindfittlness, que tem por objetivo desenvolver flexibilidade psicoló­
gica e, por consequência, a aceitação para lidar com pensamentos e
sentimentos indesejáveis. De forma semelhante ao que ocorrem com
as intervenções de mindfitlness, alguns estudos sugerem desfechos posi­
tivos da ACT para a remissão e prevenção de recaída nos transtornos
depressivos, por exemplo (Lampe, Coulston, & Berk, 2013).
Na ACT, mindfitlness é um dos elementos básicos a serem em­
pregados ao longo do processo de tratamento. Assim como a ACT, tal
estratégia psicoterápica tem os princípios de compromisso e aceitação
experiencial como norteadores, posto que também trabalha com o en­
tendimento de que as categorizaçóes verbais acerca de si e do mundo
acabam por prejudicar o indivíduo e o deixa preso em categorizaçóes
literais, gerando, assim, atitudes defensivas e rígidas. O aspecto min-
dfitl é tratado por “estar totalmente presente”, e, também envolve tra­
zer a consciência para as experiências internas e externas, enquanto elas
ocorrem. O objetivo dos exercícios de mindfiulness é aumentar a capa­
cidade de atenção, de forma geral (Luoma, Hayes, & Walser, 2007).
Um exercício utilizado nessa abordagem é o das folhas em um córrego,
onde o terapeuta pede para o paciente se imaginar perto de um córre­
go de água límpida e cristalina e, então, imagine seus pensamentos
sendo colocados um a um sobre as folhas que caem de uma árvore que
está no leito do rio, e que deixa suas folhas sobre as águas do córrego
(para mais informações, ver Capítulo 7).
Inicialmente, pode se começar com exercícios de consciência e
meditação mais básicos e, posteriormente, progredir para os exercícios
com conteúdo mais difíceis. Os exercícios mais básicos podem incluir
simplesmente prestar atenção nas próprias respostas corporais, ou ini-
362 Terapia de Aceitação e Compromisso

ciar por partes específicas, como atentar para o que sente quando mexe o
braço direito (Davis & Hayes, 2011). Além da prática de mindfiilness nas
atividades diárias, a prática de atenção plena pode ser utilizada no início
das sessões de psicoterapia, e (ou) dentro das sessões de psicoterapia. A re­
alização dos exercícios de mindfiilness junto com o paciente pode melhorar
o vínculo terapêutico, como por exemplo, a utilização da respiração de
forma simultânea, entre terapeuta e paciente (Luoma et al., 2007).
Outro processo presente na prática clínica da ACT é a busca de
entendimento acerca dos valores pessoais. Os valores são como esco­
lhas de vida que guiam nossas escolhas. Eles não são puramente even­
tos verbais, mas eles são necessariamente conhecidos (ao menos em
parte) verbalmente (Hayes & Smith, 2005). Ao definir ações valoriza­
das, o terapeuta estará preocupado em tentar promover a identificação
ou construção destes valores, buscando identificar aquilo que é mais
importante para o paciente (Hayes, Strosahl, & Wilson, 2011).
E importante diferenciar valores de metas, posto que são coisas
distintas. Metas são coisas que podem ser obtidas ou alcançadas en­
quanto se está percorrendo um caminho valorizado. Metas são eventos
concretos, situações ou objetos alcançáveis. Valores também não são o
desfecho de algo, posto que não estão no futuro. Viver uma vida valo­
rizada é viver a serviço do que você valoriza (Hayes et al., 2011).
Uma das técnicas propostas pela ACT para ajudar ao paciente a
definir seus próprios valores é a chamada “participando de seu próprio
funeral” (Hayes & Smith, 2005). Nesta técnica, é solicitado ao pacien­
te que imagine vividamente a cena de seu funeral, com todas as pes­
soas que ele imagina que estariam presentes nessa situação. Por alguma
razão, você poderia estar presente, testemunhando esta cena, mas sem
participar diretamente dela. Então, algum familiar ou amigo leria al­
gumas palavras sobre você. Pense nas coisas que teme que sejam ditas
sobre você. Escreva tudo o que você gostaria que fosse dito a seu res­
peito. Para orientar o paciente quanto a estrutura do que escrever, é
sugerido que se considere os seguintes domínios que poderíam ser im­
portantes na elaboração da tarefa.
Estrategias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 363

Quadro 12.3 Domínios para elaboração da técnica participando de seu


próprio funeral
1. Casamento / casal / relações intimas
2. Parentaiidade
3. Relações familiares (outras que não de casal ou parentaiidade)
4. Amizades / relações sociais
5. Carreira / emprego
6. Educação / formação / crescimento e desenvolvimento pessoal
7. Recreação / lazer
8. Espiritualidade
9. Cidadania
10. Saúde e bem-estar físico
Fonte: Hayes & Smith (2005)

De certa forma, todas as coisas que o paciente escrever quanto a


sua vida podem ser compreendidas como um propósito de se viver
uma vida mais completa. Entretanto, pode ser útil colocar estes domí­
nios em um ranking de classificação dos valores para que seja possível
ver em quais áreas de sua vida seria necessário iniciar algum tipo de
ação. Assim, pode ser sugerido ao paciente que avalie cada um dos do­
mínios de duas maneiras distintas. Primeiro, perguntando a si mesmo
qual o grau de importância que cada uma das áreas têm em sua vida
atual, em uma escala de 1 a 10, onde 1 é pouco ou nada importante e
10 extremamente importante. A avaliação deve ser baseada no nível de
importância dada ao real padrão comportamental atualmente presente
em sua vida. Em segundo lugar, deve ser solicitado que o paciente ava­
lie o grau de importância que ele gostaria que cada um dos domínios
tivesse em sua vida. Por fim, é solicitado que o indivíduo subtraia o es­
core do índice da avaliação da primeira com a segunda avaliação. O
resultado será o índice de desvio de vida do indivíduo. O que se segue
é um quadro que exemplifica como tais domínios de valores devem ser
avaliados a fim de se obter o escore de desvio de vida.
364 Terapia de Aceitação e Compromisso

Quadro 12.4 Ranking de avaliação dos valores


Domínio Valores Importância Manifestação Desvio
na vida atual de vida
1. Casamento / casal /
relações intimas
2. Parentalidade
3. Relações familiares (outras que
não de casal ou parentalidade)
4. Amizades / relações sociais
5. Carreira / emprego
6. Educação / formação /
crescimento e desenvolvimento
pessoal
7. Recreação / lazer
3. Espiritualidade
9. Cidadania
10. Saúde e bem-estar físico
Fonte: Hayes & Smith (2005).

Possivelmente, o número da coluna bem a direita (Desvio de


Vida) é o mais importante na escala de avaliação. Quanto mais alto
ele for, maiores as mudanças necessárias naquela área de vida do indi­
víduo, a fim de que se possa trazer para a linha aquilo que ele real­
mente valoriza em sua vida. Altos índices na coluna de Desvio de
Vida são sinais de fontes de sofrimento. O terapeuta deve circular ou
sublinhar, destacando aqueles números que mostram uma grande di­
ferença entre a importância dos valores pessoais e a sua real presença
na vida do paciente.
O termo compromisso presente no nome da abordagem diz res­
peito a um dos processos centrais da ACT (Hayes, & Lillis, 2012).
Ação de compromisso se refere a encorajar o paciente a buscar açóes e
comportamentos congruentes com aos valores identificados ou cons­
truídos. O compromisso, neste sentido, não se refere ao compromisso
em atingir o objetivo ou resultado, mas antes, o comprometimento
com a ação, a tentativa de busca mudança na direção dos seus valores.
Se os valores pessoais estão em ponto de compasso com o que o
indivíduo gostaria que guiasse a sua vida, então ele já tem o mapa de
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 365

para onde isso pode levá-lo (Hayes & Smith, 2005). Como já visto
anteriormente, metas são diferentes de valores. Assim, é importante que
o indivíduo estabeleça quis sâo suas metas de curto prazo, e quais são as
ações, pautadas pelos seus valores, que deveriam ser tomadas imediata­
mente. Além disso, é importante identificar quais sâo as barreiras e obs­
táculos que podem ser encontrados. Na ACT, a abordagem não é a de
“superar” as barreiras, mas sim “contornar” barreiras (Harris, 2011).
Muitas vezes, para se atingir um novo objetivo, é necessário que­
brar antigos padrões comportamentais. Assim, quando os padrões são
grandes, antigos e inflexíveis, pode ser imperativo se comprometer
com a oportunidade de estabelecer novos padrões (Hayes & Lillis,
2012). Tais compromissos devem ser claros e tempo-limitados, a fim
de que possam ser observáveis. Além disso, a melhor maneira de cons­
truir grandes padrões é estar totalmente consciente deles.

Considerações finais

A Terapia de Aceitação e Compromisso parte de uma série de


pressupostos que provavelmente soarão contra-intuitivos para terapeu­
tas que trabalham com a tradicional noção de que a psicopatologia é
definida em função dos sintomas que o paciente apresenta, de modo
que a tarefa da terapia, em algum nível, envolve o esbatimento dos
sintomas trazidos como queixa. Todavia, o fato da ACT considerar
que o sofrimento humano é uma experiência universal e inescapável
não significa, em absoluto, que suas intervenções não promovam uma
redução substancial em sintomas como humor deprimido, anedonia,
flashbacks ou pensamentos intrusivos.
Embora a TCC tradicional e a ACT possuam fundamentos filo­
sóficos e teóricos bastante distintos, o mesmo não é válido no que con­
cerne às intervenções praticadas. Por esse motivo, a ideia um modelo
integrativo de TCC e ACT é um tanto temerária. Isso não significa,
contudo, que tal integração não possa ocorrer na prática clínica.
366 Terapia de Aceitação e Compromisso

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13
Terapia Focada na Compaixão

Daniel Rijo, Carolina da Motta, Diana Ribeiro da Silva,


Nélio Brazáo, Marlene Paulo e Paul Gilbert

A Terapia Focada na Compaixão é um modelo que integra muitos con­


ceitos oriundos da Psicologia Evolucionista e, nos últimos anos, vem
sendo utilizada no tratamento de pacientes com transtornos depressi­
vos, de ansiedade, psicóticos e ainda da personalidade. Tal abordagem
pode ser utilizada tanto no formato individual quanto através de gru­
pos terapêuticos. Nessa abordagem inovadora, ao contrário da abor­
dagem convencional da terapia cognitiva, não se busca mostrar ao
paciente a disfuncionalidade do seu pensamento ou o estilo de proces­
samento de informação, mas sim compreender onde e de que maneira
o indivíduo se fixou em formas inúteis, ainda que compreensivas, de
tentar aumentar o seu sentimento de segurança perante as ameaças.
W.V.M.

Na última década, nas terapias cognitivo-comportamentais, sur­


giram novos desenvolvimentos conceituais e estratégias de intervenção
que obrigaram investigadores, teóricos e clínicos a repensar o paradig­
ma subjacente às intervenções cognitivas tradicionais. Nessas novas
propostas, destacam-se as Intervenções Baseadas no Mindfulness (que
procuram desenvolver a capacidade de prestar atenção ao momento
presente numa atitude isenta de julgamentos [para mais informações,
ver Capítulo 7 deste livro]), a Terapia de Aceitação e Compromisso
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 369

(ACT, que sublinha que a aceitação da experiência pessoal, indepen­


dentemente de a conotarmos como agradável ou desagradável, é coro­
lário de adaptação e saúde mental [Capítulo 12]) e uma outra teoria
que ficou conhecida como Terapia Focada na Compaixão, que será
abordada neste capítulo. Esses três desenvolvimentos têm enfatizado
que, mais do que trabalhar conteúdos cognitivos disfuncionais (cren­
ças ou esquemas nucleares, pensamentos automáticos negativos), é im­
portante compreender que a psicopatologia e o sofrimento psicológico
parecem derivar, sobretudo, da maneira como o próprio indivíduo lida
com os seus pensamentos e experiências internas. Em outras palavras,
mais do que promover a mudança no autoconceito ou na atribuição
de significado à experiência (procurando substituir o processamento
distorcido da informação por um processamento de informação mais
realista e saudável), importa ganhar consciência de como funciona a
nossa mente, ser capaz de distinguir a realidade da experiência pessoal
da mesma e aceitar essa experiência sem estar constantemente numa
atitude de esforço para tentar modificá-la ou evitá-la. A essas aborda­
gens, e devido à mudança de paradigma que as mesmas encerram, os
teóricos e clínicos chamaram de “Terapias de Terceira Onda”.
Este capítulo é dedicado à Terapia Focada na Compaixão (TFC),
que é uma terapia integrativa e transversal, cujo quadro teórico e estra­
tégias de intervenção recebem influências da psicologia evolucionista,
social, desenvolvimental, do budismo e das neurociências. A TFC não
se baseia num único modelo ou escola, mas sim no estudo e compre­
ensão de como a nossa mente funciona (Gilbert, 2009b). A compaixão
pode ser entendida como uma competência que cada indivíduo pode
treinar, havendo evidências de que a sua prática pode ter influências
tanto no âmbito neurofisiológico como no do sistema imunológico
(Lutz, Brefczynski-Lewis, Johnstone, & Davidson, 2008). Esse treino
envolve atividades específicas, concebidas para desenvolver atributos e
competências compassivas, especialmente aquelas que influenciam a
regulação do afeto. Na TFC, é importante recorrer a estratégias pro­
motoras da auto e da heterocompaixão, mas é sobretudo necessário
que o próprio terapeuta tenha desenvolvido uma mente compassiva.
370 Terapia Focada na Compaixão

A TFC assume que os sujeitos devem adquirir conhecimento e


insight sobre a própria mente, bem como sobre a herança genética e
evolucionista que todo o ser humano possui. Por isso, urna parte signi­
ficativa da intervenção implica que o paciente ganhe insight sobre o
funcionamento da mente. Também por isso, neste capítulo, será dada
atenção à perspectiva evolucionista da mente humana, aos sistemas de
regulação do afeto e ao modelo biopsicossocial da vergonha, pilares
fundamentais dos conceitos da TFC. Posteriormente, o texto apresen­
ta, ainda, orientações para a prática da TFC, descrevendo as diversas
fases do processo terapêutico, o papel da formulação de caso nesse mo­
delo de intervenção, bem como os princípios e estratégias de interven­
ção mais inovadores.

A perspectiva evolucionista da mente:


O cerebro arcaico e o cérebro novo

E amplamente aceito pela comunidade científica que a espécie hu­


mana surgiu, após milhões de anos de evolução, a partir da ação de meca­
nismos genéticos e de alterações biológicas responsáveis pela sua atual es­
trutura física, que tiveram também impacto nas competencias e funções
que deram origem ao seu funcionamento psicológico (Gilbert, 2002b).
Sendo o cérebro humano um produto de mudanças e adapta­
ções de designs e estruturas mais antigas, MacLean (1990) propõe que
o cérebro seja dividido em 3 unidades funcionais: a) Cérebro repti-
lia.no ou basal: inclui as estruturas mais arcaicas (tronco cerebral e
cerebelo) que controlam o sono, as motivações e comportamentos
mais instintivos e fundamentais à sobrevivência/preservação do orga­
nismo e dos genes, tais como a reprodução, a defesa e aquisição de re­
cursos (Gilbert, 2009a, 2010b; MacLean, 1990). O processamento da
informação é automático, rápido, inconsciente (p. ex., reflexos) e, por
isso, muitas vezes difícil de controlar (Gilbert, 2010b); b) Cérebro
dos mamíferos inferiores: inclui o sistema límbico, responsável pelo
processamento das emoções, da motivação, das aprendizagens e da
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 371

memória, tornando os comportamentos mais complexos e flexíveis.


E, também, a área responsável por comportamentos de procura e pres­
tação de cuidados, fundamental para a adaptação e evolução da maio­
ria dos mamíferos (Gilbert, 2005, 2009a, 2010b; MacLean, 1990); c)
Cérebro racionai, abrange toda a área do neocórtex e córtex telence-
fálico. E considerado o “cérebro novo”, que dota o ser humano de ca­
racterísticas únicas, tais como a capacidade de observação, pensamen­
to abstrato, planificação, comunicação, imaginação, autoconhecimen-
to e autoidentidade (Gilbert, 2005, 2009a, 2010b; MacLean, 1990).
O processamento da informação nessa área é mais lento, intencional e
controlado (Gilbert, 2010b).
Com base nessa perspectiva evolucionista, assume-se que diver­
sos problemas psicológicos podem surgir através da interação entre os
sistemas mais arcaicos e os mais recentes, em que a emoção e a lógica
entram, frequentemente, em conflito (Gilbert, 2002b). Quando tal
fato acontece, as estruturas mais antigas assumem o comando de todo
o processamento da informação, modelando a experiência, a atenção,
os pensamentos, as motivações e os comportamentos subsequentes
(Gilbert, 2009a, 2009b, 2010b; MacLean, 1990). É conveniente lem­
brar que um dos produtos da evolução e de milhares de anos de pres­
sões ambientais (que impulsionaram a seleção natural) foi o surgi­
mento de mecanismos que motivam os animais e os seres humanos a
atingirem determinados objetivos biológicos e sociais, tais como evi­
tar ameaças, a obtenção de reconhecimento ou a procura de parceiros
(Gilbert, 2002b). Essas estratégias e disposições oferecem fundamen­
talmente objetivos de adaptação, sendo que existe um limiar dentro
do qual todos esses mecanismos podem ser considerados funcionais
ou, pelo contrário, disfuncionais (Wakefield, 1999). As respostas an­
siosas, por exemplo, oferecem objetivos de proteção do organismo
contra ameaças do ambiente e são úteis e funcionais mas, conforme a
especificidade do estímulo, a facilidade de ativação, a sua duração ou
intensidade excessivas, podem se tornar invalidantes, originando um
transtorno de ansiedade.
372 Terapia Focada na Compaixão

Os sistemas de regulação do afeto

De acordo com Gilbert (2010b), as nossas diferentes motivações


são reguladas por emoções que, por sua vez, são reguladas por três sis­
temas (Depue & Morrone-Strupinsky, 2005; Gilbert, 2009a, 2010b):
o sistema de defesa-ameaça, o sistema de procura de recursos e de re­
compensas (drive), e o sistema de afiliação, de calor e afeto (soothinf).
Esses sistemas funcionam de forma integrada e interdependente (Gil­
bert, 2010b), e a sua maturação e equilíbrio parece ser afetado por con­
dições genéticas e ambientais (Gilbert, 2009a, 2010b; Perry, Pollard,
Blakley, Baker, & Vigilante, 1995). A Figura 13.1 ilustra os três sistemas
de regulação do afeto.
Drive, excitação e vitalidade Ligação, segurança, satisfação

Raiva, ansiedade, aversão/nojo


Figura 13.1 A interação entre os três sistemas de regulação do afeto (Adaptado
de Gilbert, 2009b).

O sistema de defesa-ameaça
O sistema de defesa-ameaça, como o próprio nome indica, é um
sistema de proteção que é partilhado por todas as espécies animais e
que serve para nos proteger de um potencial perigo real ou imaginado
(p. ex., predadores, adversários, frustrações, situações desconhecidas).
A mensagem subjacente e dominante desse sistema é “proteja-se!” (Gil­
bert, 2009a, 2010b). Os humanos também podem se sentir ameaça­
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 373

dos por si próprios, através de pensamentos e sentimentos negativos


acerca do selfínão ser atraente ou desejável, ser incompetente, ser infe­
rior, etc.), podendo, em consequência, sentirem-se mal consigo pró­
prios (Irons, Gilbert, Baldwin, Baccus, & Palmer, 2006).
O sistema de defesa-ameaça (Gilbert, 2009a, 2010b) está desenhado
para detectar diferentes tipos de ameaça de uma forma rápida, processá-las
e selecionar uma reação emocional (raiva, medo, ansiedade, nojo/aversão) e
uma resposta comportamental adequadas (imobilização, luta, fuga, submis­
são). Todos esses mecanismos operam de uma forma quase que automática
e, pelo menos inicialmente, fora da nossa consciência. Esse sistema é consi­
derado um sistema de regulação de afeto negativo que tem raízes ancestrais
muito primitivas; é facilmente ativado e não está desenhado para pensa­
mentos complexos, mas sim para ações rápidas (Gilbert, 2009a, 2010b).
Quando ativamos o modo de defesa-ameaça (p. ex., na presença de um es­
tímulo fóbico ou numa situação envergonhadora), todos os aspectos da
nossa mente (experiência emocional, atenção, pensamento, motivação,
comportamento, imaginação e fantasia) focam-se na ameaça e centram-se
na procura de segurança e de proteção (Gilbert, 2009a, 2010b).
Em suma, o sistema de defesa-ameaça é um sistema de proteção
orientado para uma estratégia do tipo “mais vale prevenir do que reme­
diar”, ou seja, é ultra-sensível e superestima os perigos e as ameaças (Gil­
bert, 2009a, 2010b; Perry et al., 1995). Apesar de a sua ativação poder
vir a ser disfuncional (p. ex., ativação excessiva numa situação não amea­
çadora), este sistema é de extrema importância tanto para sobrevivência
do indivíduo como da espécie (Gilbert, 2009a, 2010b; Perry et
al.,1995). Além disso, funcionar num modo de defesa-ameaça pode ser
adaptativo, especialmente em contextos desenvolvimentais hostis (Gil­
bert, 2010b; Perry et al., 1995; Ribeiro da Silva, Rijo, & Salekin, 2012,
2013). Por outro lado, quando a pessoa (criança ou adulto) funciona
num modo de defesa-ameaça durante a maior parte do tempo, facilmen­
te se torna hipervigilante e, portanto, pouco disponível para outro tipo
de atividades (p. Ex:, relaxar, brincar, explorar), o que pode estar na gê­
nese e manutenção de problemas psicológicos, frequentemente associa­
dos a problemas de vinculação (Gilbert, 2010b, Irons et al., 2006). Mui­
374 Terapia Focada na Compaixão

tos tipos de psicopatologia estão associados a uma ativação excessiva do


sistema de defesa-ameaça: comportamentos de evitação, comportamen­
to agressivo e antissocial, ou sintomatologia ansiosa (Gilbert, 2010a).

O sistema de procura de recursos e de recompensas (drive)


O sistema de procura de recursos e de recompensas {drive) é
concebido para dar uma sensação de bem-estar, para criar sentimentos
positivos que orientem, motivem e encorajem para a procura de recur­
sos e recompensas vantajosas, tanto para a nossa sobrevivência como
para a prosperidade (Depue & Morrone-Strupinsky, 2005; Gilbert,
2009a, 2010b). O sistema de drive é considerado um sistema de afeto
positivo, que motiva e permite procurar, consumir e alcançar bens e
recursos (p. ex., comida, sexo, relações de amizade, status e reconheci­
mento), fazendo com que o indivíduo sinta alegria, vitalidade e prazer
(Gilbert, 2009a, 2010b). A mensagem subjacente e dominante desse
sistema é “vá e alcance!” (antes de atingir o objetivo) e “isto é fantásti­
co!” (depois de alcançar o objetivo) (Gilbert, 2009a, 2010b).
Atividades que deem prazer são essenciais para a sobrevivência e
prosperidade; ativam os mecanismos cerebrais de recompensa, promoven­
do flexibilidade comportamental, satisfação de necessidades biológicas (co­
mida, sexo e reprodução) e relações recompensadoras (de amizade, status e
reconhecimento) (Bium et al., 2008). No entanto, um problema nos me­
canismos envolvidos nos processos naturais de procura de recursos (p. ex.,
uma atividade hipodopaminérgica do cérebro), predispõe os sujeitos a
procurarem estímulos ou comportamentos estimulantes (p. ex., ingestão
compulsiva de carbohidratos, abuso de substâncias, jogo compulsivo, sexo
compulsivo) que criam um estado artificial de prazer (Bium et al., 2008).
Quando ativamos o sistema de drive, todos os aspectos da mente
(experiência emocional, atenção, pensamento, motivação, comportamen­
to, imaginação e fantasia) ficam focados nos objetivos, mantendo o traba­
lho nos mesmos até que se consiga alcançá-los (Gilbert, 2009a, 2010b).
Quando o sistema de drive está equilibrado com os outros sistemas,
isso constitui uma clara vantagem que guia em direção a importantes ob­
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 375

jetivos de vida (Depue & Morrone-Strupinsky, 2005; Gilbert, 2009a,


2010b). No entanto, perdas patológicas de prazer podem constituir o
componente central dos transtornos do humor (transtornos bipolares,
onde o indivíduo alterna entre estados de ativação muito elevada e muito
baixa, ou transtornos depressivos, nos quais está presente uma baixa ativa­
ção do sistema de drive, conduzindo a uma diminuição da motivação,
energia e desejo) ou nos transtornos relacionados ao uso de substâncias
(Depue & Morrone-Strupinsky, 2005; Gilbert, 2009a, 2010b). Além dis­
so, se um sujeito falha em alcançar os seus objetivos, persegue objetivos
que não podem ser alcançados ou está constantemente tentando impres­
sionar os outros (estratégia defensiva típica de indivíduos com pais hiper-
críticos e perfeccionistas), isso poderá levar à ativação simultânea do siste­
ma de defesa-ameaça. Quando o sistema de defesa-ameaça e o sistema de
drive são ativados ao mesmo tempo, isto leva à ansiedade, à frustração e
até à raiva, fazendo com que os indivíduos se envolvam mais facilmente
em comportamentos agressivos (Gilbert, 2009a, 2010b).

O sistema de afiliação, de calor e afeto fsoothing)


O sistema de afiliação, de calor e afeto (soothing) está associado à
vinculação e tem como função tranquilizar e acalmar o indivíduo,
quando este não está focado em ameaças ou na procura de recursos
(Gilbert, 2009a, 2010b; Gilbert et al., 2008). É diferente do entusias­
mo ou da ausência de ameaça, pois, quando esse sistema se encontra
ativado, o indivíduo se sente bem, seguro e ligado aos outros. Além
disso, enquanto nos sistemas de defesa-ameaça e de drive os relaciona­
mentos interpessoais são secundários à proteção e à aquisição de bens
e recursos, o sistema de soothing implica a experiência de estar (seguro,
tranquilo) no momento presente. Relações interpessoais calorosas, ba­
seadas na partilha e no afeto, são centrais para o desenvolvimento e
maturação desse sistema (Gilbert, 2009a, 2010b; Gilbert et al., 2008).
O condicionamento, as memórias emocionais, um foco excessivo
na ameaça ou na procura de recursos e maus-tratos parentais, entre ou-
376 Terapia Focada na Compaixão

tros, podem dificultar o desenvolvimento e a maturação do sistema de


soothing (Gilbert, 2009a, 2010b; Perry et al., 1995). No entanto, esse
sistema é de extrema importância no equilibrio emocional, urna vez que
regula tanto a ameaça como a procura de recursos (Gilbert, 2010b; Gil­
bert et al., 2008). Assim, a mensagem subjacente e dominante desse sis­
tema é “está tudo bem, você está seguro!” (Gilbert, 2010b).
Desde o seu nascimento, o ser humano necessita de cuidados
parentais, sendo o estabelecimento de vínculos sociais um requisito es­
sencial para a sua sobrevivência (McDonald & McDonald, 2010).
Crianças são sensíveis aos sinais interpessoais, e a sensação de seguran­
ça não é criada apenas com base na ausência de ameaça. É fundamen­
tal que se desenvolvam relações de qualidade, baseadas no calor e no
afeto (Gilbert, 2009a, 2010b).
Diversos autores (p. Ex., Bowlby, 1969) enfatizaram a importância
da criação de vínculos seguros, especialmente nos primeiros anos de vida.
Os sinais e os comportamentos afetuosos dos pais evoluíram como estímu­
los naturais que ativam, desde o nascimento, o sistema de soothing do bebê,
promovendo efeitos tranquilizadores e afetando a própria maturação cere­
bral (Gilbert et al., 2008). A procura de calor e afeto e a proximidade com
uma figura de vinculação segura constitui uma estratégia inata para a regu­
lação do afeto (p. ex., numa situação ansiogênica), estratégia essa evolutiva­
mente importante para a sobrevivência e reprodução (Perry, et al., 1995).
Uma criança que tem uma vinculação segura, que foi tranquilizada e ama­
da, pode facilmente evocar essas memórias emocionais em situações de
stress, o que vai ajudá-la, ao longo da vida, a regular o afeto através de um
mecanismo de autotranquilização (Porges, 2007). Uma vinculação segura
não só está associada a comportamentos de prestação de cuidados, como
também se associa a baixos índices de psicopatologia (Gilbert et al., 2008).
Por outro lado, uma criança com uma vinculação insegura, mais facilmente
desenvolve um sistema de defesa-ameaça hipersensível e hiperreativo e um
sistema de soothing subdesenvolvido (Porges, 2007). Essas crianças têm
maior risco de desenvolverem psicopatologias, estão mais focadas em perce­
ber o outro como fonte de ameaça (possibilidade do outro controlar, ma­
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 377

goar ou rejeitar) e facilmente se tomam muito focadas no alcance de status,


estando, portanto, menos propensas a desenvolverem comportamentos de
prestação de cuidados com o selfe com os outros (Gilbert et al., 2008).

Modelo Biopsicossocial da Vergonha

A vergonha tem sido definida como uma emoção autoconscien-


te com elevada importância social (Tangney èc Dearing, 2002), crucial
para a identidade (Gilbert, 1998), e como estando associada a uma
avaliação interna negativa do re^(Gilbert, 1998; Lewis, 1992). São di­
versas as teorias explicativas da gênese da vergonha (ver Milis, 2005,
para uma revisão). Em particular, o Modelo Biopsicossocial da Vergo­
nha de Gilbert (2000, 2002a, 2006, 2007b, 2010b) propõe que todos
os seres humanos têm necessidades inatas de ligação ao outro, de cui-
dado/afeto e partilham também a necessidade de estimular afeto posi­
tivo na mente dos outros (p. ex., ser desejado, acarinhado, apreciado,
escolhido e valorizado), permitindo-lhes estabelecer vínculos dentro e
fora do seio familiar. Essa necessidade de vinculação e de pertença ao
grupo faz com que os indivíduos procurem aceitação social, no sentido
de facilitar as suas relações interpessoais, de promover sentimentos de
desejabilidade e de valorização perante os outros. Toda, e qualquer in­
teração ocorre em contextos que podem ter características favoráveis
ou, pelo contrário, aspetos hostis, dando ao indivíduo a informação
sobre o que é aceitável e atrativo. Tais experiências indicam se o indiví­
duo é atraente, aceito e pertencente ao grupo ou se, pelo contrário, é
considerado pouco atraente e vulnerável em situações sociais (Gilbert
& Irons, 2009). A forma como cada sujeito percebe as experiências
precoces vividas no seio da família ou com outros significativos (p. ex.,
pares, professores) tem um forte impacto, não só na forma como se
avalia a si mesmo, mas também na forma como pensa que existe na
mente dos outros (Gilbert, 2000, 2002a, 2006, 2007b, 2010b). Indi­
víduos que se percebem na mente do outro como indesejados, pouco
passíveis de serem amados e como vulneráveis à rejeição, têm uma vi­
378 Terapia Focada na Compaixão

são do mundo como um lugar inseguro e hostil (Gilbert, 2000, 2002a,


2006, 2007b, 2010b). Essa percepção do mundo e dos outros faz com
que sejam desencadeados sentimentos de vergonha.
A vergonha tem surgido como uma das emoções com maior impac­
to no funcionamento humano em geral e na psicopatologia em particular
(Gilbert, 2002a). Definida como uma das emoções mais dolorosas e de­
vastadoras (Lewis, 1992; Tangney, & Dearing, 2002), a vergonha tem sido
bastante utilizada na descrição de fenômenos internos relativos ao self, de
episódios relacionais e de práticas culturais de manutenção da honra e do
prestígio (Gilbert, 1998). De um modo geral, a vergonha tem sido carac­
terizada como uma emoção autoconsciente que envolve culpabilização e
avaliações negativas do self, mas também uma imagem dos outros como
reprovadores (Tangney & Dearing, 2002). Em consequência, a conceitua-
lização dessa emoção pode ser feita de duas formas: vergonha externa, defi­
nida como uma experiência social dolorosa, ligada à percepção de que se é
julgado e visto pelos outros como inferior, defeituoso e pouco atraente,
podendo resultar na rejeição ou discriminação por parte dos mesmos; e
vergonha interna, em que o sujeito julga a si próprio e faz atribuições nega­
tivas relativas às suas características, sentimentos e fantasias, influenciando
diretamente a maneira como se sente (raiva, ansiedade, repulsa; Gilbert,
2002a, 2010b; Lewis, 1992). Segundo Gilbert (2010b), há geralmente
uma ligação entre a vergonha externa e interna e, quando descritas em se­
parado, aquilo que se verifica é que “a forma como as pessoas pensam que
os outros pensam sobre elas muitas vezes é como elas pensam/sentem so­
bre si mesmas” (p. 86). A vergonha influencia, portanto, a forma como os
indivíduos em geral pensam e sentem, não só em relação a si mesmos, mas
também em relação à sua aceitabilidade e desejabilidade social, o que, con­
sequentemente, tem um grande impacto no seu comportamento em con­
textos sociais (Gilbert, 1998).
A perceção de que os outros têm uma visão negativa em relação
ao selfé experienciada pelos indivíduos como uma ameaça, podendo,
por isso, ativar sentimentos de vergonha (ativando o sistema de defesa-
ameaça) e, consequentemente, diversos tipos de respostas defensivas.
No sentido de proteger o self contra as ameaças sociais e pessoais (tais
como a rejeição por parte dos pares, pais ou outros significativos, a perda
de proteção, amor, carinho, etc.), os indivíduos podem adotar algumas
estratégias defensivas. Estas podem ser de dois tipos: a) estratégias inter­
nalizantes, nas quais os sujeitos se identificam com a avaliação negativa,
adotando uma postura de subordinação ou de submissão em relação ao
outro e se autocriticando; b) estratégias de defesa externalizantes, nas
quais é adotado um comportamento dominante, agressivo e de ataque
ao outro (Lewis, 1992; Gilbert, 2002a, 2006, 2007b, 2010b). Quando
a estratégia de defesa adotada passa pelo ataque, o sujeito atribui más in-
tensóes ao outro, o que implica sentimentos de raiva e desejos de retalia­
ção (Gilbert, 1998, 2002a, 2006, 2007b, 2010b).
A Figura 13.2 apresenta os diversos componentes descritos do
Modelo Biopsicossocial da Vergonha.

figura 13.2 O Modelo Biopsicossocial da Vergonha (Adaptado de Gilbert, 2002a).


380 Terapia Focada na Compaixão

Quando experienciada em níveis consideráveis, a vergonha pode


estar associada a vários quadros clínicos, como a depressão (Thompson
& Berenbaum, 2006), o transtorno de ansiedade social (Irons & Gilbert,
2005), transtornos alimentares (Troop, Allan, Serpell, & Treasure, 2008),
e transtornos da personalidade, especificamente os Transtornos da Per­
sonalidade borderline (Rüsch et al., 2007) e a Narcísica (Lewis, 1992).
Parece, ainda, estar associada à paranóia (Matos, Pinto-Gouveia, & Gilbert,
2012), à dificuldade em controlar a raiva (Tangney, Wagner, Hill-Barlow,
Marschall, & Gramzov, 1992), à violência doméstica (Kaufiman, 1989)
e à agressividade (Gold, Sullivan, & Lewis, 2011).
Pelo fato de, aparentemente, a vergonha desempenhar um papel
importante na gênese e manutenção da psicopatologia, a explicação
para o desenvolvimento da mesma pode estar, não na experiência dessa
emoção por si só, mas sim na forma como cada indivíduo lida com ela
(Campbell & Elison, 2005). Nessa linha de pensamento, alguns auto­
res têm defendido que, quando da experiência de sentimentos de ver­
gonha, os indivíduos podem adotar diferentes estratégias de defesa, as­
sociadas a diversas motivações, afetos, cogniçóes e comportamentos.
Nathanson (1994), tendo por base observações clínicas, propôs um
modelo, denominado “Bússola da Vergonha” {Compass of Shame), no
qual propõe quatro pólos de respostas focadas na vergonha e que esta­
rão relacionadas com o desenvolvimento de psicopatologias. Esse autor
argumentou que, perante situações ativadoras de sentimentos de ver­
gonha, os indivíduos podem responder com: a) comportamentos de
Evitação (Avoidance), em que não reconhecem ou negam a experiên­
cia negativa como sendo sua e tentam distrair o selfe. os outros da an­
gústia e do mal-estar associados à experiência da vergonha (p. ex., con­
tar uma piada para fazer de conta que a situação não o incomoda); b)
respostas de Ataque ao Outro (Attack Other), em que o indivíduo
tende a não reconhecer a experiência negativa como sua, não aceita a
mensagem de vergonha e tende a culpar os outros; c) comportamento
de Fuga ÇWithdrawal}, em que o indivíduo reconhece a situação de
vergonha como negativa e tende a se retirar ou a se esconder; d) res­
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 381

postas de Ataque ao Self (Attack Self), em que o indivíduo reconhece a


experiência de vergonha como negativa e a sustenta, numa tentativa de
manter a relação com os outros, mas se culpabilizando e criticando a si
próprio. Além dessas formas de lidar com a vergonha, ditas não adapta-
tivas, Nathanson (1994) propôs ainda um polo de resposta adaptativo,
no qual o indivíduo reconhece e lida com a vergonha no sentido de res­
tabelecer a relação com o outro ou de se autotranquilizar.
Essas diferentes formas de lidar com a vergonha tendem a variar
de acordo com o gênero, e podem estar relacionadas com aspetos cul­
turais e com a socialização precoce com a vergonha, que se inicia na
relação com os pais e cuidadores (Lewis, 1992; Milis, 2005). De acor­
do com esse modelo, a psicopatologia (que se associa a níveis elevados
de vergonha) pode decorrer do modo como os indivíduos lidam com a
vergonha (Campbel & Elison, 2005). A função central de todas essas
estratégias parece ser a de reduzir o afeto negativo associado à expe­
riência dessa emoção. A vergonha parece, portanto, ter um papel cen­
tral na motivação, e na auto e heterorrepresentações, que influenciam,
por sua vez, os estados emocionais dos indivíduos (p. ex., raiva, ansie­
dade, nojo/aversão), bem como as suas ações (p. ex., autocriticismo,
ataque ao outro) (Gilbert, 1998, 2002a; Lewis, 1992).

Vergonha, autocriticismo e psicopatologia

De acordo com o modelo evolucionista, o autocriticismo é uma


estratégia adaptativa em contextos de ameaça social, abuso ou hostilida­
de, encontrando-se frequentemente associado à vergonha, sentimentos
de derrota, rejeição e perseguição social, bem como a comportamentos
de defesa (Gilbert, 2005; Castilho, 2011). O autocriticismo tem a sua
origem na memória de eventos ameaçadores (p. ex., sentir-se criticado/
humilhado pelos pais ou por um professor), sendo que a internalizaçáo
desses sinais sociais externos é facilmente ativada em situações sociais se­
melhantes ao evento, ou eventos, de ameaça originais (Gilbert, 2010b).
382 Terapia Focada na Compaixão

O autocriticismo é uma resposta típica a situações em que o individuo


considera que errou ou falhou em tarefas ou objetivos importantes, sen­
do que a monitorização constante desses erros e falhas leva à vergonha, à
sentimentos de frustração e/ou de inadequação, o que contribui para
uma visão negativa de si próprio e de menosvalia pessoal.
Quando recorre frequentemente a essa autoavaliaçáo negativa ou
quando o autocriticismo é entendido como fazendo parte da sua identida­
de, o indivíduo fica mais vulnerável a dificuldades interpessoais e à psico-
patologia, na medida em que se reforçam sistemas neurofisiológicos liga­
dos ao sistema de defesa-ameaça e se dificulta o desenvolvimento do siste­
ma de soothing (Gilbert, 2000; Castilho, 2011). Quando tal acontece, a
relação estabelecida com o próprio eu é pautada pela desvalorização, hosti­
lidade e humilhação. Em casos mais extremos, o autocriticismo é uma for­
ma de relação eu-eu marcadamente abusadora e persecutoria, na qual uma
parte do eu identifica as falhas e defeitos, acusa-se, condena-se ou, eventu­
almente, detesta-se, e outra parte do eu submete-se, aceitando tais falhas e
defeitos como verdadeiros. Esse diálogo interno de ataque-submissão su­
gere uma interação entre diferentes partes do eu, na qual se reforça o senti­
mento de vergonha interna (visão de si como inferior e socialmente menos
atraente), o que leva a comportamentos disfuncionais na relação com os
outros, decorrente da percepção de que se ocupa uma posição inferior no
ranking social (comparação social desfavorável).
Gilbert & Irons (2004) sugerem que o autocriticismo pode assu­
mir diferentes formas e funções, e que essas dimensões podem estar as­
sociadas de modo diferente à psicopatologia. O autoataque tem como
função fazer com que o indivíduo se esforce mais em atividades impor­
tantes ou o impeça de repetir ou cometer erros. Essa seria uma estratégia
de proteção do eu, na medida em que permite evitar a exposição de de­
feitos que possam levar à rejeição social (p. ex., peso ou forma corporal,
características físicas ou de personalidade). Os indivíduos autocríticos
acreditam que o ataque tem como objetivo o autoaperfeiçoamento (e
que é para o seu próprio bem, na medida em que se corrigem para serem
melhores pessoas). Acreditam, ainda, que, se não recorrerem ao ataque,
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 383

vão falhar e ser rejeitados pelos outros. Essa forma de autocriticismo


está, portanto, relacionada a níveis elevados de perfeccionismo. Por ou­
tro lado, essa mesma estratégia poderá também alimentar sentimentos
de inadequação e desajustamento social. Nos indivíduos autocríticos que
se desprezam e detestam, a função do autoataque é submeter e subjugar
o eu à dominancia e poder da parte hostil (abusadora), que persegue e
pune um eu que é odiado e visto como defeituoso ou mau.
Em suma, os autores postulam que as duas funções do autocriti­
cismo (autocorrecção e autopunição) determinam as formas do “eu
inadequado” ou “eu odiado”. O “eu inadequado” se relaciona com sen­
timentos de desajustamento, de inadequação e de inferioridade, en­
quanto o “eu odiado” está relacionado com sentimentos mais intensos
de desprezo, de ódio e até de repugnância/nojo pelo próprio eu. Con­
sidera-se que esta última forma de autocriticismo estaria mais presente
em populações clínicas de indivíduos que cresceram em contextos mais
hostis (de abuso e/ou negligência parental), enquanto a forma do “eu
inadequado” seria uma forma mais comumente encontrada em indiví­
duos da população geral (Gilbert, 2010b).
São diversos os estudos que mostram que o autocriticismo de­
sempenha um papel nuclear na gênese e na manutenção da psicopato-
logia, nomeadamente na depressão (Gilbert, 2002a), no abuso de
substâncias (Potter-Efron, 2002), no suicídio (Fazaa & Page, 2003),
no transtorno de estresse pós-traumático (Brewin, 2003), nos transtor­
nos alimentares (Steiger, Goldstein, Mongrain, & Van der Feen,
1990), na ansiedade social (Cox, Fleet, & Stein, 2004), nos transtor­
nos da personalidade (Linehan, 1993) e nos transtornos psicóticos
(Birchwood, Meaden, Trower, Gilbert, & Plaistow, 2000). Aquilo que
toma patológico o autocriticismo não é apenas o conteúdo crítico dos
pensamentos sobre si próprio, mas sobretudo os processos originados
por essa crítica dirigida ao eu (p. ex., raiva), associados a dificuldades
em produzir um discurso interno de autotranquilização e de aceitação
do eu (Neff, 2003). Desse modo, não se trata apenas de reduzir os
pensamentos e a hostilidade dirigida ao eu (conforme é postulado em
384 Terapia Focada na Compaixão

outras abordagens terapêuticas), mas, sobretudo, de desenvolver a ca­


pacidade de autotranquilização e de autocompaixão (Gilbert & Proc- ,.í
ter, 2006). A compaixão pelo eu tem sido associada, sistematicamente,
a maiores níveis de satisfação com a vida, inteligência emocional e saú­
de mental. Essa forma alternativa de relação com o eu em situações de
ameaça é denominada de “eu tranquilizador”, e está subjacente às
mentalidades sociais e padrões psicobiológicos relacionados com a ati­
vação do sistema de soothing (Gilbert, 2010b). O desenvolvimento da
autocompaixão estimula o sistema de soothing (ao mesmo tempo que
reduz a superativação do sistema de defesa-ameaça), promovendo sen­
timentos de aceitação, de tranquilização e de cuidados com o próprio
eu e com os outros.

A mente compassiva

A psicologia ocidental conceitualiza a compaixão como uma


combinação de motivos, emoções, pensamentos e comportamentos
que abrem alguém ao sofrimento do outro, levando-se a compreender
o sofrimento numa atitude não avaliativa, bem como a atuar tendo em
vista o alívio do mesmo (Gilbert, 2005). Essa definição engloba com­
ponentes como: (a) bondade, isto é, a capacidade de ser amável e com­
preensivo para com o sofrimento do outro, em vez de se ser indiferente
e negligente; (b) humanidade comum, que significa entender que as
próprias experiências fazem parte de uma experiência humana parti­
lhada; e (c) mindfulness, ou seja, a consciência equilibrada, aceitação e
abertura em relação ao sofrimento do outro, não negando nem evitan­
do o contato com o afeto negativo do outro (Neff, 2003).
A compaixão envolve dimensões como o cuidado, o calor, a to­
lerância e aceitação, a simpatia, a empatia e o não julgamento, fazen­
do, segundo Gilbert (2009a, 2010b), parte da mentalidade de pres­
tação de cuidados. Diversos estudos referem que a compaixão desem­
penha um papel importante nas relações de cooperação, envolvendo
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 385

padrões relacionais que acalmam e produzem confiança, assim como


uma ativação de regiões neurocorticais centrais para a tomada de pers­
pectiva (Oveis, Gruber, Keltner, Stamper, & Boyce, 2009). Por outro
lado, a compaixão encontra-se associada à felicidade e ao bem-estar
psicológico (Mongrain, Chin, & Shapira, 2011), a sentimentos de
proximidade, de ligação e de apoio social (Crocker & Canavello,
2008) e pode ser protetora de várias condições psicológicas negativas,
como o medo, a raiva, a inveja e a vingança (Goleman, 2003). Além
disso, vários estudos não só têm evidenciado que a compaixão apresen­
ta efeitos moderadores ao nível do autofocus negativo depressivo (Alien
& Knight, 2005), como também tem um impacto positivo na dimi­
nuição da sintomatologia ansiosa (Mongrain, Chin & Shapira, 2011).
De acordo com Neff (2003), o conceito de compaixão está in­
trínsecamente ligado ao conceito de autocompaixão, que implica estar
aberto ao próprio sofrimento, experienciando sentimentos de calor, de
cuidado e de compreensão para com o eu, numa atitude de observação
curiosa e de compreensão não julgadora em relação aos erros e inade­
quações, reconhecendo simultaneamente as experiências como parte
de uma experiência humana comum. A autocompaixão é uma estraté­
gia de regulação emocional positiva, importante para a resiliência psi­
cológica, satisfação com a vida e conexão, e aceitação social (Neff,
2003), com um efeito amortecedor no desenvolvimento de psicopato-
logia (Castilho & Pinto-Gouveia, 2011). Nos indivíduos autocompas-
sivos, os sentimentos e pensamentos negativos não são evitados, mas
antes encarados com uma consciência clara, cuidada e compreensiva, e
com um sentido de partilha comum da experiência. As emoções nega­
tivas são transformadas em estados emocionais positivos, permitindo
uma apreensão mais clara da situação e a adoção de ações para com o
eu ou com o meio, mais apropriadas e eficazes (Neff, 2003). Esse reco­
nhecimento metacognitivo das experiências interativas do eu-outros
aumenta, por um lado, os sentimentos de ligação e os comportamen­
tos de prestação de cuidados, e, por outro lado, diminui os sentimen­
tos de isolamento (Castilho & Pinto-Gouveia, 2011).
386 Terapia Focada na Compaixão

A terapia focada na compaixão: o processo terapêutico

Como sugere Gilbert (1993), a maior parte das abordagens de


psicoterapia parte do pressuposto de que os sintomas psicopatológicos
resultam, náo só da ameaça (real ou imaginada), mas também das es­
trategias de proteção que se utiliza para lidar com ela. Na terapia foca­
da na compaixão (TFC), torna-se claro (por oposição às abordagens
cognitivas mais racionalistas) que não se trata de mostrar ao paciente a
irracionalidade ou a falta de lógica do seu pensamento ou estilo de
processamento de informação, mas antes de compreender onde e de
que forma é que o sujeito ficou “preso” em formas inúteis (ainda que
compreensivas) de tentar aumentar o seu sentimento de segurança pe­
rante as ameaças. A TFC propõe a existência de três sistemas básicos de
regulação do afeto (anteriormente descritos) que devem ser trabalhados
na terapia. Assim sendo, a formulação de caso gira em torno do equilí­
brio da atividade desses mesmos sistemas, com particular ênfase na for­
ma como atuam e se desenvolveram as estratégias para lidar Com a vi­
vência da ameaça e as estratégias que servem a procura de segurança. Em
muitos casos, as estratégias de segurança que os pacientes utilizam inte­
gram o repertório inato de defesas que a espécie foi adquirindo ao longo
dos tempos. No entanto, na psicopatologia, elas não só se tornaram re­
correntes como ficaram automatizadas e ligadas a sistemas cognitivos
que fazem com que a pessoa rapidamente se automonitore, culpe, criti­
que ou, por exemplo, se comporte de forma ou agressiva ou submissa. A
TFC ajuda o paciente a compreender que essas estratégias são evolutiva­
mente determinadas, promove o insight sobre a sua função, e reconhece
a dificuldade/medo do paciente em desistir delas. São os perfis idiossin­
cráticos de estratégias de segurança, resultantes quer da ameaça quer de
necessidades não satisfeitas, quê são importantes na TFC, mais do que a
identificação de sintomas, crenças ou esquemas nucleares.
De um modo geral, pode-se dizer que o objetivo último da TFC
é o de equilibrar a atuação dos sistemas de regulação do afeto, promo­
vendo a ativação do sistema de afiliação, de calor e afeto (soothing). Ao
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 387

estimular esse sistema, procura-se desenvolver competências de auto-


tranquilizaçãõ e de autocompaixão, mas também de ligação/prestação
de cuidados aos outros. Desse modo, será possível reduzir níveis eleva­
dos de vergonha e, consequentemente, o uso do autocriticismo.

Formulação de caso
A formulação de caso da TFC para indivíduos com elevada ver­
gonha e autocriticismo integra modelos cognitivos, comportamentais
e de vinculação, e foca-se em quatro domínios-chaves: (a) influências
inatas e históricas que dão origem a... (b) medos e ameaças internas
ou externas que dão origem a... (c) estratégias de segurança internas
ou externas que dão origem a... (d) consequências não desejadas (que
geram mais desconforto, mais estratégias de segurança e maiores difi­
culdades), incluindo o autocriticismo (Gilbert, 2010b).
Na TFC, defende-se que não deve existir apenas uma formula­
ção após a avaliação inicial do paciente, mas sim diferentes formula­
ções que, sequenciadas, orientam a própria evolução do processo tera­
pêutico. Aceitando que se trata de um guia (e não de uma ordem ou
sequência obrigatória), que pode ser alterado, acelerado ou abrandado
em função de cada paciente, Gilbert (2010b) propõe uma sequência
na formulação de caso que pode servir como orientação para o proces­
so terapêutico (cf. Quadro 13-1).

Quadro 13.1 A evolução da formulação de caso ao longo do processo te­


rapêutico
Primeira formulação
Apresentação das dificuldades atuais e sintomas.
Compreensão e validação das dificuldades.
Estabelecimento da relação terapêutica — estar alerta a eventuais dificuldades.

Segunda formulação
Exploração do contexto cultural e histórico do paciente.
Elaboração da narrativa da história de vida do indivíduo.
Promoção de insight sobre memórias emocionais centrais acerca do eu e dos outros.

continua
388 Terapia Focada na Compaixão

Quadro 13.1 Continuação


Terceira formulação
Formulação estruturada no contexto do modelo dos quatro domínios: influências inatas e históricas;
ameaças, medos, preocupações e necessidades não satisfeitas; estratégias de segurança internas e
externas e estratégias compensatórias; consequências indesejadas.
Identificação de estratégias de segurança e de regulação do afeto significativamente problemáticas (p. ex.,
evitação, ruminação, abuso de substâncias ou autodano).

Quarta formulação
Explicação do modelo evolucionista da mente.
Distinção entre "a culpa não é sua" e a "assunção de responsabilidade".
Explicação dos três sistemas de regulação do afeto - reformulação dos problemas do paciente segundo
este modelo.
Quinta formulação
Definiçãoeseleçãodetarefasterapêuticas(p.ex.,monitoramentodepensamentos,testescomportamentais,
desenvolvimento do "eu compassivo", imagerie compassiva, escrita de carta compassiva).
Exploração de dificuldades e obstáculos.

Sexta formulação
Revisão de formulações anteriores à luz do progresso nas tarefas e de nova informação obtida.
Adequação das tarefas terapêuticas.
Trabalho conjunto futuro e "para além da terapia".
Prática diária em contextos reais de vida.
Preparação do final do processo terapêutico.

Fonte: Adaptado de Gilbert, 2010b.

Princípios e estratégias de intervenção


Existe um consenso generalizado sobre o papel importante que a
relação terapêutica tem nos resultados da psicoterapia (ainda que seja
discutível a forma segundo a qual a relação pode atuar). A TFC foi de­
senvolvida inicialmente para pacientes autocríticos e com elevada ver­
gonha, sendo que, em tais casos, criar uma relação terapêutica segura e
de contenção é fundamental para o trabalho terapêutico. Se uma alian­
ça terapêutica segura e de qualidade facilita a adesão às estratégias de
intervenção e o impacto das mesmas, na TFC é dada ênfase à capaci­
dade da relação terapêutica para “desenvergonhar” e “despatologizar ” o
paciente (Gilbert, 2007a; Gilbert & Leahy, 2007).
A validação empática implica na experiência de que outra pes-
soa/mente compreende a nossa mente (os nossos pensamentos, senti­
mentos e comportamentos) e os valida. Validação empática significa
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 389

que, por um lado, temos compreensão e somos capazes de nos ligar ao


ponto de vista do outro e, por outro lado, somos capazes de validar a ex­
periência do outro como genuína. Experiência essa que fez parte da con­
dição humana e da vida de cada um. Nesse sentido, o recurso à valida­
ção empática vai para além da habitual reflexão terapêutica, porque re­
conhece a reação do paciente como compreensível e como uma experi­
ência válida. Por exemplo, em vez de refletir “você está muito zangado
por causa do que lhe fizeram”, o terapeuta diria “tendo em vista o que
aconteceu, é compreensível que você se sinta dessa maneira”. Muitos
conflitos na relação terapêutica podem resultar de o paciente sentir que
está sendo invalidado pelo terapeuta ou sentir que este demonstra pouco
interesse ou que não se esforça para compreendê-lo, cuidar dele, que o
está “patologizando” ou rotulando, ou ainda forçando-o a uma mudan­
ça. Quando o paciente sente que o terapeuta se interessa genuinamente
por ele e é capaz de oferecer cuidados na própria terapia, se consegue
promover a ativação do sistema de soothing, objetivo último da TFC. Es­
sas competências exigem do próprio terapeuta o desenvolvimento, em si
próprio, de uma mente compassiva, não só como meio para compreen­
der e poder validar a experiência pessoal do paciente, mas também como
“ferramenta” para estimular os sistemas de afeto positivo do mesmo.
Um dos objetivos centrais da TFC é o de promover o desenvol­
vimento de autocompaixão. Uma relação terapêutica compassiva é
fundamental para que esse objetivo seja alcançado. Os manuais de
TFC descrevem diversos exercícios para promover a autocompaixão:
imagerie compassiva, pensamento/comportamento compassivo, me­
mórias compassivas e escrita de carta compassiva constituem alguns
exemplos.1 Todos esses exercícios devem ser realizados num modo
mindfull-, o terapeuta deve explicar ao paciente que é natural que à sua
mente divague durante os exercícios, encorajando-o a refocar a sua
atenção de forma gentil, sempre que isso acontece (Gilbert, 2010a).

1 Para uma descrição detalhada destes exercícios, consultar Gilbert, E (2009b). The compassion­
ate mind. London: Constable &: Robinson.
390 Terapia Focada na Compaixão

Qualquer intervenção num processo de TFC deve ser realizada


com espírito e motivação de calor e afeto, encorajamento, suporte e
bondade. Por exemplo, quando se está ajudando um paciente a desen­
volver pensamentos alternativos, deve-se primeiro focar na empatia pelo
desconforto, capacitar-se para refletir na experiência de humanidade co­
mum, mostrar aceitação pelas limitações e dificuldades, distinguir a au-
tocorreção de autocriticismo, e auxiliar no acesso a memórias encoraja-
doras que ajudem na realização da tarefa terapêutica (Gilbert, 2010a).
O que se procura na TFC é a aproximação sucessiva a uma au-
toidentidade compassiva. Desenvolver autocompaixão (compaixão do self
pelo self implica também que se seja capaz de aceitar a compaixão dos ou­
tros e, ao mesmo tempo, ser compassivo com os outros. No desenvolvi­
mento da auto e da heterocompaixão é fundamental distinguir a assunção
de responsabilidade (por uma dificuldade ou por uma reação excessiva) da
autocondenação, bem como de sentimentos de culpa e/ou de autocriticis­
mo. O reconhecimento, pelo paciente, de que é um ser evolutivamente
determinado, equipado com sistemas de autoproteção previamente defini­
dos, faz com que muitos desenvolvam determinadas estratégias de defesa,
na procura de segurança, que vêm mais tarde a se revelar disfuncionais,
pouco úteis e causadoras de maior sofrimento. Nesse sentido, na TFC tra-
balham-se não só os sentimentos de vergonha, mas também o coping com
a vergonha (ataque ao r^autocriticismo, ataque ao outro, evitação e fuga
da experiência de vergonha) (Campbell & Elison, 2005).
Um aspecto que deve ainda ser realçado relaciona-se ao medo/
bloqueio da compaixão. Alguns pacientes, sobretudo os mais autocríti­
cos e com elevada vergonha, podem apresentar alguma resistência às
adesão às tarefas terapêuticas ou ao próprio resultado das intervenções
promotoras da autocompaixão. Muitas vezes a maior parte desses pa­
cientes provém de contextos abusivos e negligentes; tem poucas (ou
nenhumas) experiências de se sentirem tranquilos e seguros, e não são
capazes de o fazer em relação a si próprios (Castilho, 2011). O sistema
de calor e afeto (soothing) está, portanto, desativado ou subdesenvolvi­
do. Nesses casos, os pacientes podem considerar que não merecem
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 391

compaixão ou que ser compassivo é um sinal de fraqueza. O terapeuta


deve começar por normalizar e validar essas dificuldades, salientando, no
entanto, o valor da autocompaixão. Ao se trabalhar a resistência à com­
paixão, é útil identificar possíveis crenças que alimentem essa resistência,
bem como trabalhar memórias emocionais que a mantêm. Nesse tipo de
intervenção, deve-se focar a realidade de que a compaixão permite ao
paciente se tornar mais corajoso ao lidar com as próprias dificuldades
emocionais. A mudança cognitiva deve ser encarada como um desejo, e
não apenas como algo puramente lógico e racional que deva ser alcança­
do (Gilbert, 2007a). Por outras palavras, a mudança aproxima de um self
mais genuíno, que cada um gostaria de poder alcançar.

Contextos de aplicação e resultados

A TFC foi inicialmente concebida para pacientes com níveis eleva­


dos de vergonha e de autocriticismo. Atualmente é implementada, quer
em formato individual quer em formato de grupo, junto a pacientes com
patologias depressivas, ansiosas, psicóticas, com transtornos alimentares e
com transtornos da personalidade. Tendo em conta que se trata de um
modelo de terapia inovador, diversas equipes continuam testando o seu
impacto em diversas populações (p. ex., cuidadores de doentes, pessoal de
saúde de serviços oncológicos) e a sua aplicação em determinadas áreas
ainda está sendo investigada. No âmbito da intervenção com menores, re­
alizada pelo Sistema de Justiça Juvenil Português, foi recentemente desen­
volvido um estudo-piloto com TFC realizado com 17 agressores juvenis.
Após 12 sessões de psicoterapia, á maioria dos sujeitos apresentou uma di­
minuição clinicamente significativa no comportamento agressivo e antis-
social, uma redução dos níveis de vergonha e do uso de estratégias de
coping disfimcionais com a vergonha (sobretudo das estratégias de ataque
ao selfe de fuga), bem como um incremento na autocompaixão (Rijo, da
Motta, Ribeiro da Silva, Brazão, & Paulo, 2013).
De um modo geral, os estudos de eficácia da TFC atualmente
disponíveis têm mostrado que os pacientes, após a intervenção, apre­
392 Terapia Focada na Compaixão

sentam uma redução significativa na sintomatologia depressiva, ansio­


sa, na vergonha, no autocriticismo e nos comportamentos submissos,
assim como um aumento na capacidade de autotranquilização e com­
paixão pelo eu (Gilbert & Procter, 2006).

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14
Terapia Cognitiva Processual

Irismar Reis de Oliveira e Fernanda Landeiro

O trabalho com crenças nucleares em terapia cognitiva ganhou uma -


ferramenta adicional quando o brasileiro Irismar Reis de Oliveira criou a -
inicialmente nomeada — técnica do Processo. Baseada no romance de
Franz Kafka, a técnica faz uma analogia com um processo jurídico, em
que o paciente se acusa de algo como, por exemplo; "sou incapaz" (crença
nuclear); A partir daí, muito trabalho e inspiração levaram ao que hoje se
conhece mundialmente como a terapia cognitiva processual (TCP). Trata-
se de uma modalidade de tratamento que utiliza os pressupostos da
terapia cognitiva padrão, mas que inovou com o desenvolvimento de um
modelo de conceitualização próprio e diversas técnicas e instrumentos de
avaliação adicionais. Atualmente; a TCP é a única abordagem de trata­
mento brasileira que participa do status de Abordagens da Terceira Onda.
W.V.M.

A terapia cognitiva processual (TCP) é, em essência, uma modi­


ficação do modelo da terapia cognitiva desenvolvido por Aaron Beck
(1979). Entretanto, utiliza-se dos mesmos princípios teóricos, dos
mesmos conceitos e, em grande parte, de técnicas semelhantes. Uma
das complexidades da terapia cognitivo-comportamental (TCC) é que
os terapeutas, mesmo aqueles com razoável experiência, têm dificulda­
de de escolher entre as dezenas de técnicas disponíveis para diferentes
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 397

diagnósticos psiquiátricos e em diferentes fases de evolução do trans­


torno. A ideia por trás do desenvolvimento da TCP foi oferecer ao te­
rapeuta, em qualquer nível de experiência, uma forma organizada de
aplicação das técnicas mais utilizadas na TCC, porém, conduzida em
sequência de passo a passo, tendo o terapeuta que se ater menos às
tentativas e erros para encontrar as técnicas mais adequadas para deter­
minado paciente (De Oliveira, 2012).
Assim, a TCP parte de uma sistematização do modelo cognitivo,
no intuito de tornar mais fácil a sua compreensão, tanto pelo terapeu­
ta como pelo paciente. Para isso, foi desenvolvido um gráfico que os
terapeutas cognitivos denominam diagrama, de conceituação (Figura
14.1). De posse deste, o terapeuta e o paciente podem ter uma visão
global do tratamento, do início ao fim, o que lhes permite melhor vi­
sualização das técnicas e da sequência de uso destas. Ao compreender
melhor o processo, o paciente aumenta grandemente a aceitação do
transtorno e da terapia, consequentemente, aumentando as chances de
sucesso (De Oliveira, 2014).
A TCP tem esse nome porque suas principais técnicas simulam
um procedimento jurídico (De Oliveira, 2011). A boa notícia é que,
mesmo a TCP sendo apresentada como um modelo simples e de fá­
cil compreensão pelo terapeuta e pelo paciente, suas técnicas já testa­
das demonstram eficácia pelo menos igual àquela da terapia cogniti­
va convencional (De Oliveira, Powell, Wenzel, Caldas, Seixas, Almei­
da et al., 2012).
A TCP é uma abordagem apresentada em três níveis e três fa­
ses, com base na formulação do caso, e foi desenvolvida na Universi­
dade Federal da Bahia. Embora tenha como fundamentos os mesmos
que embasam a TCC tradicional (Beck, Emery, & Greenberg, 1985),
possui conceituação própria, assim como técnicas próprias, tornan­
do-se assim uma abordagem distinta quanto à modificação das cren­
ças nucleares, especialmente daquelas referentes ao próprio paciente
(De Oliveira, 2014).
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 399

Duas das principais técnicas da TCP, o Registro de Pensamentos


Baseado no Processo (RPBP ou Processo I) e a Consciência Metacog-
nitiva Baseada no Processo (CMBP ou Processo II), foram desenvolvi­
das e estruturadas para modificar as crenças nucleares disfuncionais e
consolidar as crenças nucleares positivas. Apresentam-se como metáfo­
ras da Lei, nas quais o terapeuta convida o paciente para, juntamente
com ele, simular processos judiciais criminais, colocando uma ou vá­
rias crenças nucleares negativas em julgamento diante de um tribunal
cujos personagens internos incluem promotor, advogado de defesa,
juiz, jurados e testemunhas (De Oliveira, 2011).
A ativação de certas crenças nucleares disfuncionais subjacentes
pode desempenhar papel primário na manifestação de vários sintomas
cognitivos, afetivos e comportamentais. Além de ajudar o paciente a
identificar e modificar os pensamentos e as expressões emocionais dis­
funcionais, o trabalho de reestruturação das crenças é fundamental
para que os resultados terapêuticos sejam consistentes e duráveis. Uma
dificuldade para a reestruturação dos níveis mais superficiais de cogni-
ção, conhecidos como pensamentos automáticos (PA), é que, com fre­
quência, os pensamentos alternativos mais racionais gerados para com­
batê-los são desqualificados pelos pensamentos (também automáticos)
do tipo “sim, mas...”, provenientes das crenças nucleares negativas ati­
vadas (De Oliveira, 2007).
Há várias técnicas desenvolvidas para mudar as crenças nucleares
disfuncionais. Para uma revisão daquelas mais comumente utilizadas,
consultar De Oliveira e Pereira (2004) ou Wenzel (2012). O objetivo
deste capítulo é apresentar o Processo I (a partir de agora, denominado
simplesmente Processo), principal técnica utilizada naTCP.

Histórico

A técnica Processo foi desenvolvida como evolução de outra téc­


nica, o Registro de Pensamentos com Base na Reversão de Sentenças
400 Terapia Cognitiva Processual

(RPBRS), criado para lidar com pensamentos automáticos do tipo


“sim, mas...” (De Oliveira, 2007). Esse registro se baseava principal­
mente no princípio de que, ao se inverter a ordem de determinadas
colocações verbais contendo a conjunção “mas”, usada pelo paciente
para desqualificar suas próprias realizações, o sentido da frase se torna­
va mais favorável e tendia a mudar seu humor desagradável (Freeman
& DeWolf, 1992). Entretanto, algumas limitações, sobretudo relativas
à implementação da técnica fora do consultório como tarefa, dificulta­
vam seu uso, tendo esta sido abandonada e substituída pelo Processo
(De Oliveira, 2008).
O Processo veio então preencher essa lacuna, tendo recebido tal
denominação por duas razões: por um lado, trata-se da simulação de um
processo jurídico e, por outro, foi inspirada na obra do mesmo nome O
Processo, de Franz Kafka. Nesse romance, o personagem Joseph K., por
razões não reveladas, é detido por agentes da lei e, ao final, é condenado
e executado sem que jamais lhe seja dado saber de que crime era acusa­
do. Partindo da ideia de que Kafka talvez estivesse propondo a autoacu-
sação como princípio universal, da qual o homem raramente se dá conta
e, sobretudo, não se permite a defesa adequada, De Oliveira (2011) con­
cluiu que tal autoacusação podería ser compreendida como manifestação
de uma crença nuclear negativa ativada. Portanto, a base racional para o
desenvolvimento do Processo seria a sua utilidade em tornar os pacientes
conscientes das crenças nucleares a respeito de si mesmos (autoacusa-
ções). Assim, diferentemente do que ocorre com Joseph K., a ideia é a
de estimular os pacientes a desenvolverem crenças nucleares mais positi­
vas e funcionais durante a terapia.

Conceituação de caso

A conceituação de caso é um elemento-chave na terapia cogniti-


vo-comportamental (TCC) e pode ser definida como uma descrição
dos problemas atuais do paciente, que utiliza a teoria para criar expli­
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 401

cações a respeito dos fatores que causam e mantêm os problemas, as­


sim como informações a respeito das intervenções (Kuyken, Padesky,
& Dudley, 2009). Entretanto, na TCC, compartilhar essas informa­
ções com os pacientes pode ser uma tarefa complicada, devido à difi­
culdade de compreensão do diagrama de conceituação. Apresentar esse
diagrama para o paciente é importante, uma vez que a TCC é um mo­
delo de psicoterapia colaborativa e prevê a psicoeducação do paciente
sobre o modelo cognitivo. Embora haja diversos diagramas de concei­
tuação, propostos por diversos autores para diversos transtornos, o
mais conhecido e mais utilizado é ainda o modelo proposto por Judith
Beck (1995). Entretanto, na tentativa de facilitar o trabalho do tera­
peuta e a compreensão do paciente, foi proposto um novo diagrama
de conceituação da TCP, com os mesmos elementos do diagrama pro­
posto por J. Beck, mas numa disposição diferente (De Oliveira, 2012).
No diagrama mostrado na Figura 14.1, uma situação (evento
desencadeador) é vista de forma particular por cada pessoa. Sua forma
de perceber a situação, representada pelo PA, determina como ela se
sente (emoção) e como atua (comportamento) ou reage fisicamente
(reação fisiológica). No primeiro nível do diagrama, uma situação per­
cebida como perigosa pelo paciente (caixa dos PA) pode gerar ansieda­
de (caixa da reação emocional), a qual pode paralizá-lo (caixa dos com­
portamentos e/ou respostas fisiológicas). As setas retornando para rea­
ção emocional, PA e evento desencadeador deixam claro para o pa­
ciente a natureza circular dessas interações, confirmando seu PA e,
consequentemente, mantendo a percepção distorcida acerca da situa­
ção. Isso o impede de reavaliar de forma adequada sua percepção errô­
nea e, consequentemente, a perpetua em um circuito (Figura 14.2).
O diagrama de conceituação também é útil para que o paciente
compreenda que determinados comportamentos diminuem a ansie­
dade em algumas situações, causando um alívio imediato, mas que, a
longo prazo, podem se tornar comportamentos de segurança (por
exemplo esquiva). No diagrama da Figura 14.1, observamos esses
comportamentos no segundo nível, onde a seta vem diretamente da
402 Terapia Cognitiva Processual

Figura 14.2 Ilustração de como o pensamento 1, leva à emoção 1 e ao compor­


tamento 1 que, por sua vez, gera o pensamento 2, que leva à emoção 2 e ao com­
portamento 2. A recusa do convite pode fazer com que seu amigo não o convide
outra vez (situação 2 não mostrada anteriormente), o que levará a mais pensa­
mentos que confirmarão a sua ideia inicial, numa cadeia de autoperpetuação.
Entretanto, ao recusar o convite por sentir-se ansioso, o paciente sentiu também
alívio, ficando menos desconfortável do que esperava sentir se aceitasse o convite.
Isso também gera avaliações negativas sobre si mesmo.

caixa de comportamento e resposta fisiológica, do primeiro para o se­


gundo nível. Isso significa que as percepções do primeiro nível podem
progressivamente se tornar pressupostos subjacentes ou regras que
agora são mantidos pelas estratégias compensatórias e comportamen­
tos de segurança. Esses comportamentos possuem função modulató-
ria: sob a influência dos pressupostos que os sustentam, as avaliàções
do primeiro nível (PA) podem ser repetidamente confirmados. Além
disso, no terceiro nível, as crenças nucleares podem ser ativadas, se os
pressupostos forem postos em cheque (por exemplo, durante exposi­
ção), ou confirmadas, se os pressupostos não forem testados (no caso
da esquiva).
Uma vez que o paciente tenha entendido a natureza circular dos
PA, o terapeuta deve dar proseguimento à psicoeducação, visando ago­
ra às distorções cognitivas. A primeira coisa a fazer é aprender quais
são os tipos existentes de distorções cognitivas, ou seja, quais são os
padrões de erros de pensamento que o paciente utiliza diante de si­
tuações desconfortáveis. NaTCP, isto é feito com o uso do Questioná­
rio de Distorções Cognitivas (CD-Quest) (De Oliveira, 2014).
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 403

CD-Quest

O Cognitive Distortions Questionnaire (CD-Quest), ou Questio­


nário de Distorções Cognitivas, foi desenvolvido como um instrumento
operacional para ser usado na rotina de avaliação dos pacientes, facilitando
a percepção da ligação entre distorções cognitivas e os estados emocionais
decorrentes dessas distorções, bem como os comportamentos disfuncio-
nais. O CD-Quest foi também desenvolvido para ajudar terapeutas a
quantificar e acompanhar a evolução do paciente durante a terapia, de
acordo com os escores obtidos. O questionário é composto de 15 itens
que acessam as distorções cognitivas em 2 dimensões: frequência e intensi­
dade. Os escores vão de 0 a 75 (Ver CD-Quest no Capítulo 3).
O primeiro estudo sobre o CD-Quest (De Oliveira et al. 2011) foi
realizado com uma amostra de estudantes universitários dos cursos de medi­
cina e psicologia (n = 184; idade = 21.8 + 3.37). A amostra foi avaliada
usando-se os seguintes instrumentos: CD-Quest, inventário de Beck para
depressão (BDI), inventário de Beck para ansiedade (BAI), e o questionário
de pensamentos automáticos (ATQ), tendo esses instrumentos autoaplicá-
veis sido respondidos pelos estudante em sala de aula. O CD-Quest mos­
trou boa consistência interna (0.83 - 0.86), semelhante ao BDI (0.65), BAI
(0.51) e ATQ (0.65). Além disso, o CD-Quest conseguiu discriminar os
pacientes entre os grupos com maior escore de depressão (BDI > 12) e an­
siedade (BAI > 11) daqueles sem depressão ou ansiedade (p < .001). Uma
análise exploratória dos componentes principais com rotação varimax mos­
trou que a presença de quatro fatores explicam jntos 56.6% da variância dos
dados. Esses íàtores são consistentes para os tipos de distorções cognitivas:
• Fator I: pensamento dicotômico, abstração seletiva, personalização,
afirmações do tipo “deveria”, “e se... ”, comparações injustas;
• Fator II: raciocínio emocional, rotulação, leitura mental, con­
clusões precipitadas;
• Fator III: previsão do futuro, desqualificação dos aspectos po­
sitivos, maximização/minimização; e
• Fator IV: supergeneralização, culpar os outros e a si mesmo.
404 Terapia Cognitiva Processual

Conclui-se que o CD-Quest foi caracterizado por boas proprie­


dades psicométricas, sendo um questionário útil para mensarar a evo­
lução do paciente ao longo do processo de terapia.

Registro de Pensamentos Intrapessoal (RP-Intra)

Uma premissa da TCC é que cognições exageradas e distorcidas


podem manter ou exacerbar estados de estresse, depressão, ansiedade e
raiva (Leahy, 2003).
Beck, Rush, Shaw e Emery (1979) desenvolveram o Registro de
Pensamentos Disfuncionais (RPD) a fim de ajudar os pacientes a res­
ponderem mais efetivamente aos PA, modificando estados de humor
negativos. Esse modelo funciona bem para alguns pacientes, que con­
seguem utilizar o RPD de forma consistente e efetiva. Entretanto, exis­
tem alguns pacientes, cujos pensamentos alternativos gerados pelo
RPD e destinados a ser percebidos como mais adaptativos e racionais,
ainda carecem de credibilidade (De Oliveira, 2008). Para preencher
essa lacuna, Greeberger e Padesky (1995) expandiram o RPD original
de 5 colunas, nele incluindo mais duas colunas: evidências que confir­
mam e evidências que não confirmam o PA. Essas duas colunas permi­
tem que o paciente desenvolva pensamentos mais balanceados, adapta­
tivos e funcionais.
O RP-Intra foi desenvolvido a partir da necessidade de reestru­
turar os PA de maneira mais simples e intuitiva pelo paciente, e possi­
bilitando que ele conecte seus PA e a conceituação de caso da Figura
14.1 (para mais informações, ver Capítulo 3).

Role-Play Consensual

A técnica denominada Role-Play Consensual (CRP) foi desen­


volvida como ferramenta para auxiliar na resolução de problemas e
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 405

tomada de decisões (De Oliveira, 2012). É bastante característico no


trabalho clínico o dilema que envolve a ambivalência entre a razão e a
emoção. Assim, esse recurso pode ser empregado no tratamento de
indivíduos que apresentem essa demanda, sem estar necessariamente
em tratamento com a TCP, uma vez que a técnica é totalmente com­
patível com os pressupostos da TCC convencional (para mais infor­
mações, ver Capítulo 3).

Descrição da técnica “o processo”

Inicialmente, pede-se ao paciente que apresente uma situação


incômoda ou um problema em uma ou duas frases (Quadro 14.1).
Habitualmente, a situação equivale ao tema escolhido pelo paciente
para compor a agenda da sessão. O terapeuta pergunta o que se passa
pela mente do paciente ao notar algum sentimento ou emoção forte.
Essa técnica pretende buscar os PA ligados ao estado emocional atual
e são registrados na coluna 1. Para descobrir qual é a crença nuclear
ativa (ou a ser ativada), responsável por esses pensamentos automáti­
cos e o estado emocional atual, o terapeuta usa a técnica da seta des­
cendente. Por exemplo, o terapeuta pergunta o que os PA que aca­
bam de ser expressos significam sobre a paciente, supondo que sejam
verdadeiros. A resposta, expressa habitualmente na forma “Sou...”,
corresponde à crença nuclear ativada. No exemplo do Quadro 14.1,
a paciente expressou a crença “Sou uma fraude”. O terapeuta explica
então que o procedimento (Processo) inicia-se de forma análoga a
uma investigação ou inquérito com o objetivo de descobrir a acusa­
ção (neste caso, a autoacusação) que corresponde à crença nuclear
que o paciente alimenta sobre si mesmo. O terapeuta pergunta então
quanto o paciente acredita nela e que emoção isso lhe faz sentir. As
percentagens indicando o crédito que o paciente dá à crença e a
intensidade da emoção correspondente são registradas na parte infe­
rior da coluna 1.
Quadro 14.1 Registro de Pensamentos com Base no Processo - Por favor, descreva brevemente a situação:
durante a sessão, falando de sua dificuldade de aparecer em público e mostrar-se assertiva.
1. Investigação/ 2. Alegação do 3. Alegação da 4. Réplica do 5. Resposta 6. Significado 7. Veredlto do Jurado. Por
Estabelecimento da Promotor. Por favor, Defesa: Por favor, cite promoter ou do advogado da resposta favor, faça um relatório
acusação (crença cite todas as evidências todas as evidências resposta à alegação de defesa à apresentada sucinto, considerando as
nuclear). 0 que estava que você tem que que você tem que da defesa. Por favor, Alegação do ao promoter questões: Quem foi mais
passando por sua mente sustentam a acusação/ não sustentam a cite os pensamentos Promotor. Por pelo advogado consistente? Quem foi
antes de você começar crença nuclear que você acusação/crença que questionam favor, copie cada de defesa. Por mais convincente? Quem
ase sentir assim? circulou na coluna 1. nuclear que você , discontam ou pensamento favor, escreva o se baseou mais nos fatos?
Pergunte a si mesmo o circulou a coluna 1. desqualificam cada da coluna 4 significado que Quem cometeu menos
que esses pensamentos evidência positive da primeiro, e então você atribui a distorções (cognitivas)?
significam sobre você, coluna 3 expressam cada evidência cada frase da Quem se preocupou
supondo que sejam em geral como correspondente coluna 5. mais com a dignidade do
verdade. A resposta pensamentos do tipo da coluna 3, acusado?
"Se estes pensamentos "sim, mas...) conectándo­
forem verdade, isto os através da
significa que sou ..."éa conjunção MAS.
autoacusação (crença
nuclear) que acaba de
ser descoberta.
MAS: MAS: Isto significa que: Distorções cognitivas:
Sinto como se estivesse 1) Quando ELA está 1) Antes ela não era 1) Há algum tempo 1) Antes não 1) Ela pode ser PI Dl
me traindo. Me sinto em contato com outras assim que age dessa era assim diferente do que 1. Superg. 1. Verdade
estranha. pessoas, força-se a ser maneira é hoje, portanto,
Sinto como se eu fosse social, coisa que ela ela é uma pessoa 2. Rotul. 2. Verdade
uma pessoa falsa, como não é. sincera
se eu tivesse deixando de 3. Superg. 3. Verdade
ser eu mesma.
2) Ela está fazendo 2) Depois que fez 2) isso pode ser sua 2) Depois que 2) Hoje não está 4. Desq. 4. Verdade
coisas que não algumas exposições já personalidade fez algumas agindo normal
fazem parte da sua se sente natural exposições se porque a doença 5. Superg.
personalidade, como sente natural estabeleceu
ser assertiva desse jeito, P2 D2
portanto, ela é 1. Desq. 1. Verdade |
sincera
contínua

Quadro 14.1 Continuação


MAS: MAS: Isto significa que: Distorções cognitivas:
3) Ela está fazendo 3) Ela fala o que sente 3) Agora está se 3) Ela fala o 3) Ficou normal P2 D2
coisas contrárias a sua para as pessoas, é sentindo péssima e que sente para depois da 2. Desq 2. Verdade
vontade sincera se traindo as pessoas, é exposição,
sincera portanto, ela é 3. Desq. 3. Verdade
sincera
4. Desq. 4. Verdade
Técnica da seta 4j Está sendo 4) Antes não era desse 4) Ultimamente fingiu 4f Antes não 4) Não
descendente: desagradável com as feito, portanto ela para agradar era desse Jeito, costumava
Se os pensamentos outras pessoas mudou com a doença portanto ela mentir, não finge,
anterioresforem verdade, mudou com a portanto, ela é Veredlto:
o que eles dizem a seu 5) Age como se doença sincera
respeito? estivesse normal, Inocente
mesmo se sentindo
CRENÇA NUCLEAR: desconfortável

Sou uma fraude 6) Está perdendo sua


essência
EMOÇÃO:
7) Está abrindo espaço
Ansiedade para as pessoas
entrarem em sua
Intimidade, se tornando
uma pessoa pública

Inicial: Final:

Crença: 100% 10% Crença: 100% Crença: 70% Crença: 80% Crença: 50% Crença: 20%

Emoção: 100% 0% Emoção: 100% Emoção: 70% Emoção: 80% Emoção: 50% Emoção: 20%

Tarefa. Preparo para o recurso: Supondo que o advogado de defesa tenha razão, o que isto significa sobre você (técnica da seta ascendente)?
Crença nuclear positiva: Sou uma pessoa sincera.
(Por favor, passe para o registro diário de evidências e assinale diariamente quanto você acredita na nova crença, após escrever entre uma e três evidências que a confirmam).
408 Terapia Cognitiva Processual

As colunas 2 e 3 do Processo foram projetadas para ajudar o pa­


ciente a juntar informações que sustentam e, também, aquelas que
não sustentam a crença nuclear. A coluna 2 corresponde à atuação do
promotor, onde o paciente é estimulado a identificar todas as evidên­
cias que sustentam a crença nuclear negativa, tomada como autoacu-
sação. O que se verifica habitualmente é que o paciente tende a pro­
duzir distorções em vez de evidências. Sugere-se então que o terapeuta
não corrija o paciente, uma vez que, adiante, durante a avaliação pelo
corpo de jurados (coluna 7), o paciente levará esse aspecto em conta,
percebendo que o promotor tende a produzir predominantemente
distorções (cognitivas). Com as informações colhidas e registradas na
coluna 2, busca-se evidenciar os argumentos internos que o paciente
usa para manter a crença nuclear negativa.
Na coluna 3 (advogado de defesa), o paciente é ativamente estimula­
do a identificar todas as evidências que não sustentam a crença nuclear. Se o
terapeuta perceber que o paciente está trazendo opiniões, mais do que evi­
dências, pode sugerir sutilmente que ele dê exemplos com base nos fatos.
A coluna 4 (réplica do promotor à alegação da defesa) é dedicada a
evidenciar os pensamentos do tipo “sim, mas...”, que o paciente usa para
desqualificar ou minimizar as evidências ou pensamentos racionais trazidos
pela defesa na coluna 3, tornando-os menos dignos de crédito. Como o
exemplo do Quadro 14.1 ilustra, ao usar a conjunção “mas”, o terapeuta
ativamente estimula tais pensamentos que sustentam outros PA negativos
que mantêm as emoções e comportamentos disfuncionais. O humor do
paciente tende a retornar ao nível que ele apresentou na coluna 2 quando
da manifestação do promotor. O terapeuta pode então usar essas oscilações
para mostrar ao paciente como seu humor depende de como ele percebe a
situação, positiva ou negativamente.
As colunas 5 e 6 são os aspectos centrais dessa técnica. Na colu­
na 5 (tréplica da defesa em resposta ao promotor), o paciente é condu­
zido a inverter as proposições das colunas 3 e 4, mais uma vez conec-
tando-as com a conjunção “mas”. O terapeuta lê cada frase da coluna
4 e solicita ao paciente para conectá-la com a evidência corresponden-
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 409

te da coluna 3, pedindo-lhe que a copie também usando a conjunção


“mas”. A ideia é fazer com que o paciente consiga reduzir a força dos
pensamentos automáticos negativos. O resultado é a mudança de pers­
pectiva da situação para mais positiva e realista. Nesse momento, o pa­
ciente é estimulado a ler integralmente cada uma das sentenças inver­
tidas na coluna 5 e a registrar na coluna 6 o novo significado, agora
positivo, trazido por essa estratégia.
A coluna 7 traz a parte analítica do Processo, apresentada sob a
forma de deliberação do corpo de jurados. A informação crucial envo-
le saber quem cometeu menos distorções (cognitivas). O terapeuta
pode ainda colocar uma série de questões envolvendo a atuação do pro­
motor e da defesa, tais como: 1) Quem foi mais consistente? 2) Quem
foi mais convincente? 3) Quem se baseou mais nos fatos? 4) Houve in-
tencionalidade por parte do acusado? Aqui, os pacientes, na esmaga­
dora maioria dos casos, se inocentam da acusação representada pela
crença nuclear negativa.
O crédito que o paciente atribui à crença nuclear negativa e a
intensidade da emoção correspondente são avaliados ao término da
atuação de cada personagem, registrando-a na parte inferior de todas
as colunas (com exceção da coluna 5). Tais percentagens demonstram
a oscilação do afeto do paciente ao focar sua atenção em percepções
negativas (alegações do promotor) ou positivas (defesa, júri e prepara­
ção para o recurso).
Finalmente, esse registro de pensamentos é utilizado para ativar
(ou mesmo desenvolver) nova crença nuclear positiva através da técni­
ca da seta ascendente, em contraposição à seta descendente utilizada
na coluna 1 do Quadro 14.1. Para isso, o terapeuta pergunta: “Supon­
do que o advogado de defesa tenha razão, o que isso diz a seu respei­
to?”. No exemplo do Quadro 14. 1, a paciente traz a nova crença nu­
clear “Sou uma pessoa verdadeira”.
O Quadro 14.2 é o registro que o paciente será solicitado a pre­
encher como tarefa, sendo estimulado a juntar, durante a semana, dia­
riamente, os elementos que sustentam a crença nuclear positiva. Isso se
410 Terapia Cognitiva Processual

inicia na mesma sessão, como preparação para o recurso solicitado pe­


lo promotor quando o paciente se inocenta da acusação, ou, muito ra­
ramente, solicitado pela defesa, quando o paciente não se considera
inocente ao final do Processo. O paciente indica também, diariamente
(entre parênteses), o quanto acredita na crença positiva.
O aspecto fundamental nesse estágio é que o paciente tome seu
tempo fora da sessão prestando atenção aos fatos e acontecimentos que
sustentem a(s) crença(s) positiva(s) e isso implica na escolha do advo­
gado de defesa como aliado, independentemente de o paciente ter sido
absolvido ou não ao final de cada Processo.

Quadro 14.2 Preparo para o recurso - formulário para uma crença


Crença nuclear positiva: Sou uma pessoa sincera.
Data: (90%) Data: ( %) Data: ( %) Data: ( %)
1. Agradecí a meu tío 1. 1. 1.
por ter me recebido
na casa dele 2. 2. 2.
2. Assumi minhas
dificuldades 3. 3. 3.
na sessão de terapia
3.

Data: ( %) Data: ( %) Data: ( %) Data: ( %)


1. 1. 1. 1.

2. 2. 2. 2.

3. 3. 3. 3.

Data: ( %) Data: ( %) Data: ( %) Data: ( %)


1. 1. 1. 1.

2. 2. 2. 2.

3. 3. 3. 3.

Data: ( %) Data: ( %) Data: ( %) Data: ( %)


1. 1. 1. 1.

2. 2. 2. 2.

3. 3. 3. 3.

__
Fonte: © lrísmar Reis de Oliveira; http://trial-basedcogitivetherapy.com.
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 411

Uso do processo em uma sessão


de terapia cognitiva processual
Quadro 14.1, coluna 1: investigação

T: Ida, na última sessão colocamos em julgamento mais uma de


suas crenças negativas do tipo “Sou imperfeita”. Você pode resumir
como foi o uso dessa técnica para você?
P: Foi muito bom, me ajudou bastante. Eu cheguei aqui acredi­
tando 100% que era imperfeita e, durante da sessão, encontramos
evidências de que sou uma pessoa normal. Então eu fiz a tarefa de
casa para buscar mais evidências no meu dia, provando que sou nor­
mal. À noite, quando ficava ansiosa e pensava em fazer o ritual de
checagem do TOC, ou me cortar para aliviar a ansiedade, eu tentava
me distrair, ligava o computador e ficava parada, observando a tela
em minha frente. No início, eu não conseguia fazer nada, a ansieda­
de aumentava muito, mas depois ia se reduzindo e eu me sentia mais
tranquila. Há dias que não faço nenhum ritual.
T: Isso é muito bom. Foi importante ter resistido?
P: Sim, agora me sinto mais aliviada. E o feto de não fazer ritu­
ais há alguns dias me deixa mais disposta. Mas a vontade continua vin­
do, muito forte, e ainda há alguns pensamentos que me incomodam.
T: Ida, parece que durante a semana você continuou lutando
contra esses pensamentos e a vontade de fazer os rituais do TOC e a
automutilação, certo?
P: Isso me vem à cabeça quase o tempo todo!
T: O que tem passado por sua cabeça em relação a essa questão,
embora tenha me dito que já está melhor do que antes?
P: E sempre igual, com pensamentos do tipo “não vou conse­
guir”, “mais cedo ou mais tarde vou recair”, ou “vou me cortar de
novo”. Pelo fato de eu não estar fazendo os rituais do TOC e de não
estar me cortando, é como se eu estivesse me afastando de mim mes­
ma, como se estivesse sendo artificial.
T: O que significa para você esse tipo de pensamento?
412 Terapia Cognitiva Processual

P: Significa que estou sendo falsa, me traindo. O normal da mi­


nha personalidade é fazer os rituais e me cortar. Se eu não faço isso,
não estou agindo de acordo com minha personalidade.
T: Ida, essas coisas dizem algo sobre você? O que esses pensa­
mentos significam sobre você?
P: Significam que sou uma fraude.
T: Ida, eu já lhe mostrei este diagrama de conceituaçáo diversas
vezes, e parece que ele lhe ajudou a compreender melhor sua situação.
Você lembra de que escrevemos aqui, no primeiro nível, vários pensa­
mentos automáticos, inclusive alguns desses que você está trazendo
agora? Será que esses pensamentos, de modo semelhante àqueles rela­
cionados aos pensamentos de imperfeição, não são resultantes de uma
ideia mais central que você faz de si mesma, de como se vê como pes­
soa? Você se lembra do nome que demos a isso?
P: Lembro-me sim: crença nuclear.
T: Isso mesmo, crença nuclear. Se escrevermos isso aqui [o tera­
peuta mostra o diagrama] como uma crença nuclear que acaba de ser
ativada, “Sou uma fraude”, isso faz sentido para você? Percebe como
esta seta subindo em direção à caixa dos pensamentos automáticos ali­
menta os pensamentos que você está relatando agora?
P: Percebo sim.
T: Essa ideia mais central que você tem de si mesma, que acabamos
de identificar agora, “Sou uma fiaude”, lhe vem com frequência à cabeça?
P: Muito, quase o tempo todo.
T: Eu gostaria de lhe propor trabalharmos isso hoje utilizando o
Processo, que você já conhece, já utilizado aqui algumas vezes. Você
acha que ajudou? Gostaria de colocar essa crença em julgamento?
P: Gostaria, sim. Ajudou muito, todas as vezes que fizemos, isso
foi muito importante. Acho que desta vez pode ser que ajude também.
T: Ótimo! Vamos tentar. Apenas recapitulando, com essa técnica, a
ideia central que as pessoas têm de si mesmas (nesse caso “Sou uma frau-
de”) é transformada em autoacusaçáo. Vou escrever neste formulário [o te­
rapeuta mostra a folha do Processo] exatamente isso, na primeira coluna-
“Sou uma fraude”. Quanto você acredita agora que é uma fraude?
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 413

P: Acredito 100%.
T: Ao creditar 100% nisso, que emoção você sente?
P: Ansiedade, muita ansiedade. E uma dor na alma.
T: Qual o tamanho dessa ansiedade agora?
P: Cem por cento também, é muito forte.

Quadro 14.1, coluna 2: Ia alegação da promotoria


T: Vamos seguir nessa mesma linha. Vou propor agora que você
imagine que está em um tribunal e que, transformando a crença em
autoacusação, traga todos os elementos que tiver para tentar provar
que isso é verdade, que você é realmente uma fraude. Vamos tentar fa­
zer isso? Você está vendo essas cadeiras vazias na sala? Vou pedir que
você se sente na cadeira que está diante de mim, onde você será a ré,
Ida. Pode se sentar nela agora? Você está sob a acusação de ser uma
fraude. Ao fazer a investigação há pouco você disse que acreditava
muito nisso. Agora, ainda como Ida, ocupando a cadeira da ré, quanto
você acredita na acusação “Sou uma fraude”?
P: Acredito 100%.
T: E como fica a ansiedade?
P: 100%.
T: Você pode se sentar nesta cadeira à minha direita? Aqui você
vai representar o promotor, que a acusa de ser uma fraude. Você con­
segue visualizá-lo? E um homem ou uma mulher?
P: Um homem, com cara de muito malvado.
T: É alguém que você conhece?
P: Não, ninguém especificamente.
T: Muito bem. Agora, sentada nessa cadeira, você é o promotor que
acusará Ida de ser uma fraude. Gostaria que você utilizasse o pronome “ela”
para se referir a Ida, que está sentada naquela cadeira em frente.
P: Bem, Ida está em contato com outras pessoas, fingindo ser
uma pessoa social, coisa que ela não é.
T: Deixe-me anotar isso aqui: “fingindo ser social, coisa que ela
não é”. Que outras evidências a promotoria traz?
414 Terapia Cognitiva Processual

P: Ida está fazendo coisas contrárias a sua natureza e sua perso­


nalidade, como ser assertiva. Ela não é assertiva.
T: Está “fazendo coisas contrárias a sua personalidade, como ser
assertiva”. Ok.
P: Ela está fazendo coisas contrárias à sua vontade, como por
exemplo dizendo não a outras pessoas e contrariando os outros, o que
é contra sua natureza. Ida está sendo desagradável às outras pessoas.
T: Ok. Continuo anotando... Mais alguma evidência?
P: Ela age como se estivesse normal, mesmo quando está se sen­
tindo desconfortável, quando deixa de fazer os rituais. Está perdendo
sua essência.
T: A promotoria afirma que Ida age naturalmente, como se fosse
normal, quando está sentindo desconforto, quando deixa de fazer seus
rituais, e está perdendo sua essência.
P: Ela está abrindo espaço para outras pessoas entrarem em sua
intimidade, está se tornando uma pessoa pública.
T: Está se tornando uma pessoa pública. Mais alguma evidên­
cia? Ok. Agora gostaria de pedir que você volte para a cadeira da ré.
[Aguarda que Ida volte à cadeira da ré] Você acabou de escutar da
promotoria, Ida, que você se força a ser social, coisa que você não é;
faz coisas contrárias à sua natureza e à sua personalidade, como ser as­
sertiva. A promotoria afirma que você não é assertiva. Afirma que
você está fazendo coisas contrárias a sua vontade, como, por exemplo,
dizendo não a outras pessoas e contrariando os outros, o que é contra
sua natureza. Diz que você fica agindo como se estivesse normal, mes­
mo quando está se sentindo desconfortável, deixando de fazer seus ri­
tuais, e que você está abrindo espaço para outras pessoas entrarem em
sua intimidade; está se tornando uma pessoa pública. Quando você
ouve esses argumentos da promotoria, quanto você acredita nisso:
“sou uma fraude”?
P: 100%
T: E a ansiedade?
P: 100% também.
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 415

Quadro 14.1, coluna 3: Ia alegação da defesa.


T: Ida, de vez em quando você deixa a sua defesa se manifes­
tar? Eu gostaria de pedir que você dê uma chance à sua defesa agora.
Estamos em um tribunal, e peço quê você se sente nessa outra cadei­
ra a minha esquerda e rebata o que foi dito pelo promotor. Ou seja,
Ida continua na cadeira da ré e você se coloca como advogada de de­
fesa dela.
P: Mas eu não tenho nenhum argumento para a defesa. Eu te­
nho certeza que sou uma fraude, não tenho como me defender disso.
T: Me diga uma coisa: um advogado de defesa é obrigado a acre­
ditar na inocência do acusado?
Ps Acho que não.
T: Não é isso que está acontecendo aqui? Você não acha que,
por lei, todos têm direito a defesa? Mesmo grandes criminosos mere­
cem defesa. Se você tiver que defender Ida, ainda que não acredite em
sua inocência, que argumentos pode usar? Lembre-se: tudo que um
advogado de defesa precisa é fazer um trabalho competente.
P: Tudo bem.
T: Você consegue visualizar o advogado de defesa à minha es­
querda? É um homem ou uma mulher? Alguém que você conhece?
P: E uma mulher, uma senhora de óculos, simpática, cabelos
brancos. Não é ninguém que eu conheça.
T: Então, por favor, venha para a cadeira da advogada de defesa.
P: Antes de Ida ficar doente, ela não era assim, não fazia todos
esses rituais. Ela não era como é hoje. Então esses rituais não são da
natureza dela, mas da doença.
P: Vou registrar aqui que ela não era assim, que não fazia todos
esses rituais. Não era como é hoje. Então esses rituais não são da natu­
reza dela, mas da doença.
P: Depois que fez algumas exposições, ela está melhor, mas ain­
da sente muita vontade de se cortar...
T: Em minha condição de juiz, eu gostaria de interrompê-la e
esclarecer que a senhora, enquanto defesa de Ida, pode prejudicá-la
416 Terapia Cognitiva Processual

com essa declaração. A senhora gostaria de manter o que acaba de di­


zer ou prefere retirar o que disse?
P: O senhor tem razão. Eu gostaria de reformular o que disse.
Depois da exposição, essas coisas já se tornaram naturais e isso signifi­
ca que agir com naturalidade nessas situações é parte da personalidade
dela, pois foi a doença que a fez agir da outra forma.
T: Então, depois das exposições, está agindo com naturalidade...
P: Mas isso foi só porque o terapeuta ajudou...
T: Quem a senhora acha que se expressou agora, a defesa ou a
promotoria?
P: Acho que foi a promotoria.
T [O terapeuta olha para a cadeira vazia, à sua direita, e, com olhar
severo, simula estar advertindo o promotor]: Por favor, peço que o senhor
se cale, pois ainda não é a sua vez de falar. Peço que não perturbe o traba­
lho da defesa. [Volta-se para a cadeira da defesa, com atitude acolhedora].
Por favor, a senhora pode continuar o seu trabalho, o promotor não vai
mais importuná-la. O que a senhora tem a dizer em defesa de Ida?
P: Ela fala o que pensa para as pessoas, não fica fingindo, é sincera.
T: A defesa afirma que Ida é sincera, não finge. Mais alguma evi­
dência?
P: Ela mostrou o DVD das sessões de terapia aos pais, expondo
suas fragilidades e seus defeitos temporários; são temporários, porque
ela está evoluindo bastante durante a terapia. Então ela foi sincera com
os pais, mostrando os vídeos e se expondo.
T: Ok. Estou anotando aqui que Ida foi sincera mostrando os
vídeos da terapia aos pais, expondo seus defeitos temporários.
P: Acho que já está bom. Já coloquei todos os argumentos que ■
desejava.
T: Por favor, retorne para a cadeira da ré. Então, Ida, você escu­
tou o que sua defesa disse? A defesa afirma que você não era assim, que
não tinha todos esses rituais. Não era como é hoje. Então esses rituais '
não são de sua natureza, mas da doença. Depois da exposição, essas
coisas já se tornaram naturais e isso significa que agir com naturalidade
nessas situações é parte da sua personalidade, foi a doença que fez
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 417

você agir de outra forma. A defesa afirma ainda que você foi sincera
mostrando os vídeos da terapia para seus pais, expondo seus defeitos
temporários. Quando você ouve essas declarações da advogada de de­
fesa, quanto você acredita na acusação de que você é uma fraude?
P: Acredito 60% agora.
T: E de que tamanho fica a ansiedade?
P: 50%.

Quadro 14.1, coluna 4: 2a alegação da promotoria.


T: Você pode voltar para esta cadeira aqui a minha direita? Ago­
ra o promotor tem direito à réplica. Nessa etapa, a estratégia da pro­
motoria é desqualificar os argumentos da defesa. Para tanto, utiliza a
conjunção “mas”. A advogada de defesa disse que Ida não era assim,
ela não tinha todos esses rituais; não era como é hoje, então esses ritu­
ais não são da natureza dela, mas... O que diz o promotor?
P: Mas, há muito tempo ela age assim, com os rituais e se cortando.
T: Ok. Depois que fez algumas exposições, ela já está melhor, mas...
P: Mas ainda sente muita vontade de se cortar.
T: Ela fala o que pensa para as pessoas, não fica fingindo, é sin­
cera, mas...
P: Mas agora ela está se traindo, não está sendo sincera consigo
mesma.
T: Ida foi sincera mostrando os vídeos da terapia aos pais, ex­
pondo seus defeitos temporários, mas...
P: Ultimamente ela fingiu para agradar outras pessoas.
T: Ok. Você pode voltar para aquela cadeira, como Ida? Você
acabou de escutar as seguintes acusações do promotor: já tem muito
tempo que você age assim, com os rituais e se cortando, você ainda
sente muita vontade de se cortar, está se traindo, não está sendo since­
ra consigo mesma e, últimamente, você fingiu para agradar outras pes­
soas. Ouvindo isso, quanto acredita na acusação “Sou uma fraude”?
P: Agora, 80%.
T: Em quanto fica a ansiedade?
P: 90%.
418 Terapia Cognitiva Processual

Quadro 14.1, coluna 4: 2a alegação da defesa


T: Ida, agora vou pedir para você voltar à a cadeira da defesa. A
defesa utilizará a mesma estratégia da promotoria, também fazendo
uso da conjunção “mas”. Da mesma forma que a promotoria, a defesa
não trará novos argumentos. [O terapeuta lê a declaração da defesa e
acrescenta a conjunção “mas”] “Ida está se forçando a ser uma pessoa
social, coisa que ela não é”, mas...
P: ...antes de Ida ficar doente não era assim, ela não tinha todos
esses rituais; não era como é hoje, então esses rituais não são da natu­
reza dela, mas da doença.
T: O que isso significa sobre Ida?
P: Isso significa que ela pode ser diferente do que é hoje, que
isso é da doença.
T: Portanto...
P: Portanto ela é uma pessoa sincera.
Ts Você pode escrever na outra coluna o que acaba de me dizer?
Por favor, coloque o mesmo número na linha. “Ida é uma pessoa sin­
cera,” mas...
P: Depois da exposição, essas coisas já se tornaram naturais e
isso significa que agir com naturalidade nessas situações é parte da per­
sonalidade dela, foi a doença que a fez agir de outra forma.
T: Isso significa que...
P: Que hoje ela não está agindo normal porque a doença estabe­
leceu que fosse desse jeito, e isso é artificial, é da doença.
T: Portanto...
P: Portanto, ela está agindo normal agora, ela está sendo sincera.
T: Pode escrever aqui? [O terapeuta indica a coluna 6] “Ela fica
agindo como se estivesse normal, mesmo quando está se sentindo des­
confortável, quando deixa de fazer seus rituais, está perdendo sua es­
sência,” mas...
P: Ela fala o que pensa para as pessoas, não fica fingindo, é sincera.
T: Isso significa que...
P: Está agindo normal agora, mais social, sem os sintomas do TOC.
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 419

T: Portanto...
P: Portanto ela é uma pessoa sincera.
T: O último item: “Ela está abrindo espaço para outras pessoas
entrarem em sua intimidade, está se tornando uma pessoa pública,”
mas...
P: Ela foi sincera mostrando os vídeos da terapia a seus pais, ex­
pondo seus defeitos temporários.
T: Isso significa que...
P: Que ela não costuma mentir, mostra-se como é de verdade.
T: Portanto...
P: Portanto ela é uma pessoa sincera.
T: Agora você pode voltar para a cadeira da ré. Você acabou de
ouvir da defesa que, depois da exposição, você está agindo com natu­
ralidade nas situações, que isso é parte da sua personalidade, foi a do­
ença que a fez agir da outra forma, o que significa que hoje está agindo
normal, portanto você é uma pessoa sincera; que você fala o que pensa
para as pessoas, não fica fingindo, significando que está agindo normal
sem os sintomas do TOC, portanto você é sincera; que mostrou os ví­
deos da terapia a seus pais, expondo seus defeitos temporários, o que
significa que você não costuma mentir, mostra-se como é de verdade,
portanto você é uma pessoa sincera. Ao escutar isso da defesa, quanto
acredita na acusação de que você é uma fraude?
P: 40% agora.
T: E como fica sua ansiedade?
P: 40% também.

Quadro 14.1, coluna 7: veredito.

T: Ida, veja agora o que acontece nesta fase do tribunal. A pro­


motoria e a defesa se manifestaram; houve réplica da promotoria e tré­
plica da defesa. Agora, qual o próximo passo em um júri criminal?
P: Acho que agora vem a parte dos jurados, não é?
T: Exatamente, o júri se reúne para dar o veredito. Você já sabe
como isso é feito aqui, não é? Vamos nos sentar naquelas duas cadei-
420 Terapia Cognitiva Processual

ras. Eu saio da posição de juiz e assumo a posição de jurado número 2.


Você será a jurada número 1. Temos que sair daqui com uma decisão
unânime. Eu pergunto: qual a função dos jurados?
P: Eles analisam o que foi dito pela promotoria e pela defesa e
decidem o veredito.
T: Isso mesmo. Em nosso tribunal, importa quem distorce menos
os fatos. É isso o que vamos analisar. Avaliaremos minuciosamente o que
foi dito por ambos e veremos quem distorceu menos os fatos. Vamos ano­
tar neste quadro. Chamaremos a primeira alegação da promotoria de Pl,
a primeira alegação da defesa de Dl, a réplica de P2 e a tréplica de D2.
P: Ok. Entendí.
T: Vou ler cada frase dita pela promotoria e pela defesa e você
tenta ver se há distorção. Para isso, deve consultar a folha de distor­
ções. [O terapeuta entrega a folha de distorções cognitivas à paciente].
Vamos começar. O promotor disse: “força-se a ser social, coisa que ela
não é”. Você encontra alguma distorção aqui, por parte do promotor?
P: Isso é verdade. Ela nunca foi mesmo muito social.
T: Isso é totalmente verdadeiro, quero dizer, Ida é assim o tempo
todo, ou há algo que não corresponde à verdade na fala do promotor?
P: É, talvez o promotor esteja generalizando. As vezes ela é so­
cial, sai com os amigos...
T: Ok. Então, Pl.l = supergeneralização, certo?
P: Certo!
T: O promotor disse: “Ida está fazendo coisas contrárias a sua
natureza e sua personalidade, como ser assertiva. Ela não é assertiva”.
Alguma distorção por parte do promotor?
P: Acho que ele está rotulando Ida.
T: P1.2 = rotulação.
T: O promotor disse que Ida está dizendo não a outras pessoas e
contrariando os outros, o que é contra sua natureza. Está sendo desa­
gradável com outras pessoas. Consegue ver alguma distorção?
P: Acho que ele está supergeneralizando novamente. Ela não é
desagradável o tempo todo, somente em algumas poucas situações.
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 421

T: Ok. P1.3 = supergeneralização. O promotor afirmou que Ida


fica agindo como se estivesse normal, mesmo quando está se sentindo
desconfortável, quando deixa de fazer seus rituais.
P: Hum, nesse caso... Acho que é desqualificação dos aspectos po­
sitivos, porque ela está tentando melhorar e ele está desqualificando isso.
T: Muito bem. P1.4 = desqualificação dos aspectos positivos. E,
por último, o promotor afirmou que Ida está abrindo espaço para ou­
tras pessoas entrarem em sua intimidade, está se tornando uma pessoa
pública. Alguma distorção nessa alegação da promotoria?
P: Acho que é um exagero. O fato de ela fazer algumas coisas na
frente de outras pessoas, como trabalhar e estudar, não a tornam uma
pessoa pública. Acho que é supergeneralização também.
T: Ok. P1.5 = supergeneralização.
T: Agora vamos aos argumentos da defesa. Esta afirma que antes
de Ida ficar doente não era assim, ela não tinha todos esses rituais. Não
era como é hoje. Então esses rituais não são da natureza dela, mas da
doença. Alguma distorção?
P: Não, acho que não. Isso é verdade.
T: Ok. Dl.l = verdade. “Depois da exposição, essas coisas já se
tornaram naturais e isso significa que agir com naturalidade nessas si­
tuações é parte da personalidade dela, foi a doença que a fez agir da
outra forma”. Tem alguma distorção aqui?
P: Não. Depois da exposição, ela voltou a ser como era antes da
doença. E verdade.
T: D 1.2 = verdade. “Ela fala o que pensa para as pessoas, não
fica fingindo, é sincera”. A defesa cometeu alguma distorção?
P: Não, é verdade.
T: D 1.3 = verdade. E, por último, a defesa afirmou que Ida mos­
trou o DVD das sessões de terapia aos pais, expondo suas fragilidades
e seus defeitos temporários. Alguma distorção aqui?
P: Não. Também é verdade.
T: Muito bem, D 1.4 = verdade. Voltando para a réplica da promo­
toria: “há muito tempo que ela age assim, com os rituais e se cortando”.
422 Terapia Cognitiva Processual

P: Isso é verdade, desde a adolescência, já tem muito tempo


mesmo!
T: Vamos analisar essa alegação. Por que a promotoria disse isso?
Não foi em decorrência do que disse a defesa, que antes da doença ela
não fazia os rituais?
P: Foi. Acho que a promotoria tentou desqualificar o que disse a
defesa.
T: Vou anotar isso aqui. P2.1 = desqualificação dos aspectos po­
sitivos. Em seguida o promotor afirmou que Ida ainda sente muita
vontade de se cortar.
P: Isso também é verdade, mas acho que ele trouxe esse argu­
mento para desqualificar também o que disse a defesa. Nessa coluna, o
promotor só fez desqualificar. O promotor desqualificou quando a de­
fesa disse que ela estava melhorando e que não era assim antes da do­
ença. Desqualificou também quando o advogado disse que Ida fala o
que pensa para as pessoas, não fica fingindo, é sincera.
T: Vou anotar aqui todas essas distorções da promotoria. O que
você acha que aconteceu na tréplica da defesa? Pode olhar aqui, por fa­
vor? Você consegue ver alguma distorção da defesa, já que ela utilizou
os mesmos argumentos anteriores.
P: Não. A defesa trouxe fatos reais.
T: Então vou anotar aqui que a defesa disse a verdade em todas
as afirmações da tréplica, de D2.1 a D2.4. O que decidimos, enquanto
jurados? Você pode dar seu parecer?
P: Enquanto jurada eu acho que a promotoria cometeu inúme­
ras distorções cognitivas, do tipo rotulação, desqualificação dos aspec­
tos positivos e supergeneralização. Por outro lado, a defesa falou a ver­
dade e não cometeu distorções. A promotoria tentou descaracterizar a
defesa com argumentos vagos. A defesa se baseou em evidências reais e
a promotoria exagerou e cometeu distorções. Então, concluo que a re
é inocente. Ela não é uma fraude, é sincera, portanto.
T: Ok. Concordo com a jurada número 1. Vou pedir agora que volte­
mos ao tribunal e você, ainda enquanto jurada, leia o veredito para o juiz.
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 423

P: Eu, enquanto jurada número 1, e após discussão na sala do


júri, informo que por decisão unânime o júri considerou a ré Ida ino­
cente da acusação de ser uma fraude.
T: Ótimo! Agora você pode retornar para a cadeira da ré. Ida,
você acaba de ouvir dos jurados que você é inocente da acusação, com
base na constatação de que a promotoria cometeu muitas distorções e
a defesa não fez nenhuma distorção cognitiva. Com essa decisão, quanto
você acredita na acusação de que você é uma fraude?
P: Cai pra 20%.
T: E quanto fica a ansiedade?
P: Ah! Caiu bastante, acho que 20% também.

Preparo para o recurso (Quadro 14.2):


T: Muito bem. Agora podemos assumir nossas posições originais,
fora do tribunal. Ida, agora que você foi inocentada da acusação, supondo
que a defesa e os jurados tenham razão, o que isso diz a seu respeito?
P: Diz que eu não sou uma fraude. Que eu sou uma pessoa sincera.
T: Você acha que o promotor vai se conformar com essa decisão
e se calará ou continuará a acusá-la?
P: Acho que ele não vai se conformar, ele não vai parar.
T: Você acha que ele pediria um recurso? Se ele se manifestar,
podemos dar um recurso a ele, quantas vezes solicitar, você concorda?
Se a defesa tivesse perdido e solicitasse recurso, nós também daríamos.
O mais importante agora é saber quem você escolhe como aliada, a
defesa ou a promotoria?
P: Claro que escolho a defesa.
T: E o que a defesa provou?
P: Que eu sou uma pessoa sincera.
T: Gostaria então de lhe pedir para preparar o recurso solicitado
pela promotoria, auxiliando de perto sua defesa. Veja o documento da de­
fesa (o terapeuta mostra a planilha do recurso). O que um bom advogado
de defesa fàz entre as audiências, quando está trabalhando em um caso?
P: Continua buscando evidências que ajudem o cliente.
424 Terapia Cognitiva Processual

T: Portanto, eu proponho que você faça isso durante a semana. Peço


que você passe a prestar atenção em todos os fatos, mesmo aqueles aparen­
temente sem importância, para ajudar sua defesa, está bem? Vamos come­
çar agora? Vamos pensar no dia de hoje. Não precisa ser nada heroico, pe­
quenos fatos contam, porque são esses fatos que dizem o que somos. En­
tão vou escrever aqui o que disse sua defesa: "Sou uma pessoa sincera".
Você pode me trazer elementos do dia de hoje que provem isso?
P: Eu agradeci a meu tio por ter me recebido tão bem na casa
dele, e isso foi sincero, de coração.
T: Algo mais no dia de hoje?
P: Hoje? Acho que não.
T: Será que o fato de você ter assumido aqui que é uma fraude
não denota a sua sinceridade?
P: E verdade. Eu podería ter mentido, dizendo que estava tudo
bem. Mas fui sincera.
T: Podemos anotar isso na sua folha da defesa?
P: Sim (paciente anota).
T: Ok. Esse terceiro espaço, vamos deixar em branco para ser
preenchido mais tarde com outro acontecimento que mostre que você
é sincera. Ida, após encontrar esses dois elementos e registrá-los na fo­
lha da defesa como preparação para o recurso, quanto você acredita
nisso: “Sou uma pessoa sincera”?
P: Agora acredito 90%.
T: Por favor, registre aqui “90%”. Você pode reavaliar isso ainda
hoje, se encontrar mais elementos que mostrem que você é sincera.
Você pode fazer isso diariamente, buscar essas evidências? Talvez você
gaste dez ou vinte segundos para cada item, acha que vale a pena?
P: Sim, com certeza.
T: Ótimo. Ida, diga-me, por favor, quanto você acredita agora
naquela crença “Sou uma fraude”?
P: 10%
T: E quanto está sua ansiedade agora?
P: 15%. Estou bem melhor.
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 425

T: Espero que, com isso, sua defesa se torne mais ativa e ganhe
bastante prática, conforme você passe a ajudá-la a juntar esses elemen­
tos que provam que você é sincera.
P: Acho que vai me ajudar!

Compreensão da sessão de acordo


com o diagrama de conceituação:
T: Ida, gostaria de revisar com você o diagrama de conceituação;
o que você percebe que estava acontecendo antes do trabalho que fize­
mos hoje, de acordo com este diagrama? [O terapeuta mostra o diagra­
ma de conceituação com a crença negativa ativada (Figura 14.3)].
P: Essa crença “sou uma fraude” me fazia ter pensamentos nega­
tivos; eu não saía dessa situação e ficava cada vez mais ansiosa.
T: Isso mesmo. Veja agora este outro diagrama e me diga o que
aconteceu. [O terapeuta mostra o diagrama com a crença positiva ati­
vada (Figura 14.4)]. Veja o que aconteceu com esta seta.
P: Essa crença positiva, de que eu sou uma pessoa sincera, está ativa.
T: Que pensamentos são gerados por ela?
P: Se eu sou sincera, é porque estou agindo de acordo com a mi­
nha essência, com a minha personalidade, e que antes eram os sinto­
mas da doença se manifestando.
T: Ótimo. Pode me dar urty.feed.back de como foi a sessão para você?

Conceituação de caso de Ida

Ida trouxe, durante a sessão, pensamentos automáticos provenientes


da crença nuclear ativada “sou uma fraude” (Figura 14.3). Para a conceitu­
ação, é importante buscar elementos relevantes de sua infância que te­
nham contribuído para o desenvolvimento dessa crença, bem como de
outras a serem trabalhadas durante a terapia. Ida tem uma ligação mais
forte com seu pai, descrito por ela como mais afetuoso e compreensivo, o
qual a apoia, desde sua infância, de forma incondicional. Sua mãe, por
426 Terapia Cognitiva Processual

outro lado, é descrita como mais severa, dificilmente tecendo-lhe elogios,


mas, com maior frequência, dispensando-lhe duras críticas. Ida descreve
como fato mais mobilizador de sua infância a perda de sua irmâ, aos 9
anos, em uma acidente enquanto brincavam, quando a menina subia em
uma árvore. “Sempre me considerei culpada pela morte de minha irmâ.
Eu era um ano mais velha do que ela, mas não a proibi de subir na árvore
de onde caiu. Acho que isso marcou toda minha vida.”
Os PA alimentados pela crença nuclear ativada (“sou uma frau­
de”) estão ilustrados na primeira (investigação), segunda (alegação da
promotoria) e quarta (réplica da promotoria) colunas do Quadro 14.1.
Tais PA geram grande ansiedade.
No nível cognitivo intermediário, incluindo comportamentos de
segurança, podem ser descritos esquiva de situações sociais e, em mo­
mentos de grande ansiedade, automutilação. Alguns pressupostos sub­
jacentes (“se eu falo com as pessoas, elas perceberão que sou uma frau­
de”) visam, ainda que de forma malsucedida, a evitar que ele se veja
como fraude. No que diz respeito à automutilação, ela informa ser o
modo mais rápido de se sentir aliviada e de diminuir sua culpa. Infe­
lizmente, os comportamentos de segurança (estratégias compensató­
rias) derivados desses pressupostos só trazem alívio momentâneo e, por
fim, devem produzir exatamente o que ela deseja evitar: a ativação de
crenças negativas, como, por exemplo, “sou uma fraude” ou “sou má”,
esta última relacionada com a morte de sua irmâ.
O objetivo, portanto, do uso do Processo é a reestruturação de
crenças negativas disfuncionais, como “sou uma fraude”. Operaciona-
liza-se isso, simultaneamente, na mesma sessão, desativando-as e ati­
vando crenças positivas mais funcionais. A meta é obter o equilíbrio
ótimo entre ambos os tipos de crenças. Com a sugestão do exercício
diário iniciado na sessão (Quadro 14.2), representado pelo preparo
para o recurso, o terapeuta estimula a paciente a perceber, diariamente,
pequenos elementos que provam e reforçam crenças positivas mais
motivado ras, tais como “Sou uma pessoa honesta”, conclusão à qual
Ida chegou ao final da sessão ao concluir o Processo.
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 429

Obstáculos a serem evitados no uso do processo

A seguir, encontram-se listados alguns obstáculos que os terapeutas


devem evitar a fim de permitir que o Processo funcione de maneira ótima:
1. Certifique-se de que os argumentos do advogado de defesa
não se limitem exclusivamente a responder ao discurso do
promotor. Estimule o paciente a explorar diferentes aspectos,
áreas e momentos de sua vida, além daqueles aos quais se
prendem os argumentos da promotoria;
2. Se o terapeuta não conseguir concluir o Processo na mesma
sessão, melhor é que seja interrompido após a manifestação da
defesa. O objetivo de tal procedimento é fazer com que o pa­
ciente saia da sessão melhor do que entrou, após focar nos as­
pectos positivos;
3. Embora este seja um evento raro quando o Processo é execu­
tado corretamente, se o paciente, após o veredito, considerar-
se culpado, isso não é um problema para a execução da técni­
ca. Nesse caso, o advogado de defesa deve pedir um recurso,
de modo que o Processo será repetido na sessão seguinte.
Contudo, é essencial que a tarefa dada ao paciente seja a de
juntar evidências que confirmem a crença nuclear positiva;
4. Se o paciente decidir (situação ainda mais rara) que prefere
continuar trabalhando com o promotor em vez da defesa na
realização da tarefa (podendo indicar que o paciente talvez
não tenha compreendido totalmente a finalidade da técnica),
convém interromper-se o Processo e pedir que o paciente ava­
lie as vantagens e desvantagens de tal escolha;
5. Quando o promotor interrompe a defesa com pensamentos
do tipo “sim, mas...”, o terapeuta deve dizer-lhe que o promo­
tor tem que aguardar a sua vez. Por outro lado, se o paciente
tender a usar argumentos da defesa quando estiver desempe­
nhando o papel do promotor, diga-lhe igualmente que a defe­
sa deve aguardar sua vez. Nesse caso, no entanto, é convenien-
430 Terapia Cognitiva Processual

te que se aproveite para validar os esforços do paciente no sen­


tido de pensar positivamente; entretanto, de qualquer modo,
deve-se assinalar que o paciente precisa retornar ao papel do
promotor;
6. As vezes o paciente nao tem argumento como promotor con­
tra as evidencias, quando o terapeuta lê a frase da defesa e diz
“mas...”. Nesse caso, deve-se passar uma linha no espaço vazio
e, quando da inversão das sentenças, simplesmente copiar a
frase da coluna 3 na coluna 5 e perguntar ao paciente o que
ela significa, para registrar o significado na coluna 6.

Por mobilizar muito desconforto e significativa carga emocional


no paciente quando a crença nuclear é ativada, aconselha-se que o Pro­
cesso descrito neste capítulo seja realizado por terapeutas devidamente
treinados e supervisionados.

Pesquisas realizadas

No primeiro artigo descrevendo o Processo (De Oliveira, 2008),


foi proposta uma versão modificada do Registro de Pensamentos Dis-
funcionais de sete colunas, especialmente para lidar com as crenças nu­
cleares por meio da combinação de uma estratégia envolvendo reversão
de sentenças e a analogia com um processo jurídico. Os pacientes (n=
30) participaram da simulação de um júri e exibiram mudanças na ade­
são às crenças nucleares e na intensidade das emoções correspondentes
após cada passo durante uma sessão (investigação, alegação do promo­
tor, alegação da defesa, réplica do promotor, tréplica da defesa e veredito
do júri). Os resultados deste trabalho mostraram reduções médias signi­
ficantes entre os valores percentuais após a investigação (tomada como
valor basal), após a alegação da defesa (p< 0,001) e após o veredito do
júri, tanto das crenças (p< 0,001) como da intensidade das emoções (p<
0,001). Diferenças significantes foram também observadas entre a pri­
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 431

meira e a segunda alegação da defesa (p= 0,009) e entre esta e o veredito


do júri, no que dizia respeito às crenças nucleares (p= 0,005) e às emo­
ções (p = 0,02). A conclusão foi que o Processo podia, pelo menos tem­
porariamente, ajudar os pacientes, de forma construtiva, a reduzir a ade­
são às crenças nucleares negativas e emoções correspondentes.
Há pelo menos três estudos que testam a eficácia de tal abordagem,
dois usando uma única sessão (De-Oliveira, 2008; De-Oliveira et al.,
2012a), e um ensaio clínico que avalia sua eficácia a curto e a longo prazo
em pacientes portadores de fobia social (De-Oliveira et al., 2012b).
Nos dois primeiros estudos (De-Oliveira, 2008; De-Oliveira et
al., 2012a), demonstrou-se que pacientes com diferentes diagnósticos
psiquiátricos que participaram da simulação do júri exibiram mudan­
ças na adesão às crenças nucleares e na intensidade das emoções corres­
pondentes após cada passo durante uma sessão (investigação, alegação
do promotor, alegação do advogado de defesa, réplica do promotor,
tréplica do advogado de defesa e veredito do júri). As reduções médias
significantes foram observadas entre os valores percentuais após a in­
vestigação (tomada como valor basal), a alegação da defesa e o veredito
do júri, tanto das crenças como da intensidade das emoções (todos
com p < 0,001). Diferenças significantes foram também observadas
entre a primeira e a segunda alegação da defesa e entre esta e o veredito
do júri, no que diz respeito às crenças nucleares e às emoções, poden-
do-se concluir que o Processo pode, pelo menos temporariamente,
ajudar os pacientes, de forma construtiva, a reduzir a adesão às crenças
nucleares negativas e as emoções correspondentes.
No terceiro estudo, um ensaio clínico (De Oliveira et al., 2012b)
no qual o Processo foi estudado em 36 pacientes com fobia social, dis­
tribuídos randomicamente para o grupo experimental tratado com o
Processo (n= 17) e para o grupo-controle (n= 19), este último tratado
com o modelo convencional da terapia cognitiva que incluiu o Regis­
tro de Pensamentos Disfuncional (RPD) com 7 colunas (Greenberger
& Padesky, 1995), associado ao Diário de Afirmações Positivas (DAP)
(J. Beck, 1995). Ambos receberam psicoeducação voltada para o mo­
432 Terapia Cognitiva Processual

delo cognitivo e as distorções cognitivas, além de terem suas histórias


organizadas de acordo com o diagrama de conceituação de J. Beck
(1995). O objetivo de ambos os tratamentos era reestruturar as crenças
nucleares a fim de reduzir os sintomas da fobia social. A exposição não
foi estimulada ativamente em nenhum dos grupos. Ao realizar a análi­
se de variância para medidas repetidas, observaram-se significativas re­
duções (P< 0.001) em ambas as abordagens nos escores da Escala de
Ansiedade Social de Liebowitz (LSAS) (Liebowitz, 1987), da Escala de
Medo de Avaliação Negativa (FNE) (Watson & Friend, 1969), da Es­
cala de Esquiva e Desconforto Social (SADS) (Watson & Friend,
1969), e do Inventário de Ansiedade de Beck (BAI) (Beck et al.,
1988). Contudo, a ANCOVA de uma via (one-way ANCOVA), to­
mando os dados basais como covariáveis, mostrou que o Processo foi
significantemente mais eficaz do que o grupo-controle na redução do
medo de avaliação negativa (P= 0,01), da esquiva e desconforto social
(P= 0,03) e na melhora da qualidade de vida (Powell et al. ) (P< 0,05)
em relação aos domínios dor corporal, funcionamento social e limita­
ções devidas a problemas emocionais. Os resultados descritos anterior­
mente justificam novos estudos para avaliar a eficácia do Processo não
só na fobia social, mas também em outros diagnósticos psiquiátricos.

Considerações finais

A TCP tem como principal técnica o Registro de Pensamentos


Baseado no Processo ou, de forma abreviada, Processo. Este foi utiliza­
do na sessão citada anteriormente, com Ida. Na abordagem, após o pa­
ciente acumular suficiente evidência contra a visão negativa de si mes­
mo, esta costuma ser desconsiderada pelas afirmações que contenham
a conjunção “mas”, trazidas pelas crenças nucleares negativas ativadas.
O terapeuta utiliza então a reversão de sentenças e a seta ascendente
como estratégias para ressignificar os elementos negativos, bem como
identificar e ativar uma (ou mais) crença(s) positiva(s). Nas semanas
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 433

que se seguem, o paciente será estimulado a mantê-la(s) ativa(s) através


da observação e do registro de fatos que a(s) confirmem.
Outras técnicas não mostradas neste capítulo compõem a tera­
pia cognitiva processual, como o Processo II (consciência metacogniti-
va com base no processo), Processo III (grade de participação) e a me­
táfora do barco a vela.

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15
Terapia de Modificação
do Viés Atencional

Fernanda Lopes e Lisiane Bizarro

A Psicologia Cognitiva Experimental sempre andou em paralelo com a


prática clínica em terapia cognitiva, muitas vezes emprestando seus
conhecimentos para fundamentar as técnicas empregadas nos consul­
tórios. A Terapia de Modificação do Viés de Atencional é uma proposta
de intervenção clínica que fundamenta sua prática nos conhecimentos
acerca dos processos cognitivos básicos, mas específicamente nos es­
tudos da área da atenção. Ta! modelo de intervenção consiste em mo­
dificar o automatismo dos recursos atencionais para pistas não rela­
cionadas aos estímulos condicionados à psicopatologia em questão.
Trata-se de uma proposta inovadora, com grande potencial para uma
maior aplicabilidade no futuro.
W.V.M.

Em psicoterapia, diversas são as técnicas desenvolvidas e orga­


nizadas para melhor compreender o comportamento humano e suas
determinações, para acessar os esquemas emocionais, para provocar
mudanças e também para diminuir o sofrimento humano (Abreu &
Guilhardi, 2004). A maioria das técnicas tanto cognitivas como com-
portamentais utilizadas até o momento são direcionadas para o proces­
samento explícito ou voluntário da informação, de modo que pouco se
sabe sobre técnicas que acessem os processos implícitos ou automáticos
436 Terapia de Modificação do Viés Atencional

(Melo, Oliveira, Peixoto Sc Bizarro, 2012). Contudo, esses últimos in­


fluenciam automaticamente a tomada de decisão e o comportamento
humano (Schoenmakers et al., 2010), logo, técnicas que ampliem o
alcance das psicoterapias cognitivas precisam ser melhor investigadas.
Nesse contexto, o presente capítulo tem como objetivo apresen­
tar as técnicas de avaliação e modificação do viés de atenção, ambas di­
recionadas ao processamento implícito da atenção, e discutir suas po­
tencialidades e limitações para possível utilização na prática clínica. O
desempenho disfuncional de processos implícitos podem ser subjacen­
tes à etiología e à manutenção de diversos transtornos mentais (Melo,
Bizarro, Peixoto & Oliveira, 2012).
Começaremos apresentando um panorama conceituai de cogni-
ção implícita e viés de atenção, para depois caracterizar e discutir as
técnicas em questão, baseadas em estudos científicos recentes sobre
suas aplicabilidades e níveis de eficácia.

Cognição implícita

Embora não haja ainda um consenso, uma vez que a nomencla­


tura pode variar conforme a disciplina ou mesmo a linha de pesquisa,
o conceito de cognição implícita vem sendo apresentado na literatu­
ra como sinônimo de processamento inconsciente ou automático. Na
psicologia e nas neurociências o termo mais utilizado para definir cog­
nição implícita tem sido “processamento automático” (Peuker, Lopes,
Menezes, Cunha, & Bizarro, 2013; Stacy & Wiers, 2010); portanto,
será este o termo adotado no presente capítulo.
No campo da cognição implícita tem-se uma visão um pouco
diferente das- abordagens cognitivas tradicionais, pois entende-se que
muitas vezes o comportamento não é o resultado de uma decisão cons­
ciente e reflexiva que leve em conta os prós e contras conhecidos pelo
indivíduo. Essa abordagem assume que as escolhas são influenciadas
por um subconjunto de associações armazenadas na memória que são
ativadas espontaneamente sob várias condições. Tais associações ocor­
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 437

rem de maneira muito rápida e não intencional, envolvendo uma ava­


liação automática do estímulo em termos de sua relevância motivacio-
nal e emocional (Peuker et al., 2013). Essas associações são aprendidas
através de experiências e comportamentos condicionados, por isso di­
ficilmente são percebidas através da autorreflexão ou reveladas espon­
taneamente por autorrelato (Stacy & Wiers, 2010).
Algumas características específicas do processamento automático
são ausência de intencionalidade, falta de controle, independência do
objetivo, falta de consciência de um ou mais aspectos do processo (a
origem, os estímulos, os efeitos comportamentais) e eficiência na atua­
ção (eficácia sob carga de processamento) (Stacy & Wiers, 2010). Em
outras palavras, a cognição implícita opera espontaneamente, sem ne­
cessidade de deliberação, reflexão ou consciência do processo respon­
sável pelo comportamento. Por exemplo, a percepção de um estímulo
desencadeia espontaneamente uma ação, a ativação de um conceito,
uma linha de pensamento, ou uma mudança no desempenho em al­
guma tarefa. Contudo, alguns autores consideram que a ausência de
consciência dos estímulos (ou seja, o processamento subliminar) não
é um atributo indispensável para o processamento ser considerado au­
tomático. Para eles, o fator chave é a ausência de consciência do pro­
cesso, e não necessariamente dos estímulos ou do conteúdo (Bargh
& Morsella, 2008). Portanto, diferentes processamentos automáticos
podem ter diferentes combinações dessas características, tais como a
consciência dos estímulos por si e a ausência de consciência dos efeitos
dos mesmos sobre o comportamento.
Assim como a definição operacional dos termos, os métodos de
investigação da cognição implícita podem variar conforme o referen­
cial teórico. Porém, uma característica-chave e comum a todos eles é a
utilização de medidas indiretas, ou seja, medidas em que o participan­
te não é convidado a se reportar diretamente ao construto-alvo. Por
exemplo, se o construto-alvo é a atitude implícita ou as associações re­
lacionadas a pistas ou a resultados de um comportamento, os partici­
pantes não são solicitados a indicar seus sentimentos, pensamentos ou
crenças sobre o objeto ou comportamento, mas em vez disso se lhes
438 Terapia de Modificação do Viés Atencional

pede para executar uma tarefa que avalie atitudes ou associações indireta
mente (Stacy & Wiers, 2010). Assume-se que através da medição indiret
da cognição, os processos automáticos, ou seja, aqueles que não envolveri
lembrança deliberada, autorreflexão ou autocontrole, sejam menos pro
pensos a serem evitados. Tais medidas, quando comparadas a medidas ex
plícitas (como questionários de autorrelato), são menos prováveis de seren
influenciadas por efeitos de desejabilidade social (Rooke, Hine, & Thors
teinsson, 2008) e podem auxiliar no entendimento das circunstâncias sol
as quais o comportamento de um indivíduo é incongruente com meta
explícitas mantidas por ele no tratamento (Peuker et al., 2013).
Medidas implícitas podem utilizar tarefas indiretas que avalieir
o tempo de reação ou outros índices de aumento da eficiência, produ­
ções de textos ou testes de desempenho da memória. Além destas, des­
taca-se na literatura o paradigma da reatividade a pistas (Rooke et al..
2008). Tal paradigma se refere à variedade de respostas que são obser­
vadas quando indivíduos com transtornos mentais como quadros de
ansiedade, depressão ou transtorno por uso de substâncias são expostos
a algum estímulo que foi previamente associado a sua patologia (Lopes
et al., 2012). A avaliação de reatividade a pistas pode ser feita através
de parâmetros psicofisiológicos, como a mensuraçáo da atividade ele-
trocardiográfica e da resposta da condutividade da pele; ou também
através de tarefas experimentais, como a avaliação do viés de atenção,
foco central deste capítulo e descrita em detalhes a seguir.

Viés de Atenção

Indivíduos afetados por transtornos mentais como ansiedade,


depressão, transtornos alimentares e transtorno por uso de substâncias
demonstram um aumento da atenção em direção aos eventos relacio­
nados à patologia que apresentam (Dobson & Dozois, 2004; Peuker,
Lopes & Bizarro, 2009). Essa tendência de uma pessoa a dirigir ou
manter a atenção para uma classe particular de estímulos tem sido de­
nominada viés de atenção, sendo que a atenção se dirige a estímulos
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 439

de alerta emocional basicamente de forma automática (Williams, Ma-


thews & MacLeod, 1996; Lopes, Peuker & Bizarro, 2008). Mas essa
tendência em si mesma não é um sintoma, e sim uma faceta do nosso
comportamento. Por exemplo, um fâ ou um jogador de futebol tem
um viés de atenção para assuntos relacionados ao futebol, pois esta é
uma consequência inerente ao comportamento de ser fã ou jogador de
futebol. Dito de outra forma, não há como ser fã ou jogador de fute­
bol sem ter viés de atenção para estímulos relacionados ao futebol.
O sistema de atenção de indivíduos ansiosos, por exemplo, pode
ser mais distintamente sensível e atento em favor de ameaças do que
a outros estímulos do meio ambiente (Bar-Haim, Lamy, Pergamin,
Bakermans-Kranenburg, & van IJzendoorn, 2007). Tais estímulos po­
dem exigir prioridade dos recursos da atenção e, uma vez que a an­
siedade está ligada a mecanismos de sobrevivência, a atenção seletiva
pode catalisar os recursos de forma a priorizar as informações mais re­
levantes para o indivíduo (Melo, Oliveira, Peixoto, & Bizarro, 2012).
Já indivíduos com depressão tendem a direcionar e manter sua atenção
em eventos negativos quando comparados a positivos, além de inter­
pretarem e se lembrarem de informações de maneira negativa (Brow-
ning, Holmes, Charles, Cowen, & Harmer, 2012).
Na dependência química, por um processo de condicionamento
clássico, estímulos neutros são pareados com os efeitos psicotrópicos
provocados pela droga e se tornam mais salientes no ambiente. Com
o uso continuado, o pareamento da pista relacionada à substância pro­
duz respostas condicionadas que podem incluir orientação do foco e
direção da atenção para tais pistas, servindo de “gatilho” para o com­
portamento de busca pela droga (Field & Cox, 2008). Estudos nesse
campo já demonstraram que o viés de atenção está relacionado a maior
frequência e intensidade do uso de drogas, uma vez que estímulos re­
lacionados a elas produzem uma variedade de respostas associadas aos
seus efeitos, como fissura e dificuldade para manter a abstinência (Ro-
bbins & Ehrman, 2004; Lopes et al., 2008).
Estudos na área de transtornos alimentares, principalmente ano-
rexia nervosa e bulimia nervosa, têm indicado presença de viés de
440 Terapia de Modificação do Viés Atencional

atenção para comida e para as partes consideradas pelo participante


como não atrativas do seu corpo (Lee & Shafran, 2008; Smeets, Jansen
& Roefs, 2011). O viés para alimentos tem sido observado em indivi­
duos obesos, mas a variabilidade dos métodos de investigação e a hete-
rogeneidade das amostras estudadas têm dificultado o consenso sobre o
viés para alimentos em obesos (Castellanos et al., 2009; Nijs &c Franken,
2012; Nijs, Muris, Euser, & Franken, 2010; Werthmann et al., 2011).

Métodos de Avaliação do Viés de


Atenção: potencialidades e limitações

O viés de atenção pode ser investigado através da medida dire­


ta dos movimentos oculares com uso de eye tracking (Castellanos et al.,
2009; Werthman et al., 2011) e da atividade eletrofisiológica cerebral
ERP {electrophysiological brain activity) (Nijs, Muris, Euser, & Franken,
2010), ou, de forma indireta, utilizando-se medidas de tempo de rea­
ção ao estímulo, como o Teste de Stroop (Meló et al., 2012) e a Tarefa
de Atenção Visual (Meló et al., 2012) (encontrada na literatura inter­
nacional com o nome de Visual Probe Task ou Dot Probe Task). As me­
didas diretas são consideradas melhores por terem maior confiabilidade
em relação à direção e à sustentação da atenção em dado estímulo. No
entanto, medidas indiretas são as mais utilizadas, pois são mais práticas e
possuem custo bastante inferior em relação a medidas como eye tracking
(Field, Reshmi, & Franken, 2013), além de terem se constituído em
medidas confiáveis de viés de atenção. Estudos que investigam viés em
transtornos emocionais, incluindo abuso de substâncias, utilizam princi­
palmente o Teste de Stroop Emocional (revisão em Williams, Mathews,
& MacLeod, 1996) e a Tarefa de Atenção Visual (revisão em Mogg &
Bradley, 1998). Estes dois serão discutidos em maiores detalhes.
O teste de Stroop original (Stroop, 1935) apresenta uma série
de palavras impressas em diferentes cores e os participantes devem no­
mear as cores, o mais rápido possível, ignorando as palavras (inibindo a
leitura e apenas nomeando a cor). Geralmente os participantes demo­
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 441

ram mais tempo para responder quando as palavras estão incongruen­


tes com a cor (palavra verde impressa em tinta azul) do que quando
estão congruentes (palavra verde impressa em tinta verde). Posterior­
mente, o teste de Stroop foi modificado para investigar de que for­
ma as palavras relacionadas aos problemas emocionais dos indivíduos
ou seus focos de preocupação interferiríam no desempenho da tarefa,
o que foi chamado de Stroop Emocional. Utilizando esse paradigma,
o viés de atenção foi demonstrado em depressão, ansiedade generali­
zada, transtorno do pânico, fobias, transtorno obsessivo-compulsivo,
transtornos alimentares e dependência química (Robbins & Ehrman,
2004). Nesses estudos, os participantes apresentaram tempos de reação
maiores quando o estímulo era emocionalmente relevante, ou seja, di­
rigiam sua atenção de forma seletiva para palavras que se relacionavam
ao seu comprometimento (Lopes, Peuker & Bizarro, 2008).
Específicamente no campo da dependência química, estudos
utilizando o Stroop Emocional encontraram viés de atenção tanto
para abusadores e dependentes de álcool (Bauer & Cox, 1998; Shar-
ma, Albery, & Cook, 2001; Stormark et al., 2000) como para bebedo­
res ocasionais (Bruce & Jones, 2004), uma vez que mostraram tempos
de reação maiores quando expostos a estímulos relacionados ao álcool
do que para estímulos-controle. Da mesma forma, fumantes apresen­
taram viés de atenção para cigarro, pois demoraram mais tempo para
nomear as cores de palavras relacionadas ao cigarro do que as palavras-
controle (Field, Mogg & Bradley, 2004a; Waters, Shiffman, Bradley &
Mogg, 2003). Por outro lado, em dependentes e usuários de cocaína,
os resultados com emprego de Stroop são controversos. Alguns estudos
com dependentes de cocaína apontaram viés atencional positivo para
palavras (Marhe, Luijten, Wetering, Smits, & Franken, 2013; Vadhan
et al., 2007) e imagens (Hester, Dixon, & Garavan, 2006) associadas à
cocaína; mas em estudo com usuários dessa substância que não bebe-
ram álcool antes da tarefa, constatou-se que tais usuários apresentaram
viés negativo para cocaína, indicando tendência à evitação das imagens
associadas à droga (Montgomery et al., 2010). Da mesma forma, há
controvérsia na área de transtornos alimentares. A partir de estudo
442 Terapia de Modificação do Viés Atencional

em que foram utilizadas palavras relacionadas e nao relacionadas com


alimentos, encontrou-se viés positivo para alimentos entre crianças
obesas (Braet & Crombez, 2003); mas um estudo em que se utiliza­
ram palavras relacionadas com alimentos e peso corporal não mostrou
diferenças nos grupos (crianças obesas e não obesas) através da tarefa
(Boon, Vogelzang & Jansen, 2000).
Como potencialidade do teste de Stroop, cabe destacar sua possi­
bilidade de uso na prática clínica. Ele pode ser utilizado para confirma­
ção de diagnóstico, pois os indivíduos mostram interferência somente
para estímulos relacionados ao seu transtorno; e também como um mar­
cador de eficácia de tratamento, pois os efeitos da interferencia mostra-
ram-se reduzidos em individuos que obtiveram sucesso no tratamento
de sua patologia (Robbins & Ehrmen, 2004; Lopes, Peuker e Bizarro,
2008). Portanto, há urna expectativa de poder-se utilizar essa ferramen­
ta, somada a diversas outras, como medida preditora de resultados clí­
nicos e de severidade da dependencia. Por outro lado, apesar do Teste
de Stroop Emocional ter se mostrado um método válido para investigar
o viés de atenção e também com aplicabilidade clínica, ele possui algu­
mas limitações que o tomaram preterido em relação à Tarefa de Atenção
Visual. As principais limitações referem-se à susceptibilidade do teste a
efeitos cumulativos (carryover), pois palavras emocionalmente relevan­
tes podem interferir na resposta à próxima palavra da lista e nos efeitos
principais (prime), uma vez que palavras relacionadas à patologia podem
ativar memórias que interfiram na execução do teste (Peuker, Lopes &
Bizarro, 2009; Robbins & Ehrman, 2004). Além destas, o Stroop per­
mite a avaliação de presença ou ausência de viés, mas não específicamen­
te em qual etapa do processo da atenção ele ocorre.
A Tarefa de Atenção Visual é o outro método indireto que avalia
o viés de atenção e que merece destaque por ser o mais amplamente
utilizado atualmente. E uma tarefa computadorizada que foi desen­
volvida em 1986 (MacLeod, Mathews & Tata, 1986) para avaliar viés
de atenção em indivíduos com transtornos de ansiedade generalizada
(TAG). A tarefa original consistia na exposição de duas palavras, uma
em cima e outra embaixo, na tela do computador. Uma palavra era
Estratégias Psicoterápicás e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 443

neutra (por exemplo, “mesa”) e a outra palavra era ameaçadora (por


exemplo, “doença”). Imediatamente após o desaparecimento das pala­
vras aparecia um ponto (.) no lugar de uma delas, que substituía em
igual frequência as duas classes de palavras. O participante era solici­
tado a pressionar um botão no teclado o mais rápido possível toda vez
que visse o ponto. Os resultados mostraram que os indivíduos com
TAG detectavam mais rapidamente quando o ponto substituía as pa­
lavras ameaçadoras, enquanto que o grupo-controle demonstrava o in­
verso. Portanto, os indivíduos com TAG apresentavam viés de atenção
para palavras ameaçadoras. Esse estudo foi replicado em 1988 (Ma-
cLeod & Mathews, 1988) e os mesmos resultados foram encontrados.
Desde então muitos outros estudos sobre viés de atenção em ansieda­
de foram realizados (revisão em Harvey, Watkins, Mansell, & Shafran,
2004). Na última década, dois artigos de revisão mostraram claras evi­
dências de viés de atenção para ameaças (palavras ou imagens) em pa­
cientes com TAG. O primeiro analizou 10 estudos que usaram a Tare­
fa de Atenção Visual (Mogg, Field, & Bradley, 2005) e o segundo fez
um estudo de metanálise examinando 172 estudos (N = 2263 ansio­
sos, N = 1768 controles), concluindo que esse viés é um achado con­
sistente e confiável usando diferentes paradigmas (Bar-Haim, Lamy,
Pergamin, Bakermans-Kranenberg, & van Ijzendoorn, 2007).
No contexto da dependência química, a Tarefa de Atenção Vi­
sual computadorizada foi adaptada de modo que cada tentativa inicia
por uma cruz centralizada na tela (ponto de fixação), mostrada por 500
milissegundos (ms). Essa cruz geralmente é substituída por um par de
imagens (mas também podem ser palavras), sendo uma relevante (p.
ex., para fumantes, a foto de uma pessoa fumando) e outra não rele­
vante (p. ex., a foto de uma pessoa com um lápis na mão), apresentadas
lado a lado, durante tempos de exposição que variam de 20 a 2.000 mi­
lissegundos. Em seguida, o par de imagens é substituído por um alvo
(ponto, letra ou seta apontando ou para cima ou para baixo), exibido no
local de uma das duas imagens até a resposta do participante. Este é ins­
truído a pressionar uma das duas setas no teclado do computador (seta
para cima ou seta para baixo), o mais rápido e acuradamente possível. O
444 Terapia de Modificação do Viés Atencional

alvo substitui as duas categorias de imagens com igual frequência. O viés


é calculado subtraindo-se a média dos tempos de reação para alvos que
substituem imagens relevantes daquele apresentado para imagens não
relevantes, sendo que resultados positivos indicam viés para a categoria
relevante. Portanto, a latência das respostas serve como um indicador de
atenção visual para o estímulo apresentado, sendo que o tempo de rea­
ção menor para uma classe de estímulo indica o viés para esse estímulo
(Lopes, Peuker e Bizarro, 2008; Towshend & Duka, 2001).
Uma vantagem da Tarefa de Atenção Visual é que ela permite
investigar todo o processo da atenção, desde a orientação inicial para o
estímulo de interesse (também chamada de processo pré-consciente da
atenção) até a manutenção da atenção em tal estímulo (Field, Mogg,
Zatteler, Sc Bradley, 2004b; Robbins Sc Ehrman, 2004), que revela o
quão difícil é para o indivíduo “desengajar” ou deslocar a atenção do
estímulo relacionado à sua patologia. Essas diferentes fases do proces­
samento da atenção são investigadas na tarefa através dos diferentes
tempos de exposição (TE) dos estímulos. O TE 50 milissegundos é
usado pela maioria dos estudos que pretendem investigar orientação
inicial da atenção (também chamada de orientação automática da
atenção), embora alguns sobre modificação do viés em ansiedade te­
nham utilizado tempos ainda inferiores (17ms, 20ms, 30ms) (Koster,
Baert, Bockstaele, & De Raedt, 2010; MacLeod et al., 2002; MacLe-
od, Soong, Rutherford, & Campbell, 2007). O TE 500ms é o perí­
odo de apresentação mais comumente utilizado e representa tanto o
processamento pré-consciente como consciente da atenção (Johnson,
2009); e o TE 2000ms é o tempo mais longo utilizado para avaliar o
processo de atenção controlada (ou mantida) e o desengajamento do
alvo (Castellanos et al., 2009) na Tarefa de Atenção Visual.
A maioria dos estudos que investigaram viés na área da dependência
química utilizando este paradigma revelou presença de viés de atenção po­
sitivo para a droga de escolha (revisão em Field Sc Cox, 2008). Existe cer­
to consenso na literatura de que o viés de atenção e a fissura possuem uma
relação reciprocamente estimulante, de modo que o aumento de um leva
ao aumento da outra e vice-versa, e ambos influenciam positivamente o
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 445

comportamento de busca pela droga (Field & Cox, 2008). Por outro lado,
não está ainda bem estabelecido em qual etapa do processo da atenção o
viés é mais pronunciado, se no processo da orientação inicial da atenção
(mais automático ou implícito) ou na atenção mantida e mais influenciá­
vel por variáveis motivacionais (Field et al., 2004b). Tal identificação seria
importante ferramenta para a prática clínica no sentido de nortear as esco­
lhas de estratégias de tratamento para pacientes com transtorno por uso de
substâncias. A maioria das estratégias de tratamento nessa área direciona-se
ao processamento explícito, como técnicas cognitivas e comportamentais
de manejo de fissura ou de prevenção de recaída; portanto, impactariam
na atenção mantida, mas não na automática. Assim, estratégias focadas no
processamento implícito ou automático tornam-se necessárias para me­
lhorar os índices de sucesso.
Nesse contexto, os estudos com fumantes que investigaram viés
em diferentes tempos de exposição do estímulo por meio da Tarefe, de
Atenção Visual encontraram viés positivo para estímulos relacionados
ao cigarro durante todo o processo da atenção (Bradley, Field, Mogg,
& De Houver, 2004; Ehrman et al., 2002, Field et al., 2004; Lopes,
2009). Isso indica que tanto a orientação inicial automática como a
atenção mantida dos fumantes estão com foco em pistas associadas ao
cigarro. Ao contrário, ex-fumantes mostraram um padrão de evitaçáo
(viés negativo) de estímulos associados ao cigarro na mesma tarefa,
sendo que essa evitação foi maior nos tempos de exposição maiores
(Peuker, 2010). Isso pode indicar que as estratégias de prevenção de
recaída dos ex-fumantes provavelmente estão contribuindo para a ma­
nutenção da abstinência, embora estejam influenciando os estágios de
manutenção da atenção com mais força do que os estágios iniciais au­
tomáticos. Estratégias de tratamento direcionadas ao processamento
implícito poderiam contribuir para que, com o passar do tempo, não
fosse mais necessário que o ex-fumante empregasse tanto esforço cog­
nitivo nas estratégias de manutenção da abstinência.
Estudos que investigam viés e padrão de consumo de álcool en­
contraram que bebedores frequentes apresentavam maior viés de aten­
ção positivo para álcool quando comparados a bebedores ocasionais, mas
446 Terapia de Modificação do Viés Atencional

essa diferença apareceu apenas nos tempos de exposição maiores (500ms


e 2000ms, e não 200ms) (Field, Mogg, Zateler & Bradley, 2004; Town-
shed Duka, 2001). Esses resultados sugerem que o viés de atenção
para álcool em bebedores frequentes opera principalmente nos proces­
sos envolvidos na manutenção da atenção (Field et al., 2004). Em usu­
ários de cocaína, os dois estudos que investigaram viés usando a Tarefa
de Atenção Visual utilizaram um único TE (500ms), e os resultados não
foram muito promissores (Montgomery et al., 2010; Tull et al., 2011).
O primeiro encontrou resultados de viés positivo para cocaína somente
entre os participantes que haviam consumido doses de álcool, mas não
entre os que receberam placebo (Montgomery et al., 2010) e o segundo
encontrou viés positivo para cocaína apenas entre os dependentes de co­
caína com comorbidade (Transtorno de Estresse pós Traumático) e viés
negativo para os dependentes de cocaína sem comorbidade.
Na área de comportamentos alimentares, Tapper, Photos e La-
wrence (2010) avaliaram a influência da fome no viés de atenção para
alimentos através da tarefa de atenção visual em população não clínica,
utilizando três tempos de exposição (100, 500 e 2000ms) e três tipos
de imagens (alimentos apetitosos, alimentos neutros e não alimen­
tos). Os resultados apontaram que a fome estava relacionada ao viés
de atenção apenas no TE lOOms, mas não nos TE 500ms ou 2.000ms.
Por outro lado, o estudo que avaliou o viés de atenção automática (TE
50ms) em obesos e não obesos utilizando pares de imagens de alimen­
tos e não alimentos não encontrou diferença entre os grupos (Loeber
et al., 2012). Estudos recentes nessa área aplicaram a Tarefa de Atenção
Visual em combinação com o Eye Tracking (Castellanos et al., 2009;
Werthmann et al (2011). O primeiro demonstrou que obesos e não
obesos apresentaram viés de atenção positivo para alimentos quando
estavam privados de alimento. O segundo revelou que os participantes
obesos apresentaram viés de atenção para alimentos com alto teor de
gordura na fase de orientação inicial da atenção, mas não na mantida.
A divergência de resultados nos estudos que avaliam o viés de
atenção tanto na dependência química como nos transtornos alimen­
tares pode estar relacionada às diferenças metodológicas dos estudos
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 447

(Lopes et al., 2012; Nijs & Franken, 2012). As principais limitações da


Tarefa de Atenção Visual referem-se ao uso de diferentes estímulos, di­
ferentes tempos de exposição para avaliar a mesma etapa do processo da
atenção, diferente número de tentativas da tarefa e diferentes alvos. Em
relação aos estímulos, a principal limitação está na falta de padronização
dos mesmos. Estudos investigando o mesmo tema (p. ex., dependência
química) utilizam diferentes estímulos tanto em relação ao tipo (ima­
gens e palavras) como em quantidade (a maioria varia de 12 a 20 pares),
sendo que nem todos citam a fonte ou o processo de desenvolvimento
do banco. Os que utilizam imagens selecionam-nas da internet ou pro­
duzem o seu próprio banco, mas apenas um estudo brasileiro realizou
processo de validação de imagens para estudos de reatividade a pistas
com fumantes (Lopes et al., 2012). Para as demais substâncias, percebe-
se uma preocupação no pareamento dos estímulos em relação a cores,
brilho e complexidade das imagens, mas a falta de padronização afeta a
validade e a confiabilidade da comparação dos resultados, porque as di­
ferenças significativas podem depender das propriedades de estímulos.
Considerando os tempos de exposição aos estímulos, apesar da
vantagem da Tarefa de Atenção Visual poder investigar diferentes es­
tágios do processo da atenção, diferentes TEs são usados em diferentes
estudos para avaliar a mesma etapa do processo da atenção. Por exem­
plo na área dos transtornos alimentares, TEs tanto de 50ms (Loeber
et al., 2012) como de lOOms (Nijs et al., 2010) e 200ms (Hou, et al.,
2011) são empregados para avaliar o processo implícito automático da
atenção. Já para avaliar a manutenção da atenção, embora a maioria
dos estudos aplique o tempo 2.000ms (Castellanos et al. 2009; Tapper,
Photos e Lawrence, 2010) alguns utilizam 1.500 (Hou, et al., 2011;
Nathan et al., 2012) e outros 1.200ms (Nummenmaa, Hietanem, Cal­
vo & Hyona, 2012). Por fim, o número de tentativas da tarefa e o tipo
de alvo são questões metodológicas que variam de um estudo para o
outro e que podem impactar na comparação dos resultados. Usar ape­
nas um ponto (.) ou setas (TI), ou ainda letras (E / F) como alvo pode
influenciar na performance dos respondentes, pois setas e letras exigem
um processamento mais complexo do que apenas ponto.
448 Terapia de Modificação do Viés Atencional

Apesar de tais limitações, a Tarefa de Atenção Visual tem van­


tagens como ser de baixo custo e de fácil aplicação, pouco influenciá­
vel por efeito de desejabilidade social, portanto mais confiável do que
instrumentos de autorrelato e principalmente tem se mostrado medi­
da confiável e não intrusiva para avaliar o viés de atenção. Ainda, tem
a vantagem em relação às outras técnicas de poder ser adaptada para
modificar o viés de atenção, além de apenas avaliá-lo, o que tem sido
testado recentemente como técnica promissora para aplicação clínica
direcionada ao processamento implícito.

Modificação do Viés de Atenção: Intervenção Inovadora

Considerando que a atenção para eventos relacionados à pa­


tologia atua no sentido de dificultar o tratamento, a modificação do
viés de atenção tem sido estudada recentemente como uma estratégia
de treino implícito da atenção para desengajar de eventos ameaçado­
res relacionados à ansiedade (Amir, Beard, Burns, & Bomyea, 2009;
MacLeod et al., 2002; Schmidt, Richey, Buckner, & Timpano, 2009)
e para prevenção da recaída em dependentes de álcool (Field et al.,
2007; Schoenmakers et al., 2007) e cigarro (Attwood et al., 2008;
Field, Duka, Tyler, & Scboenmakers, 2009). Para manipular o viés de
atenção, foi desenvolvida uma versão modificada da Tarefa de Atenção
Visual (MacLeod et al., 2002). Essa versão modificada difere da tare­
fa padrão somente na frequência com que o alvo substitui as imagens
relevantes e as imagens não relevantes. Os participantes são randomi-
camente alocados em grupos que diferem em termos da localização
do alvo, ou seja, no grupo treinado para aumentar o viés de atenção
(grupo atende) o alvo substitui, na maioria das vezes (ou em 100%
das vezes) a imagem relevante; enquanto que no grupo treinado para
diminuir o viés de atenção (grupo evita) o alvo substitui a imagem não
relevante. A medida que os participantes detectam e respondem o mais
rapidamente possível à localização do alvo, eles tendem, com o tempo e
a repetição, a direcionar a atenção às imagens relevantes (grupo atende)
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 449

ou às imagens não relevantes (grupo evita). No treinamento de modi­


ficação da atenção para reduzir o viés, o alvo substitui sempre imagens
não relevantes. Desta forma, aprende-se a regra implícita de atender au­
tomaticamente a estímulos não relacionados à droga ou ao alimento ou
ao não ansiogênicos. O objetivo do treino da atenção é que a aprendi­
zagem da esquiva ou do “desengajamento” da atenção se generalize para
situações reais de exposição a pistas e que o indivíduo consiga ignorar
o estímulo relevante. Como consequência, no ansioso não haveria au­
mento nos níveis de ansiedade, no obeso não haveria comportamento
de busca pela comida e no dependente químico não haveria um aumen­
to da fissura, elevando as chances de manter a abstinência.
Estudos com indivíduos com transtornos de ansiedade que utiliza­
ram o treino da atenção para evitar estímulos ameaçadores mostraram re­
dução do viés de atenção para esta classe de estímulos no pós treino e os
efeitos se generalizaram para outras escalas e autorrelato de sintomas de an­
siedade, preocupação e depressão (Amir et al., 2012; Brosan et al., 2011).
Da mesma forma o estudo que treinou grupos para direcionar a atenção
para estímulos positivos e evitar estímulos negativos (ameaçadores) con­
seguiu reduzir o viés de atenção para estímulos ameaçadores bem como
reduzir escores de ansiedade na avaliação pós treino (Heeren, Lievens, &
Philippot, 2011). Portanto, estudos de modificação do viés de atenção em
indivíduos ansiosos tem se mostrado promissores, pois a maioria dos estu­
dos encontrados obteve sucesso em modificar o viés na direção desejada
(viés negativo para estímulos ameaçadores) e os resultados se relacionaram
com redução de sintomas de ansiedade após o treino da atenção (Amir et
al., 2009; Browning, Holmes, Murphy, Goodwin, & Harmer, 2010; Ha-
zen, Vasey, & Schmidt, 2009; Li, Tan, Qian, & Liu, 2008; MacLeod et
al., 2002; MacLeod et al., 2007; Schmidt et al., 2009; See, MacLeod, &C
Bridle, 2009), sugerindo potencial para utilidade clínica.
No campo da dependência química os estudos sobre modificação
do viés de atenção iniciaram em 2005 e se concentraram em aplicar a
técnica em fumantes e bebedores (ocasionais e frequentes). São bem me­
nos numerosos do que os da área de ansiedade, uma vez que até o mo­
mento foram encontrados apenas oito estudos usando a Tarefa de Aten-
450 Terapia de Modificação do Viés Atencional

ção Visual Modificada. Contudo, há uma certa padronização no tipo de


estímulo, pois todos utilizaram imagens (droga-neutra; embora não de
um banco padronizado), variando apenas nos TEs (200 e 500ms). Os
resultados, portanto, precisam ser interpretados com certa cautela. Dos
quatro estudos com fumantes, três conseguiram modificar a atenção na
direção desejada (Attwood et al., 2008; Field et al., 2009; Lopes, 2013),
mas apenas um deles (Attwood et al., 2008) teve correlação com fissura,
ainda que somente entre os participantes do sexo masculino, mas penas
no grupo treinado para aumentar o viés e não para diminuir. Os estudos
com bebedores mostraram resultados similares. Todos conseguiram mo­
dificar o viés na direção desejada (Field & Eastwood, 2005, Field et al.,
2007; Shoenmakers et al., 2007, 2010), porém um dos que treinou para
reduzir o viés, apesar de não ter correlacionado com fissura, impactou
na eficácia do tratamento, pois esses pacientes tiveram alta mais cedo e
demoraram mais a recair (Shoenmakers et al., 2010).
Na área dos transtornos alimentares, apenas um estudo sobre
modificação do viés de atenção usando a Tarefa de Atenção Visual Mo­
dificada foi encontrado (Smith et al., 2009). Os resultados mostraram
que o grupo treinado para aumentar a insatisfação corporal obteve su­
cesso, enquanto que o grupo treinado para aumentar a satisfação com
o corpo não apresentou diferença significativa quando comparado ao
grupo controle.
Em conjunto, tais resultados mostram que apesar do sucesso dos
estudos sobre modificação do viés de atenção nos transtornos de ansie­
dade, esta técnica precisa ser mais investigada no campo da dependên­
cia química e dos transtornos alimentares para que possa ser utilizada
como uma possível técnica adicional à intervenção clínica direcionada a
processamentos implícitos. Embora quase todos os estudos tenham con­
seguido sucesso no treino da atenção na direção desejada, o treino para
evitar parece exigir um esforço cognitivo muito maior do que o treino
para aumentar o viés que já está presente. Nestas duas categorias, não há
utilidade clínica em treinar para aumentar o viés, portanto, futuros estu­
dos devem considerar delineamentos com grupos treinados para reduzir
(evitar) o viés, comparados a grupos controle somente.
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 451

Considerações finais

As tarefas de Atenção Visual Padrão e Modificada tem potencial


para se tornarem técnicas promissoras e inovadoras, tanto de avalia­
ção como de intervenção, uma vez que o viés de atenção desempenha
importante papel em diversas patologias. Para tanto, algumas questões
metodológicas devem ser trabalhadas no sentido de melhorar a confia­
bilidade e eficácia da técnica para uso clínico.
A primeira questão se refere à padronização dos estímulos. Con­
forme já foi citado, o uso de diferentes estímulos pode comprometer a
comparação dos resultados, pois diferenças entre grupos ou ausência
delas podem ocorrer devido ao uso de diferentes estímulos. Estudos de
avaliação de eficácia e de validade de conteúdo e de face das imagens
são importantes para maximizar a padronização de futuras investiga­
ções. Além disso, encoraja-se o uso de diversos estímulos para verificar
efeito de generalização, e que possuam forte validade ecológica.
A segunda questão é em relação ao número de sessões de trei­
no e de tentativas por sessão. A maioria dos estudos encontrados nesta
revisão utilizou apenas uma sessão de treino e esta variável teve dife­
rente impacto conforme a patologia. Nos estudos sobre ansiedade, o
número de sessões pareceu não impactar no sucesso do treino, uma
vez que os estudos que utilizaram maior número de sessões não en­
contraram diferenças entre os grupos em maior proporção do que os
que utilizaram apenas uma sessão. Por outro lado, na área da depen­
dência química o estudo que realizou o maior número de sessões de
treino foi o que conseguiu resultados de maior sucesso e de utilidade
clínica (Shoenmakers et al., 2010), uma vez que cinco sessões de trei­
no junto a dependentes de álcool afetaram o progresso do tratamento,
pois os pacientes do grupo treinado levaram mais tempo para recair e
tiveram alta antes do grupo Controle. O estudo com fumantes (Lopes,
2013) também encontrou efeitos mais duradouros de redução do viés
no grupo que realizou o maior número de sessões de treino para evitar
o cigarro. Assim, ao menos na área da dependência química, futuros
estudos devem investigar de que forma múltiplas sessões, praticadas
452 Terapia de Modificação do Viés Aten c i o n a 1

em dias sucessivos ou alternados, mas não no mesmo dia, poderíam


melhorar o sucesso do treino e manter os efeitos a longo prazo. Na
prática clínica, a técnica pode ser ensina na sessão e depois praticada
pelo paciente em sua casa, sob supervisão do terapeuta.
Por fim, estudos com avaliações de seguimento e que ofereçam
maior facilidade de acesso dós participantes ao treino se tornam ne­
cessários, pois efeitos restritos ao pós treino não são suficientes para
considerar que a técnica da modificação da atenção isoladamente possa
levar a mudanças de comportamento. Para que haja a transposição da
pesquisa básica para a aplicabilidade clínica da técnica da modificação
do viés de atenção é necessário que os efeitos do treino se generali­
zem para situações da vida real, se correlacionem com a melhora dos
sintomas e, principalmente, que se mantenham a longo prazo. Por­
tanto, disponibilizar intervenções direcionadas a todo processamento
da atenção pode ser um campo novo e promissor com potencial para
aplicabilidade clínica como intervenção complementar.

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16
Terapia Metacognitiva

Heitor Pontes Hirata e Bernard Pimentel Range

A Terapia Metacognitiva é um tipo de terapia cognitiva com aplicabilidade


principalmente no Transtorno de Ansiedade Generalizada, Transtorno
Obsessivo-Compulsivo, Transtorno de Estresse Pós-Traumático e Transtorno
Depressivo Maior. Essa abordagem foca nos processos mentais e busca
treinar os individuos para controlar e manejar suas cognições de modo
mais adaptativo. A principal diferença observada entre a terapia cognitiva
convencional e esse modelo de intervenção é que a ênfase dada ao con­
teúdo das crenças centrais, característica do modelo de Beck, é substituida s
pelo entendimento dos processos envolvidos na atividade cognitiva, que
influenciam as emoções e os comportamentos subjacentes.
W.V.M. -

Embora comumente haja referência à terapia cognitivo-compor-


tamental como sendo uma abordagem, é do conhecimento dos clíni­
cos dessa área que não há uma TCC e sim várias TCCs. Os modelos
mais difundidos incluem a terapia cognitiva de Aaron T. Beck e a Te­
rapia Racional Emotiva Comportamental (TREC) de Albert Ellis. No
entanto, com o desenvolvimento do campo, outros autores passaram a
sugerir propostas de ampliação do modelo cognitivo tradicional com
aplicações em diversos tipos de problemas. Um desses autores foi
Adrian Wells, que propôs a Terapia Metacognitiva (TMC).
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 457

A TMC é uma abordagem dentro das terapias cognitivo-com-


portamentais criada na década de 1990. Ela é baseada no conceito de
metacognição. Esta é definida por Moses e Baird (2001, p.533) como
“conhecimento ou processo cognitivo que se refere a monitorar ou
controlar qualquer aspecto da cognição”. Flavell (1979) a define como
“cognição sobre fenômenos cognitivos”.
A TMC foca os processos mentais de estilo de pensamento, de
modo que os indivíduos sâo treinados a lidar e controlar suas cognições
(Wells, 2008). A diferença essencial entre a terapia cognitivo-comporta-
mental clássica e a terapia metacognitiva é que, enquanto a primeira dá
ênfase ao conteúdo das cognições (p. ex.: “sou um fracasso”), que afetam
o modo como nos sentimos e comportamos (Beck, 1976), a segunda
foca no modo como os processos de pensamento sobre pensamentos são
controlados (p. ex.: “minha preocupação é incontrolável”) (Wells, 2008).
Na TMC o objetivo maior é modificar os modos através dos quais as
cognições são experienciadas e reguladas. Fenômenos como preocupa­
ção, ruminação e monitoramento das ameaças são exemplos de como a
regulação e a experiência de atividade cognitiva pode ser aflitiva para pa­
cientes com transtornos psicológicos, em especial no que se refere àque­
les que atendem critérios para transtorno de ansiedade generalizada
(Wells, 2008), transtorno obsessivo-compulsivo (Rees èc Van Koesveld,
2008), transtorno de Estresse Pós-Traumático (Wells &C Sembi, 2008) e
transtorno depressivo maior (Papageorgiou & Wells, 2001).
Wells e Matthews (1994, 1996) descreveram uma série de aspectos
teóricos que servem de base para a terapia metacognitiva, sendo, alguns de­
les, fundamentais para o entendimento do modelo de psicopatologia adota­
do por essa corrente. A seguir serão descritos dois desses conceitos: o modelo
da função executiva autorregulatória e a síndrome cognitiva atencional.

O modelo da função executiva autorregulatória (S-REF)

Wells e Matthews (1996) apontam que um modelo cognitivo


integrador deve examinar influências que modulam os processos cog-
458 Terapia Metacognitiva

nitivos. Nesse sentido, propuseram um modelo de processamento disfun­


cional baseado em uma arquitetura cognitiva de três níveis interativos ao
qual denominaram “função executiva autorregulatória” ou simplesmente
S-REF. Este consiste em uma configuração que avalia o significado dos es­
tímulos externos, das cognições, estados corporais, crenças, controle aten-
cional, processamento, autorregulação e da integração entre esses elemen­
tos (Wells, 2003; Wells & Matthews, 2001). A importância do modelo S-
REF está na concepção de transtorno psicológico segundo a abordagem
metacognitiva, visto que, segundo ele, problemas psicológicos são manti­
dos em decorrência de padrões de cognição que estão constantemente a
monitorar eventos ameaçadores, tornando o indivíduo vulnerável a pro­
cessamentos disfuncionais ligados à síndrome cognitiva atencional (Wells,
2010), que será mencionada a seguir. Os três níveis do modelo S-REF são:
nível de unidades de processamento automático, nível de processamento
voluntário e nível de conhecimento armazenado.
No primeiro, ocorre o processamento relativo aos estímulos e
cognições sem a percepção consciente do indivíduo (Wells & Mat­
thews, 1996). Analogamente, pode-se exemplificar esse primeiro nível
com algo semelhante ao que Beck (1976) denominou pensamentos
automáticos. Antes de um indivíduo iniciar uma atividade terapêutica,
é raro ele ter a consciência de que tais processos cognitivos ocorram
em sua mente. No entanto, no decorrer da terapia cognitiva, com o
auxílio do terapeuta, ocorre não só a identificação dos pensamen­
tos, mas a possibilidade de reestruturação dos mesmos (Beck, 1976;
Greenberger & Padesky, 1999). O primeiro nível do modelo S-REF,
portanto, refere-se a essa atividade que, embora esteja ocorrendo, não
está necessariamente conscientizada pelo indivíduo.
No segundo nível do S-REF, o processamento se dá por conta de
atenção voluntária voltada ao estímulo. Esse estágio está relacionado ao
momento quando o paciente da terapia cognitiva passa a identificar seus
pensamentos automáticos. Em um primeiro momento, havia a presença
de tais cognições frente às situações, sem que elas fossem notadas; em se­
guida, há a percepção consciente do que se pensa quando algo está acon­
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 459

tecendo, o que propicia a análise e a posterior modificação de padrões de


pensamento disfuncional (Beck, 1976). Wells (2000, 2009) aponta que
esse trabalho de identificação da atividade cognitiva requer mobilização
de recursos atencionais. Isso está intimamente relacionado ao segundo
nível da arquitetura do S-REF. Por exemplo, quando um paciente sim­
plesmente relata se sentir mal ao perceber pessoas o observando, mas en­
fatiza muito mais os seus sentimentos de vergonha e inadequação, o tera­
peuta pode ajudá-lo a perceber que, por trás de tais emoções, há pensa­
mentos como: “estão falando mal de mim” ou “estão me avaliando de for­
ma negativa”. Essa identificação requer que a pessoa submetida à terapia
volte alguma atenção para seus processos mentais e perceba que existe de­
terminado pensamento. A percepção do pensar, por si só, constitui uma
atividade metacognitiva (Wells & Matthews, 1996, Flavell, 1979). No en­
tanto, contrariamente à proposta beckiana, o objetivo central da TMC
não é reestruturar o conteúdo das cognições e sim criar um conhecimento
substituto sobre a forma de lidar com as cognições (Wells, 1996). Isso está
relacionado com a compreensão produzida sobre as próprias cognições,
que deve ocorrer no terceiro nível do modelo S-REF. O Quadro 16.1
aponta diferenças importantes entre as abordagens de Beck e Wells.
No último nível ocorre o armazenamento de autoconhecimentos
e estratégias de autorregulação contidas na memória de longo prazo
(Wells & Matthews, 2001). Todas as pessoas constroem conhecimentos
sobre processos cognitivos específicos (Wells, 2000). Como cognição é
entendido todo processo relativo ao funcionamento mental dos indiví­
duos. Recorrendo à definição de Sternberg (2000) a respeito do signifi­
cado da psicologia cognitiva, esse autor aponta que ela “trata do modo
como as pessoas percebem, aprendem, recordam e pensam a informa­
ção” (p. 22). De acordo com a teoria metacognitiva, todos produzem
conhecimentos sobre esses processos, e o que está na gênese dos trans­
tornos, incluindo os de ansiedade, são os estilos de lidar com as cogni­
ções. Por exemplo, um paciente com TAG pode ter aprendido ao longo
de sua trajetória que as preocupações são muito úteis. De fato elas po­
dem ser úteis em diversas circunstâncias. No entanto, o aprendizado a
460 Terapia Metacognitiva

Quadro 16.1 Diferenças entre a Terapia Cognitiva (Beck) e a Terapia Me­


tacognitiva (Wells)
Terapia Cognitiva (Beck) Terapia Metacognitiva (Wells)

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emtional disorders (1976) Metacognitive therapy for
Terapia cognitiva da depressão, anxiety and depression (2009)
Obras de referência Beck, Rush Shaw e Emery (1979) Cognitive Therapy ofAnxiety
Terapia Cognitivo- Disorders: a practice and
Comportamental: teoria e conceptual guide (1997)
prática, porJudith Beck (2013)
Reestruturação do conteúdo de Reestruturação de crenças que se
cognição (pensamentos tem sobre processos cognitivos
ênfase do processo terapêutico
automáticos e crenças (preocupação, ruminação, foco
intermediárias e centrais) em ameaças, etc.)
Crenças metacognitivas,
Pensamentos automáticos,
síndrome cognitiva atencional,
Conceitos principais crenças intermediárias centrais,
modelo da função executiva
distorções cognitivas
autorregulatória
Treino atencional, detached
Reestruturação cognitiva,
mindfulness, questinamento
questinamento socrático, flecha
socratico com foco na
descendente, experimentos
Exemplos de técnicas metacognição, experimentos
comportamentais (com o intuito
comportamentais (com o intuito
de se questionar conteúdo de
de de desafiar crenças
cognições)
metacognitivas)
Ênfase na ativação de crenças Ênfase na interpretação que o
centrais no momento em que indivíduo faz de um processo
pensamentos automáicos são cognitivo (como a preocupação
Conceituação de caso
deflagrados. Estratégias ou a ruminação) e nas
comportamentais estratégias que ele lança mão
contraproducentes são utilizadas para lidar com tais cognições
Ê feita ao final do tratamento
É feita ao final do tratamento reforçando o quão desaptativo é
reforçando as habilidades focar atenção em cognições
Prevenção de recaída
aprendidas e fortalecendo uma improdutivas e em modos
crença central positiva alternativos sobre como lidar
com elas

respeito da utilidade das preocupações pode ser exagerado e disfuncio-


nal. Há uma grande utilidade em se preocupar em realizar bem uma ta­
refa. Neste caso a preocupação tem uma finalidade específica. No caso
da preocupação desadaptativa, há o engajamento no processo de preocu­
pação que muitas vezes está dissociado de uma finalidade. A preocupa­
ção não ocorre mais como um auxiliar para fazer algo bem, mas sim
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 461

como um constante alarme de que as circunstâncias podem ser catastró­


ficas. Aprender sobre a preocupação de acordo com esse segundo sentido
está relacionado ao terceiro nível do modelo S-REE
Em síntese, pode-se dizer que alguns estímulos são percebidos
automaticamente sem que se lhes dê muita importância (nível 1). Em
relação a outros, há foco de atenção voluntária (nível 2). Ambos são
modulados por um conhecimento prévio a respeito de como se deve
lidar com a cognição (nível 3). O que acontece com muitos indivíduos
é que eles voluntariamente focam a atenção em processos contrapro­
ducentes (como a preocupação ou ruminação) e não possuem ferra­
mentas que os ensinem a manejar seus níveis de atenção (Wells, 2003).
A TMC procura enfatizar esse aspecto, o que se realiza por meio de
um trabalho envolvendo a relação entre os três níveis de cognição do
modelo. Conforme Wells e Matthews (1994) apontam:

Os pacientes devem ser encorajados a desenvolver um conhecimento


metacognitivo mais elevado e a aprender a processar a informação de
maneira a não desencadear uma atividade disfuncional completa do S-
REF. E possível consegui-lo através da auto-observaçáo e do controle
atencional que promovem uma atenção distanciada (p. 355).

Pode-se entender, portanto, a terapia metacognitiva como uma


abordagem baseada em uma teoria da atenção e da emoção, confor­
me aponta o título da obra pioneira de Wells e Matthews (1994) —
Atenção e Emoção: uma visão clínica. Atualmente, uma teoria de des­
taque que aponta correlações com o modelo S-REF é a de Daniel
Kahneman, proposta em seu livro Rápido e Devagar: duas formas de
pensar (2012).
A teoria de Kahneman (2012) tem uma íntima relação com o
modelo S-REE De acordo com a proposta desse autor, a mente huma­
na funciona de duas formas: uma intuitiva e involuntária, cujo pensa­
mento é mais rápido e menos elaborado, e outra, que exige concentra­
ção e autocontrole (Kahneman, 2012). A primeira maneira de funcio­
namento está relacionada com o nível 1 da teoria de Wells, ao passo
462 Terapia Metacognitiva

que a segunda está ligada ao nivel 2 do modelo S-REE Kahneman


(2012) inclusive utiliza termos como “alocar atenção” e “atividade cog­
nitiva automática”, muito utilizados na teoria metacognitiva de Wells
(1994, 2000, 2009). Como exemplos de funcionamento do sistema 1
de Kahneman, pode-se considerar a ocorrência de reações automáticas
quando do surgimento de alguns estímulos específicos como a conta
“1+1” ou quando se detecta a raiva em um tom de voz hostil. O siste­
ma 2, por sua vez pode ser exemplificado com operações mais comple­
xas, que exigem controle de atenção como resolver a conta “17x25” ou
se concentrar na voz de determinada pessoa em uma sala cheia e baru­
lhenta (Kahneman, 2012). Esse último exemplo está muito relaciona­
do com o que é feito no treino de atenção, uma atividade que exige
controle atencional e identificação de sons diversos em meio a outros
estímulos sonoros. Pode-se, portanto, perceber semelhanças importan­
tes nas teorias desses dois autores.

A síndrome cognitiva atencional (SCA)

A síndrome cognitiva atencional (SCA) consiste em um modelo


de ativação da cognição que utiliza a preocupação, a ruminação e o
monitoramento de ameaças como estratégias para lidar com as situa­
ções relacionadas aos transtornos (Wells et al., 2010). Assim sendo, o
indivíduo se engaja em um processo perseverante de atividade meta­
cognitiva — relacionada a processos cognitivos diversos. Por exemplo,
um paciente com TAG que se preocupa constantemente e que, ao ati­
var a síndrome cognitiva atencional, passa a mobilizar recursos da
atenção para as preocupações, engajando-se nas mesmas. Esse tipo de
estratégia é considerada uma forma de enfrentamento contraprodu­
cente, uma vez que a preocupação em si não é útil (Wells, 2009). Em­
bora haja utilidade (e inutilidade) no ato de se preocupar, o que Wells
(2009) denomina ubiquidade da preocupação, manter-se simples­
mente preso no processo tende a ser inútil e faz parte do estilo de
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 463

processamento daquele indivíduo. Os pacientes com TAG, sobretudo,


costumam ter muitas dificuldades para lidar com as preocupações jus­
tamente porque elas parecem ser muito mais úteis do que realmente
são. Como aponta Leahy (2007), as pessoas muitas vezes têm excelen­
tes razões para se preocupar com como resolver problemas: evitarem
ser pegas de surpresa ou se motivarem. Esses juízos sobre o ato de se
preocupar por si só é considerado uma atividade metacognitiva (Wells
& Matthews, 1994; Wells, 2000; Wells, 2009). Todas as pessoas po­
dem, portanto, atribuir qualidades positivas às preocupações. No en­
tanto, indivíduos com TAG tendem a superestimar a utilidade da pre­
ocupação, engajando-se excessivamente em cadeias de pensamentos
preocupantes que acabam por lhes aumentar de forma significativa a
ansiedade e a tensão (Wells, 2000; Wells, 2009).
Uma vez ativada, a SCA é difícil de ser controlada, já que man­
tém o indivíduo em um processo de atenção voltada a fontes de amea­
ça (Wells & Fisher, 2009; Wells et al., 2010). Desse modo, tanto a
preocupação como a ruminação se tornam mais angustiantes, pois es­
tão recebendo maior foco. Além disso, estão sendo alimentadas pelas
crenças seja positivas seja negativas acerca da preocupação, o que causa
e mantém transtornos de ansiedade (Wells & Matthews, 2001). Por
exemplo, um indivíduo que aprendeu que deve se preocupar com tudo
pode construir uma base de conhecimento específica sobre essa ativi­
dade cognitiva (preocupação). Ao ver os pais se preocupando excessi­
vamente com tudo, quase o tempo todo, pode aprender que se preo­
cupar o mantém alerta e que, por isso, nunca será surpreendido nega­
tivamente. Esse conhecimento produzido acerca de tal funcionamento
cognitivo é ativado em diversas situações nas quais a pessoa é levada a
se preocupar. Assim sendo, em vez de utilizar a preocupação como
algo que mova para a resolução de problemas, o indivíduo apenas se
mantém em uma espiral angustiante de pensamentos ansiogênicos. A
Figura 16.1 ilustra o processo que leva à ativação da síndrome cogniti­
va atencional com base na teoria proposta por Wells e Matthews
(1994, 1996); Wells (2000) e Wells (2009).
464 Terapia Metacognitiva

Figura 16.1. Ativação da síndrome cognitiva atencional (baseado em Wells, 2009).

O conceito de SCA está atrelado ao modelo S-REF, urna vez que


a atjvaçáo do processo relaciona-se ao acesso à base de conhecimento
(memoria) (nivel 3) e também com a mobilização de recursos atencio-
nais voltados a processos cognitivos (nível 2).

Aplicações da Terapia Metacognitiva

Wells (2009) aponta que a abordagem metacognitiva pode ser utili­


zada para alguns transtornos, tais como o transtorno de ansiedade generali­
zada (TAG), o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e o transtorno de
estresse pós-traumático (TEPT), além do transtorno depressivo maior.

Transtomo de ansiedade generalizada


No caso do TAG, são trabalhados alguns aspectos relevantes,
como as crenças que o indivíduo constrói sobre as preocupações. Ao
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 465

longo do processo desenvolvimental, muitas pessoas aprendem a se


preocupar por motivos distintos e a lidar com a preocupação de formas
diversas. Assim sendo, crenças sobre a preocupação são formadas e ativa­
das em momentos em que esse processo cognitivo ocorre. Cabe ressaltar,
entretanto, que a preocupação pode ser bastante útil, uma vez que pre­
para as pessoas para lidar com alguma demanda pessoal ou oriunda do
meio. A crença de que “a preocupação vai me ajudar a resolver proble­
mas” pode ser adaptativa se de fato ela levar o indivíduo a resolvê-los.
No entanto, esse processo pode ser aflitivo e desadaptativo caso haja en­
gajamento na preocupação em si, o que vai propiciar uma torrente de
pensamentos automáticos disfuncionais, ansiedade e comportamentos
de reasseguramento excessivos. Desse modo, quando há o engajamento
do portador de TAG no processo da preocupação, pode-se considerar
que o mesmo está ativando a síndrome cognitiva atencional (Wells,
2009). Além disso, pacientes com TAG possuem grande dificuldade em
lidar com os dois lados da preocupação. Por um ângulo, ela pode ser
útil, uma vez que há a possibilidade de ela ajudar no preparo de alguma
situação adversa. Contrariamente, as sensações causadas pelo excesso de
preocupação causam tensão muscular e pensamentos ligados à perda do
controle. Wells (2009) aponta que, no TAG, a forma de o indivíduo li­
dar com a preocupação difere em relação àquela de pessoas sem TAG,
mas que também se preocupam. Pacientes com o transtorno tendem a
ter pensamentos mais negativos relacionados à preocupação e também
mais crenças metacognitivas negativas sobre o processo (Wells, 2009).

Transtorno obsessivo-compulsivo

O tratamento para o TOC fora outrora eminentemente com-


portamental. Na década de 1960, Víctor Meyer, no Reino Unido, re­
latou o uso da técnica de exposição e prevenção de resposta como es­
tratégia promissora no tratamento do transtorno (Meyer, 1966). O
emprego dessa — até então — nova abordagem de intervenção para o
TOC se confirmou efetiva em estudos posteriores (Foa, Steketee,
Grayson, Turner & Latimer, 1984). No decorrer dos anos, elementos
466 Terapia Metacognitiva

cognitivos foram incorporados ao tratamento do TOC, dando origem,


inclusive, a protocolos enfaticamente cognitivos, como pode ser verifi­
cado em Wilhelm e Steketee (2006). Essa abordagem se aproxima, em
diversos elementos, ao que propõe a TMC para o TOC. Por exemplo,
alguns tópicos trabalhados por essas autoras em seu trabalho são a su-
perestimação dos pensamentos, o controle de pensamentos, a superes-
timação do perigo, o desejo por certeza (intolerância a dúvidas) e a
responsabilidade (Wilhelm & Steketee, 2006). Tais tópicos também
sáo abordados em um protocolo de base metacognitiva (Wells, 2009).
A terapia metacognitiva voltada ao TOC é direcionada para o
trabalho de desafio às crenças metacognitivas ligadas a pensamentos e
também ao modo como os indivíduos se relacionam com seus pensa­
mentos intrusivos (Wells, 2009). Um aspecto relevante para o estudo
da TMC aplicada ao TOC é a Exposure and Response Commission, que,
segundo Wells (2009), se refere ao encorajamento para a realização de
rituais de modo que a mudança da natureza da relação com os pensa­
mentos ocorra. Dito de outro modo, ao realizar comportamentos
compulsivos, o paciente é incentivado a manter o pensamento obsessi­
vo e reestruturar crenças que possui a respeito de seus pensamentos
obsessivos, uma vez que os rituais não promoverão a anulação do con­
teúdo mental (Wells, 2009). Assim sendo, o paciente passará a estar
apto a trabalhar em um modo metacognitivo, ou seja, focado nos pro­
cessos que estão na raiz do que ele concebe a respeito da utilidade das
obsessões (Wells, 2009; Res & Van Koesveld, 2008).
O conceito de síndrome cognitiva atencional aplicado ao TOC
diz respeito a dois aspectos principais. Primeiramente, em resposta a
pensamentos obsessivos ou dúvidas, o paciente manifesta preocupação,
ruminação e pensamento analítico. Ele também monitora ameaças
como pensamentos que não deseja ter. Por exemplo: um paciente que
teme o pensamento de estar fazendo sexo com Jesus Cristo por “pro­
curar” em sua mente se o pensamento está presente ou não. Ao fazer
isso, uma estimulação interna muito provavelmente irá fazer com que
o pensamento de fato surja. Em segundo lugar, ocorre o uso de estratégias
não adaptativas como supressão de pensamento, neutralização evidente ou
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 467

encoberta e rituais (Wells, 2009; Myers, Fisher Sc Wells, 2009). Outro


ponto importante a ser destacado é o referente às crenças metacognitivas.
No caso específico do TOC, Wells (2009) aponta que tais crenças sobre os
pensamentos intrusivos sáo denominadas crenças fundidas, que são dividi­
das em três domínios que serão descritos a seguir.
O primeiro domínio é a fusão pensamento-evento (FPE). A FPE é
a crença de que um pensamento intrusivo pode causar um evento particu­
lar. Pode ser também a crença de que um pensamento intrusivo significa
que um evento já deve ter acontecido (Wells, 2009). Desse modo, alguns
pacientes podem fazer relações diretas entre ter um pensamento e um
evento específico ocorrer. Um exemplo de FPE é quando um indivíduo
pensa que, por ter pensado que atropelou alguém, isso de fato ocorreu.
O segundo domínio é a fusão pensamento-ação (FPA). Na FPA,
há a crença de que pensamentos intrusivos, sentimentos ou impulsos
têm o poder de fazer alguém cometer ações indesejadas (Wells, 2009).
Um exemplo de FPA é quando um paciente tem o pensamento de que
irá proferir obscenidades em público e, por conta disso, acredita que
realmente irá cometer tal ato.
O terceiro domínio é a fusão pensamento-objeto (FPO). NA FPO
há a crença de que pensamentos e sentimentos podem ser transferidos para
objetos, tomando-os mais “reais” (Wells, 2009). Um exemplo de FPO
pode ser percebido quando um paciente pensa em pedofilia enquanto lê
um livro, tornando-o “infestado”. Imagina então que, da próxima vez que
o ler novamente, terá aumentado o risco de ele se tornar um pedófilo.
Outro conceito importante para o trabalho de TMC para o
TOC é o de sinais de parada (stop signáis). Wells (2009) aponta que os
indivíduos com TOC têm um excesso de confiança em sinais internos
e inapropriados, que ditam quando um ritual evidente ou encoberto
pode ser cessado. Desse modo, um paciente, após lavar as mãos por
um tempo determinado, sabe exatamente quando ela está “totalmente
livre de germes” e que, por isso, poderá parar de realizar a compulsão.
A abordagem metacognitiva entende esses sinais de parada como crité­
rios internos inapropriados que guiam o comportamento e as avalia­
ções. O terapeuta, portanto, pode instruir o paciente de que esta busca
468 Terapia Metacognitiva

por “suficiência” é contraproducente, urna vez que somente aumenta a


atenção voltada ao provocador de ansiedade (Wells, 2009).

Transtomo de estresse pós-traumático


De acordo com o modelo metacognitivo, a síndrome cognitiva
atencional (SCA) no TEPT é caracterizada por pensamento perseverativo,
monitoramento de ameaças e comportamentos autorregulatórios desadap-
tativos (Wells, 2009, Wells, 2000, Wells & Sembi, 2004a). O pensamento
perseverativo específicamente se apresenta na forma de preocupações, ru­
minações e um fenómeno que Wells (2009) denomina preenchimento de
lacunas. Esse processo representa, em linhas gerais, o que Ehlers e Clark
(2000) propuseram em seu modelo cognitivo do TEPT, ou seja, quando o
indivíduo enfrenta um evento traumático, forma-se, em seu arquivo de
memórias, uma série de lacunas a respeito do acontecimento. Assim sen­
do, o paciente tenta de diversas formas preenchê-las e muitas vezes o faz
de maneira distorcida (Wells, 2009). O processo de preenchimento de la­
cunas é suportado pela crença de que o entendimento completo de como
ocorreu o trauma irá ajudar na evitação da ocorrência de um novo evento.
Consequentemente, há grandes níveis de preocupação e ruminação rela­
cionados à necessidade de completar os espaços vazios da memória, o que,
segundo o modelo, é denominado processos de metamemória (Wells,
2009; Wells & Sembi, 2004a). No caso da ruminação e da preocupação,
ambos os processos cognitivos ocorrem. No que se refere ao primeiro, há
direcionamento para o passado, isto é, momentos antes do evento traumá­
tico, ou até mesmo o momento do acontecimento em si. No que tange à
preocupação, há orientação para o futuro, no sentido de haver medo de
que a situação traumática se repita (Wells, 2009)-
O monitoramento de ameaças também é um processo bastante
característico em indivíduos com TEPT. Wells (2009) e Wells & Sem­
bi (2004a) apontam que há uma atenção aumentada ao perigo em po­
tencial. Assim sendo, há uma tendência dos pacientes em fazerem uma
varredura do ambiente à procura de informações que estejam relacio­
nadas ao trauma. Desse modo, muitos podem encontrar indícios em
Estratégias Psicoterâpícas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 469

alguns estímulos que nâo necessariamente oferecem risco, e, por esta­


rem excessivamente focados e atribuindo valor de ameaça, ocorre o de-
sencadeamento do pensamento perseverativo e a ativação de metacren-
ças (Wells, 2009). Estas podem ser positivas ou negativas. As primeiras
ocorrem quando há atribuição positiva às preocupações, ruminações
ou monitoramento de ameaças, enquanto as segundas se dão quando
há valoração negativa desses eventos (Wells, 2009).

Transtorno depressivo maior


De acordo com o DSM-5 (APA, 2013), o transtorno depressivo
maior é um transtorno caracterizado por: humor deprimido (tristeza,
vazio, desesperança) na maior parte do dia e quase todos os dias; acentu­
ada diminuição do interesse ou do prazer em quase todas as atividades;
perda ou ganho significativo de peso (sem estar em dietas); insônia ou
hipersonia praticamente todos os dias; agitação ou retardo psicomotor
observado por outras pessoas que não o próprio indivíduo; fadiga ou
perda de energia praticamente todos os dias; sentimento de inutilidade
ou de culpa excessiva ou inadequada; capacidade diminuída de pensar,
concentrar-se ou de decidir e pensamentos de morte recorrentes, ideação
suicida. Tal sintomatologia deve ocorrer por, no mínimo, duas semanas
e causar impacto significativo na vida do indivíduo (APA, 2013).
Dentro da abordagem cognitiva, a tríade cognitiva da depressão
é um dos principais conceitos teóricos no tocante a este problema. Se­
gundo Beck, Rush, Shaw e Emery (1997), o indivíduo deprimido pos­
sui visão negativa a respeito de si mesmo, do mundo e do futuro. Além
disso, os sintomas da depressão são oriundos da ativação de padrões
cognitivos negativos (Beck et al., 1997).
Wells (2009) concebe um modelo metacognitivo para a depressão
que envolve alguns componentes essenciais. O primeiro é o foco na rumi­
nação para o entendimento da depressão. Segundo a teoria que embasa esta
abordagem, em resposta a pensamentos negativos, o indivíduo rumina. A
ruminação é orientada para o passado, sendo ligada à culpa, pensamentos
de inutilidade, luto e experiências negativas em geral (Wells, 2009).
470 Terapia Metacognitiva

De acordo com o modelo metacognitivo aplicado à depressão, o in­


divíduo atribui uma valoraçáo ou positiva ou negativa à ruminação e isso
está na base do desenvolvimento e da manutenção do transtorno depressi­
vo (Papageorgiou & Wells, 2004). Assim sendo, Wells (2009) apresenta
dois tipos de ruminação. A primeira é a tipo I que se refere à crença de que
a ruminação é incontrolável e causará danos, ou seja, é a preocupação so­
bre a ruminação. A segunda é a tipo II que corresponde à crença de que a
ruminação causará prejuízos sociais e interpessoais (Wells, 2009).

Avaliação na terapia metacognitiva

Wells (2009) aponta que a avaliação na terapia metacognitiva


tem três principais objetivos: estabelecer um diagnóstico acurado; ob­
ter informações a respeito da gravidade, história e desenvolvimento do
transtorno e obter as informações importantes para a conceitualização
do caso. Para dar base a essa avaliação, propõe algumas questões que
permeiam o modelo A-M-C (antecedentes-metacrenças e SCA-conse-
quências emocionais) conforme a figura a seguir.

Figura 16.2 O modelo A-M-C (adaptado de Wells, 2009).


Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 471

Os antecedentes internos referem-se às situações que fizeram o


paciente se sentir pior, aos pensamentos iniciais ou sentimentos que
ocorreram antes da ativação das metacrenças ou da síndrome cognitiva
atencional. Estas dizem respeito às interpretações que o indivíduo faz
de suas cognições e sentimentos. Portanto, para avaliar esse compo­
nente, é necessário fazer perguntas relativas à presença da preocupação
e ao modo como ela foi experienciada, o que foi feito para lidar com a
preocupação, ruminação ou outro processo, que vantagens o indivíduo
percebeu em focar a atenção nos processos cognitivos, etc. Para avaliar
as consequências emocionais, algumas questões que se referem aos sin­
tomas físicos que o paciente tem notado e como ele tem se sentido nas
últimas semanas podem ser feitas.
Além dessas perguntas que podem ser feitas em entrevistas ini­
ciais com o paciente, Wells (2009) propõe a utilização de alguns ques­
tionários e escalas como o questionário de metacognições 30 — MCQ-
30, a escala de TAG revisada — GADS-R, a escala de TOC — OCD-S e
outras. Esses instrumentos foram elaborados pelo próprio Wells e cola­
boradores e consideram aspectos específicos que são levados em conta
nessa abordagem.

Procedimentos em terapia metacognitiva

Conceitualização de caso metacognitiva

Assim como em outras modalidades de terapia cognitivo-com-


portamental, na terapia metacognitiva também há a valorização da
construção de um diagrama de conceitualização específico para cada
paciente. Isso é feito de acordo com o transtorno específico ao qual a
TMC será direcionada. Assim sendo, o diagrama é preenchido levan­
do-se em conta o quadro do paciente. Wells (2009) propõe um mode­
lo metacognitivo para cada transtorno, assim como sugere algumas
questões específicas, a serem feitas aos pacientes, que investigam fato­
res como pensamentos-gatilhos, preocupações, ruminações, emoções
472 Terapia Metacognitiva

associadas a processos cognitivos, antecipação de consequências deri­


vadas da preocupação, e outros (Wells, 2009).

Socialização com o modelo metacognitivo

Do mesmo modo que na terapia cognitiva tradicional, é im­


portante a explicação do modelo cognitivo e a inter-relação entre
pensamentos, sentimentos e comportamentos, na terapia metacogni­
tiva é imprescindível que haja explicação sobre como as preocupa­
ções, as ruminações, o monitoramento de ameaças e demais estraté­
gias contraproducentes afetam a manutenção e desenvolvimento do
transtorno (Wells, 2009). Em cada transtorno diferente a psicoedu-
cação será feita de uma maneira distinta, uma vez que cada quadro
possui seu modelo específico. A socialização em relação ao funciona­
mento metacognitivo deve ser feita sempre acompanhada do diagra­
ma do paciente, de forma que este entenda a relação entre os gatilhos
e a ativação de crenças metacognitivas (Wells, 2009). Essa etapa é
crucial para que o indivíduo tome consciência de como a interpreta­
ção que ele faz sobre processos cognitivos afeta sua condição e piora
a sua ansiedade e o seu humor.

Detached mindfulness (DM)

O Detached Mindfulness é uma técnica de terapia metacognitiva


descrita por Wells (2009) e por Fisher e Wells (2009). O DM é consi­
derado a antítese da SCA e seu objetivo é mudar o alvo do processa­
mento do indivíduo. Em vez de focar nos produtos da SCA (preocu­
pação, ruminação, monitoramento das ameaças e supressão de pensa­
mentos), o paciente é treinado a flexibilizar a sua metacognição, ou
seja, os pensamentos sobre seus processos cognitivos (Fisher & Wells,
2009). Mindfulness, nesse sentido, significa ter consciência a respeito
de um pensamento ou crença (para mais informações, ver Capítulo 7).
Essa parte estimula o paciente a desenvolver a capacidade de meta-
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 473

consciência, isto é, conhecimento sobre o pensamento no que se refere


a seus processos desadaptativos (Fisher & Wells, 2009). O segundo
termo {Deta.chm.eni) está voltado a dois aspectos: distanciamento dos
mecanismos de coping desadaptativos e separação do sentido de selfdo
pensamento, ou seja, o indivíduo aprende que ele não é a sua preocu­
pação e que eles estão dissociados (Fisher & Wells, 2009). Wells
(2005 b) define para o DM da seguinte maneira:

Um estado de consciência dos eventos internos, sem responder a eles


nem tentar julgá-los, controlá-los, suprimi-los ou responder a eles
comportamentalmente. Pode ser exemplificado por estratégias de
como decidir não se preocupar em resposta a um pensamento intrusi­
vo. Em vez disso, permite-se que ele ocupe seu próprio espaço na
mente sem ações adicionais ou interpretações, levando-se em conta
que é simplesmente um evento mental (Wells, 2005b, p. 340).

Wells (2009) aponta seis elementos do DM. O primeiro é meta-


consciência ou consciência dos pensamentos. Esse aspecto é importan­
te, uma vez que o paciente é instruído a perceber uma cognição sem
fazer qualquer espécie de juízo sobre ela. O segundo elemento é o des-
centramento cognitivo. Aí deve ser enfatizado que um pensamento é
um evento que não corresponde a um fato. Quando o paciente inter­
preta eventos mentais como fatos, a tendência é haver o que Wells
(2009) denomina “apego atencional”, ou seja, uma grande mobiliza­
ção de recursos atencionais ocorre e o indivíduo permanece centrado
na cognição, o que não é o objetivo do DM. O terceiro tópico se refe­
re ao distanciamento atencional. Esse aspecto se refere a manter a aten­
ção flexível e não ancorada a nada específico. Essa flexibilidade aten­
cional pode ser exercitada com o treino da atenção que será explicado
na próxima sessão. O quarto ponto é referente ao baixo processamento
conceituai, isto é, o paciente é instruído a manter baixos níveis de aná­
lise de significados do pensamento e diálogos internos. O quinto tópi­
co se refere ao baixo enfrentamento, ou seja, não tentar evitar ou su­
primir cogniçóes. E, finalmente, o sexto elemento corresponde à auto-
474 Terapia Metacognitiva

consciência alterada, que significa promover a experiência de estar


consciente do self como um observador separado dos pensamentos e
crenças (Wells, 2009).
Wells (2009) esclarece que o DM possui algumas diferenças
centrais em relação ao mindfulness proposto pelas práticas de medita­
ção budista, que são utilizados em trabalhos como os de Kabat-Zinn
(1990, 2001) e Roemer e Orsillo (2010). Algumas dessas distinções
são: (1) o DM não envolve meditação ao passo que as estratégias de
mindfulness a utiliza; (2) o DM não requer prática contínua e extensiva
como o mindfulness-, (3) a abordagem tradicional costuma utilizar exer­
cícios focados no corpo ou na respiração, ao passo que no DM isso
não ocorre; (4) o DM tem como objetivo principal aumentar a meta-
consciência de pensamentos e não a consciência do momento presen­
te; (5) a prática do DM é focada explícitamente na redução da atenção
autofocada e no incremento da flexibilidade atencional, ao passo que
as estratégias de mindfulness não possuem esses elementos como seu
objetivo principal. Algumas sugestões de tarefas de DM podem ser en­
contradas em Wells (2005b) e Wells (2009). Neste trabalho serão des­
critas duas com a finalidade de exemplificação.
A primeira é a tarefa do tigre. Esta consiste em pedir para o
paciente imaginar a imagem de um tigre sem tentar influenciá-la de
nenhum modo, ou seja, o indivíduo deve apenas observar a imagem
do modo como ela surgir. Não importa o comportamento do animal
nem como ele se apresenta. Deve-se somente observá-lo. O objetivo
dessa tarefa é mostrar que a imagem criada na mente pode ser sepa­
rada do self isto é, há a possibilidade de um pensamento ocorrer e
ser encarado como um simples pensamento, sem haver a necessidade
de interferência. Quando algum paciente tem um pensamento intru­
sivo que leva à preocupação ou a qualquer outro processo cogni­
tivo, por exemplo, ele tende a avaliar ou julgar esse pensamento co­
mo se fosse parte do eu. Esta tarefa de DM, portanto, permite ao in­
divíduo desenvolver outro tipo de relação com o próprio pensamen­
to (Wells, 2005b; 2009).
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 475

Outro exemplo prático de DM é a metáfora da nuvem. Instrui-


se o paciente a imaginar nuvens como parte do sistema autorregulató-
rio do clima na Terra. Desse modo, é impossível e desnecessário tentar
controlá-las. Os pensamentos e sentimentos podem ser tratados como
nuvens que passam pela mente. Assim sendo, pode-se deixá-los passar,
pois se sabe que eles em breve se afastarão, como nuvens no céu
(Wells, 2005b; 2009).

Treino da atenção (TA)

O treino atencional consiste em uma série de estratégias que são


utilizadas com a finalidade de interromper a ativação da síndrome cog­
nitiva atencional. O TA possui três componentes: atenção seletiva, mu­
dança rápida da atenção e atenção dividida (Wells, 2009). Cada um des­
ses tópicos é trabalhado em exercícios separados. Adrián Wells desenvol­
veu uma gravação que contém sons de diversos objetos ou animais soan­
do simultaneamente. O exercício de atenção seletiva tem como objetivo
fazer com que o paciente foque em um som que esteja presente entre vá­
rios outros. O exercício relativo à mudança rápida de atenção envolve o
foco em um som e depois em outro. À medida que o tempo passa, mais
estímulos necessitam ser alvo da concentração do paciente. Por último, a
atenção dividida envolve treinar o indivíduo a expandir o grau de aten­
ção dividindo-a entre múltiplos sons distintos (Wells, 2009). Com algu­
ma prática, o nível de flexibilidade atencional do indivíduo aumenta,
possibilitando, assim, que o foco não recaia nos processos perseverativos
relacionados à síndrome cognitiva atencional.
Wells (2009) sugere que, ao aplicar o treino de atenção, o tera­
peuta deve medir o nível de atenção focada no selfe no ambiente ex­
terno. Isso pode ser feito por meio de um continuum graduado de -3
(inteiramente focado no ambiente externo) até +3 (inteiramente auto-
focado). O objetivo é reduzir o nível do autofoco, uma vez que os pro­
cessos cognitivos que levam à SCA são internos. Um exemplo desse
continuum encontra-se na Figura 16.3.
476 Terapia Metacognitiva

-3 -2 -10 1 2 3

Inteiramente focado no Quantidade igual Inteiramente focado


ambiente ao meu redor internamente nos meus
pensamentos, sentimentos
e sensações corporais

Figure 16.3 Continuum para ser utilizado antes e depois do TA.

Wells (2009) aponta que, em geral, uma sessão de TA reduz


cerca de dois pontos na escala de autofoco. O treino deve ser passado
como tarefa de casa. Isso pode ser feito entregando-se uma cópia da
gravação do TA em CD ou ensinando o paciente a manter, simultane­
amente, diversos sons no ambiente, quando não houver a possibilida­
de de se ter o áudio disponível.

Desafio às crenças metacognitivas

Wells (2009) sugere que um ponto importante no que se refere ao


tratamento em terapia metacognitiva envolve a reestruturação de crenças
metacognitivas positivas ou negativas sobre processos como a preocupa­
ção, ruminação, monitoramento de ameaças e outros. Assim sendo, al­
guns exercícios podem ser propostos para que o paciente desafie tais
crenças. Por exemplo: um paciente que considera úteis as suas preocupa­
ções e estima que elas irão ajudá-lo a resolver problemas pode ser esti­
mulado pelo terapeuta a desafiá-las. Isso pode ser feito por meio de ex­
perimentos comportamentais, conforme está descrito na sessão seguinte.
O desafio às crenças metacognitivas é separado por Wells (2009)
em duas frentes: (1) desafio às crenças de incontrolabilidade e (2) de­
safio às metacogniçóes relacionadas ao perigo. O primeiro se refere à
pôr à prova a hipótese de que a preocupação, ruminação ou qualquer
outro processo cognitivo são incontroláveis. Pode-se questionar, por
exemplo, o que ocorre em uma situação na qual um paciente se preo­
cupa. Um indivíduo que afirma não conseguir controlar a preocupa­
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 477

ção, ao contar que conseguiu se distrair por algum momento quando


o telefone tocou, pode não se dar conta de que, mesmo por um mo­
mento, a preocupação deixou de ser o foco e que, portanto, é contro­
lável de alguma forma. O desafio às crenças de perigo, por sua vez, está
relacionado ao testar hipóteses de que a preocupação ou a ruminação
irão causar danos ou enlouquecer o indivíduo (Wells, 2009). Embora
não seja sempre que, na prática, se encontrem pessoas que se queixam
do caráter perigoso das preocupações ou ruminações, caso essa hipótese
seja levantada pelo paciente, esse tipo de estratégia pode ser utilizada.

Experimentos comportamentais

Na terapia cognitiva tradicional, os experimentos comportamen­


tais são amplamente utilizados com a finalidade de reestruturar pensa­
mentos e, até mesmo, auxiliar na modificação de crenças centrais (Gre-
enberger & Padesky, 1999). Alguns manuais — como o proposto por
Bennett-Levy, Butler, Fennell, Hackmann, Mueller e Westbrook
(2004), por exemplo — fornecem diversas sugestões de experimentos
comportamentais que podem ser utilizados em diversos contextos. Na
terapia metacognitiva, entretanto, os experimentos comportamentais
são utilizados como ferramentas para que crenças metacognitivas se­
jam testadas. No caso de um indivíduo que, por exemplo, pense que
suas preocupações irão matá-lo, pode-se sugerir que se preocupe o má­
ximo possível para confirmar ou refutar a hipótese que ele mesmo le­
vantou sobre a preocupação. Um paciente deprimido pode considerar
que a ruminação é útil para resolver problemas. Assim sendo, pode-se
propor que ele rumine por algum tempo e, ao final desse período, ve­
rifique se alguma solução para os problemas foi alcançada. Nesse senti­
do, os experimentos comportamentais são importantes métodos em­
pregados para fazer os pacientes entenderem o quão contraproducente
são os processos de preocupação, ruminação, monitoramento de ame­
aças, etc. (Wells, 2009). No caso do TOC, um paciente que pensa que
não consegue controlar os pensamentos obsessivos de contaminação
478 Terapia Metacognitiva

pode passar por um experimento comportamental no qual o terapeuta


borrifa no ar um líquido “contaminado” contendo água e um pouco
de terra, por exemplo. Ao lidar com as obsessões, o paciente perceberá
que nada de grave aconteceu e isso, posteriormente, tende a facilitar o
processo de reestruturação de metacognições relacionadas à síndrome
cognitiva atencional no TOC (Wells, 2009).

Prevenção de Recaída

A prevenção de recaída na abordagem metacognitiva é feita assim


como em linhas de TCC tradicionais (para mais informações, ver Capí­
tulo 8). Após as sessões nas quais ó paciente aprende as estrategias para
lidar com a síndrome cognitiva atencional, o terapeuta o incentiva a uti­
lizar as ferramentas em momentos futuros em que houver engajamento
perseverativo em processos de preocupação, ruminação, monitoramento
de ameaças, etc. Além disso, o indivíduo leva com ele uma cópia do dia­
grama de conceituaçâo metacognitiva no qual constam informações de
como ocorre o funcionamento que o leva ao sofrimento e como utilizar
os processos de preocupação, ruminação e outros como estrategias de
enfrentamento é contraproducente. Outra estrategia sugerida por Wells
(2009) é utilizar o que ele denomina “novos planos de processamento”.
Isso pode ser feito colocando-se duas colunas em uma folha e escreven-
do-se o velho e o novo plano, ou seja, como o indivíduo funcionava e
como pode passar a funcionar conforme o quadro a seguir.

Quadro 16.2 Novos planos de processamento


Plano Velho Plano Novo
Focar-me nas minhas preocupações v Aceitar as preocupações como algo natural e entender 4
que não há necessidade focar excessivámente nèlas^

Interpretar minhas preocupações como Interpretar minhas preocupações como úteis


extremamente úteis o tempo todo em alguns momentos específicos
- -, "_r,
Beber para lidar com a angústia Evitar o álcool para lidar com a angústia
resultante das preocupações resultante das preocupações ' " *
Buscar reasseguramento Não buscar reasseguramento
Fonte: Baseado em Wells, 2009.
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 479

Considerações finais

As técnicas de terapia metacognitiva podem auxiliar o paciente


que apresenta muitas dificuldades em lidar com processos como a pre­
ocupação, a ruminação, o monitoramento de ameaças, o preenchi­
mento de lacunas no TEPT, dentre outros. Este capítulo teve como
objetivos delinear alguns fundamentos dessa abordagem cognitivo-
comportamental ainda pouco estudada. Para mais detalhes, deve-se
consultar manuais como Wells (2009), Fisher e Wells (2009), Wells
(2003), além de artigos em periódicos, como os vários citados ao lon­
go do texto, e revisões como a de Hirata (2013).
A terapia metacognitiva pode ser utilizada como alternativa de
tratamento para algumas psicopatologias. E importante ressaltar que,
na prática, muitos pacientes respondem melhor a uma abordagem in­
tegrada e que leve em conta formas diversas de entender o indivíduo e
estratégias que se complementam.

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Parte III
Tópicos Especiais

ode ser difícil encontrarem-se traduzidos


LJem língua portuguesa diversos assuntos
JL relacionado^direta ou indiretamente, com
a terapia cognitiva. Isso acaba, inevitavelmente,
dificultando ou mesmo impossibilitando o acesso de
muitos clínicos a esses conhecimentos importantes.
AParte III deste livro apresenta alguns assuntos
com potencial interesse ao leitor brasileiro, mas
que contam com pouca, ou nenhuma, publicação
em língua portuguesa, tais como terapia cognitiva
na infância e na escola, processos básicos (atenção
.seletiva) na clínica, supervisão, psicoterapia,
fciência e neurociência, além de farmacoterapia e o
' tratamento combinado.
W.VM.
17
Terapia Cognitiva para
Crianças de 0 a 6 Anos

Débora Cristina Fava e Wilson Vieira Melo

A primeira infância é um período de vulnerabilidade desenvolvimental,


pois a criança está aprendendo a construir seus vínculos afetivos e a
desenvolver a capacidade de se relacionar com o outro. O estabelecí- ;
mento de importantes estruturas da personalidade depende direta­
mente das experiências vivenciadas nessa etapa do desenvolvimento.
As intervenções em terapia cognitiva na infância têm dois objetivos
principais. Enquanto o trabalho clínico busca a melhora de sintomas e
comportamentos disfuncionais, procura também prevenir que os mes­
mos se originem ou se agravem no futuro. O foco na prevenção pode
reduzir diversas psicopatologias, além de melhorar o seu prognóstico
quando ocorrem na idade adulta.
W.V.M.

É crescente o número de crianças jovens (com até seis anos)


que apresentam comportamentos desafiadores em ambientes de pri­
meira infância (Squires & Bricker, 2007). Apesar de o Manual Diag­
nóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, DSM5 (APA, 2013),
ser mais flexível do que a sua versão anterior para alguns diagnósti­
cos na primeira infância (por exemplo, no capítulo de Transtornos
Disruptivos, Controle de Impulsos e da Conduta), neste capítulo o
termo ‘mau comportamento’ será utilizado para ilustrar comporta­
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 483

mentos que não necessariamente preenchem critérios para qualquer


diagnóstico.
Dentre os comportamentos observados na primeira infância que
podem ser foco da atenção clínica, pode-se destacar a dificuldade em
dormir no próprio quarto, a dificuldade em dividir, obedecer, seguir
regras, ou se relacionar em grupo. Comportamentos marcados por
agressões impulsivas para conseguir o que deseja, birras e “cenas” em
locais públicos, tais como bater, morder, gritar, ou mesmo pelo retrai-
mento social, são alguns dos comportamentos que podem ser maneja­
dos com as técnicas da terapia cognitiva, sem que estejam necessaria­
mente associados a algum diagnóstico específico. Esses comportamen­
tos são possíveis barreiras que dificultam o bom desenvolvimento so­
cial e emocional da criança (Dunlap, Ester, Langhans & Fox, 2006).
A literatura relacionada à psicopatologia infantil frequentemente di­
vide os problemas infantis em comportamentos internalizantes e externali-
zantes. Além de problemas de mau comportamento, geralmente associa­
dos a transtornos externalizantes (Pacheco, Alvarenga, Reppold, Piccinini,
& Hutz, 2005), também é possível perceber que algumas crianças apre­
sentam altos níveis de ansiedade e outros problemas emocionais (Asbahr,
2004; Bernstein, Borchardt, & Perwien, 1996). Na infancia, a ansiedade e
a depressão, apesar de serem caracterizadas como problemas internalizan­
tes, costumam se manifestar também como problemas de comportamen­
to, tais como a recusa em fazer as atividades, a irritação e a agressividade.
As reações exageradas a um estímulo ansiogênico surgem mais facilmente
em crianças com alguma pré-disposição neurobiológica e são geralmente
mantidas, ou mesmo desenvolvidas, por fatores ambientais (Bernstein,
Borchardt, & Perwien, 1996), como a interação com irmãos, colegas, pro­
fessores, pais, além de outros cuidadores e familiares.
O percentual de crianças que continuam a exibir esses padrões de
comportamento durante todo o período pré-escolar é de aproximadamen­
te 10%, segundo estudos internacionais (Kuperschmidt, Bryant, &
Willoughby, 2000). Além disso, a literatura demonstra que essas caracte­
rísticas caminham em direção a transtornos graves de conduta e até mes-
484 Terapia cognitiva para crianças de 0 a 6 anos

mo ao transtorno da personalidade antissocial (APA, 2013; Webster-Strat-


ton, 2000). No Brasil é escasso o número de publicações relevantes que
abranjam a faixa etária específica de zero até seis anos. Ainda assim, alguns
estudos expressam a magnitude dos problemas de comportamento em
pré-escolares. A prevalência de problemas de comportamento nessa faixa
etária pode chegar a mais de 60%, e dentre os principais sintomas obser­
vados estão os comportamentos opositores, agressivos e reativos, e também
problemas envolvendo sintomas de ansiedade e de depressão (Bueno &
Moura, 2009; Moura, Marinho-Casanova, Meurer & Campana, 2008).
E nos primeiros anos de vida que se aprende a relacionar-se com
o outro, a controlar os impulsos e as emoções básicas, e é quando se
constroem muitos dos conceitos que farão parte da personalidade adulta
(Beck, Freeman & Davis, 2005; Melo, Oliveira & Bizarro, 2014; Wai-
ner & Piccoloto, 2007). Já no início da vida, as crianças começam a
estruturar aspectos importantes de seu funcionamento mental, mos­
trando padrões cognitivos, emocionais e comportamentais que pode­
rão ser observados ao longo da vida.
A personalidade é formada pelas heranças filogeneticamente trans­
mitidas, na qual as características dos pais biológicos se manifestam através
do temperamento da criança. A outra parte do que dará origem a persona­
lidade será formada pelas aprendizagens a partir das experiências vividas,
que tratam de modelar o caráter de cada ser humano (Cloninger, 1986).

Terapia cognitiva na infância

Apesar de existirem atualmente diversos programas de tratamen­


to e de intervenções na infância, a terapia cognitiva, desde o seu surgi­
mento, teve maior foco no tratamento de pacientes adultos. As técni­
cas argumentativas de investigação, conceitualização e contestação de
pensamentos disíuncionais mostram-se difíceis de serem aplicadas em
crianças muito pequenas. Tais dificuldades se devem a questões desen-
volvimentais e maturacionais que caracterizam esse grupo de pacien­
tes, fazendo com que a TCC seja mais facilmente aplicada a crianças
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 485

mais velhas (Friedberg Dalenberg, 1991; Manassis, 2009). Ainda


assim, de acordo com a literatura científica, a terapia cognitiva é a que
obtém maior êxito no tratamento de crianças pequenas (Njoroge &
Yang, 2012), uma vez que estas podem se beneficiar das técnicas da te­
rapia cognitiva devidamente adaptadas à idade e à capacidade cogniti­
va (Stallard, 2007; Friedberg &c McClure, 2004).
Nos últimos anos, as terapias cognitivas têm buscado desenvol­
ver modalidades de tratamento para crianças em idade escolar, e tam­
bém para as crianças mais jovens, isto é, menores de seis anos. Estu­
diosos demonstram a eficácia de tratamentos para problemas de com­
portamento, que incluem a terapia cognitiva individual, a terapia com
pais e crianças e a terapia voltada para intervenções realizadas exclusi­
vamente com os pais (Barkley, 1997; Caminha & Caminha, 2011;
Friedberg & McClure, 2004; Grave & Blissett, 2004; Manassis, 2009;
Stallard, 2007) (para maiores informações, ver Capítulo 18). Contu­
do, devido à falta de maturidade cognitiva e à capacidade de abstração,
trabalhar com crianças muito jovens pode ser bastante diferente do
trabalho desenvolvido com crianças mais velhas.

Adaptação da terapia cognitívo-


-comportamental para pré-escolares

Crianças jovens têm seu funcionamento mental caracterizado pelo


pensamento concreto, pelo egocentrismo e por um padrão de pensamento
distorcido e irracional, elementos que são possíveis entraves à abordagem
cognitiva tradicional. A criança que sofreu a separação dos pais pode ter en­
tendido: “Meu pai saiu de casa porque não quer mais morar comigo e com
a mamãe”. Esse pensamento é apropriado para a idade, porém, pode ser
muito disfuncional a curto e longo prazo, suscitando um padrão inseguro e
instável de esquemas emocionais que formarão sua personalidade (para
maiores informações, ver Capítulos 9 e 10).
Uma vez que tal padrão de interpretação possa ser considerado
disfuncional para um adulto, pode ser completamente esperado em
486 Terapia cognitiva para crianças de 0 a 6 anos

uma criança de três ou quatro anos de idade. Intervenções cognitivas


podem auxiliar a criança a reinterpretar tais situações e a formular con­
ceitos mais saudáveis para servir de base a seus padrões emocionais,
tanto a curto quanto a longo prazo. Apesar de a terapia cognitiva exi­
gir habilidades que envolvam o pensamento abstrato e a formulação
de hipóteses, existem evidências de que as crianças podem se beneficiar
de técnicas específicas para lidar com problemas complexos (Njoroge
& Yang, 2012). Para isso, são utilizados modelos de problemas mais
concretos, perguntas abertas, e pistas visuais que ajudam a encontrar
uma resposta ou solução (Bierman, 1983). Com o auxílio das ferra­
mentas da terapia cognitiva, procura-se entender a situação de maneira
mais adaptativa, regular as emoções daí advindas e de outros eventos
associados, e ampliar o leque de repertório comportamental para solu­
ção de problemas. Independentemente das técnicas utilizadas, o tera­
peuta cognitivo infantil deve salientar no paciente as características de
força e de competência, muito mais do que a sua fragilidade ou inabi­
lidade para algo (Grave & Blisset, 2004; Knell & Dasari, 2009).
Ao contrário do paciente adulto, que, na maioria das vezes, vem
espontaneamente para o tratamento e com uma meta que o motiva a
buscar ajuda, a psicoterapia de crianças pode encontrar um obstáculo
importante a ser vencido na falta de motivação. Uma das melhores for­
mas de motivar para o tratamento e adaptar a terapia cognitiva para
pré-escolares é trazer para o consultório o que eles mais gostam: a brin­
cadeira. Dessa forma, o uso de fantoches, personagens, fantasias, dese­
nhos e brinquedos são imprescindíveis para o sucesso do tratamento.

Estrutura do Tratamento

Assim como na terapia cognitiva com pacientes adultos, a psico­


terapia na infância também apresenta, ainda que de modo mais flexí­
vel, uma estrutura tanto do tratamento como das sessões. Entretanto,
existem algumas especificidades que precisam ser consideradas.
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 487

Sessões Iniciais
Quando se atendem crianças menores de seis anos em terapia
cognitiva, frequentemente ocorrem algumas dúvidas acerca da prática.
Indagações do tipo: quem será atendido primeiro, os pais ou a criança?
Quantas sessões são necessárias para formar vínculo? Com que fre­
quência os familiares são atendidos? Em quais situações o contato com
a escola deve ser realizado? Dentre outras importantes questões.
Crianças menores de seis anos dificilmente têm ciência da finali­
dade de um tratamento com um psicólogo ou psiquiatra e, portanto, es-
pera-se que a busca pelo atendimento parta dos responsáveis ou até mes­
mo por encaminhamento da pré-escola. Medos diversos e problemas de
mau comportamento são os motivos mais presentes no consultório de
terapeutas infantis. Por isso, é indicado que os solicitantes do atendi­
mento sejam os primeiros a serem atendidos. Sem a presença da criança,
as informações, inicialmente, podem ser coletadas de modo mais minu­
cioso, dando-se mais liberdade ao profissional e aos solicitantes para ex­
plorarem de modo mais profundo os problemas atuais e passados. Ou­
tros motivos justificam a ausência da criança em um primeiro momento,
tais como o contrato do serviço (valores de honorários e forma de paga­
mento, questões relativas ao uso dos dados para pesquisa, quando tais
aspectos se apliquem) e investigação de informações que a criança pode
não ter acesso, tais como segredos de família, por exemplo.
Frequentemente, essa primeira entrevista pode se estender a mais de
uma consulta. Não existe um número máximo de encontros necessários e
podem ser solicitadas tantas consultas quantas forem necessárias para reali­
zar uma adequada avaliação do comportamento infantil (que será abordado
mais adiante neste Capítulo). Essas consultas iniciais também são impor­
tantes para o estabelecimento do vínculo terapêutico com os pais ou cuida­
dores, uma vez que eles também participarão do processo de tratamento.
Pode-se também utilizar parte das primeiras entrevistas para orien­
tar os pais ou cuidadores sobre o modo de apresentar à criança a ideia de
fazer terapia. Dentre tais orientações, é aconselhável que o terapeuta seja
apresentado como um profissional que pode ajudá-lo a se sentir melhor
488 Terapia cognitiva para crianças de 0 a 6 anos

ou ainda ajudá-lo a ter comportamentos melhores. Também é importante


salientar que o psicólogo ou psiquiatra é um profissional que tem muitos
brinquedos e que ele e a criança terão tempo para conversar e também
para brincar (Knell & Dasari, 2009). Deve-se evitar que o terapeuta sejt
apresentado como alguém que vai ajudar os pais a mudar a criança pars
melhor, uma vez que isso pode ser um obstáculo para a motivação.

Avaliação

Quanto mais os diferentes contextos da vida da criança forem


investigados, mais consistente será o diagnóstico e maiores as chances
de sucesso do tratamento. Entretanto, bons entrevistadores conseguem
uma quantidade maior de informações úteis com menos perguntas e,
consequentemente, em um menor tempo dedicado à investigação dos
sintomas. De um modo geral, as avaliações diagnosticas iniciam com
perguntas amplas e gerais, caminhando gradualmente para uma espe­
cificidade situacional cada vez mais evidente.
Os pais ou responsáveis são os primeiros a serem entrevistados.
Posteriormente, pessoas que integram outros contextos da vida da crian­
ça podem ser entrevistadas, como os membros da escola e de outros am­
bientes que ela frequenta com regularidade: curso de idiomas, aula de
esportes ou dança, ou, ainda, casa de parentes. O objetivo da avaliação,
além de averiguar a presença ou não de um diagnóstico, é determinar se
a criança tem habilidades compatíveis com as demais crianças de sua
idade e com cultura na qual está inserida. Uma proposta de Entrevista
de Avaliação está disponível em www.sinopsyseditora.com.br/eptocfor.
Determinados casos não exigem que a psicoterapia seja realizada
no setting clínico com a presença da criança, mas apenas com os res­
ponsáveis, que atuam como agentes centrais para a mudança dos filhos
(Caminha, de Almeida & Scherer, 2011; Kazdin, 2005). Muitos pais
vêm ao consultório com queixas a respeito de rotinas e regras de casa
que não são cumpridas pelos filhos e que acabam alterando negativa­
mente o funcionamento familiar. Tais queixas podem estar relaciona­
das à recusa em alimentar-se no local adequado, vestir-se, usar cinto de
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 489

segurança na cadeirinha do automóvel, trocar as fraldas ou realizar o


processo de retirada das fraldas a partir dos dois anos de idade.
De zero a dois anos as queixas mais comuns são trazidas apenas
pelos pais e retratam a dificuldade de manejar o comportamento dos fi­
lhos em tarefas simples e rotineiras. Essas dificuldades, geralmente, estão
associadas à falta de preparo dos pais, bem como à ansiedade e até mes­
mo à lassidão na forma de empregar as regras e manter a mesma estraté­
gia. Os exemplos a seguir ilustram algumas das dificuldades citadas:
1. Uma criança de quase dois anos começa a bater no rosto da
mãe. Os pais consideram a atitude engraçada, pois a criança
também ri. Dessa forma, o comportamento de bater no rosto
vai sendo reforçado por falta de preparo dos pais para enten­
der o mecanismo do reforçamento. Essa criança, por sua vez,
começa a bater no rosto das crianças e professoras na escola,
o que ocasiona uma série de dificuldades de relacionamento e
de socialização.
2. Uma criança se recusa a dormir em seu quarto e na sua cama.
Os pais, ansiosos, com receio de não ouvir a criança durante
a noite, a mantém dormindo na cama de casal até os três
anos de idade. Mesmo com diversas tentativas de levá-la ao
seu quarto, os pais manifestam receio de que o filho possa
sentir-se abandonado e ,de alguma forma, sofrer.

Em ambas as situações, ficam evidentes as boas intenções dos


pais em prover o melhor para seus filhos. Entretanto, por mais que te­
nham tido práticas adequadas de manejar os comportamentos dos fi­
lhos no curto prazo, algumas vezes isso pode não ser o suficiente. Um
dos motivos para o insucesso no médio e longo prazo é o de que mui­
tos pais usam a técnica uma ou duas vezes apenas, e avaliam que a téc­
nica não funciona, com a justificativa de que o filho é muito insisten­
te. Considerando que as dificuldades comportamentais dos filhos são
oriundas de práticas educativas inadequadas por parte dos pais, o tra­
balho do psicólogo no treinamento dos responsáveis se torna funda­
mental para prevenção e tratamento.
490 Terapia cognitiva para crianças de 0 a 6 anos

O treinamento de pais é uma intervenção voltada para os pais


de crianças com problemas de comportamento que não preenchem
necessariamente os criterios para um diagnóstico psicológico. Além de
outros aspectos descritos adiante, tal técnica consiste em ensinar os
pais a desenvolver práticas educativas mais assertivas, valendo-se de es­
trategias de contingência como reforço, punição e extinção.

Treinamento de pais

Há décadas o termo manipulação de contingencias vem sendo


estudado no campo da psicologia e, com o passar dos anos, o termo
incentivou estudiosos a desenvolverem treinamentos para pais modifi­
carem o comportamento dos seus filhos (Dumas, 1989). Dentre os fa­
tores associados às causas de comportamentos problemáticos em crian­
ças pequenas estão os fatores temperamentais e a falta de manejo dos
pais (Stallard, 2010; Zhou, Lengua & Wang, 2009). A falta de pre­
paro, algumas vezes potencializada pela psicopatologia dos próprios
pais, pode afetar negativamente o desenvolvimento da criança, ocasio­
nando um déficit de habilidades comportamentais. Por exemplo, pais
deprimidos podem ter dificuldades em elogiar e incentivar os filhos,
bem como pais com transtorno da personalidade obsessivo-compulsiva
podem ser altamente punitivos e exigentes. Igualmente, pais ansiosos
podem mimar seus filhos, tentando poupá-los de enfrentar dificulda­
des cotidianas, enquanto pais com transtorno da personalidade narci­
sista podem ter dificuldades em estimular seus filhos a serem coopera­
tivos e altruístas. Muitos outros transtornos mentais presentes nos pais
podem dificultar o desenvolvimento saudável dos filhos, o que muitas ve­
zes justifica o encaminhamento dos pais para um tratamento específico.
Existem diversos programas para treino de pais. Esta ferramenta é
considerada um conjunto de técnicas, ao invés de uma técnica isolada. To­
davia, a maioria deles divide aspectos em comum (Barkley, 1997; Cami­
nha, 2011; Forehand & McMahon, 1981; Kazdin, 2005; Murray, 2010).
São direcionados a pais de crianças a partir de dois anos que apresentem,
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 491

por exemplo, problemas como birras, agressões, desobediência, além de


transtornos externalizantes, como o Transtorno de Déficit de Atenção/Hi-
peratividade e aqueles contidos no capítulo de Transtornos Disruptivos,
Controle de Impulsos e da Conduta (APA, 2013).

Quadro 17.1 Principais conceitos do Treino de Pais de Barkley (1997), Fo­


rehand e McMahon (1981) e Kazdin (2005)
Passo 1 Avaliação e entrevista com pais Pode ser utilizada uma entrevista semí-estruturada.
ou cuidadores
Passo 2 Intensificara qualidade de inte­ Introdução do tempo especial (tempo para a família
ração pais- filho(a). passar junto com atenção voltada para criança) e in­
centivar os pais ao uso do reforçamento*.
Passo 3 Aumentar aceitação daquilo que Habilitar os pais a darem ordens curtas, claras e com
os pais pedem, através de pedi­ contato ocular. O terapeuta pode ensinar os pais as
dos simples seguidos de reforço. habilidades necessárias para tais condutas e treinar no
consultório por meio de role-play.
Passo 4 Diminuir o comportamento per­ Utilizar reforços (elogios) e prevenir situações desagradá­
turbador. veis. Por exemplo: após o tempo especial dizer "Nosso tem­
po está quase acabando, vou deixar esse outro brinquedo
para que você se divirta enquanto faço a janta." "Olha que
legal esse brinquedo, você vai se sair muito bem."
Passo 5 Iniciar sistema de economia de 0 sistema de fichas pode ser adaptado para cada idade,
fichas*. utilizando diferente caixas, cofres, e sistemas de conta­
gens, como bolinhas, números ou cores que valem mais
ou menos pontos para trocar por comportamentos.
Passo 6 Iniciar a fase de punições* Retirar pontos do sistema de fichas pelo mau compor­
tamento e introdução do time out*
Passo 7 Revisão dos possíveis proble­ Sanar dúvidas e utilizar tempo da sessão para discuti-las.
mas encontrados no cumpri­
mento das tarefas da economia
de fichas e no time out.
Propor uma sessão para tera­
peuta observar toda a família
interagindo em uma atividade.
Passo 8 Melhorar comportamento em Estabelecer regras e incentivar o cumprimento. Com­
público. binar as estratégias de punições e ou extinção para as
regras não cumpridas.
Passo 9 Antecipação de problemas Auxiliar a prever e prevenir futuros problemas de com­
Revisão de todos os passos. portamento.

Passo 10 Sessões de apoio. O espaçamento entre as sessões pode ser variar con­
Revisão e discussão dos proble­ forme a necessidade de cada família.
mas e soluções encontrados.
492 Terapia cognitiva para crianças de 0 a 6 anos

O terapeuta que treine pais para modificação de comportamen­


to deve ter como meta inicial uma avaliação completa dos comporta­
mentos e do funcionamento familiar. E importante também orientá-
los sobre como praticar as técnicas de reforço, punição, extinção, time
out e economia de fichas.
• Reforço: é uma estratégia comportamental que visa aumentar a
frequência de comportamentos desejáveis. Pode envolver a associação de
algo como elogio ou presente (positivo) ou a retirada de algo aversivo
para a criança como consequência de um bom comportamento (negati­
vo). Entretanto, o conceito de reforço negativo é muito difícil de ser em­
pregado com crianças menores de seis anos, uma vez que dificilmente
existirá uma condição aversiva que possa ser utilizada como exemplo vá­
lido. Se, por exemplo, uma criança considera aversivo ter que guardar os
brinquedos após utilizá-los, deve-se aproveitar tais oportunidades para
ajudar a desenvolver habilidades de organização e não eximi-la de uma
responsabilidade. O que melhor funciona para modificação de compor­
tamento em crianças pequenas é o reforçamento positivo.
• Punição: é uma estratégia comportamental que visa diminuir a
frequência de comportamentos indesejáveis. Pode envolver a associação
de algo como xingamento ou castigo (positiva) ou a privação de um brin­
quedo interessante, a ida a uma festa de aniversário, etc. (negativa). A pu­
nição é mais utilizada para comportamentos agressivos, que causem
dano à criança, a outras pessoas ou, ainda, danos materiais.
• Extinção: é uma estratégia que visa diminuir a frequência ou a
intensidade de comportamentos indesejáveis por meio da ausência de
atenção dedicada a determinado comportamento. E mais utilizada pa­
ra comportamentos de birra ou deboches, por exemplo. Com crianças
pequenas, essa estratégia deve ser avisada quando utilizada (p. ex.: “Fi­
lho, enquanto você estiver debochando de mim, não vou lhe dar aten­
ção”). Dessa forma, evitam-se contatos oculares, e procura-se ficar mais
afastado possível da criança até que o comportamento cesse.
• Time out: é uma técnica para punir (punição negativa) o mau
comportamento. Após o aviso de que a criança passará por tal castigo
se continuar com o mau comportamento, ela é levada a uma cadeira,
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 493

almofada, ou tapete para que passe alguns minutos privada de qual­


quer tarefa agradável. O local deve ser livre de estímulos, como o cor­
redor da casa, por exemplo (Clark, 2009). Muitos pais relatam que
essa técnica não funciona. Ao avaliar cada caso, percebe-se uma difi­
culdade em aplicá-la corretamente. Frequentemente, crianças se recu­
sam a ficar sentadas e os pais cansam de colocá-las novamente. No en­
tanto, quantas vezes forem necessárias, os pais devem levar a criança
novamente para o “canto chato”. Cada vez que os pais cedem às tenta­
tivas da criança em não ficar no canto chato, os boicotes da criança são
reforçados e ficará mais difícil para os pais conseguirem da próxima
vez que tentarem. É importante que os pais evitem expressar raiva ou
descontrole para evitar que a criança entre em um jogo de provocações
com eles. Transparecer calma e firmeza mostra a criança que os pais es­
tão certos do que fazem e que não cederão. Sugere-se que os pais evi­
tem falar além de apenas comunicar que o filho está indo para o canto
chato, pois teve determinado comportamento e ficará lá por alguns
minutos até que os pais o tirem. O tempo pode ser relativo, autores
sugerem que a cada ano de idade seja correspondente a um minuto
(Clark, 2009), mas, na prática, pode variar dois ou três minutos para
mais. Brinquedos também podem ser colocados no time out em situa­
ções em que a criança bata com o brinquedo em alguém ou em algum
móvel da casa, por exemplo, propositalmente.
• Economia de fichas: essa técnica provém do condicionamento
operante e visa premiar por reforço positivo os comportamentos dese­
jados. Utiliza sistema de pontos que pode variar conforme idade e in­
divíduo, como fichas coloridas, notas falsas, cartões com números, etc.
À medida que o paciente for acumulando pontos, ele pode trocar por
recompensas. Além das premiaçóes, a família deve investir esforços em
reforçadores sociais que facilitem a manutenção dos ganhos com a téc­
nica após o seu fim (para maiores informações sobre o uso da técnica,
ver Capítulo 19).

Em uma situação hipotética, podemos entender como tais técni­


cas podem ser utilizadas. Os pais desejam que a criança de dois anos
494 Terapia cognitiva para crianças de 0 a 6 anos

realize as refeições sem jogar comida no chão ou se recusar a comer


adequadamente no cadeirão. É necessário que se entenda primeira­
mente o contexto em que ocorre tal comportamento. Por que a crian­
ça está fazendo isso? O que os pais fazem enquanto ela come? Como
os pais já lidaram com a situação anteriormente? Após essas perguntas
serem respondidas, o terapeuta pode adequar a intervenção ao contex­
to para que as estratégia comece a funcionar.
Será necessário que os pais possam começar a sentar à mesa jun­
to com a criança e dar ordens claras antes do início da refeição. Além
disso, devem ser claros em fazer a criança entender que não irão mais
dar outro alimento para substituir aquele que o filho jogou no chão,
por exemplo. Se a criança começar a comer como o esperado, esse
comportamento deve ser sempre elogiado (reforço positivo). Caso isso
não aconteça ou deixe de acontecer ao longo da refeição, a regra pode
ser dita mais uma vez: “quero que você coma essa comida, senão ficará
sem comer na janta”. Caso a criança inicie com birras, ou fique brin­
cando com a comida, pode-se utilizar a extinção: “não vou lhe dar bola
se você continuar brincando com a comida”.
Muitas crianças conseguem interromper o mau comportamento
quando os pais conseguem usar a extinção de forma correta e reforçar
na primeira oportunidade que houver. No entanto, algumas crianças
são mais persistentes e insistem, o que culmina com o arremesso do
alimento ao chão. Nesse momento, a comida deve ser retirada, a crian­
ça levada ao time out, e após o momento de privação, ela poderá comer
o mesmo alimento que jogou no chão (se possível e higienizado) ou o
que sobrou no prato. Em hipótese alguma o alimento deverá ser troca­
do por outro pelo qual a criança tenha mais apreço.
As dificuldades geralmente encontradas advêm dos pais. Por
exemplo, pais ansiosos podem ficar temerosos de que o filho passe
fome e acabam dando-lhe iogurtes infantis, ou lanches rápidos. O te­
rapeuta infantil deve tranquilizar os pais e fornecer informações que os
ajudem a seguir as orientações em situações futuras. Também é impor­
tante que o terapeuta disponibilize formas de contato emergencial,
como um telefone celular, para no caso dos pais que têm dúvidas no
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 495

momento da situação. Dessa maneira, evita-se que os pais comprome­


tam o bom fluxo do tratamento com uma estratégia inadequada.
Outros exemplos em que essas técnicas podem ser empregadas são as
situações em que as crianças não conseguem ficar sozinhas enquanto os pais
estão fazendo alguma tarefa doméstica, ou têm dificuldades em ver os pais
abraçados assistindo televisão, ou mesmo quando resistem ao momento de
trocar as fraldas e de tomar banho. A importância de se manter uma rotina
diária com crianças pequenas deve ser ressaltada. Dessa forma, é possível
evitar surpresas desagradáveis e auxiliar as crianças no desenvolvimento de
hábitos e seus respectivos horários. Dentre essa rotina, a hora do brincar da
família deve estar presente diariamente.
E importante ressaltar que, por mais que o terapeuta se baseie em
programas de intervenção com pais empiricamente validados, é necessá­
rio levar em consideração as variáveis relativas às limitações individuais.
A falta de disponibilidade dos pais, bem como eventuais problemas
comportamentais e crenças disfuncionais, podem dificultar o alcance
dos resultados. Nesse caso, o terapeuta pode encaminhar pai e/ou mãe
para atendimento individual se houver necessidade. Além disso, avaliar a
forma como os pais se comunicam e como conseguem solucionar pro­
blemas com suas crianças é imprescindível para a efetividade da inter­
venção. Estabelecer expectativas realistas e fornecer conhecimento acerca
do desenvolvimento infantil também auxilia no processo de modificação
do comportamento. Por exemplo, pais que desejam que o filho de três
anos fique sentado durante uma reunião de adultos por mais de duas
horas ou que vá às compras e à missa sem resmungar ou se remexer no
banco da igreja, têm expectativas irrealistas e pouco conhecimento acer­
ca do que uma criança é capaz de fazer nessa idade.

O atendimento à criança
A partir dos dois anos de idade, as queixas podem estar relacionadas
ao medo e à vergonha em determinadas situações. Aos quatro anos, as quei­
xas começam a apresentar um nível de complexidade maior, representando,
além dos já citados, dificuldade no relacionamento interpessoal.
496 Terapia cognitiva para crianças de 0 a 6 anos

As técnicas para o trabalho terapêutico com crianças pequenas


não diferem, em sua essência, das utilizadas com pacientes adultos
ou com crianças maiores. O objetivo é o mesmo: visa promover uma
reestruturação cognitiva. Com crianças pequenas, as técnicas com-
portamentais são mais utilizadas em função da complexidade do en­
tendimento necessário para as técnicas cognitivas, mas ainda assim
o trabalho pela via dos pensamentos é bastante útil se corretamente

A primeira sessão com a criança deve ser uma sessão mais livre
da estrutura convencional da sessão de terapia cognitiva. Nesse caso,
o brinquedo e o jogo são utilizados para facilitar a comunicação en­
tre terapeuta e paciente, até que ambos consigam desenvolver uma
relação terapêutica sustentada. Estabelecer um vínculo seguro é uma
tarefa difícil de se fazer com crianças pequenas. Entretanto, é de
suma importância que se construa essa relação, pois ela permitirá âo
clínico testar as hipóteses do mau comportamento das crianças no
consultório (recusa, birra, agressividade) e depois ensinar estratégias
mais assertivas de enfrentamento sem acarretar no término indeseja-
do do tratamento.
Espera-se que nas primeiras consultas sejam esclarecidos os mo­
tivos para uma criança estar visitando um consultório psicológico ou
psiquiátrico. As crianças se beneficiam de informações como:
• “Você gostou de vir aqui? Nós vamos nos ver toda semana, assim
poderemos brincar um pouco e você pode falar mais sobre as coisas
que você gosta defazer”
• “Gostei muito de lhe conhecer. Algumas vezes vou falar com seus pais
e outras com você, para que possamos passar um bom tempo juntos”.
• “Muitas crianças da sua idade vêm até o meu consultório e eu as
ajudo a se sentirem melhor e a terem mais amigos”.

Da segunda sessão em diante, é possível apresentar a terapia cogniti­


va de uma forma lúdica. Para isso, o terapeuta pode se valer do uso de ma­
teriais de colorir para elucidar o modelo cognitivo. O exemplo de uma
criança de quatro anos ilustra a Psicoeducação do modelo cognitivo:
T: Gui, hoje quero lhe explicar uma coisa que você vai adorar. Para
isso, vou usar esse papel e esses lápis de cor. Você já viu historinhas em
que os personagens têm um balãozinho em cima da cabeça?
P: Sim.
T: Você sabe o que é esse balão?
P: É o que ele está pensando.
T: Muito bem! Como você é esperto! Então, eu vou desenhar aqui um
menino e fazer uns balões, está certo?
P: Aham.

T: Olhe bem para esse menino, vamos dar um nome a ele?


P: Juca!
T: Que nome interessante! Boa escolha!
P: O Juca está diferente nesse desenho e nesse outro, você viu isso?
T: Sim, aqui ele esta triste e nesse ele está feliz.
498 Terapia cognitiva para crianças de 0 a 6 anos

T: Isso mesmo! Por que será que ele está se sentindo feliz num e triste
no outro?
P: Aqui ele está triste por que furaram a bola de futebol dele!
T: Acho que pode ser por isso então que ele está triste.
P: É...
T: E se pudéssemos continuar essa história, o que ele faria depois que
furaram a bola de futebol dele?
P: Ele vai chorar e vai bater no amigo que fez isso.

O exemplo ajuda a explicar o mau comportamento do Juca, que


se deve ao fato dele se sentir triste porque pensou que o amigo tivesse
estragado a bola de propósito. A psicoeducação do modelo cognitivo
pode ser ainda mais rica se mais exemplos forem oferecidos. Além dis­
so, quanto mais exemplos claros e próximos à realidade da criança fo­
rem explicitados, maior será a chance de o paciente entender e se mo­
tivar para prestar atenção no que está sendo exposto.
Além da Psicoeducação, as metas de tratamento também devem
ser definidas já no início do tratamento. O terapeuta pode utilizar pa­
lavras como meta ou objetivo, desde que os pais e a criança entendam
o sentido do termo. O importante é que o paciente entenda que ele
visitará o terapeuta com regularidade, e que este o ajudará até que ele
consiga fazer aquilo que quer (metas).
Há muitas formas tornar essa parte da terapia mais lúdica: é pos­
sível utilizar desenhos que ilustrem um tabuleiro com passos até uma
chegada, degraus que levam ao topo de uma escada, etc. A cada dia
que o paciente tiver um avanço em suas questões, como ter melhores
comportamentos, ter um bom feedback da professora, ou fazer novos
amigos, ele pode avançar na sua escada ou tabuleiro.
Aos poucos a sessão deve ir se transformando para criar certa ro­
tina e estrutura bem próxima da estrutura convencional da TCC para
adultos, proposta por Judith Beck (1997). Autores afirmam que a ses­
são deve obrigatoriamente conter alguns componentes em sua estrutu­
ra, mesmo que a ordem possa ser alterada (Friedberg & McClure,
2004). A inclusão de uma agenda pode ser feita utilizando-se um qua­
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 499

dro grande com canetões para traçar desenhos que podem ilustrar as
partes da sessão, conforme o desenho de exemplo:
500 Terapia cognitiva para crianças de 0 a 6 anos

Após o estabelecimento da agenda, inicia-se o trabalho com o


conteúdo da sessão propriamente dito. Certamente, o conteúdo com
crianças pequenas tende a ser mais curto e bastante concreto, no qual a
criança relata um ou mais episódios da sua semana, que devem ser traba­
lhados pelo terapeuta de forma lúdica nas sessões intermediárias. O ho­
rário do jogo livre é primordial para crianças tão pequenas. Atividades
dirigidas extensas (mais de 15 minutos) podem levar o paciente à exaus­
tão, prejudicando a colaboração do mesmo. A ordem dos trabalhos pode
variar, dependendo da criança e da situação. Por exemplo, se a criança
chega na consulta muito estressada ou agitada, pode-se iniciar com a
hora do jogo livre. Em outras situações, pode-se iniciar com a discussão
dos assuntos da semana e trabalhar com o jogo livre quando o terapeuta
perceber que a criança já está se cansando ou deseja iniciar a brincadeira.
As tarefas de casa podem e devem ser propostas de maneira dife­
rente da forma como é proposta para pacientes adultos ou crianças
mais velhas. O uso de linguagens apropriadas deve ser ressaltado para
que a tarefa não seja encarada como uma cobrança.
O feedback e o resumo de cada sessão pode ser realizado também
com crianças muito pequenas. Perguntas tais como: “o que você achou
do nosso encontro hoje?”, ou: “você poderia me dizer o que você mais
gostou de conversar e de brincar comigo hoje?” podem ser feitas para
o terapeuta obter um retorno sobre como a criança está vendo as ses­
sões de terapia. Além disso, o resumo da sessão com crianças pequenas
é um tópico importante para organizar a informação do que foi feito
durante a sessão e também para se certificar de que o paciente está
acompanhando e ajudá-lo a fixar o conteúdo na memória. Para isso,
sugere-se que o terapeuta, no início do tratamento, apresente para
criança um caderno simples para ser utilizado em todo final de sessão,
sempre que necessário. Nesse caderno deverá haver notas (numerais),
desenhos da criança e os desenhos que o terapeuta utilizou para os
conteúdos da psicoeducação, bem como os que foram utilizarados para
tornar mais lúdica a linguagem durante os encontros. O diálogo a se­
guir exemplifica como o feedback e o resumo da sessão podem ser rea­
lizados com crianças pequenas:
T: Ana, nosso tempo está acabando. O que você achou do nosso en­
contro de hoje?
P: Gostei de brincar com as carinhas diferentes.
T: Que bom! E o que você pode dizer sobre o que aprendeu?
P: Que a gente pode sentir um monte de coisas diferentes, tipo triste,
brabo e feliz.
T: Muito bem, Ana, você é muito esperta! Vamos pegar o seu caderni-
nho de terapia e fazer um desenho sobre isso então?

Psicoeducação do problema do paciente


A Psicoeducação é uma estratégia psicoterápica da terapia cognitiva
que, por si, só pode conduzir alguns pacientes a uma melhora significativa
(para maiores informações, ver Capitulo 1). E importante atentar para a
linguagem e terminologia empregadas, uma vez que as informações preci­
sam ser terapêuticas e úteis para a compreensão do fenômeno. Para os pais,
é imprescindível que o funcionamento da criança e/ou diagnóstico, quan­
do houver, sejam explicados. Algumas vezes é necessário detalhar, na sua
totalidade, considerações acerca da etiología, manutenção e prognóstico,
bem como estratégias de manejo e condução do caso.
502 Terapia cognitiva para crianças de O a 6 anos

Já para as crianças, cada caso deve ser considerado quanto às suas


diferenças e especificidades, não havendo regras rígidas e exclusivas a
serem seguidas. O importante é que a criança entenda porque ela tem
determinados comportamentos, de tal maneira que a ajude na com­
preensão, uma vez que as informações precisam fazer sentido para ela.
O exemplo a seguir demonstra como o terapeuta pode psicoeducar a
criança acerca de uma situação-problema:

T: Às vezes você bate no seu irmãozinho porque acha que seus pais gostam
mais dele do que de você. Mas já vimos que seus pais fazem muitas coisas
legais com você. Na verdade, você pode ser uma menina muito legal com
seu irmão, é só lembrar que seus pais e ele também lhe amam. Vamos dese­
nhar as coisas que mostram que seus pais e seu maninho gostam de você?

Sessões intermediárias

No caso do atendimento a crianças pequenas no consultório,


não existe um consenso sobre a frequência em que os familiares devem
ser atendidos. No entanto, é possível que esse critério seja avaliado por
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 503

cada terapeuta, levando em consideração aspectos individuais de cada caso


e de cada família. Com crianças pequenas é preferível, e na maioria das ve­
zes necessário, que exista um contato a cada sessão. Sugere-se que antes de
atender a criança seja perguntado ao responsável sobre como foi a semana
e uma breve devolução sobre como as orientações passadas foram empre­
gadas. Ao final da consulta, os responsáveis podem entrar na sessão nova­
mente e podemos tanto atualizar sobre o que foi trabalhado na sessão,
bem como convidar o paciente a contar como foi. Essa ultima opção pode
ser uma parte bastante divertida da sessão, pois existem várias maneiras de
se dar essa informação, podendo-se fazer jogos de adivinhação, contar por
meio de desenhos, fazer um teatro, etc.
Mesmo que o terapeuta invista grande parte do tempo em brincar
com o seu paciente, devem existir regras para esse momento, tais como es­
tabelecer as regras do jogo antes de iniciar a brincadeira, que incluem: não
utilizar palavrões nem agressões físicas, não trapacear, dentre outras com­
binações pertinentes para cada situação lúdica. Se alguma dessas regras for
violada, é preciso retomar as combinações e buscar entender junto ao pa­
ciente o motivo da violação. O exemplo a seguir ilustra a situação descrita:

T: Percebi que você ficou muito brabo porque eu estou ganhando o


jogo, por quê?
P: Você deveria me deixar ganhar porque eu sou criança!
T: E quando você perde jogando com seus amigos, como você fica?
P: Eu brigo com eles!
T: Deve ser ruim brigar com seus amigos, por isso eu quero ajudar você a
aprender a perder também. Você vai ver que não é tão ruim assim, ok?

Acessando as emoções
Uma importante parte do trabalho do terapeuta cognitivo infan­
til está em estimular seus pacientes a usarem a linguagem para descre­
ver e vivenciar as suas emoções. Apesar de na primeira infância as áreas
cerebrais vinculadas ao controle emocional serem ainda imaturas, a in­
fluencia externa é uma das mais fortes contribuições para a reatividade
504 Terapia cognitiva para crianças de 0 a 6 anos

emocional da criança. A aproximação dos país para auxiliar o enfrenta-


mento de desafíos emocionais (como a frustração) pode ser negativa ou
positiva, dependendo do nível de envolvimento (Dennis, 2006; Eisen-
berg, Fabes, Nyman, Bernzweig, & Piñuelas, 1994). Pais que se envol­
vem demais em tranquilizar os filhos podem assistir a tuna reação exage­
rada, pois não os estimulam a aprenderem a lidar com as emoções nega­
tivas. E pais que se envolvem de menos podem ser responsáveis por de­
senvolver falta de persistência e maior nível de ansiedade durante os de­
safios emocionais. Entender as emoções e saber reconhecer cada uma
delas talvez seja uma das tarefas mais complicadas de se fazer na primeira
infância, quando não existe o suporte de adultos para esse ensino.
Existem várias formas e materiais para realizar essa educação sobre
as emoções (Caminha & Caminha, 2008, Friedberg & McClure, 2004/
2008; Stallard, 2008). A finalidade é que o paciente entenda que as emo­
ções, incluindo as negativas, podem ser vivenciadas sem necessariamente
causar prejuízo. Por exemplo, posso sentir raiva se um colega me empurra
propositalmente no pátio da escola durante uma brincadeira de pega-pega,
mas o “destino” que a criança dará a essa emoção é o que deve aprender na
terapia. Muitas crianças têm atitudes passivas ou agressivas e poucas conse­
guem estabelecer comportamentos assertivos durante uma emoção negati­
va. Nesse caso, o trabalho de estabelecer uma relação entre a emoção e o
comportamento pode envolver alguns passos:
i. O que são as emoções e quais são elas?
ii. Quais são as situações que nos fazem sentir tais emoções?
iii. Como nosso corpo reage às emoções?
iv. O que podemos fazer para aliviar a emoção negativa?

Crianças muito jovens ainda não estão preparadas para entender


todas as emoções que os adultos podem nomear. No entanto, conhecer
algumas emoções é fundamental. Raiva, tristeza, felicidade e solidão
podem ser entendidas por crianças desde cedo. Existem livros e perso­
nagens que as ilustram ludicamente (Moroney, 2008), mas o terapeuta
pode estimular a criança a construir o conhecimento sobre cada emo­
ção, utilizando perguntas abertas sobre como a ela se sente em deter­
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 505

minada situação ou como o seu corpo fica nessas situações. Mostrar


imagens de pessoas com diferentes expressões e indagar a criança sobre
o que deve ter acontecido para ela estar com aquela expressão também
é uma das formas de se entender sobre emoções e fazer elos com even­
tos cotidianos da vida do paciente.
Mesmo que a criança passe por esses passos, ainda assim o proble­
ma dela não está resolvido. Retomando o exemplo anterior, o colega ain­
da pode voltar a empurrá-la propositalmente. Entender e saber reconhe­
cer as emoções não consiste em simplesmente não reagir aos fatos ruins
que aconteçam, mas sim em estar mais preparado para resolver os pro­
blemas que os eventos ruins desencadeiam. Por isso, o próximo passo é a
estratégia de solução de problemas, que em crianças é bastante diferente
do modo como é empregado aos adultos. Enquanto com adultos é pos­
sível e esperado que o terapeuta instigue o paciente a buscar a solução,
em crianças é mais comum a apresentação de modelos. Fantoches e bo­
necos são instrumentos valiosos para essa modelagem. E possível ence­
nar diferentes desfechos para a mesma história (problema) e averiguar
junto com o paciente em qual ele poderia ter mais sucesso.

Resolução de problemas

E recomendado que o terapeuta inclua cenas da vida real do pa­


ciente para dentro do consultório. Um menino que frequentemente
joga longe os brinquedos dos seus colegas, o que acaba ocasionando
brigas corporais (chutes, mordidas, tapas), é um bom exemplo: o tera­
peuta pode simular uma situação em que aja como provocador, impe­
dindo o menino de tocar no seu brinquedo. Possivelmente, o paciente
se comportará como de costume, podendo atirar o brinquedo do tera­
peuta para longe ou brigando com seu psicólogo ou psiquiatra. Com
essas cenas trazidas para serem vivenciadas no consultório, o terapeuta
pode com mais facilidade ensinar novas estratégias de coping. Provocar
sentimentos negativos nos pacientes é extremamente útil se soubermos
qual o objetivo: desenvolver habilidades ensinando-os a identificar as
506 Terapia cognitiva para crianças de 0 a 6 anos

emoções e ajudando-os a resolver o conflito. Do contrário, a estrategia


será sem sucesso e comprometerá o vínculo seguro que já teña sido esta­
belecido. Crianças de 3,4 a 5 anos são capazes de entender perguntas
como: Notei que você não gostou disso, por quê? Existe outra forma de você
usar o meu brinquedo que não seja me batendo? Posso lhe ensinar uma for­
ma de você poder usar o meu brinquedo sem que você brigue comigo?
Crianças são ótimos ouvintes de histórias e comumente “vivem” os
personagens que conhecem nos livros. Dessa forma, o terapeuta cognitivo
da infancia pode usar livros de história para ilustrar a nova forma de pen­
sar. Com a leitura, a criança pode ser convidada a descobrir o que aquela
narrativa tem a ver com a sua vida, no que ela se parece ou não com o
próprio paciente, e sugerir novas “saídas” para o personagem e até mesmo
mudanças no decorrer no texto. Além de contos de história, o terapeuta
deve ter uma característica bastante importante para o trabalho com crian­
ças: criatividade. Muitas vezes os pacientes, por já ter um ótimo vínculo
terapêutico, se envolvem mais quando é o terapeuta quem lhes conta uma
história, seja dele ou de outros supostos pacientes (fictícios).
Mais adiante, quando o tratamento já evoluiu satisfatoriamente,
é possível agir como o paciente costumava agir (disfuncionalmente) e
avaliar se ele consegue identificar o antigo e manter o novo padrão
comportamental. Muitas vezes, se a terapia tiver evoluído com sucesso,
o paciente reage ensinando o terapeuta a agir de forma correta, e isso
deve ser reforçado pelo terapeuta.

Sessões finais

Com o término do tratamento se aproximando, paciente e tera­


peuta buscam confirmar se os objetivos traçados no início da terapia
foram realmente alcançados. Seja com o tabuleiro criado, com a escada
ou com qualquer outro instrumento criado, é possível fazer uma revi­
são do que foi aprendido e intensificar a generalização das novas habi­
lidades por meio de tarefas de casa. O caderno que foi utilizado duran­
te as sessões pode ser bastante útil para lembrar o que foi feito em cada
sessão ou em períodos do tratamento.
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 507

O último dia de sessão terapêutica deve ser um dia especial que re­
salte todas as competências e habilidades. Ele deve valorizar o sentimento
de poder e de controle do paciente sobre si mesmo. Paciente, terapeuta e
familiares podem fazer uma pequena festinha, uma cerimônia ou apenas a
entrega de um certificado, como os de formatura. A criança se sentirá ain­
da mais motivada para continuar mantendo as suas novas aprendizagens
obtidas com o trabalho terapêutico (Knell & Dasari, 2010).
As sessões finais devem ser utilizadas para revisão do tratamento
e podem ser espaçadas gradativamente. As tarefas de casa nessa etapa
do tratamento devem ter caráter de generalização do que foi aprendi­
do. O terapeuta pode utilizar maior tempo da sessão com os pais para
resolver as dúvidas que porventura restem quanto às formas de mane­
jar e prevenir comportamentos indesejáveis. Além disso, incentivar a
comunicação entre os pais e a escola para que os pais possam ter maior
fidedignidade de como seu filho está se comportando na escola é uma
tarefa importante para o psicólogo.

Considerações finais

Trabalhar com crianças menores de seis anos de idade requer ha­


bilidades específicas do terapeuta, além do conhecimento técnico acerca
de psicopatologia e terapia cognitiva. É fundamental que o profissional
que trabalha com esse público especial tenha motivação, criatividade e
total entrega, a fim de que seja possível ajudar crianças e familiares.
Além disso, é fundamental que se possam adaptar as estratégias
utilizadas com adultos, adolescentes e até mesmo com crianças maio­
res para as particularidades encontradas no trabalho com indivíduos
na primeira infância. A falta de maturidade cognitiva, a pouca capaci­
dade de abstração e até mesmo o funcionamento de memória, diferen­
te dos encontrados nos pacientes adultos, torna bastante desafiador o
trabalho com crianças menores de seis anos de idade.
Apesar da existência de diversos protocolos de terapia cognitiva
para adultos com ferramentas que apresentam inegável validade clíni-
508 Terapia cognitiva para crianças de 0 a 6 anos

ca, a melhor estratégia ainda é a prevenção. Trabalhar hoje para que os


adultos de amanhã sejam mais saudáveis e felizes é a melhor estratégia
terapêutica em saúde mental.

Obrigado com muito carinho, às crianças que cederam seus desenhos


para ilustração desse capítulo: Manuela (3 anos) e Enzo (4 anos)

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Terapia Cognitiva para
Crianças de 7 a 12 Anos

Marina Gusmão Caminha e Renato Maiato Caminha

O modelo cognitivo para crianças, isto é, o que pressupõe que a


atividade cognitiva influencia na resposta emocional e compor-
tamental subjacentes, é o mesmo desenvolvido para a conceitua-
lização em adultos. Contudo, a forma de acessar tais cognições,
emoções e ensinar novos comportamentos apresenta uma mudança
bastante grande, posto que o aspecto lúdico deve estar obrigatoria­
mente presente no trabalho com crianças. Estabelecer protocolos
com validade empírica, capazes de servir como ferramentas terapêu­
ticas nessa faixa etária é de fundamental importância, uma vez que é
na infância que se estabelecem muitos dos padrões observados em
adultos, saudáveis ou não.
W.V.M.

O cenário atual das terapias cognitivas é bastante diversificado se o


compararmos ao dos anos 1980 e 1990. Para os mais variados transtor­
nos mentais, a diversificação de protocolos é imensa e, embora tenham o
modelo racionalista de Beck (2005) como a principal influência, pode-se
arriscar a dizer que no cenário atual houve, além da diversificação, um
grande redirecionamento do modelo cognitivo.
Exemplos desse redirecionamento estão no trabalho de Linehan
(2010) com o transtorno da personalidade Borderline (para mais infor­
512 Terapia Cognitiva para Crianças de 7 a 12 Anos

mações, ver Capítulo 11), o trabalho da terapia dos esquemas de Young


(2003), (para mais informações, ver Capítulo 9) e uma vertente mais re­
cente, mas não menos importante, a Terapia Cognitiva Processual, desen­
volvida por De Oliveira (2008), (para mais informações, ver Capítulo 14).
O cenário das psicoterapias infantis e da adolescência não goza
ainda dessa diversidade, embora, sem sombra de dúvida, grandes avan­
ços tenham acontecido a partir dos trabalhos pioneiros de Friedberge
McClure (2001), Stallard (2010), Jaycox, Reivich, Grilham e Seligman
(1994), Barret et al. (1996 e 1998), Cohén, Deblinger, Mannarino e Ste-
er, (2004), Pelham et al. (2008), Russel et al. (1987) e, principalmente,
Kendall (2000). Kendall foi um dos primeiros a se preocupar em montar
uma estrutura protocolar para a abordagem dos transtornos de ansiedade
na infância, em um protocolo chamado de Coping Cat (Kendall, 2000).
Praticar psicoterapias com crianças requer grande atenção para
uma adequada inserção da ludicidade no setting. Introduzir o lúdico de
modo terapêutico, sem que o lúdico contamine esse processo, é funda­
mental. Em outras palavras, brincar, sem nenhum propósito terapêutico,
não pode ser o foco do “tratamento”.
Na segunda metade dos anos 1990, atendendo a uma grande de­
manda infantil numa clínica-escola, e com a somatória de experiências
em suas clínicas privadas, Caminha e Caminha (2007) publicaram um
instrumento de acesso à criança nos processos de psicoterapia, denomi­
nado Baralho das Emoções.
Partindo da lógica de que o modelo de abordagem de crianças na
clínica inicia-se pelas emoções, os autores se preocuparam em criar um
instrumento que ajudasse a fazer fluir a narrativa das crianças com foco
nas emoções. Mais tarde, esse instrumento permitiu a identificação do
fluxo emocional das crianças, possibilitando, assim, um processo psicoe-
ducativo emocional com ênfase na regulação emocional.
O Baralho das Emoções permite ainda que a criança estabeleça as
metas para o atendimento psicoterápico; no trabalho com os pais, con­
tribui para o entendimento, a aceitação e a validação das emoções de
seus filhos. Com ele, os autores criaram um instrumento que oferece uma
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 513

estrutura protocolar para a abordagem e o trabalho com as emoções na


clínica infantil.
As metáforas são de fundamental importância para que a criança con­
siga criar representações mentais específicas acerca do trabalho que a terapia
irá lhe proporcionar. Assim, a metáfora central do Baralho das Emoções é a
seguinte: as emoções são como ondas, elas nos sacodem, mas passam. Passa­
do o efeito das ondas, conseguimos voltar ao nosso estado normal.
Estabelecidas as bases protocolares desse instrumento, Caminha e
Caminha (2012), através do Baralho dos Pensamentos, incluíram a rees­
truturação cognitiva numa estrutura protocolar sequenciada com o ins­
trumento predecessor o Baralho das Emoções.
Fortemente influenciado pelo trabalho da Terapia Cognitiva Proces­
sual formulada por De Oliveira (2008) (para mais informações, ver Capí­
tulo 14), pelas contribuições de Padesky (1994) e pela da Terapia de Acei­
tação e Compromisso - ACT (Hayes, Pankey&Gregg, 2002) (para mais
informações, ver Capítulo 12), o Baralho dos Pensamentos foi desenvolvi­
do e dividido em algumas etapas: na primeira, utilizando elementos da lin­
guística e da gramática, trabalhando com conectores linguísticos, como
conjunções adversativas, por exemplo, os autores ensinam à criança a capa­
cidade de Reciclar pensamentos do mesmo modo como se recicla o lixo.
Na segunda, a criança é psicoeducada sobre a importância das emoções
agradáveis e seus respectivos pensamentos e comportamentos.
A influência da ACT aparece no processo de aceitação das emoções —
vendo-as como uma onda que vem e vai —, assim como no estímulo à difusão
do pensamento, gerando na criança a ideia de que os pensamentos não são
verdades absolutas sobre ela. Mais adiante, no Baralho dos Comportamen­
tos, a ACT volta a ter grande participação. Aqui temos a metáfora central do
Baralho dos Pensamentos. Cohén e Manarino (1996) propõem uma exce­
lente maneira de denominarmos os pensamentos em terapia com crianças: os
pensamentos que ajudam e os pensamentos que não ajudam. Kendall (2000)
sugere que os representemos como os verdes (os que ajudam) e os vermelhos
(que não ajudam). Barret, Dadds e Rapee (1996) também utilizam essa refe­
rência à cor de pensamentos no programa preventivo Friends.
514 Terapia Cognitiva para Crianças de 7 a 12 Anos

A metáfora central: pensamentos que não ajudam, vermelhos, con­


taminam a nossa forma de pensar e de ver o mundo. O lixo contamina as
cidades e a natureza. Somos capazes de reciclar o lixo e transformar algo
que não ajuda em algo que ajuda, da mesma forma que somos capazes de
reciclar os pensamentos.
Desse modo o Baralho dos Pensamentos apresenta uma estrutura pro­
tocolar que utiliza as palavrinhas que reciclam. A maneira de reciclar também
será praticada fora do setting terapêutico através de exercícios com a Máquina
da Reciclagem e o cartão de enfrentamento, denominado cartão S.O.S. Aqui
temos outra metáfora: S.O.S. é pedido de ajuda. Quando a criança estiver so­
zinha e invadida por pensamentos que não ajudam, pensamentos vermelhos,
ela poderá recorrer ao seu cartão S.O.S., que forma também um acrônimo:
S — Saque o seu cartão;
O — Olhe o seu cartão;
S — Siga o seu cartão.

Completando o paradigma cognitivo composto por emoções, cogni-


ções, comportamento e alterações fisiológicas, surge o Baralho dos Compor­
tamentos (2013). Nele a metáfora central é o denominado Efeito Bumeran­
gue, que consiste no feto de que os nossos comportamentos são emitidos
como se jogássemos um bumerangue. O tipo de comportamento que lança­
mos é o que volta para nós. Por exemplo, uma criança que lança comporta­
mentos agressivos. O que voltará para ela? Hostilidade, agressividade, medo
das pessoas que com ela convivem; enfim, nada de construtivo ou favorável.
No Baralho dos Comportamentos, trabalhamos igualmente a mu­
dança dos comportamentos que não ajudam, ou comportamentos ver­
melhos, através do incremento dos comportamentos que ajudam ou

As estratégias de mudança são trabalhadas mediante algoritmos de


comportamentos descritos na estratégia de resolução de problemas de
D’Zurillae Nezu (1999) (para mais informações, ver Capítulo 3).
Outro elemento importante que compõe o Baralho dos Comporta­
mentos se refere às técnicas capazes de proporcionar a regulação de manifesta­
ções fisiológicas que se apresentam em situações psicopatológicas específicas.
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 515

O Baralho dos Comportamentos, com influência das técnicas ÁeMindfulness,


propõe técnicas para o controle da respiração diafragmática, de relaxamento
muscular progressivo e de experiências meditativas com o item denominado:
“Acalmando a minha mente” (para mais informações, ver Capítulo 7).
Com esse terceiro instrumento, completa-se o modelo cognitivo
plenamente e, a partir de então, os autores montaram uma estrutura pro­
tocolar em duas modalidades. Uma mais curta, baseada em 12 sessões,
com o intuito de validação protocolar de pesquisa, e uma segunda, com
20 sessões, focada numa realidade mais condizente com o dia a dia clíni­
co (estrutura trabalhada pelos autores nos workshops de treinamento
TRI), focada na abordagem clínica.
Decorrente da experiência clínica, surge o modelo preventivo que
visa atender uma população de crianças em fase escolar de 8 a 12 anos, uti­
lizando-se das mesmas técnicas organizadas no modelo clínico, as quais são
voltadas para incrementar a resiliência. O modelo preventivo não objetiva
a atender crianças clinicamente, mas apenas a trabalhar com vistas ao au­
mento de estratégias de coping promovido através do aumento da empatia,
da regulação das emoções, das cognições e dos comportamentos.

Como se Estrutura o Protocolo TRI

O protocolo TRI forma dois acrônimos, o primeiro identificando


a proposta em si e o segundo nomeando as etapas do protocolo. Assim, o
primeiro acrônimo significa: “TRI - Terapia de Reciclagem Infantil”.
O protocolo está dividido em três partes, formando a seguinte or­
ganização:
T — Trabalhe suas emoções,
R — Recicle seus pensamentos
I — Inove seus comportamentos.

Representando essas três fases, o TRI busca integrar os componen­


tes básicos da terapia cognitivo-comportamental utilizando-se dos três
principais instrumentos, o Baralho das Emoções (Caminha & Caminha,
516 Terapia Cognitiva para Crianças de 7 a 12 Anos

2007), o Baralho dos Pensamentos (Caminha & Caminha, 2012) e, por


fim, o Baralhos dos Comportamentos (Caminha & Caminha, 2013).
O TRI, primeiramente desenvolvido para a intervenção clínica em
crianças com quadros ansiosos e depressivos, atualmente passa por um
processo de alterações protocolares, a fim de que tenha uma finalidade
também preventiva, trabalhada em grupos clínicos e/ou escolares. Como
intervenção primária, o TRI busca desenvolver habilidades na infância
que incluem a educação emocional, o desenvolvimento de empatia, a ex­
pressão assertiva das emoções, o entendimento sobre fatores cognitivos e
nossa capacidade de alterar pensamentos, a resolução de problemas, as
habilidades sociais necessárias no convívio com o grupo e familiares, a
compreensão sobre fatores que influenciam o bem-estar e os exercícios
que visam ao relaxamento do corpo e da mente.
Sua primeira aplicação em formato de pesquisa ocorreu através de um
estudo quase-experimental em âmbito escolar, conduzido por Kreitchmann,
Caminha e Soares (2013), o qual visava avaliar a eficácia de cinco sessões com
o Baralho dos Pensamentos como intervenção universal para ansiedade e com­
portamentos sociais em 52 adolescentes de 11 a 17 anos. A avaliação, tanto do
grupo-controle como do grupo experimental, foi feita em três momentos: pré,
pós e seguimento de um mês. Foram aplicadas as versões brasileiras do Spence
Childrens Anxiety Scale (SCAS) e do Questionário de Capacidades e Dificul­
dades (SDQ), além das avaliações do grau de crença nos pensamentos disfun-
cionais no grupo experimental, próprias do Baralho dos Pensamentos.
A análise estatística, tomando a avaliação basal como referência,
apontou melhora significativa nos escores totais do SCAS para os dois
grupos na avaliação pós-teste, sugerindo a influência de efeito placebo no
grupo-controle. No entanto, apenas o grupo quase-experimental apre­
sentou melhora significativa quando analisado o seguimento. Conside­
rando somente as subescalas de ansiedade avaliadas com o SCAS, o mes­
mo tipo de melhora ocorreu para os sintomas de ansiedade generalizada.
Melhoras significativas em ansiedade de separação e comportamentos pró-
sociais foram observadas apenas para o grupo quase-experimental, tanto
no pós-teste, quanto no seguimento. Observou-se também uma redução
significativa do grau de crença nos pensamentos disfuncionais trabalhados
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 517

na primeira fase do BP. Além disso, foi encontrada correlação significativa


moderada entre a redução da crença nos pensamentos disfuncionais e a
melhora em sintomas de problemas de conduta (SDQ), comportamentos
pró-sociais (SDQ), ansiedade de separação (SCAS), obsessivos compulsi­
vos (SCAS), pânico e agorafobia (SCAS), medos de lesões físicas (SCAS).
A análise entre os tempos de avaliação (pré, pós e seguimento) e grau de
risco para transtornos de ansiedade (alto e baixo, tomando escore 42 no
SCAS como ponto de corte, utilizado em outros estudos) indicou intera­
ção significativa entre o a melhora de sintomas e o grau de risco. Tal resul­
tado sugere ainda que a intervenção funciona significativamente melhor
para os adolescentes com maior risco para transtornos de ansiedade.
Diante de tais resultados, utilizando apenas as sessões “R — Recicle
seus Pensamentos”, com cinco encontros grupais, a próxima etapa será ve­
rificar o impacto que a intervenção completa terá em grupos com crian­
ças entre 8 e 12 anos.

As sessões TRI

As sessões do TRI serão explicadas aqui, dentro do protocolo clí­


nico e não do protocolo preventivo:

Sessões “T — Trabalhe suas Emoções”:


Consideramos importante que pelo menos três sessões sejam utili­
zadas para a primeira etapa. Essa é a etapa que introduz o conceito de
Emoções, explicando-as através da psicoeducação com o uso das cartas
do Baralho das Emoções (Caminha & Caminha, 2007).
A intervenção é iniciada através das seis cartas, de meninos ou de me­
ninas das emoções primárias (alegria, amor, medo, tristeza, raiva e nojo), di­
vididas como emoções agradáveis de sentir e desagradáveis de sentir. Essa no­
menclatura visa romper com termos como positivas e negativas, já que o ob­
jetivo da primeira etapa do protocolo é também o de validar as emoções.
Muitas crianças, assim como os pais e mesmo os educadores, ten­
dem a nomear emoções como a raiva, por exemplo, como algo “feio” ou
518 Terapia Cognitiva para Crianças de 7 a 12 Anos

“ruim”, correndo o risco de que a criança se identifique como ruim ou má


pelo fato de senti-la. Ao entender que todos nascem com a capacidade de
sentir essas emoções e que todos as sentem em uma frequência e intensi­
dade diferentes, aprende-se que é comum e mesmo saudável sentir tudo
isso. Sendo assim, nessa etapa, as crianças são educadas sobre as emoções
básicas, e depois sobre as outras 14 emoções denominadas secundárias.
Também nessa etapa são convidadas a fazer relação entre as principais si­
tuações desencadeadoras dessas emoções, os comportamentos que se se­
guem e os pensamentos que as acompanham, construindo um registro de
pensamentos nomeado no TRI de “Plaquinhas”, adaptado para a fase de
desenvolvimento que as crianças se encontram.

Cartinhas das emoções básicas, na figura do menino:


Estrategias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 519

Além dessas seis emoções básicas apresentadas e trabalhadas no


início da intervenção, num segundo momento, as crianças são apresenta­
das às outras 14 cartas das emoções denominadas secundárias, e apren­
dem a fazer a relação entre as mesmas.
Objetivos do Baralho das Emoções:
• Ajudar no processo diagnóstico através de monitoramento;
e Avaliar a habilidade de ativação, reconhecimento, intensidade e
adequação de respostas emocionais (balanço das emoções);
• Validar as emoções infantis;
» Psicoeducar a criança quanto aos processos emocionais;
e Acompanhar e modificar estados patológicos em uso combinado
com outros processos, por exemplo, BP e BC.
9 Facilitar a elaboração de um Registro de Pensamentos;
• Facilitar a elaboração de um Diagrama Específico de Conceitua-
lização Cognitiva (Caminha, Caminha & Soares, 2011).
• Colaborar para o desenvolvimento de empatia e resiliência atra­
vés de exercícios específicos.

Nas sessões “T”, a ênfase no desenvolvimento da empatia se dá


através de exercícios que ajudam a criança a colocar-se no lugar do outro
e a imaginar como o outro se sente em determinadas situações. A impor­
tância desse trabalho com crianças justifica-se pelo fato de que, quanto
mais cedo uma pessoa reconhece a dor do outro, mais empática e mais
cuidadosa será em suas relações.
Na obra de Jean Piaget, os estágios do desenvolvimento infantil es­
tão divididos em sensorio motor, pré-operatório, operatorio concreto e
operatorio formal. Piaget (1970) afirma que é na fase pré-operatória, en­
tre os 7 e 11 anos de idade, que a criança consegue evoluir do egocentris­
mo para uma visão mais ampla do outro. Ele foi bastante criticado pelo
uso do termo “egocentrismo”, mas o que queria dizer era que, antes da
conclusão da fase pré-operatória, a criança teria pouca ou nenhuma habi­
lidade para ver o mundo a partir do olhar do outro. Não significaria que
a criança estivesse totalmente centrada em si mesma, mas sim que perce­
bia o ponto de vista do outro a partir do seu próprio (Pádua, 2009).
520 Terapia Cognitiva para Crianças de 7 a 12 Anos

Diante disso, ganha relevo a ideia de que essa etapa é a melhor para
o inicio dos exercícios relacionados ao desenvolvimento da empatia. Seria
o momento propicio para que a criança, diante da possibilidade de se co­
locar no lugar do outro, pudesse ser encorajada e fortalecida nessa fun­
ção. Tal habilidade teria uma forte influência no convívio social, incre­
mentando habilidades sociais e de cuidado com os outros, e diminuindo
problemas como agressão e bullying.
O desenvolvimento da empatia, bem como a regulação emocio­
nal, tem forte conexão com o desenvolvimento da resiliência, outro im­
portante fator reconhecido no programa.
Para Reinecke, Dattilio e Freeman (2009), uma série de fatores
como a aquisição de habilidades afetivas, cognitivas, sociais e vocacionais
influenciam no desenvolvimento emocional, e comportamental infantil.
Diante disso, o programa TRI privilegia, nessa primeira etapa, exercícios
e jogos que buscam auxiliar as crianças, bem como os seus pais, no seu
desenvolvimento e fortalecimento emocional.
A seguir como está dividida a etapa “T” atualmente no programa
clínico protocolar, lembrando que ele foi adaptado para um tamanho
compacto para fins de pesquisa. Nesse programa, as sessões acontecem
individualmente e tem duração de uma hora.

Sessões T

Sessões Competência Emocional - Sessões T Descrição Técnica

Sessão 0 - com os pais Explicar o protocolo TRI e os passos T


Psicoeducar sobre emoções: reconhecer,
validar, quan ficar e adequar reação emocional

Sessão 1-com o paciente Aplicar protocolo do BE:


Em todas elas breve feedback das Psicoeducar sobre emoções: aplicar trabalho
combinações no início da sessão e com emoções primárias e após com as emoções
precrição de tarefas no final da sessão secundarias escolhidas pela criança.
com os pais. Tarefa de casa: monitoramento das emoções.

Sessão 2 - com o paciente Revisão de tarefas, feedback da semana.


Aplicar: exercícios de empa a.
Tarefa de casa: exercícios de empa a para a
família.
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 521

Sessões “R — Recicle seus Pensamentos”:


A segunda fase, denominada “R”, significa “Recicle seus pensamen­
tos”. Essa é a fase mais delicada do programa, já que o conceito de rees­
truturação cognitiva para uma criança é, por si só, complexo. Porém, ape­
sar de complexos, podemos afirmar que os procedimentos dessa fase são
possíveis de serem aplicados e, dentro de um modelo cognitivo-compor-
tamental, essa fase é indispensável.
Crianças entre 6 e 8 anos de idade apresentam, nessa fase, grandes
avanços em suas funções executivas, aumentando sua capacidade neurop-
sicológica e possibilitando gradativamente a introdução de intervenções
cognitivas.
Retomando Piaget (1970), é nessa faixa etária que as crianças dei­
xam o estágio pré-operatório, do pensamento egocêntrico e concreto, e
iniciam o estágio operatorio concreto, o que significa afirmar que é nesse
período que a criança desenvolve uma capacidade de interiorizar ações e
de realizar operações mentalmente. Também aumenta aí a capacidade de
a criança estabelecer relações e de coordenar pontos de vista diferentes,
bem como de integrá-los de modo lógico e coerente.
A entrada da criança nesse estágio assinala um momento decisivo
na construção dos instrumentos do conhecimento. Ações interiorizadas
ou conceitualizadas com que o sujeito trabalhava anteriormente adqui­
rem a categoria de operações (Piaget, 1970).
Para Bunge, Mandil e Gomar (2010), crianças na fase dos 7 aos 11
anos estariam capacitadas a trabalhar com algumas intervenções cogniti­
vas simples, com um grau moderado de limitação para o trabalho cogni­
tivo. A partir dos 11 anos apresentariam baixo grau de limitação cogniti­
va, já que começam a contar com uma capacidade maior para trabalhar
com categorias abstratas e classes lógicas.
Numa revisão que incluiu 101 estudos de terapia cognitiva com
crianças, 79% destes com crianças menores de 10 anos de idade, experi­
mentos com terapia cognitiva mostraram-se eficazes mesmo com crian­
ças de até 7 anos, apresentando queixas que variavam entre ansiedade,
enurese, encoprese, abuso sexual e problemas escolares (Stallard, 2004).
522 Terapia Cognitiva para Crianças de 7 a 12 Anos

Partindo dessa concepção acerca da viabilidade de intervenção


cognitiva nessa faixa etária, foram organizadas quatro sessões para a eta­
pa “R” no protocolo de pesquisa em intervenção clínica. Nessas sessões,
além da psicoeducação quanto ao papel dos pensamentos em nossas vi­
das, procura-se ensinar à criança a capacidade de identificar e modificar
os pensamentos que atrapalham. Utilizando a técnica denominada “reci­
clagem”, a criança aprende a utilizar as palavrinhas que permitem trans­
formar os pensamentos que não ajudam, ou que “poluem” em pensamen­
tos que ajudam. O Baralho dos Pensamentos (2012) é o principal instru­
mento de trabalho nessa etapa, e as crianças, bem como os pais, são ins­
truídas a utilizar a máquina da reciclagem e o cartão S.O.S. quando ati­
vam um pensamento que não ajuda.
Ainda no Baralho dos Pensamentos, na segunda fase, a criança é
estimulada a trabalhar com os pensamentos derivados das emoções agra­
dáveis . Nesse segundo momento, em vez da utilização da máquina da re­
ciclagem, é introduzido o conceito de máquina da difusão, visando a di­
fundir comportamentos derivados de emoções agradáveis e pensamentos
que ajudam. Este é o conceito fundamental na T.R.I., sendo denominado
Expressão Assertiva das Emoções.
Objetivos do Baralho dos Pensamentos:
• Partindo das Emoções básicas, trabalhar com a reestruturação cog­
nitiva de crianças através do trabalho com crenças intermediárias;
• Psicoeducar crianças e seus pais quanto a emoções e pensamentos;
• Estimular o comportamento assertivo;
» Ampliar o papel do terapeuta, visando a tornar-se um promotor
de consciência e de engajamento social, além de consciência e
engajamento ambiental;
« Integrar os princípios de Mindfulness.
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 523

Sessões R

Sessões de Competência Cogni va Descrição Técnica

Sessão 3 - com os pais Explicar os Passos R


Psicoeducar quanto aos processos cogni vos.
Ensinar: as palavrinhas que reciclam, máquina
da reciclagem, cartões S.O.S. e a máquina da
difusão.

Sessão 4 - com o paciente Aplicar BP fase 1.


Tarefas: máquina da reciclagem e S.O.S.

Sessão 5 - com o paciente Revisara intensidade dos pensamentos


trabalhados na sessão anterior. Máquina da
Reciclagem para pensamentos persistentes.
Criar pensamentos novos com ques onamento
socrático.
Tarefas de casa: máquina reciclagem e S.O.S.

Sessão 6 — com o paciente Aplicar BP fase 2 para emoções agradáveis de


sentir amor e alegria.
Tarefa de casa: máquina da difusão e S.O.S.,
expressar assertivamente os comportamentos

Sessões “I — Inove seus Comportamentos”:


Na sequência, chega-se à fase três, chamada “I”. Essa fase é subdivi­
dida em algumas partes:
1. O trabalho com o conceito do “Efeito bumerangue”, já explica­
do anteriormente, e com o conceito do “Bem-estar”. E funda­
mental que criança entenda que bem-estar é uma emoção que
equilibra emoções. Quando a sentimos, não estamos sendo in­
vadidos nem por uma onda forte de uma emoção agradável nem
por uma onda forte de uma emoção desagradável.
2. A introdução de comportamentos verdes e vermelhos a partir
das cenas comportamentais. Nessa etapa, o objetivo é ensinar,
através dos cartões das cenas comportamentais, com ilustrações
e historinhas, o conceito de cada um dos dez principais com­
portamentos escolhidos pelos autores como comportamentos
que ajudam a desenvolver as habilidades sociais das crianças e
524 Terapia Cognitiva para Crianças de 7 a 12 Anos

seus respectivos opostos. Por isso, de um lado, apresentam-se os


cartões verdes com comportamentos que ajudam, e, de outro
lado, os cartões vermelhos com os comportamentos que não
ajudam. Além de ensinar as crianças, a proposta é que elas tam­
bém reflitam sobre seus próprios comportamentos e a frequên­
cia com que os mesmos aparecem em suas vidas. Com a utiliza­
ção do termômetro duplo, a criança aponta a intensidade e fre­
quência de suas atitudes. Depois é convidada a avaliar, dentro
de etapas de um bumerangue, quais as vantagens ou desvanta­
gens de tais comportamentos.
3. A técnica da resolução de problemas adaptada à infância aju­
da a criança a criar estratégias para desenvolver, dentro de um
algoritmo, comportamentos que possam ajudá-la diante de
seus problemas. Seguindo um passo a passo, ela organiza a se­
quência daquilo que deve fazer para que seu plano funcio­
ne. O terapeuta também irá ajudar na organização dos papéis
nes-se passo a passo, já que, na maioria das vezes, isso envol­
ve outros participantes, como familiares, professores e o pró­
prio terapeuta, utilizando o banco de reforços e a caixa de fer­
ramentas.
4. A psicoeducação quanto ao relaxamento do corpo e da mente.
Utilizando as carrinhas que ensinam a respirar e a relaxar, a
criança é convidada a exercitar posições que irão auxiliá-la nesse
relaxamento. De modo lúdico e baseado em conceitos da Min­
dfulness, permite-se à criança aprender facilmente a utilizar o
corpo e a guiar a mente de forma que a relaxe e a ajude.
5. Por fim, a apresentação do “ABCDE”, que ensina comporta­
mentos necessários para a saúde da criança (Amar- Brincar-
Comer- Dormir- Estudar), como elemento de prevenção de
recaída e de manutenção dos resultados alcançados.

Ao final da etapa “I”, o programa tem um encerramento, que nas


sessões clínicas envolve a certificação da criança e dos familiares.
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 525

Objetivos do Baralho dos Comportamentos:


• Compreender o papel do bem-estar, como um equilíbrio de
emoções.
• Desenvolver atitudes cooperativas no convívio com família e
grupo social.
• Desenvolver habilidades sociais.
• Compreender o impacto de nossas atitudes na vida alheia.
• Desenvolver estratégias para o enfrentamento e a resolução de
problemas.
• Aprender estratégias para relaxar.
• Compreender a importância dos comportamentos “ABCDE”
(amar, brincar, comer, dormir e estudar), como aspectos de uma
rotina saudável
• A seguir a organização das sessões “I”.

Sessões I
Sessões de Competência Comportamental Descrição Técnica

Sessão 7 - com os pais Explicar os passos


Psicoeducar sobre processos comportamentais;
efeito bumerangue, bem estar, cenas
comportamentais.

Sessão 8 — com o paciente Trabalhar cenas comportamentais eleitas pelo


terapeuta conforme problema apresentado
pelo paciente.

Sessão 9 - com o paciente Trabalhar com o caderno 1

Sessão 10 - com o paciente (inserção dos Trabalhar com o caderno 2


pais nos exercícios. Não é uma sessão
específica para país).

Sessão 11 - com pais e paciente Revisar todas as etapas trabalhadas.


Destacar o banco de reforços, tarefas de
manutenção, prevenção à recaída.
Prescrever ABCDE e Certificação da família
e paciente no programa.
526 Terapia Cognitiva para Crianças de 7 a 12 Anos

Considerações finais

A TRI - Terapia de Reciclagem Infantil, teve seu inicio pautada


no trabalho com as emoções da criança, visando a um acolhimento da
problemática do paciente infantil, bem como a um aprimoramento de
recursos que possibilitassem o acesso à criança através do Baralho das
Emoções (Caminha e Caminha, 2007). Diante dos bons resultados en­
contrados, os autores desenvolveram outras duas ferramentas clínicas, o
Baralho dos Pensamentos (2012) e o Baralho dos Comportamentos
(2013), os quais vieram integrar o sistema cognitivo e comportamental
da terapêutica infantil, formando assim o protocolo TRI.
Atualmente, o TRI pode ser desenvolvido como modelo clínico
em aproximadamente 20 sessões, e tem um protocolo reduzido nas 12
sessões aqui apresentadas, com finalidade de pesquisa. Em breve o proto­
colo de TRI-P (Trabalho de Reciclagem Infantil - Preventivo) também
estará sendo testado, visando a alcançar crianças que não apresentem
quadros clínicos, numa modalidade de promoção e prevenção com foco
nas crianças e em seus familiares.
Nos últimos anos, a literatura científica teve um significativo au­
mento no que diz respeito às práticas cognitivo-comportamentais e aos
protocolos de intervenção na infância e na adolescência. Apesar disso, no
Brasil, ainda é escassa a publicação de protocolos desenvolvidos com o
objetivo de tratar crianças dentro de nosso contexto sociocultural. A pro­
posta clínica do TRI vem ao encontro desse objetivo de intervir e pro­
mover saúde dentro da nossa realidade infanto-puberal através de um
protocolo estruturado que utiliza instrumentos e elementos necessários
para o acesso desse público, o qual tem apresentado cada vez mais preco­
cemente quadros clínicos que requerem atenção.
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 527

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19
Terapia Cognitiva no
Contexto Pré-Escolar

Débora Cristina Pava

O trabalho do psicólogo na escola pode ir muito além do encami­


nhamento de alunos-problema ou ainda da simples escuta das de­
mandas de professores> pais e instituição. A proposta de intervenção
na pré-escola é uma realidade ainda pouco conhecida no Brasil. Uma
vez que a escola é um ambiente rico para o desenvolvimento de habi­
lidades - sejam elas cognitivas, afetivas, comportamentais ou ainda
de socialização. Trabalhar dentro de uma abordagem cognitivo-com-
portamental implica em orientar, treinar, intervir e prevenir.
W.V.M.

A Psicologia Escolar é uma área que tem suscitado reflexões acer­


ca da identidade dos seus profissionais e sobre a necessidade de redefi­
nição do papel do psicólogo na escola (Dei Prette, 1999; Gomes,
1999) . Alguns autores afirmam que a atuação dos psicólogos escolares
no cenário educacional é bastante diversificada (Correia 6c Campos,
2000) . O psicólogo que atua na educação deve possibilitar ao profes­
sor o acesso ao conhecimento psicológico relevante para sua tarefa de
transmissão e construção do conhecimento (Andaló, 1991; Leite,
1991; Taverna, 1991). Além disso, precisa definir melhor o seu papel
dentro das instituições escolares (Carvalho & Souza, 2012). Para Zins
530 Terapia Cognitiva no Contexto Pré-Escolar

e Erchul (2002), o serviço de psicologia escolar (ou consultoria esco­


lar) define-se como um método de prevenção no qual a escola e o psi­
cólogo formam uma relação de parceria e se engajam num recíproco e
sistemático processo de resolução de problemas, em que o objetivo é
promover bem-estar e bom desempenho aos estudantes.
Atualmente, a maioria das escolas tem psicólogos trabalhando
com abordagens teóricas diferentes da Terapia Cognitivo-Comporta-
mental (TCC). Pelo caráter menos objetivo da maioria dessas correntes
teóricas, o encaminhamento acaba sendo a intervenção adotada para
alunos com problemas de comportamento e professores com dificulda­
des para manejar a classe. Nos últimos anos a TCC tem se mostrado
muito eficiente pra crianças e adolescentes com problemas cognitivos,
emocionais e ou comportamentais. Tal modelo de intervenção se propõe
a trabalhar com o modo pelo qual a criança interpreta as experiências
que vivencia e a forma com que seus pensamentos influenciam o funcio­
namento emocional e comportamental. Dado que a TCC é uma prática
orientada no presente, que busca ter um tempo reduzido quando com­
parada com outras abordagens teóricas, e é voltada para a resolução de
problemas e ao alcance de metas, ela se mostra facilmente adaptável em
diversos ambientes. Psicólogos clínicos com ênfase em infância e settings
escolares, ou psicólogos escolares podem utilizar o entendimento e téc­
nicas da TCC como um continuum da prevenção, da identificação pre­
coce dos sintomas, das intervenções e do direcionamento para tratamen­
to psicoterápico, quando necessário (Christner & Alien, 2003).
De maneira geral, nas últimas décadas, o espaço do psicólogo es­
colar nas escolas tem sido ocupado por psicopedagogos e profissionais
que voltam seus trabalhos para o atendimento das crianças com dificul­
dades escolares. A elas são atribuídos diagnósticos de transtornos men­
tais, principalmente de déficit de atenção e hiperatividade, abrindo espa­
ços para os encaminhamentos a clínicos e à medicalização. O desafio
principal da Psicologia Escolar é o de inserir o conhecimento teórico e
prático para dentro do setting escolar. À medida que já existem propostas
interessantes e críticas de intervenção no campo da educação, estas pre­
cisam se tornar mais visíveis entre os psicólogos (de Souza, 2009).
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 531

Além do trabalho clínico com os pais, ou com os pais e a criança, a


escola é um ambiente que merece atenção, pois cerca de 80% das crianças
no Brasil frequentam a pré-escola (Agência Brasil, 2013; Brasil, 2009).
Elas passam a maior parte do seu tempo no contexto escolar, convivendo
com uma diversidade complexa de habilidades e preferências dos colegas,
e interagindo diretamente com professores. Nesse cenário, o padrão com-
portamental se apresenta de forma intensa e o ambiente se configura em
um local fundamental para avaliação e a intervenção do psicólogo.
Em outros países, pesquisadores, famílias e educadores de infância
buscam intervenções bem evidenciadas para manejar crianças pequenas
com comportamentos desafiadores e para evitar o surgimento de proble­
mas de comportamento (Gilliam & Shabar, 2006; Joseph & Strain,
2003). Alguns programas foram desenvolvidos, tais como a série de trei­
namento Anos Incríveis (Webster-Stratton & Reid, 2004), Triple P: Po­
sitive Parenting Program (Sanders, Markie-Dadds & Turner, 2003) e o
Parent Plus (Matson, Mahan & LoVullo, 2009), que podem ser adapta­
dos nas escolas. No entanto, a maioria dos programas desenvolvidos não
são destinados a crianças que exibem problemas sociais e emocionais que
não fazem parte ainda de um grupo específico de transtorno mental
(Conroy Sc Brown, 2004; Powell, Fixsen, Dunlap, Smith, Sc Fox, 2007).
Em suma, os programas têm se centrado em tratar e “remediar” a situa­
ção de algumas crianças, mas falham em atender as necessidades de to­
das as outras crianças de um ambiente pré-escolar comum.
Dessa forma, os educadores investem grande parte do tempo
atendendo as necessidades de algumas crianças mais desafiadoras e dei­
xam de favorecer o desenvolvimento e a aprendizagem de outras crian­
ças no mesmo ambiente (Fox, Dunlap, Hemmeter, Joseph Sc Strain,
2003), o que pode ocasionar o surgimento de dificuldades comporta-
mentais em outras crianças. Nos últimos anos, o campo da terapia in­
fantil tem experienciado algumas mudanças, dentre elas, o treinamen­
to de “paraprofissionais” (Schaffer, 2010), ou seja, pessoas que atuam
diretamente com as crianças: pais, professores e colegas. Na medida
em que se entre no ambiente natural do paciente, há mais chances de
generalização das estratégias aprendidas no tratamento.
532 Terapia Cognitiva no Contexto Pré-Escolar

A terapia cognitiva buscou desenvolver modalidades de trata-


mentó para crianças menores de seis anos. Estudiosos demonstram a
eficácia de tratamentos para problemas de comportamento, que incluem
a terapia cognitiva individual, a terapia com pais e crianças e a terapia
voltada para intervenções com pais apenas (Barkley, 1997; Friedberg &
McClure, 2008; Caminha & Caminha, 2011; Grave & Blissett, 2004;
Manassis, 2009; Stallard, 2008). No entanto, educadores continuam
observando o comportamento desafiador das crianças com maior pre­
ocupação (Hemmeter, Santos, & Ostrosky, 2008).
O trabalho clínico em terapia cognitiva, individual ou com os
pais, busca orientar e auxiliar na resolução de problemas e melhora de
sintomas já estabelecidos. Antes de esses sintomas — por exemplo, o
mau comportamento — terem se estabelecido, havia alguns sinais que
marcavam o início gradativo de dificuldades comportamentais. A idéia
central de ter os fundamentos da terapia cognitiva atuando nas pré-es-
colas e escolas é justamente poder evitar que essas características ini­
ciais se tornem prejudiciais ao desenvolvimento. Além disso, fornecer
substrato teórico e prático a professores infantis pode ser essencial para
um adequado desenvolvimento socioemocional das crianças.
Uma metanálise feita por Durlak e Wells (1997) reuniu dados
de programas de prevenção primária. Verificou-se que os programas
foram dirigidos à modificação do ambiente escolar, modificação de
estratégias individuais de enfrentamento e habilidades para lidar com
períodos estressantes no curso da vida. Os resultados da metanálise
demonstraram consistência no que diz respeito à produção benéfica
de programas de intervenções primárias sobre a redução de proble­
mas sociais e emocionais e sobre o aumento de competências em
crianças e adolescentes. Os programas focados no ambiente, a maio­
ria deles a escola, atingem pais e professores, e incluem práticas para
aprimoramento do manejo da classe por parte dos profissionais da
escola e o aumento em práticas educativas saudáveis por parte dos
pais. A abordagem empregada em sua maioria foi oriunda das tera­
pias comportamentais e cognitivas.
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 533

Desenvolvimento socioemocional

Existe uma considerável associação entre os desenvolvimentos


cognitivo e social das crianças (Selman, 1976). As crianças de dois a
seis anos estão se preparando para aprender a se vincular emocional­
mente a familiares e cuidadores, para aprender a distinguir o certo
do errado, começar a desenvolver autocontrole e a respeitar regras e
autoridades. Esses aspectos sociais e cognitivos estão fortemente re­
lacionados às interações com os adultos. Qualquer pessoa pode traçar
algo significante na personalidade de uma criança. Espera-se que pro­
fessores de jardins de infância contribuam para uma boa e adequada
forma de pensar, sentir e agir, em contrapartida, também podem in­
fluenciar na formação de problemas emocionais e transtornos psiquiá­
tricos (Bolsoni-Silva, Marturano, Pereira, & Manffinato, 2006).
Pais e professores costumam ser os maiores observadores do
comportamento das crianças e os que mais atuam nas suas relações.
Além disso, são auxiliares dos psicólogos, tanto nas pesquisas como nas
práticas profissionais (Bolsoni-Silva, Maturano, Pereira, & Manfrina-
to, 2006), na medida em que descrevem os comportamentos e que re­
cebem treinamentos para operarem de forma mais assertiva. Portanto,
ressalta-se a seriedade da capacitação dos cuidadores na escola, tanto
para o manejo do comportamento como para a identificação de sinto­
mas e sinais, a fim de dar-se início a estratégias de prevenção dos trans­
tornos mentais e para que se possa atuar na melhor formação do de­
senvolvimento cognitivo e social das crianças.
Em outros países, é documentado que um bom desenvolvimen ­
to socioemocional durante os anos pré-escolares está positivamente re­
lacionado com mais sucesso na escola e na vida (Shonkoíf & Phillips,
2000). Por isso, há algumas habilidades que devem ser desenvolvidas
necessariamente no período da primeira infância: habilidades de reco­
nhecer e de expressar emoções apropriadamente, de manter boas rela­
ções com outras crianças e com adultos, de persistência em atividades
que exijam certo nível de dificuldade, habilidades para o desenvolvi­
mento de condições de seguir orientações e de participar adequada-
534 Terapia Cognitiva no Contexto Pré-EscoIar

mente de atividades em grupo, habilidade para a resolução de proble­


mas e para o manejo de emoções negativas de forma funcional. Habi­
lidades socioemocionais referem-se àquelas que possibilitam que a
criança estabeleça um relacionamento saudável com seus pares e com
adultos. Dessa forma, esse conjunto de habilidades permite à criança
lidar bem com o estresse e com os problemas, controlar os impulsos,
encarar emoções negativas com maior desenvoltura, bem como moti­
var-se para o alcance de objetivos (Duda, Dunlap, Fox, Lentini, &
Clarke, 2004; Thompson, 2002). Saber reconhecer limites e apresentar
identificação e reciprocidade para com o outro fazem parte de um
bom desenvolvimento socioemocional. Portanto, é necessária uma
adequada dinâmica emocional para suportar as frustrações e conseguir
repertório comportamental que esteja suficientemente de acordo com
o contexto em que a criança está inserida.
Se considerarmos que as escolas e pré-escolas são grandes forma­
doras do desenvolvimento cognitivo, emocional, comportamental e
social das crianças, e, além disso, são o sistema onde as crianças estabe­
lecem grande parte das suas relações. E fundamental, portanto, colocar
em prática a inserção das TCC nesses ambientes. A interface das práti­
cas clínica e escolar pode intervir e evitar uma extensa gama de proble­
mas psicológicos no decorrer do desenvolvimento.

A relação aluno-professor

Na primeira infância os vínculos mais importantes, assim como


os cuidados e estímulos necessários para o adequado desenvolvimento,
são providos inicialmente pela família e, após, pela escola. A qualidade
dos cuidados físicos e afetivo-sociais é proveniente de condições está­
veis nesses contextos sociais (Baumrind, 1996; Zamberlan & Biasoli-
Alves, 1996).
A interação da criança com o adulto e também com os pares é um
dos elementos mais importantes para a adequada estimulação do bom
desenvolvimento. A maneira como os adultos se relacionam e se aproxi-
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 535

mam das crianças contribuem para que a criança desenvolva sua percepção e
aprenda a controlar seu comportamento (Baumrind, 1996; Bronfenbrenner
& Ceei, 1994). A alta prevalência de problemas de saúde mental em escola­
res e sua associação com métodos educativos e problemas de saúde mental
dos cuidadores indicam a necessidade de intervenções psicoeducacionais
para reduzir as práticas educativas não adequadas e os problemas de saúde
mental na infância (Vitola, Fleitlich-Bilykb, Goodmanc, & Bordina, 2005).
Antes de treinar o professor a como manejar o comportamento em
sala de aula, é importante orientá-lo para alguns tópicos no que se refere à
relação de cuidado do professor para com a criança. Esses tópicos estão di­
vididos em duas dimensões: responsividade e exigência (Baumrind, 1996).
A responsividade é uma das duas maiores dimensões de cuidados a crian­
ças (Baumrind, 1996). Refere-se ao grau de capacidade do adulto em lhe
dar suporte e ao quanto o adulto é capaz de ter atitudes compreensivas que,
através do apoio emocional e da bidirecionalidade na comunicação, visam
a favorecer o desenvolvimento da autonomia. Dentro da dimensão “res­
ponsividade”, podem-se destacar quatro conceitos importantes:
1) Carinho: a expressão emocional de apreço, de amor. Não existe
uma única maneira correta de demonstração de carinho. De­
pendendo da cultura ou da maneira individual de demonstrar
afeto, isso acarretará em diferentes maneiras de aproximação.
O afeto se apresenta como um interesse genuíno no bem estar
da criança (Belsky, Sligo, Jaífee, Woodward, & Silva, 2005).
2) Conhecimento acerca do desenvolvimento infantil: existem vá­
rias maneiras de aprender sobre desenvolvimento infantil. Cur­
sos na área da psicologia e educação, livros e comparecer a reu­
niões escolares e palestras ajudam a suprir essa necessidade
(Patterson, Mockford, & Stewart-Brown, 2005). Esses conhe­
cimentos permitem que o adulto tenha expectativas realísticas
sobre o comportamento e o desempenho da criança em dife­
rentes idades e áreas, tais como motora, física, cognitiva, social
e emocional. Ter esse conhecimento também ajuda os profes­
sores a entender o papel que tanto os pais como eles mesmos
precisam desempenhar no desenvolvimento dos filhos.
536 Terapia Cognitiva no Contexto Pré-Escolar

3) Interação entre pares: sabe-se que crianças são participantes


ativos de qualquer inter-relaçáo de que façam parte, seja com
outras crianças seja com adultos, mas, ao mesmo tempo, elas
sabem que os adultos têm uma grande responsabilidade
(Maccoby & Martín, 1983). Os professores devem lançar
mão de apropriadas práticas educativas, nas quais consigam
ser mais assertivos no manejo e na orientação do comporta­
mento infantil no ambiente escolar.
A qualidade da interação entre um professor e um aluno
pode estar relacionada ao rendimento, à capacidade de con­
centração e atenção e à motivação para seguir estudando.
Quanto mais o aluno tem afinidade e respeito pelo professor,
mais ele está envolvido e disposto a aprender e a seguir as re­
gras escolares, ou seja, a qualidade da relação criança-profes-
sor está positivamente relacionada aos resultados escolares
(Brady & Woolfson, 2008). Apesar de uma pesquisa america­
na ter demonstrado que, no caso de crianças em idade pré-es-
colar, a relação mãe-criança está mais correlacionada com os
resultados de desempenho escolar do que a relação professor-
criança, não se deve desconsiderar a importância e a influên­
cia que um adulto, seja professor ou familiar, exerce sobre as
crianças (Pianta, Nimetz, & Bennett, 2004). Um estudo bra­
sileiro instruiu professoras a ensinar habilidades básicas que
pudessem incentivar comportamentos pró-sociais e pró-éti-
cos. Os resultados apresentados sugerem que a intervenção
com as professoras foi efetiva na promoção de comportamen­
tos socialmente habilidosos e na redução de comportamentos
agressivos das crianças (da Rocha & Carrara, 2011).
4) Estilo de Comunicação: professores altamente responsivos
usam de comunicação aberta e direta. Tem discurso con­
gruente e validante e passam mensagens de forma firme e
gentil, dando explicações e justificativas curtas e claras. As
crianças tendem a aceitar prontamente esse tipo de comuni­
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 537

cação, porque esta baseada na persuasão e não no estilo auto­


ritário. As crianças são mais efetivamente socializadas quando
interagem com adultos com esse estilo de comunicação. Além
do mais, essa maneira positiva de comunicação indica que a
criança é vista como competente e como merecedora de esco­
lhas e de respeito (Baumrind, 1996).

A segunda das duas maiores dimensões de cuidados é a da exigên­


cia, que se refere ao conhecimento do adulto em impor limites e expec­
tativas, e também relativamente ao quanto o professor vai supervisionar,
orientar e monitorar a criança, os tipos de estratégias de disciplina que
ele vai usar e o estilo de confrontação (Baumrind, 1996). Adultos dife­
rem quanto à habilidade e à boa vontade em ajudar as crianças. No Bra­
sil, as mudanças sociais e econômicas provocam transformações impor­
tantes nos sistemas de ensino e, em consequência, no mercado de traba­
lho e no perfil dos professores. O estresse e o cansaço devido às más con­
dições, ao excesso de carga horária, ou à falta de preparação influenciam
diretamente na maneira de interagir com os alunos.
Professores assertivos acreditam firmemente que monitorar o
comportamento das crianças é essencial (Barnard & Solchany, 2002). As
atitudes e as práticas desses profissionais devem estar conectadas à capa­
cidade de se encontrarem dispostos a comprometer um tempo necessá­
rio a fazer isso em sala de aula. Eles devem entender que um monitora­
mento contínuo não significa um monitoramento inoportuno, sem mo­
tivo. Se combinado com práticas assertivas de observação, os professores
podem prever maus comportamentos e evitar situações críticas ou cons­
trangedoras entre os alunos (Barnard & Solchany, 2002).
Os professores que conseguem unir um alto nível de responsivi-
dade a um alto nível de exigência conseguem mais facilmente apro­
priar-se de práticas ideais com as crianças. Para isso, técnicas de mane­
jo do comportamento infantil em diversas situações escolares são de
extraordinária importância para que o professor possa realizar um tra­
balho efetivo e adequado com seus alunos (Baumrind, 1996).
538 Terapia Cognitiva no Contexto Pré-Escolar

Modelos de avaliação e intervenção

Atualmente, as maiores contribuições para a psicologia escolar se


originam de teóricos que têm auxiliado na compreensão sobre algumas
formas de aprendizagem e também fundamentam muitos projetos educa­
cionais da atualidade (Correia, Lima, & Araújo, 2001), mas a ênfase dessa
contribuição está essencialmente nos processos de aprendizagem do conte­
údo escolar. E fundamental que o ambiente escolar tenha mais recursos
que permita trabalhar com problemas emocionais e comportamentais,
buscando aumentar o rendimento escolar e, sobretudo, a socialização e
outros aspectos cognitivos, emocionais e comportamentais das crianças.
Autores mostram quais os fatores e como os professores e suas atribuições
influenciam nas dificuldades das crianças em aprender e se desenvolver
(Brady & Woolfson, 2008), mostrando resultados que permitem a discus­
são sobre o treinamento dos professores para além do conteúdo escolar.
A apresentação de comportamentos socialmente habilidosos aos
professores e a discussão, com eles, sobre resolução de problemas do dia a
dia na sala de aula se mostram intervenções efetivas no desenvolvimento
de repertório de comportamentos pró-éticos e sociais das crianças (Da Ro­
cha & Carrara, 2011). A psicologia nas escolas pode investir em interven­
ções socialmente aceitáveis e eficientes para garantir a minimização de
comportamentos desafiadores e aumentar a os pró-sociais.
Apesar de em outros países a capacitação do professor já ser estu­
dada e implementada há mais tempo, ainda não se encontra, em am­
bientes escolares brasileiros, um modelo de treinamento de professores
para o manejo do comportamento infantil. Nesse cenário, uma alterna­
tiva é adaptar os treinamentos de pais existentes, estratégia frequente­
mente usada na prática clínica da TCC com crianças e inserir técnicas e
ferramentas cognitivo-comportamentais na formação de educadores.
Os programas de treinamentos de pais, (Barkley, 1997; Caminha,
2011; Forehand & McMahon, 1981; Kazdin, 2005; Murray, 2010), ba­
seiam-se no princípio do condicionamento operante. Nesse tipo de con­
dicionamento, espera-se que, com técnicas de reforço adequadas, exista
um aumento na frequência de comportamentos desejáveis. O método
Estratégias Psicoteráplcas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 539

demonstrou eficácia em um estudo no qual os professores foram orien­


tados acerca das técnicas de treinamento de pais e sobre o manejo do
comportamento dos alunos em sala de aula (Weisz & Jung, 2004).
Outro modelo de programa de prevenção de problemas de com­
portamento e de intervenção nesses casos, especificamente, porém, no
ambiente escolar, é ilustrado por Fox et al. (2003) na Pirâmide de En­
sino (Figura 19.1).

Figura 19.1 Pirâmide de Ensino - adaptada de Fox, Dunlap, Hemmeter, Joseph,


& Strain (2003).

Nele, o objetivo é a preparação de pais e professores para ofere­


cer um contexto que proporcione às crianças a oportunidade de apren­
der conteúdos e habilidades práticas relacionadas com o bom desen­
volvimento socioemocional e lidar com os maus comportamentos em
geral. O modelo visa também a ensinar práticas de estratégias socioe-
mocionais mais específicas e individualizadas, a serem empregadas à
medida que as crianças apresentem maior disfuncionalidade compor-
tamental. Os autores ressaltam a importância da participação do cor­
po docente e do oferecimento de práticas supervisionadas.
540 Terapia Cognitiva no Contexto Pré-Escolar

O primeiro nível prevê que bons relacionamentos são a peça-


chave para um ensino eficaz e próprio à orientação para o bom desen­
volvimento social, emocional e comportamental. Para os autores, há
duas razões pelas quais os educadores de infância precisam investir
tempo e atenção em conhecer as crianças. A primeira, porque os adul­
tos tem importante influência sobre o comportamento das crianças
que buscam maneiras de garantir a atenção ainda mais positiva do pro­
fessor. A segunda, porque é no contexto das relações que as crianças
desenvolvem autoconceito positivo e confiança, que ajudam a reduzir
a ocorrência de um comportamento desafiador. Enfim, o tempo gasto
para a construção de uma relação segura é provavelmente menor do
que o tempo necessário à implementação de estratégias mais comple­
xas e demoradas para remediar as prováveis deficiências oriundas da
construção de relações não positivas.
O segundo nível prevê a importância do ambiente de sala de aula,
incluindo a interação adulto-criança e algumas práticas para trabalhar o
comportamento desafiante. Dentre elas, destacam-se especificidades no
design de sala de aula para incentivar o desenvolvimento e a utilização
dos espaços educativos adequadamente. Evitar espaços muito amplos,
sem rotinas, planejamentos, ou objetivos específicos nas atividades, bem
como estabelecer um número máximo de crianças por sala de aula, tudo
isso diminui a probabilidade de um comportamento desafiador.
O terceiro nível compreende o treinamento sobre o que são e
quais são as emoções, bem como a forma como elas interferem no dia
a dia e no relacionamento com os outros. Ensinar as crianças a perce­
ber seus sentimentos e expressá-los de maneira adequada é essencial
para controlar sentimentos negativos e impulsos, e resolver os proble­
mas com mais facilidade e eficiência. Mesmo que os professores invis­
tam em estabelecer bons relacionamentos com e entre as crianças, mes­
mo que eles programem práticas preventivas do mau comportamento
e usem estratégias socioemocionais adequadas, ainda assim algumas
crianças continuam a apresentar comportamentos desafiantes e disfun-
cionais. No quarto nível é previsto uma aproximação individualizada e
mais personalizada com essas crianças refratárias.
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 541

Antes de saber quais intervenções práticas usar, é importante fazer


uma “avaliação funcional do comportamento” (FBA). A FBA define-se
como um processo utilizado para identificar o problema de forma bas­
tante completa, determinando os fatores preditores e mantenedores da
recorrência do comportamento problema. A proposta é aumentar a efe­
tividade, a relevância e a eficiência do plano de modificação do compor­
tamento (Sugai et al., 2000). Em suma, quanto mais sabemos sobre o
contexto do mau comportamento, mais podemos organizar o ambiente
para reduzir a ocorrência dele e ensinar práticas positivas para substituir
o mau comportamento por um mais funcional e adaptativo.
Há muitas décadas o termo “análise do comportamento” vem sen­
do desenvolvido (Skinner, 1975; Haynes & O'Brien, 1990). Quando se
analisa o comportamento e suas contingências (reforços) é possível en­
tender o que ocorre no dia a dia. A primeira parte do FBA implica de­
senvolver as definições do comportamento-problema, a descrição dos
antecedentes e preditores do mesmo, a descrição de como o comporta­
mento é manejado, e a descrição da consequência que o mantém. Na se­
quência, essas hipóteses devem ser testadas a partir da observação direta
da criança nos seus contextos. E, após essa avaliação inicial, pode ser de­
senvolvido o plano de modificação do comportamento, fazendo relação
com as hipóteses derivadas da avaliação (Sugai et al., 2000).
Pequenos fatos que inicialmente eram desvalorizados começam a
fazer sentido para entender-se o funcionamento comportamental em
sua complexidade. Por exemplo, uma criança chora para conseguir o
brinquedo que o colega está utilizando. A professora, que frequente­
mente pede para o colega emprestar o brinquedo à criança, não perce­
be que a sua atitude, apesar de resolver o problema imediatamente,
está impulsionando um comportamento disfuncional para alcançar
objetivos e incentivando a passividade do colega que teve que empres­
tar seu brinquedo. Dessa forma, o comportamento e o ambiente não
podem ser vistos separadamente (Skinner, 1975).
Independentemente do caso, se o psicólogo está atuando na escola
ou na clínica, a análise funcional do comportamento consiste em decidir
quais informações coletar, definir o problema, decidir a quais ações pro-
542 Terapia Cognitiva no Contexto Pré-Escolar

ceder e avaliar as mudanças e consequências. O papel desse profissiona


é indicar as relações existentes entre as variáveis relevantes e modificáveij
do ambiente e do comportamento em questão (Sugai et al., 2000).
As práticas implementadas na proposta de intervenção de modi­
ficação do comportamento com crianças pequenas, tais como na pirâ­
mide de ensino, estão calçadas por uma abordagem que compreende di­
versos contextos da vida da criança. Assim, a estratégia de atuação mai<
indicada é o Positive Behavior Support (PBS), ou Apoio Positivo de Com­
portamento, na língua portuguesa. Neste capítulo, o termo utilizado
será o original em inglês. PBS é a aplicação de intervenções comporta-
mentais que proporcionam mudanças sociais e comportamentais rele­
vantes. Não se trata de uma intervenção nova ou de uma nova teoria do
comportamento, mas sim da aplicação de um sistema que se baseia em
aumentar a capacidade das escolas e famílias para promover ambientes
eficazes que atendam a relação entre práticas validadas empiricamente e
os ambientes onde ocorrem as relações de ensino-aprendizagem.
A ideia central do PBS é a integração de quatro aspectos: a) ci­
ência do comportamento, que entende quais são os fatores que in­
fluenciam no modo como a pessoa se comporta; b) intervenções práti­
cas, que descrevem as estratégias que enfatizam o contexto onde os
problemas de comportamento ocorrem e as intervenções implementa­
das; c) valores sociais, em que se prevê que a mudança do comporta­
mento deve ser socialmente relevante, maximizando assim a melhora
na aprendizagem e na vivência de comportamentos pró-sociais; e d)
perspectiva sistêmica, compreendendo múltiplos sistemas e níveis do
problema de comportamento (Sugai et al., 2000)
Em qualquer nível do sistema, é necessário o acompanhamento
e a supervisão de um profissional que atue como um líder forte, do
contrário, os esforços podem ser em vão (Colvin & Sprick, 1999 em
Sugai et al., 2000). Psicólogos e pedagogos treinados podem ser líderes
aptos para coordenar e atuar na modificação de comportamento de
crianças, à medida que capacitarem a equipe escolar.
Para uma boa aplicação de propostas de intervenção para modifi­
cação do comportamento, tais como a Pirâmide de Ensino, é necessário
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 543

que os professores conheçam sobre o desenvolvimento infantil, sobre


práticas apropriadas de acordo com a idade de cada criança e sobre estra­
tégias de ensino para desenvolvimento socioemocional, além de ter uma
aproximação com a família e outros contextos que envolvem a criança.

Treinamento de professores
Nos últimos anos, a TCC tem se mostrado muito eficiente pra
crianças e adolescentes com problemas cognitivos, emocionais e ou com-
portamentais. A TCC se propõe a trabalhar com a maneira como a
criança interpreta as experiências que vivencia e o modo como os seus
pensamentos influenciam o seu funcionamento emocional e comporta-
mental. Dado que a TCC é uma prática orientada no presente, que bus­
ca ter um tempo reduzido quando comparada com outras abordagens
teóricas, e é voltada para a resolução de problemas e ao alcance de metas,
ela se apresenta facilmente adaptável em diversos ambientes. Psicólogos
clínicos com ênfase em settings escolares, ou psicólogos escolares podem
utilizar-se do entendimento e das técnicas da TCC como um continuum
desde a prevenção até a identificação precoce dos sintomas, as propostas
de intervenções e o direcionamento para tratamento psicoterápico no
momento adequado (Christner & Alien, 2003).
O objetivo deste capítulo é levar aos leitores uma proposta de
treinamento de professores, que compreenda uma reflexão acerca do
trabalho desenvolvido, conhecimento da fase desenvolvimental, e téc­
nicas de manejo do mau comportamento e de promoção de compor­
tamentos funcionais.

Programa de Treinamento de Professores

O programa é dividido por etapas. Cada etapa compreende


orientações teóricas e práticas, bem como a discussão de casos reais
que os participantes eticamente disponibilizam para complementar a
aprendizagem. As etapas podem durar pelo tempo de um encontro ou
544 Terapia Cognitiva no Contexto Pré-Escolar

mais, dependendo do número de participantes. Ao longo dó programa


também sâo previstos encontros para supervisão individual.

Etapa 1. Entendendo como as crianças


formam sua personalidade
O conhecimento acerca do desenvolvimento infantil ajuda os
professores a estabelecerem expectativas realistas acerca de crianças de
diferentes idades. Também permite ao adulto entender o papel que ele
mesmo desenrola na vida da criança.
O temperamento é responsável em parte pela maneira como a pes­
soa responde aos eventos, é a parte biológica da personalidade. Pode ser
classificado em fácil/flexível (easy), que requer cuidado {slow-to-warm-uf),
ou energético/mal-humorado (diffcult) (Thomas, Chess & Birch, 1970).

Temperamento Características
Easy São mais bem-humoradas, adaptam-se facilmente, enfrentam situações no­
vas de forma positiva e expressam emoções de forma tranquila.
Slow-to-warm-up Expressam emoções de forma menos suave, resistem e levam mais tempo
para se adaptarem a novas situações e pessoas.
Difficult Expressam emoções de forma intensa, demoram a se adaptar a novas situa­
ções, são teimosos e persistentes quando contrariados.

Entretanto, o temperamento é moldável à medida que a criança


vai interagindo com o meio e testando novas formas de resposta. Por
exemplo, a criança que tem o temperamento mais explosivo, ao ir se
relacionando com pessoas que a ajudam a reagir de forma menos
agressiva ou raivosa, pode diminuir consideravelmente essa sua carac­
terística. Essas aprendizagens compõem a parte da personalidade que é
aprendida ao longo da vida, e que depende fundamentalmente das in­
terações estabelecidas. Por isso, as expressões “essa criança é assim mes­
mo”, “ele não tem jeito”, ou “igual ao pai, não há o que fazer”, são fra­
ses inconstrutivas e que não são verdadeiras, apenas atenuam um sen­
timento de vulnerabilidade dos professores que não têm preparo para
lidar com determinadas características.
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 545

Etapa, 2. Normalidade versus Psicopatologia


Muitas crianças são erroneamente diagnosticadas por profissio­
nais nâo treinados. Alguns educadores entendem boa parte de seus
alunos com problemas de comportamentos como sendo portadores de
Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Nesses
casos, acabam desmotivando-se e concluindo que nada será efetivo se­
não a medicação. E evidente que casos reais de TDAH merecem inves­
tigação clínica e a maioria deles são abrandados com drogas psiquiátri­
cas, mas existem outros diagnósticos infantis que são confundidos por
profissionais não capacitados e merecem atenção, dentre entes, o
Transtorno Desafiante Opositor, o Transtorno da Conduta, Transtorno
do Humor Disruptivo e o Transtorno Depressivo Maior (APA, 2013).
Ainda assim, crianças com uma vasta gama de problemas de com­
portamento podem não receber um diagnóstico clínico, mas ainda as­
sim, podem ser foco de atenção e intervenção. Por isso, passar informa­
ções que levem conhecimento sobre psicopatologia, normalidade e ou­
tras condições que merecem atenção, pode motivar e preparar os profes­
sores para atuarem como modificadores de comportamento desafiante.

Etapa. 3. Como adultos influenciam as crianças


Apesar de as crianças serem uma parte ativa na interação, o adul­
to é a parte de maior responsabilidade. Mesmo que se espere que a
criança desenvolva suas habilidades, como por exemplo, organizar o
material após o uso, é necessário que o professor explique, auxilie e
observe o comportamento esperado. A principal forma de aprendiza­
gem de crianças pequenas é a aprendizagem social, ou modelação
(Bandura, 1969). A observação de modelos é um processo básico que
influencia como as crianças aprendem desde tarefas simples até conhe­
cimentos mais complexos, como a maneira de se relacionar com os ou­
tros. Professores assertivos auxiliam as crianças a serem assertivas à me­
dida que têm comportamentos apropriados.
Nessa parte do programa, o objetivo é conscientizar os professores a
terem um padrão de relacionamento estável e assertivo com seus alunos,
com colegas de trabalho e também com seus compromissos e materiais.
546 Terapia Cognitiva no Contexto Pré-Escolar

Outras formas de aprendizagem importante sáo: dar instruções diretas so­


bre como fazer determinada coisa, explicar enquanto o aluno está prati­
cando uma nova habilidade para aprimorar o aprendizado, dar feedbacks e
criar oportunidades para que a criança treine suas novas habilidades.
Por exemplo, instruir diretamente antes de uma atividade é uma re­
gra básica; mas quando uma criança demonstra um sinal de dificuldade, o
professor pode treiná-la ao vivo, mostrando como fazer e encorajando-a a
fazer à medida que retoma a explicação. Após um novo aprendizado, é
importante que o professor estimule a ocorrência de novas situações para
que a criança tenha chances de treinar ou que proporcione pequenas “reu­
niões” ou rodinhas para discutir sobre o que foi aprendido. Isso pode ser
aplicado tanto a habilidades específicas, como realizar uma atividade diri­
gida, quanto para habilidades sociais, como aguardar a sua vez para falar
ou ajudar um colega em dificuldade.

Etapa 4. Formas de aproximação


Na sessão sobre relacionamento aluno-professor, foram expostas
considerações sobre os estilos de interação entre adulto e criança. Nes­
sa etapa do programa, o objetivo é levar o professor à tomada de cons­
ciência sobre a sua maneira-padrão de se relacionar com as crianças.
Adultos com alto nível de exigência e baixa responsividade são
considerados autoritários. Esse estilo de comunicação estimula crian­
ças a terem baixa autoestima e insuficiente autocontrole, além disso,
incita à agressividade e à abusividade. Portanto, a meta principal dessa
etapa é auxiliar o professor a desenvolver um estilo de comunicação
autor-itativo (ou competente), que é caracterizado por alta responsivi­
dade e alta exigência. Esse estilo ajuda a criança a ter um bom nível de
autoestima e autocontrole, auxilia no desenvolvimento de empatia e
de valores pessoais saudáveis, bem como favorece a formação de um
adequado senso de responsabilidade. Também é importante que os
educadores saibam ficar distantes de estratégias permissivas. A permis-
sividade, na qual o adulto tem um nível de exigência limítrofe ou au­
sente, induz as crianças a formarem baixo controle de impulsos e baixo
senso de responsabilidade (Baurind, 1996).
Estrategias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 547

Etapa 5. Educação socioemocional e emocional


Cogniçâo social é um termo que se refere a como as crianças
pensam sobre o comportamento, sentimentos e intenções dos outros,
e reflete inteiramente em suas respostas comportamentais (Marión,
2007). Menores de seis anos têm como característica principal a des­
crição de comportamentos específicos, tais como “minha mãe gritou
comigo”, em vez de “minha mãe ficou triste, pois não obedecí ao seu
chamado”, ou “meu amigo me empurrou”, em vez de “meu amigo fi­
cou tão feliz que foi correndo ao ver a professora de inglês chegar”. A
pardr dos cinco anos essa nova habilidade pode surgir naturalmente,
mas poderá se consolidar mais cedo à medida que esse tipo de raciocí­
nio for estimulado. Por exemplo:

Aluno A: Professora, o André me empurrou!


Professora: André, o que houve aqui?
Aluno B: Eu empurrei o Felipe.
Professora: Por que isso aconteceu?
Aluno B: Eu não vi que ele estava aqui.

Proporcionar um diálogo que mostre às crianças que existem outras


possibilidades além das que imaginaram é uma ferramenta valiosa na cons­
trução de novos conhecimentos para desenvolver habilidades de empatia e
de cogniçâo social. Infelizmente, devido à falta de preparo, muitos profes­
sores preferem dizer “não foi nada”, ou “peça desculpas”, intervenções que
não ajudam no crescimento emocional dos alunos uma vez que não esti­
mulam a releitura dos fatos. Dunn, Brown, Slomkowski, Tesla e Young-
blade (1991), constataram que crianças que convivem com modelos de
adultos que descrevem sentimentos estão mais aptas a conseguirem idenri-
ficar sentimentos em outras crianças, o que podería facilitar a interação
entre pares. Porém essa generalização deve ser cautelosa, pois o conteúdo
das verbalizações dos adultos pode variar e acarretar diferentes aprendiza­
dos sobre emoções e leitura das emoções de uma criança para outra.
Mesmo que se entendam os fatos de uma forma mais funcional,
o sentimento negativo envolvido pode ainda estar presente, ou seja,
548 Terapia Cognitiva no Contexto Pré-Escolar

entender que o amigo quebrou o meu brinquedo sem querer pode ain­
da não ser suficiente para que a minha tristeza ou a minha raiva sejam
superadas. Por isso, espera-se que as pessoas aprendam o quanto antes
a lidar com suas próprias emoções, manifestando de forma adequada
tanto as emoções positivas como as negativas. Demonstrar alegria fa­
zendo movimentos bruscos mesmo com pessoas em volta ou arremes­
sando objetos desordenadamente pode ser natural para crianças peque­
nas, assim como a frustração, raiva ou tristeza podem ser manifestadas
por gritos, agressões físicas e choro. Porém é nessa mesma fase que elas
devem aprender a demonstrar suas emoções com maior assertividade
de acordo com o contexto cultural e social.
Os professores atuam densamente como treinadores de crianças,
pois vivenciam muitas situações que envolvem reatividade emocional.
Nesse sentido, a idéia central dessa etapa é que eles tenham capacita­
ção para ajudar as crianças a construírem um conhecimento a respeito
de suas próprias emoções e sobre as emoções de seus colegas.
O acesso às emoções pode ser realizado de diferentes maneiras.
Com crianças jovens, o uso de modelos como personagens e fantoches
proporciona melhores resultados. Com base na teoria da aprendiza­
gem social, proporcionam-se modelos em situações que produzem
consequências da resposta emitida, o que se torna indispensável para a
modificação do comportamento (Bandura, 1969). A primeira inter­
venção consiste em apresentar as emoções, o que as originam e o que
elas acarretam fisicamente, psicologicamente, e comportamentalmen-
te. Com o trabalho em sala de aula, o professor pode inserir alguns
momentos na semana destinados a esse tema mesmo dentro dos pro­
jetos pedagógicos. Por exemplo, se o tema do projeto atual no mês de
maio é o dia das mães e algumas atividades envolvem o conceito de
família, pode ser oferecido um espaço para as crianças discutirem
como se sentem com relação às suas mães, o que as deixam felizes, o
que elas fazem que os deixem felizes, etc. Com o tema sobre animais,
por exemplo, histórias e contos de situações que envolvam reatividade
emocional podem ser ilustradas e discutidas em uma rodinha. Outras
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 549

formas de continuar inserindo a linguagem das emoções podem ser


aplicadas ao diferentes temas ao longo de todo o período escolar.
Os exemplos oferecidos devem conter o evento desencadeador
da emoção, a expressão da emoção, as formas positivas e negativas de
lidar com a emoção e seus respectivos resultados para discussão poste­
rior. Dentre as formas de lidar com a emoção, destacam-se o autocon­
trole por meio de técnicas lúdicas de respiração, imaginação e distra­
ção (Friedberg & McClure, 2008; Gioia & Tobin, 2010; Scheeringa,
Amaya-Jackson & Cohén, 2010; Stallard, 2008).
O autocontrole é uma das capacidades desenvolvidas para regular
voluntariamente as emoções e o comportamento. É, provavelmente,
uma das mais significativas mudanças durante a primeira infância, a qual
permite a criança estabelecer uma ordem social e moral. A partir dos
dois anos de idade, à medida que conseguem tolerar frustrações, pospor
gratificações imediatas e, postergando ações, controlar seus impulsos, as
crianças atingem níveis maiores de autocontrole (Marión, 2007).

Etapa 6. Ensinando a resolver problemas


Crianças jovens que recebem treinamento para habilidades so­
ciais e resolução de problemas apresentam diminuição dos comporta­
mentos de agressividade, aumento de comportamentos pró-sociais e
aumento das estratégias para manejar problemas e conflitos. Um fator
responsável pelo mau desenvolvimento dessas habilidades pela criança
é a falta de preparo dos pais que se valem de punições físicas e críticas
excessivas (Webster-Stratton & Hammond, 2001). O mesmo deve ser
considerado com as práticas dos professores, que, em muitos casos, são
eleitos pelos pais como os “terceirizados” na educação da criança.
Resolver um conflito significa uma importante habilidade a ser
desenvolvida e está relacionada com a capacidade da criança em se co­
locar no lugar do outro e perceber o problema a partir da perspectiva
do colega. Por volta dos cinco anos, a criança consegue entender seus
direitos, por exemplo, quando é a sua vez de andar no balanço, mas se
um colega quiser usá-lo também, a capacidade de resolver esse conflito
pode variar muito de criança para criança (Marión, 2007). Por isso,
550 Terapia Cognitiva no Contexto Pré-Escolar

ensinar para o aprimoramento dessas habilidades no contexto social


real da criança pode ser muito efetivo.
Baseado em modelos de solução de problemas já estabelecidos
(para mais informações, ver Capítulo 3), a instrução dos alunos para
solução de conflitos envolve alguns passos:
1. Definir o conflito: saber o ponto inicial do conflito, o que o
gerou, pode ser difícil para os alunos, por isso, o professor
pode ajudar na leitura do evento, encontrando o problema a
ser solucionado.
2. Estimular a criança a participar da solução: resolver o proble­
ma para as crianças ou dizer como fazer, isso pode ajudar
imediatamente no conflito, mas é mais eficiente em longo
prazo, se a criança for motivada a tentar solucionar seus pró­
prios problemas.
3. Trabalhar em conjunto para gerar soluções: não só a criança en­
volvida pode gerar soluções. Os colegas podem ser convidados a
pensarem e sugerirem outras formas de resolver. Dessa forma, é
possível que mais crianças sejam atingidas pelo ensinamento e
sirvam como motivadoras para as crianças envolvidas.
4. Prever as consequências das idéias levantadas: a partir das so­
luções recomendadas pelos alunos, a professora pode arquite­
tar uma consequência para cada uma, chamando atenção
para aquela que seria a melhor estratégia. Pode, nesse mo­
mento, fazer o uso de bonecos para ilustrar as consequências.
5. Avaliação: analisar como a estratégia empregada funcionou e
ressaltar a importância da participação das partes em solucio­
nar problemas.

Etapa 7- Práticas educativas


Observar o ambiente é uma prática essencial para quem trabalha
educando e supervisionando crianças. Os motivos para essa prática
não são poucos, pois por meio do comportamento, elas: se comuni­
cam, demonstram resistência a algo, mostram necessidades especiais,
dão pistas sobre seu comportamento desafiante e expressam sentimen­
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 551

tos e sinais de estresse e maus-tratos (Marión, 2007 Milot, Éthier, St-


Laurent, &c Provost, 2010).
É na observação cuidadosa do ambiente e das crianças que se
torna possível diferenciar a agressão acidental da agressão proposital.
Sem essa diferenciação, os esforços dos professores em auxiliar na reso­
lução de um conflito ou de educar emocionalmente as crianças estarão
fadados ao insucesso.
Para a observação diária, os professores podem adotar o uso de
cadernos de anotações e relatar os comportamentos que mais chamam
atenção em cada criança. Dessa forma, podem ter um acompanha­
mento mais fidedigno com a realidade e evitam confusões e esqueci­
mentos, o que ajuda a fazer relações entre os acontecimentos e escolher
estratégias mais assertivas de intervenção.
Acionada a prática da observação, o conceito de disciplina deve
ser esclarecido. Disciplina é parte do processo de socialização. E por
meio dela que a criança aprenderá valores morais e sociais, aprenderá
hábitos e será adaptada a sua cultura (Marión, 2007). A disciplina
pode ser negativa ou positiva, dependendo das ações que se utilizam
para estabelecê-la. A disciplina negativa está relacionada com o estilo
autoritário, e frequentemente ocasiona danos psicológicos ou até mes­
mo físicos às crianças. A disciplina positiva está relacionada ao estilo
competente, em que práticas que ajudam a criança a se desenvolver
adequadamente são empregadas.
As estratégias de disciplina que os professores podem utilizar
com seus alunos incluem: manejar situações na hora em que ocorrem,
estabelecer limites claros, encorajar as crianças para aceitar os limites,
modificar possíveis dificuldades no contexto ou setting escolar, ignorar
o comportamento de forma apropriada, dar pistas para auxiliar as
crianças a cumprirem o esperado, ensinar os bons comportamentos,
ensinar a como resolver conflitos, observar e ouvir as crianças.
Para auxiliar os professores a estabelecer limites em sala de aula,
os conceitos básicos relativos à formas de aprendizagem devem ser en­
sinados. Dentre eles estão o reforçamento positivo (material e social), a
punição e o time out e a extinção de comportamento.
552 Terapia Cognitiva no Contexto Pré-Escolar

Os comportamentos que devem ser ignorados em sala de aula


incluem os comportamentos que náo são agressivos e que nâo amea­
cem a integridade física de uma pessoa ou de materiais e brinquedos.
Por exemplo, quando a criança está fazendo barulho para chamar aten­
ção ou quando a criança está rabiscando seu próprio material enquan­
to o professor dá uma instrução. A estratégia de ignorar o comporta­
mento deve ser empregada cuidadosamente para evitar expressões fa­
ciais (como as de deboche), raiva, ou incitar à negligencia. Para isso al­
guns passos podem ser seguidos:
1. Dar um aviso claro de que o comportamento está errado e
orientar brevemente para o que é esperado.
2. Se o comportamento persistir, dar outro aviso, por exemplo
“Marta, eu não vou lhe dar atenção enquanto estiver baten­
do a caneta na mesa”. O professor segue a sua atividade.
3. Não expressar emoção negativa, deboche e evitar o contato
ocular. Caso contrário, o aluno terá conseguido a atenção do
professor.
4. Ao cessar o comportamento desafiante, o professor deve vol­
tar a atenção para o aluno normalmente e conseguir reforçar
imediatamente o primeiro bom comportamento emitido pela
mesma criança.

As punições são empregadas aos comportamentos agressivos e


destruidores. Deve-se sempre partir do pressuposto de que a criança
está sendo punida por apresentar um comportamento, o qual ela sabia
que fazer deveria evitar, pois isso já deveria ter sido explicado. As con­
sequências para o mau comportamento podem ser classificadas em ca­
tegorias (Clark, 2009).
A consequência natural é aquela que o próprio mau comporta­
mento produz: por exemplo, logo após a instrução de não correr na
sala de aula, o aluno se machuca no móvel e, por esse motivo, não
consegue continuar brincando. Nesses casos, o professor deve retomar
combinados, regras e os motivos para se comportar bem. Na conse­
quência lógica, por exemplo, o aluno perde o brinquedo que estava
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 553

usando, pois bateu propositalmente com força contra o baú de brin­


quedos. As penalidades são outra forma de consequência, em que esta
não está relacionada diretamente ao comportamento em questão. Por
exemplo, o aluno perde a chance de ir para o pátio no final da tarde
porque bateu em uma colega. Uma forma de consequência do mau
comportamento é o time out (para mais informações, ver Capitulo 17).
Essa técnica, quando utilizada em sala de aula, requer atenção por par­
te do professor. É imprescindível que o educador evite que a criança se
sinta humilhada ou que os colegas façam uso de chacotas e deboches.

Etapa 8. Encorajando o bom comportamento


As crianças pequenas podem não lembrar do que os adultos es­
peram do seu comportamento. Mesmo as crianças mais velhas, com
frequência, podem ser relembradas. Visando a suprir essa necessidade,
dar pistas e avisos simples são atitudes que devem estar presentes na
atuação dos professores (Marión, 2007). Com base nas considerações
de estudiosos (Benedict , Horner, & Squires, 2007), a seguir são apre­
sentadas formas de encorajar o bom comportamento:
1. Fornecer um sinal que avise a transição de tarefas. Os profes­
sores podem usar outras modalidades além de orientações
verbais para avisar que uma atividade esta acabando e que
outra terá início. Esse sinal pode ser um música apropriada
para o momento ou até mesmo um gesto que aponte para o
cartaz da tarefa seguinte, que deve ser acompanhado pela or­
dem verbal de forma clara e objetiva.
2. Notificar as transições antes das mesmas ocorrerem. Os profes­
sores fornecem um aviso indicando que a atividade vai acabar
em breve. Por exemplo, “vamos começar a guardar o material de
colorir pois daqui a pouco iremos para o refeitório.”
3. Declarar o comportamento esperado. A declaração pode ser feita
para a turma em geral: “espero que todos desçam às escadas com
as mãos no corrimão”, ou direcionado aos comportamentos pro­
blemáticos, quando existirem: “lembrem-se de descer as escadas
com calma e sem encostar no colega da frente”.
554 Terapia Cognitiva no Contexto Pré-Escolar

Crianças que emitem bons comportamentos, com mais frequência


apresentam boa autoestima. Formas de ajudar crianças a desenvolver um
nível satisfatório de autoestima compreendem reconhecer suas conquistas
e seus esforços em emitir bons comportamentos e resultados, bem como
expressar- interesse pelo que estão fazendo (jogos, brincadeiras e pequenas
atitudes positivas com colegas). Para isso, educadores podem valer-se de
algumas atitudes (Benedict, Horner, & Squires, 2007):
1. Usar sistemas de reconhecimento. O professor faz uso de refor­
ços como elogios e carinhos para valorizar e aumentar a fre­
quência de um comportamento esperado. Por exemplo: “vocês
desceram a escada lindamente!”, ou passar a mão na cabeça das
crianças e sorrir quando elas cumprirem as ordens dadas. Nas
atividades de rodinha, pode-se valorizar, em especial, uma ou
mais crianças que tiveram um comportamento passível de ser
reforçado. Os reforços podem ser através de figurinhas na agen­
da, recados, ou pequenos desenhos que lembrem o apreço do
professor pelo bom comportamento da criança.
2. Usar mais afirmações positivas do que negativas. Declarações
positivas incluem conteúdos de aprovação e ajudam a criança
a aprender. Por exemplo: “obrigado por colocar os materiais
na estante” ou simplesmente “obrigado, muito bom” .
3. Elogiar específicamente. O professor reforça imediatamente
após o bom comportamento especificando-o “Enzo, você foi
um ótimo amigo ensinando o Gean a jogar”.

Além de encorajar o bom comportamento, algumas crianças em


especial apresentam dificuldades em manter atenção. Elas podem apre­
sentar TDAH ou outras condições que perturbem a capacidade de fo­
car atenção em tarefas apropriadas para idade e contexto. Crianças jo­
vens são hábeis em prestar atenção em apenas um estímulo por vez.
Nesse contexto, é importante que os professores consigam observar o
ambiente e “limpar” estímulos que não sejam necessários, tais como
ruídos, brinquedos e materiais alheios à tarefa, etc.
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 555

Considerando que algumas crianças ainda se distraem com estí­


mulos que não podem ser removidos, como por exemplo, os movi­
mentos do colega ao lado, e podem engajar-se em maus comporta­
mentos, os professores devem atuar de forma preventiva.
Por exemplo, Gabriel está com seus colegas ouvindo uma histó­
ria, mas os livros que estão posicionados em uma prateleira atrás dele
o estão distraindo. Dessa forma, Gabriel se vira para pegar livros, en­
quanto distrai outros colegas que começam a conversar entre si. A pro­
fessora deve agir antes que o contexto seja alterado de modo a impos­
sibilitar a continuidade da atividade. Ao ver que o colega se distraiu
pela segunda vez, após ter sido convidado a voltar para a atividade, ele
pode ser convidado a ajudar a professora a mostrar o livro da atividade
para os alunos a cada final de leitura por página (ajudante da professo­
ra), ou ser objeto de qualquer outra solicitação. Crianças mais ativas,
com facilidade para a distração, se beneficiam quando professores lhes
designam atividades especificas e por períodos curtos.
A Economia de Fichas, criada por Ayllon e Azrin (1968) é uma
técnica para encorajar o bom comportamento, é derivada da teoria
comportamental para o controle de contingências. Posteriormente sur­
giram variações para diversos contextos e pacientes. No caso de crian­
ças em sala de aula, pode ser vista como um jogo ou atividade para as
crianças pequenas, estimulando-as a atingir os objetivos.
O primeiro passo consiste em fazer uma lista dos comportamen-
tos-aivo (o que é esperado da turma), e ilustrar com desenhos ou gra­
vuras cada um deles. E imprescindível que o professor esclareça o que
é cada comportamento. Por exemplo, o comportamento-alvo “obede­
cer ao professor” consiste em fazer tudo o que o professor pedir na
hora exata e sem resmungar ou reclamar. O segundo passo inclui esta­
belecer pontos para cada comportamento. Essas informações podem
estar organizadas em forma de tabela e afixadas em um grande cartaz
visível ou em uma folha que cada criança possa decorar. A figura a se­
guir é uma tabela da economia de fichas com desenhos feitos por uma
criança de 5 anos que ilustram o comportamento de cada célula.
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 557

No final do período escolar, o professor deve fazer a contagem


dos pontos adquiridos no dia juntamente com o grupo de forma a in­
centivar a autocrítica e o reconhecimento de bons e maus comporta­
mentos. No final da semana, os pontos adquiridos em todos os dias
são somados e devem ser trocados por recompensas que foram escolhi­
dos pela turma. Não é indicado que haja a perda de pontos por com­
portamento não atingido inicialmente, para evitar que as crianças se
desmotivem. O professor poderá incluir essa regra mais adiante, quan­
do os alunos já tiverem conseguindo mais pontos por dia.
A principal meta do uso da economia de fichas é que as crianças
percebam que o bom comportamento gera recompensas sociais imedia­
tas. Por isso, os alunos precisam ser incentivados a fazer essas relações.
Por exemplo: “quando trato meus amigos com respeito, minha professo­
ra é legal comigo”, “quando divido meu brinquedo, meu amigo sorri e
não briga comigo”, “quando como sem brincar com a comida, a profes­
sora me elogia na frente de todos”, etc. A técnica pode durar semanas ou
meses e pode ser interrompida quando os reforçadores sociais estiverem
sendo utilizados com mais frequência, ou seja, impulsionando os com­
portamentos desejados mais do que as recompensas da técnica.

Etapa. 9. Manejo indireto da sala de aula


O design da sala de aula é um aspecto que pode auxiliar ou atra­
palhar no manejo de crianças (Curtis & Carter, 2003). A preocupação
maior está nas salas de pré-escolas, onde as crianças ainda precisam de­
senvolver muitos hábitos e habilidades, desde alimentar-se e escovar os
dentes até dividir os brinquedos e atender a atividades dirigidas. Nas
escolas em que é possível se ter um ambiente para cada atividade, é
possível conduzir as turmas com mais facilidade no que se refere ao
que é esperado em cada atividade ou situação, mesmo assim, alguns
pontos têm que ser levados em consideração.
Benedict, Horner e Squires (2007) propõem algumas práticas e
materiais para a professores de pré-escola para implementarem o PBS.
Por exemplo, ter em sala de aula cartazes com algumas regras básicas.
Esses cartazes devem ser afixados em local de fácil acesso para as crian­
558 Terapia Cognitiva no Contexto Pré-Escolar

ças. Como a maioria dos pré-escolares ainda não conseguem 1er, mas
apenas identificar as letras, é importante que tais regras sejam ilustra­
das com desenhos ou figuras que lembrem a regra. Organizar um qua­
dro com o cronograma diário e afixar em lugar visível para todas as
crianças ajuda a produzir maior independência e organização. Nesse
cronograma, incluem-se as atividades do dia, como a rodinha, os hábi­
tos de higiene, os deslocamentos dentro da escola, e as atividades livres
e dirigidas. Para ajudar as crianças a lembrarem sobre os bons compor­
tamentos, sugere-se o preparo de um material gráfico com as expecta­
tivas de comportamento para cada rotina durante o período na escola.
O material pode ser de qualquer tamanho, de maneira que o professor
possa utilizá-lo para lembrar os alunos do que é esperado deles.

Etapa 10. A mudança do professor


Para compreender e responder adequadamente aos problemas de
comportamento, é preciso que os adultos conheçam sobre o desenvol­
vimento socioemocional das crianças, mas também invistam seus es­
forços em analisar as próprias emoções e respostas aos problemas de
comportamento dos seus alunos (Planella & Morató, 2009). É impor­
tante considerar que alguns professores podem escolher práticas inefi­
cientes de manejo, pois acreditam que: não têm capacidade para se fa­
zerem respeitados, os alunos não são passíveis de mudança, a responsa­
bilidade é inteiramente da família, entre outras crenças. A apresentação
do modelo cognitivo com utilização de exemplos reais e o oferecimen­
to de um espaço para discussão podem ajudá-los na mudança e, conse­
quentemente, na motivação para lidar positivamente com os proble­
mas de comportamento de seus alunos.

Considerações finais

A prevalência de transtornos mentais associados a queixas esco­


lares revela que 70% das crianças estão em nível considerado clínico
(D’Abreu & Marturano, 2011). Com base em dados de pesquisas, de­
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 559

ve-se repensar o planejamento de intervenções para que haja a promo­


ção e, sobretudo, a prevenção dos transtornos mentais que acometem
a população infantil. Os problemas de comportamento em crianças
caracterizam-se em sua maioria por comportamentos externalizantes e
são de origem multifatorial, incluindo práticas ineficientes de profes­
sores (Bolsoni-Silva & Dei Prette, 2003).
O trabalho do psicólogo dentro das escolas pode ser muito mais
atuante do que vem sendo. Os professores são responsáveis por parte da
educação de crianças e, por isso, responsáveis por ajudá-los no seu desen­
volvimento emocional e comportamental, para se tomarem adultos social­
mente saudáveis. O treinamento de professores visa auxiliar esses profissio­
nais em sua importante luta diária para que formem crianças da melhor
maneira possível, mesmo quando as famílias não são colaboradorativas. As
estratégias e ferramentas derivadas da terapia cognitiva e comportamental
capacita os professores para intervir direta ou indiretamente. Em outros
países o treinamento de professores já é uma preocupação básica, pois é
crucial prevenir o surgimento de problemas de comportamento na infân­
cia e também minimizar os existentes. Eles podem vir a se tornar difíceis
de tratar com o passar dos anos, além de já terem proporcionado uma
dose significativa de sofrimento para cada indivíduo.

Agradecimento
Obrigada com carinho a Giovanna (5 anos) que cedeu seu desenho
para ilustração da técnica economia de fichas.

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20
Supervisão em
Terapia Cognitiva

Neri Maurício Piccoloto e Luciane Benvegnú Piccoloto

A supervisão em terapia cognitiva é um tema de extrema relevância e


que ainda conta com poucas publicações acerca de sua prática e de
seus métodos de trabalho. A complexa função de supervisionar exige
que o profissional tenha amplos conhecimentos de psicopatologia des­
critiva e dos fundamentos do processo psicoterápico: Igualmente, são
imprescindíveis tanto o conhecimento da prática como o dos meios pa­
ra transmitir esse conhecimento, priorizando o que for mais importante
e escolhendo a melhorforma de orientar o colega, seu supervisionando:
Ser um bom supervisor exige qualidades diferentes das exigidas para
ser um bom terapeuta ou ainda um bom professor.
W.V.M.

A preocupação das instituições de formação e pesquisa com a quali­


ficação dos profissionais de saúde mental tem sido uma constante desde o
início da prática das psicoterapias (Campos, 1998). Apesar dos recentes e
inegáveis avanços, observa-se ainda um déficit significativo em pesquisas
sistematizadas que avaliem resultados quantitativos no esbatimento de sin­
tomas após intervenção com a terapêutica psicoterápica, sendo essa limita­
ção de estudos muito mais evidente quando o tema é a formação e a su­
pervisão do trabalho dos psicoterapeutas. Não obstante, pesquisas que
abordam práticas e resultados desses procedimentos são inquestionável-
Estrategias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 565

mente mais complexas em sua subjetividade quando comparadas aos ex­


perimentos utilizando psicofármacos (Wainer & Piccoloto, 2008).
A supervisão é considerada urna das ferramentas mais importan­
tes para a formação de terapeutas, e sua definição é um desafio devido
à diversidade de variáveis que influenciam no processo. De forma ge-
ral, entende-se que a supervisão é um momento contratual de relação
formal e colaborativa entre supervisor e supervisionando, tendo como
objetivo o desenvolvimento, o ensino e a aprendizagem da prática clí­
nica (Barletta, Fonseca & Delabrida, 2012).
No modelo mais utilizado no Brasil, cujo papel do supervisor é
didático-pedagógico, a supervisão possui quatro objetivos principais:
fortalecer os conhecimentos teóricos do aluno, ensinar uma conduta
ética, garantir a capacitação para o atendimento clínico e garantir que
o paciente tenha um atendimento adequado. Nesse sentido, parece
existir um hiato entre o modo de formação de um terapeuta e o modo
de formação de um supervisor, pois há pouco material na literatura so­
bre esse tema (Bitondi, Ribeiro & Sétem, 2012).
Segundo Dultra e Bastos (2009), a competência profissional con­
siste na qualificação, por meio de um conjunto de saberes necessários,
para que seja possível o desempenho adequado de uma tarefa em um
determinado contexto. Dentre as estratégias para aquisição de compe­
tências, a supervisão é considerada base importante na formação e no
desenvolvimento profissional dos terapeutas (Binder, 1993). A American
Psychological Association determina que as instituições de ensino de psi­
coterapia incluam a prática supervisionada em seus programas de forma­
ção. Não obstante, foi somente no final dos anos 1990 que se iniciaram
discussões mais sistematizadas acerca de requisitos para um método efe­
tivo de supervisão (Moreira, 2003). No Brasil, os cursos de pós-gradua­
ção em Psicoterapia Cognitiva certificados pelo Ministério da Educação
e/ou pela Associação Brasileira de Estudos em Psicologia devem incluir a
prática supervisionada em seus cronogramas.
A supervisão, no contexto da formação de terapeutas cognitivos,
é um procedimento que exige do supervisor e do supervisionando uma
566 Supervisão em Terapia Cognitiva

grande carga de habilidades que vão além do profundo conhecimento


teórico/prático, por parte do primeiro, e do extremo interesse em estu­
dar e aprender, por parte do segundo. Trata-se de uma relação entre
profissionais que, apesar de ser totalmente diferente de uma relação te­
rapêutica, pode inclusive superá-ia em complexidade e subjetividade
na mensuração dos seus resultados, refletidos no crescimento profissio­
nal de ambos os envolvidos e, sobretudo, nos resultados obtidos junto
aos pacientes. Uma vez que há uma escassez de modelos que respaldem
a supervisão em clínica (Barletta et al., 2012) e, sendo a terapia cogni­
tiva uma abordagem que valoriza o desenvolvimento de protocolos de
tratamento para patologias específicas (Padesky, 2005), buscamos apre­
sentar algumas das principais considerações clínicas e experimentais
sobre o ensino e a supervisão de terapeutas cognitivos em formação,
enfatizando o trabalho de pós-graduação.

O que o supervisor precisa saber

Os pré-requisitos para ser um supervisor de qualidade vão além, ob­


viamente, dos necessários para um psicoterapeuta cognitivo. Segundo No-
vaki (2003), para que ocorra a qualificação de um psicólogo, a supervisão
deve ser ministrada por um profissional que tenha mais tempo de prática
e maior conhecimento teórico-científico, sendo que a grande diferença en­
tre o terapeuta experiente e o iniciante está na qualidade das perguntas, da
argumentação e do enffentamento, bem como na definição dos objetivos
do tratamento e nas intervenções. Assim, o conhecimento de um supervi­
sor deve englobar a gama de informações que ele precisa repassar aos seus
supervisionandos, bem como uma forma didática e efetiva de transmitir
essas informações, somadas a indicações de literatura amais e pertinentes.
O preenchimento desses itens, no entanto, não garante o resultado da su­
pervisão, visto existirem ainda muitas variáveis em jogo, como as questões
específicas do supervisionando, da relação entre ambos e das idiossincra­
sias do caso clínico em questão, entre outras.
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 567

Considerando o conjunto de exigências que paira sobre a figura do


supervisor, Neufeldt, Mendes, Pavan e Gorayeb (2011), ao descreverem a
sistemática de um laboratório de pesquisa e intervenção cognitivo-compor-
tamental, relatam que os postulantes a supervisores iniciam suas experiências
como observadores/assistentes de profissionais mais experientes, visando ao
desenvolvimento de autonomia e habilidade para a futura atividade.
No âmbito da psicoterapia, a partir da evolução dos sistemas de
saúde, do desenvolvimento farmacológico e das ciências do comporta­
mento, associados ao retrocesso dos modelos institucionais (hospitais, asi­
los, prisões), os profissionais de saúde mental, que até então lidavam “ape­
nas” com a doença mental, foram chamados a intervir também na promo­
ção e na proteção da saúde das pessoas (Cottraux & Matos, 2007). Tanto
esse papel preventivo do psicoterapeuta como a inclusão da psicoterapia
em trabalhos multidisciplinares não podem ser ignorados.
Além disso, os grandes desenvolvimentos atingidos pela terapia
cognitiva nas últimas décadas e as muitas interfaces construídas com ou­
tros ramos da ciência tornaram, certamente, a terapêutica muito mais
efetiva quando posta a serviço do paciente. O entendimento sobre o ser
humano em sofrimento mostrou-se mais fundamentado e o alcance da
abordagem ampliou-se significativamente. Por outro lado, a missão do
terapeuta cognitivo tornou-se ainda mais complexa e a sua necessidade
de conhecimento, muito mais ampla e abrangente, refletindo-se direta­
mente na parte prática do seu aprendizado diante de um caso supervi­
sionado. Nesse sentido, o trabalho do supervisor envolve a integração de
muitas áreas do conhecimento e a relação direta desse conteúdo teórico
e impessoal com o caso clínico que está sendo discutido no momento.
Os vários campos do conhecimento do terapeuta cognitivo atual
e, por conseguinte, do supervisor envolvem inicialmente a psicopatologia
descritiva ou ateórica, visando à elaboração do raciocínio clínico que levará
a hipóteses diagnosticas fundamentais para a próxima etapa da avaliação
do paciente (Wainer &c Piccoloto, 2008). Além disso, dados fundamentais
para o plano de tratamento também são obtidos, como aspectos epide­
miológicos, subtipos de apresentação, curso e prognóstico, estratégias de
tratamento testadas anteriormente e seus resultados. Os manuais diagnós­
568 Supervisão em Terapia Cognitiva

ticos (DSM e CID) são as principais fontes de informação para o terapeu­


ta cognitivo nessa fase do atendimento e, com a psicopatologia em cons­
tante evolução, permeada por incertezas e limitações naturais, toma-se
fundamental a plena atualização e a visão crítica do supervisor.
O passo seguinte envolve uma maior individualização ou especifi­
cação do caso, pois, a partir da hipótese diagnóstica, elabora-se o modelo
explicativo de acordo com o paradigma cognitivo. Nesse momento, o caso
torna-se único, pois o modelo cognitivo serve de base para aspectos que,
mesmo encontrados na literatura, sempre se combinam de forma absolu­
tamente original e segundo as vivências e a estruturação psíquica de um
paciente real, não retratado em nenhuma fonte literária ou científica.
A elaboração do modelo cognitivo do caso em supervisão tem
seu desafio a partir de dois aspectos principais: a conversão do conhe­
cimento teórico, e não individualizado da literatura, em um conheci­
mento prático e específico sobre o caso apresentado; e a integração do
modelo cognitivo com as demais áreas do conhecimento, como a ge­
nética, a neurociência, a teoria comportamental e os aspectos socioam-
bientais. A tendência atual dos modelos explicativos em nossa prática é
a da visão integrativa, que amplia o espectro da explicação dos fenô­
menos e que tem como consequência a maximização do alcance dos
tratamentos possíveis. Isso requer, inevitavelmente, uma versatilidade e
abertura para o conhecimento por parte de supervisores e terapeutas.
Após a conceitualização cognitiva do paciente, as condutas tera­
pêuticas são avaliadas e sugeridas, embasadas nas estratégias e técnicas
validadas para o tratamento dos problemas ou transtornos identificados.
Mais uma vez, o supervisor deve consultar sua própria experiência e não
somente citar as técnicas já existentes nos livros, as quais devem ser con-
textualizadas de acordo com a situação trazida na supervisão. O conheci­
mento teórico do arsenal de técnicas oferecido pela terapia cognitiva
deve ser associado ao timing para a proposta da referida técnica, adapta­
da ao paciente e moldada conforme o estilo pessoal do terapeuta, muitas
vezes inspirado no estilo do supervisor. A Figura 20.1 apresenta um es­
quema da integração de conhecimentos necessária a um supervisor e a
um terapeuta cognitivo ao final do seu processo de formação.
Estrategias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 569
570 Supervisão em Terapia Cognitiva

A aplicabilidade da terapia cognitiva a uma extensa gama de trans­


tornos levou ao surgimento de novas abordagens psicoterápicas, que tem
entre suas origens e influências os preceitos do cognitivismo. A Terapia
do Esquema (Young, Klosko & Weishaar, 2003) (para maiores informa­
ções, ver Capítulo 9), indicada para pacientes caracterológicos, é um
exemplo, bem como as chamadas psicoterapias da terceira onda ou con-
textualistas, entre as quais se destacam a Terapia de Aceitação e Compro­
misso (Hayes & Strosahl, 2004) (Capítulo 12) e a Terapia Comporta-
mental Dialética (Linchan, 2010) (Capítulo 11). Não obstante, a terapia
cognitiva pode apresentar-se sob a forma de terapia individual, de grupo,
de casal, familiar, infantil ou para adolescentes. Levando-se em conta a
proposta em que está inserida a supervisão, essas abordagens podem ser
indicadas ou sugeridas para casos apresentados. Tais contextos tão dife­
rentes, demandam um conhecimento básico a esse respeito por parte do
supervisor, visando ao encaminhamento do caso para um supervisor mais
qualificado ou mesmo pata um terapeuta mais especializado.
Segundo Flavell, Miller e Miller (1999), nas ciências cognitivas
o conhecimento é dividido em dois grandes tipos: o declarativo e o pro-
cedural. Essa divisão deriva da forma como cada conhecimento é arma­
zenado na memória e, por conseguinte, impõe modos distintos de ensi­
no de cada um deles. No trabalho de supervisão em terapia cognitiva,
pressupõe-se a necessidade de transmitir tanto conhecimentos declarati­
vos (psicopatologia descritiva, modelos teóricos, diagramas, etc.) como
procedurais (formas de entrevista, postura terapêutica, modo de apli­
cação da técnica, padrões de interação com o paciente, etc.), muitos
dos quais adquiridos por meio da observação direta.
Durante o processo de supervisão várias dúvidas sobre as interven­
ções costumam surgir, colocando o supervisor na posição de terapeuta
mais experiente e teoricamente responsável pela emissão de respostas obje­
tivas e ponderadas. Há indicação de encaminhamento desse paciente para
avaliação psiquiátrica? Se há risco de suicídio, que medidas protetivas pos­
so tomar? Como costuma evoluir esse tipo de patologia? Devo contatar o
neurologista por telefone? E se não conseguir o contato? Esse é o melhor
momento para chamar o familiar para uma conversa? O que devo dizer ao
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 571

familiar se sua pergunta implicar em quebra do sigilo? Como posso dizer


isso ao paciente sem afetar a relação terapêutica?
Certamente, as expectativas de obter respostas perfeitas e de sa­
nar plenamente as dúvidas não serão correspondidas, mas o supervisor
deve estar munido de conhecimento teórico e prático para não se omitir
da discussão desses tópicos com o supervisionando, em busca da propos­
ta de condutas amparadas na literatura, na experiência e na ética.

A supervisão e os pressupostos da terapia cognitiva

Os aspectos da terapia cognitiva a serem observados pelo super­


visor incluem o empirismo colaborativo, a descoberta guiada e a estru­
turação do tratamento. Esses itens são fundamentais para os resultados
terapêuticos e podem ser avaliados, reforçados e, principalmente, re­
produzidos no contexto da supervisão (Wainer Sé Piccoloto, 2008).
O empirismo colaborativo reflete o trabalho em equipe desenvol­
vido pelo terapeuta e pelo paciente em busca dos objetivos do tratamen­
to, de forma interativa e sujeita afeedbacks mútuos. A obtenção dessa
colaboração envolve aspectos subjetivos como empatia e confiabilidade,
além dos sentimentos e das cognições direcionados de um a outro (Beck,
2013). A dificuldade na manutenção de relacionamentos terapêuticos
mais interativos pode ser um importante limitador para a prática da te­
rapia cognitiva a ser identificado e discutido em supervisão.
A descoberta guiada consiste em um processo de aprendizagem
fundamental nas terapias cognitivas, baseada na suposição de que as pes­
soas aprendem a reestruturar seus pensamentos de modo mais eficaz e
com modificações emocionais mais sólidas quando a mudança parte de
seus próprios insights, e não dos do terapeuta (Beck, 1997). Assim, além
de fornecer informações atualizadas e relevantes, o supervisor deve ser
capaz de problematizar as atuações, a fim de levar o aluno a reflexões
que promovam a descoberta guiada (Barletta et al., 2012).
Enquanto Beck (1997) relata que os pacientes podem aprender
a avaliar as suas próprias cognições, se houver o direcionamento por
572 Supervisão em Terapia Cognitiva

parte do terapeuta para a testagem da validade das crenças, a terapia


racional-emotiva de Albert Ellis, uma das grandes influências para o
desenvolvimento da terapia cognitiva, tem como uma das estratégias
terapêuticas o uso da preleção e da persuasão de que as crenças do in­
divíduo são desadaptativas (Datilio & Padesky, 1998). A alternância
entre as estratégias de reestruturação cognitiva pode fazer parte das su­
gestões de intervenção do supervisor.
A terapia cognitiva é notória por ser um tratamento estruturado,
pois foi idealizada como uma psicoterapia que podería ser testada de for­
ma empírica. Este talvez seja um dos aspectos mais incompreendidos do
tratamento, pois leva à crença de que os terapeutas cognitivos negligen­
ciam as especificidades de cada caso. Na verdade, os protocolos de trata­
mento fornecem aos terapeutas um conjunto de ferramentas úteis e pre­
viamente testadas (Sudak, 2008), favorecendo uma terapêutica empíri­
camente validada, um aprendizado e uma supervisão mais consistentes e
reproduzíveis na sessão (Wilson, 1996). O mesmo vale para a estrutura­
ção das sessões de terapia, possibilitando que qualquer mudança nos sin­
tomas ou alguma exacerbação do transtorno sejam identificadas no iní­
cio da sessão, proporcionando tempo adequado para a intervenção do
terapeuta. A estrutura, utilizada com flexibilidade e bom senso, também
aumenta o conforto do paciente diante do processo de terapia, pois lhe
permite saber o que esperar desta e ajuda-o a manter o foco no enfren-
tamento das suas dificuldades (Sudak, 2008).
Os pressupostos descritos, bem como outros fundamentos da te­
rapia cognitiva, refletem-se na forma como a supervisão é realizada. O
empirismo colaborativo entre supervisor e supervisionando busca o
compartilhamento das responsabilidades para o êxito do trabalho, bem
como a aceitação mútua dos feedbacks e o fortalecimento da confiabili­
dade, na medida em que as distorções que envolvam a relação possam
ser identificadas e abordadas por ambas as partes em um ambiente se­
guro e acolhedor. A descoberta guiada e a preleção podem ser alterna­
das durante o processo de transmissão de conhecimento, de acordo
com a especificidade de cada momento ou situação. A utilização de
uma estrutura durante a supervisão, seja individual ou em grupo, favo­
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 573

rece a identificação de vieses e dificuldades específicas do supervisio­


nando, que poderiam ser mascarados por uma narrativa desorganizada
e totalmente intuitiva do processo terapêutico.

Os atributos do supervisionando

As habilidades básicas necessárias para um bom profissional de psi­


cologia, segundo Lorh e Silvares (2006), vão além do desempenho em um
contexto específico da aplicação, envolvendo aspectos como o adequado
repertório de habilidades sociais, a maturidade pessoal, a criatividade, a ca­
pacidade de leitura apropriada e o domínio de conteúdo teórico e técnico.
Instituições americanas e europeias têm sugerido que as habilidades inter­
pessoais, o conhecimento teórico e prático, a postura profissional e a ética
são competências necessárias para que um profissional possa ser reconheci­
do como psicoterapeuta (Manring, Beitman & Dewan, 2003).
Young et al. (2003) afirmam que as reações do terapeuta em re­
lação ao paciente constituem um recurso valioso na avaliação dos es­
quemas mentais deste. Entretanto, os terapeutas devem ser capazes de
distinguir entre a intuição válida em relação a um paciente e a ativação
de seus próprios esquemas mentais. Sob o prisma cognitivo, salienta-se
a importância da observação, por parte do supervisionando, de suas
cognições e sentimentos relacionados ao paciente e se isso pode inter­
ferir, de forma significativa, na maneira como o paciente é apresenta­
do, por meio da omissão, minimização, maximização e até mesmo da
confabulação em torno de aspectos do caso.
Barletta, Delabrida e Fonseca (2011) destacam a importância do
reconhecimento das próprias distorções cognitivas, crenças, sentimentos
e comportamentos por parte do aprendiz de TCC, seja ele graduando
ou pós-graduando. Reconhecer seu próprio funcionamento, baseado no
modelo cognitivo-comportamental, favorece o aumento de habilidades
específicas na área.
Da mesma forma, as representações mentais sobre a figura do super­
visor e suas atitudes podem influenciar na conduta do supervisionando,
574 Supervisão em Terapia Cognitiva

tendo como resultados desde uma total submissão e idealização até um


comportamento de extrema crítica ou desconsideração em relação às cons­
tatações ou condutas sugeridas pelo supervisor. O mesmo se aplica ao su­
pervisor e às suas crenças sobre o papel que desempenha, desde a percepção
de onipotência e desdém sobre as deduções do aluno até a sensação de inse­
gurança e incapacidade diante dos desafios propostos pelo exercício de su­
pervisionar. Essas interpretações, obviamente, estão permeadas pelos dados
de realidade, como o grau de dedicação do aluno ao trabalho que é propos­
to e o real preparo do supervisor para exercer essa função. Uma troca ade­
quada e respeitosa de feedbacks, em momentos oportunos do processo de
supervisão, constitui-se em uma forma efetiva de manejo dessas distorções.

A relação supervisor/supervisionando

Um dos problemas apresentados pelos alunos em supervisão é a


suscetibilidade a diversas influências, além daquelas presentes na sessão
com o paciente, tais como selecionar o que consideram ser o mais im­
portante ou a relação de poder estabelecida com o supervisor (Rangé,
1998). Quando essa relação é estabelecida de forma vertical, na qual o
supervisor sabe é ensina e o aluno apenas aprende, em geral há um es­
forço do aprendiz para não desapontar o mestre, impedindo a autorre-
velação do aluno e resultando na seleção de fatos positivos a serem
apresentados. E muito importante perceber como as experiências de
supervisão influenciam tanto na relação intrínseca à supervisão como
nos processos e resultados da psicoterapia (Lámares, 2012).
Segundo Beckert (2002), uma postura punitiva por parte do su­
pervisor pode gerar uma situação na qual o erro seja percebido como
aversivo, fazendo com que o aprendiz desenvolva condutas evitativas
para não ser julgado, principalmente na presença de seus colegas de
supervisão. O aluno pode ainda desenvolver uma postura defensiva,
não aceitando as orientações do supervisor ao narrar seus acertos e
omitir informações importantes, que poderíam abrir caminho para a
descoberta de eventuais falhas. Além disso, em trabalhos em grupo al­
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 575

guns supervisionandos podem ter dificuldades em fazer apresentações


públicas, sendo indicado, nesses casos, um papel mais ativo dos demais
colegas nos encontros iniciais, sob a mediação do supervisor.
Os terapeutas iniciantes julgam muito importante um papel mais
ativo do supervisor e, ao mesmo tempo, assinalam como igualmente
marcantes o feedback positivo e a empatia. Não obstante, sentem que a
facilitação da exposição de preocupações sobre “tomar-se psicoterapeuta”
ou relacionadas com questões pessoais, que podem influenciar no traba­
lho com os pacientes, é de extrema relevância para o seu desenvolvimen­
to e aprendizagem (Hill, Sulivan, Knox & Schlosser, 2007). Além disso,
os alunos julgam as supervisões como boas quando partilham sentimen­
tos negativos e sentem receber apoio e aceitação por parte do supervisor,
o que possibilita uma relação de confiança (Lamares, 2012).
Cottraux e Matos (2007) estabelecem um paralelo entre a psi­
coterapia e a supervisão, comparando o supervisor a um terapeuta, no
sentido de auxiliar o outro a desenvolver autonomia e aumento de
suas competências. Os autores apontam a possibilidade de um aluno
apresentar uma ansiedade antecipatória considerável em relação ao
julgamento por parte do supervisor, ou ainda um intenso sentimento
de desvalia em função de fracassos vivenciados na supervisão. Ante­
riormente, Newman (1998) descreveu um conjunto de pontos em co­
mum entre a psicoterapia e a supervisão: a relação de colaboração, a
utilização de critérios de evolução ou progresso objetivos e a atmosfe­
ra de otimismo e encorajamento. E importante que a supervisão possa
trazer à tona sentimentos e pensamentos do supervisionando, a fim
evitar que se tornem obstáculos para a intervenção clínica do aluno
(Barletta et al., 2012).
Por outro lado, a terapia e a supervisão diferenciam-se claramente
em três pontos: a supervisão não está centrada no sujeito, a variação de su­
pervisores é útil e a relação pessoal pode tornar-se de amizade ou institu­
cional. Beckert (2002) ressalta que o objetivo da supervisão é o desenvol­
vimento das habilidades clínicas do supervisionando, enquanto que o da
terapia é a reflexão sobre os aspectos pessoais do indivíduo. A supervisão
não pode ser confundida, portanto, com a “terapia do supervisionando”.
576 Supervisão em Terapia Cognitiva

A forma como o supervisor estabelece a relação com o supervi­


sionando pode também facilitar a modelação desse repertório no alu­
no, auxiliando-o no estabelecimento de uma relação positiva com seu
paciente (Barletta et al.,2012). O supervisor deve ser verdadeiramente
ele próprio e apresentar-se como uma pessoa presente, disponível e au­
têntica, e não como a referência não contornável de um regulamento.
Além disso, deve ser capaz de reconhecer os movimentos emocionais
dos profissionais que supervisiona (Cottraux & Matos, 2007). Por ou­
tro lado, as atividades de supervisão, numa primeira instância, visam
ao desenvolvimento de um estilo terapêutico congruente com a indivi­
dualidade de cada aluno (Ronnestad & Ladany, 2006). Em suma, uma
educação de expressão autêntica deve ser a proposta do trabalho.

Os métodos de supervisão

A literatura científica, em especial a nacional, tem escassos estu­


dos sobre métodos de supervisão, o que indica uma dificuldade em
socializar as práticas (Yamamoto & Costa, 2010). A qualidade da su­
pervisão também pode ser comprometida pela dificuldade na forma­
ção do próprio supervisor (Campos, 1998), pela ausência de um mo­
delo clínico explícito e pela desvinculação entre a teoria e a prática
(Rangé, 2001). Uma vez que as TCCs, na atualidade, são as psicote­
rapias cientificamente melhor validadas para a imensa maioria das
perturbações psicológicas, faz-se necessário definir as modalidades
atuais de formação e supervisão, sobretudo nos transtornos da perso­
nalidade (Cottraux & Matos, 2007).
As formas de realizar a supervisão podem variar bastante de
acordo com a proposta do curso ou da instituição, tendo como possi­
bilidades o relato verbal, o relato escrito, a observação por vídeo, a ob­
servação ao vivo e a prática de role-plays simulando situações de aten­
dimento, que podem ser conduzidos, sucessivamente, pelos profissio­
nais em treinamento (Wainer & Piccoloto, 2008).
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 577

A combinação das diferentes formas pode proporcionar um


maior aprendizado ao supervisionando, pois contempla aspectos de­
clarativos e procedurais. O relato escrito pode ser enviado com ante­
cedência para o supervisor ou para o grupo de supervisão, sendo pos­
teriormente designado um tempo para o relato verbal complementar.
Quando possíveis e devidamente autorizadas pelo paciente ou respon­
sável, a observação por vídeo ou ao vivo minimizam consideravel­
mente os vieses da apresentação do caso, potencializando a eficácia
das orientações transmitidas. As sugestões de abordagem do caso po­
dem ser melhor assimiladas por meio de role-play de técnicas, realiza­
do ao final da supervisão.
Uma alternativa interessante aos vídeos de atendimentos, aos aten­
dimentos em sala de espelhos ou aos transmitidos em tempo real para o
supervisor e/ou grupo (visto que essas formas, muitas vezes, não são auto­
rizadas pelos pacientes ou retiram a espontaneidade, sua e do terapeuta,
durante a sessão) consiste na descrição literal da sessão por escrito, tam­
bém conhecida como “dialogada”. Embora um tanto trabalhoso, esse mé­
todo pode ser muito útil na supervisão, pois favorece o entendimento do
caso, a estruturação e a condução do atendimento e as intervenções do te­
rapeuta a cada momento da sessão. A facilidade em interromper a leitura
para perguntar, comentar ou sugerir faz da entrevista dialogada um méto­
do altamente dinâmico. A sua fidedignidade depende muito do momento
em que é elaborada, por isso sugere-se ao aluno que reserve um tempo
logo após o atendimento que será supervisionado para escrever as falas da
sessão. Quanto maior o tempo transcorrido entre a sessão e a elaboração
da entrevista dialogada, maiores serão as distorções.
A ênfase inicial da avaliação pode incidir sobre os pontos fortes
do supervisionando, sendo posteriormente estimulados novos aprendi­
zados, ou seja, o desenvolvimento de novos estágios de competência
(Padesky, 2005). As dicas de leitura específicas para as dificuldades
apresentadas também constituem um importante ponto de apoio para
a aquisição de conhecimentos.
O supervisor pode favorecer o aprendizado do aluno através da
elaboração de questionamentos para guiar a descoberta dos mesmos e o
578 Supervisão em Terapia Cognitiva

estímulo para que relatem a forma de aplicação e os resultados das orien­


tações designadas ao caso. Um ambiente acolhedor é fundamental para
que os alunos sintam-se seguros para expor as suas dificuldades e limita­
ções ao supervisor e ao grupo, e deve tranquilizá-los quando cometerem
erros durante os exercícios de psicoterapia realizados em conjunto.
O supervisor deve evitar o papel de “dono da verdade” ou “de­
tentor do conhecimento”, muito menos deve ter comportamentos
que induzam ou reforcem crenças dessa natureza em seus supervisio-
nandos. Ao demonstrar sua falibilidade e suas limitações naturais, o
supervisor favorece uma relação mais verdadeira e segura com seus
alunos e proporciona um ambiente em que estes também possam ex­
por suas deficiências, evitando a apresentação de pseudocasos perfei­
tos ou a omissão proposital de falhas durante a condução do caso,
práticas motivadas pelo receio do aluno em sentir-se inferiorizado pe­
rante o supervisor e o grupo. A crítica construtiva e ponderada, a pos­
tura respeitosa e o feedback constante e não seletivo para os erros são
fatores que também auxiliam nesse objetivo, tanto da parte do super­
visor como da parte do aluno.
Algo que jamais pode ser desconsiderado é o fato de que a pes­
soa na linha de frente do tratamento e que está diante de todas as rea­
ções do paciente é o supervisionando. Logo, ninguém irá superá-lo em
conhecimento prático sobre o caso. Partindo dessa premissa, propor­
cionar um contexto no qual o aluno possa reconhecer e transmitir as
informações do caso da forma mais fidedigna possível é fundamental'
para o êxito da supervisão.
Outro tipo de aprendizado ocorre por meio da modelação, ou
seja, a assimilação observacional postulada na clássica teoria da apren­
dizagem social (Bandura, 1977). Neste tópico verificamos a impor­
tância da postura do supervisor para com o supervisionando em todos
os aspectos, bem como em auxiliar o aluno em seu automonitoramen-
to, para que este possa ser mais efetivo como terapeuta.
A postura ética é também um grande ponto a ser reforçado nesse
contexto. O sigilo sobre o caso apresentado deve obedecer a regras se­
melhantes às da psicoterapia, tanto para as supervisões individuais
Estrategias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 579

como em grupo, não sendo permitidos comentários fora da sala de su­


pervisão. O paciente deve estar informado sobre como a supervisão de
seu caso ocorre, de que sua identidade será preservada inclusive diante
do supervisor, de que pode interromper o processo a qualquer mo­
mento, de acordo com a sua vontade, e de que o trabalho somente terá
início após a assinatura de um termo de consentimento.
O tempo destinado à supervisão também consiste em importan­
te fator para a eficácia do trabalho. O aluno é corresponsável pela ad­
ministração do tempo de sua apresentação, desde que previamente in­
formado pelo supervisor sobre quantos minutos ou quantas horas dis­
põe. Em uma supervisão estruturada, o supervisionando pode ter aces­
so aos tempos médios destinados a cada etapa do processo e do tempo
final para discussão, assim, sua apresentação poderá ser adequadamen­
te preparada dentro desses parâmetros. A capacidade de síntese é um
requisito fundamental para a supervisão e pode estar entre a gama de
aprendizados desenvolvidos nesse processo.
Os objetivos da supervisão contemplam o melhor atendimento
do caso apresentado e a aquisição de experiência e conhecimento por
parte do aluno. Segundo Padesky (2005), as supervisões clínicas em
terapia cognitiva devem proporcionar o ensino e o desenvolvimento de
quatro itens principais: habilidades de conceituação de caso, habilida­
des interpessoais positivas fundamentais para a formação e manuten­
ção de uma relação terapêutica colaborativa, procedimentos clínicos
diversos e protocolos de tratamento específicos.
O aprendizado de supervisão não deve aplicar-se somente ao
caso em acompanhamento, mas precisa ser ampliado para futuros ca­
sos que o supervisionando atender e que guardem semelhanças com o
atual. Assim, a finalidade da supervisão é mais ampla e muitas vezes o
supervisor trará exemplos e fará conexões e raciocínios que irão além
da questão em foco naquele momento. Certamente, nenhum supervi­
sor terá todas as respostas para o caso apresentado, mas o auxílio for­
necido poderá ser incorporado na experiência do aluno e utilizado fu­
turamente nesse mesmo caso ou em outros.
580 Supervisão em Terapia Cognitiva

Instrumentos de avaliação da supervisão

Ao mesmo tempo em que há uma relativa carência de estudos


consistentes sobre o tema supervisão, existem sistemas e escalas que fo­
ram propostos para avaliar esse procedimento. Não obstante, algumas
escalas desenvolvidas para avaliar aspectos da psicoterapia podem men­
surar indiretamente o trabalho do terapeuta e, por conseguinte, da su­
pervisão. O Quadro 20.1 apresenta uma proposta utilizada pelo Insti­
tuto Beck (Cottraux & Matos, 2007).
A Session Evaluation Scale (SES) foi desenvolvida por Hill e Kel-
lems (2002), visando a avaliar as percepções de terapeutas e pacientes
acerca da sessão de psicoterapia. A escala é composta por quatro itens
cada em versão, sendo uma para o terapeuta e outra para o paciente e
tendo as respostas mensuradas por meio de uma escala tipo Likert de
cinco pontos (um: discordo totalmente; cinco:concordo totalmente).
As perguntas ao paciente abordam o quanto valeu a pena ter vindo à
sessão, o quanto acredita que a sessão foi produtiva, o quanto acredita
que houve algum impasse na relação terapêutica e o quanto considera
que a sessão foi útil.
Um instrumento bastante utilizado para a avaliação de uma ses­
são específica de terapia é o Questionário de Avaliação de Sessões (Ses­
sion Evaluación Questionnaire — SEQ), proposto por Stiles (1980). Esse
instrumento é composto por duas partes, sendo que a primeira avalia a
sessão e cada frase inicia com a expressão “Essa sessão foi...”; e a segun­
da parte avalia os sentimentos associados ao atendimento, iniciando
cada frase com “Neste momento eu me sinto...”. Em cada parte são
apresentados 11 pares de adjetivos que nomeiam diferentes emoções e
evidenciam o impacto imediato da sessão sobre as avaliações e os esta­
dos internos do indivíduo, podendo contemplar tanto o paciente
quanto o terapeuta (Delitti, 2002). Em estudo posterior, Stiles et al.
(1994) avaliaram que a mensuração do impacto de uma sessão especí­
fica sobre o paciente é considerada relevante para medir a satisfação do
mesmo, favorecendo a pesquisa e o ensino da psicoterapia.
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 581

Quadro 20.1 Competências gerais dos terapeutas e intervenções especí­


ficas em terapia cognitiva
COMPETÊNCIAS GERAIS INTERVENÇÕES ESPECÍFICAS
• Desenvolver uma aliança terapêutica • Reestruturação dos pensamentos
• Avaliar o humor do paciente disfuncionais
• Elaborar um plano de tratamento • Compartilhamento da conceitualização
• Ponte entre as sessões com o paciente
• Resumos - sínteses • Psicoeducação
• Solicitação defeedback durante as sessões • Análise de custo-benefício
• Estilo colaborativo • Representação de papéis para o
• Descoberta guiada desenvolvimento de competências
• Gestão do fluxo de tópicos por sessão • Exposição imaginária
• Utilização eficaz do tempo • Exposição ao vivo
• Familiarização com a terapia cognitiva: teoria • Ressignificação das experiências infantis
• Familiarização com a terapia cognitiva: terapia • Outros
• Foco sobre as cognições e os comportamentos-
-chaves
• Identificação dos pensamentos automáticos
• Avaliação dos pensamentos automáticos
• Identificação dos pensamentos disfuncionais
• Avaliação dos pensamentos disfuncionais
• Resolução de problemas
• Estabelecimento de tarefas realistas
• Resumo da sessão
• Feedback ao final da sessão
Fonte: Adaptado de Cottraux e Mattos, 2007.

Lamares (2012) faz referência ao Counselour Activity Self-Effi­


cacy Scales — CASES (Lent, Hill & Hoffman, 2003) como um ques­
tionário que avalia a percepção de autoeficácia do terapeuta em rela­
ção à capacidade de oferecer ajuda, condução da sessão e eficácia
para lidar com desafios terapêuticos. Um instrumento apresentado
pela mesma autora, ainda em caráter experimental, é o Strategy Rela­
ted Operation Self-Efficacy Scales — SROSES (Conceição & Vasco,
2008), que aborda as crenças dos terapeutas acerca do seu potencial
para desempenhar várias operações terapêuticas, avaliando ainda o
quanto o terapeuta sente-se capaz de promover estratégias gerais efi­
cazes na sessão seguinte.
582 Supervisão em Terapia Cognitiva

Considerações finais

O ambiente acadêmico, na medida em que conceitualiza os pro­


blemas do paciente, organiza e estrutura a apresentação de casos, con­
duz ao planejamento de estratégias de tratamento, avalia os pensamen­
tos e sentimentos direcionados ao paciente, reproduz posturas empáti-
cas e fortalece relações estáveis e interativas, termina por transmitir ao
psicoterapeuta em formação um conjunto de conhecimentos impres­
cindíveis para os resultados terapêuticos (Wainer & Piccoloto, 2003).
A supervisão de um psicoterapeuta cognitivo, portanto, vai muito
além de orientações sobre como atender um paciente. Envolve uma série
de condutas objetivas e subjetivas, tanto da parte do supervisor como da
parte do aluno, que irão influenciar diretamente nas duas grandes propos­
tas do processo de supervisão: formar um terapeuta cognitivo ético e capa­
citado e oferecer um atendimento de qualidade aos pacientes. O papel do
supervisor deve reproduzir muitos dos princípios da terapia cognitiva, o
que não significa submeter o supervisionando a um processo de psicotera­
pia involuntário, mas proporcionar ao mesmo um ambiente propício a um
aprendizado que transcende o que é verbalizado e o que pode ser lido.

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21
Do Laboratório
para a Clínica

Wilson Vieira Melo, Alcyr Alves de Oliveira Junior e Lisiane Bizarro

Apesar da distância que se observa entre a academia e a prática clí­


nica, a terapia cognitiva se desenvolveu fundamentando muito das
suas intervenções no conhecimento oriundo da Psicologia Cognitiva
Experimental. Processos cognitivos como a memória, a resolução de
problemas, o Julgamento e a tomada de decisões, e a linguagem são
alguns dos temas que influenciaram o trabalho de clínicos ao longo
das últimas décadas. O viés de atenção e outros vieses cognitivos são
conceitos importantes para o desenvolvimento de novas técnicas de
psicoterapia e também de modalidades de tratamentos dentro das
abordagens cognitivas. Dentre os fenômenos cognitivos mais estu­
dados se encontra a atenção seletiva, uma vez que ela está direta­
mente ligada a mecanismos de regulação das emoções eà manuten­
ção de esquemas mentais.
W.V.M.

A atenção seletiva é um dos processos cognitivos mais estudados


desde o século passado e está na porta de entrada do processamento
mental (Driver, 2001). Esta se vale do aparato sensorial para captar os
estímulos oriundos do ambiente (Broadbent, 1973) e, a partir daí,
processar a informação nas demais funções cognitivas. Assim, a aten­
ção pode ser definida como o fenômeno pelo qual uma quantidade li­
mitada de informações é processada através dos estímulos captados pe-
586 Do Laboratorio para a Clínica

los sentidos, pela memoria e por outros processos cognitivos (Puliafico


& Kendall, 2006). Essa informação de que existe uma limitação dos
recursos da atenção é muito relevante, urna vez que possui um caráter
pragmático em sua aplicabilidade clínica e não clínica. E muito im­
portante que se amplie o entendimento do funcionamento limitado da
atenção, uma vez que isso pode influenciar desde questões ligadas à
aprendizagem em sala de aula até ao processamento de estímulos em
ambientes perturbados, como na guerra e nos transtornos mentais.
Desde o século passado, diversos autores têm se preocupado em
estudar o modo de funcionamento dos processos mentais, e talvez um
dos primeiros a se ocupar com essas questões tenha sido William James
(1887-1904). Desde então, muitas sofisticações foram propostas, como
a sugestão da influência das emoções nos processos atencionais.
Assim como a ansiedade parece servir como um mecanismo adap-
tativo de sobrevivência dos organismos vivos, incluindo os seres huma­
nos, a atenção seletiva também parece desempenhar tal papel (Bradley,
2009). Existem evidências, relacionadas à pesquisa experimental, de que
o processamento da atenção pode apresentar alguma seletividade para
estímulos, como os de animais peçonhentos (Lipp & Derakshan, 2005).
Esses animais são ameaça para a sobrevivência do indivíduo, e talvez por
isso a atenção acabe priorizando tais estímulos em detrimento de outros
menos ameaçadores. Outros estudos sustentam que os estados emocio­
nais ansiosos influenciam no direcionamento de recursos da atenção
para estímulos ameaçadores (Mogg, Mathews, Bird, & Macgregor-Mor-
ris, 1990). Parece óbvio que um indivíduo com transtorno de pânico
monitore constantemente o seu corpo em busca de estímulos que con­
firmem sua crença de vulnerabilidade (Teachman, 2005). Apesar de o
coração de todas as pessoas vivas estar constantemente bombeando san­
gue para o resto do corpo, nem todos atentam para os batimentos cardí­
acos como fazem os indivíduos com esse transtorno.
De acordo com as teorias clássicas da atenção, esta se vale de
todo o aparato sensorial para receber as informações que serão filtradas
até chegarem a outros processos mentais superiores (Broadbent, 1973)-
Os órgãos dos sentidos, o visual, o auditivo, o tátil, o gustativo e o ol­
Estratégias Psícoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 587

fativo (Mesulam, 1998), são os responsáveis pela captação dos estímulos,


internos e externos, que irão inundar a atenção com informações. O in­
divíduo usa a atenção para selecionar a qual dessas informações se dará
maior grau de relevância e, nesse processo de gerenciamento dos recur­
sos, a ansiedade exerce um papel crucial em seu funcionamento (Mogg
& Bradley, 1998). A informação de que existe um cinzeiro no recinto é
mais relevante para alguém que é fumante do que para um não fumante.
Por essa razão, pessoas que fumam tendem a perceber primeiro a presen­
ça de estímulos relacionados com o cigarro, por exemplo.
Essa informação pode ser de extrema importância quando se
está falando de estratégias de manejo da fissura em um indivíduo com
problemas relacionados ao uso de substâncias, por exemplo. Assim co­
mo se sabe que locais e contextos específicos podem ser situações de
risco para uma recaída, estímulos específicos talvez possam ser incluí­
dos em estratégias para a prevenção da recaída na dependência quími­
ca (para mais informações, ver Capítulo 8).
Para fins de elaboração deste capítulo, priorizou-se a revisão de
publicações que investigaram os canais de atenção visual e auditiva, uma
vez que estudos prévios têm demonstrado uma forte interação desses ca­
nais (Stekelenburg & Vroomen, 2007). Entretanto, qualquer canal sen-
sorial pode, aparentemente, influenciar na atividade cognitiva e, assim,
na resposta emocional e comportamental. Imagine, por exemplo, a res­
posta de ansiedade de um indivíduo com transtorno de estresse pós-
traumático ao sentir o cheiro do perfume de seu agressor ou, ainda, o
gosto de sangue na boca que sentiu enquanto estava sendo espancado.

Atenção auditiva seletiva

Os primeiros estudos do século passado com o propósito de in­


vestigar a atenção seletiva foram realizados na década de 1950 e priori­
zaram o canal auditivo, centrando-se em um aspecto que ganhou des­
taque na literatura científica da área como o “problema do coquetel”
(Driver, 2001). Tal problema foi inspirado nas situações em que, em
588 Do Laboratório para a Clínica

um ambiente ruidoso, como em um coquetel, com muitas pessoas


conversando, o sujeito decide prestar atenção a uma determinada con­
versa, ignorando os demais sons paralelamente captados (Cherry,
1953). Essas situações, bem como o interesse em se estudar a atenção
dos controladores de vôo (Kafry & Kahneman, 1977), e as demais ati­
vidades que demandavam atenção a estímulos monótonos e a outros
fatores distratores, fizeram com que alguns pesquisadores questionas­
sem o que determinava o direcionamento da atenção.
Na tentativa de elaborar uma explicação para o fenômeno, uma
das primeiras e mais importantes teorias propostas foi a do “filtro”, de
Broabendt (1958), na metade do século passado (Driver, 2001). De
acordo com esse modelo teórico, múltiplos canais de entrada de dados
sensoriais chegariam até um filtro da atenção que permitiría a passa­
gem de apenas um desses dados, para então chegar aos processos de
percepção (Broadbent, 1958). Nesse filtro, além dos estímulos-alvo,
nenhum outro estímulo diferente poderia passar pelo sistema de aten­
ção, para chegar até os sistemas mais elevados de processamento. O
modelo é chamado de filtro, pois os demais estímulos não selecionados
seriam descartados e poderíam nunca chegar até a percepção.
Indivíduos portadores de transtorno de déficit de atenção/hipe-
ratividade tendem a apresentar muita dificuldade em manter o foco
atencional em um determinado estímulo (Sonuga-Barke et al., 2013).
Além de não prestarem atenção aos eventos que ocorrem ao seu redor,
os pacientes costumam relatar também a dificuldade adicional de man­
ter a atenção focada, sustentando o mesmo nível de rendimento na lei­
tura de um livro ou em uma reunião de trabalho.
Apesar de se mostrar bastante coerente, muitas críticas foram
feitas ao modelo teórico de Broabendt (1958), a partir do momento
em que alguns experimentos começaram a questionar os pressupostos
dessa teoria. Um dos estudos mais conhecidos é o de Corteen e Dunn
(1974), em que pessoas foram condicionadas com choque elétrico pa­
reado a certas palavras. Quando tais palavras eram ouvidas, o sujeito
exibia uma resposta galvánica na pele devida ao processo de condicio­
namento clássico (Mãrks, 2004). Os resultados encontrados foram
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 589

que, depois do condicionamento, essas palavras poderíam produzir respos­


tas galvánicas na pele mesmo se elas estivessem sendo apresentadas ao ou­
vido não sombreado, isto é, aquele em que o sujeito não deveria estar fo­
cando sua atenção na tarefa de escuta dicótica (Cheny, 1953).
Tais resultados sugerem, através de evidências fisiológicas, que os es­
tímulos auditivos expostos ao ouvido não sombreado são captados em al­
gum nível, mesmo que os indivíduos se disponham a ignorar a mensagem
(Corteen &L Dunn, 1974). Um indivíduo com diagnóstico de transtorno
de estresse pós-traumático pode apresentar pareamento de diversas infor­
mações que estavam presentes na hora do evento, sem que necessariamen­
te se lembre de ter prestado atenção seletivamente àquele estímulo. Por
exemplo, uma pessoa pode ter sido assaltada por um meliante alcoolizado
e apresentar sintomas de ansiedade relacionados ao odor do álcool, mesmo
que esse dado não lhe apareça claramente na memória.
A teoria do filtro possui uma boa capacidade explicativa para que se
entenda o funcionamento da atenção seletiva (Driver, 2001). Entretanto,
não demorou muito para que outras teorias inspiradas nas idéias de Broa-
dbent promovessem novas hipóteses, mais completas e sofisticadas.
A primeira teoria de atenção, de Treisman (1960), chamada de
“modelo de atenuação”, propõe que se, por exemplo, na tarefa de escuta
dicótica, um ouvido capta alguma mensagem interessante enquanto o
indivíduo está prestando atenção a uma mensagem coerente no outro
ouvido, a atenção é desviada imediatamente para o primeiro. A diferen­
ça das conclusões do experimento de Treisman (1960) com o de Cherry
(1953) é que neste último as conclusões diziam respeito a propriedades
físicas da mensagem, tais como a direção de onde a voz era emitida, o
sotaque, a mudança de timbre de voz, etc. Já Treisman (1960) propôs
que a semântica, isto é, o significado da mensagem, poderia fazer com
que o limiar de captação do estímulo auditivo fosse alterado.
Tais teorias podem, aparentemente, parecer um tanto distantes
do contexto clínico. Entretanto, no transtorno de estresse pós-traumá­
tico, por exemplo, muitos estímulos pareados na memória não são
processados conscientemente pelo indivíduo durante o evento traumá­
tico (Buckley, Blanchard, & Neill, 2000). Uma mulher vítima de estu-
590 Do Laboratório para a Clínica

pro pode ter prestado atenção às orientações e ordens do estuprador


durante o ato violento (equivalente ao ouvido sombreado na tarefa da
escuta dicótica) e, no entanto, apresentar uma resposta de ansiedade
posterior, por exemplo, ao ouvir uma música que estava tocando na
hora e no local do evento. A música não foi processada consciente­
mente durante o evento traumático, e ela pode não lembrar de tê-la
ouvido. Entretanto, a resposta emocional denuncia que a sua atenção
processou essa informação em um nível não consciente através do ca­
nal auditivo (Freeman & Beck, 2000a).
A teoria da atenuação sugere que o contexto levará a atenção a
focar-se brevemente na mensagem que deveria ser ignorada. Treisman
(1960) propôs uma revisão da teoria do filtro, sugerindo que estímulos
que não estão sendo focados pela atenção, em vez de serem filtrados e
descartados, são atenuados na porta de entrada da atenção. Essa sofis­
ticação proposta ao modelo teórico de entendimento da atenção seleti­
va deu-lhe um caráter menos mecanicista, ao compreender a atenção
como uma ferramenta complexa que leva em consideração não só a
percepção do estímulo captado, mas também o contexto do qual o es­
tímulo está sendo extraído.
Tal formulação teórica pode ser corroborada por resultados de es­
tudos que investigaram os processos cerebrais ligados à audição (Talsma,
Doty, & Woldorff, 2007; Talsma, Kok, Slagter, & Cipriani, 2008). As­
sim, a atenção auditiva seletiva recebe as informações de todo o aparato
sensorio auditivo, que é o responsável pela captação das ondas sonoras,
as quais são percebidas através das células ciliadas externas e levam a in­
formação através dos nervos até os centros de processamento no lobo
temporal. A chegada desses estímulos é captada e modulada através de
diferentes aspectos, até chegar à consciência (Treisman, 1960).
Os mecanismos envolvidos na organização da atenção, na prio-
rização de um ou outro canal sensorial, são determinados pelos recur­
sos disponíveis em algum dos canais possíveis (Talsma et al., 2008).
Quando duas pessoas estão tentando estabelecer um diálogo em um
ambiente de penumbra ou completa escuridão, por exemplo, o canal
auditivo pode ser a principal fonte de captação da informação e de
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 591

orientação. Da mesma forma, é possível que, em um ambiente bastan­


te barulhento, como em uma festa, a visão seja o recurso perceptivo
mais útil para se compreender o que o outro tenta comunicar.

Atenção visual seletiva

Se, no princípio, os trabalhos na área da atenção priorizavam o


estudo do canal auditivo, foi a partir da década de 1960 que os pes­
quisadores começaram a investigar, principalmente, a atenção seletiva
através do canal visual. Tais trabalhos produziram muitas repercussões
nas teorias acerca do funcionamento da atenção (Driver, 2001). Por
exemplo, em um estudo em que diversas letras, dispostas em quatro fi­
leiras, eram brevemente apresentadas de modo simultâneo, os partici­
pantes da pesquisa demonstraram não serem capazes de relatar todas
as letras apresentadas. Tal dado nos permite observar a capacidade li­
mitada da atenção visual (Sperling, 1960).
A agorafobia é um transtorno de ansiedade em que o indivíduo
pode apresentar uma seletividade da atenção para estímulos, locais ou
contextos nos quais possa ser difícil uma evasão. A técnica de distra­
ção, utilizada no tratamento de pacientes com agorafobia, visa sobre­
carregar os recursos atencionais do indivíduo a fim de que ele não con­
siga processar os estímulos que possivelmente o levariam a ter um ata­
que de pânico (Goodwin & Gotlib, 2004; Rangé & Borba, 2008). Se,
por exemplo, um paciente com agorafobia se vê preso num engarrafa­
mento de trânsito, e inicia um processo automático de busca de saída
para sua rota de fuga, isso irá potencializar a resposta de ansiedade
apresentada por ele (Teachman, Marker, & Smith-Janik, 2008). Con­
tudo, se ele tentar distrair-se com outros estímulos, sua atenção não
será capaz de seguir processando os demais estímulos relacionados à
sua ansiedade, uma vez que o sistema atencional será sobrecarregado
pelas informações adicionais.
Além da capacidade limitada de processamento da atenção, mui­
tas outras questões foram levantadas a partir dos resultados de estudos
592 Do Laboratorio para a Clínica

da época, por exemplo, de que existiría pelo menos um pouco de pro­


cessamento de informação visual das informações que os individuos
não estavam focando a atenção (Rock & Gutman, 1981). Esses questio­
namentos surgiram a partir de testes de memoria surpresa aplicados ao
final da tarefa, da mesma forma como também eram realizados nas tare-
fas que investigavam a atenção seletiva através do canal auditivo. Nesse
estudo, os pesquisadores apresentaram figuras de diferentes formas em
contornos de cores vermelha ou verde e solicitavam aos participantes
que prestassem atenção somente ao formato dos objetos contornados
com uma das cores apenas. Após o final da tarefa, era solicitado que re­
latassem o formato dos objetos de ambas as cores. Os resultados indi­
caram que as respostas foram mais precisas para os objetos contorna­
dos com a cor-alvo, mas algumas das formas dos objetos da outra cor
também foram fidedignamente descritos (Rock & Gutman, 1981).
Já na década de 1980, muitos outros trabalhos foram realizados
com o propósito de se investigar a atenção visual seletiva e desenvolver
novas teorias capazes de descrever e explicar de maneira mais acurada
o seu funcionamento. O fenômeno de "priming negativo”, isto é, a
lentificação do processamento de uma determinada informação em ra­
zão da interferência de outra, foi investigado em um estudo que tam­
bém utilizou as cores (Tipper, 1985). Os resultados apresentados suge­
rem um aumento do tempo de resposta na nomeação de objetos da
cor-alvo, quando relacionados com o objeto anteriormente apresenta­
do, que deveria ter sido ignorado pelos participantes. Tais resultados
podem ser entendidos como evidências experimentais de que a teoria
do filtro de Broadbent (1958) foi importante para dar início aos traba­
lhos na área, mas que já não é mais o melhor modelo teórico para se
entender fidedignamente o funcionamento da atenção seletiva.
Ainda na década de 1980, Arme Treisman, que já havia proposto no
início dos anos 1960 o “modelo de atenuação”, fez outra importante con­
tribuição para os estudos na área da atenção seletiva, mais específicamente
na atenção visual seletiva, ao propor a teoria da integração das característi­
cas (Driver, 2001). De acordo com a nova teoria de Treisman e Gelade
(1980), diferentes características dos estímulos visuais, tais como suas cores
Estrategias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 593

ou sua orientação, são todos extraídos “pré”-atentivamente pela atenção


em paralelo, sem nenhuma necessidade de uma avaliação serial de cada
item do campo visual (Treisman, 1988; Treisman, &L Gelade, 1980). Essa
proposta torna o entendimento da atenção visual seletiva ainda mais com­
plexo, uma vez que não só o estímulo, mas sim as características dos estí­
mulos, interferem no seu processamento.
A nova proposta teórica de Treisman assume que um aspecto físico
simples pode ser codificado em paralelo “pré” atentivamente, mas quando
uma característica é mais elaborada e complexa, acaba exigindo mais re­
cursos da atenção, e com isso ela requer um processo serial da atenção
(Treisman, 1986). Desse modo, o modelo propóe que a atenção humana
não é nem só serial e nem funciona exclusivamente em paralelo, sofrendo
grande influência das características específicas de cada estímulo.
Atualmente, entende-se que atenção visual é um conjunto de
mecanismos pelos quais informações visuais relevantes são selecionadas
e, por outro lado, aquelas que são consideradas irrelevantes ou, talvez,
com menor nível de importância, são descartadas (Olivers & Watson,
2006). A atenção visual não é simplesmente um processo de top-down
ou de bottom-up, mas é implicitamente afetada pela capacidade de re­
conhecimento visual, desempenhado por processos cerebrais comple­
xos, bem como por componentes motores, tais como o movimento
dos olhos, de músculos da face e do pescoço, e demais partes do corpo
(Driver, Davis, Russell, Turatto, & Freeman, 2001). Dessa forma, evi­
dentemente não só os olhos participam do processo de identificação
dos estímulos visuais, mas também todo um sistema complexo que in­
clui mecanismos neurais bastante sofisticados.

Principais divergências das teorias de atenção seletiva

Dentre as teorias que abordam a atenção seletiva, muitas delas


podem apresentar aspectos conflitantes e até mesmo antagônicos. Es­
ses choques entre diferentes pontos de vista são extremamente ricos do
ponto de vista de produção de conhecimento científico, pois possibili-
594 Do Laboratório para a Clínica

tam avanços teóricos que fornecerão novos subsidios para o desenvol­


vimento de técnicas psicoterápicas e de abordagens de tratamento,
como por exemplo a Terapia de Modificação do Viés Atencional (para
mais informações, ver Capítulo 15).
Diferentes interpretações separam os pontos de vistas daqueles
que acreditam que os estímulos são selecionados no início do processo
atencional daqueles que acreditam que a seleção ocorre tardíamente
(Driver, 2001). Os que acreditam em um processamento anterior
(Broadbent, 1958), preferiram interpretar tais resultados antes como
uma falha excepcional da atenção do que como estímulos distratores
que interferem no processamento. Já os que preferem uma explicação
baseada no processamento tardio (Deutsch & Deutsch, 1963) alegam
que tais resultados servem de evidências para um processamento dos
distratores e não para uma completa exclusão como propõe o modelo
de Broabendt (1958). Tais pesquisadores têm frequentemente adotado
uma postura dicotômica. Assim, tanto uma visão de processamento es­
tritamente anterior como de processamento tardio parecem estar cor­
retas (Driver, 2001). Esse antagonismo das explicações propostas pelas
teorias talvez sirva como um degrau para se chegar a uma explicação
mais integradora, que leve em consideração aquilo que cada um dos
pontos de vista tem de mais digno de crédito.
Em uma extensa revisão dos achados de estudos passados feita
por Lavie e Tsal (1994), algumas questões metodológicas, tais como o
tipo de estímulos utilizados ou a complexidade das tarefas, foram no­
tadas. Isso possibilitou finalmente que se buscasse uma abordagem in­
tegradora dessas posições antagônicas. Os resultados que aparentemen­
te favorecem uma seleção tardia dos estímulos por parte da atenção
têm normalmente obtido seus achados através de estudos que exigem
uma baixa quantidade de processamento de informações. Por outro
lado, os achados que fundamentam os argumentos daqueles que acre­
ditam que uma seleção inicial dos estímulos ocorrería no processamen­
to da atenção se embasam em estudos com uma quantidade muito
maior de informações a serem processadas pela atenção, o que exige
muito mais do sistema cognitivo (Lavie & Tsal, 1994).
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 595

Dessa maneira, na tentativa de se desenvolver um modelo explica­


tivo, um cálculo proposto por Lavie e colaboradores (2004), incorpo­
rando alguns aspectos de ambas as abordagens — isto é, a seleção inicial e
a tardia —, integrou formas que até então eram entendidas como mutua­
mente excludentes. Como na abordagem tradicional da seleção tardia de
estímulos por parte da atenção (Deutsch & Deutsch, 1963), eles assu­
mem que o processamento desta é automático, no sentido de que não
pode ser detido. Por outro lado, assim como na tradicional teoria do fil­
tro (Broadbent, 1958), no qual a seleção ocorre inicialmente, a capaci­
dade de processamento da atenção é considerada da mesma forma limi­
tada (Lavie, Hirst, de Fockert, & Viding, 2004). A integração entre as
duas correntes teóricas proposta por Lavie e seus colaboradores pode ser
considerada um importante avanço no pensamento científico acerca do
processamento da atenção seletiva. Tal abordagem concilia dois impor­
tantes pontos de vista teóricos que podem ser entendidos como comple­
mentares e não mais como sendo mutuamente éxcludentes.
Além da discussão acerca de em que momento ocorre a seleção
pela atenção dos estímulos captados, ou seja, entre os que acreditam
num processamento anterior e aqueles que acreditam em um processa­
mento tardio, outras divergências também fazem parte das discussões
teóricas acerca da atenção seletiva. Dentre elas está a percepção basea­
da no espaço ou no objeto (Driver, 2001).
Uma metáfora bastante comum em relação à atenção seletiva ba­
seada no espaço é a do fòco de luz, onde a atenção dirige mais recursos
para uma determinada região da cena visual para oferecer um processa­
mento mais detalhado da informação. Essa metáfora parte do pressupos­
to de que a atenção visual tem a ver com o movimento que os olhos fa­
zem para dirigir o foco da atenção para determinada região de interesse,
embora existam muitas demonstrações em laboratório de que é possível
mudar a atenção sem movimentar os olhos (Posner, 1980). De acordo
com essa visão, existe uma integração entre as funções da atenção, o que
possibilitaria que alguns processos da atenção ocorressem em paralelo.
Em contraposição à metáfora do foco de luz, existe outra forma
de se entender a atenção seletiva. Essa forma consiste em considerar
596 Do Laboratorio para a Clínica

não o espaço que receberá mais recursos da atenção, e sim o objeto se­
lecionado. Existem consideráveis evidencias na literatura sugerindo
que a atenção visual seletiva é direcionada também pela forma como o
sistema de atenção agrupa ou separa os objetos (Driver & Baylis,
1998). Em um experimento conduzido por Egly e colaboradores
(1994), foi demonstrado que, apesar dos participantes terem bom de­
sempenho para alvos apresentados em um local do objeto, eles tiveram
desempenho superior para alvos apresentados na outra extremidade do
mesmo objeto. Isso em comparação com alvos com a mesma distância
entre si, porém em objetos diferentes (Egly, Driver, & Rafai, 1994). E
possível que a atenção interprete dois estímulos-alvo de modo mais rá­
pido e eficaz quando tais estímulos estão presentes em um mesmo ob­
jeto, como se ela os interpretasse simultânea ou paralelamente.
Uma conceitualização atual da atenção a subdivide em funções de
alerta, de orientação e de controle executivo (Fan et al., 2009), que justi­
ficam a utilização de diferentes tempos de exposição, por exemplo, nos
estudos na área da atenção visual seletiva. De acordo com essa subdivi­
são, o alerta descreve a função de manter o estado de alerta e responder
aos sinais de perigo. Já a orientação, tanto a automática quanto voluntá­
ria, está envolvida na seleção de informações acerca dos múltiplos inputs
sensorios. O controle executivo, por sua vez, descreve um conjunto das
mais complexas operações, que incluem a detecção e a resolução de con­
flitos de modo apropriado para controlar pensamentos ou comporta­
mentos. Algumas evidências sustentam essa teoria de atenção através da
demonstração de que cada função aparenta ser auxiliada por uma distin­
ta rede de circuitos cerebrais e é diferentemente enervada por vários sis­
temas neuromodulatórios (Posner & Rothbart, 2007).
Apesar de alguns estudos terem se dedicado a tentar entender a
separação funcional dessas redes, tanto em estados saudáveis como em
patológicos, a interação entre elas ainda permanece pouco clara (Pos­
ner, Sheese, Odludas, & Tang, 2006). Assim, torna-se necessário se
entender em que nível ocorrem tais interações entre os circuitos cere­
brais e de que forma esses processos afetam o funcionamento da aten­
ção. Também é importante integrar os conhecimentos da área da pes­
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 597

quisa básica com a clínica. Em razão disso, estudos da atenção têm


sido conduzidos não apenas em população não clínica, mas também
com indivíduos com diferentes psicopatologias (Dobson & Dozois,
2004; Lavy, van den Hout, & Arntz, 1993; Taghavi, Neshat-Doost,
Moradi, Yule, & Dalgleish, 1999).

A atenção seletiva na clínica

De acordo com a terapia cognitiva, os esquemas mentais são um


conjunto de crenças e regras que regulam e orientam o processamento de
informações (Knapp & Beck, 2008). Em razão dessa primazia do pensa­
mento sobre a emoção, é possível compreender que é a partir da interpre­
tação dos eventos que as reações emocionais, fisiológicas e comportamen-
tais se estabelecem. Dessa forma, as psicopatologias estariam relacionadas
a um modo disfuncional de interpretar os eventos (Beck & Alford, 2000).
Nem todos os transtornos mentais possuem a mesma forma de
interpretação dos eventos, posto que não existe uma maneira única de
se ver um fato de modo disfuncional. A atenção é seletiva para os estí­
mulos que são coerentes com o conteúdo dos esquemas mentais do in­
divíduo (Melo, Peixoto, Oliveira, & Bizarro, 2012). Essa especificida­
de do conteúdo cognitivo nas psicopatologias foi nomeada de teoria
da especificidade de conteúdo cognitivo.
O conceito de especificidade de conteúdo cognitivoestabelece que
existe uma seletividade da atenção para estímulos congruentes com os
esquemas que ocupam a mente dos indivíduos (Beck, 1979). Uma pes­
soa com uma fobia específica do tipo animal (aranhas) pode entrar em
um ambiente e ser a primeira a ver uma teia de aranha no canto do teto.
Isso se dá pela maneira com que a seus órgãos dos sentidos sondam o
ambiente e pelo modo como a atenção filtra as informações a procura de
estímulos que sejam, por ela, interpretados como ameaçadores.
E importante salientar que não existe estímulo inquestionavelmente
ameaçador (alvo) ou neutro, uma vez que a especificidade depende direta­
mente do conteúdo dos esquemas mentais relacionados ao viés (Melo et
598 Do Laboratório para a Clínica

al., 2012; Melo, Oliveira, Peixoto, Bizarro, 2012; Melo, Bizarro, Peixo­
to, & Oliveira, 2012). Se o indivíduo do exemplo anterior, com fobia de
aranha, entrar em um local com pistas relacionadas a cobras ou a cães, sua
atenção não apresentará o automatismo observado em indivíduos com fo­
bia a esses animais (Teachman, Gregg, & Woody, 2001).
Obviamente existem alguns estímulos que são mais propensos
do que outros a se tornarem foco do medo fóbico. É mais fácil desen­
volver uma fobia de cobras do que de borboletas, em razão da função
evolutiva desses medos nos seres vivos (Marks, 2002; Melo, Oliveira,
& Bizarro, 2014). Nossos antepassados, que se depararam com cobras
no passado, tiveram mais experiências aversivas do que aqueles que se
defrontaram com borboletas.
A terapia cognitiva postula a existência de um modelo cognitivo
diferente para cada transtorno mental (Beck, 1979). O aparelho men­
tal cria representações dos fatos e é a partir desse processamento que se
experimentam as emoções e se manifestam os comportamentos. Entre­
tanto, existe um automatismo da atenção para as informações relevan­
tes para o tipo de conteúdo das crenças. Assim, a atenção direciona
seus recursos para as informações congruentes com o conteúdo dos es­
quemas mentais do indivíduo (Beck, 1963). Se uma determinada pes­
soa, por exemplo, foi picada por uma aranha, viu alguém sendo picado
ou ouviu falar que elas são perigosas, e desenvolveu uma crença pessoal
de vulnerabilidade — “Sou vulnerável” — e de que “As aranhas são ex­
tremamente perigosas”, é possível que ela seja a primeira pessoa a loca­
lizar um tal espécime em um determinado ambiente. Sua atenção esta­
rá dirigida para as informações referentes ao conteúdo de seus esque­
mas mentais, possivelmente provocando ansiedade na presença de estí­
mulos relacionados a aranhas (Teachman & Woody, 2003).
A ansiedade influencia diretamente o funcionamento da atenção
e parece exercer a função de um importante mecanismo de regulação
do sistema cognitivo (Eysenck, 1992). Atualmente muitos pesquisado­
res têm trabalhado com a hipótese de que a atenção seletiva para ame­
aça seria ao mesmo tempo causa e consequência, ou seja, o indivíduo
fica ansioso porque desenvolve uma hipervigilância à ameaça e se man-
Estrategias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 599

tém nesse estado emocional porque está sempre envolvido em evitar a


ameaça percebida (Jansson & Najstrõm, 2009)- Isso parece ter uma apli­
cabilidade no tratamento de psicopatologias relacionadas à ansiedade.
Diversos trabalhos têm sugerido que nos transtornos de ansieda­
de pode existir uma distorção das informações relacionada ao perigo
(Hazlett-Stevens & Craske, 2003; Mathews & MacLeod, 1986; Mogg,
Bradley, Millar, & White, 1995; Mogg & Bradley, 1998; Mohlman &
Gorman, 2005). Os estímulos são captados por uma quantidade eleva­
da de recursos da atenção, exigindo um maior desgaste no processa­
mento da informação, uma vez que ativam as memórias de ameaças
dos indivíduos ansiosos (Puliafico & Kendall, 2006). Indivíduos clíni­
camente ansiosos demonstram um padrão de processo seletivo que
opera de modo a favorecer a codificação de informação ameaçadora
(Williams, Mathews, & MacLeod, 1996).
De acordo com o modelo cognitivo da ansiedade, o processa­
mento cognitivo é guiado por certas regras que determinam como a
informação é percebida, interpretada e recordada (Beck & Clark,
1997). Assim, diante da informação que sinaliza perigo, há uma foca-
lização da atenção na ameaça, gerando uma hipervigilância que au­
menta e se torna mais evidente e problemática conforme os níveis de
ansiedade aumentam, tal como ocorre nos transtornos de ansiedade.
Deste modo, estados clínicos e não clínicos de indivíduos ansio­
sos desempenham um papel importante na forma como a atenção
opera. O viés seria evidenciado em indivíduos clínicamente ansiosos
ao longo de um continuum do processamento da informação que
acompanharia os níveis de ansiedade. Além disso, é necessário destacar
a importância da especificidade do estímulo para a obtenção de viés de
atenção (Melo et al., 2012).
Durante as duas últimas décadas, muitos estudos têm sugerido
que a ansiedade pode ser caracterizada por um viés da atenção que favo­
rece o processamento de estímulos de ameaça (McNally, Riemann, &
Kim, 1990; Mogg & Bradley, 1999; Mogg, Mathews, & Weinman,
1989; Rossignol, Philippot, Crommelinck, & Campanella, 2008; Ros-
signol, Philippot, Douilliez, Crommelinck, & Campanella, 2005). Esse
600 Do Laboratorio para a Clínica

viés tem um papel central no desenvolvimento e na manutenção de esta­


dos patológicos, associados com a ansiedade. Entretanto, conforme já
descrito anteriormente, é necessário que haja uma especificidade do estí­
mulo em relação ao conteúdo cognitivo.
A maior parte dos trabalhos em que o viés de atenção é evidencia­
do trabalha com estímulos específicos relacionados a alguma psicopato-
logia (Field, Mogg, Zatteler, & Bradley, 2004; Hester, Dixon, & Gara-
van, 2006; Lavy et al-, 1993; Mogg & Bradley, 2005; Peretti, 1998; To-
wnshend, & Duka, 2001; Yeomans, Javaherian, Tovey, & Stafford,
2005). A habilidade para direcionar o foco da atenção para um estímu­
lo-alvo relevante na presença de outros distratores em potencial é crucial
para um funcionamento cognitivo eficaz. Entretanto, simplesmente ins­
truir as pessoas a ignorar os estímulos irrelevantes não é o suficiente para
prevenir esse processamento, que ocorre de forma automatizada (Lavie,
2005). Alguns estudos revelaram que o processamento de estímulos dis­
tratores, ou seja, aqueles que concorrem pela atenção, depende critica­
mente do nivel e do tipo de carga emocional envolvida no processamen­
to das informações relevantes (Estes & Verges, 2008; Lavie, 2005;
Mogg et al., 1990; Teachman, 2007). Tais estímulos podem exigir priori­
dade dos recursos da atenção, posto que emoções, como a ansiedade, pare­
cem estar ligadas a mecanismos de sobrevivência (Estes & Verges, 2008).
Para se estudar o funcionamento da atenção e seu viés ñas diferentes
condições emocionais e psicopatológicas, foram desenvolvidas no passado
algumas tarefas experimentais que são utilizadas em certos estudos até
hoje. Entre essas tarefes, encontram-se a Escuta Dicótica (Melo et al.,
2012), o Stroop Emocional (Fava, Kristensen, Melo, & Bizarro, 2009;
Melo et al., 2012) e a Visual Probe Detection Task (Melo et al., 2012).
O viés de atenção é um fenômeno que consiste em um automatis­
mo da mesma para estímulos específicos no ambiente (MacLeod, Ma-
thew, & Tata, 1986). Aparentemente, qualquer canal sensorial pode
apresentar algum viés de atenção em seu funcionamento. Uma vez que a
atenção depende da captação dos estímulos através dos canais sensoriais,
torna-se importante o seu estudo a partir das diversas “portas de entra­
da”, tais como a visão, a audição, o olfato, o tato e a gustação.
Estrategias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 601

O clássico trabalho da escuta dicótica (Cherry, 1953) permitiu


observar empíricamente o viés de atenção auditivo em diferentes psico-
patologias (Urban, Kremlacek, Masopust, & Libíger, 2008). Os resulta­
dos desses trabalhos demonstram haver uma alteração do funcionamen­
to da atenção tanto no que diz respeito à lateralidade auditiva quanto na
captação da informação de acordo com o conteúdo semântico da men­
sagem apresentada na tarefa. Esse instrumento de investigação do viés de
atenção já foi utilizado em estudos com participantes com transtorno da
personalidade antissocial (Hare & McPherson, 1984), com crianças com
comorbidades entre transtorno do déficit de atenção/hiperatividade e
transtornos de ansiedade (Manassis, Tannock, & Barbosa, 2000), além
de adultos com comorbidade entre depressão maior e transtornos de an­
siedade (Bruder, Wexler, Stewart, Price, & Quitkin, 1999).
O estudo da atenção seletiva através do canal visual também teve
alguns trabalhos clássicos que acabaram inspirando novos estudos nes­
sa área. Dentre esses trabalhos, é possível destacar os de MacLeod e co­
laboradores com o uso do Stroop Emotional Task (Williams et al.,
1996). Esse estudo não foi a primeira publicação a tratar da atenção
visual seletiva, mas é considerado por muitos pesquisadores como um
dos mais importantes trabalhos da área, uma vez que analisa o contex­
to emocional que influencia o direcionamento da atenção para a cap­
tação e processamento do estímulo (Dresler, Mériau, Heekeren, & Van
Der Meer, 2009; Fava et al., 2009). Desde essa publicação até os dias
de hoje, o teste de Stroop tem sido o mais utilizado na investigação do
processamento da atenção (Dobson & Dozois, 2004; Peretti, 1998).
A lentificação na nomeação de cores para palavras relacionadas a
algum conteúdo semântico relevante para populações específicas tem
sido replicado em diversos estudos incluindo sujeitos com fobia social,
transtorno de ansiedade generalizada, transtorno de pânico, transtorno
obsessivo-compulsivo e transtorno de estresse pós-traumático (Kaspi,
McNally, & Amir, 1995) comparados com grupos-controles. Também
foram feitos estudos com pacientes portadores de dor crônica (Pearce
Sc Morley, 1989), transtornos alimentares (Dobson & Dozois, 2004),
dependência química (Hester et al., 2006), dentre outros.
602 Do Laboratório para a Clínica

Outro importante método de investigação do viés de atenção é a


Visual Probe Detection Task (MacLeod et al., 1986). O que a maioria
dos trabalhos que fizeram uso desse paradigma apresenta é que, depen­
dendo da especificidade de cada psicopatologia, o viés tende a direcio­
nar os recursos da atenção para determinados tipos de estímulos. Essa
tarefa vem sendo estudada em diversos contextos (Williams et al.,
1996), tais como dependência química (Lopes, Peuker, Bizarro,
2008; Townshend & Duka, 2001), transtornos alimentares (Newman,
O’Connor, & Conner, 2008), além de transtornos de ansiedade em
crianças (Kindt, Bogels, & Morren, 2003; Vasey, Daleiden, Williams,
& Brown, 1995), ansiedade em adolescentes (Taghavi, Dalgleish, Mo-
radi, Neshat-Doost, & Yule, 2003), adolescentes com comorbidade
entre ansiedade e depressão (Taghavi et al., 1999) e também em adul­
tos com fobia social (Asmundson & Stein, 1994) e transtorno de es­
tresse pós-traumático (Cassiday, McNally, & Zeitlin, 1992; Foa, Feske,
Murdock, Kozak, & McCarthy, 1991; Freeman & Beck, 2000b; Kaspi
et al., 1995). Também foram conduzidos alguns estudos com amostras
de pacientes com comorbidades como depressão maior e transtorno de
ansiedade generalizada (Bruder et al., 1999), e com grupos comparati­
vos entre esses dois transtornos (Mogg &C Bradley, 2005).
Embora alguns autores argumentem que o sistema atencional
dos indivíduos ansiosos é anormalmente sensível ao estímulo amea­
çador e a direção da atenção a esses estímulos ocorrería em estágios
de processamento iniciais e automáticos (LeDoux, 2003; Williams,
Watts, MacLeod, & Mathews, 1988), outros têm proposto que o dé­
ficit principal na ansiedade é a inibição do processamento detalhado
da informação ameaçadora que se reflete na esquiva do estímulo
ameaçador (Baker, McFall & Shoham, 2009). De acordo com essa
visão, os vieses atencionais ligados à ameaça ocorreríam em estágios
de processamento tardios. Mas, independentemente das discussões
existentes acerca do momento em que o viés ocorrería, tal fenômeno
parece estar relacionado a estímulos específicos, não existindo, a
priori um viés da atenção universal.
Estratégias Psicoterápícas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 603

Considerações finais

E importante que exista uma aproximação entre a academia e a


clínica, uma vez que essas áreas se complementam, apesar de historica­
mente terem se mantido distantes uma da outra. Nos transtornos
mentais existe uma distorção das interpretações dos eventos e a aten­
ção opera diretamente nesse processo. A ansiedade patológica faz com
que a atenção seja direcionada para estímulos-alvo com maior investi­
mento, o que faz com que ocorra o enviezamento do seu processamen­
to. Já na ansiedade não clínica, tais estímulos podem necessitar de uma
maior valência ou até mesmo de uma maior especificidade de conteú­
do cognitivo, posto que a distorção não parece ser tão evidente.
A atenção seletiva é um importante mecanismo de gerenciamen­
to das informações captadas pelos órgãos dos sentidos (Lepsien & No­
bre, 2006). Tais dados são processados seletiyamente por esse siste­
ma, uma vez que a capacidade de gerenciar estes recursos é limitada
(Broadbent, 1958, 1973; Driver, 2001; Lewis, 1970; Treisman, 1960).
Dentre esses autores clássicos e suas relevantes contribuições para o
campo da psicologia experimental, existem algumas importantes diver­
gências acerca do funcionamento da atenção, que incluem o momento
em que ocorre a seleção da informação e a forma e a localização espa­
cial em que esses processos acontecem (Lavie, 2005). As implicações
clínicas relacionadas a tais aspectos teóricos ainda precisam ser melhor
conhecidas e estudadas.
Tais discussões teóricas trazem uma importante contribuição
para a prática clínica, uma vez que propiciam um melhor entendimen­
to de fatores que contribuem tanto para a gênese e desenvolvimento
como para a manutenção das diferentes psicopatologias (Teachman &
Woody, 2004). Os processos cognitivos estão relacionados com meca­
nismos adaptativos e a sua disfuncionalidade parece estar diretamente
ligada às diversas psicopatologias (Wiers, Teachman, & Dé Houwer,
2007), tendo implicações não só para o laboratório como também
para a prática clínica.
604 Do Laboratório para a Clínica

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22
Psicoterapia e Psicofarmacologia
Combinadas no Tratamento dos
Transtornos Mentais
Aline André Rodrigues, Nathalia Janovik da Silva
e Aristides Volpato Cordioli

Na década de 1950, a descoberta dos medicamentos psicofármacos


iniciou uma verdadeira revolução no tratamento de muitas psicopa-
tologias que apresentavam pouca ou nenhuma resposta efetiva aos
métodos até então empregados. Desde então, muitas coisas muda­
ram. O desenvolvimento de novas drogas, cada vez mais eficazes,
tem modificado o prognóstico e aumentado a qualidade de vida de
muitos pacientes em todo o mundo. Entretanto, para muitos trans­
tornos mentais, o tratamento combinado, que associa medicamentos
às poderosas ferramentas da terapia cognitiva, ainda parece trazer
os melhores resultados. Conforme KayJamison: "nenhum comprimido
tem condições de me ajudar com o problema de não querer tomar
comprimidos. Da mesma forma, nenhuma quantidade de sessões de
psicoterapia pode, isoladamente, evitar minhas manias e depressões.
Eu preciso dos dois" (Jamison, 1996).
W.V.M.

A combinação entre a psicoterapia e a psicofarmacologia no tra­


tamento dos transtornos mentais tem sido uma questão conflitante na
história da psiquiatria, embora os estudos mais recentes apontem para
a relevância da integração dessas modalidades na prática psiquiátrica
atual. Acompanhando o surgimento contínuo dessas publicações nos
últimos anos, observa-se uma mudança importante na atitude dos psi-
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 611

coterapeutas em relação à aplicação da psicofarmacologia concomitan­


temente à realização de diferentes modalidades de psicoterapia, in­
cluindo-se a psicanálise, uma vez que a abordagem dos transtornos
psiquiátricos através de uma visão exclusivamente biológica ou psico­
lógica não se sustenta à luz do conhecimento atual — nenhum modelo
explicativo se revelou suficientemente amplo e consistente para abran­
ger a complexidade das psicopatologias. Além disso, o tratamento
apoiado num modelo etiológico parcial da doença mental pode impe­
dir o paciente de obter o tratamento mais efetivo, na medida em que
parte dos fatores não está sendo abordada.
É inegável que, ao longo dos últimos 50 anos, o desenvolvimento
de agentes psicotrópicos tenha produzido um impacto positivo em rela­
ção aos sintomas dos principais transtornos mentais, tais como a esqui­
zofrenia, a depressão, o transtorno bipolar, os transtornos de ansiedade e
o transtorno obsessivo-compulsivo (Klerman, Weismann, & Markovitz,
1994). Nesse sentido, os sintomas que causam intenso desconforto físico
e intrapsíquico ao paciente, como, por exemplo, alucinações e delírios
persistentes em surtos psicóticos comuns à esquizofrenia e ao transtorno
bipolar, dificilmente são aliviados apenas com psicoterapia e requerem
intervenção farmacológica imediata. No entanto, deve-se levar em con­
sideração que, na maioria das vezes, os pacientes também apresentam
questões interpessoais e psicossociais subjacentes ao quadro clínico, as
quais não são resolvidas exclusivamente pela farmacoterapia. Tais qua­
dros, como regra, têm implicações profundas sobre a família e sobre as
relações familiares dos indivíduos afetados, e necessitam ser abordados
de forma complementar à terapia farmacológica. De maneira semelhan­
te, a esquiva fóbica, que está presente em diversos transtornos de ansie­
dade e, frequentemente, leva a grave prejuízo no funcionamento ocupa-
cional, social e interpessoal do indivíduo, dificilmente é reduzida com a
utilização exclusiva de fármacos, e responde mais satisfatoriamente à te­
rapia comportamental ou cognitivo-comportamental.
Crenças disfuncionais estão presentes na maioria dos transtornos
mentais e têm um papel extremamente importante tanto na sua ori-
612 Psicoterapia e Psicofarmacologia Combinadas no Tratamento dos—

gem como na sua manutenção. Como exemplos se podem citar: a vi­


são negativa de si mesmo, do ambiente ao redor e do futuro, típicas
dos quadros depressivos; a interpretação catastrófica de síntomas físi­
cos no transtorno de pánico; a expectativa de avaliação negativa por
parte dos outros, na fobia social, ou ainda as crenças erradas envolven­
do risco, responsabilidade, poder do pensamento, e necessidade de ter
certeza, no transtorno obsessivo-compulsivo. Esses fatores certamente
exigem a atenção dos profissionais e não seriam abordados num enfo­
que exclusivamente farmacológico. Entretanto, o número limitado de
profissionais capacitados, o custo do tratamento psicoterápico, o longo
período de tempo demandado e o acesso restrito são ainda importan­
tes limitadores da abordagem psicoterápica.
Assim, o tratamento combinado passou a ser abordado como
uma fórma de, ao mesmo tempo, minimizar o desconforto físico e o
subjetivo, os conflitos pessoais, as disfunções cognitivas e psicossociais,
as aprendizagens erradas, aumentar a habilidade de solução de proble­
mas e melhorar os aspectos referentes à qualidade de vida em graus
que a medicação, isoladamente, não é capaz de atingir (Beitman, Blin-
der, & Thase, 2003). Trata-se, pois, de uma estratégia terapêutica que
vem ganhando cada vez mais relevância na boa prática psiquiátrica
atual. O presente capítulo pretende abordar as bases conceituais e em­
píricas relativas à aplicabilidade clínica das terapias combinadas dos
principais transtornos mentais.

Qual o melhor tratamento para o paciente?


A difícil decisão clínica

A escolha do melhor tratamento ou da melhor combinação de tra­


tamento tornou-se, de um modo geral, uma decisão ainda mais complexa
para os profissionais da área. Há algumas décadas havia cerca de uma dú­
zia ou, talvez, no máximo, duas dezenas de psicofármacos disponíveis, en­
quanto, na atualidade, temos um número próximo a 150 medicamentos
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 613

aprovados pela ANVISA e disponíveis para uso médico, sem se levar em


conta a grande quantidade de apresentações comerciais. Saliente-se ainda
que, na prática psiquiátrica, é cada vez mais comum a multifarmácia. Será
essa prática efetivamente benéfica ao paciente, em comparação com o uso
de um único ou, no máximo, dois medicamentos?
O cenário também se modificou do ponto de vista das psicotera­
pias. Há pouco tempo, as terapias de orientação psicodinâmica de longa
duração eram hegemônicas, cenário que se inverteu com a ascensão das
terapias de curta duração, em especial das diferentes modalidades de te­
rapias cognitivo-comportamentais, mais focais e com modelos explicati­
vos e técnicas específicas para cada transtorno, além de modalidades ain­
da pouco conhecidas, como, por exemplo, a Dessensibilização e Repro-
cessamento através de Movimentos Oculares (EMDR) para o TEPT, o
uso de técnicas de meditação, entre outras. O alcance e as limitações
dessas técnicas, sua eficácia/efetividade nem sempre foram pesquisados,
e tampouco sua eficácia/efetividade foi estabelecida de forma consisten­
te. Também não ficou comprovado se o tratamento combinado tem ou
não vantagens em relação ao uso isolado de uma ou de outra aborda­
gem. Como resultado, a escolha da abordagem terapêutica segue sendo,
na maioria das vezes, uma questão de conhecimento e preferência pesso­
al, não proveniente de evidências de pesquisa, o que nem sempre garante
que o paciente esteja recebendo o melhor tratamento possível.
Finalmente, é necessário levar em conta as preferências e as ca­
pacidades pessoais do paciente para a realização de uma modalidade
psicoterápica específica ou para o uso de medicamentos. Nem todos
têm capacidade de introspecção, uma habilidade essencial para as tera­
pias psicodinâmicas e cognitivas. Muitos não apresentam insight e não
estão motivados para uma terapia que exige muitas horas de conversa e
uma relação de confiança com o terapeuta. Por esses motivos, e sem­
pre que possível, o profissional deve avaliar as preferências e condições
pessoais para esse ou aquele tratamento (como, por exemplo, experiên­
cias anteriores de terapia ou de uso de medicamentos, resultados, efei­
tos adversos). Deve-se averiguar detalhada e individualmente com os
614 Psicoterapia e Psicofarmacologia Combinadas no Tratamento dos...

pacientes, por exemplo, quais sáo as crenças relacionadas à doença psi­


quiátrica e ao uso de medicações psicotrópicas, bem como os impedi­
mentos religiosos e possíveis experiencias terapéuticas negativas previas
que poderíam dificultar o entendimento das recomendações médicas
e, consequentemente, o seguimento adequado do tratamento. Sabe-se
que boa parte do efeito dos antidepressivos, por exemplo, deve-se, em
grande parte, à expectativa positiva do paciente e ao chamado efeito
placebo, e o profissional não pode descuidar-se desse aspecto. Deve-se
investigar comorbidades e/ou condições clínicas que, eventualmente,
contraindicariam o uso de alguns psicofármacos, tais como insuficiên­
cia renal, doenças cardiovasculares graves, insuficiência hepática, rea­
ções adversas graves ao uso previo da medicação e gravidez.

A análise racional do tratamento combinado - Beneficios

Escutar o paciente, tanto do ponto de vista psicofarmacológico


como comportamental, cognitivo, sistêmico, ou psicodinâmico, não é
uma tarefa simples. Conforme já mencionado, o tratamento combina­
do indica uma modalidade terapêutica em que o profissional, simulta­
neamente, atua como psicoterapeuta e farmacoterapeuta. Segundo
Gabbard e Kay (2001), esse tipo de tratamento permite ao profissional
alternar entre essas diferentes abordagens, na medida em que seja ca­
paz de determinar qual a intervenção — de natureza psicológica (inter­
pretativa, comportamental, cognitiva, interpessoal, sistêmica), farma­
cológica ou ambas — é mais apropriada para cada situação clínica.
Nesse contexto, devem-se considerar os benefícios proporciona­
dos pelo tratamento combinado ao longo do processo terapêutico. O
alívio dos sintomas mais agudos, como a ansiedade, a agitação, a insô­
nia, através do uso das medicações, reduz o desconforto, o sofrimento,
eleva a autoestima, as expectativas de melhora, a confiança do paciente
no profissional, o que permite a expressão mais aberta de sentimentos,
medos e fantasias durante a psicoterapia. A medida que a terapia far-
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 615

macológica também melhora funções cognitivas, tais como memória e


concentração, senso-percepçâo, processos do pensamento, autocon­
trole, possibilita ao paciente focar-se em suas emoções disfuncionais e
relacioná-las com eventos estressores do momento ou situações ou fi­
guras importantes do passado, podendo formular uma compreensão
coerente e menos catastrófica dos seus problemas, além de buscar al­
ternativas para a solução de seus problemas.

A coterapia como uma necessidade prática

Nem sempre tratar-se farmacológica e psicoterapeuticamente


com um mesmo profissional é possível. Muitas vezes, o médico que
prescreve o psicofármaco não está familiarizado com o método psico-
terápico que seria o mais adequado a seu paciente ou não dispõe do
tempo necessário para a prática da psicoterapia, ficando diante da op­
ção de recorrer a um psicoterapeuta treinado para que o paciente possa
fazer coterapia, alternativa cada vez mais comum atualmente.
Do ponto de vista dos psicólogos e de outros profissionais que
se dedicam preferentemente à prática da psicoterapia mas não estão
habilitados a prescrever medicamentos, o mais comum é o tratamento
combinado, em parceria com um psiquiatra de sua confiança, especial­
mente naqueles transtornos em que o uso de medicamentos é impres­
cindível, como em transtornos do espectro da esquizofrenia, no trans­
torno bipolar, no transtorno obsessivo-compulsivo, nas depressões gra­
ves e nos transtornos de ansiedade. Mesmo assim, é necessário que o
terapeuta não médico tenha um conhecimento sólido de psicofarma-
cologia, para conhecer os medicamentos que seu paciente está usando,
as doses recomendadas e os efeitos colaterais. Assim, poderá oferecer
informações extremamente importantes ao médico para que sejam fei­
tas as devidas adequações, além de perceber com clareza o que são rea­
ções adversas de um medicamento em uso pelo seu paciente e o que
são sintomas próprios da doença. Sintomas como, por exemplo, in­
616 Psicoterapia e Psicofarmacologia Combinadas no Tratamento dos...

quietude, tremores, cansaço, fadiga podem tanto ser uma reação ad­
versa ao medicamento, como manifestação de ansiedade/depressão.

A psicoeducação é um importante elemento das terapias cogniti-


vo-comportamentais, e mesmo da farmacoterapia, e faz parte do trata­
mento de todos os transtornos mentais, sendo um bom exemplo de
combinação entre uma técnica psicoterápica e o uso de medicamentos.
E resultado de um modelo que considera o paciente um colaborador
ativo (para mais informações, ver Capítulo 1). Para que o paciente
possa desempenhar esse papel, o modelo considera fundamental a
compreensão, tanto de seu transtorno como dos recursos disponíveis
para a supressão dos sintomas, sejam eles medicamentosos ou psicote-
rápicos, e de qual o seu papel no tratamento.
As bases teóricas da psicoeducação foram introduzidas na prá­
tica psiquiátrica durante a década de 1980 (Anderson, Gerard, Hogar-
ty, & Reiss, 1980), quando estabeleceram um conceito da terapia cog-
nitivo-comportamental composto por quatro elementos principais:
elucidação dos pacientes sobre sua doença, treinamento de resolução
de problemas, aumento da comunicação paciente—terapeuta e desen­
volvimento de autoeficácia. Faz parte, ainda, o esclarecimento ao pa­
ciente do racional que embasa a terapia, bem como o esclarecimento
sobre efeitos do uso dos medicamentos, início dos efeitos terapêuticos,
possíveis reações adversas, tempo de uso, etc.
A psicoeducação como uma ferramenta terapêutica adicional
ao tratamento farmacológico tem sido cada vez mais valorizada. Den­
tre os seus principais objetivos destacam-se:
• Garantir a pacientes e a seus familiares informações sobre a
doença;
• Melhorar crenças de autoeficácia (crenças na própria capacidade
de levar adiante o tratamento e nas expectativas de resultados);
• Promover maior adesão ao tratamento farmacológico;
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 617

• Reforçar o papel central do próprio paciente e de seus familia­


res na estabilização da doença;
• Diminuir o número de internações hospitalares;
• Apoiar os membros saudáveis da família;
• Desenvolver habilidades de comunicação e resolução de pro­
blemas.

Na terapia cognitiva, parte-se do pressuposto de que a cognição


influencia as emoções e o comportamento. Portanto, a educação do
paciente é fundamental para ajudá-lo a identificar precocemente sinais
de manifestação ou de piora da doença, a manejar situações provoca­
doras de estresse e de ansiedade, bem como a reconhecer pensamentos
disfimcionais geradores de aflição e sofrimento (Basco & Rush, 2005).
A psicoeducação, muitas vezes, inclui também os familiares que, dessa
formarse tornam aliados e participam do tratamento.
Assim, a psicoeducação pode ser vista como um conjunto didá­
tico, sistemático e estruturado de informações sobre o diagnóstico e as
suas respectivas opções de tratamento, o que pode ser feito através de
esclarecimentos durante a consulta, ou ainda com a distribuição de
fôlderes elucidativos, com indicação de livros e filmes acessíveis à po­
pulação em geral, etc. O papel educativo central dessa estratégia psico-
terápica torna o paciente um colaborador ativo dos profissionais de
saúde envolvidos, efetivando a aliança terapêutica (Justo & Calil,
2004) e faz com que, tanto pacientes como familiares estejam aptos a
lidar com a doença (Hayes & Gantt, 1992).

O uso do tratamento combinado nos


principais transtornos mentais

As evidências científicas atuais sugerem as vantagens do trata­


mento combinado na abordagem terapêutica dos principais diagnósti­
cos psiquiátricos, pormenorizados na sequência deste capítulo. Entretanto,
63.8 Psicoterapia e Psicofarmacologia Combinadas no Tratamento dos...

as fobias específicas e os transtomos da personalidade, em principio, ná


respondem aos medicamentos, mas sim às psicoterapias, constituind
transtornos em que a terapia combinada nao está indicada.

Transtorno depressivo maior

O transtomo depressivo maior é uma doença tipicamente recorren


te e crônica, cuja prevalência ao longo da vida situa-se entre 4,9 e 17,9%
Considera-se que a depressão seja a quarta condição médica mais incapa
citante do mundo, baseando-se nos de vida perdidos devido à doença
morte precoce e/ou vividos com uma doença de severidade e duração co
nhecidas (Murray & López, 1996). Dentre as abordagens terapêuticas dis­
poníveis para tal enfermidade, encontram-se diversas modalidades de psi­
coterapia, tratamento farmacológico isolado e tratamento combinado.
Uma metanálise que reuniu 15 ensaios clínicos randomizadoí
com pacientes diagnosticados com depressão de, no mínimo, gravida­
de moderada, evidenciou que, tanto mediante o uso de antidepressivos
tricíclicos como através de inibidores seletivos da recaptação da seroto-
nina, o efeito das medicações foi superior ao do placebo — taxas de res­
posta de 58% e 44%, respectivamente (Arroll et al., 2005).
De acordo comTrivedi et al. (2006), pacientes em episódios de­
pressivos prolongados, aqueles que apresentam qualidade de vida e
funcional inferiores, bem como aqueles pacientes com condições clíni­
cas e/ou psiquiátricas comórbidas desde o início do tratamento, têm
resposta menor ao uso de antidepressivos. Nesses casos, a abordagem
psicoterápica — isoladamente ou em combinação com o tratamento
farmacológico — parece ser uma alternativa eficaz.
Várias modalidades de terapia têm sua eficácia comprovada no
tratamento da depressão. Duas modalidades em especial, a terapia cog­
nitiva de Beck e a terapia interpessoal de Weissman e Klerman, foram
elaboradas tendo-se em vista, especificamente, o tratamento de qua­
dros depressivos. Ambas as modalidades supõem que o paciente possa,
concomitantemente, utilizar antidepressivos, caso seja necessário.
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 619

Revisões e metanálises recentes apontaram evidências de eficácia


da terapia cognitivo-comportamental (Haby, Donnelly, Corry, & Vos,
2006), da terapia comportamental (Ekers, Richards, & Gilbody, 2008)
e da psicoterapia interpessoal (De Mello, De Jesus, Bacaltchuk, Verde-
li, & Neugebauer, 2005) versus lista de espera/placebo no tratamento
de episódios depressivos em adultos. Um estudo (Dimidjian et al.,
2006) testou a eficácia da terapia comportamental, comparando-a com
a terapia cognitivo-comportamental e a medicação antidepressiva em
um estudo duplo-cego e controlado por placebo em adultos com
transtorno depressivo maior (n=241). Os resultados mostraram não
haver diferença entre terapia comportamental, terapia cognitivo-com­
portamental e psicofármacos no tratamento de depressão de leve a mo­
derada. No entanto, entre os pacientesmais gravemente deprimidos, a
terapia comportamental foi comparável à medicação antidepressiva, e
ambos foram significativamente superiores à terapia cognitivo-com ­
portamental. Embora existam sugestões de uma superioridade do tra­
tamento combinado na abordagem dos transtornos depressivos, as evi­
dências nesse sentido são escassas. E possível que o impacto do trata­
mento combinado contribua para que o paciente aceite o tratamento
instituído (Roth & Fonagy, 2006). Friedman, Wright, Jarrett e Thase
(2006) apontaram para um benefício adicional com o uso combinado
de psicofármacos e psicoterapia nos casos de depressão grave.
Dessa forma, apesar da necessidade de estudos metodológica­
mente consistentes avaliando a eficácia/efetividade da combinação en­
tre a farmacoterapia e a psicoterapia no tratamento dos quadros de­
pressivos, o fato de a depressão ser um transtorno multideterminado
para o qual concorrem fatores biológicos, como predisposição genéti­
ca, alterações da neurofisiologia cerebral, questões interpessoais (per­
das, separações, conflitos interpessoais), é racional supor que uma
abordagem simultânea desses múltiplos fatores possa ter uma chance
maior de efetividade. Acredita-se, ainda, que diminuir ou eliminar sin­
tomas que causam desconforto muitas vezes intenso, como insônia,
ansiedade, inquietude e, ao mesmo tempo, corrigir crenças distorcidas
620 Psicoterapia e Psicofarmacologia Combinadas no Tratamento dos...

como a desesperança, a visão negativa de si mesmo, dos outros ou do


futuro, constitui uma prática clínica mais abrangente e com maiores
chances de resultados favoráveis.

Transtomo bipolar
O transtorno bipolar é uma doença mental grave, recorrente e
que representa um importante problema de saúde pública, devido às
altas taxas de incapacidade e de mortalidade (Mathers, López, & Mur-
ray, 2006). Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS),
o transtorno bipolar ocupa o sexto lugar no ranking das patologias
mais incapacitantes, sendo a incapacidade definida pelos anos de tra­
balho perdidos entre adultos jovens (Vieta et al., 2013).
O tratamento do transtorno bipolar habitualmente incide na es­
tabilização da fase aguda dos sintomas, quando o objetivo é a recupe­
ração sintomática dos pacientes em estágios depressivos ou maníacos
da doença, propiciando a eutimia. Já a fase de manutenção concentra-
se na prevenção a recaídas, na redução dos sintomas subclínicos e no
melhor funcionamento social e ocupacional (Geddes & Miklowitz,
2013). Sabe-se que o componente biológico e genético nesse transtor­
no é muito relevante, e tal conhecimento faz com que a farmacologia
seja o pilar do tratamento.
Em 2011, Cipriani et al. publicaram uma metanálise em que 68
ensaios randomizados controlados foram avaliados, comparando 13
medicamentos. Diferenças clínicas substanciais, considerando eficácia
e tolerabilidade, foram observadas entre os fármacos, sendo que olan-
zapina, risperidona e haloperidol parecem ter um melhor perfil, além
da aparente superioridade do uso de antipsicóticos frente ao litio e aos
anticonvulsivantes no tratamento do episódio maníaco.
Referentemente ao tratamento do episódio depressivo no trans­
torno bipolar, Sachs et al. (2007) conduziram um estudo que não evi­
denciou benefício em associar-se paroxetina ou bupropiona a um esta­
bilizador de humor, enquanto outro estudo sugeriu não haver superio­
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 621

ridade da paroxetina em comparação ao placebo no que se refere à recupe­


ração prolongada (McElroy et al., 2010). O uso de antipsicóticos como a
quetiapina propicia uma melhora sintomática na depressão bipolar se
comparado ao placebo, à paroxetina e ao lítio (De Fruyt et al., 2012).
Além disso, há literatura consistente sugerindo a redução no risco de re­
corrência naqueles pacientes que responderam na fase aguda do tratamen­
to e mantiveram o uso da quetiapina, em vez terem-na substituída pelo
placebo (Weisler, Nolen, Neijber, Hellqvist, & Paulsson, 2012).
A importância em agregar abordagens psicossodais à farmacoterapia
do transtorno bipolar recai sobre o fato de que estressores psicossodais es­
tão associadas a recaídas (Miklowitz Scjohnson, 2009). Dentre os modelos
psicoterápicos com evidência de eficácia/efetividade para o transtorno,
destacam-se a terapia cognitivo-comportamental, a terapia interpessoal, te­
rapia focada na família, terapia de ritmos sociais, psicoeducação de grupos
e gestão de cuidados. Devido à falta de insight e à não aceitação de ajuda,
pacientes em fase aguda de episódio maníaco tendem a não responder
bem à psicoterapia (Anderson, Haddad, & Scott, 2012). A terapia focada
na família constitui uma abordagem em que há a psicoeducação, o treina­
mento da familia para reconhecer os sintomas do transtorno, e o ensino
de habilidades de comunicação e de resolução de problemas, tanto
de pacientes como de familiares (Miklowitz, 2008). Miklowitz, George,
Richards, Simoneau e Suddath (2003) conduziram um ensaio randomiza-
do controlado com pacientes bipolares tipos I e II, sintomáticos, eviden­
ciando que aqueles que receberam terapia focada na família e farmacotera­
pia após 1-2 anos do episódio maníaco, depressivo ou misto obtiveram
30-35% de taxas menores de recaídas e re-hospitalizaçóes, além de passa­
rem a apresentar sintomas menos severos que aqueles que receberam ma­
nejo de caso. No que diz respeito à terapia cognitivo-comportamental,
existe literatura divergente quanto à eficácia da abordagem. Em um estudo
recente, pacientes que receberam 12-14 sessões de terapia cognitivo-com­
portamental foram menos propensos a desenvolver episódios depressivos,
além de um melhor funcionamento social em comparação a pacientes re­
cebendo tratamento de rotina por 30 meses (Kessing et al., 2013).
622 Psicoterapia e Psicofarmacologia Combinadas no Tratamento dos...

É reconhecido que há uma relação bidirecional quanto à instabi­


lidade de humor e as alterações nos ritmos circadianos, além de que
polimorfismos genéticos associam-se a flutuações circadianas de hu­
mor e a recorrências na doença (Harvey, 2011). Torrent et al. (2013)
conduziram um estudo randomizado em que 268 pacientes eutímicos
que apresentavam prejuízo social moderado a severo foram alocados
em grupos de 21 sessões semanais de reabilitação funcional em grupos,
21 sessões de psicoeducação em grupos ou tratamento usual. Os pa­
cientes que receberam a reabilitação funcional obtiveram melhores
mudanças no funcionamento ocupacional e social.
Assim, cabe reforçar que, embora a farmacoterapia seja o trata-
mentó prioritario no transtorno bipolar, há evidencias de que as inter­
venções psicossociais funcionam como tratamento adjuvante, sobretu­
do após a remissão dos sintomas de fase aguda, com o objetivo de oti­
mizar o funcionamento social e ocupacional, estimular a adesão far­
macológica e auxiliar a lidar com eventos estressores da vida cotidiana,
reduzindo, assim, as taxas de recaída.

Esquizofrenia
O uso de medicações antipsicóticas é considerado como a abor­
dagem de primeira linha no tratamento dos sintomas agudos e cróni­
cos da esquizofrenia. No entanto, observa-se que um número conside­
rável de pacientes portadores dessa patologia continua apresentando
sintomas residuais positivos e/ou negativos, não obstante o tratamento
antipsicótico, o que agrava sobremaneira os déficits interpessoal, labo­
rai e cognitivo inerentes à doença.
Segundo Alford e Beck (2000), a combinação entre o tratamento
farmacológico e psicoterápico é normalmente necessária para uma abor­
dagem mais eficaz dos transtornos psicóticos. Liberman, Mayerhoff e
Loebel (1991) também propõem uma abordagem combinada para au­
mentar a adesão desses pacientes ao tratamento farmacológico, uma vez
relatado que 14% deles não respondem adequadamente às drogas antip-
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 623

sicóticas no primeiro surto psicótico, e que essa taxa sobe para 25% em
episódios subsequentes. Desta forma, podemos elencar a seguir os prin­
cipais objetivos da terapia combinada no tratamento de pacientes esqui­
zofrênicos (American Psychiatric Association, 1997; Caballo, 2003):
• Oferecer continência e apoio;
• Fornecer informações adequadas sobre a doença, bem como
técnicas de enfrentamento dos sintomas;
• Restabelecer o contato com a realidade;
e Aumentar a adesão à farmacoterapia;
e Identificar fatores desencadeantes dos surtos psicóticos e ins­
trumentalizar o pacientes para lidar com os eventos potencial­
mente estressores;
• Desenvolver autonomia e maior capacidade de gerenciar a pró­
pria vida.

Neste sentido, alguns estudos vêm demonstrando que a efetivi­


dade do tratamento farmacológico usualmente empregado na esquizo­
frenia pode ser potencializada, principalmente, através de intervenções
familiares (Mari & Streiner, 1994) ou de terapia cognitiva e comporta-
mental, o que auxilia na redução do número de hospitalizações, no in­
cremento do funcionamento global do paciente e na diminuição da
gravidade dos sintomas psicóticos (Haddocket al., 1988).
A abordagem dos familiares de pacientes esquizofrênicos procura re­
conhecer quais são as principais dificuldades enfrentadas diante da presen­
ça de um membro da família portador de uma grave incapacidade mental.
Além disso, devem-se explorar as emoções envolvidas na relação com o
membro doente — culpa, medo, raiva, tristeza —, uma vez que alguns estu­
dos evidenciaram que um ambiente emocional hostil pode afetar negativa­
mente o curso da doença e levar a maiores índices de recaída e consequen­
te necessidade de hospitalizações (Kuipers & Bebbington, 1994).
No entanto, o foco dos estudos mais recentes tem sido direcio­
nado para o emprego da terapia cognitivo-comportamental concomi­
tante ao tratamento farmacológico para a abordagem desses pacientes,
624 Psicoterapia e Psicofarmacologia Combinadas no Tratamento dos...

principalmente os refratários. A partir de meados da década de 1990,


começaram a surgir os primeiros ensaios clínicos randomizados que
utilizaram as técnicas cognitivo-comportamentais na abordagem de
sintomas agudos e crónicos da esquizofrenia. Bechdolfd et al. (2004)
conduziram um ensaio clínico (n=88) em que pacientes com diagnós­
ticos de esquizofrenia ou transtorno esquizoafetivo foram randomiza­
dos em dois grupos, para que fossem submetidos à terapia cognitivo-
comportamental ou tratamento-padrão. Os resultados apontaram que
pacientes cuja abordagem baseou-se ñas técnicas cognitivo-comporta­
mentais experimentaram uma redução no número de hospitalizações e
obtiveram maior índice de adesão ao tratamento. Portanto, percebe-se
que o acréscimo de técnicas psicoterápicas ao tratamento-padrão far­
macológico torna-se uma ferramenta útil no manejo desses pacientes.

Transtomo de estresse pós-traumático

O tratamento de individuos diagnosticados com transtorno de


estresse agudo (TEA) e transtorno de estresse pós-traumático (TEPT)
tem como objetivos prioritarios a redução da gravidade dos sintomas,
a prevenção ou o tratamento de comorbidades relacionadas ao trauma,
a otimização do funcionamento adaptativo e o restabelecimento da
sensação de confiança e de segurança.
Farmacoterapia, psicoterapia e psicoeducação são tratamentos que
podem ser usados isoladamente ou combinados, com evidência clínica
quanto à efetividade para o tratamento de sintomas, sobretudo do TEPT.
A combinação dessas intervenções deve considerar uma série de fatores,
como a presença de sintomas-alvo específicos, comorbidades médicas e
psiquiátricas, além da preferência do paciente. Ensaios clínicos controlados
sugerem os inibidores da recaptação da serotonina como medicação de
primeira linha para o manejo de TEPT, tanto para pacientes femininos co­
mo para pacientes masculinos (Brady, 2000; Marshal, 2001; Martenyi,
2012). Essa indicação recai sobre a melhora clínica dos sintomas observa­
da com essa classe de medicação, a efetividade no tratamento de comorbi-
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 625

dades psiquiátricas e o bom perfil no que se refere aos efeitos colaterais.


Quanto ao uso dos antidepressivos tricíclicos, o uso da amitriptilina e da
imipramina demonstrou eficácia (Davidson, 1990; Kosten, 2001), o mes­
mo não se comprovando para a desipramina (Reist et al., 1989).
Quanto às intervenções psicoterápicas, tanto a TCC como a dessen-
sibilização e reprocessamerito por meio dos movimentos oculares (EMDR),
mostraram-se efetivas no tratamento do TEPT. Na TCC, elementos tanto
cognitivos como comportamentais costumam ser mesclados, com objetivo
de dessensibilizar pacientes aos gatilhos relacionados ao trauma e melhorar
a esquiva fóbica muitas vezes grave nesses pacientes. Estudos demonstram
que, além de otimizar a velocidade de recuperação, a TCC também possi­
bilitaria a prevenção do TEPT quando iniciada 2-3 semanas após o trau­
ma (Bryant, 1999, 2003; Solomon, 2002). Embora com resultados diver­
gentes, a exposição prolongada in vivo e através da imaginação demonstra
ser efetiva, sobretudo para as evitaçóes e os sintomas de ansiedade relacio­
nadas ao trauma (Hembree & Foa, 2000). A EMDR é uma abordagem
para o TEPT desenvolvida por Francine Shapiro no final dos anos 1980,
que envolve elementos da terapia de exposição, além de movimentos ocu­
lares e verbalização de memórias traumáticas. Embora com amostras pe­
quenas, metanálises demonstraram eficácia semelhante a outras formas de
TCC (Shepherd, 2000; Van Etten, 1998).
Assim, a combinação de farmacoterapia e de psicoterapia no
TEPT em razão de sintomas físicos decorrentes da ativação autonómi­
ca, sintomas comportamentais como a esquiva fóbica, apresenta-se
como uma alternativa lógica e mais abrangente do que o uso de apenas
uma das alternativas, devendo-se ainda considerar uma série de variá­
veis, como a presença de comorbidades (por exemplo, a depressão),
na escolha do tratamento.

Transtomo de Pânico
O transtorno de pânico (TP) caracteriza-se pela recorrência dos
ataques de pânico, os quais consistem em uma sensação súbita de
626 Psicoterapia e Psicofarmacologia Combinadas no Tratamento dos...

medo ou intenso mal-estar, além de sintomas físicos, comportamentais


(como a agorafobia) e cognitivos (pensamentos catastróficos sobre os
sintomas físicos). A partir da ideia central de que os sintomas do trans­
torno de pânico são de natureza muito diversificada, parece coerente
pensar na associação de farmacoterapia com intervenções psicoterápi-
cas — a TCC, por exemplo.
Os inibidores da recaptaçáo da serotonina — citalopram (Wade,
Lepóla, Koponen, Pedersen & Pedersen, 2007), escitalopram (Bande-
low, Stein, Dolberg, Andersen, & Baldwin, 2007b), fluvoxamina (As-
nis et al., 2001), fluoxetina (Michelson et al., 1998), paroxetina
(Ballenger, Wheadon , Steiner, Bushnell, & Gergel,1998), sertralina
(Londborg et al., 1998) além da venlafaxina (Bradwejn et al., 2005),
um inibidor da recaptaçáo de sertralina e noradrenalina — sáo conside­
rados tratamentos de primeira linha para o transtorno de pânico. Ain­
da, os antidepressivos tricíclicos clomipramina e imipramina sáo igual­
mente efetivos, devendo-se apenas ressaltar que, em comparação com
os inibidores da recaptaçáo da serotonina, o perfil de efeitos colaterais
e o risco de letalidade sáo maiores quando antidepressivos tricíclicos
sáo ingeridos em doses maiores. O uso de benzodiazepínicos em pa­
cientes sem história de dependencia deve ser considerado em casos re­
sistentes, assim como no início do tratamento, em combinação com
antidepressivos, pela resposta mais imediata, enquanto se aguarda o
início da resposta do antidepressivo. Comparando-se terapia de expo­
sição ou cognitivo-comportamental com o tratamento psicofarmaco-
lógico, embora com divergências na literatura, estudos demonstram
superioridade das medicações (Bakker, van Dyck, Spinhoven & van
Balkom, 1999). A literatura atual corrobora a ideia de que o tratamen­
to combinado é superior quando comparado a psicoterapia isolada­
mente (Gladsjo et al., 2001). A TCC no TP, consiste em psicoeduca-
çáo nas sessões iniciais, na correção de percepções e pensamentos dis­
torcidos de natureza catastrófica a respeito dos sintomas físicos, no
treinamento de técnicas de respiração e de relaxamento muscular, ob­
jetivando à redução da ansiedade. E crucial taml ém a exposição como
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 627

estratégia psicoterápica para superar a esquiva fóbica, que muitas vezes


persiste mesmo depois de cessados os ataques de pânico, podendo
acarretar graves incapacitações ao paciente. A exposição ainda é funda­
mentai para que o paciente possa aprender a lidar com os sintomas fí­
sicos apresentados na crise. Bandelow et al. (2007), conduziram uma
metanálise a qual evidenciou que tanto o tratamento farmacológico
como aTCC eram igualmente efetivos. Entretanto, a combinação des­
sas intervenções eram superiores frente às monoterapias (Bandelow,
Seidler-Brandler, Becker, Wedekind, & Rüther, 2007a). Mitte (2005),
conduziu uma metanálise que evidenciou resposta de 63% (tamanho
de efeito 1,55) daTCC neste transtorno. Assim, o transtorno do pâni­
co constitui um bom exemplo em que o tratamento combinado está
associado a melhores taxas de resposta.

Transtorno Obsessivo-compulsivo

O Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) é um transtorno


bastante heterogêneo, o qual acomete cerca de 2,5% da população em
geral e não tem sua causa ainda bem elucidada. Caracteriza-se pela pre­
sença de obsessões e/ou compulsões que consomem tempo ou interfe­
rem de forma significativa nas rotinas diárias do indivíduo, no seu traba­
lho, na sua vida familiar ou social, causando acentuado sofrimento.
Existem evidências do componente biológico, cerebral nesse
transtorno. Uma dessas evidências é a redução dos sintomas com o uso
de medicações como os inibidores seletivos da recaptaçáo da serotoni­
na e a clomipramina. Entretanto, fatores de natureza psicológica,
como aprendizagens erradas (a realização de rituais ou a esquiva fóbica
para obter alívio dos sintomas), crenças distorcidas e pensamentos de
natureza catastrófica (exagerar o risco e a responsabilidade, acreditar
no poder do pensamento, necessidade de ter certeza) também costu­
mam estar presentes, contribuindo para a manutenção dos sintomas.
A etiologia diversificada aponta para a necessidade de intervenção que
aborde tanto os fatores cerebrais (através de inibidores da recaptaçáo
628 Psicoterapia e Psicofarmacologia Combinadas no Tratamento dos...

da serotonina) como os comportamentais (através da exposição e pre­


venção de rituais) e cognitivos (correção de crenças disfuncionais). De
fato, muitos pacientes com reposta parcial ou refratários aos medica­
mentos obtêm uma melhora acentuada com a introdução da TCC
(Cordioli, Heldt, & Bochi, 2003).
E fundamental uma abordagem de cunho motivacional que te­
nha o objetivo de auxiliar na aceitação do tratamento. Educar o pa­
ciente quanto a questões como: o que é o transtomo, quais os seus sín­
tomas, quais os tratamentos disponíveis, como é feita a terapia, é im­
portante para otimizar a adesão ao tratamento e comprometimento
com as tarefas de exposição e prevenção de resposta.
De um modo geral, as pesquisas apontaram a efetividade da te­
rapia de exposição e prevenção de resposta (EPR), ou da TCC que in­
clua essas duas estrategias associadas à correção de crenças erradas
(Cordioli, 2003; Freeston, 1997; Whittal, 2005). Da mesma forma,
tem sido demonstrada de forma consistente a eficácia dos medicamen­
tos inibidores da recaptação da serotonina, embora a redução da inten­
sidade dos sintomas na maioria das vezes seja apenas parcial.
Os resultados dos estudos realizados comparando-se clomipra-
mina, medicações da classe dos inibidores da recaptação da serotonina,
com TCC e Exposição/Prevenção de respostas foram inconclusivos
(Bandelow et al-, 2008). Estima-se que indivíduos com resposta pobre
deveríam receber ambas as intervenções e que com sintomas de TOC
mais graves deveríam acrescentar medicações (Cottraux, Bouvard, &
Milliery, 2005). Dessa forma, a EPR ou a TCC, associada à medica­
ção, constitui a base do tratamento para o TOC.

Ansiedade Social

O paciente com transtorno de ansiedade social (TAS) apresen­


ta medo ou ansiedade acentuados diante de uma ou mais situações so­
ciais em que seja exposto a possível avaliação por outras pessoas.
Exemplos incluem interações sociais (manter uma conversa, encontro
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 629

com pessoas que não são familiares, por exemplo), ser observado (por
exemplo, comendo ou bebendo) e situações de desempenho diante de
terceiros (dar uma palestra). Devido ao temor de ser avaliado negativa­
mente pelos outros e diante de possíveis exposições sociais e dos sinto­
mas físicos, adota a esquiva fóbica como estratégia para evitar o des­
conforto associado, a qual pode acarretar incapacitações graves.
Tanto a farmacoterapia como a TCC que utiliza a exposição às
situações evitadas e, ainda, a reestruturação cognitiva das crenças dis­
torcidas em relação à avaliação feita pelos outros têm a sua eficácia
bem estabelecida no tratamento do TAS. Da mesma forma como em
outros transtornos de ansiedade, as chances de sucesso com a terapia
combinada parecem ser maiores conforme a natureza dos sintomas —
medo, ansiedade, e esquiva fóbica —, embora não se tenha uma com­
provação da superioridade do tratamento combinado sobre uma ou
outra abordagem isolada. É importante lembrar ainda que a depressão,
muitas vezes grave, é uma comorbidade muito comum no TAS, o que
seria uma razão adicional para o uso de antidepressivos.

Transtomos Alimentares
Os transtornos alimentares têm sido amplamente estudados e
incluem, principalmente, a anorexia nervosa, a bulimia nervosa e o
transtorno da compulsão alimentar periódica. Trata-se de transtornos
mentais graves e de prognóstico reservado, caracterizadas pelo medo
mórbido de engordar, restrição alimentar voluntária, ingestão maciça
de alimentos seguida de vômitos provocados e uso abusivo de laxantes
e diuréticos, o que, invariavelmente, leva a altos índices de morbidade
e letalidade (Cordás, Guimarães, & Abreu, 2003).
E notório que as práticas alimentares purgativas e restritivas são
um problema crescente de saúde pública, nas quais o terapeuta deve
intervir imediatamente a partir dos parâmetros clínicos mais emergen-
ciais, sem negligenciar os aspectos cognitivos e culturais inerentes à
doença. Neste sentido, chegou-se ao desenvolvimento recente de abor-
630 Psicoterapia e Psicofarmacologia Combinadas no Tratamento dos...

dagens combinadas com foco em técnicas psicoterápicas que visem à


redução da ansiedade associada à perturbação da imagem corporal, e
técnicas de automanejo do comportamento disfuncional (jejum pro­
longado e vômitos induzidos) e de modificação de cognições disfun-
cionais. Assim, o uso da terapia cognitivo-comportamental como um
tratamento adjunto à farmacoterapia tornou-se uma das principais fer­
ramentas terapêuticas na abordagem desses pacientes (Whitttal, Agras,
& Gould, 1999). Uma metanálise (Bacaltchuk, Hay, & Trefíglio,
2001) comparou o uso de antidepressivos com terapia cognitivo-com­
portamental isolada. Os resultados não apontaram diferenças estatisti­
camente significativas entre os tratamentos, embora a superioridade da
psicoterapia tenha sido clinicamente relevante, a qual obteve uma taxa
de remissão dos sintomas comportamentais centrais de 39% contra
20%. Além disso, constatou-se que houve maior taxa de abandono no
grupo tratado apenas com medicação. A mesma metanálise comparou
a associação do tratamento farmacológico e psicoterápico com ambas
as abordagens separadamente. Os resultados mostraram que o trata­
mento combinado proporcionou maiores taxas de remissão em curto
prazo (49% versus 36%) e melhora mais robusta dos sintomas depres­
sivos em comparação à psicoterapia isolada. Ainda nessa mesma linha
de pesquisa, três estudos (Devlin, 2005; Grilo, 2005; Ricca, 2001)
apontaram para resultados semelhantes com pacientes obesos portado­
res do transtorno da compulsão alimentar periódica. Tais estudos com­
pararam a eficácia da TCC isoladamente e da TCC associada a fárma­
cos, e os resultados apontaram para reduções significativas da compul­
são alimentar após a TCC, sem benefício adicional com o acréscimo
de desipramina, fluoxetina ou fluvoxamina.

Transtornos relacionados ao uso de substâncias

O reconhecimento de que os transtornos relacionados ao uso de


substâncias são causados por alterações nas vias de recompensa cere­
brais indica que o uso de psicofármacos desempenha um papel central
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 631

no tratamento dessas patologias. Por outro lado, alguns sintomas dos


transtornos aditivos (por exemplo, a “fissura”) apontam para mecanis­
mos do tipo pavloviano (condicionamento clássico) em sua etiología,
o que por sua vez aponta para a necessidade de intervenções compor-
tamentais em seu tratamento, embora medicamentos também contri­
buam para a sua redução. Como consequência desse mecanismo, inú­
meros estímulos, como locais, pessoas, situações adquirem a proprie­
dade de desencadear a “fissura”, e o sucesso do tratamento, especial­
mente para a prevenção de recaídas, relaciona-se com a eliminação
desses pareamentos, propiciando que estímulos voltem a ser “neutros”.
Técnicas comportamentais, como o pareamento com estímulos aversi-
vos e exposição gradual, são cruciais para essa modificação.
Embora tenha havido progressos científicos notáveis em relação
ao tratamento farmacológico dos transtornos de adição nas últimas dé­
cadas, ainda existem muitas questões importantes sem respostas efeti­
vas. Sabe-se que o uso de metadona e naltrexona é aprovado para o
tratamento farmacológico da dependência de opiáceos. Da mesma for­
ma, dissulfiram e naltrexona são bastante utilizados como alternativas
farmacológicas no tratamento e para prevenção de recaída em casos de
dependência de álcool. Por outro lado, os dados disponíveis na litera­
tura atual sobre o tratamento farmacológico mais apropriado para os
casos de dependência de maconha e de cocaína/crack são muito escas­
sos. Os anticonvulsivantes, medicações largamente empregadas no tra­
tamento do crack, não demonstraram eficácia significativa na redução
de episódios de fissura pela substância (Smelson et al., 2007). De ma­
neira semelhante, outros estudos recentes também demonstraram não
terem eficácia para a redução do uso de cocaína/crack, para a perma­
nência em abstinência e controle dos episódios de craving, as seguintes
medicações, quando comparados ao placebo: risperidona (Kampman
et al., 2011), acamprosato (Fochi, Leite, & Scivoletto, 2001), pergoli-
da (Kahn et al., 2009) e baclofeno (Reis, Castro, Faria, & Laranjeira,
2008). Uma vez que não há unanimidade científica quanto à aborda­
gem farmacológica dos transtornos de adição, cada vez mais o foco da
632 Psicoterapia e Psicofarmacologia Combinadas no Tratamento dos...

intervenção terapêutica nessas patologias tem se voltado para a terapia


combinada, sendo que a modalidade psicotérápica mais amplamente
utilizada é a terapia cognitivo-comportamental. Há de se considerar
que os dados disponíveis são bastante limitados e controversos. Neste
sentido, alguns estudos (Antón, 2005; Walters, 2009) mostram que a
combinação de TCC e naltrexona para pacientes dependentes de ál­
cool é mais efetiva do que monoterapia farmacológica, quando se ava­
lia tempo de abstinência. Por outro lado, um estudo duplo-cego ran-
domizado — COMBINE study (n=1383) — randomizou os pacientes
dependentes de álcool em oito grupos para receberem naltrexona iso­
ladamente, acamprosato isoladamente, ambas medicações ativas e am­
bos placebos, com ou sem terapia cognitivo-comportamental adicio­
nal (Antón et al, 2006). Um nono grupo de pacientes foi submetido
à TCC isoladamente. Os resultados evidenciaram que os pacientes
que recebem tratamento médico com naltrexona, TCC isoladamente
ou a combinação de ambos apresentaram melhor resposta na redução
do consumo diário de álcool, ao passo que o acamprosato não mos­
trou nenhuma evidência de eficácia, com ou sem TCC assciada. Ou
seja, nesse estudo, tanto a terapia farmacológica isolada com naltrexo­
na como em combinação com terapia cognitivo-comportamental
apontou para resultados mais promissores, sem diferença estatistica­
mente significativa entre os grupos. Como vemos, os dados ainda são
bastante divergentes a respeito da eficácia da terapia combinada na
abordagem terapêutica dos transtornos de adição. Assim, são necessá­
rios mais estudos para determinar as mais efetivas e robustas estraté­
gias de tratamento para a dependência de álcool e transtornos por uso
de outras substâncias.

Considerações finais

Embora seja possível o tratamento utilizando-se as monotera-


pias, existem indícios crescentes da pesquisa e sobretudo da prática clí­
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 633

nica acerca das vantagens apresentadas pela combinação dos tratamen­


tos, sobretudo com relação àqueles pacientes que, em monoterapia,
não apresentam remissão completa dos sintomas , além daqueles que
apresentam sintomas crônicos. Outro argumento a favor do tratamen­
to combinado é o entendimento cada vez mais consistente de que a
origem e a manutenção dos transtornos mentais é multifatorial: fato­
res biológicos, psicológicos (cognitivos, comportamentais, psicodinâ-
micos), familiares, interpessoais, e até sociais e culturais, exercendo pa­
péis importantes, embora com pesos que podem ser distintos de um
transtorno para outro. Identificá-los e abordá-los certamente aumenta
as chances de eficácia/efetividade do tratamento.
A farmacoterapia, além de otimizar a concentração, propicia
uma melhora na memória e, com isso, na capacidade de aproveitar a
psicoterapia. Ainda, reduz o desconforto da ansiedade, do medo, da
insônia e de outros estados psíquicos dolorosos, promovendo a obten­
ção de vantagens com o tratamento psicoterápico. Já a psicoterapia
trabalha para a melhor compreensão do paciente com relação ao trans­
torno, aumentando a adesão ao tratamento. Também possibilita ao pa­
ciente administrar de forma mais adequada e realista a sua condição,
além de reduzir fatores cognitivos e comportamentais que desempe­
nham um papel na etiología do transtorno.
O tratamento combinado melhora a adesão ao tratamento e au­
xilia o paciente a lidar com o seu transtorno (Yatham et al., 2013).
Existem crenças relacionadas à medicação e à doença, as quais impli­
cam na falta de adesão ao tratamento. Crenças, por exemplo, quanto à
ineficácia ou aos riscos associados aos medicamentos, quanto à inexis­
tência de doenças mentais ou à impossibilidade de curá-las podem ser
trabalhadas em psicoterapia, aumentando as chances de adesão ao tra­
tamento e a consequente resposta clínica (Goodwin, 2009). Existe um
campo crescente para pesquisas futuras as quais possam elucidar o pa­
pel e as indicações formais do tratamento combinado, cada vez mais
utilizado na prática clínica dos transtornos mentais.
634 Psicoterapia e Psicofarmacologia Combinadas no Tratamento dos...

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23
Neurociência e
Terapia Cognitiva

Vinícius Ferreira. Borges, Neri Maurício Piccoloto


e Mario Francisco Juruena

A terapia cognitiva e as neurociências sempre estiveram estreitamen­


te conectadas, uma vez que são ciências de interface, interessadas
nos mesmos fenômenos, e que se valem de conceitos totalmente com­
patíveis. Atualmente,a neurociência contribui de maneira ampla para
o desenvolvimento da prática em terapia cognitiva. Como lembraram
os autores deste capitulo^ Aaron Beck, em 2008, pronunciou-se: "Te­
nho razões para esperar que pesquisas futuras talvez venham a pro­
duzir um novo paradigma, que pela primeira vez possa integrar os
achados dos estudos psicológicos e biológicos no sentido de construir
um novo entendimento da depressão". Muito provavelmente, em um
futuro próximo, ainda teremos muito mais avanços do que os já al­
cançados até o momento.
W.V.M.

Os estudos mostram que a terapia cognitivo-comportamental


(TCC) tem modelos de tratamento em vários transtornos mentais com
índices elevados de eficácia. Essa terapia oferece uma perspectiva inte­
ressante para a integração com ó campo da neurociência, uma vez que
qualquer intervenção está vinculada a um suporte de pesquisa experi­
mental. Utiliza-se o conceito de esquemas iniciais desadaptativos para
ilustrar como esta inter-relação entre conhecimento implícito e explí­
cito, e seus respectivos circuitos neurais, podem levar a certos transtor-
Estrategias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 641

nos mentais. Além da inter-relação desses sistemas de memórias, ad­


quiridos por meio da relação do indivíduo com o seu meio ambiente,
é abordado o papel dos mecanismos filogenéticos, assim como o de
determinados genes, na etiología dos transtornos mentais. Os princi­
pais resultados de pesquisas recentes que empregaram técnicas de neu-
roimagem para investigar o impacto da psicoterapia sobre a atividade
do sistema nervoso central demonstraram que esses efeitos da psico­
terapia sobre o tecido neural parecem estar relacionados a mudanças
estruturais que ocorrem na comunicação sináptica. Conclui-se com o
vislumbre de algumas direções futuras e levantando-se algumas ques­
tões, que permanecem em aberto, sobre os mecanismos neurais envol­
vidos na origem e no tratamento psicológico dos transtornos mentais.
O intercâmbio da TCC com a neurociência é o diálogo entre
mente e cérebro. Podemos considerar que mente e cérebro são integra­
dos e interdependentes. Os processos mentais exercem influência na
plasticidade cerebral em vários níveis, como no celular, no molecular e
em circuitos neurais. As pesquisas em neurociências podem colaborar
para potencializar nosso conhecimento sobre as bases neurobiológicas
das psicopatologias e da TCC, assim como auxiliar no refinamento de
intervenções, a fim de aumentar a eficácia do tratamento.
Um problema-chave do diagnóstico reside no fato de que os ela­
borados sistemas de classificação hoje existentes baseiam-se somente
em descrições subjetivas dos sintomas. Tal fenomenología detalhada
inclui a descrição de múltiplos subtipos clínicos; no entanto, não há
uma característica biológica que diferencie um subtipo do outro. Além
disso, reconhece-se que uma variedade de transtornos pode exibir sin­
tomas clínicos semelhantes, e que um mesmo transtorno pode se ma­
nifestar de forma distinta em pessoas diferentes. Uma abordagem de
pesquisa que descreva achados neurobiológicos confiáveis baseados na
síndrome psicopatológica seria mais consistente do que um sistema
não etiológico de classificação.
Tentativas integradoras para entender questões complexas de
saúde podem transcender as fronteiras das disciplinas e do conheci-
642 Neurociência e Terapia Cognitiva

mento e fornecer oportunidades para observar os fenômenos a partir de


perspectivas diversas, oportunizando um futuro sistema de critérios diag­
nósticos, em que a etiologia e a fisiopatofogia sejam essenciais na tomada
de decisões diagnosticas. A relação entre o estresse e a enfermidade é um
forte exemplo de uma área de estudo que pode ser melhor compreendi­
da a partir de uma perspectiva integradora. O potencial de um enfoque
integrador para contribuir com as melhorias na saúde e bem-estar hu­
manos é mais importante do que os vieses históricos que têm sido asso­
ciados à abordagem científica integradora (King & Hegadoren, 2006).
Nesse contexto, observa-se hoje uma interação crescente entre
neurociência e psicologia clínica. De forma mais ou menos ativa, algu­
mas escolas psicoterápicas procuram incorporar o conhecimento pro­
duzido pela neurociência às suas teorias. De forma recíproca, a neuro­
ciência busca também subsídios na psicologia clínica, -no sentido de
compreender como e quais intervenções psicoterapêuticas têm a capa­
cidade de aliviar determinados transtornos mentais.
Essa abordagem mostra, muito claramente, que as causas, o desen­
volvimento e o prognóstico dos transtornos são determinados pelas intera­
ções de fatores psicológicos, sociais e culturais com a bioquímica e a fisio­
logía. A bioquímica e a fisiología não estão desconectadas e não diferem
do restante das experiências e eventos de vida do indivíduo. Esse sistema
está baseado nos estudos atuais que relataram que o cérebro e seus proces­
sos cognitivos funcionam em extraordinária sincronia. Consequentemen­
te, aceitar o complexo cérebro- corpo-mente é possível hoje em dia, quan­
do sabemos que os três sistemas — neurológico, endocrino e imunológicoe
— possuem receptores em células críticas que podem receber informação
(via moléculas mensageiras) de cada um dos outros sistemas (Basar & Ka-
rakas, 2006). O quarto sistema, a mente (nossos pensamentos, sentimen­
tos, crenças e esperanças), é a parte do funcionamento do cérebro. A inte­
ração corpo-mente, um funcionamento explícito do cérebro, é crítica para
a manutenção da homeostase e bem-estar (Ray, 2004).
Historicamente, os sistemas psicológicos que buscavam explicar
os efeitos clínicos da psicoterapia evitaram o emprego de conceitos re­
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 643

lacionados ao cérebro humano. Assim, a terapia humanista-existencial,


que privilegia a experiência imediata e o desenvolvimento de potenciali­
dades individuais, fundamentou todo o seu sistema teórico na filosofia
fenomenológica. De acordo com essa perspectiva, a psicoterapia está re­
lacionada com aspectos subjetivos que ocorrem durante o encontro tera­
pêutico, e variáveis biológicas seriam desnecessárias para a compreensão
do fenômeno psicológico. Curiosamente, a terapia comportamental,
embora tenha adotado uma perspectiva objetiva calcada em evidências
experimentais advindas da observação do comportamento, pouco fez
para tentar incorporar, às suas teorias, descobertas importantes sobre o
sistema nervoso que ocorreram ao longo do século XX.
A falta de preocupação com o conhecimento neurobiológico
apresentada pela psicologia clínica atingiu seu ápice na metade do sé­
culo XX, com o surgimento das drogas psicotrópicas. Embora a imple­
mentação dessas substâncias tenha trazido, e ainda traga, avanços sig­
nificativos no tratamento dos transtornos mentais, a distinção entre
um tratamento farmacológico e outro psicológico fez renascer a heran­
ça dualista que pressupõe a separação entre os aspectos físicos do cére­
bro e os fenômenos metafísicos ou imateriais da mente. A psicologia
clínica passou a adotar posturas cada vez mais mentalistas, partindo do
princípio de que os efeitos da psicoterapia ocorreríam na ausência de
qualquer mecanismo biológico.
A tendência a dividir os transtornos psiquiátricos/psicológicos em
“doenças cerebrais” versus “doenças mentais” persiste, implicando con­
dutas terapêuticas também dicotomizadas e, muitas vezes, equivocadas.
Vários neurocientistas chamam a atenção para o equívoco persistente:
“Se as doenças forem mentais’, deve-se tratar a mente com Psicoterapia,
mas se elas forem físicas ou cerebrais’, devem-se usar tratamentos físicos
que afetem o cérebro, como medicamentos” (Andreasen, 2005).
Aos poucos, uma nova geração de profissionais da saúde mental
corrige, com embasamento neurocientífico, tal lapso de fragmentação,
demonstrando que a cognição superpõe-se ao cérebro, modificando a
sua dinâmica funcional (Paquette et al., 2003). A Neurociência, com
644 Neurociência e Terapia Cognitiva

sua abordagem integrativa, é relativamente recente. A multidisciplina-


riedade é um fator intrínseco e fundamental da nova disciplina, que
reúne investigações do espectro bio molecular ao cognitivo/mental. A
confluência das diversas linhas de pesquisas é promissora à construção
de um conhecimento mais assertivo do que no passado, quando a de­
sarticulação entre os achados independentes preponderava.
Os estudos de regulação de emoção são exemplos de como po­
demos integrar os achados da neurociência às teorias da TCC. A emo­
ção é um fenômeno complexo e multideterminado, de modo que não
há consenso entre a comunidade científica quanto à sua definição. En­
tretanto, conforme salienta Freitas-Magalhães (2011), os pesquisadores
parecem concordar quanto à importância dos processos neurais, moto­
res e experienciais que constituem a emoção. Para o mesmo autor, a
emoção seria uma resposta automática, intensa e rápida aos estímulos
do ambiente; e envolvería reações fisiológicas, comportamentais e a ex­
periência de sensações (Freitas-Magalhães, 2011).
As emoções estão presentes em vários aspectos da vida, a qual
tende a ser direcionada para maximizar a experiência de emoções posi­
tivas e minimizar a experiência de emoções negativas (Ekman, 2003).
Além disso, é importante notar que as emoções podem interferir no
que muitos cientistas consideram como motivos fundamentais que di­
rigem nossas vidas, por exemplo: fome, sexo e a vontade de sobreviver.
Dessa maneira, algumas pessoas podem se recusar a comer se tiverem
nojo da única fonte de alimento disponível. Outros podem evitar o
contato sexual devido ao medo ou ao nojo. Por fim, a desesperança
pode motivar o suicídio. Ou seja, algumas emoções podem triunfar
sobre a fome, o sexo e a própria vida (Ekman, 2003).
Observa-se também a presença das emoções em boa parte das
psicopatologias que acometem os seres humanos. Uma rápida checa­
gem em manuais diagnósticos de transtornos mentais revela que quase
todas as categorias diagnosticas incluem sintomas que envolvem algum
tipo de distúrbio emocional. Tais distúrbios abarcam emoções positi­
vas ou negativas, excesso emocional (p. ex., o medo elevado nas fobias
Estrategias Psicoterapias e a Terceira Onda em lerapia Cognitiva 645

específicas), déficit emocional (p. ex., a falta de empatia no transtorno


de personalidade narcisista), problemas sociais emocionais (p. ex., a
falta de reciprocidade emocional no autismo) e problemas de regula­
ção emocional (p. ex., dificuldade no controle da raiva no transtorno
de personalidade borderlinè) (Kring, 2008).
A última versão do Manual Diagnóstico e Estatístico de Trans­
tornos Mentais (DSM-5; APA, 2013) classifica os transtornos depres­
sivos da seguinte forma: transtorno disruptivo de desregulação do hu­
mor; transtorno depressivo maior (incluindo episodio depressivo
maior); transtorno depressivo persistente (distimia); transtorno disfóri-
co pré-menstrual; transtorno depressivo induzido por substância/me-
dicação; transtorno depressivo devido a outra condição médica; outros
transtornos depressivos específicos e transtornos depressivos inespecífi­
cos. Ainda de acordo com o DSM-5, a característica comum entre es­
ses tipos de transtornos depressivos é a presença de tristeza, vazio, ou
humor irritado, os quais são acompanhados por mudanças somáticas e
cognitivas que afetam significativamente a capacidade do indivíduo de
funcionar de modo adequado. Não obstante, a diferença entre tais
transtornos reside em questões referentes à duração, momento de
ocorrência ou etiología (APA, 2013).
Uma extensa literatura, que remonta ao trabalho de Freud, des­
creve observações e teorias em relação à importância do cuidado ma­
terno no início, da vida e ao impacto da privação de contato maternal
no desenvolvimento da saúde psicológica do adulto. Muitos trabalhos
descritivos foram publicados sobre a relação entre psicopatologia em
adultos e adversidades vividas precocemente, como perda de genitores
na infância, cuidado parental inadequado, divórcio dos pais, educação
“sem afeto” ou disfuncional, abuso físico e sexual, e outros traumas
ocorridos na infância. Esses estudos encontraram, de forma consisten­
te, que a vivência de estressores no início da vida se associa a maior ris­
co de transtornos de humor, de ansiedade e de personalidade na idade
adulta (Mello et al. 2007). Crescentes evidências indicam que o aban­
dono e o abuso infantis são fatores de risco que predispõem a depres­
646 Neurociêncía e Terapia Cognitiva

são, tanto de início na infância como na idade adulta (Carr et al.


2013). Como o eixo HPA é ativado em resposta a estressores, eventos
estressantes no início da vida podem também ter um papel etiológico
significativo nas anormalidades do eixo HPA encontradas na depressão
(Juruena et al. 2004) (ver Figura 23.1).

Figura 23.1 Modelo do desenvolvimento da depressão com base na vulnerabili­


dade (diátese) e eventos estressores de vida.

O desequilíbrio do cortisol e a regulação deficiente do feedback


de glicocorticóide têm sido repetidamente identificados como correla­
tos biológicos de transtornos depressivos e de ansiedade em adultos, e
a adversidade no início da vida está consistentemente associada a esses
transtornos em estudos epidemiológicos. Um grande número de pu­
blicações associou o transtorno depressivo maior à excessiva secreção
de cortisol basal e à regulação inadequada de feedback inibitório dos
componentes do eixo HPA (Juruena et al. 2004; 2011; 2014). Os
maus-tratos na infância são outro fator de risco para a depressão, que
foi examinado em amostras não clínicas.
Estudos recentes demonstraram que pacientes deprimidos com
histórico de trauma infantil e formas crônicas de depressão maior têm
maior probabilidade de demonstrar hiperatividade do eixo HPA. Eles
apresentam sintomas que são resistentes aos antidepressivos-padrão, mas
que se beneficiam do tratamento concomitante com psicoterapia (Jurue­
na, 2001, 2004b, 2012). Concluiu-se desses estudos que maus-tratos na
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 647

infância podem levar a desequilíbrios no funcionamento do eixo HPA e


que fatores como idade em que ocorreram os maus-tratos, responsivida-
de parental, exposição subsequente a estressores, tipo de maus-tratos e
tipo de psicopatologia ou alteração comportamental podem influenciar
o grau e o padrão do distúrbio do eixo HPA. No entanto, resultados de
estudos que examinaram a relação entre maus-tratos na infância, psico­
patologia e o eixo HPA variam. Enquanto a maioria dos estudos relata
desequilíbrio no eixo HPA, foram notadas inconsistências. Os resultados
devem ser analisados por gênero e pelo tipo de estressor, pois os efeitos
no eixo HPA podem variar devido a esses fatores.
Evidências provenientes de vários estudos sugerem que o desen­
volvimento das psicopatologias está associado à experiência de situa­
ções adversas no início da vida, tais como maus-tratos, abuso, negli­
gência, abandono, entre outras (para revisão, veja-se: Carr et al. 2013;
Heim & Binder, 2012; Tofoli et al., 2011). Ademais, o estresse preco­
ce também está associado a anormalidades na percepção e na regulação
emocional (Tottenham et al., 2010). O esclarecimento dessa questão
requer, entre outras coisas, que a emoção seja medida e avaliada de
modo adequado. Contudo, medir o estado emocional de uma pessoa
ainda se configura como um problema difícil para as ciências do afeto
(Mauss & Robinson, 2009).

Neurociência

O processo que envolve a comunicação neural para regulação e


manutenção da homeostase da vida humana é recorrente em várias li­
nhas de pesquisa da Neurociência. Serão relacionados alguns achados
consistentes sobre o dinâmico processo de comunicação neural no Sis­
tema Nervoso Central (SNC), como plataforma de partida à constru­
ção de pontes integrativas entre a Neurociência e a Psicoterapia.
O encéfalo humano em idade madura tem aproximadamente
cem bilhões de neurônios. Reunimos também aproximadamente um
648 Neurociência e Terapia Cognitiva

trilhão de células da glia, pouco conhecidas e que só recentemente


vêm sendo mais estudadas. Há uma década acreditava-se que as célu­
las da glia serviam especialmente para fornecer sustentação ao SNC.
Hoje, estudos demonstram que tais células participam ativamente do
processo de comunicação neural. Cada célula nervosa pode receber
informações, em média, de vinte mil outros neurônios e também
transmitir informações para outras vinte mil células nervosas, confi­
gurando “incontáveis” possibilidades de receber, transmitir, processar,
interpretar e comunicar tais dados no SNC. As sinapses elétricas e as
sinapses químicas são as duas maneiras de as células nervosas se co­
municarem mais estudadas pela Neurociência. As sinapses elétricas
conduzem informações muito rapidamente, envolvendo processos
complexos de potenciais de ação ou correntes elétricas com limiares
precisos para interromper ou manter digitalmente o fluxo de impul­
sos na rede neural. As sinapses químicas são em geral mais lentas. Isto
é, processam comunicações em milissegundos, porém com rica mo­
dulação das informações, a qual é obtida pela abertura e fechamento
de diferentes canais da membrana celular, canais esses que operam
analógicamente em precisa sincronia com uma variedade de neuro-
moduladores (aminoácidos, aminas e peptídeos).
Sempre que um comportamento é emitido, ativamos e desativa­
mos simultaneamente redes neurais, e milhares de sinapses excitatórias
e inibitórias ocorrem nesse processo. O SNC manifesta ainda o sofisti­
cado fenômeno da Plasticidade Neural, recurso de que dispomos para
modificar, compensar, gerar e ajustar funções neurais fundamentais à
nossa vida, como o aprendizado e a memória (Squire & Kandel,
2003). De maneira simplificada, podemos dizer que regular a homeos-
tase e mediar a emissão de comportamentos são as principais funções
do SNC. Um exemplo prático de regulação da homeostase pelo SNC
ocorre com uma pequena alteração da temperatura ambiente. Vários
sistemas são informados e regulados para manter o corpo em equilí­
brio nas novas condições do meio, sem que tenhamos uma diminuta
consciência dessa atualização adaptativa.
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 649

Assim, num ajuste preciso de vasoconstriçáo ou vasodilatação,


aumento ou diminuição da pressão arterial e outros sistemas, a tem­
peratura interna é mantida em torno de 36°C. O SNC permanece
em contínua atividade para manter o equilíbrio homeostático do cor­
po. Doença, dor e sofrimento psicológico também fazem parte desse
sábio sistema regulador: eles sinalizam que o equilíbrio do conjunto
deve ser restabelecido com procedimentos corretivos. A emissão de
comportamentos é um processo que envolve a volição e a consciência
e, por essa razão, temos então possibilidade de interface mais ampla
com o SNC (Poldrack & Packard, 2003). A Neurociência tem de­
monstrado que um comportamento pode ser aprendido e aperfeiçoa­
do pela experiência, que altera a “voltagem” das sinapses na rede neu­
ral, provendo a formação de novos circuitos neurais e novas memó­
rias, acessíveis em ocasiões posteriores (Kandel et al., 2000). Estudos
com neuroimagem funcional revelam correlações neurais parecidas no
uso real e imaginário de instrumentos. Estruturas corticais similares
foram ativadas durante a execução de uma tarefa motora e durante a
execução pantomímica (imaginária) da mesma tarefa (Moll et al.,
2000). Estudos em primaras revelam que o encéfalo gera continua­
mente prediçóes a partir de mapas mentais adquiridos com as expe­
riências. Tais prediçóes são suficientemente confiáveis para antecipar
o que ocorrerá no futuro próximo, como consequência de uma ação
conhecida. Com base nesses achados, pode-se inferir que é provável
que o encéfalo humano trace também mapas de comportamentos ba­
seados em experiências. Os bancos de memórias, constituídos me­
diante experiências objetivas e subjetivas, são referências fundamen­
tais à capacidade humana de gerar comportamentos adaptativos. As­
sim, os achados da Neurociência ilustram a importância das experiên­
cias subjetivas como determinantes de reciprocidades neurais, tal
como se manifestam em respostas comportamentais do dia a dia. A
maneira pela qual percebemos e interpretamos o mundo é legitimada
pelo SNC, e conforme modificamos a mesma, novos circuitos neurais
são desenvolvidos (Rainville et al., 2002). Esse é um dos pontos fun­
650 Neurociência e Terapia Cognitiva

damentais de conexão entre a Psicoterapia e a Neurociência. Contu­


do, a despeito dos avanços tecnológicos e do rigor científico emprega­
dos nas pesquisas que esclarecem pouco a pouco a dinâmica do SNC,
um dos mais complexos desafios da Neurociência está na investigação
dos substratos neurais mediadores da volição e do livre-arbítrio.
A revisão dos estudos publicados nas duas últimas décadas so­
bre a aplicação de Terapias Cognitivas no tratamento de certos trans­
tornos ansiosos revelou, mais recentemente, a eficácia dessa aborda­
gem (Otto & Deveney, 2005). As Terapias Cognitivas articulam per­
cepção, memórias e sistemas de crenças dos indivíduos em processo
terapêutico. A percepção tem sido estudada pela Neurociência, que a
define como “a capacidade de associar informações sensoriais à me­
mória e à cognição de modo a formar conceitos sobre o mundo e so­
bre nós mesmos e orientar o nosso comportamento” (Lent, 2001).
Estudos neurocientíficos mostram que a percepção é também um
processo de inferência, e pode ser influenciada por numerosos fatores,
inclusive pela Psicoterapia (Nisbett & Masuda, 2003). Processos psi­
cológicos de aprendizado podem ocasionar mudanças biológicas nas
sinapses cerebrais e nas expressões neurofisiológicas . “Uma explicação
neurobiológica do tratamento eficaz de indivíduos com transtorno
ansioso por meio da Terapia Cognitiva sugere que novos traços de
memória se formam em um cérebro plástico, substituindo as cone­
xões anteriores que produziam reações de ansiedade” (Andreasen,
2005). De fato, a interface entre a Psicoterapia e a vida neural sempre
existiu, porém agora temos métodos para compreender tais reciproci­
dades. A despeito da dicotomía entre a Psicologia e a Medicina no
passado, vivemos no século XXI um momento especial, de possível
convergência entre Psicoterapia e Neurociência. Questões referentes
aos efeitos neurobiológicos da Psicoterapia são hoje consideradas das
mais relevantes em Neurociência. Observa-se recentemente um nú­
mero crescente de Psicoterapeutas Neurocientistas desenvolvendo
pontes frutíferas entre essas linhas complementares e interdependen­
tes de conhecimento.
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 651

Neurociência, métodos de pesquisa e psicoterapia

Não existe um padrão especial, específico e infalível para a medi­


da da emoção, considerando-se que a mesma é um fenômeno multide-
terminado. Em um cenário científico ideal, seria necessário investigar
a emoção por meio de medidas convergentes, as quais deveríam avaliar
todas as mudanças nos componentes que a constituem, por exemplo:
(a) mudanças ocorridas em todos os níveis do sistema nervoso central;
(b) variações nas respostas autonómicas; (c) alterações nos padrões fa­
ciais, vocais e corporais; (d) modificações na experiência subjetiva, en­
tre outros (Scherer, 2005) ■ Para tanto, diversos métodos para mensurar
as emoções foram desenvolvidos, incluindo medidas de autorrelato,
técnicas projetivas, avaliação de repostas comportamentais e índices fi­
siológicos. Além disso, nenhum método é necessariamente melhor que
outro, e todos contêm vieses. Contudo, algumas abordagens parecem
ser mais úteis do que outras em contextos específicos, como é o caso
das medidas comportamentais, que se mostram mais úteis no contexto
clínico psiquiátrico (Plutchick, 2003).
Hoje é amplamente aceito que o estresse psicológico pode alterar o
estado homeostático interno de um indivíduo. Durante o estresse agudo,
ocorrem respostas fisiológicas adaptativas, incluindo aumento da secreção
adrenocortical de hormônios, principalmente de cortisol. Sempre que
existe uma interrupção aguda desse equilíbrio, a enfermidade pode sobre­
vir. Especial interesse merecem o estresse psicológico (estresse na mente) e
as interações dos sistemas neurológico, endocrino e imunológico.
Os ambientes sociais e físicos têm um enorme impacto em nossa
fisiología e comportamento, e influenciam o processo de adaptação ou
alostase (McEwen, 2001). É correto afirmar, ao mesmo tempo, que
nossas experiências alteram nosso cérebro e pensamentos, isto é, modi­
ficando nossa mente, alteramos nossa neurobiologia. Essa ação do cé­
rebro é a primeira linha de defesa do corpo contra a enfermidade, con­
tra o envelhecimento e a favor da saúde e do bem-estar (Ray, 2004).
Dessa forma, somente a adoção de um enfoque multidisciplinar, reu­
652 Neurociência e Terapia Cognitiva

nindo o conhecimento e a tecnologia da física, da fisiología, da psicologia


e da filosofia, poderá integrar o sistema em seu conjunto. Os genes, o es­
tresse precoce, as experiências na vida adulta, o estilo de vida e as experiên­
cias de vida estressantes contribuem como forma pela qual o corpo se
adapta a um meio ambiente mutável; e todos esses fatores ajudam a deter­
minar o custo para o corpo — ou a “carga alostáticá” (ver Figura 23.2).

Figura 23.2 Modelo de desenvolvimento da depressão com base em genes anô­


malos. Atividade límbica aumentada se sobrepõe ao controle pré-frontal. Adap­
tado de Beck (2008).

A maioria desses estudos envolve a neurobiologia e a psicologia,


mas sáo imperfeitos sem a contribuição de outras áreas, tais como a
antropologia cultural, a economia, a epidemiologia, a ciência política e
a sociologia (McEwen, 2001). A interação entre o comportamento, a
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 653

neurobiologia e o sistema endocrino, que pode resultar em imunossu-


pressão, é a descoberta mais interessante na medicina atual e suas impli­
cações são importantes para a prevenção e o tratamento das doenças so­
máticas (Tosevski & Milovancevic , 2006). O cortisol salivar também é
um método interessante e não invasivo para a mensuração de respostas
ao estresse, características de transtornos ansiosos, antes e depois da Psi­
coterapia (Young et al., 2004). Tais métodos são utilizados com frequên­
cia em protocolos de investigações com ou sem neuroimagem.
Essa polarização entre a psiquiatria biológica e a psicologia men-
talista começou a perder espaço no final do século XX, graças ao surgi­
mento de técnicas de neuroimagem funcional que permitiram a detec­
ção de mudanças no funcionamento de estruturas neurais associadas à
intervenção psicológica. Os novos métodos de investigação colaboraram
sensivelmente para o florescimento da relação entre Psicologia e Neuro-
ciência. Tecnologias de neuroimagem têm favorecido recentes investiga­
ções sobre os substratos neurais mediadores de Psicoterapias aplicadas ao
tratamento de diversos transtornos. Os métodos mais utilizados nos últi­
mos dez anos são: a tomografia por emissão de fóton único (SPECT), a
tomografia por emissão de positrons (PET), a ressonância magnética
funcional (fMRI) e a ressonância magnética espectroscópica (MRS). Fa­
tores como a sensibilidade à detecção anatômica e funcional (resolução
espacial e temporal), a possibilidade de controlar e reproduzir ensaios,
assim como custo e disponibilidade para utilização do método, são pon­
derados para a escolha ideal ao estudo relativo à Psicoterapia. Os estudos
com neuroimagem são em maior número estruturais — objetivam pes­
quisar alterações anatômicas especialmente relacionadas à volumetria de
estruturas encefálicas — e funcionais — investigam alterações na dinâ­
mica do fluxo sanguíneo encefálico, aumento ou decréscimo de ativa­
ção nas estruturas e circuitos neurais.
Os estudos funcionais são utilizados em protocolos que envol­
vem Psicoterapia. As tecnologias SPECT e PET empregam radioisóto­
pos para marcação de alterações metabólicas regionais do fluxo sanguí­
neo encefálico. Além de medir a dinâmica da perfusão capilar no encé-
654 Neurociência e Terapia Cognitiva

feio e o metabolismo da glicose como indicadores de atividade neural,


esses métodos sáo também utilizados em estudos de receptores e neuro-
transmissores envolvidos em psicopatologias, por permitirem o emprego
de marcadores distintos. A £MRI é uma tecnologia não invasiva e pode
combinar as alterações do fluxo sanguíneo encefálico com a estrutura
anatômica em alta resolução. O método faz uso das propriedades para-
magnéticas da desoxihemoglobina para marcar as respostas hemodinâ-
micas por meio das mudanças de oxigenação no sangue — efeito BOLD
{Blood Oxygen Levei Dependent effeci) também indicadoras de ativida­
de neural. Entre os métodos atuais de neuroimagem, destacam-se:

SPECT: aquisição das imagens em Gama-câmara posterior à in­


jeção do marcador (reduz artefatos de movimento), permite a preser­
vação do ambiente familiar ao sujeito (p. ex., setting terapêutico) e uti­
liza marcadores mais estáveis, com meia-vida mais longa (de quatro a
seis horas, p. ex: ECD e HMPAO).
PET: exame com dinâmica temporal (mede variações ao longo
da tarefa), permite boa localização espacial em regiões ativas e uso de
distintos marcadores para estudos metabólicos.
£MRI: exame com alta resolução espacial e temporal, permite a
correlação da atividade neural com a anatomia subjacente; não invasivo
(não utiliza radiação), diversos paradigmas podem ser utilizados com um
simples exame e permite vários ensaios em um curto intervalo.

Principais limitações

SPECT: exame invasivo (requer injeção de marcador radioisotó-


pico), os experimentos não podem ser repetidos com frequência num
período curto de tempo, resolução limitada, não adquire anatomia,
exame não dinâmico (mede um único período de tarefas contínuas),
restrição a estudos com tarefassem variações.
PET: exame invasivo (requer injeção de marcador radioisotópi­
co), os experimentos não podem ser repetidos com frequência em um
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 655

período curto de tempo, os sujeitos devem permanecer imóveis (pro­


penso a artefatos de movimento) e os marcadores são instáveis, com
meia-vida curta (minutos).
ÍMRI: não mede diretamente atividade neural, nem intensidade
do sinal variável, mesmo que intensidade de estímulos seja constante.
Potencial falsos-positivos (o efeito BOLD ocorre em sinapses excitató-
rias e inibitórias), tem ruído EPI (média de 80dB) durante a aquisição
requer exclusão de indivíduos com implantes ou materiais magnéticos.

Tais métodos começam a ser utilizados para avaliar as reciprocida­


des neurais envolvidas na Psicoterapia de indivíduos com transtorno ob-
sessivo-compulsivo, transtorno depressivo maior, fobia social, fobia espe­
cífica e transtorno de estresse pós-traumático. Os resultados em geral re­
velam que as abordagens psicoterápicas aplicadas tiveram o potencial de
modificar circuitos neurais disfuncionais associados aos transtornos estu­
dados. A Psicoterapia influenciaria a normalização neurofisiológica com
o respectivo desenvolvimento do equilíbrio psicológico do paciente. De
fato, as alterações ocorridas no nível mental, por intermédio da Psicote­
rapia, são acompanhadas por mudanças do fluxo sanguíneo encefálico e
normalização das dinâmicas neurais dos pacientes (Rybakowski, 2002).
Um estudo realizado na Universidade de Montreal aplicou a TCC para
tratamento de aracnofobia e foi propriamente intitulado Change your
mind, changeyour brain (Paquette et al., 2003).
A Neurociência dispõe de outros métodos interessantes para pes­
quisas no âmbito da Psicoterapia. Marcadores biológicos indicadores
de respostas neuroautonômicas podem estar associados a outros ins­
trumentos de aferição, como escalas e inventários dos resultados pro­
venientes de intervenções psicoterapêuticas. O objetivo do estudo de­
terminará a utilidade ou não desses métodos no desenho do protocolo
de pesquisa. O monitoramento cardíaco e a condutância galvánica são
métodos geralmente associados durante as aquisições de neuroimagem,
a fim de se investigarem as relações entre as mudanças na atividade
neural e a reatividade autonómica.
656 Neurociência e Terapia Cognitiva

Variações interindividuais no processamento dos eventos de vida e


das emoções básicas são provavelmente co-responsáveis por achados in­
consistentes de diversos estudos (Eugene et al., 2003). A homogeneida­
de sintomatológica, os fatores inespecíficos dos psicoterapeutas e as nu-
ances de condução do método, assim como o processamento qualitativo
das experiências subjetivas, são fatores complexos de difícil controle em
estudos com neuroimagem. A natureza heterogênea dos sintomas per­
tencentes a uma mesma classificação DSM ou CID também pode pro­
mover dificuldades para induzir respostas em sujeitos do grupo-controle
que combinem com os sintomas-respostas dos indivíduos em tratamen­
to. A familiaridade com o equipamento também deve ser controlada
para que a atenção do voluntário possa estar focada no seu procedimen­
to. Isso nem sempre acontece, por razões de custo e de indisponibilidade
do método de neuroimagem para treinamento do sujeito in loco.
Quando os sujeitos são incumbidos de fazer uma tarefa que pos­
sa tornar-se contaminada pela complexidade, expectativa de acerto e/
ou distração, os pesquisadores podem obter achados neuronais relati­
vos a tais variáveis. Além disso, o ambiente onde a Psicoterapia ocorre
também deve ser controlado. Conforme o paradigma de ativação utili­
zado no protocolo, a manutenção do setting terapêutico é uma variável
importante a ser controlada. O único método de neuroimagem que
permite a preservação do ambiente natural onde a Psicoterapia ocorre
é o SPECT. A meia-vida mais longa do radioisótopo entre quatro e
seis horas e o método de aquisição das imagens permitem que o mar­
cador seja aplicado fora do hospital, tomando-se os cuidados assépti­
cos, e depois de poucas horas as aquisições em gama-câmara sucedam
na unidade de medicina nuclear do hospital.
A despeito do limitado número de profissionais experientes em
pesquisa nessa área, o Brasil hoje dispõe das três principais técnicas
SPECT, PET e fMRI de neuroimagem funcional. Os centros america­
nos, europeus e asiáticos que produzem estudos funcionais dispõem de
equipes multidisciplinares envolvendo físicos, neurocientistas, médicos
de diversas especialidades (psiquiatria, neurologia, medicina nuclear e
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 657

radiologia), psicólogos, enfermeiros e técnicos com distintas forma­


ções. Os estudos com neuroimagem funcional no Brasil são ainda em­
brionários e há que se fortalecer a cultura multidisciplinar para produ­
ção mais eficiente das linhas de pesquisa.

Considerações finais

í Com base nesta revisão da literatura, pode-se concluir que a


confiabilidade inter-avaliadores é bastante alta. Clínicos e pesquisado­
res por todo o mundo podem, portanto, comunicar-se de maneira
mais apropriada e eficiente, utilizando ferramentas de avaliação co­
muns e nomenclaturas semelhantes. Essa observação fala em favor do
resgate de conceitos fenomenológicos tradicionais ou clássicos, capazes
de fornecer critérios diagnósticos operacionais que possam manter o
alto nível de concordância alcançado entre os clínicos sem sacrificar a
validade das categorias.
A ausência de correlações entre dados clínicos e biológicos con­
tinua a ser, de acordo com vários autores, um dos grandes problemas
não resolvidos da psiquiatria atual, e podería ser solucionado através
do resgate do valor da análise psicopatológica tradicional baseada na
avaliação clínica fundamental e detalhada, que deveria estar na base da
pesquisa etiológica e das decisões de tratamento. O advento de técni­
cas de neuroimagem com alta resolução espacial e temporal vem per­
mitindo investigar o impacto da psicoterapia sobre a estrutura e o fun­
cionamento do sistema nervoso central. Métodos multimodais, que
integram a especificidade de marcadores PET, a definição anatômica
da MRI e a resolução temporal do qEEG, começam a ser utilizados
com custos ainda inviáveis para a larga produção científica.
Estudos futuros examinarão a especificidade dos substratos fun­
cionais, estruturais e neuroquímicos/moleculares para o entendimento
da fisiopatologia de transtornos mentais. Contudo, a expressão neuro-
fisiopatológica dos transtornos mentais pode não ser estática, e as reci-
658 Neurociência e Terapia Cognitiva

procidades neurais podem se modificar com o passar do tempo. É cer­


to que os avanços tecnológicos trarão progressivamente a identificação
mais precisa de circuitos neurais associados aos transtornos estudados.
A integração entre neurociência e psicologia cognitiva vem per­
mitindo também redimensionaras fronteiras entre fatores conscientes e
não conscientes associados à origem e ao tratamento dos transtornos
mentais. Grande parte da atividade realizada pelo cérebro independe
da atividade consciente, sendo constituída de processamento implíci­
to. Memórias implícitas são particularmente importantes para a ori­
gem de transtornos mentais, e aspectos conscientes estão também rela­
cionados a intervenções
psicoterapêuticas. A dinâmica entre mecanismos explícitos e im­
plícitos parece ser uma das principais características desses sistemas
mnemônicos. Memórias autobiográficas, por exemplo, que marcam o
início do processo psicoterápico, transformam-se, eventualmente, em
memórias semânticas ou tornam-se automatizadas sob a forma de me­
mórias implícitas.
A pesquisa sobre os circuitos neurais dos transtornos mentais
tem importante implicação clínica, pois amplia nosso conhecimento
acerca dos mecanismos neurobiológicos subjacentes às patologias, as­
sim como podem revelar os circuitos neurais associados à melhora dos
sintomas em decorrência do tratamento bem-sucedido com TCC.
Consequentemente, esses estudos podem contribuir para o aumento
da eficácia da terapia, quer através do aperfeiçoamento de novas técni­
cas quer através da potencialização com fármacos. Em síntese, a com­
preensão das bases neurobiológicas relacionadas ao processo emocional
é de grande importância para a psicologia.
Os achados atuais e futuros devem orientar as intervenções psicote-
rápicas em relação ao que se deve estimular em tais indivíduos para nor­
malização de suas atividades neurais deficitárias. Na era inregradora em
que vivemos, quanto maior o entendimento do significado dos resultados
obtidos pela Neurociência, e mais informações são coletadas, mais apro­
veitáveis serão essas contribuições às intervenções da Psicoterapia.
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 659

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Alcyr Alves de Oliveira. Junior, Ana Carolina Peuker


e Janaína Ibais Barbosa Pacheco

Infelizmente, ainda nos dias de hoje, existe um grande distanciamento


entre a prática clínica e a academia. Este distanciamento dificulta a
compreensão do pesquisador para com a realidade da prática clínica
e dificulta o acesso do clínico ao conhecimento de ponta, ligado á
produção de conhecimento em ciência. A terapia cognitiva trouxe
como herança do modelo comportamental a preocupação com a
mensuração dos resultados; do controle das variáveis e com a busca
de efetividade das suas intervenções. Tal preocupação com o método
científico contribuiu para que ela se tornasse uma abordagem efetiva
para diversos transtornos mentais. O mesmo fenômeno acompanha
o desenvolvimento da maioria das abordagens da terceira onda.
W.V.M.

A psicoterapia cognitiva está vinculada desde suas raízes a uma


epistemología e apegada a uma base científica que se centra na busca
de evidências para explicar suas estratégias e efetividade. Mesmo assim,
em muitas ocasiões foi questionada sobre a capacidade de respeitar o
rigor do método científico: resultados precisam ser repetíveis, compa­
rações entre sujeitos, isenção nas interpretações, variáveis independen­
tes e dependentes sob controle. Neste capítulo, discutiremos á impor­
tância e a necessidade de o método científico crescer na prática psico-
662 Psicoterapia e Ciência

terápica. O aumento do valor na forma de respeitabilidade de psicote­


rapias baseadas em evidencia, como uma resposta ao distanciamento
do método científico, independe da linha teórica, desde que esta seja
capaz de arcar com o rigor de um método.
O foco dado à psicoterapia invariavelmente tende a ser conduzido
como evento de pouco valor científico, permeado de casuísmos e habili­
dades subjacentes, muitas vezes inexplicáveis, algo quase mágico. A im­
portância de existir um procedimento psicoterapêutico com sustentação
científica está centrada na necessidade de oferecer tratamento eficaz e
maior amplitude de técnicas. Para toda e qualquer proposta terapêutica
de atendimento clínico devem existir evidências e bases científicas que
produzam resultados. E preciso considerar metas, latência de resultados
esperados, duração dos efeitos e contribuição dos resultados para a socia­
lização do paciente, não apenas considerando a satisfação pessoal com o
tratamento; assim como, é preciso considerar a aplicabilidade da técnica
sem que esta se transforme em tecnicalidade, outro efeito de um herme­
tismo que foge do científico e do evidente. A discussão sobre as relações
entre psicoterapia e ciência não são novas, mas precisam constantemente
ser abordadas principalmente considerando as evidências observadas.

Psicoterapia: ciência ou arte

Este é um tema que já se transformou em debate clássico. Nos


primordios, Freud tinha claramente a intenção de criar uma psicanáli­
se científica. Foi criticado por não conseguir demonstrar cientificidade
a contento. Muitos outros entraram no campo da psicoterapia desde
então e também partilharam estes objetivos. Entretanto, psicoterapia
muito frequentemente é vista mais como arte do que como parte de
um campo científico e preciso.
O fundamento da psicologia sempre foi distinto da psicoterapia.
Com o amadurecimento da psicologia como ciência, esta distinção aos
poucos foi perdendo força e a psicoterapia foi se ajustando aos novos
tempos e à necessidade de mostrar evidências de sucesso, aproximando-
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 663

-se cada vez mais da psicologia científica. Isso ocorreu porque a distinção
que havia era de muitas formas arbitrárias: psicoterapia e psicologia são
campos próximos, intrínsecos e relacionados. Ambos têm influência so­
bre suas atividades e métodos. A psicologia tornou-se, nesse período de
amadurecimento, uma área baseada em pesquisa, em ciência na busca de
evidência para os efeitos sobre o comportamento. A psicoterapia tornou-
se um campo aplicado muito mais flexível e sensível.
Com o crescimento da psicoterapia comportamental (Primeira
Onda) e, logo adiante, com a psicoterapia cognitiva (Segunda Onda),
elementos de ciência passaram a tomar vulto e crescer em importância.
A psicoterapia tornou-se algo que precisava ter uma base de certeza, de
evidência para se ajustar aos novos tempos.
Toda a sensibilidade do terapeuta passou a ser controlada, pas­
sou a ser treinada. Objetivos claros passaram a ser preponderantes.
Métodos passaram a ser importantes para atingir determinados objeti­
vos. A necessidade de evidências para que métodos terapêuticos pro­
postos pudessem ser aplicados cresceu. A distância entre o laboratório
e a prática clínica diminuiu. Mas fundamentalmente, a necessidade de
conhecer o método científico tornou-se cada vez mais forte no contex­
to da aplicação psicoterapêutica. A psicoterapia como uma técnica de­
pendente da sensibilidade do terapeuta passou a contar com elementos
de método, com objetivos claros, métodos precisos, treinamento tera­
pêutico e sucesso ou fracasso mensurável.
A maneira de entender a dualidade entre uma terapia sensível,
quase artística, e uma psicoterapia baseada em um método científico
foi mais um problema para a psicologia debater e entender. Muitas ve­
zes a cientificidade do método é considerada como algo objetivo, e a
sensibilidade como a arte da psicoterapia. Essa dualidade com fre­
quência é vista como um elemento pernicioso.
Nos dias de hoje, todavia, o importante é considerar que a psi­
coterapia é aplicada para o desenvolvimento de uma condição de saú­
de. Psicoterapia está no terreno da saúde mental e não se restringe ape­
nas à psicologia. Está no terreno do bem-estar e este deve ser conside­
rado importante o suficiente para ser tratado com a seriedade que o
664 Psicoterapia e Ciência

método científico pode proporcionar. Só o método científico é capaz


de contribuir com elementos passíveis de avaliação, de neutralidade e
sem os casuísmos probabilísticos da sensibilidade.
Uma psicoterapia baseada em evidências é frequentemente criti­
cada por favorecer os métodos quantitativos ou a objetividade do mé­
todo científico (Brum et al., 2012). Os resultados, entretanto, condu­
zem a uma representatividade cada vez maior para os métodos que po­
dem apresentar melhores benefícios aos pacientes. E isto não quer di­
zer que psicoterapias baseadas em evidência não permitem o uso de
métodos qualitativos em seus sistemas de técnicas e muito menos eli­
mina a sensibilidade do terapeuta.
O método científico orienta e oferece sistemas de técnicas que po­
dem ser testados para cada caso e para diferentes populações. Proporcio­
na técnicas similares para todos os técnicos aplicadores ou terapeutas e é
capaz de construir explicações para modificações e generalizações. O mé­
todo científico é capaz de impedir que uma técnica errônea seja empre­
gada duas vezes. E capaz de demonstrar onde estava o erro. Mas afinal,
como o método científico faz isso? Como podemos usá-lo?

Importância do método científico

Ciência tem sido definida como uma interpretação sistemática


capaz de construir e de organizar o conhecimento a partir de previsões
lógicas e explicações testáveis de como o universo funciona. No entan­
to, o principal desafio para os estudiosos da filosofia da ciência não é
definir o que é ciência, mas o que é método científico.
Grandes filósofos e cientistas já debateram e questionaram se re­
almente existe um método científico, e a resposta é sim e não. Se exis­
tem ações que a maioria dos cientistas fazem para responder suas per­
guntas de pesquisa, isto pode sim ser chamado de método científico
ou metodologia. Se método significa uma única forma que todos os
cientistas usam da mesma maneira para encontrar respostas em todas
as ocasiões, a resposta é não. Muitos não cientistas usam esses mesmos
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 665

métodos para encontrar respostas para diferentes aplicações como in­


vestigações médicas, policiais, etc., portanto, o método científico não
implica em exclusividade de uso do cientista.
Um dos fatores mais importantes do método científico é o rigor
metodológico e a sistematização de padrões de análise e de intervenção
que permita reconhecer as diferentes variáveis envolvidas. Em um pro­
cedimento psicoterapêutico científico, isto implica em isolar as variá­
veis de causa e efeito a ponto de poder suprimi-las. Implica também
no reconhecimento dos efeitos pela manipulação dessas variáveis. Ten­
do reconhecimento destas bases, passamos a ter evidências da interven­
ção realizada. Todos os procedimentos, a partir de então, passam a ser
baseados neste conjunto de evidências. É claro que isto nem sempre
foi aceito e com frequência é combatido.
Um dos grandes entraves para uma aproximação entre o método
científico e a clínica psicológica foi a proximidade da psicologia com as
humanidades. O problema fundamental reside no princípio que as ciên­
cias naturais tendem a ser positivistas enquanto as ciências humanas ten­
dem ao relativismo na sua maneira de buscar a verdade e o conhecimento.
O positivismo baseia-se na visão de que toda a informação é derivada da
lógica, do tratamento matemático, preciso e de relatos com base na expe­
riência sensorial, empírica, sendo estes considerados como a única e exclu­
siva fonte de conhecimento (McComas, 2014). Já o relativismo postula
que nenhum ponto de vista possui validade ou pode deter a verdade abso­
luta, apenas valor relativo, subjetivo, de acordo com as diferenças na per­
cepção dos conceitos e das individualidades (Bernstein, 1983).

Pesquisa em psicoterapia

Um grande progresso na pesquisa em psicoterapias tem sido ob­


servado (Kazdin, 2007), culminando com o reconhecimento de vários
tratamentos com forte evidência a seu favor. Mesmo assim, depois de
décadas de pesquisa, não é possível fornecer uma explicação baseada
em evidências de como ou porque as intervenções mais bem estudadas
produzem mudanças.
666 Psicoterapia e Ciência

Para abordar essa discussão, Kazdin (2007) apresenta os prin


cipais conceitos e urna minuciosa análise das características e dos desa
fios da pesquisa em psicoterapia. O autor destaca os conceitos de me
diação e de mecanismo. Nesse sentido, o fator mediador é um cons
truto que mostra uma relação estatística entre a intervenção e o desfe
cho, mas não explica o processo por meio do qual a mudança ocorreu
Mecanismo, por sua vez, está relacionado à forma como a intervençãc
se traduz em eventos que levam ao desfecho.
Os dois conceitos estão no cerne de diferentes mudanças terapêu­
ticas observadas (Kazdin, 2007) e, por isso, cabe avaliar as razões pars
estudá-los. Um primeiro aspecto apontado pelo autor refere a uma gran­
de quantidade de tratamentos disponíveis. Uma pesquisa rápida em um
banco de dados sobre, por exemplo, psicoterapia para crianças ou ado­
lescentes indicará isso. Segundo, a terapia pode produzir efeitos relativa­
mente amplos, como a redução de problemas emocionais, comporta-
mentais e sociais, ou alterações físicas. A questão é: como esses efeitos
acontecem? A investigação dos mecanismos de terapia irá esclarecer as
conexões entre a intervenção e os diversos resultados.
Uma terceira razão para o estudo dos mecanismos e mediadores
dos processos terapêuticos é que, através da compreensão desses pro­
cessos, é possível otimizar a mudança terapêutica, direcionando as es­
tratégias de intervenção. A importância de estender para a clínica ou
para contextos “reais” os achados da pesquisa em psicoterapia consti­
tui-se na quarta razão indicada pelo autor (Kazdin, 2007). Para oti­
mizar a generalização dos efeitos do tratamento, em contexto de pes­
quisa para a prática, é necessário conhecer quais são as condições ide­
ais e quais são os componentes que devem ser incluídos para promo­
ver a mudança.
As duas últimas razões apresentadas pelo autor referem-se à pos­
sibilidade de avançar na pesquisa em psicoterapia. Para Kazdin (2007),
conhecer como a terapia funciona possibilita verificar os moderadores
envolvidos, ou seja, as variáveis interferem na eficácia do tratamento,
bem como permite conhecer como o ser humano funciona fora do
contexto de psicoterapia.
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 667

O estudo científico dos mecanismos envolvidos na mudança te­


rapêutica constitui-se em um desafio metodológico. Assim como exis­
tem diferentes fatores determinantes para muitas doenças, distúrbios
ou problemas sociais, emocionais e comportamentais pode haver uma
complexidade análoga em relação aos mecanismos do tratamento ou
do resultado terapêutico (Kazdin, 2007). Além disso, pacientes podem
responder favoravelmente ao mesmo tratamento por razões diferentes.
A escolha sobre o delineamento metodológico do estudo indicará
o seu nível de evidência. No entanto, de uma forma geral, são estudos
que investigam a eficácia e a efetividade de intervenções. Os ensaios clí­
nicos randomizados são considerados delineamentos potentes para a in­
vestigação acerca da eficácia de um tratamento, comumente aferida por
meio de testes e escalas psicométricas. Vale ressaltar que pesquisas que
respondem sobre a eficácia de um tratamento, não necessariamente res­
pondem sobre os mecanismos envolvidos no processo de mudança.
Brum et al. (2012) apontam as críticas realizadas por alguns au­
tores (Seligmam, 1995) quanto à validade externa dos ensaios clínicos
randomizados: os participantes da pesquisa, em decorrência dos crité­
rios de inclusão e de exclusão e da distribuição randômica, normal­
mente se distanciam do “paciente real”. Por isso, o autor sugeriu que,
para avaliar a psicoterapia, os estudos de efetividade, que respeitassem
a diversidade de situações, de comorbidades e de duração das psicote­
rapias eram mais indicados (Seligmam, 1995).
Para uma melhor compreensão dessa discussão, é importante dife­
renciar eficácia e efetividade (Nash et al., 2005)- Os estudos de eficácia
objetivam avaliar a existência de uma relação causai entre o tratamento e
a resposta. O foco está na validade interna e na avaliação do modelo, são
estudos controlados, com delineamento experimental e, por isso, se asse­
melham pouco com o setting “real” (Peuker et al., 2009).
Os estudos de efetividade objetivam avaliar a resposta ao trata­
mento. O setting é menos controlado e são estudos com delineamento
quase experimental. As condições de pesquisa são menos distantes de
um processo terapêutico “real” (Peuker et al, 2009), por essa razão,
considera-se que apresentam maior validade externa.
670 Psicoterapia e Ciência

sobre processo e resultados em psicoterapia fomentam a discussão teóri­


ca-técnica e são úteis no campo de ensino, pois podem auxiliar no apri­
moramento de terapeutas em formação. Além disso, produzem conheci­
mento que repercute no sistema público de saúde, no momento em que
intervenções custo-efetivas podem ser delineadas (Peuker et al., 2009).

Psicoterapia baseada em evidências e


terapia cognitivo-comportamental: uma possibilidade
de aproximação entre psicoterapia e ciência

Em 2005, a American Psychological Association (APA) reuniu um


grupo de cientistas e psicólogos e criou o Task Force on Evidence Based
Practice (TSE-BP) (APA, 2006). Foram reunidos profissionais de diver­
sas orientações teóricas, a fim de não haver nenhuma técnica ou teoria
específica (Pheula & Isolan, 2007). Esse grupo definiu a Psicoterapia
Baseada em Evidências (PBE) como um processo de tomada de decisão
clínica que integra evidências científicas, experiência clínica e as prefe­
rências e características do paciente (APA, 2006). O objetivo dessa pro­
posta foi melhorar a qualidade e a relação custo-efetividade das interven­
ções e promover uma prática psicológica eficaz por meio da aplicação de
princípios empíricamente conhecidos de avaliação psicológica, formula­
ção de caso, relação terapêutica e intervenção. A iniciativa recebeu apoio
dentro da psicologia, mas as evidências quanto à melhoria das interven­
ções ainda são limitadas (APA, 2006; Spring, 2007).
A disponibilidade da melhor evidência de pesquisa depende da
questão que precisa ser respondida. Muitos estudos têm mostrado a efi­
cácia de intervenções psicoterapêuticas em crianças, adolescentes e adul­
tos, em uma ampla gama de problemas emocionais, relacionais e com-
portamentais (APA, 2006; Kazdin, 2007). Há um certo consenso de que
a prática psicológica precisa se basear em evidência e de que deve haver
um equilíbrio entre validade interna e externa (APA, 2006).
A experiência clínica não deve ser tomada como uma opinião ou
intuição inquestionável do profissional (McFall, 1991). Uma abordagem
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 671

cuidadosa desse aspecto envolverá especificar, operacionalizar e treinar as


competências terapêuticas necessárias para desenvolver práticas particu­
lares. Ê um aspecto essencial, pois é a experiência do terapeuta que per­
mitirá identificar e integrar evidências empíricas com dados clínicos no
contexto das características e preferências do paciente (APA, 2006).
Algumas competências envolvidas na experiência clínica estão re­
lacionadas a resultados terapêuticos positivos. Essas competências são
discutidas pela APA (2006) e incluem: a) avaliação, diagnóstico, siste­
mática formulação de casos e planejamento de tratamento; b) tomada
de decisão clínica, implementação de tratamento e monitoramento do
progresso do paciente; c) experiência interpessoal; d) autorreflexão con­
tinua e aquisição de habilidades; e) avaliação e uso de evidência empírica
de pesquisas básicas e aplicadas; f) compreensão das influências indivi­
duais e culturais no tratamento; g) busca por recursos disponíveis; e h)
apresentar uma explicação convincente para a escolha do tratamento.
Quanto às características do paciente, os dados disponíveis indi­
cam que muitas variáveis relacionadas aos pacientes influenciam os re­
sultados terapêuticos. As características do paciente são essenciais para
a formação e a manutenção da relação terapêutica e a implementação
de intervenções específicas (APA, 2006). As características do paciente
constituem-se no eixo central em uma perspectiva de saúde que enfati­
za a tomada de decisões compartilhada com o paciente (Gravei, Lega­
re, & Graham, 2006). A lógica para a tomada de decisão compartilha­
da é envolver os pacientes mais plenamente em autogestão de seu pró­
prio bem-estar e de sua saúde. Para que a tomada de decisão comparti­
lhada se torne uma realidade, há dois pré-requisitos necessários: o afas­
tamento do modelo de assistência paternalista em que o técnico toma
as decisões em nome do paciente; e o progresso para um modelo cul­
turalmente mais informado dos cuidados (Spring, 2007).
O processo da prática baseada em evidências envolve os seguintes os
passos: a) formular uma pergunta clara sobre o paciente ou questão de pes­
quisa; b) pesquisar a literatura para encontrar a melhor evidência disponí­
vel; c) avaliar criticamente as evidências de sua validade, precisão e utilida­
de; d) aplicar achados úteis, integrando-os com a experiência clínica e as ca-
672 Psicoterapia e Ciência

racterísticas do paciente; e e) avaliar os resultados e, se necessário, iniciar


um refinado processo de pesquisa (Falzon, Davidson, & Bruns, 2010).
Posteriormente, o grupo de trabalho da APA estabeleceu os cri­
térios para definição de tratamentos baseados em evidência. Para ser
considerada de eficacia bem estabelecida, a intervenção deveria ter um
dos seguintes critérios: pelo menos dois experimentos realizados por
investigadores diferentes, demonstrando eficácia positiva quando com­
parados com placebo psicológico ou outro tratamento alternativo; as
amostras deveriam ter, no mínimo, nove pacientes, e os experimentos
ser conduzidos com procedimentos claramente definidos (Pheula &
Isolan, 2007). Tratamentos com provável eficácia foram aqueles que
incluíram como controles e grupos sem tratamento ou tratamentos
que não foram replicados, ou quando foram usadas amostras pequenas
(entre três e nove pacientes) (Pheula & Isolan, 2007).
Melnik e Atallah (2011) ressaltam que a prática psicológica ba­
seada em evidências não abrange apenas questões relacionadas à me­
lhor intervenção terapêutica para determinada patologia, mas também
questões implicadas no diagnóstico clínico, programas de prevenção e
políticas de saúde mental (p. 6).
E importante esclarecer a relação entre prática baseada em evi­
dência e tratamentos empíricamente apoiados {Empirically supportea
treatments - ESTs). Prática baseada em evidências é um conceito mais
abrangente que os ESTs, que começam com o tratamento, perguntan­
do sobre uma determinada doença ou problema, sob certas circunstân­
cias. As práticas baseadas em evidências começam com o paciente e
questionam quais as evidências científicas que levarão o terapeuta a al­
cançar o melhor resultado. Além disso, ESTs são tratamentos psicoló­
gicos específicos que mostraram serem eficazes em ensaios clínicos
controlados, enquanto o conceito de práticas baseadas em evidências
engloba uma gama ampla de atividades clínicas (por exemplo, avalia­
ção psicológica, formulação de caso, terapia, etc.).
A prática baseada em evidências exige que os psicólogos reco­
nheçam os pontos fortes e as limitações de provas obtidas a partir de
diferentes tipos de pesquisa. A American Psychological Associatíon (APA)
Estratégias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 673

apoia vários tipos de evidências de pesquisa (por exemplo, eficácia, efe­


tividade e custo-efetividade, custo-benefício, epidemiológica, trata­
mento) que contribuem para a prática psicológica eficaz. Diferentes
métodos de pesquisa podem contribuir para a prática baseada em evi­
dências, e cada delineamento possui diferentes características para lidar
com diferentes tipos de perguntas (APA, 2006):

• A observação clínica (incluindo estudos de casos individuais) e


da ciência psicológica básica são fontes valiosas de inovações e
hipóteses (contexto da descoberta científica).
• A pesquisa qualitativa pode ser aplicada para descrever os indi­
víduos, as experiências vividas pelas pessoas, incluindo partici­
pantes em psicoterapia.
• Estudos de casos sistemáticos são particularmente úteis quan­
do utilizados para comparar pacientes individuais com os ou­
tros com características semelhantes (pesquisa-prática).
• Modelos experimentais de caso único são particularmente úteis
para o estabelecimento de relações causais no contexto de um
indivíduo.
• A saúde pública e a pesquisa etnográfica são especialmente
úteis para monitorar a disponibilidade, a utilização e a aceita­
ção de tratamentos de saúde mental, bem como sugerindo ma­
neiras de modificar tais tratamentos para maximizar a sua uti­
lidade em um determinado contexto social.
• Estudos processo-resultado são especialmente valiosos para a
identificação de mecanismos de mudança;
• Estudos de intervenções realizados em ambientes naturalistas
(pesquisa eficácia) são adequados para avaliar a validade ecoló­
gica dos tratamentos;
• ECR e seus equivalentes lógicos são o padrão ouro para estudar
os efeitos das intervenções (contexto de verificação científica).
® Meta-análise é um meio sistemático para sintetizar os resulta­
dos de vários estudos, testar hipóteses e estimar quantitativa­
mente o tamanho dos efeitos.
674 Psicoterapia e Ciência

A necessidade de desenvolver e implementar tratamentos efica­


zes e limitados no tempo, assim como a forte ênfase nos resultados,
tem levado ao desenvolvimento de orientações para as práticas que fa­
voreçam tais abordagens (Dobson & Dobson, 2011). Essa orientação
para a prática tem dado destaque para a terapia cognitivo-comporta-
mental (TCC) no tratamento de diferentes psicopatologias, bem como
para a avaliação da intervenção.
Algumas características da terapia cognitivo-comportamental per­
mitem a realização de estudos controlados e replicáveis. Dentre essas ca­
racterísticas, podem-se destacar: a) modelo baseado nos problemas do
cliente e no estabelecimento de metas específicas; b) elaboração de ses­
sões estruturadas, permitindo a descrição dos procedimentos; c) possibi­
lidade de tratamentos com tempo limitado e a disponibilidade de pro­
gramas estruturados de intervenção em diferentes psicopatologias; d)
avaliação de resultados com medidas objetivas (Falcone, 2001; Pheula &
Isolan, 2007). Além disso, a TCC, em sua origem, preocupa-se com a
manutenção das aquisições realizadas pelo cliente, para isso dá atenção
especial à prevenção da recaída e a sessões àe.follow~up.
Na revisão de literatura apresentada por Pheula e Isolan (2007)
sobre evidência empírica de intervenções dirigidas a crianças e a ado­
lescentes, os autores destacam a predominância da pesquisa em psico­
terapia cognitivo-comportamental. Cerca de 50% dos estudos de psi­
coterapia com crianças e adolescentes investigaram técnicas cognitivo-
comportamentais. O uso da TCC nessa faixa etária pode estar relacio­
nada à esta abordagem acessar necessidades específicas do momento
desenvolvimental, por ser orientada para resolução de problemas, en­
fatizar o processamento de informação e sua ligação com emoções es­
pecíficas, focar domínios sociais e interpessoais, utilizar tarefas e possi­
bilitar a verificação de melhora em situações práticas e de performance.
Além disso, apresentam tendências focais e educativas facilitando a
adesão (Kendall et al., 2000, citado por Pheula e Isolan, 2007).
Quanto aos resultados encontrados pela revisão, foram identifica­
das as seguintes intervenções cognitivo-comportamentais: terapia cogni­
tivo-comportamental com e sem manejo familiar e TCC com autoins-
Estrategias Psicoterapias e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 675

trução (evidencia provável para transtornos de ansiedade); TCC em gru­


po (evidência provável para transtornos depressivos); treinamento de
pais (evidência bem estabelecida para transtorno de conduta e oposição);
treinamento de manejo da raiva, treino em habilidades de resolução de
problemas e terapia racional emotiva (evidência provável para transtorno
de conduta e oposição) (Pheula e Isolan, 2007).
Os aspectos mencionados anteriormente, tanto sobre a PBE quan­
to sobre a terapia cognitivo-comportamental, indicam que a aproxima­
ção dessas duas áreas representa a “união possível” entre psicoterapia e
ciência. Essa forte relação pode ser identificada com uma pesquisa na
Biblioteca Cochrane (http://cochrane.bvsalud.org) utilizando as pala­
vras-chaves “terapia” e “cognitiva”. O banco de dados identificou 445 re­
visões sistemáticas da literatura com qualidade avaliada (no total foram
identificados 4.375 resumos). Muitos estudos têm indicado a evidência
empírica da terapia cognitivo-comportamental e descrevê-los não seria
possível no escopo deste capítulo. Por outro lado, ainda existem muitas
questões sobre o tema que carecem de respostas.
Kazdin (2007), por exemplo, ao discutir os mecanismos e os me­
diadores das mudanças terapêuticas, apresenta a diferença entre conhe­
cer a eficácia de uma intervenção e conhecer o mecanismo pelo qual a in­
tervenção ocorre. O autor afirma que poucas formas de psicoterapia são
tão bem estabelecidas como a terapia cognitiva para a depressão unipolar
em adultos. No entanto, pouco se pode afirmar sobre como ou porque o
tratamento é eficaz. Do mesmo modo, a relação entre aliança terapêutica e
a eficácia da intervenção também é conhecida (Kazdin Durbin, 2012),
mas os mecanismos envolvidos para isso permanecem pouco claros. Tais
questões exemplificam a necessidade das pesquisas em psicoterapia cogni­
tivo-comportamental seguirem avançando.

Considerações finais

O objetivo desse capítulo foi apresentar uma discussão sobre a


articulação entre a psicoterapia e a ciência. Para isso, foram tratadas
676 Psicoterapia e Ciencia

questões relacionadas ao método científico, aos instrumentos de ava­


liação e à psicologia baseada em evidências. Os textos revisados indi­
cam uma maior aproximação entre psicoterapia e ciência e uma preo­
cupação de profissionais e pesquisadores com o tema. Apesar disso,
ainda se observa uma grande defasagem entre o que é produzido em
ciência e a prática psicorerápica. E possível que um determinante deste
distanciamento resida no fato de que nem sempre os achados científi­
cos se aplicam, com facilidade, aos dilemas com os quais os clínicos se
deparam em seu cotidiano. Além disso, os psicoterapeutas devem to­
mar decisões nas quais estão implicadas questões éticas, como a seleção
do tratamento mais adequado considerando, por exemplo, a efetivida­
de e a relação custo-benefício de sua escolha (Bernardo, Nobre, & Ja-
tene, 2,004; Dobson, 2001; Peuker et al., 2009).
Em relação à terapia cognitivo-comportamental, se por um lado
há uma preocupação com a continuidade pela busca de evidências em­
píricas sobre a TCC, por outro, é importante a atenção para a aproxi­
mação entre a produção de conhecimento e a prática psicológica. De
que forma os resultados de revisões sistemáticas da literatura ou de es­
tudos clínicos randomizados são acessíveis para o psicólogo que aplica
a TCC? Ou, em que medida o psicoterapeuta cognitivo-comportamen­
tal tem claro que a escolha do tratamento que fará para o seu cliente
precisa ter uma sustentação científica? Oferecer o melhor tratamento
disponível para o paciente, como preconizado pela psicologia baseada
em evidência, não remete somente a aspectos técnicos e de eficácia, mas
também a questões éticas do psicólogo.
Para que as intervenções terapêuticas possam se apoiar em um
suporte empírico válido é preciso que o paradigma adotado atualmen­
te na pesquisa em psicoterapia seja ampliado. Este novo paradigma
deve investigar os processos de mudança clínica e individualizar as in­
tervenções pesquisadas. Terapias padronizadas testadas e que demons­
traram eficácia precisam ser aplicadas em mais de um contexto, mais
próximos do mundo real. Assim, poderão fornecer dados confiáveis e
válidos sobre resultado do tratamento. Outras variáveis que possam es­
tar na gênese ou na manutenção dos sintomas referentes à condição
Estratégias Psicoterápicas e a Terceira Onda em Terapia Cognitiva 677

clínica pesquisada devem ser investigados por meio de ensaios clínicos


sobre efetividade (Peuker et ai., 2009).
A colaboração entre pesquisa e psicoterapia é uma via de mão
dupla. E importante que a psicoterapia seja desenvolvida a partir de
base científica sólida, para que o clínico tome decisões baseadas em
evidências e oriente seu trabalho de forma ética e precisa. Por outro
lado, as pesquisas sobre processo e resultados em psicoterapia não de­
vem se distanciar da realidade clínica. Ou seja, a integração entre teo­
ria e pesquisa deve ser estabelecida. A distância entre a pesquisa em
psicoterapia e a prática clínica pode ser superada se estas áreas forem
compreendidas como complementares desde a formação do psicotera-
peuta. Os cursos de formação em psicoterapia podem contribuir para
a integração da pesquisa e da prática, articulando-as em seus progra­
mas de ensino. A pesquisa e a prática têm uma mútua dependência no
conjunto do conhecimento em psicoterapia (Piccinini, 1996).

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