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MARXISMO

E QUESTAO
RACIAL
E OUESTAO
RACIAL
DOSSIÊ MARGEM ESQUERDA

SILVIO
ALMEIDA (ORG.)
Este livreto foi produzido a partir do dossic ele c.i ti:i tf:i i-i lig :i i › i i. 27 ‹1:i
Margem Hquerda — revista da Baitempa, ptibliciula i›i i|'i niilu n-ni e ‹-n i
outubro de 2016.

Direção geral: Ivana Jinkings


Ediçáo: Artur Renzo
Preparação: Thais Rimkus
Revisão: Mariana Tavares
Diagramação e capa: Heleni Andrade
Projeto gráfico: Bode
Produção: Livia Campos
Impressão e acabamento: Lis Gráfica

Equipe de apoio
Camila Nakazone, Carolina Mercüs, 1Jélitirii ltti‹lrigtl‹'.s, 1'.lii i lic ltiirnos,
Frederico Indiani, Higor Alves, lvaiu t Jlivcii.i, |és.sit.i Suii res, 14 im lã‹iria,
Luciana Capelli, Marcos Duarte, M*u ina Valeriiino, Miirissol l(ohles,
Marlene Baptista, Maurício i3arbosa, Pedro Davoglio, Raí Alves, Tulio Candiotto

ISBN 978-65-5717-060-1

É vedada a reprodução de qualquer parte deste livreto


sem a expressa autorização da editora.

1• edição: março de 2021; 1• reimpressão: setembro de 2fl2 l

BOITEMPO
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SUMÁRIO

Apresentaçâo 7
SILVIO LUIZ DE ALMEIDA

Estado, racismo e materialismo 11


ALESSANDRA DEVULSKY

Dilemas da luta contra o racismo no Brasil 23


DENNIS DE OL.IVEIRA

Pensamento social e relaşões raciais no Brasil:


a análise marxista de Clóvis Moura 37
MARCIO FARIAS

Feminismos negros e marxismo:


quem deve a quem? 49
ROSANE BORGES

Sobre os autores 63
Apresentação
Silvio Luiz de Almeida

Ao contrário do que apregoam as leituras liberais, ra-


cismo náo é apenas um problema ético, uma categoria
jurídica ou um dado psicológico. Racismo e uma relação
social, que se estrutura política e economicamente’.
Por ser uma relação social — portanto, dotada de ma-
terialidade e historicidade —, o fenómeno do racismo
ii.io cscapou das lentes da teoria marxista. Já nas obras de
M;i i x c' Hc I\npcls, assim como na dos “clássicos” marxis-
tas (Vl:i‹li’in i i 1.‹-ri iii, 1(.ml Kautsky, Rosa Luxemburgo e
Bruno 1Iauc’r), rc‘l1t’h(i€ e atvrc:i tla i elação entre racismo,
nacionalismo, coluni:ilisiuo c .i fcirmaçáo da economia
capitalista ocupam posiçao de c1estat|ue.
Com efeito, o debate racial no interior do pen-
samento marxista aprofundou-se à medida que os

1 Como enfatiza Etienne Balibar, “o racismo é uma relação social, náo um ,


simples delírio de sujeitos racistas”. Étienne Balibar e Immanuel Wallerstein,
Raça, na(âo, classe.’ as identidades ambíguas (trad. Wanda Caldeira Brant,
São Paulo, Boitempo, 2021), p. /9.
8

impactos das grandes transformações sociais do século


XX exigiram um reposicionamento teórico. Temas como
CO ff5tituiçâo de 5ubjetividade e ideologia, Estado capitalista
e as crises e papel das minorias na luta de classes, bem
como os diálogos com a psicanálise, a fenomenologia,
o estruturalismo e o pós-estruturalismo, ampliaram as
possibilidades de uma análise marxista do racismo.
Assim, diversos foram os pensadores e as pensadoras
que trataram do racismo partindo da análise de ex-
periências históricas distint.is e tlc inultiplas interpre-
tações e apropriações dos conceitos presentes na obra
de Marx. Muitos desses estudiosos da conexão entre
racismo e capitalismo estiveram clirctamente envolvi-
dos nas lutas sociais em seus respectivos países. São
apenas alguns exemplos, que nem de longe encerram
a lista de autores e autoras cuja perspectiva, de al-
gum modo, liga-se ao marxismo: nos Estados Unidos,
Oliver C. Cox, Angela Davis e Stokely Carmichael
são referências fundamentais na luta dos negros
estadtinidenses; no continente africano e no contexto
da resistência anticolonial, Amílcar Cabral, Kwame
Nkrumah e Frantz Fanon produziram obras de grantlc
influência; sobre a realidade da escravid.al› c cÍ‹› i’ac'isiii‹i
segundo a perspectiva caribenli:1, Wil Í Ü’Í' l ‹›‹lii‹'y,
C. L. R. James e Eric Will i:uns p‹ si :i i.mii ‹›l›i.1s tlc i c-
levo; no Brasil, clcstac:i-se :i i iii|3‹›1’t.Íllciíl toc l'lorestan
Fernandes, L›iici i cir‹› It.iiii‹›.e c' í lt›vis Moura.
Se é possível clizcr c}tic ‹› marxismo permite uma
compreensão científica da ‹}ucstao racial, também se
pode afirmar que a análise do fenómeno racial abre as
portas para que o marxismo cumpra sua vocação de
tornar inteligíveis as relaçóes sociais históricas em suas
determinaçóes sociais mais concretas. Os conceitos de
classe, Estado, imperialismo, ideologia e acumulação
primitiva, superexploraçáo, crise e tantos outros ga-
nham concretude histórica e inteligibilidade quando
informados pelas determinaçóes raciais. Nesse sentido,
é importante dizer quáo essencial o estudo das relações
raciais é para a compreensão das especificidades de cada
f‹ii’iiiaç.ao social capitalista, especialmente nos países da
A i11Ü‘i'icil, t1‹3 (Caribe, da África e da Ásia.
Cit› iii base nessas preocupações, este dossié
“Marxismo e questão racial” traz quatro artigos que — de
forma complementar — introduzem algumas perspecti-
vas possíveis de um debate ainda inconcluso.
Estado, racismo e
materialismo
Alessandra Devulsky

Estado e materialismo histérica

A ideia de Estado contemplada pelo método do mate-


rialismo histórico nâo pode dissociar seus princípios e
sua dimensão legal do modo de produção econômico no
qual ele se esteia. “O Estado é um derivado necessario da
propria reprodução capitalista”, como ensina Mascaro’,
de modo gire a forma-Estado é uma especificidade do
capitalismo, cujas praticas são moduladas pela fase de
acumulação experimcntada, bem como por suas crises
cíclicas, ou orgânicas. Compreendido como instância
apartada a intermediar e garantir a troca de mercado-
rias, assegurar a venda da força de trabalho constitui seu
papel fundamental. A imprescindibilidade do ámbito
l
Alysson Leandro Mascaro, Estada e forma política (Sáo Paulo, Boitempo,
2013), p. 19.
12

regulador estatal deve-se ao fato de que o capitalismo


tende a abolir a concorrência, o que pode levá-lo a níveis
autodestrutivos de concentração de renda2.
A partir da ação legalizadora do Estado sobre cer-
tas práticas políticas, Edelman caracteriza a captação
do movimento paredista a partir do direito de greve,
plasmado no ordenamento jurídico como uma ação de
sepultamento de seu próprio caráter revolucionário3.
Também althusseriano, Edelman indica que a insurrei-
ção de trabalhadores contra a exploraçño sistêmica, ou
aquela que elege um ponto específico como pauta rei-
vindicatória, torna-se indesejável ao cxtrapolar os limites
preestabelecidos pelas instituições. Pt›r isso, criminalizar
açöes legítimas de movimentos sociais passa por legalizar
certos aspectos de snas intervençóes. A rcgulação estatal
do direito de greve como intervençăo política potencial-
mente contestadora da forma-valor e da forma-merca-
doria joga os movimentos sociais para o campo da ilega-
lidade previamente construído para captá-los.
Se o movimento trabalhador náo é capaz de atingir o
centro nevrálgico da forma-valor carregando consigo as
estruturas sexistas e raciais, o racismo também náo pode
ser eliminado sem que haja part passo outra forma Plc
sociabilidade sendo gerada. Esse é um ponto etc rcÍlcxat›
importance para as lutas antirracistas em geral. A prúpria
2 Cf. Michel Aglietta, Regulation ct crises du capitalisme (Paris, Odile
Jacob, 1997).
Bernard Edelman, Iø Legalisation de ła classe ouiirière (Paris, Christian
Bourgois, 1978), p. 65 (ed. bras.: A legalize(âo da classe operăria, coord.
trad. Marcus Orione, São Paulo, Boitempo, 2016].
13

ideia de povo — proveniente, segundo Wallerstein, da ar-


ticulação entre os conceitos de raça, nação e grupo étnico
— é uma nota distintiva do desenvolvimento do capital4 ,
cujos componentes genéticos, sociopolíticos e culturais
comunicam-se, dando a tónica da organização das massas
dentro de um Estado-nação, limitado pela posição cen-
tral ou periférica da distribuição dos valores. O racismo
colabora na diferenciação das tarefas por meio do estabe-
lecimento de uma hierarquia baseada no recorte racial,
na qual “certos trabalhadores perdem uma parte maior
do mais-valor que eles criaram do que outros”'. A força
de trabalho é revestida de uma roupagem étnica indisso-
ciável da produção de valor no capitalismo. Portanto, sua
organização é perpassada por esse elemento que, embora
não seja fundador, é essencial em sua reprodução.
Desse modo, a convergência necessária entre a luta
anticapitalista e a luta antirracista não é viável se vis-
lumbrada como fim, em vez de meio. Não há força ima-
nente de atração entre os segmentos sociais explorados
sob a mesma estrutura, inclusive porque a exploração
é ex) eriinentad:i tlistintamente em modo e intensidade.
No materialismo histórico, é a realidade a pedra de to-
que do pensamento, n.ao o contrário. Os arranjos sociais
que escamoteiam essa amarração de fundo a forma-mer-
cadoria existem justamente para dificultar essa conver-
gência necessária: a de que o fim do racismo passa pela
Étienne Balibar e Immanuel Wallerstein, Race, nation, classe.- les identités
ambi S (PdfÎS, La Découverte, 1997), p. 106. [ed. bras. o éo, classe.’ as
identidades ambiguas (trad. Wanda Caldeira Brant, Sào Paulo, Boitempo, 2021]
’ Ibidem, p. 113.
14

abolição da forma-mercadoria, ao mesmo tempo que a


viabilidade de uma nova forma-social que náo regresse
a forma-valor está atrelada à extinção do racismo e dos
arquétipos construídos para a manutenção do trabalho
como instância significante do sujeito. Como processo
sem sujeito‘, o sentido de ambas as lutas é o mesmo.
Juntas são mais fortes, separadas opõem-se, eclipsando
a construção do horizonte em comum. O Estado é uma
das instâncias desses embates, mas não pode constituir-
se no horizonte excludente de nenhuma delas.
É importante reconhecer nesse [Processo que a bran-
quitude' constituída como máscara identitária da porção
“civilizada” do Brasil, muito além de restringir o status
“humano” aqueles que náo preenchem os critérios eu-
rocentristas de aparéncia e cultura, estabelece uma rede
de afetos baseada na exclusão. Desse modo, é preciso
inverter o sentido da cobrança de “consciência de classe”
pendente hoje sobre as intervenções políticas de recorte
Recuperando Althusser, Almeida afirma: “Dizer que o racismo é um
processo tem sujeito significa dizer que 'penetração' e ‘renovação’ do racis-
mo a cada geração dependem, essencialmente, de condições estruturais e
institucionais para que práticas discriminatórias possam ‘atingir’ a formação
dos afetos e da consciência dos indivíduos. Ou seja, os sujeitos racistas seio
o resultado mais bem-acabado destas condiçóes estruturais e institucionais,
náo o contrário”.
’ Schucman reelabora o conceito de “branquitude”: “Portanto, é nesses
processos históricos que a branquitude começa a ser construída como um
constructo ideológico de poder, em que os brancos tomam sua identidade
racial como norma e padrão, e dessa forma outros grupos aparecem, ora como
margem, ora como desviantes, ora como inferiores”; Lia Vainer Schucman,
Entre a encardido, o branca e o branquissima.- branquitude, hierarquia e pader
na cidade de Sda Paulo (Sào Paulo, Annablume, 2014), p. 46.
racial, buscando compreender de que modo é possível
construir saberes voltados à emancipação completa por
meio da integração do racismo e do sçxismo como par-
tes estruturantes da reflexão. Enfatiza-se: o esteio anti-
capitalista da luta contra o racismo é fundamental; sem
ele, as intervenções resumem-se a integração dos negros
à sociedade salarial de modo precário. Não é possível
abandonar a superficialidade da reflexão sobre o capita-
lismo na América Latina sem levar em conta o racismo,
sobretudo no Brasil.
E preciso considerar que o recorte racial isolado de sua
relação com a forma-mercadoria é táo inútil à luta antir-
racista quanto é o apartamento do mote revolucionário
do povo. Balibar e Wallerstein preocupam-se com um
tipo de nacionalismo europeu que se reestrutura na atu-
alidade, conjugado ao racismo. Aquele fenómeno que na
Europa associa-se à xenofobia e à intolerância adota, na
América Latina, contornos nacionalistas indissociáveis da
resistência aos avanços do capitalismo central, cabendo
ao racismo o papel de hierarquizar a instância do traba-
lho'. Ambos os autores cercam-se de cautela em não imis-
cuir as especificidades de cada fenómeno no centro e na
periferia, apontando que o nacionalismo e o racismo, de
modo geral associado ao negro, adquire um contorno es-
pecial, no qual o processo identitário promovido entre os
nacionais pode obstaculizar a organização dos explorados
em torno da instância da luta de classes em determinadas

Etienne Balibar e Immanuel Wallerstein, Race, nation, chá, cit., p. 14.


l6

circunstâncias°. Ao analisar o caso francês, Balibar ex-


pressamente retira o racismo de dentro do conjunto de
expressões da estrutura de classes, como uma “forma tí-
pica de alienação política inerente a luta de classes no
campo do nacionalismo” i 0. Wallerstein indica que muitas
ações políticas que utilizam os referenciais da categoria
de classe são praticadas por grupos que náo reconhecem
a terminologia marxiana e suas implicações, tampouco
atribuem a suas práticas ações que visem ao polo capital/
trabalho. No entanto, suas práticas estão inexoravelmente
ligadas à desconstituição da forma-mercadoria na medida
em que são radicalizadas. Portanto, “náo pode haver uma
atividade de classe para si totalmente dissociada de uma
atividade política fundada sobre a ideia de povo”' ', o
que implica afirmar que a eliminação do racismo é parte
constitutiva da luta de classes propriamente dita.

0 racismo e a luta de classes

O processo que move a história não tem sujeito,


mas sujeitos em um plural táo vasto que geralmente

Balibar assim relaciona nacionalismo e racismo: “E o nacionalisrno sai


do racismo, no sentido de que ele náo se constitui como uma ideologia
da nova naçáo se o nacionalismo oficial contra o qual ele reagia náo fosse
profundamente racista; assim o sionismo provém do antissemitismo,
e os nacionalismos do terceiro mundo provém do racismo colonial”;
ibidem, p. 77.
" Ibidem, p. 23.
' ' Ibidem, p. 115.
17

constituem-se em uma massa' 2. Uma massa pouco uni-


forme, mas portadora de identidades específicas no que
concerne ao grau de exploração diante do trabalho re-
gido pela forma-mercadoria e das condiçóes materiais de
sobrevivência a que estão submetidos. Eis que, portanto,
a agudização da exploração de uma parcela da massa
trabalhadora com base no recorte racial, a opressão de
homens contra mulheres e a discriminação de grupos
por causa da origem nacional ou do credo religioso sáo
aspectos que náo devem deixar de ser avaliados por meio
do materialismo histórico, pois constituem elementos da
realidade que podem potencialmente promover novos
ciclos de desenvolvimento da luta de classes. A filosofia
é, em última instância, luta de classes na teoria' 3 , ca-
bendo ao teórico a tarefa de não se desligar da insurrei-
ção nascida nas ruas, das denúncias legítimas próprias
daqueles que não sofrem por procuração.
12
Motta sublinha a recusa da ideia de “messias" nas narrativas históricas:
“Quando Althusser afi rma que a história é 'um processo sem sujeito e sem
fim’, significa dizer que a história não é um processo teleológico com um
Sujeito ja dado, um Sujeito da história, mas sim que o processo histórico
movido por contradições nào tem um fim, pois há acasos, rupturas, descon-
tinuidades nesse processo. Ademais, nào há um sujeito da história (como
uma concepção messiànica de entendimento do mundo), mas sim sujeito na
história, jà que o sujeito revolucionário pode ser o operariado urbano, mas
também o camponês na China e os guerrilheiros oriundos da classe média
em Cuba”; Luiz Eduardo Motta, A favor de Althusser: reuolu(óa e ruptura na
teoria moradia (Rio de Janeiro, Gramma, 2014), p. 26.
' 3 O filósofo insiste que “última instância" náo ê primeira instância, ten-
tando antecipar a defesa acerca de possíveis condenaçóes sobre o que seria
a simplista transposição tout court do objeto nascido na ideologia para a
filosofia; ver Louis Althusser, Repome a john Lewis (Paris, François Maspero, ,
1973), p. 11.
18

Cabe à teoria buscar seus objetos de reflexão junto


aos movimentos sociais e aos ativismos da periferia,
ainda que haja o posterior tratamento epistemológico
como preparativo ao método de análise. Na medida
em que o Estado sequestra a pauta de reivindicações
desses movimentos, estabelece-se um processo que “dis-
ciplina” o movimento, predeterminando seus limites e
seus métodos. Tudo o que nele há de espontâneo, legí-
timo e horizontal passa a ser regulamentado pela im-
posição de lideranças pouco representativas, invertendo
aquelas características durante seu enquadramento ins-
titucional. É o rigor mortis do movimento trabalhador.
Nessa medida, a dimensão racial da luta de classes está
em sua escala mais revolucionária dentro do movi-
mento negro periférico, denunciativo e intervencionista.
(Periférico não só pelo distanciamento físico do poder,
mas porque é capaz de modular ondas excêntricas de
transformação que partem de fora para dentro.)
A necessidade constante de reestruturação da econo-
mia política assume um caráter racial no Brasil, no fito de
impactar a redução do salário nominal de referência. Em
países de capitalismo central, o contingente do exército de
reserva adquire outros contornos — como o da força de tra-
balho migrante —, espraiando seus efeitos de redução sala-
rial para fora do raio do grupo diretamente estigmatizado.
A superexploraçào no caso brasileiro e a luta empreendida
pelos negros em sobreviver diante do racismo se apresen-
tam como a nota distintiva de um sistema guiado pela
necessidade de produção incessante de valor. Nos países de
16

capitalismo periférico, essa tendência é extremada, o que


leva, em contrapartida, à abertura de um processo contes-
tatório do poder e de seus privilégio5.
No centro e na periferia, portanto, é forjada a tendên-
cia para baixo de valorização da forca trabalho e do salário
nominal de referência, o que é perfeitamente compatível
com a necessidade reprodutiva do capital que precisa pre-
ver e modular suas atividades em face da lei sobre a baixa
tendencial da taxa de lucro. Contudo, a armadilha de que
o movimento operário mundial parece não ter conseguido
escapar — e para a qual o movimento negro brasileiro pre-
cisa estar preparado — é o fato de que a sociedade salarial,
ao ser naturalizada como único e instransponível campo
de luta, esgota seus flancos de atuacao nos limites impostos
pela sociabilidade capitalista. Por mais necessária em ter-
mos imediatos que pareça estar a conquista de direitos no
cenário atual das lutas emancipatórias, a luta política náo
pode encerrar-se no ámbito da legalização, pois o direito
civil que confere status de sujeito de direito a mulher e ao
negro é o que mantém os privilégios daqueles que gozam
dos benefícios de acumulação do capital e de seu entesou-
ramento individual.
É significativo c}iie Marx tenha elucidado certas con-
tradições da economia política tradicional de Smith e
Ricardo justamente quando foi capaz de avançar sobre a
teoria do valor. Como ensina Harvey, romper a camisa
de força da economia política convencional embebida
da ideologia da forma-mercadoria significa “encarar a
produção e a distribuição no contexto das relações de
t0

classe” ' 4. É provável que o mesmo deva ser feito para


compreender o racismo como processo não destacado
da condição de classe. Desse modo, a construção de es-
tratégias de eliminação do racismo sistémico no Brasil
passa também por seus elos comunicantes com a luta
anticapitalista. O estreitamento dessa relação colabora-
tiva pode renovar ambos os movimentos.
A falsa oposição entre a luta antirracista e a luta an-
ticapitalista promove o enfraquecimento teórico em sua
medida epistemológica e política, bloqueando a conver-
gência de seus potenciais de mobilização que não preci-
sam estar vinculados à homogeneizaçáo da classe traba-
lhadora. Por isso, o enfrentamento das contradiçóes do
desenvolvimento do capital enseja uma reabilitação da
comunicaçáo daquelas instâncias em termos de comple-
mentaridade, em um processo cujas diferenças não são
lançadas para fora do sistema para lhe dar uma coeréncia
falseada. O racismo e o sexismo, enquanto forem expul-
sos da problemática marxiana como fenómenos de or-
dem menor, continuarão a existir como impeditivos do
exercício político voltado à emancipação total.

' 4 David Harvey, 0s limited do cdpiiaf (trad. Magda Lopes, Sao Paulo,
Boitempo, 2013), p. 92.
“A falsa oposigao entre a luta
antirracista e a luta anticapitalista
promove o enfraquecimento teorico
em sua medida epistemologica e
politica, bloqueando a convergencia
de seus potenciais de mobilizagao
que nao precisam estar vinculados
a homogeneizagao da classe
trabalhadora.”

Alessandra Devulsky
Dilemas da luta contra
o racismo no Brasil
Dennis de Oliveira

O movimento negro e antirracista cumpriu papel im-


portantíssimo quando, em 1995, durante a marcha a
Brasília de celebração dos trezentos anos de Zumbi dos
Palmares, forçou o governo brasileiro, pela primeira
vez, a reconhecer oficialmente a existência do racismo
no país. Naquele momento, o então presidente da
República Fernando Henrique Cardoso recebeu uma
comissão executiva da marcha e nomeou um Grupo de
Trabalho Interministerial para pensar políticas públicas
de combate ao racismo.
Já no ano 2001, houve uma açáo por parte de se-
tores do governo brasileiro, como o Ministério das
Relações Exteriores e a Fundação Palmares (vinculada ao
Ministério da Cultura), junto com o movimento negro
24

organizado na preparação do país para participar da


III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, con-
vocada pela ONU e realizada em Durban. Organizou-se
uma série de reuniões, pré-conferências temáticas e semi-
nários, e o resultado foi um documento e uma posição
do Brasil na conferéncia de Durban de comprometer-se
com a implementação de políticas de açáo afirmativa,
a fim de combater o racismo no país. Diante desse ce-
nário, cresceu a bandeira das cotas raciais e de outras
políticas de ação afirmativa, dentro da perspectiva de
que as políticas públicas generalistas, por si só, não eram
suficientes para resolver as disparidades raciais.
Nesse período, houve avanços institucionais
significativos:
• a tipificação do racismo como crime inafiançável e
imprescritível na Constituição de 1988, regulamen-
tada pela Lei Caó (Lei n. 7.716/89);

• Lei n. 10.639/03, que altera a Lei de Diretrizes e


Bases da Educação Nacional e torna obrigatório o
ensino de história da África e de cultura africana e
afro-brasileira no ensino basico;

• o Estatuto da Igualdade Racial (Lei n. 12.288/10),


de autoria do senador Paulo Paim, que no artigo
lº define como objetivo “garantir a população ne-
gra a efetivação da igualdade de oportunidades, a
defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e
difusos e o combate a discriminação e as demais for-
mas de intolerancia étnica”;

• a criação de organismos específicos para tratar de


políticas de combate ao racismo e de promoção da
igualdade racial;

• a implantação das cotas raciais e sociais nas


universidades federais por meio da Lei n.
12.711/ 12 e das cotas raciais para os concursos
públicos (Lei n. 12.990/14), que reservam 20% das
vagas para aqueles que se autodeclararem negros.
Além desses diSpositiVos legais, várias medidas re-
ferentes às especificidades do racismo foram toma-
das nas áreas de saúde, educação, assistência social e
esporte (principalmente com a campanha contra o
racismo na Copa do Mundo), entre outras. Assim, o
combate ao racismo transcendeu da denúncia para o
reconhecimento de sua existência e, finalmente, para
ser incluído na dimensão institucional da formulação
das políticas públicas.
Um elemento importante a ser considerado no pro-
ccsso e a implantação do modelo de política pública
baseado na transversalidade e no controle social, prin-
cipalmente após a vitória do PT para a presidência em
2003. Esse modelo tem como uma de suas característi-
cas fiindamentais a construção de espaços de diálogo en-
tre o governo e os movimentos sociais para avaliação e
formulação de políticas públicas em um modelo que se
convencionou chamar de “democracia participativa”.
Esse elemento singular associado ao processo de
transição da luta contra o racismo — que converge na
situação de um reconhecimento oficial da existência
do problema, da necessidade de políticas específicas
de combate ao racismo e da maior presença do tema
nas agendas institucionais — resultou em um desloca-
mento da luta antirracista para uma dimensão insti-
tucional, e o debate se coloca na eficácia ou na efici-
éncia das políticas públicas de combate ao racismo.
Por essa razão, ao mesmo tempo que se percebem os
avanços institucionais, crescem também as angústias
e as ansiedades para a resolução do problema que pa-
rece cada vez mais complexo.
Essa situação possibilitou que o movimento ne-
gro avançasse para a conceituação dO raCiSmo insti-
tucional, isto é, a reflexão sobre os problemas de na-
tureza institucional, da máquina responsável pela
implantação das políticas públicas, como um dos prin-
cipais entraves para que as medidas institucionais se-
jam efetivamente aplicadas. Estudos que demonstram
a pequena aplicação de dispositivos legais, como a
Lei n. 10.639/03 e a criminalização do racismo, entre ou-
tras, vão nesse sentido. O despreparo e mesmo o pensa-
mento racista presente nos agentes públicos, ou a forma
como a máquina administrativa é montada, entre outras
coisas, sáo expressões desse racismo institucional.
í7

0s limites da ação institucional

Alguns dados demonstram que, a despeito dos avan-


ços institucionais, o problema do combate ao racismo
ainda é marginal na estrutura do Estado brasileiro.
No caso das conferências participativas, por exemplo, as
de igualdade racial são as que menos tém suas resoluções
incorporadas na agenda oficial do governo.
Segundo estudos de Viviane Petinelli', apenas 41%
das resoluções das duas primeiras conferências de igual-
dade racial foram aproveitadas nas agendas de políticas
públicas do governo, contra 57% da conferéncia da
pesca e 44% da de mulheres. O orçamento da Secretaria
de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir)
é um dos menores dos ministérios. Em 2013, o orça-
mento desse órgão eqriivaleu a R$ 0,62 ao ano para
cada negro brasileiro — contra um ter rapitn por mulher
de R$ 0,99 da Secretaria da Mulher e mais de
R$ 1.300 por indígena da Funai. Assim, não obstante
os avanços, a temática racial ainda ocupa os subterrâ-
neos da institucionalidade.
EÃÃ:I Ãi Ê€l:1 .9o leva [Parcela do movimento negro a tra-
ç:ir c‹irnO cstr:itégi:i a [Presença maior de negros e negras
n:i rn:ít1itin:i institucion.il, avaliando que a pequena par-
ticipação de afrodescendentes — os mais interessados em

' Viviane Petinelli, “As conferências públicas nacionais e a formação da


agenda de politicas públicas do governo federal (2003-2010)“, Opinião
Publica, v. 17, n. 1, 2011. Disponível em: <http://dx.doi.org/50104-
62762011000100008a. Acesso em: 20 jul. 2014.
28

combater o racismo — é um dos elementos que explica


o racismo institucional. Outra parcela aposta na forma-
ção desses agentes públicos com a realização de cursos e
seminários, partindo da avaliação de que o problema é
causado por “despreparo” ou “má formação”.
O racismo não é um problema de formação nem de
comportamento. O racismo deve ser visto como questão
estrutural. As singularidades históricas são importantes
para que se trace uma configuração da sociedade “libe-
ral” brasileira e de sua “esfera pública”.
1. O racismo como elemento estruturante das divisões de
classe, uma vez que o processo transitório do modo
de produção do escravismo colonial para o capitalista
aconteceu sem rupturas e protagonizado pelas mes-
mas elites dirigentes do período anterior.

2. A concentração de riqueza5 Como elemento central na


sociedade capitalista brasileira, uma vez que ela se
constitui como capitalismo dependente e, portanto,
voltado ao atendimento prioritario das demandas ex-
ternas, a manutenção da concentração da posse da
terra oriunda do período colonial e a superexploracão
do trabalho como instrumento central da reprodução
do capital.

3. A violência como prática politica permanente e náo


episddica, tendo em vista que a manutenção de uma
ordem social nesses termos — racista e concentradora
de riquezas — só é possível por meio da permanência de
instrumentos de repressão continuada. As demandas
sociais sáo tratadas como “casos de polícia”, o espaço
para a negociação é reduzido, e a criminalização dos
movimentos sociais se mostra uma constante.
Por isso, o racismo aparece como uma ideologia que
faz parte dessas matrizes de opressão, estruturantes do
autoritarismo social que permeia as relaçóes sociais.
A ausência dessa reflexão estrutural é que tem inter-
ditado avanços mais profundos no enfrentamento ao
racismo brasileiro, mesmo no contexto de avanço das
políticas públicas. Isso por causa de trés questões. A pri-
meira e mais importante delas é a redução ou a perda de
uma visão crítica do Estado brasileiro em sua dimensão
institucional e histórica, como um aparelho construído
e edificado para a manutenção de um capitalismo sin-
gularizado pela forma de dependência externa, concen-
tração de riquezas e racismo estrutural. A segunda ques-
tão, decorrente da primeira, é o afastamento do debate
ideológico no campo da sociedade civil. Finalmente,
a terceira consequéncia é o afastamento do debate do
combate ao racismo das questões mais estruturais do
capitalismo brasileiro.
De qualquer forma, a pequena inserção de afrodes-
cendentes nos últimos anos, bem como a ampliação
dos espaços de discussão desse tema, vem criando novas
demandas, das quais as estratégias meramente institucio-
nais tem cada vez mais dificuldade de dar conta.
30

0 contexto da ação direta do capital e a luta contra a


racismo hoje

O capitalismo brasileiro se insere, atualmente, em um


novo contexto do capitalismo global, que chamamos de
“ação direta do capital”. Em um artigo publicado na re-
vista Aracê, definimos esse conceito da seguinte forma:
O capital, monopolizado e transnacionalizado, uti-
liza todos os mecanismos de pressão e constrangimento,
inclusive violentos, para impedir qualquer ação regula-
tória ou controladora. A ação direta do capital inclui até
mesmo a “desobediência” explícita de normas existentes,
utilizando o seu poderio para criar uma situação de facto
que transforma a situação de jure em algo sem sentido. 2
A ação direta do capital é produto da reorganização
do paradigma produtivo que se consolida nos anos 1980
e 1990. Essa reorganização tem os seguintes traços:
1. A configuração da produção de bens materiais e ima-
teriais em redes globais que articulam nichos produ-
tivos espalhados por vários países.

2. Essa rede estabelece uma divisão internacional do tra-


balho em trés níveis básicos: o primeiro, do desenvol-
vimento científico-tecnológico nos países centrais, é
o “comando” da rede, a parte “limpa” da produção;
o segundo, da produção manufatureira, da aplica-
ção técnica dos conhecimentos técnico-científicos
2
Dennis de Oliveira, “Movimentos sociais e uma nova cultura política
em tempos de ação direta do capital”, Aracê, ano 1, n. 1, 2014, p. 98.
31

desenvolvidos no primeiro nível, a parte “suja” da


produçáoi e o terceiro, o de fornecimento de maté-
rias-primas para a produção.
Para que esse modelo se realize, é necessária uma
convergência normativa das relaçóes de trabalho a par-
tir das necessidades das “cabeças” da cadeia produtiva,
razáo pela qual há uma pressão pela total desregulaçâo
das relaçóes de trabalho. Outra demanda desse capital
articulado nessa cadeia produtiva é a imposição do livre
fluxo de capitais. Finalmente, que todas as instituições
sociais se direcionem para o atendimento imediato das
demandas do capital — como uma educação voltada para
a formacáo de profissionais adestrados tecnicamente ou
para a formulação de conhecimentos aplicados a produ-
ção industrial, entre outros.
Há, assim, um esvaziamento da esfera política. Essa se
direciona para temáticas que não contradizem os interes-
ses estratégicos do capital. Se, em última instância, como
está presente na teoria marxiana, o Estado tem o papel
de construir e manter uma ambiência social favorável á
plena realização e a manutenção das relaçóes capitalis-
tas, nesse novo paradigma de acumulação e reprodução
do capital, o Estado necessário nos países fora do centro
do capitalismo é o Estado minimo.
Para tanto, é necessário construir um discurso de
“condenação da política” e de valorização das ações indi-
viduais e/ou grupais que tenham uma perspectiva pon-
tual. No caso da luta contra o racismo, a ação direta do
capital pressiona para que o movimento negro se limite
a ações contra os preconceitos nos comportamentos in-
dividuais e na transformação das políticas públicas em
compensatórias ou de promo(ÓO SOCtff/ 3.
Não se trata de mera retórica. A concepção de “pro-
moção” significa instituir mecanismos para elevar um se-
tor ou um segmento social a um patamar superior sem,
necessariamente, levar em conta que tal processo exigiria
uma “redistribuição de riquezas, bens materiais e ima-
teriais” e que, portanto, sinaliza mudanças estruturais.
A ocupação desses espaços institucionais de “pro-
moção” da igualdade racial por pessoas ligadas ao
movimento social de negros, ao mesmo tempo que
deu visibilidade a temática do racismo, criou uma ar-
madilha: guetificar as políticas específicas e deixar sob
a responsabilidade dos próprios atingidos pela violência
racial estruturante o gerenciamento de mecanismos de
uma eventual superação.
Processos como esse ocorrendo em um contexto em
que o capital constrange e pressiona pela total desregu-
laçáo das relações sociais e submetendo-as a lógica do
capital fazem com que voltem ideias como a de “pre-
parar” negras e negros para a inserção no mercado, na
universidade, entre outros. Assim como nas relações de
trabalho, o conceito de empregabilidade (que significa
um conjunto de atributos necessários para conquistar a
vaga) substitui o de desemprego.

3 Interessante notar que os órgãos formados no ambito do Executivo


federal, estadual e municipal para discutir políticas específicas de combate
ao racismo foram denominados “políticas de promoção da igualdade racial”.
Um aspecto importante a ser considerado no con-
texto da ação direta do capital é a força do capital
rentista. Capital rentista que tem imposto às nações
políticas ortodoxas de ajuste fiscal a fim de garantir
seus interesses. Pode-se dizer que a única política de
Estado consolidada nos últimos anos, um verdadeiro
consenso estabelecido principalmente por parte da
ação dos meios de comunicação, a política fiscal orto-
doxa que implica priorizar o pagamento dos juros da
dívida pública, o controle inflacionário e a liberdade
dos fluxos internacionais do capital. Essa política de
Estado se expressa por uma hegemonia no pensamento
económico dessa opção que se espraia tanto na cober-
tura midiática como na manutenção dessa política por
parte do Banco Central — que se mantém autônomo
em relação a esfera política —, a despeito das políticas
governamentais neodesenvolvimentistas.
Hoje, cerca de 42% do orçamento federal são des-
tinados ao pagamento dos juros da dívida pública. O
ajuste fiscal imposto aos municípios e ao Estado difi-
culta enormemente investimentos em políticas públicas
nessas esferas de governo. Náo é à toa que, a despeito
das políticas neodesenvolvimentistas, o setor bancário
continua sendo o que mais lucra no Brasil.
Com um orçamento comprometido com a dívida,
sobram menos recursos para investimentos em políticas
sociais, inclusive as especüfcas de combate ao racismo. Com
um cobertor curto, poucas são as possibilidades de abra-
çar todas as demandas. E elas são muitas, conforme se
verificou no início deste texto.
Com isso, a luta contra o racismo sinaliza para uma
ação contra o capital que remete tanto a uma recons-
trução da esfera política, esvaziada pela ação direta do
capital, como por sua apropriação no sentido de uma
profunda reforma do Estado nas perspectivas contrárias
a sua formação histórica: desconcentração de renda e pa-
trimónio, universalização plena da cidadania e desmonte
dos aparatos de violência sistêmica. O racismo dever ser
enfrentando não apenas na dimensão comportamental
e relacional, mas fundamentalmente como mecanismo
estruturante do autoritarismo social que sustenta as vá-
rias lógicas do capital.
“A açâo direta do capital pressiona
para que o movimento negro se limite
a aşöes contra os preconceitos nos
comportamentos individuais e na
transformaçäo das políticas públicas
em compensatórias ou de promoção
social.”

Dennis de Oliveira
Pensamento social
e reiaçóes raciais
no Brasil: a anãlise
marxista de
Clóvis Moura
Marcio Farias

Clóvis Steiger de Assis Moura (1925-2003) está entre


os mais importantes intelectuais que no século XX se
propuseram a pensar o Brasil, enfatizando a dimensão
das relações raciais como elemento estruturante da for-
mação do país. O que sempre preocupou Moura e di-
rigiu suas indagações foram os dilemas da constituição
da nação. Em 1959, publicou seu primeiro e marcante
livro, RebelióPS da Senzala, uma interpretação marxista da
escravidão no país pelo viés da resistência escrava'.

1 Érica Mesquita, “Clóvis Moura (1925-2003)”, Afro-Ãsia, Salvador,

Editora da UFBA, n. 31, 2004.


t8

Nesse livro, Moura parte de uma interpretação oposta


a de Gilberto Freyre e outros escritores que entendiam a
escravidão como um sistema basicamente convergente,
composto de escravos, em geral ajustados à condição ser-
vil, e senhores despóticos, ainda que protetores. Moura
buscou analisar a resistência dos cativos e seu impacto na
transformação ou na destruição da sociedade escravista2.
Seu segundo livro, Introdu¡óo ao penIamento de EuclideS
da Cunha, foi lançado em 1964. Nele, temos uma análise
exegética de Moura em relação ao conjunto da obra do
autor carioca. Assim sendo, expóe um Euclides da Cunha
menos progressista. Aliás, a análise mouriana apresenta-o
como um autor vinculado ao pensamento conservador
brasileiro, cuja matriz está alicerçada no pensamento ra-
cista europeu do século XIX.
Outra obra relevante para a compreensão do pen-
samento mouriano sobre as relações de classe e raça no
Brasil foi publicada em 1976. Trata-se de um estudo so-
bre cultura popular e racismo, chamado O preconceito
de cor na literatura de cordel. Nesse ensaio explorató-
rio, Moura apresenta 25 folhetos de cordel, recolhidos
aleatoriamente, que estabelecem categorias de análises
descritivas e sistematizando questões de conteúdo do
material. Levando em conta que a literatura de cor-
del sempre gozou de grande prestígio, por ser uma
expressão cultural muito significativa entre as classes
oprimidas e exploradas do nordeste brasileiro, Moura
se propós a demonstrar que o racismo, expresso no

2
Idem.
“preconceito de cor”, também estava presente no ima-
ginário dos setores populares.
Quando posicionamos este trabalho diante do con-
junto da obra de Clóvis Moura, percebe-se que há
aperfeiçoamento qualitativo de sua pesquisa. Essa in-
flexão permite ao autor, a partir de vários instrumen-
tos e materiais, ter acesso a conteúdos mais específicos
sobre as singularidades das relaçóes raciais no Brasil,
de maneira a entender e refletir a presença do racismo
entre a classe trabalhadora.
Em Sociologia de la prãxis — lançado no Mdxico em
1976 e traduzido para o português dois anos depois,
com o título Sociologia pOSta em questão —, temos uma
obra circunscrita no campo da teoria do conhecimento.
Nela, Clóvis Moura sustenta a impossibilidade de uma
sociologia crítica voltada às demandas da classe trabalha-
dora nos meios universitários daquele período. Segundo
o autor, todo cientista social comprometido com a
transformação do sistema social do capital, por conta
dos entraves acadêmicos, deveria ser um pensador autó-
nomo, vinculado apenas aos movimentos sociais.
Ainda do período das décadas de 1960-1970, Sacco
e Vanzetti.- o protesto brasileiro ( 1978) e Diãrio da guer-
rilha do Araguaia (1 979) são textos que destoam, em
alguma medida, da linha de estudos que Moura de-
senvolvia. Por outro lado, o autor sempre se manteve
comprometido com as lutas contra injustiças, opres-
sóes e negligencias perpetradas pelo sistema do capital,
apontando a centralidade da díade “raça e classe” para
40

a compreensão do conjunto da luta anticapitalista no


Brasil. Isso não o impedir, e não parece ter sido a pro-
posta dele, de atomizar a luta do negro em relação as
demandas da classe trabalhadora.
No fim da década de 1970 e no início da de 1980,
Moura se aproxima de setores do movimento negro,
sobretudo o Movimento Negro Unificado (MNU).
Esse processo de diálogo entre o intelectual e os ati-
vistas do movimento negro se estreita nos anos 1980
e 1990, quando da publicação dos notáveis livros
Sociologia do negro brasileiro (1 988) e Dialética radical
do Brasil negro ( 199ú ) .
Sobre essas obras, os elementos centrais devem ser
destacados. Escritas por um autor já sexagenário, marcam
um momento de inflexão no conjunto de suas compo-
siçóes que, ainda que sob um constrangedor silêncio da
academia, figura entre os grandes intérpretes do Brasil.
O livro Sociologia do negro brasileiro foi lançado no
ano do centenário da abolição e difere de suas produçóes
anteriores. Moura, ainda que tenha discutido as con-
dições das populaçôes mais pauperizadas na sociedade
brasileira, tem como marca em seus escritos, ao menos
até o lançamento de Sociologia do negro brasileiro, uma
producão hermética, não acessível ao grande público.
Aqui, no entanto, trata-se explicitamente de um texto
para diálogo com o conjunto da população, como ma-
neira de divulgar o acúmulo teórico que produzira ao
longo de quase quatro décadas de estudos e pesquisas.
Estamos diante de um escritor maduro, que alicerçou
41

um pensamento singular e se propõe a dialogar com os


setores estratégicos para a revolução socialista no Brasil.
Na primeira parte, apresenta um estudo sobre relações
raciais no país. Na segunda, introduz alguns elemen-
tos de sua interpretação da formação brasileira, levando
em conta a participação ativa da população negra. O
Quilombo dos Palmares é apresentado enquanto experi-
ência política das mais sofisticadas, como expressão mail
bem-acabada da capacidade dinamizadora do africano
escravizado de se colocar enquanto força opositora ao re-
gime colonial. Moura identifica uma contradicão estru-
tural entre senhores e escravos, como primeira expressão
da luta de classes no Brasil.
Em linhas gerais, para ele a história da população
negra é a história do segmento da sociedade que cons-
truiu o país. Como observa, “o trabalho manual passa,
por isso, a ser considerado infame, somente praticável
por escravos”3.
Esse trabalho será executado, quase exclusivamente,
pelo escravo negro: “O escravo negro foi, em algumas
regióes, a mão de obra exclusiva desde os primórdios da
colónia. Durante todo esse período, a história do traba-
lho é, sobretudo, a história do escravo”'.
A escravidão surge em decorrência de dois fenóme-
nos distintos, mas que se entrelaçam. Primeiro, como
consequência dos interesses das nações colonizadoras
em fase de expansão comercial e mercantil, ou seja, do
3
Clóvis Moura, Sociologia do negro brmileiio (Sáo Paulo, Ática, 1988), p. 48.
4
Ibidem, p. 14.
40

a compreensão do conjunto da luta anticapitalista no


Brasil. Isso não o impediu, e náo parece ter sido a pro-
posta dele, de atomizar a luta do negro em relação às
demandas da classe trabalhadora.
No fim da década de 1970 e no início da de 1980,
Moura se aproxima de setores do movimento negro,
sobretudo o Movimento Negro Unificado (MNU).
Esse processo de diálogo entre o intelectual e os ati-
vistas do movimento negro se estreita nos anos 1980
e 1990, quando da publicação dos notáveis livros
Sociologia do negro brasileiro (1988) e Dialética radical
do Brasil negro (1994).
Sobre essas obras, os elementos centrais devem ser
destacados. Escritas por um autor já sexagenário, marcam
um momento de inflexão no conjunto de suas compo-
siçóes que, ainda que sob um constrangedor silêncio da
academia, figura entre os grandes intérpretes do Brasil.
O livro Sociologia do negro bra5ileiro foi lançado no
ano do centenário da abolição e difere de suas producões
anteriores. Moura, ainda que tenha discutido as con-
diçóes das populaçóes mais pauperizadas na sociedade
brasileira, tem como marca em seus escritos, ao menos
até o lançamento de Sociologia do negro braIileiro, uma
produção hermética, náo acessível ao grande público.
Aqui, no entanto, trata-se explicitamente de um texto
para diálogo com o conjunto da população, como ma-
neira de divulgar o acúrriulo teórico que produzira ao
longo de quase quatro décadas de estudos e pesquisas.
Estamos diante de um escritor maduro, que alicerçou
41

um pensamento singular e se propòe a dialogar com os


setores estratégicos para a revoluçào socialista no Brasil.
Na primeira parte, apresenta um estudo sobre relaçóes
raciais no país. Na segunda, introduz alguns elemen-
tos de sua interpretaçào da formaçào brasileira, levando
em conta a participaçào ativa da populaçào negra. O
Quilombo dos Palmares é apresentado enquanto experi-
ència política das mais sofisticadas, como expressào mars
bem-acabada da capacidade dinamizadora do africano
escravizado de se colocar enquanto força opositora ao re-
gime colonial. Moura identifica uma contradiçào estru-
tural entre senhores e escravos, como primeira expressào
da luta de classes no Brasil.
Em linhas gerais, para ele a história da populaçào
negra é a história do segmento da sociedade que cons-
truiu o país. Como observa, “o trabalho manual passa,
por isso, a ser considerado infame, somente praticavel
por escravos”’.
Esse trabalho serà executado, quase exclusivamente,
pelo escravo negro: “O escravo negro foi, em algumas
regióes, a mào de obra exclusiva desde os primórdios da
colònia. Durante todo esse período, a história do traba-
lho é, sobretudo, a história do escravo”4.
A escravidào surge em decorréncia de dois fen8me-
nos distintos, mas que se entrelaçam. Primeiro, como
consequència dos interesses das naçóes colonizadoras
em fase de expansào comercial e mercantil, ou seja, do

Clóvis Moura, Sociologia do negro brasileiro (Sáo Paulo, Ática, 1988), p. 48.
Ibidem, p. 14.
desdobramento das grandes navegações e do primeiro es-
tágio do capitalismo, o mercantilismo. Segundo, devido
à continuação e ao desenvolvimento interno da socie-
dade colonial nos moldes em que se realizava sua evolu-
ção desde a chegada dos colonizadores portugueses’.
A escravidão no Brasil e em outras partes do mundo
a partir do século XVI será uma das molas propulsoras
para o capitalismo e o desenvolvimento industrial da
Europa. Devido a esse aparato económico envolvido no
tráfico de pessoas, as grandes metrópoles europeias in-
termediavam o negócio, até o momento em que ele vi-
rou exclusividade da Inglaterra, que obteve o monopólio
da venda de humanos‘.
No Brasil, a medida inicial para por fim ao tráfico de
africanos ocorre nas primeiras décadas do século XIX,
tendo sua implementação efetiva somente em 1 850. A
crise do escravismo golpeou fortemente as entranhas
desse regime económico baseado no trabalho compul-
sório, pois, com o fim do abastecimento de escravos,
os senhores não teriam mais meios de garantir por
muitos anos a escravidão. Com o fim da escravidão e
inserido o trabalho assalariado, a situação se renova,
mantendo traços do regime anterior7. Todavia, Moura
descreve o modo como, nesse processo “complexo e ao
mesmo tempo contraditório da passagem da escravidão
para o trabalho livre, o negro é logrado socialmente e

Idem.
Idem.
7
Ibidem, p. 23.
apresentado, sistematicamente, como sendo incapaz de
trabalhar como assalariado”’.
Para o autor, o período exposto é o auge da ideolo-
gia de branqueamento, sendo o Estado conivente com a
exclusão do negro ao incentivar a vinda do trabalhador
branco europeu.
Segundo Moura, diante desses processos, a população
negra no Brasil sempre se organizou em novos grupos
ou se envolveu em grupos ja existentes no intuito de se
preservar, manter sua cultura, tentar encontrar momen-
tos de lazer entre os pequenos períodos de descanso da
labuta, preservar padrões africanos e resistir ao regime de
opressão durante a escravidão. No pós-abolição, diante
da sociedade competitiva e da marginalização a que a
população negra foi exposta deliberadamente, coube
ao negro novamente se organizar em espaços e grupos.
“Podemos dizer, por isso, [...] que o negro brasileiro,
tanto durante a escravidão como posteriormente, orga-
nizou-se de diversas formas, no sentido de se autopre-
servar tanto na situação de escravo como de elemento
marginal após o 13 de Maio”°.
Esses grupos variam em relação aos objetivos, que
são os mais diversos, e Moura propõe que essas orga-
nizaçóes, independentemente do motivo pelo qual se
aglutinavam, podem ser compreendidas por grupos di-
ferenciados e grupos específicos.

Ibidem, p. 65.
Ibidem, p. 112.
4t

Os grupos diferenciados são “unidades organiza-


cionais que, por um motivo ou uma constelação de
motivos ou racionalizaçóes, diferenciam-se de outras
que, no plano da interação, compóem a sociedade ”’ 0.
Os grupos diferenciados são aqueles que, “do ponto
de vista interno do grupo, têm padrões de comporta-
mento criados a partir do momento em que seus mem-
bros se sentem considerados e avaliados por meio da
sua marca pela sociedade”''.
Ou seja, a relação de distinção entre esses grupos
tem a ver com o fato de o grupo diferenciado ser iden-
tificado, enquanto o grupo específico se identifica. Essa
qualidade que o segundo grupo adquire numa socie-
dade dividida em classes sociais possibilita a criacáo de
inferioridade, identidade e, a partir disso, emergência
de valores. Adquire também consciência e percepção
de que a sociedade o diferencia, de maneira geral, de
forma depreciativa e, confrontando a isso, “passa a en-
carar a sua nova marca como valor positivo, revaloriza
aquilo que para a sociedade o inferioriza e sente-se um
grupo específico”' 2.
Para Moura, na sociedade brasileira, que preconiza o
branqueamento da população, “o negro somente poderá
sobreviver social e culturalmente sem se marginalizar to-
talmente, agrupando-se”".

" Ibidem, p. 116.


Idem.
' Ibidem, p. 117.
2

3 Ibidem, p. 120.
Em linhas gerias, Sociologia do negro brasileiro é um
livro que tem como função ser um instrumento de qua-
lificação de uma militància negra e anticapitalista in-
serida no contexto das lutas pela redemocratização do
país. No entanto, a desertificação neoliberal da década
de 1990 colocou novos desafios analíticos no horizonte
dos militantes sociais ligados a classe trabalhadora.
É nesse contexto que Clóvis Moura escreve sua obra
mais importante, Dialética radical do Brasil negro, que
volta a ter o caráter hermético de outros momentos. O
livro busca reencontrar as frestas para a abertura da janela
histórica para a revolução brasileira. Ainda que atualize
categorias de anííises que já haviam surgido na década de
1980, há nesse momento indiscutivelmente um estudos
minucioso da formação do Brasil, elevando as categorias
que outrora subsidiaram suas pesquisa a um grau teórico
rico e sofisticado.
Em linhas gerais, a interpretação de Clóvis Moura
sobre a formação do Brasil tem os seguintes eixos
conceituais: no Brasil colónia, ainda que esteja apre-
sentado o papel de empreendimento comercial de
extração de recursos naturais, na fase do capitalismo co-
mercial que possibilitou a acumulação primitiva do ca-
pital na Europa, existe um eixo dinâmico interno na so-
ciedade constituída por escravizados e senhores. Como a
revolta do escravizado na condição de objeto é constante,
entende-se essa açáo permanente como “quilombagem”,
que dinamiza o período do escravismo pleno. Por sua
vez, as mudanças externas e internas na configuração do
capital internacional consolidar uma nova perspectiva
em relação ao processo de exploração da força. Ou seja,
há uma pressão para transição do trabalho escravo para o
trabalho assalariado. A burguesia nacional enfrentou essa
pressão de maneira distinta, transitou de um regime po-
lítico colonial para um regime monárquico, mantendo
a escravidão. Por outro lado, setores ligados ideologica-
mente ao capital inglés assumem a postura abolicionista
com fim de modernizar o Estado brasileiro, que era es-
trangulado pela escravidão. Ainda que a ação do escra-
vizado em relação a superação de sua condição de cativo
permaneça ativa — vale pensar nas revoltas baianas na pri-
meira metade do século XIX, motins, fugas e demais ações
nos centros urbanos do Rio de Janeiro e de São Paulo,
sobretudo nas fugas em massa das fazendas de café —,
o abolicionismo no Brasil do ponto de vista legal foi cons-
tituído majoritariamente por brancos da classe média que
queriam acabar com a escravidão, mas náo tinham, em
geral, nenhum projeto efetivo para a população negra pós
-liberdade. A esse último período Clóvis Moura deu o
nome de escravismo tardio.
Na transição para o trabalho livre assalariado, a socie-
dade brasileira se torna mais complexa, em especial no
que tange ao racismo, que, elaborado pela elite branca
brasileira, penetrou como ideário no seio da classe tra-
balhadora. Portanto, diante de uma sociedade classista
e racista, cabe ao negro o papel potencialmente revolu-
cionário de explicitar uma das mais efetivas contradições
da modernidade brasileira: o mito da democracia racial.
“Diante de uma sociedade classista
e racista, cabe ao negro o papel
potencialmente revolucionario de
explicitar uma das mais efetivas
contradições da modernidade
brasileira: o mito da democracia racial.”

Marcio Farias
Feminismos negros e
marxismo: quem deve
a quem?
Rosane Borges

Náo existe tal coisa como uma luta de uma só questão,


porque nós não vivemos vidas de uma só questão.

— Andre Lorde

Escrever sobre feminismos e marxismo continua mo-


riv‹i etc tlissenso entre ativistas e estudiosas, pois, ainda
que ten liiirn i.int ificaçóes comuns, que se enraízam na
COIIÜFOIÂÜÜ aÉ1 ( .I ÚK}7l‹›r.ição capitalista, persistem seve-
ros obstáculos idcológicos e epistemológicos. Estudos,
reflexões e pesquisas se acumulam e nos franqueiam a
possibilidade de produção de um inventário em que se
sobreleva a reiteraçáo de alguns termos — casamento e
divórcio, tensões, aproximaçóes e distâncias, inadequaçôes,
50

indissociabiłidade —, deixando ver os antagonismos que


ainda pairam sobre o tema.
Conviria, assim, relembrar a linha do tempo do cha-
mado feminismo ocidental desenhada em fases ou on-
das, a finn de detectarmos os pontos de inflexáo nos quais
foi possível delinear conjunções/disjunções entre um e
outro (feminismo/marxismo). Caberia, igualmente, si-
tuar o feminismo negro como teoria e prática políticas,
dotado de paràmetros próprios, vinculado ăs realidades
simbólica e material de cada tempo, sem desconsiderar
que a dominação masculina é um fenòmeno que atra-
vessa a história humana (da narrativa bíblica ă legislaçáo
brasileira em curso). Sabedor de que a dominação com
fundamento de género é anterior ao modo de produção
capitalista, o feminismo negro interpreta a política de
feiçáo marxista como uma teoria e uma categoria dina-
mizadas nas rcñções soriaü Id ue, conjugadas com as ex-
plorações de género, raça, orientação sexual e correlatos,
potencializaria tanto o escopo da luta de classes quanto
o da luta antirracista e antissexista — lutas que assumem
certa configuraçáo pelo laço indissolúvel que as amarra
no contexto das sociedades modernas.
A militante comunista Amelinha Telles situa a do-
minação masculina/exploraçáo feminina num lugar

1
De acordo com a pensadora Danièle Kergoat, conhecida como aquela que
aparentemente opóe teoria da interseccionalidade à da consubstancialidade,
a relaçăo social é dinámica, é uma tensáo em torno da qual se criam grupos
(eles náo estáo dados de irrício), enquanto categoria é apenas um marcador
descritivo. Para falar em relaçäo social, ainda segundo Kergoat, é preciso
que esta domine, oprima e explore.
51

amplificado em que é possível divisar as relaçóes de po-


der ao longo da história:

Falar da mulher, em termos de aspiração e projeto, rebeldia e


constante busca de transformação, falar de tudo o que envolva
a condição feminina, náo é só uma vontade de ver essa mulher
reabilitada nos planos económico, social e cultural. E mais do
que isso. É assumir a postura inc8moda de se indignar com o
fenómeno histórico em que metade da humanidade se viu mi-
lenarmente excluída nas diferentes sociedades no decorrer dos
tempos.

Tal exclusão milenar nos leva a considerar prio-


ritariamente as variáveis “género” e “raça”, ba-
nidas da nascente sociologia do século XIX,
visto que a formação das sociedades modernas concebeu
os sujeitos táo somente como derivados das classes so-
ciais. Eis a astúcia da história: a emergência desse “novo
homem” se deu sem que se conseguissem soterrar os ar-
caísmos de tempos pretéritos. A chamada expansão eu-
ropeia sobre as Américas se deu embasada em formas
de exploração extintas ou em declínio no Ocidente
e na Europa oriental, a exemplo da escravidão e da
servidão de povos indígenas e africanos. A coexis-
tência desses dois mundos fez com que gênero e
raça putlessem disputar, tanto no âmbito da teoria social
quanto no da ação política, a presença indigesta no jogo
da conformação das desigualdades e das hierarquias. Este
é um dos postulados essenciais que instaurou em defini-
tivo o feminismo negro. Reservemos essa questão por ora
e avancemos nas chamado fases do feminismo ocidental.
Trajetórias da movimenta feminista: evolução da
experiência marxista?

De acordo com a literatura especializada, o rico patrimó-


nio teórico-político do movimento feminista (que deu
a ele o atributo de vitorioso, em virtude de ter abalado,
no século XX, os alicerces das normas e dos códigos que
regiam os espaços públicos e privados) se acumulou a
partir do chamado feminismo liberal, filho indesejável
da Revolução Francesa. Como se sabe, muitas mulhe-
res passaram a denunciar o projeto iluminista em seu
escopo excludente, visto que os homens continuavam
tendo primazia no jogo social. É amplamente conhecida
a obra de Mary Wollstonecraft, Reivindicação dos direitos
da mulher (1792) 2, na qual se denuncia a inferioridade
das mulheres face aos homens. Do feminismo liberal, as
lutas se ampliar.
O chamado / eminii mo marxista põe em cena as de-
sigualdades de classe, fomentadas pelo desenvolvimento
do capitalismo via Revolução Industrial. Tem como
pano de fundo as expressivas lutas proletárias, com a
burguesia desempenhado um papel fundamental na
manutenção das hierarquias e das desigualdades. A eco-
nomia e o mundo do trabalho constituíam as causas da
subordinação feminina.
Já o feminismo radical ganha proeminéncia em torno
dos anos 1970. O termo “radical” vem da crença de que
2
Em 2016, o livro ganhou uma ediçào brasileira publicada pela Boitempo.
53

a “raiz” da dominação masculina se justificaria pela vi-


géncia do patriarcado. Tendo como uma de suas prin-
cipais representantes a filósofa Simone de Beauvoir, o
feminismo radical considera o patriarcado uma ideolo-
gia que organiza o mundo dicotomicamente, superva-
lorizando atributos “supostamente masculinos” e sub-
valorizando os “supostamente femininos”. Em suma, o
patriarcado atribui uma natureza inferior e inalterável
às mulheres.
O feminismo pós-moderno ganha visibilidade no iní-
cio da década de 1990. Visa a desafiar ou a evitar aquilo
que vê como definiçóes essencialistas da feminilidade.
Uma interpretação pós-estruturalista do género e da se-
xualidade é central para essa variante. A micropolítica
e as múltiplas diferenças que transitam na plataforma
social foram um dos principais capitais desse tipo de
feminismo. Algumas referências feministas negras ou
náo brancas, como Gloria Anzaldúa, bell hooks, Chela
Sandoval, Cherríe Moraga, Audre Lorde, Maxine Hong
Kingston, foram aí situadas. Demoremo-nos um pouco
sobre essa questão.
Face .1 esse painel, Nancy Fraser elabora críticas acer-
1›:is .io t}uc ela considera uma cooptação, por parte do
Ícl42 Í II ÍÜlI1€l9 .ltl 14 ti€›lil›cr:ilisrnt›. Para ela, se, por um lado,
o feminismo radical (ou a segunda onda) avançou em
substituir uma visáo monista de justiça, oferecendo uma
compreensão tridimensional da realidade (econômica,
política e cultural), pondo em cena uma pletora de in-
justiças que só poderiam ser combatidas caso se levassem
54

em conta a má distribuição, a falta de reconhecimento


e a falta de representação, por outro, é absorvido pelo
ideário neoliberal:

Claramente emancipatórias no período do capitalismo or-


ganizado pelo Estado, as críticas ao economicismo, ao an-
drocentris mo, ao estatismo e ao westfalianis mo agora
aparecem cheias de ambiguidades, suscetíveis a servir às neces-
sidades de legitimação de uma nova forma de capitalismo. [...]
Somos as vítimas de uma coincidência infeliz, e aconteceu de
estarmos no lugar errado no momento errado e assim caímos
como presas do mais sedutor dos oportunistas, um capitalismo
táo indiscriminado que instrumentaliza qualquer perspectiva
que seja até mesmo uma inerentemente estranha a ele? [...] No
momento atual, essas duas críticas à autoridade tradicional, a
feminista e a neoliberal, parecem convergir.

Ainda que reconheça que essa fase do feminismo


nunca duvidou da centralidade da justiça distri-
butiva e da crítica da economia política no pro-
jeto da emancipação das mulheres, Nancy Fraser
argume nta que o movimento tornou-se incapaz
de interpelar as estruturas e as instituiçóes, res-
ponsáveis por manter e ampliar as desigualdades e
as injustiças. Ainda de acordo com Fraser, a cooptaçáo
das políticas de genero pelo “novo espírito” do capita-
lismo pós-fordista e a subordinação de sua crítica radical
a uma agenda neoliberal são um golpe desferido a uma
política antes nucleada pela luta de classes numa pers-
pectiva acentuadamente econômica.
Quer nos parecer que a multiplicidade de enfoques,
as várias perspectivas e as tendências que caracterizam a
práxis feminista são vistas, segundo nos demonstram as
críticas de Fraser, como um recuo da agenda de combate
ao capitalismo, vertebrada pela perspectiva económica.
Ademais, o esquema da divisão da história do feminismo
em fases ou ondas deixa algo fora de sua sistemática
classificação. É escusado dizer que as teorias e as filia-
çóes políticas não sucedem umas âs outras em progressão
linear. Os vestígios e as reminiscéncias provocam a re-
novação do já estabelecido, do já pensado, sem fazer
das teorias automóveis jogados no ferro-velho. Antes
de imprimirmos “sobretons evolucionistas darwinia-
nos”, talvez seja mais rico e operacional observamos
como o feminismo de extração liberal, capitalista ou
pós-moderno enfatiza determinado programa político
e, ao fazé-lo, propõe novos modos de reorganização do
social e do político.

Feminismo negra: uma plataforma de expansão da


te«ria marxista

N‹i.e.s‹› ‹-ii t ‹-iitlirrlcn to é que, em seu universo multi-


facct:ref o — r1:ií falarmos em feminismos negros —, o
papel e o lugar das mulheres negras afiguram-se como
incontornáveis para compreendermos as hierarquias
e as discriminaçóes cujos contornos se perdem sob
56

os lençóis do tempo. Tornou-se lugar-comum o reco-


nhecimento de que a teoria marxista conseguiu retirar
as classes sociais do domínio explicativo da natureza,
apontando seu caráter fundamentalmente histórico e
socialmente construído.
O discurso moderno solapa com a noção de honra
para dar legitimidade à de dignidade, usada num sen-
tido universalista e igualitário: ao contrário da honra, a
dignidade supóe uma partilha coletiva de todos, valor
compatível com a assunção das sociedades democrá-
ticas. Na esteira do reconhecimento e da dignidade, a
identidade individual e a autenticidade compõem-se na
mesma atmosfera política. Nas sociedades hierárquicas,
o que hoje é chamado de identidade era fixado pela po-
sição social de cada um, por papéis ou atividades vincu-
lados com essa posição.
Em O capital, Marx define classes sociais no escopo
da teoria da economia política, forjadas pela produ-
ção capitalista na dinâmica da mudança história. No
entanto, não consegue adotar o mesmo procedimento
para o gênero e a raça, acatando que são ideologias e
hierarquias que se ligam à “natureza”, enquanto outras,
tais como a religião, não seriam peculiares ao modo de
produção capitalista, mas a experiências anteriores.
O feminismo negro vai operar um duplo movimento,
que se mostra fundamental para o alargamento de pers-
pectivas teóricas no campo da teoria social: tira do do-
mínio das classes sociais a chave explicativa para pensar
as discriminaçóes e as hierarquias e insere a dimensão
5I

racial no escopo das reivindicaçóes de gênero. Desse


modo, nasce com uma proposta radical, pois interpela,
de um lado, análises e políticas presas apenas á visão
de classe e, de outro, póe em questionamento a visão
universalista de gênero que teve primazia na política an-
tissexista na primeira metade do século XX.
Sueli Carneiro chama atenção para a exploração co-
lonial que condicionou as relações de género no Brasil e
nas Américas com a prevalência da componente racial.
No Brasil, além de Sueli Carneiro, nomes como Lélia
Gonza!ez, Luiza Bairros e Jurema Werneck são algumas
referências inescapáveis para pensarmos a formação do
feminismo negro que, ao decretar sua autonomia frente
a teoria marxista, nunca desertou de um campo que in-
terpela a divisão de classes, ainda que tomando outras
categorias e outros parâmetros que não aqueles nati-
vos da teoria marxiana. Em outros lugares do mundo,
constituíram-se referéncias Angela Davis, Patricia Hill
Collins, Angela Gilliam e Kimberlé Crenshaw, com sua
proposta de interseccionalidade que ganhou aderéncia
nas formulações políticas em solo brasileiro e que foi
vista como contraposta a ideia de consubstancialidade de
I 7:in i‹ l‹ K‹o pu.it, t}tiantlo na verdade se complementam.
1'.i i’a su.iviz.ii‘ os :int:igt›nisnios teóricos, talvez se pu-
viesse asscptimr r|ttc se trata, antes, de operar uma vigi-
lância c{iistciii‹›lógica e oferecer outros ferramentais para
análises mais precisas das desigualdades, mormente nas
sociedades marcadas pelo colonialismo e pela escravidão.
Análises orientadas pelos agenciamentos das trajetórias
58

individuais (Jurema Werneck), dos movimentos sociais


(Luiza Bairros) e do poder (Sueli Carneiro) coexistem
com estudos mais diretamente associados às investiga-
çóes de extração marxista.
Disso dáo prova expressiva as colaborações de pensa-
doras e ativistas como Lélia Gonzalez e Angela Davis. A
primeira, uma das vozes mais expressivas do feminismo
negro brasileiro, embasa seus argumentos nas ideias de
Marx. De acordo Lélia, o racismo é uma ideologia que
sustenta a exploração capitalista:

Embora o grupo capitalista branco figure como o principal


operador dessa ideologia, a inscrição de seus efeitos no nível
da estrutura social ocasiona que um grupo mais amplo se be-
nefício da “mais-valia psicológica, cultural e ideológica” por ela
instituídos: [...] tanto brancos quanto negros pobres sofrem os
efeitos da exploração capitalista. Mas, na verdade, a opressão
racial faz-nos constatar que mesmo os brancos sem propriedade
óos meios de produção sáo beneficiários do seu exercício. Claro
está que, enquanto o capitalista branco se beneficia diretamente
da exploração ou superexploraçáo do negro, a maioria dos bran-
cos recebe seus dividendos do racismo, a partir de sua vantagem
competitiva no preenchimento das posições que, na estrutura
de classes, implicam nas recompensas materiais e simbólicas
mais desejadas.’

Angela Davis, no livro MulhereS, raça e classe , insiste


que sem um reexame do entrelaçamento de raça e gé-
nero a luta anticapitalista é deficitaria, pois dele advém
Lélia Gonzalez, “Racismo e sexismo na cultura brasileira”, Revista Ciências
Sociais Hoje, Anpocs, 1984, p. 223-44.
4
Em 2016, o livro ganhou uma ediçáo brasileira publicada pela Boitempo.
5D

uma percepção mais apurada da lógica do capital. Essa


indissociabilidade coloca o feminismo negro numa
posição perpétua de confrontação do capitalismo.
Segundo ela,

as organizaçóes de esquerda tém argumentado dentro de uma


visão marxista e ortodoxa que a classe é a coisa mais importante.
Claro que classe é importante. É preciso compreender que classe
informa a raça. Mas raça, também, informa a classe. E gênero
informa a classe. Raça é a maneira como a classe é vivida. Da
mesma forma que gênero é a maneira como a raça é vivida.
A gente precisa refletir bastante para perceber as intersecçóes
entre raça, classe e género, de forma a perceber que entre es-
sas categorias existem relações que são mutuas e outras que sáo
cruzadas. Ninguém pode assumir a primazia de uma categoria
sobre as outras.’

Pela voz dessas pensadoras e ativistas, acreditamos


ter dito o suficiente para afastar as inevitáveis vozes
discordantes que costumeiramente contrapõem femi-
nismo negro e marxismo pelo improdutivo par geral
versus específico. A tentativa aqui não é fazer desapa-
recer as discordáncias, mas apontar que o feminismo
negro se põe em outra di mensão para interrogar o
I ll .1’l K Í S lllt): Útl Í UC:1‘Üti 11 {3 l iigar de des nat uralizar, num
;‹› l ›‹ .h‹’›, wi ‹ pi n‹ i’‹›, rarcfa não efetuada por Marx,
c ‹› ii I(› i iHc j‹í ‹res i n‹il‹i iiios.

Angela Davis, “As mulheres negras na construção de uma utopia”,


I jornada Cultural Lelia Gonzalez, São Luiz, Centro de Cultura Negra do
Maranhão, 13 dez. 1977.
DO

Os vitupérios costumeiramente desferidos contra o


feminismo negro, que o encapsulam numa agenda redu-
cionista e redutora, que o associam ao pós-modernismo,
revelam uma náo compreensão de sua incidência na teo-
ria social e na prática política. Ainda que náo adote, em
certos casos, a régua unívoca do marxismo, mantém-se
como uma práxis que por vias diversas põe em cena a
exclusão do capital. Essa redução destitui o feminismo
negro de seu caráter radical e pluralista.
Essa vulgaridade com a qual a crítica embotada
se reveste para avaliar os feminismos negros sob uma
lupa embaçada só aumenta as supostas distâncias entre
aquele e o marxismo. Ser mulher, negra e ter dêtermi-
nada orientação sexual náo corresponde apenas a uma
marcação do jogo das diferenças (tarefa muito associada
ao pós-modernismo), mas significa assinalar que tais di-
ferenças instituem desigualdades. E é essa nefasta dobra-
dinha que faz com que os influxos teóricos e as propos-
tas advindas do feminismo negro ganhem um estatuto
plural e uma estatura elevada para responder aos desafios
reelaborados incessantemente pela exclusão capitalista.
Se é lícito falarmos em dívidas, incompreensões e re-
ducionismo, é â teoria marxista que devemos cobrar a
fatura por não ter pensando concomitantemente a ins-
tauração das desigualdades e das hierarquias em con-
sórcio com o racismo e o sexismo, variantes perpetua-
mente utilizadas para o triunfo do capital. Mas, como
preferimos pensar a questão de maneira proativa, ousa-
mos afirmar que os feminismos negros têm a poténcia
61

de efetuar uma influência no sentido anti-horário, tal


como as grandes obras da literatura, ao se instalar nas
brechas abertas pelo receituário marxista, oferecendo
ferramentas para que tonifique seu diagnóstico sobre
a estratificação das classes, levando em conta a maté-
ria-prima (racismos e sexismos, fundamentalmente) de
uma realidade que molda a vida de mais da metade da
população do planeta.
SOBRE OS AUTORES

Alessandra 0rvr!sky é advogada, professora universitària e direto-


ra executiva do J nstituto Lutz Gama. E mestre em direito po-
litico e econòmico pela Universidade M:ickenzie e doutora em
direito econòmico e financci ro [ccl:i Un ivcrsidride de Sào Paulo.

Oennis ée 0!ireira e chefe do Departamento de horn:tiremo e


Editoração da F.scola de Comunicação e Artes da Universidade
de Sao Paulo onde leciona como professor livre-do cen te.
Coordenador científico do Centro de Estudos Latino-
Americanos sobre Cultura e Com u nicação (Celacc) e membro
da Rede Antirracista Latinoamericana Quilombação.

KdfGÍ0 FdfldS e graduado em psicologia pela Universidade


Presbiteriana Mackenzie e doutorando cm psicologia social
pela PUC-SP. Autor de Clóvis Moura e o Bi‘asil.- um ensaio
crítico (Dandara, 2019), coordena o Nucleo de Estudos Afi‘o
Amct‘icanos (Nepafro) e é colaborador do Institu to Amma
Psique e Negritude.

Rosane B0fQflS é jornalista e professora na Universidade Estadual


de Londrina (UEL). Pós-doutoranda em Comunicação, pela
Escola de Comunicação e Artes da Universidade de Sao Paulo,
integra a Comissão de jornalistas pela Igualdade Racial e o gru-
po Comunicadoras Negras. Escreve esporadicamente para o
Blog da Boitempo.

Silvio triz ée A)meiòd é presidente do Instituto Luiz Gama. Pós-


doutor do direito pela Universidade de São Paulo, le- ciona
na Universidade Presbiteriana Mackenzie e na Escola de
Administração de Emp resas de São Paulo da Fundação Getúlio
Vargas. E autor, entre outros, de Sartre. direito e política
(Boitempo, 2016) e O que é racismo estrutural (Jandaíra, 2019).
Escreve para o Blog da Boitempo esporadicamente.
PARA APROFUNDAR A LEITURA

Sueli Carneiro, Silvio Almeida, Perry Anderson et. al.

Nulheres, raca e classe


Angela Davis

iJiTlb btIt0Iii0 r fid


Angela Davis

Etienne Balibar e Immanuel Wallerstein

XS)bc0birI0S Tle f0SI /0iJSSblLIt!’0UY8FtiJT8 B b rev0IiJ}ä0 de Sa0 0o/r isg0s


C. L. R. James

Michelle Alexander

Pensamento fe/r isista Begri: c0stieci///est0, c0sscitscia e a p0litica d0


emp0deretrert0
1':i I i’i t i:i l l i 11 f /t›l 1 i us

t)//lII.',’ f//f/lilly /' //f/////t.//.' sIitsl0yiz, liberdade e f8Y0lUȘă0

il/iintia same. diäri0 de s/r a prisäo


Preta Ferreira

Escr/oS fJ0lltifi0S
Frantz Fanon
“Ao contrario do que apregoam as
leituras liberals, racismo nao e apenas
um problema etico, uma categoria
juridica ou um dado psicologico.
Racismo e uma relagao social, que se
estrutura politica e economicamente.”

Silvio Luiz de Almeida

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