Você está na página 1de 9

1

SOBRE A AUTONOMIA DO ESTUDANTE NA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA


ABOUT STUDENT’S AUTONOMY IN DISTANCE LEARNING
José Renato Gomes de Oliveira1
Instituto Anísio Teixeira - IAT, Bahia
Maira Motta Nunes2
Instituto Anísio Teixeira - IAT, Bahia

Resumo
Embora sua conhecida ascensão no atual contexto de globalização, a Educação a Distância ainda
enfrenta desafios relacionados a hábitos necessários ao educando para tornar-se apto a usufruir
dessa modalidade, de modo a adaptar-se de forma integral. Dentro deste aspecto, procura explicar o
problema da falta de autonomia do estudante de EAD. O artigo explica de que forma os contextos
histórico, social, econômico e epistemológico influenciam numa mudança de hábitos e costumes
sociais, impactando sobre as formas tradicionais de ensino e favorecendo os novos métodos e uma
nova práxis pedagógica.

Palavras-chave
Educação a distância, Autonomia, práxis pedagógica.

Abstract
Although its known rise in the current context of globalization, distance education still faces
challenges related to educating the habits necessary to become able to take advantage of this
method in order to adapt an integrated way. Within this aspect, it seeks to explain the lack of
autonomy of the student of distance learning. The article explains how the historical, social,
economic and epistemological influence a change of habits and social customs, are impacting the
traditional forms of teaching and promoting new methods and new educational praxis.

Key-words
Distance learning, autonomy, pedagogical praxis.

1
jrgoliveira@gmail.com
2
mai.motta@ig.com.br
2

1. Introdução
Variáveis diversas colaboram na obtenção do sucesso de um dos pilares mais preocupantes da
crescente modalidade da Educação a Distância: a autonomia do educando. Não obstante sua
conhecida utilização histórica, a Educação a distância ainda é encarada como uma forma nova de
ensinar e de aprender, também esta é uma modalidade em contínua transformação. Na realidade
existem diferenças e aproximações entre o ensino presencial e o ensino a distância. Há entre estas
modalidades concepções pedagógicas que sofrem adaptações em função do método, da técnica, da
práxis pedagógica e da gestão administrativa.

A cada dia cresce vertiginosamente o número de cursos à distância que vêm sendo ofertados no
cenário nacional: cursos de formação de professores, graduação3, pós-graduação, mestrado, línguas
e até ensino médio. É visível o poder de atração que a educação a distância vem exercendo sobre a
comunidade educacional. Muitas pesquisas, estudos e softwares vem sendo desenvolvidos
especificamente para esta área. Um aspecto positivo deste crescimento desordenado é o
reconhecimento dessa comunidade em voltar a centralizar suas discussões sobre o conceito de
autonomia, aprofundando estudos acerca desse e buscando os melhores caminhos para sua
promoção.

A questão é que muitos dos que se propõem a estudar a distância parecem não estar preparados para
lidar com este modelo de ensino, não possuem a autonomia necessária para enfrentar os desafios
necessários que um curso a distância exige. São muitos os estudantes que abandonam os cursos no
inicio. O índice de evasão tem superado em muito o dos cursos presenciais. O fator central e
preocupante é que os desafios que surgem para o aluno desta modalidade não deveriam ser restritos
a ela, não deveriam ser apenas uma exigência para os cursos EAD, mas sim para qualquer
modalidade de ensino. A atitude autônoma deve ser exigida em qualquer processo educativo, seja na
educação familiar, na escola ou em cursos presenciais ou à distância.

Antes de adentrar as discussões acerca do conceito de autonomia, é importante estabelecer aqui a


distinção entre educação e ensino. Quando nos referimos ao ensino estamos tratando do papel
docente. Não obstante, ao tratarmos de educação estamos discorrendo sobre um ato que transcende
a ideia de escola, de curso, oficina, etc. A Educação a Distância, assim como a educação tradicional,

3 De acordo com os dados do Censo, 115 instituições ofereceram, em 2008, cursos de graduação a distância. São 18
IES a mais em relação às registradas no ano de 2007. É possível observar (tabela 27 da referência abaixo) que o
número de cursos de graduação a distância aumentou de maneira significativa nos últimos anos. Comparado ao ano
de 2007, foram criados 239 novos cursos, representando um aumento de 58,6% no período. O número de vagas
oferecidas em 2008 registrou um aumento de 10,3%, ou seja, uma oferta de 158.419 vagas a mais. O crescimento no
número de vagas da educação a distância deu prosseguimento a um aumento que se observa desde 2003. Nesse
período registrou-se uma variação de mais de 70 vezes no número de vagas ofertadas. Outro aspecto que se destaca
é a razão entre inscritos e vagas, enquanto em 2007 foram registrados 0,35 candidatos para cada vaga, no ano
seguinte essa relação foi de 0,41. Estatística INEP (Resumo Técnico. Censo da educação superior 2008. Acessado
em 22/10/2010 http://www.inep.gov.br/download/censo/2008/Censo_Superior_2008_Resumo_Tecnico.pdf).
3

é um ato político do ser ontológico, que aprende e aprende a aprender independente de estar
matriculado em curso ou escola regular. É também a atitude do usuário online quando aprende
através de sites de relacionamentos, fóruns, blogs, através vídeos ou tutoriais, etc.
Quanto ao ensino, existem vários aspectos da educação presencial hoje alvo de severas críticas.
Muito se discute sobre as mudanças necessárias nas práticas pedagógicas para se atingir um ensino
que seja de qualidade. A ideia de que o professor não é o único detentor da verdade e de que o
conhecimento não é algo que se possa ser transmitido vem ganhando cada vez mais adeptos em
defesa de uma educação de qualidade. O professor deve orientar o aluno no seu processo de
aprendizagem, na construção do conhecimento e incentivar a promoção da autonomia por parte dos
alunos. Ele é o responsável por criar e manter este ambiente de aprendizagem, por proporcionar aos
alunos a liberdade e o espaço necessário capaz de favorecer o desenvolvimento das competências de
cada um.

São muitas as tecnologias hoje que podem ser usadas como instrumentos facilitadores do processo
de ensino-aprendizagem. Há a necessidade de trazer para o dia-a-dia do aluno recursos que os
despertem e os auxiliem na construção do conhecimento, que os incentivem a questionar e a buscar
respostas para seus questionamentos.

A prática educacional e as metodologias de ensino devem anteceder os avanços tecnológicos, ou


seja, as tecnologias devem ser incorporadas às praticas pedagógicas e não o contrário, porém vem
ocorrendo o inverso. É a educação e as práticas pedagógicas que estão se adequando às novas
tecnologias. Não são os recursos tecnológicos que estão sendo aproveitados e utilizados pela
educação como facilitadores do processo de ensino-aprendizagem, mas são as tecnologias que,
avançando em ritmo desenfreado, estão se utilizando da educação para que seu uso seja ampliado.

2. Para entender o atual contexto histórico social

Um fato evidente nos últimos anos é o crescimento dos cursos de EAD. Mas como explicar esse
aumento vertiginoso, uma vez que não tratamos exatamente de algo novo? A história da Educação a
Distância nos mostra que essa modalidade já é trabalhada desde tempos remotos. Podemos afirmar
até mesmo que o apóstolo Paulo utilizou-se dessa modalidade quando enviou cartas de sua autoria
às primeiras igrejas da Ásia para propagar as doutrinas cristãs. É possível que essa experiência
tenha se repetido outras vezes em outros períodos da história, no Egito, Grécia ou Roma. Se
pensarmos a educação em sentido amplo e não vinculada a uma instituição de ensino, podemos
entender que EAD pode ter ocorrido no Egito Antigo, ainda que de modo não intencional, sem a
preocupação pedagógica da formação do indivíduo, através da criação do papiro, uma espécie de
suporte à escrita que servia para disseminar as informações. No entanto, é frequentemente aceito
por pensadores da educação como marco inicial, a experiência de agricultores europeus, quando em
1856 utilizaram correspondências para aprender melhores técnicas de plantio e manejo de animais.
O essencial é que o ato de informar e comunicar proporcionou condições para a aprendizagem do
individuo, tirando-o de um estado de „‟ignorância‟‟, e interferindo de forma indireta na sua
formação. Cabe neste artigo discutirmos de que forma esta formação está se estruturando sem a
descoberta ou o desenvolvimento da autonomia no educando. Em que medida os modelos teóricos
criados para EAD têm falhado neste ponto? Qual a razão de tantos índices de evasão nos cursos de
Educação a Distância?
4

O modelo fordista de produção em massa foi aplicado à educação, podendo ser evidente na
expansão das ofertas, nas estratégias de otimização dos recursos e no uso das tecnologias da
informação e comunicação (TIC). No entanto, a lógica capitalista do modelo de uma educação em
massa muito comprometeu a qualidade da educação. Segundo Belloni (2003), muitos estudos
desenvolvidos sobre EAD baseavam-se em modelos teóricos da economia e da sociologia
industriais, pautados nos paradigmas do fordismo e pós-fordismo. Porém, a nova realidade sócio
histórica afastou-se do modelo tradicional do modo de produção capitalista. Desse modo, deve-se
ter uma nova concepção teórica, uma vez diante de uma sociedade pós-industrial, pós-fordista, que
se baseia na produção de serviços, na qualificação profissional, na acumulação flexível, na
desmaterialização do dinheiro e sua virtualização.

Após o surgimento do liberalismo econômico defendido por pensadores como John Locke, Adam
Smith, David Ricardo, Voltaire, Montesquieu e outros, propagou-se a redução das funções do
Estado. Delegou-se ao setor privado, depois do princípio keynesiano do controle das crises cíclicas,
a atual fase neoliberal do capitalismo. Provocou-se a irrelevância do poder do Estado, deixando os
países a mercê da dinâmica global do capitalismo, a globalização da economia. Tentou-se aplicar
ideias alternativas ao marxismo, sobre o Estado, que ganharam força após a queda dos regimes
socialistas do Leste Europeu. Modelos teóricos da economia, e consequentemente da gestão
educacional, influenciaram outras áreas da vida social, como saúde, educação, transporte e também
a Educação a Distância, em particular.

Após os anos 90, as transformações sociais, tecnológicas e econômicas que ocorreram permitiram
que as debilidades do ensino tradicional ficassem mais evidentes, possibilitando flexibilidades, já
regidas por um modelo pós-fordista, mas agora dada uma nova ênfase devido ao ritmo acelerado
das transformações sociais e econômicas. Assim como no modelo de gestão das empresas sugere-se
o trabalho em equipe, valorizando as competências múltiplas do trabalhador, tarefas menos
segmentadas; nas escolas e cursos de Educação a Distância também ocorre uma adaptação dos
serviços a perfis individuais, fugindo do perfil padronizado do mercado de massa, passando a
fragmentar o ensino em módulos menores e personalizados à escolha do aluno. Este passa a
escolher o que quer estudar, quando e de que forma. A partir de então, nota-se que o estudante passa
a precisar de competências de auto estudo e de autogestão (Belloni, 2003, p. 19), fica mais evidente
aí o papel da autonomia. Como boa parte dos estudantes no Brasil que optaram por um curso à
distância faz parte de um público de jovens e adultos que procura esses cursos pela flexibilidade do
tempo e em sua maioria são estudantes que não desenvolveram autonomia, enfrentam problemas de
adaptação pela modalidade que optaram. É um aspecto quase nunca levado em consideração pelas
instituições de EAD, que ao dar pouca importância a esta contribuem para aumento dos índices de
evasão dentro de suas próprias escolas.

3. Do pensar e agir autônomos

Como salientamos há pouco, com o boom que os novos adventos tecnológicos proporcionaram à
Educação a Distância, o conceito de autonomia retorna ao centros dos discursos acerca desta
modalidade.
5

Não devemos resumir a autonomia, de modo a compreendê-la, apenas à capacidade que o sujeito
tem de organização e de auto-gerenciamento, de cumprir certas atividades em prazos estabelecidos
e em discutir e dialogar certos conhecimentos nos fóruns e chats dos ambientes virtuais de
aprendizagem. Veremos adiante como esse reducionismo muitas vezes atribuído a autonomia se
revela uma arbitrariedade e para tanto o rigor na compreensão deste conceito para posterior
delineamento e atribuição no âmbito da educação a distância revela-se uma empresa estritamente
necessária.

Iniciaremos por desenvolver inicialmente uma critica à educação a fim de nos certificarmos do
papel que a autonomia deve assumir diante desta. A aplicabilidade da autonomia ao modelo de
educação a distância se torna posteriormente uma empresa fácil, uma vez que a educação
compreende as suas práticas, sejam elas relativas às modalidades, metodologias e\ou didáticas
aplicadas.

O relatório “Um tesouro a descobrir” produzido para UNESCO e de autoria de Jacques Delors,
coordenador da comissão internacional para a educação do século XXI, é hoje um dos escritos mais
citados e comentados em artigos e publicações em defesa da educação e da qualidade do ensino.
Neste relatório são apresentados e discutidos os quatro pilares da educação para o século XXI, são
eles: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver a juntos, aprender a ser.
Devemos compreender, a partir de uma leitura mais aprofundada deste relatório, que a educação
após da falência dos projetos do liberalismo econômico e do tecnicismo decorrente destes, passa a
ser compreendida como um processo que transcende a aquisição de conhecimento, independente da
modalidade, dos recursos e didáticas aplicadas.

Os avanços tecnológicos e multimidiáticos atuais corroboram com a ideia de que o ato de educar
não pode ser compreendido como simples transmissão de conhecimento. O modelo instrumental-
tecnicista não dá conta da educação em sua totalidade formativa. É insuficiente para formar o
educando em homem e cidadão. As escolas que seguem este modelo não dão conta de formar
indivíduos capazes de refletir, de emitir juízos próprios e autônomos, não buscam desenvolver no
aluno uma forma de pensar corretamente. Todo o pensamento e ação são impostos e determinados
por outros ou por circunstâncias externas a esses, transformando-os assim em sujeitos passivos e
incapazes de reação e transformação de si ou do ambiente que o circunda. Educar é mais que
transmitir conhecimentos, é orientar e guiar o sujeito a fim de que este se torne capaz de exercer sua
liberdade e seja capaz de determinar-se, seja no âmbito da teoria ou da ação. Exercendo a sua
capacidade reflexiva e de efetivação dos seus projetos particulares compreendendo-se enquanto
sujeito e cidadão do mundo.

Um fato que não pode deixar de ser citado é que a conjuntura atual da nossa sociedade não contribui
para a promoção da liberdade e consequentemente para a formação de sujeitos capazes de modificar
aquela. A pobreza econômica e a miséria que prevalece em nosso Estado-nação poda a liberdade e
limita o exercício autônomo da cidadania, uma vez que desde cedo faltam às crianças uma boa
formação, incide sobre essas a dificuldade para romperem as barreiras e se estabelecerem como
sujeitos neste contexto social, enfrentando a falta de acesso igualitário à informação, a disputa
constante por oportunidades, empregos e a própria sobrevivência dentro de uma sociedade onde
prevalece a vontade de uma minoria. As condições sociais desfavoráveis, como a pobreza, a fome e
6

a miséria que vive a população brasileira cerceia a liberdade de cada um e impede-os de atuar como
sujeitos transformadores. Para que haja transformação é preciso que haja liberdade como condição
para que esta se efetive. É preciso que os indivíduos sejam educados a pensar livremente e que
sejam capacitados a realizar e buscar concretizar os projetos que determinam para si próprios.
Estes quatro pilares, muito bem desenvolvidos e defendidos por Delors em seu relatório abarcam
toda a liberdade capaz de permitir aos sujeitos um pensar e agir autônomos, uma vez que, para
tanto, a educação é a única via para se chegar a esses. Poderíamos aqui facilmente resumir estes
quatro pilares em um único, um pilar central, capaz de unificar todas as competências fundamentais
de todo e qualquer processo educativo: aprender a ser autônomo!

4. Da autonomia enquanto atividade crítica

Autonomia deriva do grego autós (por si) e nomos (lei), compreende o poder de determinar a si a
própria lei. Ela é contrária à hetoronomia, lei que procede de outro, hetero (outro) e nomos (lei). Ser
autônomo é ser capaz de pensar, agir, transformar, de fazer uso da sua própria razão, de decidir por
si próprio acerca dos seus atos e escolhas, de assumir a responsabilidade por seus juízos e ações, de
se assumir enquanto sujeito social, com liberdade de escolher seu caminho e de trilhá-lo com suas
próprias pernas. Segundo Lalande “Etimologicamente autonomia é a condição de uma pessoa ou de
uma coletividade cultural, que determina ela mesma a lei à qual se submete” (Lalande, 1999). Sobre
esse conceito Vicente Zatti afirmará sobre a autonomia que

“...como ela se dá no mundo e não apenas na consciência dos sujeitos, sua


construção envolve dois aspectos: o poder de determinar a própria lei e também o
poder ou a capacidade de realizar. O primeiro aspecto está ligado a liberdade e ao
poder de conceber, fantasiar, imaginar, decidir e o segundo ao poder ou
capacidade de fazer. Para que haja autonomia os dois aspectos devem estar
presentes, e o pensar autônomo precisa ser também fazer autônomo. O fazer não
acontece fora do mundo.” (Zatti, 2007, p.12)

E por não poder se efetivar fora do mundo, a autonomia não pode ser confundida como
autosuficiência, uma vez que os indivíduos encontram-se submetidos às leis naturais, leis civis e
convenções sociais.

A autonomia, ao contrário do que muitos devem imaginar, não surge como um conceito pedagógico
da EAD, para designar a atitude e postura necessária ao aluno que está espacialmente distante do
seu educador, tampouco é um conceito extraído de algum manual de pedagogia ou da obra de algum
teórico da área de educação. Mas seu uso ganha centralidade na modernidade, pela crítica kantiana
à razão, e é compreendida como a capacidade que a razão tem de pensar a si própria e de se auto
atribuir regras e leis. É contrária a heteronomia, situação em que pensamos e agimos sob orientação
de outros ou movidos por algo externo a nós. A relevância deste conceito para humanidade é tão
amplo que seria um devaneio restringi-lo apenas à pedagogia.

É só investigarmos mas a fundo o conceito de autonomia, que facilmente percebermos que esse vai
muito além de um projeto pedagógico, segundo Abbagmano este conceito “é introduzido por Kant
para designar a independencia da vontade em relação a qualquer desejo ou objeto do desejo e sua
7

capacidade de determinar-se em conformidade com uma lei própria que é a da razão” (Abbagmano,
1998). Não iremos aqui discorrer sobre este conceito na filosofia critica kantiana, este compreende
um conteúdo muito vasto que se estenderiam a uma série dispendiosa de artigos, mas vamos apenas
buscar compreender como a autonomia transcende um projeto pedagógico, que ela compreende o
esclarecimento (aufklärung), possibilitado pela liberdade, pelo liberalismo, e que compreende um
aspecto político desta geração, que infelizmente não se projetou ou se efetivou tanto quanto seus
projetos econômicos descritos no tópico anterior.

Aufklärung, traduzida por esclarecimento, ilustração ou iluminismo, e definida por Abbagmano


como a “linha filosófica caracterizada pelo empenho de estender a crítica e o guia da razão em
todos os campos da experiência humana” (Abbagmano, pág 509, 1962) traz consigo o ideal de
autonomia. O iluminismo é a época da crítica, do esclarecimento. Zatti (2002) afirma que

A filosofia iluminista possui uma confiança decidida na razão humana, propõe um


despreconceituoso uso crítico da razão voltada para a libertação em relação aos
dogmas metafísicos, aos preconceitos morais, às superstições religiosas, às relações
desumanas e tiranas politicas, os quais representam para os iluministas
heteronomia.

Compreenderemos melhor a autonomia e a sua interdependência ao iluminismo com o seguinte


trecho extraído da artigo Resposta à pergunta: o que é esclarecimento? de Imanuel Kant (2005):

“Esclarecimento (Aufklärung) é a saída do homem da sua menoridade, do qual ele


próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu
entendimento sem a direção de outro indivíduo. O homem é o próprio culpado
desta menoridade se a causa dela não se encontra na falta de entendimento, mas na
falta de decisão e coragem de servir-se por si mesmo sem a direção de outrem.
Sapere aude4! Tem coragem de fazer uso do teu próprio entendimento, tal é o lema
do esclarecimento (Aufklärung) (Kant, 2005, pp. 63-64)

Mas para kant a Aufklärung é mais do que conhecer, é antes de tudo agir, e é em sua
filosofia prática que a autonomia irá ocupar o papel central. Observamos assim que ideal este tão
primordial à humanidade e que até a década passada não recebeu dos homens a devida atenção,
pouco se falava em autonomia, poucos filósofos e/ou estudiosos se debruçaram sobre este conceito
tão nobre à humanidade e que a autonomia, ao contrário do que muitos devem imaginar, não surgiu
como um conceito pedagógico da EAD, para designar a auto-suficiência e auto-gerência do aluno
espacialmente distante do seu educador e que tampouco é um conceito extraído de algum manual de
pedagogia ou da obra de algum teórico da área de educação. A relevância deste conceito para
humanidade é tão amplo que seria um devaneio restringi-lo apenas à pedagogia. Mas por outro lado
poucos foram capazes de captar-lhe a essência e descrevê-la tão profundamente bem como educador
Paulo Freire, em sua obra intitulada “A pedagogia da autonomia” como veremos posteriormente.
A autonomia tem seu uso central na modernidade pela crítica kantiana à razão, e é compreendida
como a capacidade que a razão tem de pensar a si própria e de se auto atribuir regras e leis. É
contrária a heteronomia, situação em que pensamos e agimos sob orientação de outros ou movidos

4 Ouse pensar.
8

por algo externo a nós.

4. Conclusão

A autonomia deve ser encarada como um pressuposto primordial da educação e compreendida


como um pilar de sustentação nos cursos a distância. Ela é fundamental nos processos de construção
da aprendizagem, pois prioriza a atitude independente do educando ao promover a possibilidade da
ação investigativa e promoção da autoria. Dessa forma, espera-se que estudantes da EAD cumpram
em primeiro lugar o pré-requisito de manifestarem-se autônomos, realizando curso, matéria,
disciplina, questionário ou avaliação para isso. Entende-se que é uma condição estritamente
necessária para compreensão por parte dos interessados na modalidade dos cursos a distância de que
deverão ser investidos de uma atitude autônoma e se não a possuem deverão desenvolvê-la, estando
conscientes de que não conseguirão realizar os cursos que pretendem se antes não estiverem dessa
forma preparados.

As instituições devem agir como defensoras do estabelecimento do perfil de uma atitude autônoma
no seu corpo discente. Pedagogicamente falando, esta não é uma questão nova, porém se torna mais
do que relevante diante das mudanças tecnológicas e sociais que se processam no mundo. Não
obstante estarem condicionados às questões econômicas, de um mundo globalizado, neo-liberal,
devem reconhecer que a baixa qualidade no ensino aprendizagem ou mesmo os altos índices de
evasão são consequências do afrouxamento de um rigor pedagógico ligado à promoção da
autonomia do educando. A observação deste fato é o caminho para a solução de boa parte dos
problemas da educação a distância, contribuindo para uma formação efetiva discente e de qualidade
e para uma melhor produtividade do docente, ao mesmo tempo em que promove o desenvolvimento
da educação institucional.

Referências:

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Trad. Alfredo Bosi. 21ª edição. ed. Martins
Fontes. São Paulo 1998.
BELLONI, Maria Luiza. EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA. 3ª Edição. Campinas: Editora Autores
Associados, 2003.
CAYGILL, Howard. Dicionário Kant. Trad. Álvaro Cabral. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Ed., 2000.
Kant, I. Que significa orientar-se no pensamento? In: Textos Seletos. Trad.
Floriano de Sousa Fernandes. 3a ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2005.
KANT, I. Resposta à pergunta: Que é “Esclarecimento”?(Aufklärung). In:
Textos Seletos. Trad. Floriano de Sousa Fernandes. 3a ed. Petrópolis: Editora
Vozes, 2005c.
KANT, Immanuel. Sobre a Pedagogia. Trad. Francisco Cock Fontanella. Piracicaba:
Editora UNIMEP, 2004.
LALANDE, ANDRÉ. Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia. 3a ed. São
Paulo: Martins Fontes, 1999.
9

PASCAL, Georges. O pensamento de Kant. Trad. Raimundo Vier. 6a ed.


Petrópolis: Vozes, 1999.
PRETI, Oreste. Autonomia do Aprendiz na Educação a Distãncia: significados e dimensões.
Cuiabá: UFMT/NEAD, 2005.
Um tesouro a descobrir. Acessado em 22/10/2010)
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ue000009.pdf
ZATTI, Vicente. AUTONOMIA E EDUCAÇÃO EM IMMANUEL KANT E PAULO FREIRE.
Porto Alegre: EDPUCRS, 2007.

Você também pode gostar