Você está na página 1de 5

Comentários sobre a relação da arte e da ciência - T.

Kuhn

introdução da questão (p. 361-2):

- interesse pela questão da vanguarda (a partir de Ackerman e Kubler), voltado

para a aproximação de Hafner entre ciência e arte;

- reconhecimento do próprio levar em conta dos paralelos estreitos e

persistentes entre as duas atividades;

- os padrões de desenvolvimento e a natureza da inovação criativa nas

ciências: escolas rivais e de tradições incomensuráveis, padrões de valor

cambiantes e modos de percepção mutáveis; dados comuns para

historiadores da arte, mas deixados de lado por historiadores da ciência;

- negação da distinção entre arte e ciência fundamentada nas dicotomias

clássicas: mundo do valor/mundo do fato, subjetivo/objetivo, intuitivo/indutivo;

Hafner: “Quanto mais cuidadosamente tentamos distinguir o artista do cientista,

mais difícil se torna a tarefa”; Kuhn: experiência inquietante, conclusão indesejável;

“o óbvio: a ciência e a arte são empreendimentos muito diferentes”; o problema

está nos instrumentos usados para a análise sutil (o observador casual não tem

dúvidas quanto à diferença entre as duas atividades).

As três áreas das quais Hafner extrai os paralelos entre arte e ciência:

1. as produções do artista do cientista; 2. as atividades das quais resultam tais

produções; 3. a resposta do público.

p. 363

1.1.1. problema na seleção dos exemplos (ilustrações científicas): Hafner utiliza

exemplos extraídos de uma amostra muito limitada comparativamente ao material

disponível; ainda assim, o fato de paralelos tão fortes aparecerem atesta que se

levantam questões importantes acerca da influência de uma atividade sobre outra;

mas a influência não requer similaridade entre os empreendimentos; além disso,

uma escolha menos sistemática de exemplos reforçaria o argumento em favor de

uma similaridade intrínseca;

1.1.2. problema do contexto artificial (mais revelador): as ilustrações artísticas e

científicas são mostradas contra um mesmo fundo, abstraídas do contexto de suas


atividades originais, o que encobre as funções específicas que cumprem em suas

posições respectivas; ilustrações: produtos incidentais da atividade científica x

produtos finais da atividade artística; a ilustração não cumpre papel fundamental na

atividade científica e em geral sequer são produzidas por cientistas; transposição de

fins e meios;

1.1.3. problema da estética matemática: usos aparentemente paralelos, na arte e na

ciência, da simetria, da simplicidade e da elegância na expressão simbólica, bem

como de outras formas de estética matemática; nas artes, a estética é o objetivo do

trabalho; nas ciências, no máximo um instrumento (para escolha da teoria, para

servir de guia para a imaginação); a estética do cientista tem serventia fundamental

para a atividade apenas quando resolve o enigma, e para isso é preciso que

coincida com a estética da natureza;

exemplo (p. 364):

tese comum: o poder estético da circunferência sobre os antigos e

medievais e as novas percepções espaciais do Renascimento

habilitando a elipse para o papel científico;

porém...: a estética não poderia sozinha introduzir a elipse no trabalho

da ciência; para isso, para que a curva pudesse cumprir um papel, foi

preciso que fosse aberta a possibilidade, no século 16, pela virada

cosmológica heliocêntrica de Copérnico; num framework geocêntrico

não tinha qualquer serventia; a estética para a ciência é instrumental e

serve sempre em função da resolução de um enigma técnico (neste

caso, a descrição do movimento observado de Marte);

1.2.1. concordância Hafner-Kuhn: o artista, como o cientista, lida com problemas

técnicos persistentes no dia a dia do ofício; o cientista, como o artista, é orientado

por considerações estéticas e guiado por modos estabelecidos de percepção;/

paralelos que precisam ser desenvolvidos;

1.2.2.1. a ênfase nesse paralelismo encobre a diferença vital: o objetivo do artista é

a produção de objetos estéticas, e os enigmas técnicos têm de ser resolvidos em


função disso; o objetivo do cientista é a resolução de enigmas técnicos e a estética

é o instrumento;/ transposição de fins e meios também aqui: estes elementos

ocupam posições inversas numa e noutra atividade;

1.2.2.2. outra transposição: entre componentes explícitos e componentes

não-articulados de cada identidade vocacional; uma comunidade científica

compartilha um conjunto de soluções de problemas, mas as respostas estéticas e

estilos de pesquisa são privados e variáveis para cada membro; uma escola

artística compartilham um estilo e uma estética, mas as soluções técnicas são

privadas e variáveis;

1.3.1 estranhamento geral do público (especificidades no caso da ciência e no caso

da arte); ciência: rejeição ao empreendimento científico como um todo (“não curto

ciência”); arte: rejeição com desdém de um movimento em favor de outro (“minha

filha consegue desenhar isso”);

1.3.2. diferença mais fundamental entre as relações público-ciência e público-arte:

-> ambas dependem de apoio público (consumo direto ou por mediação

institucional)

-> apenas em relação à arte se constitui uma audiência pública; a audiência da

ciência são os cientistas, mas a da arte inclui o público, os críticos, as galerias, os

museus;

-> o artista é profundamente afetado pela existências das instituições de mediação,

quer as valorize, quer não

-> a arte é intrinsecamente uma atividade extrovertida, de um modo e grau que a

ciência não é

introdução à segunda parte: sugestão de como os sintomas examinados estão

interligados e como se vinculam a outros sintomas da diferença; (p. 366)

2.1. diferentes reações em relação ao passado

na arte, as produções do passado permanecem partes vitais do cenário; as

obras-primas do passado cumprem papel pedagógico para o público e para os

artistas;

na ciência, a ruptura provoca a remoção de livros e jornais; apenas historiadores se


dedicam aos trabalhos científicos do passado; a frequentação de museus de ciência

não é comum para os cientistas, e sua função é de preservação de memória e

atração de futuros profissionais, e não formar público ou cientistas;

a relação conservação x inovação na arte e na ciência; relação da atividade (que é

inovadora) com o público, com as instituições e com as obras do passado (essas

têm um atraso em relação à inovação);

“certo” x “errado” ou “correto” x “incorreto” como referência para a relação do

cientista com as produções do passado (o que justifica o descarte); o que ocupa

lugar análogo numa atividade que concebe que possam estar vivas as produções de

uma tradição extinta?

resolução de enigmas: existe uma solução que é melhor que as demais e em favor

da qual as outras serão descartadas;

tradição x excesso de bagagem

para a ciência, importam os resultados (resolução de enigmas), em detrimento do

restante (esboços, idiossincrasias históricas e estéticas etc.)

a arte consegue fazer conviver a inovação e a tradição sem danos recíprocos;

2.2. cruzando: meios-fins X público como audiência (p. 367)

enigmas e soluções técnicas são de extremo interesse no interior das comunidades

(artística ou científica), mas passam despercebidas ao público em geral; estes se

interessam pelas produções mais globais dos empreendimentos: obras de arte ou

teorias da natureza; mas as teorias para os cientistas são sobretudo instrumentos

para a resolução de enigmas, enquanto que para o artista a obra é o que se produz

no que são resolvidos certos enigmas; são educados para assumi-las e utilizá-las,

não para provocar sua mudança (aprendizado conservador, dogmático);

em geral, o que interessa o público na ciência é, para o cientista, mera preocupação

secundária; na arte, pelo contrário, a produção fundamental é o que é de interesse

do público;

terceira parte: extensão do padrão de problemas encontrados até então ao partir de


um exame de como arte e ciência se desenvolvem no tempo (p. 369)

Você também pode gostar