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PEREIRA, Pamela de Oliveira.

Novos olhares sobre a coleção de objetos sagrados afro-brasileiros sob a


guarda do museu da polícia: de repressão a repatriação. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do
Estado do Rio de Janeiro, Programa de Pós Graduação em Memória Social, 2017.

Compreender a formação da coleção “Magia Negra” e seu tombamento pelo SPHAN em 1938

INTRODUÇÃO
Organização para a criação do Memorial da Resistência e dos Direitos Humanos na sede do ex-DOPS,
instituição que atuou durante a ditadura militar, e que também havia sido referencia para a ditadura do
Estado Novo. A primeira camada de repressão foi direcionada “aos cultos afro-brasileiros e práticas
culturais associadas aos negros, como o samba e a capoeira”
- lideranças religiosas que ainda guardam as memórias de batidas policiais
- comparações com a coleção Estácio Lima, mórbida coleção formada também por objetos de terreiros de
candomblé, armas, e até cabeças dos cangaceiros do bando de Lampião, expostas até 1971

Coleção consta no primeiro tombamento do SPHAN, e é relevante para pensar a trajetória da instituição e
suas práticas de origem
Segundo a Unesco, coleções e museus são instituições de “representações do outro”, e os Estados Membros
da ONU devem “facilitar o diálogo e o estabelecimento de relações construtivas entre museus e os povos
indígenas com respeito à gestão de coleções e, onde apropriado, ao retorno ou restituição de acordo com as
leis e políticas aplicáveis”
Gestão das coleções: debate sobre propriedade cultural, retorno de objetos em situação de disputa ou
controvérsia

 Especificidades históricas que permitiram a formação da coleção: religiões mediúnicas, processo de


laicização do Estado brasileiro
 Biografia cultural das coisas: motivos que proporcionaram à coleção ser o primeiro registro no Livro
de Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico do SPHAN
 Processo reivindicatório dos objetos e casos de restituições bem sucedidas

CAPÍTULO 1 – Os objetos sagrados


Denominação Magia Negra no tombamento do SPHAN é reflexo do momento histórico em que se formou a
coleção:
1- Denominação racista e desqualificadora
2- Questionamentos acerca da forma como foram colecionados

Memória: vestígios materiais e imateriais que permitem lembrar, como uma reconstrução do passado a
partir da compreensão desses vestígios
A memória é, em suma, o que permite a um ser vivo remontar no tempo, relacionar-se, sempre
mantendo-se no presente, com o passado (...). No entanto, essa subida no tempo (...) é sempre
indireta; com efeito, entre o presente e o passado interpõem-se sinais e vestígios mediante os quais se
pode compreender o passado; trata-se de recordações, imagens, relíquias. (POMIAN, 2000)

Imagens e relíquias são a correlação objetiva da memória (Pomian, 2000), coletiva e transgeracional
Coleção: seleção de objetos que possibilitem uma conexão com o passado, que permitam uma evocação de
algo original que foi perdido (p.21)
- objetos fora do circuito das trocas, perdem seu valor de uso mas alteram (e até aumentam) seu valor de
troca
- carregam algo de imaterial, intermediária entre o espectador que olha e o invisível. (invisível: o que está
distante no tempo e no espaço, físico ou não)
- coleção é algo universal: “todas as sociedades possuem na linguagem um sistema representacional e logo,
encontra nessa oposição visível-invisível”
“Enquanto objetos de coleção podem desempenhar a função de mediadores entre espectadores e as práticas
policiais no início do século XX, porém não mais cumprem sua função originnal de mediação no circuito
religioso onde orginialmente estavam inseridos.” (p.22)

Retirada da religião do espaço público – processo de laicização do Estado brasileiro – contexto republicano
(ou retirada da religião das instituições decisórias do Estado?, desobrigatoriedade do cristianismo)
Criminalização de práticas afro-brasileiras e o “consenso silencioso de que aquelas práticas associadas aos
negros agravavam o ilícito por implicar benefícios materiais e incidir em crime ou dolo”
a denominação magia negra carrega em si o estigma relacionado às práticas consideradas mais
perigosas e propensas ao crime e, portanto, a coleção de objetos também o faz (...)

Apesar de num primeiro momento todas as manifestações mediúnicas estarem sob a denominação
genérica de espiritismo, havia evidente diferenciação no tratamento dado pelo Estado entre as práticas
religiosas espíritas e as relacionadas aos negros (p.23)

Práticas de cura de médiuns consideradas “religiosas”, por isso escaparam das condenações legais, enquanto
as afro-brasileiras eram percebidas como desordem pública, tipificadas como mágicas e envolvidas na órbita
policial – estigma do crime – hierarquização das crenças

Magia e Estado
Yvonne Maggie: combate às religiões mediúnicas não se deu de maneira generalizada ou compulsiva, havia
a distinção da “magia maléfica” como aquela destinada a causar dano a terceiros. Este tipo de crime
expressa relações e valores sociais, não apenas comportamentos desviantes.
A magia benéfica seria considerada culto aos espíritos, enquanto a outra, a feitiçaria, direcionada a causar o
mal. O critério de diferenciação por parte da polícia era através das denúnicas realizadas por vizinhos,
desafetos ou mesmo clientes insatisfeitos. Por isso a autora considera a feitiçaria como teoria moral, ligada
às relações entre indivíduos. De toda forma, para reconhecer a magia era necessário conhece-la, e os agentes
do Estado não só a reconheciam por serem formados por classes sociais imersas nesta prática cultural, como
acreditavam no poder que esta exercia socialmente.
Magia e poder se entrelaçaram no Estado brasileiro, de maneira singular, já que era preciso conhecer,
disciplinar e socializar essas práticas tidas como de negros e pobres, mas que todos conheciam na
alucinação da dor ou da perda. Ou seja, a crença na magia perpassa toda a sociedade brasileira e por
isso deve ser controlada no sentido de ser bem administrada (p.25)
Códigos Penais
1890: Legislação tinha o intuito de disciplinar o espaço público e era necessário realizar a especialização
policial para que se combatesse o baixo espiritismo
Artigo 156 – prática ilegal da medicina
Artigo 157 – praticar espiritismo, magia e sortilégios (talismãs, patuás)
Artigo 156 – prática do curandeirismo: prescrever substancias de origem natural

A interpretação cabia aos juristas, após os indivíduos já terem passado pela detenção e apreensão policial.
Maggie aponta três visões recorrentes da época:
 Que qualquer prática de cura para além dos meios científicos eram consideradas fora da lei
 Que nem toda magia era prejudicial
 Que os três artigos citados deveriam ser extintos para que houvesse, de fato, liberdade religiosa

Código Penal 1942: os juízes deveriam julgar a partir dos discursos dos acusados se a magia era maléfica ou
benéfica, e assim imputar a absolvição ou pena. Essa distinção se desdobra em “classificações
hierarquizantes não só de crença, mas também de critérios morais e sociais” (p.27) e na fundação de
organizações que buscam legitimação religiosa ao se distanciar os estigmas associados aos candomblés e
macumbas.
A organização da umbanda em federações nacionais e regionais é um dos exemplos de busca de
legitimação (...), assim como a organização de encontros regionais e nacionais. O candomblé segue
um caminho oposto: a intensificação da perseguição faz com que os terreiros se afastem cada vez
mais da região central da cidade, ocupando os subúrbios e a Baixada Fluminense (p.28)

Relativização da hipótese repressiva: Surgimento da umbanda ligado à repressão das religiões mediúnicas, a
fim de escapar da denominação de baixo espiritismo. Ou seja, os mecanismo reguladores do Estado não
extirparam a crença, mas foram fundamentais para sua constituição [algumas crenças!]

Busca pela organização e institucionalização das religiões mediúnicas foi uma resposta à repressão aos
feiticeiros, afirmando perante a sociedade que tais cultos não compartilhavam das práticas consideradas
como feitiçaria ou curandeirismo.
Uniao Espírita da Umbanda criada no “contexto onde há a necessidade de acordos entre as Federacoes para
librar seus sócios da condenação” (p.29)
- pode o subalterno falar? Não só organização em federações, mas a difusão de jornais apresentando a
doutrina espírita para a sociedade, se defendendo de acusações públicas, etc.
O CP/1942 direciona a acusação de feitiçaria a um grupo religioso específico: o candomblé

Colecionamentos de origem africana


Polícia da Corte recolhia artefatos em “casas de dar fortuna” durante o século XIX. Objetos na coleção
“Africana” no Museu Nacional
Outras coleções: museu Estácio de Lima, “Coleção Nina Rodrigues” (BA); Casa José de Alencar, “Coleção
Arthur Ramos” (CE); IHGB-AL, “Coleção Perseverança”; Museu do Estado de Pernambuco, “Coleção de
objetos de cultos afro-brasileiros”.
Biografia dos objetos: múltiplas classificações e categorias ao longo do século, papel dos sujeitos,
instituições, etc

Quem julga a intenção da magia é o policial: objeto + testemunho


- objetos são a comprovação que a magia existe
- peritos se certificam que foram utilizados em rituais mágicos e narram a crença “de forma apropriada,
distinguindo, classificando e hierarquizando rituais”. São conhecedores dos rituais, cumprem a função de
tradução da crença aos não fieis
“Não se trata aqui de dois médiuns que acusam num terreiro e que detem o mesmo poder e a mesma
posição. Os policiais estão aqui investidos de uma posição na ordem dominante e certamente tem mais poder
de fazer valer seu ponto de vista (Maggie, 1994, p.159)”
Para Maggie, a maldade não se coloca no tipo de rito, mas na fraude. Ex: processo de “Tio Julio”: reunião
espirita de rito africano

Museu do Departamento Federal de Segurança Pública da Policia Civil, criado em 1912: “busca pela
reformulação do órgão, aproximar-se da cientificidade, e salvaguardar a memória da instituição. Composto
por objetos diversos apreendidos pelas delegacias, funcionava como um espaço educativo para os policiais
em formação” (p.33)
Caráter pedagógico do museu que acompanhava a proposta de modernização policial – museologização do
crime, repressão à “magia maléfica” ao invés da perseguição generalizada às religiões mediúnicas
Coleção de objetos recolhidos como prova de delito, não peças representativas dos cultos afro-brasileiros. É
a representação do imaginário do mal e do crime
Museu vinculado ao ICOM na década de 1950, e indicava que possuía também um caráter de arte popular:
“os objetos de feitiçaria em um Museu Científico possibilitam o controle simbólico da crença na feitiçaria e
diminuem, é claro, sua força, disciplinando-a” (Maggie, p. 261)
Objetos funcionavam como um troféu de guerra, e no museu contavam sobre o tempo da repressão de uma
crença compartilhada por toda a sociedade. Yvonne Maggie acredita que os objetos contam como as crenças
venceram os perseguidores. Venceram?

O tombamento etnográfico
Museu como palco para o jogo entre a lembrança e o esquecimento
IPHAN foi um órgão criado por intelectuais modernistas no contexto da construção do Brasil enquanto
nação. O patrimônio é concebido como uma expressão da identidade nacional, sendo a própria realidade que
ele expressa (Gonçalves, 2002)
Ainda que a coleção fosse o primeiro item do Livro de Tombo Etnográfico, ela não constava nos demais
documentos do IPHAN até a década de 1980. Autores acreditam que o órgão priorizou nas primeiras
décadas a proteção da arte e arquitetura colonial. Só a partir desta década que os assuntos referentes aos bens
imateriais são postos em evidencia, apesar de sua relevância ser apresentada ainda em 1936, no Anteprojeto
de criação do instituto, por Mário de Andrade.
Alexandre Correa (2009) observa que a classificação etnográfica poderia refletir uma “noção pejorativa,
tendo em vista que os bens religiosos católicos figuravam nos livros de tombo Histórico e de Belas Artes, ao
passo que bens religiosos de matriz afro-brasileira estavam inseridos na categoria etnográfica” (0.37)
“arte da feitiçaria” também aparece em documentos listados pelo primeiro diretor do MHN como bem a ser
preservado. Acredita-se que “a preservação da coleção insere-se no contexto do medo do desaparecimento:
com a modernização e crescimento das cidades muitos dos costumes e práticas culturais poderiam deixar de
existir” (p.38)

CAPÍTULO 2 – Mãe Meninazinha e os objetos sagrados “roubados”


Deslocamento de grupos religiosos, a exemplo da família de Mãe Meninazinha: Saúde, Gamboa, Ramos,
Queimados, Nova Iguaçu e São João de Meriti. Trajetória dos objetos e das biografias se cruzam com a
expansão da metrópole, tornando possível reconhecer a partir da evolução urbana, as dinâmicas
socioespaciais da população afro-brasileira
Memória social: biografias se entrecruzam com os objetos

PRANDI, 2001:
No candomblé, a palavra axé tem muitos significados. Axé é a força vital, energia, principio da vida,
força sagrada dos orixás. Axé é o nome que se dá às partes dos animais que contêm essas forças da
natureza viva, que também estão nas folhas, sementes e nos frutos sagrados. Axé é bênção,
cumprimento, votos de boa-sorte e sinônimo de Amém. Axé é poder. Axé é o conjunto material de
objetos que representam os deuses quando estes são assentados, fixados nos seus altares particulares
para serem cultuados. São as pedras (os otás) e os ferros dos orixás, suas representações materiais,
símbolos de uma sacralidade tangível e imediata. (p.103)

PRANDI, Reginaldo. Mitologia dos Orixás. São Paulo, Cia das Letras, 2001.

Genealogia de Mãe Meninazinha < Iyá Davina < Pai Procópio de Ogun
- vínculos dos sacerdotes baianos e cariocas
Iyá Davina herda a Casa Grande de Mesquita de João Alabá e Mae Meninazinha funda o Ilê Omolu e Oxum
em 1967, registrado num contexto onde não haviam mais batidas policiais
Assentamentos de João Alabá: da Pedra do Sal para Mesquita, e agora em São Mateus (São Joao de Meriti)

Tradição do candomblé passada através da memória oral, reconhecimento da herança espiritual, “mantendo
a ilusão de coesão, permanência e coerência do grupo. (...) Um grupo religioso precisa se apoiar numa
realidade que dure, [e então] ele mesmo se entende como durável e estável. Precisa acreditar em sua própria
estabilidade, mesmo que ilusória.” (p.47)

Memória e identidade: “ o sentido da identidade individual e do grupo, dependentes da memória nos casos
de exigência de credibilidade e coerência de discursos sucessivos”
as funções da memória são manter a coesão interna e defender as fronteiras do que o grupo tem em comum.
Dessa forma os testemunhos funcionam como “um trabalho de enquadramento da memória que pode, por
vezes, desestabilizar a memória coletiva organizada de uma sociedade majoritária” (p.48)
experiência é individual ou coletiva, se refere a acontecimentos vividos pela própria pessoa ou pelo grupo
em que se insere; até mesmo acontecimentos herdados, “quando há a identificação com situações vividas
pelo grupo e passadas adiante por socialização”

imagens e objetos que fazem lembrar as apreensões e agressões

reivindicação da devolução dos artefatos desde os anos 1970. A partir da promulgação da constituição de
1988 no campo do patrimônio emergem políticas voltadas para os “territórios afro-brasileiros”, que incluem
as comundiades de terreiro
Tombamento material:
1984 Casa Branca do Engenho Velho
1999 Opo Afonjá
2001 Casa da Mina
2002 Gantois
2003 Bate Folha
Patrimonio imaterial: Acarejé e Jongo (2005)

Na fala da população aviltada, subverte-se a concepção de crime ao se considerar que os objetos sagrados
foram roubados pela polícia, ao contrário da classificação do Estado no início do século XX em que os
mesmos eram provas do crime de magia
Mãe Meninazinha caracteriza o ato como roubo, (...) logo há a subversão do entendimento de crime:
se nas primeiras décadas do século XX os objetos foram classificados pelo Estado com provas do
crime de magia, hoje os mesmo objetos são, para aqueles que reivindicam sua propriedade, prova do
crime cometido pelo Estado contra as populações afro-brasileiras. Assim, o uso do termo roubo
define o posicionamento de denuncia como qual toda a fala da Iyalorisa estará comprometida. (p.54,
grifos originais)

Entendimento que os objetos ficaram presos, no contexto em que as apreensões reverberavam a conexão
daqueles que possuíam os objetos, sem distinguir pessoas e objetos, indicando a forca da conexão entre
pessoas e seus objetos sagrados.
Consideravam uma retratação a transferência dos objetos do acervo policial para um lugar onde fossem
tratados de maneira adequada, “para que todos pudessem lembrar a maneira violenta como essas peças
foram retiradas dos terreiros” (Ogã Marmo, p.55)
Lideranças afirmam que a “repressão deve ser contada pois faz parte do processo vivenciado pelo povo de
santo” (p.60)
Três problemas para a devolução dos objetos para seus antigos donos: identificação do local de origem de
cada um dos objetos, definição do lugar de destino caso os herdeiros diretos não fossem encontrados, e qual
seria a legitimidade de reivindicação das religiões de matriz africana (umbanda e candomblé) por parte dos
objetos
Função religiosa x valor patrimonial para exposição => encaminhamento para memoriais de terreiro
Memorial Iya Davina: contar trajetória de vida, elevar a autoestima da juventude de terreiro, visibilizar
narrativas não contempladas nos museus históricos e nacionais. Possibilita que a “cultura material assumisse
um lugar de protagonismo até então atrelado à comunidade” (p.58)
“a repatriação é simbólica, o que nos interessa é que essa coleção representa a violência policial e a
repressão do Estado” Marcelo Cunha, representando do MAFRO no evento “DOPS ocupar a memória” em
2015

Representação do negro em instituições museais brasileiras


O papel da cultura material para a construção da memória – objetos como mediadores do visível e invisível
– objeto etnográfico também é semióforo, e a escolha de um mediador (antropólogo) que o contextualiza e
direciona a memória a ser construída
Coleção Estácio de Lima e Nina Rodrigues: “visão antropológica que marcou o século XIX e repercutiu no
século posterior, baseada em teorias raciais evolucionistas. Os objetos sagrados afro-brasileiros serviam
como indicadores do estágio evolutivo do negro como raça inferior, atrelando-o à criminalidade e a desvios
psíquicos.” (p.64)
Cadeira de Jubiabá (Terreiro Mokambo), apreendida no terreiro do pai de santo quando este ainda estava em
transe. “retirar a cadeira significa destronar o babalorixá, promover a desintegração da comunidade” (p.66)
Repatriação de objetos indígenas: o Manto Tupinambá levado por Mauricio de Nassau para Copenhagen em
1644 representa a relação tensa entre museus etnográficos e os povos de origem. “Museus etnográficos
como fiéis depositários do patrimônio cultural de diversos povos” (p.68)
Para iniciar o procedimento de devolução dos objetos é necessário investigar o contexto de aquisição (roubo,
troca injusta, compra, identificação da comunidade originária, reconhecimento dos herdeiros da comunidade
ou requisitantes, possibilidade de reinserção cultural do objeto ou caráter expositório). Hoje com o
protagonismo das narrativas e visões de mundo plurais que potencializam as pautas da diversidade indígena,
percebe-se o uso da memória como referência ferramenta para a reivindicação, valorização e ressignificação
das agendas de comunidades indígenas e afro-brasileiras
Tais narrativas também podem se reestruturar em momentos de “controvérsias públicas”, como no caso dos
conflitos por repatriação de objetos. Existem posicionamentos contrastantes, favoráveis e contra as
devoluções. Questões de restituição, restrição e direitos são baseadas na “forma como se valora os objetos
musealizados, e configura um dos campos de disputa entre grupos de origem e os detentores dos objetos”
(p.73)
[argumentação contrária da polícia: tombamento etnográfico e a importância da coleção para a memória da
instituição]

Debates acerca da propriedade cultural


 Necessidade de transpor a perspectiva dominante e pensar a propriedade cultural de modo que inclua
considerações negligenciadas e subvalorizadas.
 Passado entendido como percepção (mitos e estórias usadas para reconstruir e transmitir o passado) e
vestígio (artefatos, lugares, monumentos, sítios arqueológicos)
Restituição: retorno dos objetos aos seus locais de origem
Restrição: impedimento do trânsito de propriedade culturais entre países
Direitos dos povos originários sobre seus objetos
Argumentos contrários:
 Caso os objetos não fossem resgatados eles não mais existiriam pois os povos originários não
possuíam recursos para preserva-los
 Alguns objetos, no contexto de sua retirada, foram transferidos em conformidade com as leis da
época
 Valorações distintas entre o sagrado e o patrimonial: Tensões sobre devoluções envolvem a forma
como os objetos são valorados, como o caso da Coleção, são artefatos representativos do sagrado
para o povo originário (valor social) enquanto para o Museu da Polícia eram objetos representativos
da memória da instituição (valor utilitário)
 Humanidade ocidental universalista: retirar os objetos de seus contextos originais sob o pretexto de
unir todos os povos, guardar a memória da humanidade, não havendo diferenças sobre o local onde a
mesma é preservada
 Acesso acadêmico é uma possibilidade de disponibilizar os objetos, da mesma maneira que os
preserva

Argumentos favoráveis:
 Cada povo tem direito àquilo que se produz em seu território, ao seu patrimônio cultural. Perigo da
contra-argumentação: objetos serem incorporados ao imaginário cultural dos colonizadores
 O passado, expresso na propriedade cultural, pertence aos países (povos) de origem. Problema:
distancia cronológica e a legitimidade (seleção de quem deve ser ouvido/atendido)

Nocao de humanidade universalista permeia o contexto em que os objetos sagrados foram apreendidos: a de
categorizar como registro mágico, primitivo, que marcou a identidade nacional, ainda que sob a tentativa de
exterminá-la
Formação da coleção se deu no contexto de não aceitação às religiões de matriz africana, hoje considerado
racismo religioso.
No “mundo dos museus” a legitimidade é definida de fora pra dentro, do mundo dos museus afetando
diretamente os grupos que originalmente possuíam os objetos. Há uma pluralidade de grupos envolvidos,
unidos no consenso de que os objetos precisariam sair do Museu da Polícia

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