No aspecto do desenvolvimento social, o sorriso social das
oito semanas é substituído por riso alto aos quatro meses, fase
em que mostra excitação diante dos alimentos. Por volta dos
sete meses prefere nitidamente a mãe, demonstrando angústia
ao afastamento da mesma. Neste período pode necessitar de
contato visual ou auditivo com a mãe para adormecer. Com dez
meses responde ao som do nome e é capaz d bater palmas e
acenar. Com um ano joga bola de modo rudimentar e imita
gestos de vestir e pentear. Por volta de um ano e meio já é
capaz de queixar-se depois de ter urinado ou evacuado,
podendo-se então iniciar, lentamente, o treinamento esfincte-
riano. Nesta fase, já tenta alimentar-se sozinha, chegando a
manejar bem a colher aos dois anos. Aos três anos joga jogos
simples, e aos quatro inicia a interação social brincando com
várias crianças.
Nos primeiros anos escolares inicia uma vida independente
buscado os padrões de comportamento fora de casa. Neste
período, há grande possibilidade de que pais e filhos experimen-
tem sensações angustiantes de frustração, quando as aquisi-
ções da criança não correspondem às expectativas familiares. O
sentimento de culpa e fracasso que pode surgir pode ser causa
de comportamentos anti-sociais que devem ser corretamente
entendidos, de modo a não justificar atitudes negativas dos pais.
REFRÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Brasil. Ministério da Previdência e Assistência Social, Secretaria de
Assistência Social - Manual para avaliação antropométrica de crianças até
7 anos de idade. Brasília, MAPS/SPR, 1983. 52p.
2. Gomez, F. - Desnutricion. Bol. Méd. Hosp. Infatil Mex, v.3, n.4, p.543-51,
1946.
3. Marcondes, E. - Crescimento normal e deficiente. São Paulo, Sarvier,
1970. (Monografias Médicas, Série Pediatria - Vol. 1). 192 p.
4. Marcondes, E.; Berquó, E.S; Yunes, J.; Martins, J. S.; Levy, M.S.; Hegg, R. -
Estudo antropométrico de crianças brasileiras de 0 a 12 anos de idade. Anais
Nestlé, v.84, 1970. 200 p.
5. Marques, M.M.; Berquó, E.; Yunes, J.; Marcondes, E. - Crescimento de
crianças brasileiras; peso e altura segundo idade e sexo. Influência de fatores
sócio-econômicos. Anais Nestlé, junho, 1974.
6. Martorell, R.; Habichit, J. P.; Yarbrough, C.; Guzman, G.; Klein, R. - The
identification and evaluation of measurement variability in the anthropometry of
preschool children. Am. J. Phys. Anthro., v.43, p.347-52, 1975a.
7. Martorell, R.A.; Lechtig, A..; Habicht, J.P.; Yarbrough, C.; Kifin, F. - Normas
antropométricas de crescimento físico para países em desenvolvimento. Bol.
San. P., v.78, p.525-8, 1975b.
8. Nóbrega, F.J. - Desnutrição intra-uterina e pós-natal. São Paulo,
Panamed, no prelo.
9. Vaughan, V.C.; McKay, R.J.; Nelson, W.E. - Tratado de Pediatria de
Nelson. 11. ed. Rio de Janeiro, Interamericana, 1983.
10. Waterlow, J.C. - Classification and definition of protein caloric
malnutritjon. Geneve, WHO, 1976. (Monograph, n.62, p.530-55).
11. Waterlow, J.C.; Buzina, R.; Keller, W.; Lane, I.M.; Nichaman, M.Z. - The
presentation and use of height and weight data for comparing the nutritional
status of groups of children under the age of 10 years. Bull. WHO, v.55, p.489-
98, 1977.
12. WHO - Food and Nutrition Terminology. Documento Nutr./ 73.2, 1973.
O DESENVOLVIMENTO MOTOR NORMAL
José Salomão Schwartzman
Médico Neurologista Infantil, Doutor em Neurologia Clínica pela
Escola Paulista de Medicina, Professor do Programa de Pós-
graduação em Distúrbios do Desenvolvimento da Universidade
Presbiteriana Mackenzie
Nosso propósito será discutir, aqui, de forma bastante
sumária o desenvolvimento motor que pode ser observado na
criança normal desde o momento do nascimento até o final
do primeiro ano de vida.
Desde o início será necessário esclarecer que, embora o
foco central seja o desenvolvimento motor, não poderíamos
deixar de discutir, ainda que de uma forma bastante simplifi-
cada, alguns aspectos mais globais do desenvolvimento, uma
vez que a interligação entre as várias áreas do desenvolvi-
mento humano é fato absolutamente claro e notório.
Parece-nos que vale a pena, inicialmente, definir alguns
termos que dizem respeito ao assunto em questão e que,
habitualmente, são utilizados de forma equivocada como
sinônimos: desenvolvimento, maturação e crescimento
(Prechtl e Connoly,1981).
Desenvolvimento refere-se ao conjunto de alterações
mais ou menos contínuas na vida de um organismo que
obedece a uma certa seqüência, que são progressivas e
irreversíveis e que podem ocorrer ao nível molecular,
funcional ou comportamental. Estas modificações são idade-
dependentes e consistem de alterações quantitativas e
qualitativas.O desenvolvimento tem características que
permitem a identificação de certas etapas previsíveis para os
organismos de uma certa espécie.
O crescimento e a maturação estão subjacentes ao
desenvolvimento, mas não podem ser com ele confundidos.
O termo crescimento é utilizado, em geral, para se referir ao
aumento em tamanho do organismo ou de partes dele,
enquanto maturidade refere-se ao processo que culmina com
a prontidão para uma certa aquisição ou função.
O desenvolvimento será, em ultima instância, o resultado
final da interação contínua entre potenciais biológicos, geneti-
camente determinados e circunstâncias ambientais. Se imagi-
narmos a grande variabilidade dos padrões herdados e as
diversas circunstâncias psico-sociais que podem estar
presentes em torno de cada um de nós, ficará evidente,
desde logo, que uma das características do desenvolvimento
normal é a sua grande variabilidade. Curiosamente, vemos
freqüentemente afirmações no sentido de que o desenvolvi-
mento obedece a padrões e seqüências rígidas e previsíveis,
de tal modo que indivíduos que se afastam desta "normalida-
de" seriam, necessariamente, portadores de distúrbios ou
disfunções.
Na verdade, embora certas normas estatísticas sirvam
como um padrão de normalidade é preciso sempre levar em
conta esta grande variabilidade possível. Ao contrário da
51
variabilidade, a estereotipia é que pode, muitas vezes, estar
apontando para um desvio (Towen, 1978).
Todas as modificações comportamentais dependem, é
claro, de transformações estruturais do sistema nervoso:
crescimento celular, crescimento e aumento nos axônios e
dendritos, aumento em células gliais, estabelecimento e
modificação de ligações sinápticas etc.
O comportamento foi dividido, com finalidades didáticas e
para facilitar a investigação por Gesell e Amatruda, em quatro
campos: adaptativo, motor, linguagem e pessoal-social.
Knobloch e Pasamanick (1990), por sua vez, subdividiram o
campo do comportamento motor em "grosseiro" e "fino".
Como já havíamos afirmado antes, esta divisão artificial
somente tem aplicação didática, uma vez que a relação e
interdependência entre os cinco campos é notória de tal
modo que anormalidades em um deles, quase que
fatalmente, levará a distorções nos demais.
Outro aspecto que nos parece importante deixar
assinalado é o que se refere às reconhecidas diferenças no
desenvolvimento entre os sexos. Assim é que, em várias
funções, diferenças quantitativas e qualitativas têm sido
encontradas entre meninas e meninos. Apenas como
exemplo poderíamos citar a idade óssea que, em média, é
quatro semanas mais avançada ao nascimento nas meninas;
o desenvolvimento mais rápido em algumas aquisições e
inúmeras evidências de diferenças no processo de
localização de funções corticais. Com relação a esta última,
haveria nas mulheres uma menor especialização hemisférica
para algumas funções tais como a linguagem, percepção
gestáltica-espacial etc. (Archer,1981).
Da mesma forma que, quando falamos em desenvolvi-
mento motor, não podemos deixar de levar em conta os
outros campos do desenvolvimento, toda vez que nos
referimos a atos ou ações motoras, deve ficar subentendida a
sua interdependência com processos e funções sensitivas e
sensoriais.
No estudo do desenvolvimento motor temos que tomar
como ponto de partida não o repertório que pode ser obser-
vado ao nascimento, mas sim toda uma gama de movimentos
que se iniciam já nos primórdios da vida embrionária. O
embrião humano é capaz de se movimentar na 5a. semana
de gestação: o feto responde à estimulação táctil a partir da
8a. semana, e os movimentos fetais podem ser sentidos
nitidamente pela mãe por volta da 12a. semana. A partir desta
época, a combinação de mais de dois movimentos já pode
ser observada tal como deglutição e fechamento da boca ou
movimentos da língua e da boca. Movimentos reflexos podem
ser evocados por volta da 8a. semana pela estimulação oral.
Nesta idade podem ser observados movimentos de afasta-
mento do estímulo tais como flexão do pescoço e tronco na
direção oposta à do estimulo. Por volta da 12a. semana é
evidente o reflexo de deglutição. A partir da 14a. semana, a
estimulação da sola dos pés produz a sua dorsiflexão, aber-
tura dos dedos e flexão do joelho e quadril. Estes reflexos
são dependentes de estruturas espinhais e do tronco
52
cerebral. Na 23a. semana, o feto é capaz de espirrar. Na 24a.
semana, o reflexo da deglutição pode ser evocado pela
estimulação da boca e choro espontâneo já pode ser
registrado na 25a. semana (Willis e Widerstrom,1986). Por
este breve resumo, fica claro que o feto já dispõe, bem antes
do nascimento, de um amplo repertório motor.
Após o nascimento, o bebê apresentará, portanto,
padrões motores que, se observados e convenientemente
interpretados, poderão nos dar uma idéia bastante clara
quanto ao seu grau de maturidade. O profissional que atende
crianças pequenas tem a oportunidade e a obrigação de
avaliar, sempre que possível, o desenvolvimento que elas
apresentam e tentar identificar, o mais precocemente
possível, eventuais desvios.
A identificação precoce dos distúrbios do desenvolvimento
na criança é crucial. A criança precocemente identificada terá
maiores possibilidades de ser encaminhada desde cedo para
os tratamentos mais adequados..Uma família, quando
programa o nascimento de um filho, já se prepara para
despender mais tempo com a criança nos primeiros dois anos
de vida, de forma que, nesta época, já encontraremos, em
geral, uma maior disponibilidade de tempo. Quanto antes os
pais forem informados de uma anormalidade, menos tempo
terão tido de idealizar uma criança normal e perfeita. Em caso
de condições geneticamente determinadas, o aconselha-
mento genético, oferecido logo após o nascimento, poderá
evitar outras crianças afetadas pela mesma condição
(Scrutton, 1984).
Se nos lembramos da definição de saúde adotada pela
OMS, segundo a qual esta seria "um estado de completo bem
estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de uma
doença ou incapacidade", fica evidente que, ao examinarmos
uma criança, não basta que nos contentemos em poder afas-
tar a presença de uma condição clínica anormal. Uma avalia-
ção, ainda que superficial, do desenvolvimento deverá ser
realizada sempre, e algum tipo de investigação neste sentido
deve fazer parte de todo o exame de uma criança. No caso
de alguma dúvida ser levantada, na dependência da expe-
riência do clinico, ele próprio determinará a conduta a ser
tomada ou encaminhará a criança para algum especialista no
campo do desenvolvimento.
Os distúrbios do desenvolvimento motor na criança
podem variar muito no que se refere ao grau de prejuízo.
Assim é que podemos encontrar crianças com francos sinais
clínicos anormais, mas que apresentam um desenvolvimento
normal; crianças com atrasos em algumas aquisições, mas
com padrões normais motores do ponto de vista qualitativo; e
crianças nas quais há alterações qualitativas do movimento.
Entre estas ultimas há, também, a possibilidade de quadros
de severidade variável desde as assim chamadas crianças
desajeitadas até crianças com quadros de paralisia cerebral.
Antes de apresentarmos, de forma mais direta, alguns
critérios e normas para a realização dos exames das
crianças, seria importante lembrar que, se a avaliação do
desenvolvimento deveria fazer parte do exame pediátrico
geral, esta afirmação se aplica de forma muito mais enfática
naquelas crianças consideradas de alto risco para o
desenvolvimento de problemas neurológicos.
Entende-se por grupos de risco aqueles constituídos por
crianças que, por diversas condições clinicas ou ambientais,
têm maior probabilidade de virem a apresentar prejuízos
neuropsicológicos.Entre as condições pré-natais, poderíamos
citar as infecções, particularmente a rubéola, sífilis, toxoplas-
mose, citomegalovírus e a SIDA; as malformações; as
alterações cromossômicas; as alterações cardiocirculatórias
importantes da gestante; a ação de certas drogas; o uso do
álcool etc. Condições perinatais são também importantes:
traumas obstétricos, anóxia, as hemorragias intracranianas, a
hiperbilirrubinemia e o baixo peso de nascimento (Connoly,
1985; Chiswick, 1986). Sabemos que a prematuridade carreia
consigo, particularmente naqueles bebês de muito baixo peso
(igual ou inferior a 1500g), uma alta taxa de mortalidade,
ainda que atendidos em UTIs pediátricas de bom padrão. O
índice de mortalidade nesta população está em torno de 30%,
sendo que, dos que sobrevivem, cerca de 30% apresentará
alguma seqüela neuropsicológica. Dos prematuros, o grupo
de risco maior é aquele constituído pelos bebês pequenos
para a idade gestacional (PIG).
As infecções perinatais se constituem, também, em possí-
veis causas de seqüelas importantes, merecendo particular
atenção os processos meningíticos deste período. Anormali-
dades metabólicas podem também ser identificadas como
possíveis causas de dano cerebral: hipocalcemia, hipogli-
cemia, hipo ou hipernatremia e a hipotermia entre outras.
No que se refere especificamente aos traumas obstétri-
cos, felizmente muito mais raros atualmente do que há
poucas décadas, é importante lembrar da possibilidade de
que, além dos conhecidos efeitos encefálicos, este tipo de
traumatismo pode levar a severos prejuízos neuromotores
por lesões da medula cervical e tronco cerebral. Esta causa,
não infreqüente, porém pouco diagnosticada entre nós,
ocorre, em geral, nos partos vaginais, com apresentação
pélvica e cabeça derradeira.
Causas pós-natais de dano ao SNC, além de algumas já
citadas, seriam os processos infecciosos do SNC fora do
período perinatal, os traumatismos cranioencefálicos, os
estados de mal convulsivo etc.
Crianças oriundas de parcelas marginalizadas pela socie-
dade bem como crianças cronicamente desnutridas podem
ser enquadradas, também, na definição de "alto risco".
É preciso deixar assinalado que, mesmo em casos em
que a presença de um ou mais de um dos referidos fatores
de risco estão presentes, não é possível, a priori, afirmar que
resultarão em prejuízos neuropsicológicos; entretanto, estas
crianças deverão ser seguidas com mais cuidado e
freqüência. Em alguns casos, mesmo na ausência de
manifestações neurológicas definidas, segundo alguns
autores, algumas crianças de alto risco deveriam ser
encaminhadas para programas de intervenção terapêutica.
O exame do desenvolvimento, nesta idade, é uma
avaliação do estado de maturidade da criança e da inte-
gridade funcional do seu sistema nervoso, e vários testes têm
sido utilizados com esta finalidade: a Escala de Desenvolvi-
mento Infantil de Bayley, a Escala Infantil de Cattell, o teste
de Gesell, o teste de Griffiths, o teste de Denver e o Infant
Motor Screen, entre outros (Vietze e Vaughan, 1988). Todos
eles se baseiam em atividades que devem ser realizadas
pelos bebes considerados normais em determinadas idades.
Através deles se chega à um quociente de desenvolvimento.
O teste de Denver tem sido amplamente utilizado em
neonatos para a identificação de possíveis desvios
neuropsicológicos.
O Infant Test Screen foi idealizado para tentar melhorar a
sensibilidade do teste anterior. Serve para identificar crianças
que necessitam de uma avaliação em maior profundidade e
não se presta para estabelecer um diagnóstico de certeza.
Basicamente, o teste consiste de 25 itens que avaliam o tono
muscular, respostas primitivas, reações automáticas e
assimetrias no padrão motor. De acordo com a pontuação
obtida, os resultados são classificados em "normais",
"duvidosos" e "anormais". O teste pode ser aplicado em
apenas 5-10 minutos por examinador experiente.
Exames neurológicos organizados para avaliação
específica deste grupo etário têm sido propostos, como por
exemplo o de Prechtl e Beitema (1964); sugerimos que os
leitores interessados em conhecer melhor o conteúdo e a
forma de aplicação do exame procurem a publicação original.
É preciso deixar claro que, por vezes, não se consegue
determinar, com certeza, se uma criança apresenta uma
anormalidade definida. Nestes casos, é necessária a
realização de exames periódicos, pois desta forma o quadro
acabará por se definir. Outro aspecto a ser esclarecido é de
que, embora a maioria dos testes descritos bem como os
exames neurológicos propostos para neonatos estejam em
uso há bastante tempo, nem sempre seu valor preditivo é
absoluto. Desta forma, é possível que crianças consideradas
anormais nos primeiros exames se desenvolvam de maneira
absolutamente normal e, menos freqüentemente, crianças
com exames inteiramente normais acabem demonstrando,
mais tarde, quadros neurológicos mais ou menos severos.
Qualquer que seja o exame neurológico utilizado em
bebês, é óbvio que ele tem certas peculiaridades que o
distinguem de forma muito clara daqueles utilizados em
adultos ou em crianças mais velhas. Um aspecto absoluta-
mente crucial e que tem que ser levado em conta quando
examinamos uma criança neonata ou com semanas ou
mesmo meses de vida é que há que se considerar o "estado"
em que ela se encontra. Esses estados foram definidos por
Precthl e Beitema (1964) e utilizados e difundidos pelos
trabalhos de Brazelton (1984):
- estado 1: olhos fechados,nenhum movimento
- estado 2: olhos fechados, respiração irregular, sem
movimentos grosseiros
- estado 3: olhos abertos, nenhum movimento grosseiro
53
- estado 4: olhos abertos, movimentos grosseiros, sem choro
- estado 5: olhos abertos ou fechados, choro
- estado 6: outros (descrever)
A observação destes estados é importante na medida em
que certos itens do exame neurológico somente serão
possíveis de serem aplicados em um ou dois deles. O
respeito ao estado em que a criança se encontra é
fundamental, também, para que o exame transcorra da forma
menos invasiva e traumática possível.
Não vamos descrever o exame clinico geral que deverá
ser feito nestas crianças, uma vez que ele obedece às
normas gerais da semiologia clínica pediátrica. Somente
queremos enfatizar a necessidade da inclusão da medida do
perímetro cefálico e a realização da transiluminação do crânio
como itens de rotina.
Os componentes essenciais do exame neurológico do
recém-nascido são a avaliação da postura, tono muscular,
atividade espontânea, resposta à estimulação e a observação
dos reflexos ditos primitivos ou atávicos. Nesta fase, o exame
deve ser feito muito mais na base da observação do que da
manipulação, que deverá ser deixada para o final do exame.
Na criança recém-nascida e mesmo na criança mais velha,
no lactente, por exemplo, a observação é a parte menos
perturbadora e pode prover uma quantidade muito grande de
informações.
A postura adotada pela criança dá informações sobre o
tono muscular de repouso e alguns reflexos. Flexão normal
das extremidades indica a predominância normal do tono
flexor do recém-nascido de termo, enquanto um exagero
nesta postura poderia indicar a presença de hipertonia. Uma
flexão diminuída, a postura da criança como se largada sobre
o berço com os membros inferiores na "posição de rã",
indicaria a presença de hipotonia. É preciso lembrar que o
tono é tão mais baixo quanto mais imatura é a criança, sendo
um parâmetro importante usado, por exemplo, para a
avaliação da idade gestacional (Dubowitz e Dubowitz, 1977).
A postura da criança será fortemente influenciada pelo
reflexo tônico-cervical assimétrico (RTCA) e por outros
reflexos tônico-labirínticos, de forma que estes deverão ser
levados em consideração. O ideal seria que, no momento em
que se examina a criança em vários dos aspectos menciona-
dos, a cabeça esteja mais ou menos centralizada.
Vale a pena uma observação demorada e cuidadosa da
movimentação espontânea: bebês normais, de termo,
apresentam movimentação esporádica, generalizada e
organizada.
O exame do tono deverá ser completado através das
manobras que visam avaliar a resistência aos movimentos e
a extensibilidade da musculatura somática.
Reflexos Primitivos
A criança nasce, como já vimos, com uma série relativa-
mente grande de possibilidades motoras. A maior parte
destes comportamentos motores é representada por reflexos
ditos inatos, primitivos ou atávicos e constitui mecanismos
54
que num primeiro tempo têm como função fornecer uma base
para movimentos, com a finalidade de garantir a sobrevivên-
cia e de facilitar aquisições para a avaliação da integridade
do SNC. A ausência deles, em idades em que deveriam estar
presentes, sua persistência após idades em que deveriam ter
desaparecido e certas características não habituais nas suas
respostas podem indicar um retardo na maturação da criança
ou uma disfunção neurológica (Dileo, 1967).
De modo geral, estes reflexos primitivos estarão
presentes durante os primeiros seis meses de vida. Serão
paulatinamente inibidos à medida em que padrões de
endireitamento e de equilíbrio (também chamados de reflexos
posturais ou automatismos) vão surgindo.
PRIMEIRO MÊS: nesta idade, a atividade motora é em
grande parte a continuação daquela observada no período
fetal. Os reflexos de orientação (dos quatro pontos cardinais)
e de sucção persistem até os três a quatro meses e são
desencadeados pela estimulação da região oral.O reflexo da
preensão palmar, desencadeado pela estimulação da palma
das mãos, na região ulnar, persiste por uns três a quatro
meses e vai sendo substituído, progressivamente, por uma
preensão mais voluntária. O reflexo de extensão cruzada está
presente ao nascimento e persiste até os três a quatro
meses: quando se estimula a sola do pé da criança, há
extensão da perna estimulada e flexão da outra. O reflexo de
Moro, presente desde a idade fetal, é um bom indicativo da
vitalidade da criança. Sua ausência pode indicar importante
depressão do bebê; respostas assimétricas devem levantar a
suspeita de hemi-síndromes por disfunções centrais ou
periféricas (paralisias obstétricas, por exemplo). O reflexo de
Galant, presente até o 2º mês, é pesquisado estimulando-se
a criança nas costas, da região da 12a. costela até a crista
ilíaca, e a resposta esperada é o encurvamento lateral do
tronco. Assimetrias deste reflexo podem ser indicativas de
hemi-síndromes. A resposta de apoio está presente ao
nascimento e persiste por seis a oito semanas; deve
desaparecer inteiramente ate os dez meses de idade.
SEGUNDO MÊS: ainda persiste o tono flexor na posição
prona e supina. Os reflexos de preensão palmar e plantar
ainda estão presentes. O reflexo de Moro é bastante potente.
Por volta desta época, fica mais evidente o RTCA. A rotação
da cabeça da criança (ativa ou passiva) se associa com a
extensão dos membros do lado da face e flexão dos contrala-
terais. Desaparece gradualmente, não sendo mais encontra-
do, em geral, após os cinco meses de idade. A presença do
RTCA de forma muito potente e estereotipada pode ser
indicativa de uma disfunção neurológica em qualquer idade,
da mesma forma que sua persistência além do 6º mês.
TERCEIRO MÊS: começa a se tornar menos evidente o
tono flexor que vai cedendo lugar ao predomínio da muscula-
tura extensora. A atitude da criança é mais simétrica, com a
cabeça sendo mantida na linha média. Já começa a ser
capaz de realizar movimentos mais simétricos dos membros
superiores. Suas mãos ficam abertas a maior parte do tempo
e são objetos de intensa curiosidade por parte da criança que
as observa durante muito tempo. Surge, nesta fase, o reflexo
de Landau que permanecerá por uns dois anos, mais ou
menos. Este reflexo consiste na extensão dos membros
quando se eleva a cabeça e na flexão dos membros em
resposta à flexão da mesma.
SEXTO MÊS: nesta etapa vão desaparecendo as respos-
tas reflexas, de modo que a criança é capaz de movimentos
mais localizados e segmentares. Os reflexos primitivos facili-
tam a aquisição do controle de cabeça, controle postural do
tronco, extensão dos membros, preensão, coordenação olho-
mão; porém, sua persistência vai impedir que estas mesmas
aquisições possam surgir e interferir no desenvolvimento de
padrões motores mais complexos, diferenciados e voluntários
(Dileo, 1967).
Paralelamente ao desenvolvimento das estruturas
neurais, até os seis meses de idade, mais ou menos, vão
surgindo reflexos automáticos como as reações de endireita-
mento e de equilíbrio. As reações de endireitamento, media-
das por estruturas mesencefálicas, surgem no neonato,
porém tornam-se mais ativas por volta do 8º mês. Seguem-
se, logo após, as reações de equilíbrio.
Embora não seja nosso objetivo discutir aqui o desenvol-
vimento dos sistemas sensoriais e sensitivos da criança, não
se pode deixar de chamar a atenção para a evidente impor-
tância que tem seu estudo e os exames destas funções.
Exame do desenvolvimento feito por um não especialista
deverá incluir uma observação e análise dos padrões de
resposta da criança aos estímulos visuais, auditivos e tácteis.
O desenvolvimento motor da criança obedece a algumas
normas gerais: evolui no sentido céfalo-caudal; seus movi-
mentos são, a principio, generalizados, mais ou menos este-
reotipados e reflexos ou automáticos, e vão se tornando cada
vez mais segmentares, complexos, variáveis e voluntários.
O diagnóstico de possíveis disfunções motoras, sejam
isoladas ou parte de uma disfunção mais global do sistema
nervoso, será feito, pois, por dados obtidos na anamnese,
que poderão revelar a presença de um ou de vários daqueles
fatores de risco e que poderão conter informações que
deixam claro que está havendo um atraso ou desvio nas
aquisições motoras. O exame direto com a aplicação de uma
das tabelas de desenvolvimento e uma avaliação neurológica
da criança poderá trazer subsídios relevantes.
Segundo Flehmig (1987), critérios úteis para o reconheci-
mento precoce de variações na evolução motora do lactente
seriam um ou mais dos seguintes:
- alterações posturais ou alterações do tono postural
- reações posturais deficientes ou ausentes
- reações de equilíbrio deficientes ou ausentes
- padrões posturais tônicos persistentes que impedem a
coordenação motora
- assimetrias da postura que excedem as fisiológicas
- retardos evolutivos em todas as áreas ou em aspectos
parciais
- suspeita de transtornos na percepção visual, auditiva, táctil-
cinestésica por deficiência da integração sensorial
Em crianças mais velhas, na dependência da sua idade,
os procedimentos diagnósticos serão mais semelhantes aos
utilizados em pacientes adultos, levando-se sempre em conta
as particularidades do grupo etário estudado.
Nos casos em que fica patente haver um desvio no
desenvolvimento, a criança deverá ser investigada por uma
equipe multidisciplinar, uma vez que teremos que fazer uma
avaliação do desenvolvimento em todas as áreas do compor-
tamento. Poderemos estar frente a uma criança "lenta", na
qual as aquisições motoras vêm se fazendo com um retardo,
em comparação com as normas utilizadas, mas que têm um
desenvolvimento global normal. O atraso motor encontrado
poderá, em outros casos, ser a manifestação de um retardo
mental global, quadro que ter implicações diversas. Naqueles
casos nos quais não é possível estabelecer, num primeiro ou
mesmo segundo contato, um diagnóstico de "normalidade" ou
de "anormalidade", é aconselhável e prudente que se
proponham reavaliações periódicas até que as eventuais
dúvidas possam ser esclarecidas. No caso de um clínico sem
a suficiente experiência no campo da avaliação do
desenvolvimento, a dúvida quanto à integridade da criança já
justificaria o encaminhamento ao especialista.
A constatação de que uma criança não vem seguindo os
padrões considerados normais do desenvolvimento motor
indica a necessidade de uma série de investigações
adicionais no sentido de se estabelecer qual a severidade do
comprometimento, que outras funções estão.eventualmente
comprometidas e a etiologia do quadro.
Faz parte do procedimento diagnóstico a realização de
exames para-clinicos variados. Não caberia aqui discorrer
sobre todos eles, sequer sobre um protocolo "de rotina" a ser
seguido, uma vez que, em cada caso, as peculiaridades
observadas é que indicarão os exames a serem realizados.
É importante deixar assinalado que, feito um diagnóstico
e, mesmo naqueles casos em que a etiologia do processo foi
estabelecida, nem sempre será possível oferecer um
prognóstico seguro, pois o resultado final a ser obtido pela
criança depende de tantas variáveis que seria imprudência
tentar estabelecer prognósticos muitos definidos desde o
início. Com o evoluir do caso, com a resposta aos tratamen-
tos propostos e com exames de reavaliação, irá ficando cada
vez mais claro o potencial global daquela criança.
Fato que merece ser bastante enfatizado refere-se à
importância do diagnóstico precoce dos distúrbios do
desenvolvimento da criança, pois permitirá o encaminhamen-
to para o tratamento mais indicado numa etapa em que a
criança tem maiores possibilidades de responder favoravel-
mente aos estímulos ambientais oferecidos.
REFERÊNCIAS BILBIOGRÁFICAS
1. Archer, J. - Sex differences in maturation:biological and psychological
perspectives. In: Connoly, K.J..e Prechtl, H.F.H. - Clinics in Developmental
Medicine. v.77/78, 1981.
2. Brazelton, T.B. - Neonatal behavioral assesment scale. 2a. ed. Clinics in
Developmental Medicine. v.88, 1984.
55
3. Chiswick, M.L. - Perinatal hazards and neurodevelopmental handicap. In:
Gordon, N. e McKinley, I. - Neurologically sick children: treatment and
management. London, Blackwell Scientifc Publications, 1986.
4. Connoly, B.C. - Neonatal assesment: an overview. Phys. Ther., v.65:1505-
13,1985.
5. Dileo, J.H. - Developmental evaluation of very young infants in excepcional
infant. In: Brunner, H. e Mazel, J. - The normal infant. New York, 1967.
6. Dubowitz, L.M.S. e Dubowitz, V. - Gestacional age of the newborn: a
clinical manual. California, Addison-Wesley, 1977.
7. Frankenburg, W.K. - Denver Developmental Screening Tests. J. Pediatr.,
v.71, p.181-91, 1967.
8. Flehmig, I. - Desenvolvimento normal e seus desvios no lactente. Rio de
Janeiro, Atheneu, 1987.
9. Knobloch, H. e Pasamanick, B. - Diagnóstico evolutivo do
desenvolvimento. Rio de Janeiro, Atheneu, 1990.
10. Obrzut, J.E. e Hynd, G.W. - Perspectives in neurolinguistics,
neuropsychology and psycholinguistics. New York, Academic Press, 1986.
11. Prechtl, H.F.R. e Beitema, D. - The neurological examination of the full term
newborn infant. Clinics in Developmental Medicine. v.12, 1984.
12. Precthl, H.F.R. e Connoly, K.J. - Maturation and development: an
introduction. Clinics in Developmental Medicine. v.77/78, 1981.
13. Schwartzman, J.S. - O diagnóstico precoce dos distúrbios do
desenvolvimento motor na criança. In: Bruschini, S. - Ortopedia pediátrica.
Rio de Janeiro, Atheneu, 1993.
14. Scrutton, D. - Management of the motor disorders of children with cerebral
palsy. Clinics in Developmental Medicine. v.90, 1984.
15. Touwen, B. - Variability and stereotipy in normal and deviant development.
Clinics in Developmental Medicine, v.67, 1978.
16. Vietze, P.M. e Vaughan Jr., H.G. - Preface. In: Vietze, P.M. e Vaughan Jr.,
H.G. - Early identification of infants with developmental disabilities.
Philadelphia, Grune and Straton, 1988. 422p.
DESENVOLVIMENTO DO
ESQUEMA CORPORAL
Ceres Alves de Araujo
Psicóloga, Professora do Curso de Pós-graduação em Psicologia
Clínica da PUC/SP
Nas décadas de 70 e 80, muito se narrou e se discutiu a
respeito do esquema corporal. Foi a época da introdução da
importância do corpo na psicologia. Os estudos a respeito da
psicomotricidade ajudaram a categorizar a experiência corporal e
relacionaram o uso do corpo no espaço e no tempo à noção do
próprio espaço interno. As teorias sobre o desenvolvimento
definiram o lugar do corpo na elaboração da personalidade.
Atualmente pouco se fala a respeito do esquema corporal.
Possivelmente porque a importância da experiência corporal nos
processos de estruturação do eu já está bem esclarecida. Hoje,
as discussões a respeito do complexo cérebro-mente, tema mais
atual, englobam as representações corporais.
O desenvolvimento humano
Para se discorrer a respeito da evolução da noção do
esquema corporal é necessário situá-la no processo global do
desenvolvimento humano, que é um processo contínuo que se
inicia no ato da concepção e que termina com a morte. Este
processo transcorre através de etapas ordenadas.
56
As primeiras etapas do desenvolvimento humano são fixas e
invariáveis. São determinadas pelo processo vital biológico,
incluída neste processo a dinâmica psíquica de base. As
primeiras etapas repetem o mesmo obrigatório, o padrão típico,
característico da espécie humana.
As etapas posteriores são progressivamente mais
complexas, sendo determinadas pela predisposição biológica,
somada à predisposição psíquica e somadas à circunstanciali-
dade envolvente. Estas etapas criam a história existencial única
do ser humano, garantindo sua individualidade.
O processo do desenvolvimento psicológico pode ser
pensado, segundo Jung (1981), como o processo do vir a ser da
personalidade. É constituído por duas fases: a fase do cresci-
mento e a fase do envelhecimento. Na primeira, o ser humano
se diferencia, se afirma, desenvolve seu papel profissional, seus
papéis familiares e sociais. Ele se ajusta às pressões e
exigências para a adaptação ao mundo externo. A segunda fase
caracteriza-se pelo redirecionamento da energia psíquica no
sentido de buscar em si o sentido da própria existência.
O eu corporal é o substrato dobre o qual se edifica a
personalidade e é a referência constante ao longo da vida da
noção da própria identidade. A noção do esquema corporal sofre
transformações ao longo de todo o processo do
desenvolvimento.
A experiência corporal: definições
A experiência internalizada a respeito do próprio corpo
engloba o esquema corporal, os valores atribuídos ao corpo, os
conceitos corporais adquiridos e a noção da imagem corporal.
O esquema corporal pode ser definido como a experiência
do corpo em relação ao meio, a qual determina a construção de
esquemas, que passam a funcionar como estruturas internas.
Pieron (1968) considerou o esquema corporal como a
organização das sensações relativas ao próprio corpo em
relação às informações do mundo externo. Vayer (1973) definiu
esquema corporal como o conhecimento imediato e constante
do corpo, conhecimento esse que permite a experimentação e a
diferenciação do indivíduo.
O corpo pode ser considerado o ator nas relações que
estabelece com o mundo. Ele é investido de significados,
sentimentos, valores absolutamente pessoais. As experiências
de prazer e desprazer, êxito e fracasso são sempre vivências
corporais que vão paulatinamente investindo o corpo de valores
positivos e negativos.
O descobrir das funções corporais e o nomear das diferentes
partes do corpo determina o conhecimento intelectual do corpo,
o qual pode ser caracterizado como uma noção topográfica. Tal
conhecimento contribui para a integração da imagem corporal.
A imagem corporal pode ser definida, segundo Vayer (1984)
como o resultado de toda a atividade cinética, como a síntese de
todas as informações, estímulos e reações que permitem a
diferenciação do mundo interno e do mundo externo. Com a
integração da imagem corporal, o ser humano passa a ser, de
fato, sujeito da sua existência. O desenho da figura humana em
crianças, ainda com características de espontaneidade, mostra a