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Arq Med Hosp Fac Cienc Med Santa Casa São Paulo
2008; 53(2):64-76
Lygia de Souza Lima Lauand(1), Edson Braga de Souza Junior(2), Benedito Juarez Andrade(3),
Sandra Regina Schwarzwälder Sprovieri(4)
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Lauand LSL, Souza Junior EB, Andrade BJ, Sprovieri SRS. Contribuição da interpretação da radiografia simples de tórax na sala de emergência. Arq Med
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mento muito curto, cerca de um milhão de vezes me- suas estruturas, desde a pele até as mais profundas.
nor do que um milímetro, aproximadamente a distân- Limites: A caixa torácica é delimitada superior-
cia que separa um átomo de outro num sólido1. Atin- mente pela abertura superior do tórax, constituído
gido por um feixe de raios X, um corpo opaco trans- posteriormente pela primeira vértebra torácica, ante-
mite e absorve a radiação de maneira diversa, de acor- riormente pela borda superior do esterno e lateralmen-
do com as características dos materiais que o formam. te pelas primeiras costelas e suas cartilagens. Inferior-
Atrás do objeto examinado coloca-se a tela sobre mente o tórax é delimitado por sua abertura inferior,
a qual será feito o registro da imagem, podendo ser fechada pelo diafragma e constituída por T12, 12ª cos-
tanto um filme fotográfico sensível à radiação X como telas, seis cartilagens costais inferiores e pela articula-
uma placa de material que, atingido pelos raios X, ção xifoesternal2.
emita luz. Se uma parte do corpo em exame for mais Compartimentos torácicos: A cavidade torácica
espessa ou mais absorvente para os raios X, estes vi- pode ser dividida em um compartimento mediano,
rão a faltar nessa região, produzindo na tela uma som- chamado mediastino, e dois laterais, constituídos pe-
bra que assinala essa heterogeneidade. Os ossos, por las pleuras e pulmões. O mediastino, por sua vez, é
exemplo, contêm cálcio e são, portanto, muito mais dividido em superior e inferior, sendo o último sub-
opacos à radiação que as partes musculares. dividido em anterior, médio e posterior3. O mediastino
Os “Raios-X” foram descobertos em 1895 pelo fí- superior é limitado anteriormente pelo manúbrio
sico alemão Wilhelm Conrad Roentgen, reitor da Uni- esternal e posteriormente pelas quatro primeiras vér-
versidade Wurzburg na Alemanha, ao realizar um tebras torácicas, sendo composto pelo timo, grandes
experimento com um tubo de raios catódicos criados veias, grandes artérias, traquéia, esôfago, ducto
anos antes pelo inglês William Crookes1. Este era um torácico e troncos simpáticos. O mediastino inferior é
tubo de vidro dentro do qual um condutor metálico limitado anteriormente pelo corpo do esterno e pos-
aquecido emitia elétrons, então chamados raios teriormente pelas oito vértebras torácicas inferiores.
catódicos, em direção a outro condutor. Roentgen li- A sua porção anterior contém o timo, na parte média
gou o tubo de raios catódicos e percebeu que uma placa está o coração dentro do pericárdio, com os nervos
de platino cianeto de bário, um material fluorescente, frênicos de cada lado e o início dos grandes vasos, e
colocada próximo ao tubo brilhou, voltando ao seu na parte posterior encontram-se o esôfago, ducto
estado inicial ao desligar o aparelho1. O físico perce- torácico, parte descendente da aorta, veias ázigo e
bera que “algo” saía do tubo em direção ao platino hemiázigo, veia cava inferior, troncos simpáticos, ner-
cianeto, e continuou a investigar. vos intercostais e nervos esplâncnicos maior e menor3.
Em 22 de dezembro de 1895, Roentgen fez a radi-
ação atravessar por 15 minutos a mão de sua mulher
Bertha, atingindo, do outro lado, uma chapa fotográ-
fica. Revelada a chapa, viam-se nela as sombras dos
ossos de Bertha na primeira radiografia da historia1.
Roentgen decidiu então chamar os raios de “X”, sím-
bolo usado em ciência para designar o desconhecido.
As radiografias de tórax foram uma das primei-
ras utilizações clínicas desta técnica e continua, ainda
hoje, a ser um dos exames mais solicitados. O método
é capaz de fornecer grande quantidade de informa-
ções anatômicas e fisiológicas, porém sua interpreta-
ção objetiva muitas vezes é difícil, uma vez que varia-
ções da técnica, idade e status fisiológico do paciente
podem influenciar sua avaliação.
Figura 1. Radiografia de tórax normal em AP apontando as
O objetivo deste trabalho é rever conceitos funda- principais estruturas anatômicas identificáveis. VC – Veia
mentais para a interpretação da radiografia simples Cava Superior; AE – Átrio Esquerdo.
de tórax, além da apresentação de algumas situações
no atendimento de emergência onde o exame pode Cissuras e Lobos Pulmonares: O pulmão direito
fornecer informações de grande valia. possui duas cissuras (oblíqua e horizontal) que o di-
videm em lobos superior, médio e inferior. O pulmão
Anatomia do Tórax esquerdo possui somente uma cissura (oblíqua) que o
divide em lobos superior e inferior4.
Para uma interpretação adequada da radiografia Segmentos pulmonares: Por sua vez, cada lobo
de tórax é necessário que sejam consideradas todas as pulmonar é subdividido em segmentos. É necessário
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1. Em uma boa radiografia, os pulmões não devem caracterizado pelo apagamento do contorno de uma
estar completamente escurecidos. Deve-se estrutura que deixou de estar em contato com outra
visualizar a sombra da coluna vertebral apenas em de densidade diferente8. As bordas direita e esquerda
suas porções superiores (até dois corpos vertebrais do coração e a aorta ascendente são anteriores, enquan-
abaixo da projeção da clavícula) e os vasos do hilo to que o botão aórtico e aorta descendente são poste-
pulmonar devem ser facilmente identificáveis6. riores.
2. O ideal é que o exame seja realizado em apnéia Assim, o borramento da borda direita do coração
inspiratória máxima. Quando o exame é feito nes- significa que há comprometimento do lobo médio di-
ta condição, podem ser visualizadas de 9 a 11 cos- reito (LMD), que está em contato anatômico com esta
telas posteriores projetando-se sobre os campos estrutura8. Isso acontece da mesma forma com o aco-
pulmonares6. metimento do segmento anterior do lobo superior di-
3. Para que o exame esteja bem centrado, as bordas reito (LSD), que também está próximo da borda car-
mediais das clavículas devem estar eqüidistantes díaca direita, além de se relacionar com a aorta ascen-
do centro da coluna (processos espinhosos). Além dente. Quando há uma condensação na mesma loca-
disso, as escápulas não devem se sobrepor às ima- lização, mas sem perda da definição do contorno car-
gens pulmonares. díaco, a lesão é de lobo inferior que tem localização
O terceiro passo - Não existe uma forma única posterior. Do lado contra lateral, a língula tem posi-
para a interpretação da radiografia simples de tórax, ção muito semelhante ao lobo médio direito, manten-
porém uma sistematização da avaliação é sempre re- do contato direto com a maior parte da borda esquer-
comendada, com o intuito de evitar o esquecimento da do coração. A porção superior da borda cardíaca
de algum item a ser observado. esquerda está em contato com o segmento anterior do
É sugestão dos autores começar pela parte supe- lobo superior esquerdo (LSE), enquanto o segmento
rior do abdômen, seguir para a caixa torácica (partes apical posterior do LSE está em contato com o botão
moles e ossos), depois para as estruturas do medias- aórtico (Figura 8).
tino, pulmão, pleura e seios costofrênicos e diafrag-
ma6. Cada pulmão deve ser observado individualmen-
te e, a seguir, comparado entre si em busca de
assimetrias.
A interpretação da radiografia simples de tórax é
realizada com a identificação das estruturas radiográ-
ficas do tórax através das diferentes densidades de
acordo com o tecido irradiado. A apresentação da ima-
gem radiográfica de acordo com o tipo de tecido irra-
diado é descrita na tabela 1.
Os contornos do mediastino e do diafragma tor- Figura 8. A figura A mostra uma pneumonia de lobo médio
nam-se radiologicamente visíveis devido a seu con- direito, com borramento da margem cardíaca (Sinal da Silhu-
traste com o pulmão aerado contíguo. eta), e a figura B uma pneumonia de lobo inferior esquerdo,
O coração, a aorta e o sangue apresentam densi- com a manutenção da nitidez do contorno cardíaco.
dade intermediária, da mesma forma que o pulmão
doente, sem ar. Assim, duas estruturas distintas, mas O mesmo raciocínio pode ser utilizado nas ima-
com a mesma densidade, estando em contato direto gens em perfil, onde é possível a identificação do dia-
não podem ser diferenciadas. fragma direito em sua totalidade e apenas a metade
A borda cardíaca ficará mal definida se houver posterior do diafragma esquerdo. A parte anterior do
contato anatômico do coração com a condensação de diafragma esquerdo está naturalmente apagada de-
uma pneumonia, com tumores mediastinais ou der- vido ao contato anatômico com o coração (a apresen-
rame pleural. Esse é o chamado Sinal da Silhueta, tação normal dos diafragmas em perfil é mostrada na
Tabela 1
Apresentação da imagem de acordo com o tecido irradiado
Tecido irradiado Densidade
Ar Hipoatenuante
Gordura Atenuação intermediária (menor que a água)
Tecidos não gordurosos e fluidos corporais como o sangue Atenuação intermediária (maior que a água)
Ossos e corpos metálicos Hiperatenuante
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figura 9). Vasos pulmonares ou coxins gordurosos do decorrente de obstrução, compressão ou contra-
pericárdio podem apagar uma pequena parte do con- ção7,9,23,24,25. O deslocamento das cissuras em direção à
torno cardíaco e pacientes normais podem apresentar área colapsada, o aparecimento de brônquios e estru-
o sinal da silhueta8. turas vasculares aglomeradas e a mudança de posi-
ção de uma “estrutura de referência” (um nódulo,
granuloma, etc.) são sinais diretos de colapso. O des-
locamento do hilo pulmonar (o esquerdo é natural-
mente mais alto que o direito, portanto a alteração de
seu nível pode indicar colapso pulmonar), a elevação
do diafragma do lado lesado e o deslocamento de es-
truturas mediastinais para o lado da lesão são sinais
indiretos do colapso7,9. Carcinoma broncogênico, cor-
pos estranhos, doenças inflamatórias, compressão
(aneurisma, linfonodos aumentados, tumores
mediastinais, cardiomegalia), presença de secreções e
a cicatrização de processos inflamatórios crônicos,
como silicose, podem causar colapso pulmonar (Fi-
gura 11).
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presença de uma ou mais imagens opacas, algo homo- plasmose. São causas também a sarcoidose, pneumo-
gêneas, causando apagamento dos vasos pulmonares, conioses, como a silicose e algumas neoplasias.
com pequena ou nenhuma perda de volume10. Os con-
tornos das opacidades são mal definidos, exceto no
ponto de contato com a pleura, sendo possível a identi-
ficação de broncogramas aéreos (figura 12)7,10. As prin-
cipais doenças que cursam com padrão acinar na radi-
ografia simples de tórax estão listadas na tabela 2.
Tabela 2
Principais causas de padrão alveolar à radiografia
simples de tórax
AGUDAS CRÔNICAS
Pneumonias bacterianas Infecções (tuberculose;
fungicas).
Tuberculose Sarcoidose
Edema agudo pulmonar Neoplasias
Hemorragias Colagenoses
Tromboembolismo pulmonar Proteinose alveolar
Silicose
O interstício é uma rede de tecido conectivo que Figura 14. Radiografia simples de tórax de paciente com in-
dá suporte aos pulmões e normalmente não é visível suficiência cardíaca descompensada, mostrando infiltrado
na radiografia simples de tórax10. Compreende as pa- intersticial com padrão reticular, além de aumento da artéria
redes de brônquios e alvéolos, além dos septos pulmonar visto à esquerda, e apontada pela seta. A região
delimitada pelo quadrado mostra opacidade intersticial e
interlobulares e do tecido que acompanha brônquios
velamento do seio costofrênico.
e vasos pulmonares. Na avaliação das doenças
intersticiais é importante observar a perda da
dicotomização vascular habitual por alteração da ar- O padrão reticulonodular é o mais freqüente dos
quitetura do interstício. Várias doenças podem cau- três, caracterizando-se por uma mistura dos dois pri-
sar alterações intersticiais (doenças intersticiais), que meiros padrões, com micronódulos associados a opa-
se manifestam como micronódulos, opacidades cidades lineares7. Pode ser encontrado em pneumo-
reticulares ou alterações retículo-nodulares7. conioses, infecções, pneumopatias intersticiais e
O padrão micronodular é decorrente de múltiplos neoplasias.
nódulos medindo de 1 a 5 mm, que podem se tornar A densidade pulmonar diminuída pode ser re-
coalescentes, ocorrendo devido à expansão do inters- sultante de hiperinsuflação obstrutiva sem destruição
tício de maneira quase esférica secundária a presença pulmonar, como na asma; no aumento do volume de
de infiltrado celular, tecido fibroso ou ambos7. As prin- ar associado à diminuição de sangue no tecido, como
cipais causas deste padrão são doenças infecciosas, no enfisema pulmonar; e na redução do volume de
como a tuberculose miliar, pneumocistose e a histo- sangue, na ausência de hiperinsuflação, como no
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tromboembolismo pulmonar (figura 15 mostra área expansibilidade pulmonar (ascite, cirurgias abdomi-
de densidade pulmonar diminuída em um caso de nais, decúbito, etc.)11.
tromboembolismo pulmonar)7.
Derrame pleural
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Dissecção de aorta
Pneumotórax
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Figura 21. Radiografia de tórax em AP mostrando em A acentuação da trama vascular em ápices e até a periferia. É possível ver
também um aumento do tronco da artéria pulmonar. Em B é possível a visualização não apenas da alteração vascular, mas
também o aumento da área cardíaca e um derrame cisural à direita. E em C caso mais grave de congestão pulmonar com aco-
metimento alveolar.
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Embolia pulmonar
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Figura 27. Radiografia de tórax em AP mostrando três casos de tuberculose pulmonar. Em A é possível a visualização de um
infiltrado micronodular em um caso de tuberculose miliar, em B é visto infiltrado alveolar em ambos os ápices pulmonares,
com áreas de cavitação e estrias fibróticas, e em C presença de infiltrado em ápice direito com grandes áreas cavitadas e redu-
ção de volume com desvio de estruturas para aquela região. As setas apontam áreas de cavitação.
Pulmão urêmico
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