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RESUMO ACNE

A acne vulgar é uma enfermidade inflamatória da unidade pilossebácea da


pele, caracterizada inicialmente pela presença de um cômedo, comedão ou
“cravo”. Essa estrutura ocorre pela obstrução do orifício de saída da unidade
pilossebácea, com acúmulo de secreções, restos celulares e algumas vezes
um ácaro: o demodex foliculorum. A acne ocorre mais frequentemente em
jovens e adolescentes, sendo possível caracterizá-la como fisiológica em
muitos casos pela frequência com que ocorre nessa faixa etária1. Estes dois
dados - inflamação com origem comedoniana e faixa etária jovem -
envolvem as principais características clínicas da acne. Estima-se que 80% da
população sofre de algum tipo de acne durante a vida.

A acne é, frequentemente, uma manifestação temporária da puberdade,


correlacionando-se mais com a idade puberal do que com a idade
cronológica. Entretanto pode acompanhar o indivíduo até os 30 anos de
idade, especialmente no sexo feminino. O comprometimento severo é mais
comum no sexo masculino. Vários são os fatores que influenciam a gravidade
do quadro e o seu surgimento. Porém a elevação da carga hormonal com as
modificações características da pele são os principais responsáveis. É
possível que a acne possua componente genético na conformação do
folículo, facilitando a obstrução. A severidade das lesões é variada, desde
cômedos isolados até nódulos dolorosos e cicatrizes deformantes, o que
justifica a procura dos pacientes e a preocupação do médico.
De modo geral o tratamento clínico da acne é baseado na tipologia da
afecção e no seu grau de acometimento. Podendo então, o seu tratamento
envolver medidas higiênicas e profiláticas, até o uso de medicamentos orais
e tópicos, realização de cirurgia, tratamento estético e alternativo (LIMA,
2006; MANFRINATO, 2009). Neste contexto o presente estudo teve como
objetivo realizar uma revisão de literatura sobre a acne, destacando a sua
tipologia e as suas diferentes formas de tratamento clínico.

ETIOLOGIA/FISIOPATOGENIA

A etiologia da acne ainda não é bem clara. O processo inflamatório se inicia


nas unidades pilossebáceas, que consistem em glândulas sebáceas, ductos e
folículos pilosos rudimentares, encontrados na face, no tórax superior e na
região superior das costas. Os folículos da epiderme, nos pacientes com acne,
ficam esticados por causa da queratinização anômala, sob a influência de
andrógenos. Isso faz com que o folículo se torne mais suscetível a formar um
rolhão. Sob estimulação androgênica, glândulas sebáceas excretam grande
quantidade de sebo no folículo, que se torna colonizado por bactérias da flora
normal da pele, entre elas o Propionibacterium acnes, que é um anaeróbio
gram-positivo. Essas bactérias contêm lipases que degradam as triglicérides
do sebo, liberando ácidos graxos e glicerol, o que desencadeia uma intensa
resposta inflamatória, associada com a produzida pelas próprias toxinas
bacterianas locais. Alguns fatores podem contribuir para o aparecimento ou
a piora da acne. Entre eles citamos: fase progestogênica do ciclo menstrual,
uso de anticoncepcionais androgênicos, doença dos ovários policísticos,
excesso de testosterona, derivados de origem gonadal ou da suprarrenal e
pró-patologias presentes nas mesmas. O sulfato de deidroepiandrosterona é
o principal hormônio androgênico adrenal responsável pelo aparecimento de
pêlos pubianos e axilares, seborreia, odores axilares, acne e fenômenos de
adenarca ou pubarca em adolescentes.

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

O diagnóstico da acne é clínico e se estabelece por uma mescla de lesões


localizadas principalmente na face, no dorso e no tórax. As lesões devem ser
caracterizadas pela presença do cômedo, que pode ser fechado, com
aspecto esbranquiçado, geralmente medindo de 1 a 2mm; ou aberto, de cor
enegrecida devido à oxidação das gorduras e aumento da deposição de
melanina por atividade dos melanócito Pápulas eritematosas e sólidas com
até 1cm de diâmetro podem ocorrer ao redor dos cômedos, o que indica
atividade inflamatória da doença, podendo evoluir com a formação de
pústulas circunscritas de até 1cm de diâmetro (Figura 2). Cistos, nódulos e
abscessos correspondem a uma fase avançada da acne, tendo tamanhos
variados. Esses frequentemente drenam secreção purulenta e deixam
cicatrizes, que podem ser uma consequência natural das lesões inflamatórias,
ou o resultado da manipulação das lesões pela destruição das células
germinativas localizadas na região mediana do folículo. Além do período da
adolescência, a acne pode ocorrer também em outras fases da vida. A ação
dos andrógenos maternos nas primeiras seis semanas de vida é responsável
pela acne neonatal. A acne infantil é mais comum em meninos e se inicia
entre o terceiro e sexto mês de vida, pelas secreções precoces de andrógenos
gonadais. A acne do adulto é mais frequente em mulheres (acne da mulher
madura), sendo uma continuação da acne da adolescência ou tendo início na
idade adulta. Na acne da mulher madura o quadro se exacerba com o ciclo
menstrual e pode estar associado a outros sinais de hiperandrogenismo,
como seborreia, acne, hirsutismo e alopecia. Outras variantes incluem a acne
escoriada, fundamentalmente de origem neurótica ou psicótica; a acne
estival ou do verão, que ocorre após a exposição solar, e a acne cosmética,
decorrente do uso de produtos tópicos oclusivos.
CLASSIFICAÇÃO DA ACNE

A acne é constituída por um conjunto de lesões, as quais, isoladas ou em


conjunto, definem o tipo e gravidade da acne.

Comedão – surge em consequência da hiperceratose de retenção no folículo


pilo-sebáceo. De início fechado, manifesta-se como pequeno grão miliar,
levemente saliente na pele sã. Quando o orifício folicular se dilata passa a
comedão aberto, tomando o aspecto de «ponto negro». É a lesão elementar
e primária da acne;

• Pápula – surge como área de eritema e edema em redor do comedão, com


pequenas dimensões (até 3 mm);

• Pústula (ou borbulha) – sobrepõe-se à pápula, por inflamação da mesma e


conteúdo purulento;

• Nódulo – tem estrutura idêntica à pápula, mas é de maiores dimensões,


podendo atingir 2 cm;

• Quisto – grande comedão que sofre várias rupturas e recapsulações;


globoso, tenso, saliente, com conteúdo pastoso e caseoso;

• Cicatriz – depressão irregular coberta de pele atrófica, finamente


telangiectásica, resultante da destruição do folículo pilo-sebáceo por reação
inflamatória.
DIAGNÓSTICO

É basicamente clínico.

A) História clínica:

• idade inicial do aparecimento das lesões;

• uso de medicamentos; • atividades e/ou exposição ocupacional;

• doenças dermatológicas prévias;

• em mulheres: ciclo menstrual;

B) Exame físico:

• tipo de lesão;

• extensão do envolvimento e gravidade;

• hirsutismo;

• acantose nigricans.

C) Exames laboratoriais:

dosagens sanguíneas não são rotineiras, a não ser que haja suspeita de
doença metabólica ou neoplásica, como síndrome dos ovários policísticos,
hiperplasia adrenal congênita de início tardio e tumores adrenal e ovariano.
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

A) Foliculite: processo inflamatório/infeccioso, geralmente causado pelo


estafilococo;

B) foliculite por gram-negativos;

C) rosácea;

D) verruga plana: de caráter não-inflamatório e que pode acometer todo o


rosto;

E) adenoma sebáceo (esclerose tuberosa);

F) miliária rubra;

G) dermatite perioral: causada pelo uso de corticoterapia fluorada tópica de


uso prolongado;

H) hidradenite supurativa;

I) doença de Favre-Racouchout;

J) sífilis secundária, com presença de pústulas na face, em adolescentes,


dispostas em aspecto numular, com adenopatia satélite.
MITOS E REALIDADES

Na sociedade atual estão amplamente difundidos vários conceitos erróneos


sobre a acne. Transmitem-se de pais para filhos, circulam entre amigos e
colegas e são veiculados através de publicações não científicas. Dieta de uma
maneira geral, a comunidade dermatológica não valoriza a relação entre a
acne e alguns tipos de alimentos (Quadro III), como o chocolate, os frutos
secos, os fritos e a fastfood. Nos últimos trinta anos, a ausência de estudos
científicos credíveis sobre este assunto não permite, com segurança, afirmar
ou refutar o efeito da dieta na etiologia ou agravamento da acne. No entanto,
o contraste entre a prevalência desta patologia nas sociedades ocidentais
industrializadas comparativamente à das sociedades menos desenvolvidas
sugere que o tipo genérico de dieta pode ser um fator ambiental a considerar.
Adicionalmente, foi demonstrado que a ingestão de alimentos com carga
glicémica elevada (ricos em cereais refinados e açúcar) conduzem a
hiperinsulinemia, a qual, por sua vez, desencadeia uma cascata de
fenómenos endócrinos que podem estar implicados na patogênese da acne.
Mais recentemente, foi observada uma associação positiva entre o consumo
total de leite e seus derivados durante a adolescência e o desenvolvimento
da acne em mulheres jovens. Atividade Sexual/Estilo de Vida – As alterações
ao nível das hormonas sexuais próprias da puberdade estão implicadas na
patogênese da acne, mas não a prática sexual (Quadro III). O estilo de vida do
adolescente (discotecas, poucas horas de sono, falta de atividade ao ar livre)
é muitas vezes invocado pelos pais como causa da acne e utilizado para
justificar a penalização destes comportamentos. Período Menstrual – O
diâmetro de abertura do folículo pilo-sebáceo diminui dois dias antes do
início de período menstrual, condicionando a redução do fluxo do sebo para
a superfície, o que pode explicar o agravamento pré-menstrual da acne. Este
efeito parece ser mais frequente nas mulheres mais velhas (> 33 anos). Stress
– A relação causal entre o stress emocional e a acne é invocada desde há
longa data. Recentemente, dois estudos mostraram uma correlação
fortemente positiva entre o agravamento da acne e a existência de níveis
elevados de stress durante o período dos exames escolares. Por outro lado,
demonstrou-se que os sebócitos humanos expressam receptores funcionais
para vários neuromediadores. Higiene e Cosméticos –Ainda persiste a ideia
de que a acne está associada a higiene deficiente. As lavagens frequentes e
intempestivas podem ser traumatizantes levando ao agravamento da acne
(Quadro III) e, no caso de utilização de retinóides, contribuir para a irritação
cutânea. Os estudos existentes não permitem concluir sobre a influência da
falta de higiene ou da utilização de produtos de limpeza específicos na
evolução da acne1 A utilização de emolientes está indicada nos casos de
secura cutânea ou irritação secundária aos tratamentos tópicos. O recurso a
maquilhagem e a técnicas de camuflagem, desde que os produtos sejam não
comedogénicos, não está contra-indicado. Exposição Solar – Apesar de
alguns doentes referirem melhoria transitória das lesões da acne após
exposição solar, não existe evidência científica convincente do benefício da
radiação ultra-violeta19 (Quadro III). Está aparente melhoria pode ser
atribuída ao efeito placebo ou à camuflagem pelo bronzeamento32

ESTUDO HORMONAL NA ACNE

Estando a acne sob influência hormonal androgênica, o estudo hormonal


circunstanciado, sobretudo na mulher, apenas se justifica em determinadas
situações. São indicações para se proceder a estudo hormonal:

• Início precoce ou tardio (>20-22 anos);


• Início súbito, sobretudo quando é intenso e não há história familiar;
• Acne resistente aos tratamentos convencionais;
• Acne redicivante;
• Agravamento pré-menstrual intenso;
• Existência de alterações hormonais, em especial oligomenorreia e
amenorreia (regularidade menstrual não exclui anomalia adrenal);
• Menarca tardia (hiperplasia suprarrenal);
• Esterilidade (disfunção ovárica);
• Coexistência de alopecia bitemporal ou do vertex;
• Coexistência de hirsutismo ou de outros sinais de virilização.

Os exames complementares que devem ser pedidos são os seguintes: Do 4°


ao 8° dia do ciclo menstrual:

• Testosterona livre e total;


• D4-Androstenediona;
• Sulfato de dehidroepiandrosterona (DHEA);
• Hormona Luteinizante (LH);
• Hormona folículo-estimulante (FSH);
• Prolactina; • SHBG; • 17-Hidroxiprogesterona;
• Cortisolúria e Prova do Synachten Rápido (0,25mg de ACTH ev) – perante
suspeita clínica de disfunção suprarrenal. Ainda devem ser solicitados os
seguintes exames imagiológicos:
• Ecografia pélvica (se as análises apontarem para disfunção ovárica); • TAC
das suprarrenais (se as análises apontarem para disfunção suprarrenal).
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