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Luisa Kahl

Fisiologia
Morfofuncionalidade e Motilidade do Trato Gastrointestinal

O sistema digestório é formado por órgãos ocos em série delimitados pelos esfíncteres e que se
comunicam em suas extremidades com o meio ambiente. Os esfíncteres são regiões da musculatura que
funcionam de maneira diferenciada, separando determinadas regiões para que as funções de cada
segmento sejam desempenhadas individualmente e impede o refluxo. Tem-se também órgãos anexos,
como as glândulas salivares, pâncreas, fígado e vesícula biliar.
As funções do trato digestório são:
 Movimentar o alimento através do trato digestório;
 Secretar sucos digestivos;
 Absorver os nutrientes, água e eletrólitos;
 Controlar a ingestão de alimentos (fome e saciedade).
Sistema Nervoso Entérico
Para que as camadas musculares do TGI contraiam regularmente, existe uma inervação específica contida
nos plexos. Existe o plexo mioentérico, responsável pela motilidade do trato digestório, e o plexo
submucoso, responsável pela secreção de glândulas mucosas e pelo fluxo sanguíneo local. Esses plexos
estão muito presentes na musculatura lisa desde o esôfago até o esfíncter anal interno. Existe também uma
inervação do sistema nervoso autônomo que faz sinapses com os neurônios desses plexos. Acima do
esôfago, como na boca e na faringe, os movimentos são de mastigação e deglutição, sendo controlados
portanto pelos pares cranianos como o glossofaríngeo, facial, trigêmeo e etc.
A parte composta pelo esôfago, estômago e intestino delgado é inervada pelo nervo vago, o qual é um
grande componente parassimpático estimulador do trato digestório. A região de cólon distal, próxima aos
segmentos S2 e S3, é inervada pelos nervos pélvicos. Existem três grandes gânglios que carreiam a
inervação simpática: celíaco, mesentérico superior e mesentérico inferior.
O sistema nervoso entérico também possui neurotransmissores, como a acetilcolina (excitatório) e a
noradrenalina (inibitório). O VIP (peptídeo inibidor vasoativo) é um exemplo de NT que faz
vasoconstrição, diminuindo o fluxo sanguíneo do abdômen. Ele pode ser liberado também por algumas
células tumorais, formando vipomas e consequentes isquemias, como a necrose de alça. Outro NT
importante é o óxido nítrico (inibitório), responsável pela vasodilatação. O neuropeptídio Y (inibitório) é
uma substância presente no hipotálamo regulando a fome e também é produzida no trato gastrointestinal.
Hormônios
Existe uma variedade de hormônios importantes para o trato digestório. A gastrina interfere sobretudo no
estômago, estimulando a secreção de ácido gástrico e o crescimento da mucosa. A colecistocinina (CCK)
e secretina são hormônios duodenais que atuam sobre a secreção pancreática, secreção biliar e a
motilidade intestinal. O GIP estimula a secreção de insulina e inibe a secreção gástrica. A motilina
estimula a motilidade gástrica e intestinal. O GLP-1 estimula a saciedade e a secreção de insulina e inibe
o esvaziamento gástrico.
Motilidade
Luisa Kahl

A motilidade são fenômenos motores realizados pela musculatura lisa visceral que permitem a condução,
digestão, absorção de nutrientes e excreção de produtos não absorvidos. Essa musculatura é regulada
pelos plexos e hormônios e seus segmentos são divididos pelos esfíncteres. Ao longo do TGI, existem
áreas formadas por células intersticiais de Cajal que funcionam como marca-passos. São importantes, pois
deve haver no estômago o Ritmo Elétrico Basal (REB) para misturar e eliminar o alimento. A
despolarização dessas células segue a mesma linha de funcionamento do nodo sinoatrial do coração. O
estímulo para as células sofrerem despolarização é o próprio estiramento do órgão causado pelo alimento,
estimulação do parassimpático ou hormônios gastrointestinais.
A motilidade, portanto, gera três tipos de movimento:
 Movimento de Propulsão (peristalse): é estimulado pela distensão da parede ou pela irritação química
ou física do epitélio, fazendo com que o conteúdo se desloque. É gerado um anel de contração na
musculatura, 2-3cm atrás do ponto de estimulação e é seguido por um relaxamento receptivo para o
bolo alimentar.
 Movimento de Mistura: movimentos localizados gerados a partir de pequenas contrações em
segmentos muito próximos uns aos outros. Tem o objetivo de misturar o conteúdo alimentar com as
secreções, facilitando a digestão e absorção.
 Complexo Mioelétrico Interdigestivo: entre uma alimentação e outra, existem pequenos movimentos
que surgem a cada 90 minutos no período de jejum para limpar e remover restos alimentares. É
inibido por qualquer ingestão.
Controle Nervoso da Motilidade
 Reflexos Curtos: cuja resposta ocorre próximo ao local do estímulo, como a distensão e contração do
estômago.
 Reflexos Longos: cuja resposta ocorre longe do estímulo, como a distensão do estômago e contração
do intestino grosso.
 Reflexos Locais: ocorrem nos próprios plexos.
 Reflexos Externos/Extrínsecos: quando ocorre uma distensão e as fibras levam o estímulo ao sistema
nervoso central, gerando uma resposta.
Movimentos Específicos
Não envolvem o sistema nervoso entérico, mas sim os pares cranianos e a musculatura esquelética.
 Mastigação: consiste basicamente na queda e elevação da mandíbula para quebrar e triturar o
alimento. Existe uma força e pressão exercida pelos dentes para cada um. O regulador é o núcleo
mesencefálico, o qual possui vias aferentes e eferentes responsáveis pela atividade muscular da
mandíbula. O estímulo para que isso ocorra é o contato do alimento com o palato duro.
 Deglutição: é composto por fases.
1) Fase Preparatória: trata-se de um reflexo voluntário ao fim da mastigação exercido pelo músculo
bucinador.
2) Fase Oral: ocorre a elevação da mandíbula e do véu, estrutura ao final do palato, para que o alimento
possa entrar na faringe com o auxílio da língua.
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3) Fase Faríngea: ao entrar na faringe, ocorre o fechamento da epiglote e há uma contração dos músculos
supra-hióideos para tracionar a faringe e a laringe. Essa onda de contração percorre o músculo e o
esfíncter esofagiano superior (EES) relaxa, permitindo a passagem do bolo alimentar para o esôfago.
4) Fase Esofágica: a onda de contração da faringe se perpetua, gerando a peristalse primária.
Posteriormente, ocorre a peristalse secundária exercida pela musculatura lisa circular-longitudinal para o
alimento entrar no estômago através do esfíncter esofagiano inferior (EEI).
Em situações extremas onde o peristaltismo secundário não consegue eliminar o alimento, surge o
peristalse terciário, mais comum em pacientes com obstrução de plexos (acalasia) e idosos.
OBS: Acalasia é uma situação geralmente ocasionada pela doença de Chagas na qual os plexos
mioentéricos são danificados, sendo perdida a capacidade de regular a motilidade do esôfago.
Motilidade do Estômago
Na região superior do estômago, o bolo alimentar entra após o relaxamento do EEI e acumula-se em
camadas. Simultaneamente o Fundo gástrico relaxa, permitindo a passagem do alimento e funcionando
como um reservatório (fica acomodado por até 2h sem mistura). Quando o relaxamento receptivo começa
a diminuir, o alimento tende a descer para a porção inferior do estômago a nível de Corpo e Antro, onde
estão as células de Cajal. Com a distensão da região causada pelo próprio bolo alimentar, essas células se
despolarizam e geram a peristalse.
A camada do Antro é bem espessa, então a força de contração se fortalece e seu tempo é maior do que o
tempo de relaxamento do Piloro. Dessa forma, o alimento é forçado contra a parede e sofre uma
retropulsão, permitindo sua mistura com a secreção gástrica e formando o quimo. Portanto, apesar de só
haver peristalse no estômago, há uma peculiaridade que torna possível a mistura e o controle do
esvaziamento através do esfíncter pilórico, sendo chamada de bomba peristáltica ou bomba pilórica.
Controle Neuro-hormonal do Esvaziamento Gástrico
Quando o estômago está vazio, é liberado por ele o hormônio grelina, a qual age no hipotálamo ativando
os núcleos da fome e conscientizando o indivíduo. Por outro lado, ao se alimentar, o próprio estômago
libera hormônios como a colecistocinina (CCK) e insulina que inibem a grelina, sinalizando a chegada de
nutrientes.
O controle pelo sistema nervoso é composto por reflexos:
 Entero-Gástrico: distensão do cólon e do intestino delgado para inibir o estômago.
 Gastro-Cólico: distensão do estômago para esvaziar o cólon.
 Gastro-Ileal: distensão do estômago para esvaziar o íleo.
Motilidade do Intestino Delgado
 Movimentos de Segmentação: pequenas contrações em segmentos muito próximos com o objetivo de
triturar e misturar o alimento com as secreções. É o movimento mais frequente.
 Peristalse: movimentos propulsivos de curto alcance, menos frequente e de baixa velocidade,
facilitando a digestão e absorção. O peristaltismo do intestino delgado promove o relaxamento do
esfíncter íleo-cecal, mas quando o bolo alimentar entra no ceco e distende sua cavidade, o
peristaltismo é inibido (reflexo Cólon-Ileal).
Motilidade do Intestino Grosso
 Haustrações: movimentos de mistura.
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 Propulsão Segmentar/Multihaustral
 Movimentos de Massa: contrações intensas para impulsionar as fezes em direção ao reto. Ocorre 1 a
3 vezes ao dia. Assim, o enchimento retal relaxa o esfíncter anal interno (EAI) e o indivíduo se
conscientiza do ato de defecação.
Muitas vezes o reflexo gastro-cólico gera o movimento de massa que irá gerar o reflexo da defecação que
é a distensão e contração do reto. Alguns movimentos podem auxiliar nesse processo, como o aumento da
pressão intra-abdominal e intratorácica, incursão respiratória profunda, fechamento da glote e contração
dos músculos respiratórios sobre os pulmões. Essa região também possui fibras parassimpáticas que
intensificam o estímulo da defecação.

Fisiologia
Secreção Salivar

A secreção salivar tem a função de umidificar e lubrificar a cavidade oral, proteger a mucosa, diluir o
alimento, regular a temperatura, colaborar com a integridade dentária e iniciar a digestão principalmente
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de carboidratos. Ela é produzida por glândulas salivares menores e maiores. As menores produzem menos
saliva e estão presentes por toda a boca, sendo elas as palatinas, retromolares, linguais e etc. A glândula
von Ebner não produz tanto muco quanto às outras glândulas menores, mas ela é responsável por produzir
a enzima lipase. As maiores são as parótidas, submandibulares e sublingual, produtoras de maior parte da
saliva.
Sua composição é de água, eletrólitos, bicarbonato, proteínas, enzimas antimicrobianas, flúor, cálcio,
fator de crescimento, muco e calicreína, substância proteolítica responsável por clivar o bradicinogênio
gerando a bradicinina, excelente vasodilatador. Havendo vasodilatação, mais fluxo sanguíneo haverá nas
glândulas salivares e assim produzirão ainda mais saliva. Isso, porque para qualquer glândula, quanto
mais sangue ela recebe, mais acelerado será seu metabolismo.
A saliva tem dois estágios de produção, sendo inicialmente isotônica, ou seja, tem a mesma quantidade
de eletrólitos que o plasma. Porém, à medida em que trafega pelos ductos salivares, ela se torna
hipotônica e levemente alcalina, pois o segundo estágio adiciona bicarbonato de sódio e assim varia o seu
pH de 6 a 8. Quando o indivíduo apresenta náusea ou ânsia de vômito, a cavidade oral enche-se de saliva
e a mucosa oral é protegida de uma regurgitação gástrica cujo pH é ácido. É uma forma de neutralizar a
acidez do quimo.
Como toda glândula acinar, as salivares possuem grânulos de zimogênio, os quais promovem a liberação
de diversas proteínas na luz do ácino para compor a saliva. Em relação às glândulas maiores, a parótida é
considerada serosa, a submandibular mista e a sublingual mucosa.
A saliva é inicialmente produzida na região acinar, vai para os ductos intercalares, ductos estriados,
ductos intralobulares, extralobulares e por fim para os ductos excretores, os quais se conectam com o
óstio. No ácino, a saliva encontra-se isotônica e ao final dos ductos estriados em diante, inicia-se uma
reabsorção de eletrólitos para o sangue e uma eliminação de bicarbonato, tornando-a hipotônica. Portanto,
tem-se incialmente uma saliva primária ou acinar e posteriormente uma saliva hipotônica.
Na região de ductos estriados, há transportadores ativos secundários responsáveis por essa reabsorção e
eliminação. Eles são dependentes de uma bomba de sódio e potássio para manter um gradiente.
OBS: Cloreto de sódio é osmoticamente ativo, então se ele é reabsorvido, poderia haver uma grande
perda de água. Isso não ocorre, pois a região de ductos estriados até os extralobulares é muito pouco
permeável à água, havendo poucas aquoporinas.
Regulação da Produção de Secreção Salivar
O principal sistema estimulador da secreção salivar é o parassimpático, podendo até aumentar o tamanho
da glândula. Esse sistema está relacionado com os nervos facial (inerva submandibular e sublingual) e
glossofaríngeo (inerva parótida). Ao passar por uma padaria, por exemplo, os nervos facial e
glossofaríngeo são estimulados e seu NT acetilcolina (outros: substância P, VIP) age sobre os receptores
muscarínicos presentes nas glândulas salivares. No instante em que a acetilcolina se liga ao receptor, há
liberação de calicreína, responsável pela conversão de bradicinogênio em bradicinina (vasodilatador).
Dessa forma, é disparada uma série de reações nas células glandulares, o que propicia um aumento no
fluxo sanguíneo e no metabolismo, vasodilatação, e assim aumentando a produção de saliva.
Já o sistema simpático está relacionado com a região de nervos espinais, em geral de T1 a T3 (torácicos).
Ele é chamado de bifásico, pois incialmente estimula a produção de saliva e depois a diminui.
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Aparentemente, quando o sistema simpático é ativado, é liberada noraepinefrina, a qual interage com os
receptores beta-1 presentes nas células mioepiteliais ao redor do ácino. Isso promove a contração dessas
células e consequentemente do ácino. Dessa forma, a saliva da região acinar vai em direção aos ductos.
Em seguida, essa mesma catecolamina liberada na descarga adrenérgica começa a interagir com os
receptores alfa, gerando vasoconstrição e diminuição de saliva. Quando o indivíduo toma um susto, está
com medo ou até nervoso, o sistema parassimpático é inibido e o simpático é favorecido, diminuindo-se a
secreção salivar e deixando sua boca seca.
Além disso, foi observado que alimentos ácidos (ex.: abacaxi) promovem maior produção de saliva do
que os outros e objetos lisos (ex.: bala) também em comparação aos rugosos. Com isso, foi vista a
existência de quimiorreceptores que atuam nos ductos salivatórios como uma forma de proteção à acidez.
No caso do objeto liso, é uma forma de aumentar a área de contato.
Fármacos
Alguns medicamentos podem gerar xerostomia ou excesso de saliva. Dentre as consequências dos
digitálicos, o excesso de secreção salivar é uma delas. Isso ocorre, pois ele interfere nos transportadores
ativos da região acinar, favorecendo o influxo de cálcio e potássio. Já em casos de xerostomia, pode estar
relacionada uma hiperatividade simpática ou uma lesão no sistema parassimpático, ou seja, um
desequilíbrio nos sistemas autônomos. Alguns fatores como o tabagismo, má escovação e respiração
bucal podem otimizar a xerostomia.
Um quadro de xerostomia tem como consequência má proteção da mucosa, cárie, mal hálito, dicção
prejudicada, glossite (inflamação da língua) e etc. Pode ser melhorado com saliva sintética, goma de
mascar sem açúcar, evitar drogas xerostômicas (ex.: cannabis, anfetamina)
Patologias
Caxumba: doença viral que afeta principalmente células glandulares. Pode acometer o tecido testicular e
pâncreas.
OBS: Como fica a composição salivar de um paciente com aumento das concentrações plasmáticas de
aldosterona? A aldosterona interfere nos ductos das glândulas salivares, aumentando a reabsorção de
cloreto de sódio.

Fisiologia
Secreção Biliar

A secreção biliar é produzida pelo fígado e armazenada e concentrada na vesícula biliar. A bile é
composta por sais biliares, água, proteínas, colesterol, fosfatidilcolina, bilirrubina e íons, não havendo
enzimas. Sua função é de emulsificar gorduras, facilitar sua absorção, excretar produtos do sangue e
neutralizar o quimo através do bicarbonato. Sua produção (colerese) é regulada pelo sistema nervoso
autônomo e varia entre 600 e 1000mL por dia. A bile, como toda secreção exócrina, é lançada em uma
cavidade que no caso é o intestino, na região de duodeno.
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Trajeto da Bile
O fígado possui muitos canais sinusoides e entre os hepatócitos existem canalículos biliares formados por
colangiócitos, primeira estrutura intra-hepática responsável pela bile. Dessa forma, seu trajeto se inicia
nos canalículos, indo em direção aos ductos biliares terminais, ductos biliares perilobulares, ductos
biliares interlobulares, ductos hepáticos direito e esquerdo e ducto hepático comum. A partir desse ducto,
existem dois caminhos: pode ir direto para o duodeno (durante a digestão) ou para a vesícula biliar
através do ducto cístico para ser armazenada (entre as refeições). Durante a digestão, a bile que está na
vesícula vai para o duodeno também através do ducto cístico.
Produção da Bile
Etapa 1: Nesse momento, a bile é composta pelos seus fatores principais, como os ácidos biliares,
fosfatidilcolina e colesterol. Trata-se da secreção inicial presente nos canalículos biliares.
Etapa 2: À medida em que a bile trafega pelos ductos biliares em diante, os transportadores de membrana
acrescentam mais água, sódio e bicarbonato, aumentando seu volume em 100 vezes. Para que essa etapa
ocorra, é necessário o estímulo da secretina.
Sais Biliares
O sal biliar tem como grande propulsor o colesterol e é formado por um ácido conjugado a um
aminoácido. O colesterol é utilizado pelo fígado e sofre hidroxilações, dando origem ao ácido biliar
primário: ácido cólico e ácido quenodesoxicólico. Em seguida, esses ácidos biliares primários conjugam-
se com os aminoácidos glicina ou taurina, dando origem ao sal biliar: ácido glicocólico e ácido
taurocólico. Caso o ácido biliar primário chegue ao nível intestinal ao invés de ser conjugado, ele será
degradado gerando um ácido biliar secundário, o qual não tem função. São eles os ácidos desoxicólico,
litocólico e ursodesoxicólico.
Os sais biliares têm a função de agir como “detergente”, sendo o grande responsável pela quebra das
moléculas de gordura. Auxiliam também na absorção pelo trato gastrointestinal de ácido graxo,
monoglicerídeos e colesterol. Um indivíduo que não possui sal biliar terá em média 40% da gordura
sendo excretada nas fezes, desenvolvendo um quadro de esteatorreia (gordura nas fezes). 60% consegue
ser absorvida devido às lipases, porém não há uma digestão tão eficaz.
Transportadores
 BSEP: Bomba de Transporte (ativo) de Sais Biliares. É importante, pois muitas vezes o fígado
reutiliza o sal biliar que já agiu na emulsificação de lipídios.
 NTCP: Transportador de Taurocolato Dependente de Sódio. É importante para a circulação entero-
hepática.
 ASBT: Transportador Apical de Ácido Biliar dependente de sódio.
Digestão de Lipídios
Nossa principal fonte lipídica são os triglicerídeos, os quais sofrem a ação das lipases gerando ácido
graxo, monoglicerídeo, colesterol e fosfolipídio. A gordura que sofre emulsificação transforma-se em
micelas, um conglomerado cilíndrico composto por muito sal biliar ao seu redor para que as lipases
possam atuar. A micela se aproxima dos enterócitos, se dissocia e os produtos da digestão são absorvidos
(fase estacionária).
Circulação Entero-Hepática
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O sal biliar restante na luz do intestino pode ser reabsorvido ou excretado nas fezes. O principal local de
absorção dos produtos digeridos é o jejuno, geralmente ao final do íleo. Essa absorção ocorre através do
transportador ativo ASBT, levando o sal biliar para o sistema porta. Chegando ao fígado, o sal é absorvido
pelas células hepáticas e secretado novamente na bile.
Fármacos
Existem resinas inertes (não absorvidas) como a colestiramina que formam um complexo com o sal biliar,
sendo chamadas de sequestradores de sais biliares. Dessa forma, a reabsorção é dificultada, a circulação
entero-hepática e o colesterol plasmático são diminuídos e a síntese de bile é aumentada.
Regulação
Esvaziamento da Vesícula Biliar: O principal estímulo para o esvaziamento da vesícula biliar é a chegada
do quimo no intestino delgado, onde há quimio e mecanorreceptores que liberam a CCK produzida pelas
células do tipo I do duodeno. Dentre as ações da CCK, há a contração da musculatura lisa da vesícula e o
relaxamento do esfíncter de Oddi. Se o alimento for muito gorduroso, esse processo ocorre mais
rapidamente. Existe também um estímulo parassimpático, mas é inferior ao hormonal.
OBS: Fatores que estimulam a síntese e secreção de bile
 Coleréticos: substância que estimula a síntese de bile. Ex.: secretina, sais biliares.
 Colagogos: substância que estimula a contração da vesícula. Ex.: CCK, acetilcolina, gastrina.
Patologias
Icterícia: Acúmulo de bilirrubina em mucosas. Pode ter diversas causas como a leptospirose, mas quando
relacionada ao sistema biliar, trata-se de uma icterícia obstrutiva com muita bilirrubina conjugada, na qual
os ductos biliares ficam obstruídos ou o fígado está lesado. A bilirrubina tem afinidade por pele, por isso
gera uma aparência amarelada.
Colilitíase: Desenvolvimento de pedras na vesícula biliar, podendo obstruir o fluxo da bile. Normalmente
o indivíduo sente dor após se alimentar, pois há a contração da vesícula. Acomete principalmente
mulheres após a gestação.

Fisiologia
Secreção Gástrica

A secreção gástrica é uma mistura das secreções das células da superfície do epitélio e das glândulas
gástricas. É composta por água, eletrólitos (K +, Na+, Cl-, HCO3-), ácido clorídrico, pepsinogênio, pepsina,
fator intrínseco e mucina. O estômago possui pH ácido, garantindo a conversão de pepsinogênio em
pepsina e diminuindo a colonização de bactérias advindas de um alimento contaminado, por exemplo. A
mucina compõe o muco, o qual é essencial para a proteção da mucosa contra os ácidos como a pepsina. O
fator intrínseco está relacionado à absorção da vitamina B12, ajudando-a a se transportar até seu receptor.
Dessa forma, indivíduos com a absorção da vitamina prejudicada podem desenvolver um quadro de
anemia megaloblástica/perniciosa.
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Células Gástricas
A glândula gástrica é composta por uma infinidade de células, o que caracteriza a diversidade de sua
secreção. Entre elas estão:
1) Célula Parietal (Oxíntica): produz o ácido clorídrico e fator intrínseco. Para que haja a secreção desses
constituintes no lúmen da glândula, as membranas tubulovesiculares se fundem com as membranas
plasmáticas dos canalículos secretores. Assim, ocorre a entrada de cálcio na célula e a consequente
ativação da proteína quinase C (PKC). Trata-se de um processo ativo com gasto energético, no qual o
potássio entra na célula e o hidrogênio sai através da Bomba de Prótons. Dessa forma, se há um estímulo
sobre a célula oxíntica, ocorre uma hipersecreção de H + e consequentemente de cloro, os quais juntos
formam o ácido clorídrico. Existem diversos medicamentos que bloqueiam a Bomba de Prótons (ex.:
Omeprazol) para o tratamento de gastrite. A célula parietal tem como principal controle nervoso o sistema
parassimpático através do nervo vago que libera acetilcolina. Em relação ao controle hormonal, a gastrina
e histamina são os principais agentes reguladores.
OBS: Gastrite não é necessariamente o excesso de ácido, mas sim o desequilíbrio entre o agente agressor
(HCl-) e o agente protetor (muco).
2) Célula Principal: possui grânulos de zimogênio que produzem sobretudo o pepsinogênio, o qual irá se
converter em pepsina, enzima responsável pela digestão de 20% das proteínas.
3) Célula Epitelial Superficial: produz o muco viscoso composto por HCO3- e insolúvel que recobre a
superfície do estômago para manter o pH neutro das células, reduzir a difusão de HCl e pepsina para a
superfície das células epiteliais e assim proteger a mucosa contra a acidez do ácido clorídrico.
4) Célula Enterocromafim: produz histamina.
5) Célula Endócrina: produz gastrina.
Fases da Secreção Gástrica
1) Fase Cefálica: momento em que o alimento ainda não entrou no trato digestório propriamente dito (a
partir do esôfago), mas já há estimulação de secreção por meio do olfato, gustação, mastigação e
memória. Essa fase é controlada sobretudo pelo sistema parassimpático através do nervo vago, dando
início ao processo de secreção.
2) Fase Gástrica: é o momento em que é liberada a maior parte da secreção gástrica, pois o alimento já
está no estômago. Além do estímulo neuronal, existe também um estímulo químico através do alimento
sobre as células G produtoras de gastrina, a qual é essencial nessa fase. Há também estímulo por
aminoácidos, peptídeos, cafeína e cálcio.
3) Fase Intestinal: nesse momento, apesar do alimento já não estar mais no estômago, há ainda um
pequeno estímulo para a secreção gástrica. Isso ocorre através da gastrina, pois ao nível do bulbo
duodenal, ainda existem células G.
Regulação da Secreção Gástrica
A célula nervosa libera acetilcolina, a qual tem ação direta nas células parietal, principal e produtora de
muco, mas também tem ação indireta sobre células enterocromafins produtoras de histamina. A histamina
é uma substância que tem ação parácrina, ou seja, cai no interstício e age sobre células vizinhas à célula
que a produziu. Ela estimula a produção de ácido clorídrico pela célula parietal e pepsinogênio pela célula
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principal. A histamina atua através de uma proteína GSQ sobre a adenilato ciclase, aumentando AMP
cíclico e ativando a proteína quinase A (PKA).
A acetilcolina promove também a ativação do peptídeo liberador de gastrina (GRP ou Bombesina), o qual
age sobre as células G secretoras de gastrina presentes no estômago. Esse hormônio tem ação endócrina e
estimula diretamente as células parietais e principais.
Inibidores da Secreção Gástrica
Existe também um controle negativo executado pelo sistema simpático, o qual libera noradrenalina. Esse
NT se liga ao receptor alfa e inibe o AMP cíclico, consequentemente inibe a PKA e impede a ativação da
Bomba de Prótons. Dessa forma, com a ativação do sistema simpático, há inibição da produção de ácido
clorídrico. Com a distensão do intestino delgado, ocorre também o reflexo entero-gástrico para inibir a
produção da secreção.
No estômago, existem células D que produzem somatostatina, hormônio com atuação semelhante à
noradrenalina. Ele é liberado na corrente sanguínea e age sobre a célula parietal inibindo a produção de
ácido clorídrico através da proteína GI. Sua liberação ocorre quando há diminuição de pH (abaixo de 2)
como um mecanismo de feedback.
As prostaglandinas (PGE2 e PGI) também inibem a produção de ácido clorídrico e estimulam a produção
de muco e HCO3-, tendo um efeito protetor. Além disso, são vasodilatadoras aumentando o fluxo
sanguíneo e modificando a resposta inflamatória ao ácido.
Fisiopatologias
Gastrite: sabe-se que a bactéria Helicobacter pylori e os anti-inflamatórios não esteroides (AINES) são
importantes causadores da doença. A infecção pela bactéria é considerada a principal causa de gastrite
crônica ativa e desempenha importante papel na úlcera péptica. Uma infecção crônica promove
metaplasia gástrica, ou seja, alteração do tecido original como forma de defesa (a célula do estômago se
transforma em uma célula intestinal  processo reversível). Genética, tabagismo, alimentação
inadequada e alcoolismo são alguns dos fatores de risco para gastrite.
 Urease: essa enzima hidrolisa a ureia presente na mucosa gástrica produzindo amônia, a qual tampona
a acidez do estômago e pode danificar as células epiteliais, tornando possível a fixação do H. pylori.
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Fisiologia
Secreção Pancreática

O pâncreas é uma glândula mista, ou seja, possui uma secreção exócrina e outra endócrina. A secreção
exócrina é um suco aquoso rico em bicarbonato (HCO3 -) composto por uma porção enzimática e uma
porção eletrolítica. O bicarbonato pancreático é fundamental para neutralizar o alimento que vem do
estômago já sobre o efeito da pepsina (quimo). O componente enzimático irá digerir carboidratos,
proteínas e lipídeos.
Regulação da Secreção Pancreática
Como todas as outras regulações, o sistema parassimpático é o grande estimulador através do nervo vago
e o simpático é o inibidor. Do ponto de vista do controle hormonal, a colecistocinina e a secretina são os
principais hormônios duodenais responsáveis pela regulação.
A CCK é liberada pelas células I do duodeno na presença de peptídeos, aminoácidos e produtos da
hidrólise de gorduras. Esse hormônio se direciona ao pâncreas e estimula a secreção do componente
enzimático. Já a secretina é liberada pelas células S do duodeno na presença de hidrogênio (pH e
osmomolaridade) ou de um quimo muito hipertônico. Esse hormônio se direciona ao pâncreas e estimula
a secreção do componente hidroeletrolítico. Juntamente à secretina, o GIP também estimula a secreção
hidroeletrolítica.
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Fases da Secreção
1) Fase Cefálica: mediada pelo nervo vago. É liberado um pequeno volume de secreção.
2) Fase Gástrica: iniciada com a distensão do estômago e também mediada pelo nervo vago. A gastrina
parece ter influência na secreção pancreática.
3) Fase Intestinal: 80% da secreção pancreática ocorre nesse momento.
Componente Enzimático
Muitas enzimas, sobretudo as proteolíticas pancreáticas, são produzidas em sua forma prepulsora de
zimogênios para que não haja destruição das células. Sempre que há um estímulo, seja AMPc, Ca + ou
PKC, há uma exocitose dos gânglios dos ácinos para que as enzimas sejam liberadas. É estimulado pela
CCK e pelo nervo vago.
Ao nível do pâncreas, há alguns conjuntos de enzimas:
Lipolíticas: lipases, colesterolesterase e fosfolipase.
Nucleases: ribonuclease e desoxinuclease.
Proteolíticas: tripsina, quimiotripsina e carboxipeptidases.
Os enterócitos produzem enteropeptidases, as quais ativam os zimogênios pancreáticos para iniciar a
digestão proteica na luz intestinal.
Componente Hidroeletrolítico
O suco pancreático é composto também por H20 e bicarbonato, constituintes responsáveis pela
alcalinização do quimo. Inicialmente o ácino produz um componente hidroeletrolítico semelhante ao do
plasma. À medida em que ele atravessa os ductos, muito bicarbonato é liberado, tornando-se hipotônico.

Fisiologia
Absorção no Trato Gastrointestinal

O estômago é uma área de pouca absorção, já que não possui vilosidades típicas da membrana absortiva e
porque as junções estreitas entre suas células epiteliais têm baixa permeabilidade. Em contrapartida,
aproximadamente 80% da absorção de solutos e de água ocorrem no intestino delgado, principalmente no
duodeno e no jejuno. Cada célula epitelial do intestino nas vilosidades é caracterizada por borda em
escova, consistindo em até 1.000 microvilosidades projetadas para o lúmen intestinal.
Absorção de Água
O jejuno é o principal local absortivo de água. Seu transporte através da membrana intestinal é
inteiramente por difusão, obedecendo a osmose. Portanto, quando o quimo está suficientemente diluído, a
água é absorvida através da mucosa intestinal. Essa passagem ocorre tanto paracelular quanto
transcelular. Para a transcelular é essencial a presença de aquoporinas.
Absorção de Na+
O sódio é absorvido em todo trajeto intestinal, principalmente no jejuno, diminuindo no sentido
cefalocaudal devido a redução da área absortiva. O sódio é responsável pela manutenção da volemia e
está envolvido com a absorção de glicose, vitaminas hidrossolúveis, aminoácidos e sais biliares.
Seu transporte pode ocorrer por meio de co-transportadores, como o de sódio-glicose, sódio-aminoácido e
sódio-hidrogênio, que adentram o sódio na membrana luminal junto a outra molécula. Ele pode também
Luisa Kahl

ser absorvido por contra-transportadores, havendo entrada de sódio e saída de H+, por exemplo. Ou
então, ele pode ser absorvido desacoplado por meio de um canal seletivo (EnaC), o que ocorre
principalmente no cólon. A aldosterona age nesses canais, estimulando a sódio-potássio ATPase na
membrana basolateral e promovendo um aumento na absorção de sódio. Assim, a função da aldosterona
no TGI é a mesma que ela exerce nos túbulos renais.
Absorção de Cl-
Na parte superior do intestino delgado, a absorção de íons cloreto é rápida e se dá principalmente por
difusão, a favor do gradiente elétrico. O cloreto também é absorvido pela membrana da borda em escova
de partes do íleo e do intestino grosso por trocador de cloreto-bicarbonato.
Absorção de Ca++
O cálcio é absorvido predominantemente no duodeno e no jejuno através de dois mecanismos: absorção
passiva paracelular ou ativa transcelular. Um fator importante para a absorção de cálcio é a vitamina D, a
qual se liga a receptores intracelulares do núcleo ou citosol, estimulando a síntese de RNAm e uma
consequente síntese de canais Ca++ e de proteínas ligadoras de cálcio.
Absorção de Ferro
O ferro se liga à apotransferrina, formando a transferrina no lúmen do intestino delgado. O complexo
transferrina se liga ao seu receptor na membrana luminal e sofre endocitose. Quando liberado no citosol,
o ferro é acoplado à mobilferrina, responsável por encaminha-lo para os Elementos Responsivos ao Ferro
(IRE), o qual o secreta no plasma, onde ele sofre oxidação para ser encaminhado para os tecidos. Quando
os níveis plasmáticos de ferro são elevados, aumenta a formação intracelular de mobilferrina, com
redução de transferência do íon para o plasma e vice-versa. O ácido ascórbico (Vitamina C) quando
ingerido na mesma refeição com o ferro inorgânico, potencializa a absorção.
Regulação dos Processos Absortivos e Secretores
Regulação por hormônios:
Aldosterona: eleva a absorção de água e NaCl.
Glicocorticoides: eleva a absorção de água e NaCl.
Epinefrina: eleva a absorção de NaCl no íleo e inibe os neurônios secretores e motores do plexo
submucoso.
Regulação parácrina:
Somatostatina: reduz AMPc e inibe a secreção de íons e água nas células das criptas e estimula a
absorção de água e íons no íleo e no cólon.
Regulação pelo Sistema Nervoso Autônomo (SNA):
Parassimpático: libera acetilcolina e influencia na resposta dos neurônios pós-ganglionares secretores e
motores, aumentando a secreção.
Simpático: libera catecolaminas e afetam na atividade dos neurônios secretores dos plexos intramurais,
diminuindo a secreção e aumentando a absorção. Em um quadro de neuropatia diabética autônoma,
ocorre a diarreia diabética.
Absorção de Carboidratos
A glicose e a galactose entram na célula epitelial do intestino contra o gradiente de concentração através
do SGLT-1. Já a frutose é absorvida por transporte facilitado através do GLUT-5 na membrana do
Luisa Kahl

microvilo. Todos os monossacarídeos saem da célula por transporte facilitado na membrana basolateral
através do GLUT-2.
Absorção de Proteínas
A absorção proteica ocorre no duodeno e no jejuno proximal. Os di e tripeptídeos adentram na célula pela
membrana luminal, são novamente digeridos no citosol para por fim conseguirem atravessar a membrana
basolateral. Já os aminoácidos livres não precisam ser digeridos novamente e são transportados através de
7 mecanismos diferentes, sendo em sua maioria por co-transporte de sódio, mas também pode ocorrer por
difusão facilitada e transporte ativo.
Absorção de Vitaminas Lipossolúveis
São absorvidas juntamente com os produtos da hidrólise lipídica e dependem das micelas dos sais
biliares, exceto a vitamina A. A vitamina D em baixas concentrações pode ser absorvida na ausência de
sais biliares, desde que as concentrações de ácidos graxos e monoacilgliceróis também sejam pequenas.

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