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RELATO DE EXPERIÊNCIA - SÍNDROME DE OVERLAP: UMA

ABORDAGEM FISIOTERAPÊUTICA
Sabrina Tolentino de Macêdo1
1
Acadêmica do curso de Fisioterapia da Instituição UNIFIPMoc
João Warley Alves²
²Preceptor de práticas em Musculoesquelética NASPP/UNIFIPMOC e orientador

Introdução

A Síndrome de Overlap é rara e caracterizada pela associação de duas ou mais doenças do tecido conjuntivo,
de natureza autoimune em um mesmo paciente, de características crônicas, progressivas e inflamatórias, causando um
dano nas articulações e consequências funcionais (MACENA et al, 2021).
A artrite reumatoide acomete mulheres entre 30 a 50 anos, e tem relação com fatores ambientais e genéticos,
sendo uma doença de imunidade celular com predomínio de citocinas inflamatórias. A manifestação clínica muitas
vezes é a mialgia, fadiga e enrijecimento articular, podendo evoluir para artrite poliarticular simétrica nos pés, mão,
punhos, cotovelos, joelhos e coluna cervical (MACENA et al, 2021). O paciente que possui artrite reumatoide
demonstra dificuldades em realizar atividades diárias, além de que o avanço da doença pode causar deformações nas
articulações (MACENA et al, 2021).
A esclerodermia sistêmica das mãos e pés é uma doença inflamatória crônica do tecido conjuntivo que afeta
principalmente mulheres de 30 a 50 anos, sua principal característica é o enrijecimento da pele, tornando-a mais
espessa, brilhante e escura nas áreas mais afetadas, além de afetar articulações, músculos, vasos sanguíneos e em casos
mais graves até órgãos internos (SAMARA et al, 2004). Ademais, não se sabe a causa da esclerodermia, uma doença
reumatológica não contagiosa e não hereditária, sendo assim possui muitas hipóteses, mas nenhuma confirmação
cientifica (PONTES et al, 2020).
Os corticoides são drogas extremamente úteis em uma variedade de doenças graves, porém se usados em longo
prazo possuem uma lista considerável de efeitos colaterais, que variam de problemas estéticos até infecções graves por
imunossupressão (TAVARES et al, 2021). No sistema musculo esquelético pode ocasionar diversas alterações, como a
osteonecrose da cabeça femoral, além de alterações da remodelação do formato da cabeça femoral, contribuindo para a
destruição da articulação e para o comprometimento da cartilagem articular, causando a artrose no quadril (TAVARES
et al, 2021).
A atuação da fisioterapia em pacientes com a Síndrome de Overlap ainda é pouco discutida devido a recente
descoberta da síndrome, mas devido a uma experiência no setor de Fisioterapia do Núcleo de Atenção a Saúde e
Práticas Profissionalizantes (NASPP) se fizeram necessário a produção deste relato, com o objetivo de promover
discussões e pesquisas.

Material e Métodos
O departamento de fisioterapia do Núcleo de Atenção a Saúde e Práticas Profissionalizantes atende pacientes
pelo SUS (Sistema Único de Saúde), e de forma particular. Onde no primeiro atendimento é realizada uma avaliação
ampla, sendo feito a discussão do caso clínico com os preceptores e posteriormente pesquisa sobre o diagnóstico para
orientar a conduta, e semanalmente o paciente é acompanhado pelo um acadêmico de fisioterapia que acompanha sua
evolução.
As informações para o estudo de caso procedem da avaliação realizada com a paciente, dos atendimentos e
exames que a paciente apresentou. Os relatos orais são sempre versões da experiência com o adoecimento e os eventos
que a cercam, e foram fornecidos pela paciente e interpretados pela acadêmica de fisioterapia.
Os materiais utilizados incluem o uso de bolas, theraband, digi-flex e elásticos. A bola foi utilizada para
fortalecer os adutores de quadril, onde foi colocada entre as suas coxas e solicitado para a paciente apertar a bola e
soltar, sendo repetido em três series de 15 repetições. O theraband foi colocado amarrando os dois joelhos, onde a
função era realizar abdução de quadril em decúbito lateral, o digi-flex e elásticos foram utilizados nas mãos da paciente,
onde a mesma era instruída de realizar abdução, adução, extensão e flexão das falanges e metacarpos.
Desenvolvimento
Maria (nome fictício), 42 anos, nasceu em Coração de Jesus – MG, mas reside em Montes Claros – MG.
Solteira, mora em casa própria com o filho de 19 anos, e está sem trabalhar devido ao acometimento físico desde 2014.
Chegou à clínica com um resultado da biopsia e diagnóstico médico de Síndrome de Overlap, onde sua queixa principal
foi de falta de mobilidade no membro inferior direito, membro inferior esquerdo, punho, metacarpo falangeanas,
metatarso falangeanas, falanges proximais, medias e distais das mãos e pés direito e esquerdo.
Maria não possui nenhuma doença adicional, apenas a Síndrome de Overlap, onde as duas doenças autoimunes
são a Artrite Reumatóide e a Esclerodermia Sistémica nas mãos e pés direito e esquerdo. A mesma nunca passou por
procedimento cirúrgico e toma medicações (omeprazol, vitamina D3, micofenolato), não relatou história pregressa. Os
sinais vitais da paciente foram dentro na normalidade, apresentando uma pressão de 120/60 mmHG e frequência
cardíaca de 60bpm. Segundo o relato de Maria para a acadêmica, a mesma fez e ainda faz o uso de corticoide por mais
de 12 anos, que acabou causando modificações em suas articulações como desgaste na cabeça do fêmur, que ocasionou
na sua dificuldade em realizar os movimentos do quadril.
O aspecto geral da paciente é médio, devido o aspecto enrijecido das mãos, e pés, não possui lesões cutâneas,
porém a coloração mais escura nas mãos e pés. O trofismo muscular é mais presente nos músculos flexores, extensores,
adutores e abdutores das mãos e pés direito e esquerdo, supinadores e pronadores do antebraço e adutores do quadril.
Na avaliação postural estática foi observado o ombro protuso, joelho esquerdo em hiperextensão, ombro
esquerdo mais elevado, mãos direita e esquerda hipertrofiada e enrijecidas, apresentando dedos em “pescoço de cisne e
em botoeira”, pés direito e esquerdo hipertrofiado e enrijecidos. Na avaliação da marcha, foi observado joelho valgo, e
dificuldade para andar devido às articulações enrijecidas, além disso, a paciente apresenta obstáculos na hora de sentar.
Com ausência de crepitação, calor e sensibilidade nas articulações. No teste de força foi observado que mesmo
apresentando hipertrofia muscular, articulações rígidas e ADM reduzida no membro inferior direito, membro inferior
esquerdo, punho, metacarpofalangeanas, metatarso falangeanas, falanges proximais, medias e distais das mãos e pés
direito e esquerdo, a mesma apresenta força muscular de grau quatro a cinco nas articulações durante o teste de força,
quando era colocada resistência a mesma relatava dor, mas conseguia realiza os movimentos solicitados.
Maria apresentou limitação de ADM considerável nas articulações do tornozelo e pés direito e esquerdo no
movimento de flexão plantar e dorsiflexão, no movimento de flexão plantar do tornozelo direito foram de 20° e no
tornozelo esquerdo de 23° aproximadamente, na dorsiflexão apresentou 15° em ambos os tornozelos aproximadamente.
Na articulação do punho apresentou 50° aproximadamente do lado direito e esquerdo, sendo um pouco mais reduzido
do lado esquerdo. Na extensão de punho apresentou ADM de 30° aproximadamente do lado direito e esquerdo. Nas
falanges, distais, medias e proximais dos pés e mãos apresentou ADM reduzida mais no movimento de extensão do que
na flexão. No desvio radial do punho a ADM foi de cinco graus e no desvio ulnar de dez graus, sendo
aproximadamente igual do lado direito e esquerdo. Na articulação do quadril apresentou ADM de dez graus no
movimento de abdução e 80° no movimento de flexão. Além disso, possui pronação mais reduzida quando comparada
com a supinação, com uma amplitude de 70°.
Nos testes de comprimento, foi feito o teste para avaliar a flexibilidade do tronco e com o uso de uma fita
constou que a mesma não alcançou o chão, faltando uma distância superior a 30 cm, realiza mais flexão de metacarpo
falangeana na mão esquerda do que na direita. Foi realizados testes de oponência do polegar, teste do músculo flexor
radial do carpo, teste da força de preensão, teste da força de precisão, trendelenburg, Patrick, Ober.
O objetivo do tratamento proposto foi ganhar mobilidade articular nas articulações rígidas, alongar abdutores
de quadril, fortalecer adutores de quadril, alongar e fortalecer dorsiflexores e flexores plantares do tornozelo. Esse
objetivo inicial foi traçado como forma de iniciar o tratamento, onde após obter uma evolução considerável, surgirão
novos objetivos a serem alcançados.

Conclusão
A conduta proposta para Maria foi a mobilização articular no membro inferior direito, membro inferior
esquerdo, punho, metacarpo falangeanas, metatarso falangeanas, falanges proximais, medias e distais das mãos e pés
direito e esquerdo. Fortalecimento de adutores de quadril (adutor curto, adutor longo, adutor magno, pectíneo, grácil,
porção longa do bíceps femoral, plano profundo do glúteo máximo, psoas maior e ilíaco), alongamento de abdutores de
quadril (glúteo médio e mínimo, deltoide glúteo, tensor da fáscia lata, piriforme, gastrocnêmio, sartório e obturadores
externo e interno). Além de trabalhar a mobilidade do quadril, mãos e pés com alongamentos passivos.
A hipótese prognostica para Maria é ruim, devido ao uso prolongado de corticoide que causou alterações
consideráveis no sistema musculo esquelético, além das alterações avançadas causadas devido à artrite reumatoide e a
esclerodermia sistêmica. Durante as evoluções a paciente não demonstrou melhora significativa, a mesma relatou dor
apenas quando são realizados os movimentos, mas concluiu que depois que é feito a mobilizando ela não apresenta dor.
Durante cinco sessões foi observado na quinta sessão que a paciente suportou mais a dor, e conseguiu resistir
mais aos movimentos, além de conseguir realizar a abdução do quadril sozinha com o uso do thera band, sem precisar
do apoio da acadêmica em fisioterapia. Além disso, conseguiu realizar a atividade com o exercitador de dedos com mais
facilidade quando comparada a primeira sessão.
Através das sessões realizadas com Maria, é possível concluir que a mesma possui um longo caminho de
reabilitação, sendo necessário um acompanhamento de perto de um reumatologista e de um fisioterapeuta. Ademais,
devido a escassez de artigos ou estudos científicos relacionados a Síndrome de Overlap, acaba dificultando ainda mais a
evolução do tratamento.
Além disso, é possível observar que realidade socioeconômica e falta de informação é um fator considerável no
surgimento de doenças, onde a mesma não sabia dos efeitos maléficos do uso excessivo de corticoides, e não tinha
condições financeiras ou falta de informação para procurar um especialista quando os sintomas de rigidez articular
começaram a surgir.
Ademais, o tratamento fisioterapêutico da Sindrome de Overlap vai ser direcionado de acordo com alterações
musculoesqueléticas causadas pelas doenças do tecido conjuntivo, de natureza autoimune que o paciente apresentar,
sendo necessário um tratamento individualizado.

Agradecimentos
Ao professor e preceptor João Warley Alves que me incentivou a fazer um estudo de caso sobre a Síndrome de
Overlap, a UNIFIPMoc que possui um ótimo programa de estágio obrigatório onde tenho a oportunidade de praticar a
teoria vista em sala de aula.

Referências

MACENA, B.; et al. SINDROME DE OVERLAP: UMA REVISÃO DE LITERATURA DA ASSOCIAÇÃO ENTRE ARTRITE REUMATOIDE, ESPONDILITE
ANQUILOSANTE E SINDROME DE SJOGREN. 2021.
PONTES, C. ; et al. SINDROME DE OVERLAP: ESCLEROSE SISTÊMICA SEM ESCLERODERMIA ASSOCIADO À POLIMIOSITE: RELATO DE CASO.
Revista Eletrônica Acervo Saúde. Vol.Sup. n.44. 2020.
SAMARA, A. ESCLEROSE SISTÊMICA. Rev. Bras. Reumatol. 44. Fevereiro, 2004.
TAVARES, F.; et al. EFEITOS DELETÉRIOS DO USO CRÔNICO DE CORTICOIDES: UMA ABORDAGEM DO DESENVOLVIMENTO DA SINDROME
DE CRUSHING. 2021.

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