Você está na página 1de 115

História do Direito Português 1

Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Sebenta de História do Direito


Português
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Regência: Professor Doutor António Pedro Barbas Homem

1
História do Direito Português 2
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Parte I
Introdução

2
História do Direito Português 3
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Noção de História do Direito

História do Direito pode ser definida como a disciplina que descreve e Parte I
Capítulo I
explica as instituições e a vida jurídica do passado, nos seus múltiplos
aspetos normativos, práticos, científicos e culturais.

História do Direito Português Introdução


Esta disciplina ocupa-se da experiência jurídica portuguesa não atual,
que pertence ao passado. Deste modo, se se visa o estudo da
Periodificação
experiência portuguesa parece que o termo a quo, o marco inicial da
História do Direito Português se encontra na fundação de Portugal:
antes desta, não haveria, por definição, uma experiencia jurídica
portuguesa.

A primeira consideração a fazer é a de que o facto de Afonso


Henriques, cerca de 1140, se ter intitulado rei de Portugal, em nada
alterou (a não ser no plano constitucional) a experiencia jurídica da
sociedade que passou a ser o Portugal independente. Por isso, para se
compreender toda essa experiencia, em que se engloba a própria
independência, há, certamente, que olhar para trás da fundação politica
de Portugal; há que observar as experiência jurídicas anteriores, pois
aí, se vai encontrar o porquê do Direito Português. No entanto, o facto
da História do Direito Português se ter de ocupar, forçosamente, de
experiencias anteriores à fundação de Portugal, não permite, de modo
algum, inferir que essas experiencias são portuguesas. Também o
estudo dos Lusitanos romanos e visigodos interessa à história de
Portugal e, todavia, aqueles agregados humanos não são portugueses.

O Objeto da História do Direito Português não é o de estudar a


História do Direito de todas as sociedades que viveram, ao longo dos
tempos, no espaço geográfico que atualmente se conhece como
Portugal. O objeto é o de estudar a história do Direito da sociedade
portuguesa. Se assim é, o pressuposto de legitimidade do estudo de
experiencias jurídicas de sociedades anteriores à nacionalidade, no
âmbito da História do Direito Português, só pode residir, afinal, na
existência de um nexo de continuidade entre essas sociedades e a
sociedade portuguesa.

O Direito é, acima de tudo, um fenómeno cultural: há Direito


Português na medida em que se formou uma comunidade de pessoas
geradora de uma cultura própria

“O Direito Português tem o seu inicio com a independência de


Portugal. Mas é a continuação de tradições jurídicas do território
onde se formou a nova comunidade politicamente independente. Por
isso o estudo da História do Direito Português deve ser antecedido de

3
História do Direito Português 4
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

uma introdução relativa aos antecedentes jurídicos de Portugal.” (Marcelo Caetano)

Objeto da História do Direito

Quanto ao objeto ou ao conteúdo, a história do Direito compreende três áreas fundamentais:

➢ História das Fontes – Tudo o que traga ao conhecimento atual qualquer facto
passado que interesse à reconstituição de um facto ou sistema jurídico.
➢ História das Instituições – Cujo objetivo consiste em estudar o próprio Direito
tal como se acha contido nas próprias normas jurídicas das diferentes épocas.
Evidentemente, não basta a averiguação das instituições jurídicas configuradas
pelas normas. Interessa apurar, além disso, se, na prática, estas instituições eram
vividas, ou se, e em que medida, constituíam letra morta. Nesta ultima hipótese,
cabe ainda determinar qual o ordenamento jurídico efetivamente seguido.
Uma coisa é o Direito que o legislador estatui para os componentes de um certo
agregado social e coisa diversa pode representar o direito que de facto se adota.
Entre os povos antigos verifica-se, frequentemente, um esforço constante dos
legisladores para estabelecer a observância das normas jurídicas inovadoras e
mais perfeitas, enquanto, a seu lado, se encontra uma forte resistência da
população, que continua apegada às instituições tradicionais.
➢ História do Pensamento Jurídico – Reporta-se à formação e à atividade mental
do jurista como operador do Direito, quer dizer, na função mediadora que lhe
compete entre o mundo das normas ou dos valores jurídicos e a vivência destes
nas situações concretas. Portanto, a história do pensamento jurídico ocupa-se da
atividade cientifica, cultural e também prática que, em cada época, acompanha o
Direito.
O Direito nem sempre foi construído nos moldes que o conhecemos hoje. Por
exemplo, os Homens da ciência medieval do Direito estavam intimamente
ligados à religião. O Direito, inicialmente, teve uma forte base religiosa, o
Direito tinha de estar numa relação direta com a religião.

Periodificação da História do Direito Português

A periodificação pode ser muito perigosa e artificiosa. Periodificar significa aceitar datas-
barreira, separando, em função de certos eventos delimitadores de épocas, os factos históricos.
Pode ser bastante enganador porque, verdadeiramente, a realidade histórica nunca detém um
desenvolvimento cronológico rigoroso e preciso.

A História é construída por factos relevantes e acontecimentos passados que juntos permitem
descrever a realidade passada. Todo este conjunto de acontecimentos não provoca uma mudança
repentina e instantânea. Por exemplo, se é verdade que a Revolução Francesa foi um marco
fundamental na história da humanidade, também é verdade que a época contemporânea não
tenha começado, de forma igual, em todos os países, à data de 1789. O começo da época
contemporânea foi o resultado de um conjunto de ocorrências e não única e exclusivamente da
Revolução Francesa.

A periodificação tem, também, um patente grau de subjetivismo, é o historiador que vai concluir
quais os factos ou os elementos que marcam cada época e, consoante isso, introduzir uma
organização cronológica.

4
História do Direito Português 5
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Este subjetivismo resulta da impossibilidade de o historiador ponderar, ou até conhecer, todos


os eventos que se produziram num certo evento histórico, impondo-se-lhe uma trabalho de
abstração.

A historiografia nacional tem tomado vários caminhos e foram adotadas várias classificações
quanto à periodificação.

Um primeiro critério, defendido por Melo Freire, Caetano do Amaral, Herculano, divide a
historia do direito de acordo com fatores políticos:

1) Período Pré-Romano;
2) Período Romano; Este critério reduz a história jurídica
à história dos factos políticos,
3) Período Visigótico ou Germânico;
estando estes consubstanciados na
4) Período da Reconquista; história do Estado. Também o que
5) Período da Monarquia Limitada ou Feudal; se encontra latente é o predomínio
6) Período da Monarquia Absoluta; do direito público sobre o direito
7) Período da Monarquia Liberal-Constitucional; privado, a ideia de Estado como
8) Período Republicano. grande fator de produção do direito.

Outros critérios foram apresentados por outros autores tendo como base o predomínio do
elemento jurídico-externo (fontes) ou, ainda, as instituições.

Periodificação Adotada Pelos Professores Ruy e Martim de Albuquerque

Segundo os professores, a História do Direito Português (atendendo só ao momento posterior à


fundação da nacionalidade) divide-se em dois grandes períodos.

➢ O Primeiro Corresponde a uma ordem jurídica essencialmente pluralista.


➢ O segundo a uma ordem jurídica essencialmente monista;

A transformação de uma na outra opera-se com a concentração nas mãos do Estado das fontes
de produção jurídica – de forma exclusiva ou quase.

Especificidade Do Fenómeno Jurídico No Primeiro Período

No primeiro período coexiste uma série de factos normativos de providência diversa (romana,
germânica, islâmica, judaica,…), formalmente correspondendo a uma heterogeneidade de
fontes: costume, direito prudencial, direitos locais, …), sem esquecer o pluralismo étnico-
religioso correspondente à inserção de comunidades judaicas e mouras no texto do reino,
dotadas de direito próprio. Não há um domínio do direito emanado do poder central, mas sim o
direito de uma pluralidade de instituições, personalizadas ou não. Não existia, ainda, o conceito
moderno de Estado.

No primeiro período (pluralista), o Direito corresponde a uma conceção do mundo bem


marcada. O Homem tem um fim metafisico, não existem ações incolores: tudo possui uma
dimensão espiritual. A comunidade politica encontra-se em função dos próprios fins e da
estrutura mais vasta da republica cristã.

A republica cristã constitui a unidade na qual o Homem encontra a máxima realização, razão de
tudo o que está para além desta ter de ser convertido. A guerra é, em simultâneo, um processo

5
História do Direito Português 6
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

politico, económico, militar e religioso. Tem, por isso, um valor ético traduzido na Guerra
Justa. A Europa constitui um todo conceptualmente hierarquizado, situação que só será
alterada com os Descobrimentos (grandes alterações ao nível do Direito Internacional e do
Direito Interno – criação de um aparelho político-administrativo próprio, fenómenos de
descentralização,…).

Na segunda época surge o conceito moderno de Estado com a sua pretensão de deter o Direito.
Começando por disciplinar o valor do costume, do direito prudencial e do direito supra-estadual,
o Estado acabará por proclamar a redução do direito aos factos jurídicos por ele promulgados, o
que encontra o signo externo mais totalitário no identificar do direito com a lei – e por impor a
unidade religiosa, com a expulsão dos mores e judeus, a sua conversão forçada.

O jurista deixa de ser um prudente. Convertido progressivamente de jurista autoritário em


jurista burocrático, é posto ao serviço dos fins políticos do Estado e depois dos seus fins
administrativos.

Aos poucos o Direito tornou-se a lei. O próprio Direito Natural quando não é negado como
elemento limitativo da soberania do Estado deixa de ser entendido como um conjunto de valores
atemporais, vinculantes do Estado. É o Estado que define autoritariamente o que é ou não
Direito Natural. A lei surge como um valor absoluto, ela incorpora aquela que é a vontade do
Estado, contra a qual nada poderá prevalecer.

A data que foi tomada como o marco inicial do segundo período foi a Conquista de Ceuta
(1415), que inaugurou a chamada Idade Oceânica na História Universal.

A historia é continua e essa continuidade está sempre presente, a escolha desta data está acima
de tudo relacionada com o grande marco simbólico que ela significa. Apesar das alterações
poderem ser lentas e progressivas, muitas vezes apercebíveis apenas com a observação de
dilatados arcos de tempo, a conquista de Ceuta marcou definitivamente uma mudança que se
viria a notar em todo o Direito Português.

Subdivisão do Segundo Período

Apesar de existir um elemento de continuidade, que é expresso pela dialética da concentração


do Direito nas mãos do Estado, existem, porém, fatores de diversidade a atentar e que permitem
dividir este período em duas subépocas.

O marco que as divide é a Revolução Liberal de 1820.

Apontamentos Das Aulas Teóricas

O estudo da História do Direito Português vai ser concentrado em 5 grandes momentos:

➢ Europa Medieval;
➢ Europa Moderna;
➢ Europa Contemporânea I (1820-1910);
➢ Europa Contemporânea II (1910-1974);
➢ O Nosso Tempo;

6
História do Direito Português 7
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Ao longo da História do Direito Português, o Direito Romano vai renascer em diferentes épocas
e isso explica a similitude do Direito nos diferentes países europeus (Ius Comunem/Direito
Comum).

Independência Portuguesa Episódio Politico, do ponto de vista cultural não há


mudanças. O Direito é o mesmo, continuidade em relação à monarquia Leonesa.

A fundação da nacionalidade não é uma época de rutura do ponto de vista da cultura e do


Direito, as Fontes de Direito continuam a ser as mesmas, tudo se vai processar como já
acontecia anteriormente.

Idade Média Longa noite de mil anos, entre a queda de Roma e de Constantinopla

A mensagem comum no séc. XVI foi de que a Idade Média não trouxe nada de novo,
simbolizava um vazio e que com o Humanismo e com o Renascimento tinham regressado os
grandes clássicos do Direito Romano.

No entanto, a idade média deu um grande contributo à Humanidade pela criação da


Universidade. A primeira Universidade nasceu no século XII na cidade de Bolonha. Nesta altura
Itália estava dividida em vários reinos e cidades-estado. A partir de Bolonha, por imitação,
surgem, na Europa várias universidades (Universidade de Paris, Oxford, Lisboa). A
Universidade é, por isso, uma das invenções medievais muito ligada à cultura que contribuiu,
em muito, para o desenvolvimento das profissões jurídicas ao longo dos séculos.

Estudo Geral Primeira Universidade Portuguesa, fundada na cidade de Lisboa pelo rei
D. Dinis

Metáfora Medieval Árvore do Conhecimento

O tronco da árvore é a Teologia, a Ciência do Direito vai nascer a


partir da Religião, estando presente uma relação total e inseparável
entre o Direito e a Justiça. Atualmente é possível, mesmo para os
juristas, distinguir o Direito da Justiça, porém, a visão medieval era
muito diferente.

Nós falamos por palavras (símbolos/conceitos), na época medieval


as aulas, as obras e a principal língua de comunicação era o latim e
continuou a ser até ao século XIX.

Em latim, a mesma palavra (Ius) tanto podia significar Justiça como


Direito. Havia também, devido a isso, uma dificuldade para os
autores em separar o Direito da Justiça.

7
História do Direito Português 8
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

A Bíblia não era unicamente um texto religioso era, também, um texto jurídico. Vários
exemplos presentes na Bíblia serviram como fundamento para a organização da sociedade
humana:

▪ No episódio da fundação do mundo, Deus, antes de condenar Adão, chama-o à parte e


pergunta-lhe se ele tinha violado uma ordem divina. Este episodio tem uma enorme
carga simbólica (pecado original)

Grandes teóricos da época (S. Tomás de Aquino, por exemplo, defendeu que se até Deus
ouviu antes de condenar, ninguém, nem mesmo um rei ou juiz, pode condenar alguém sem
ouvir primeiro (Principio do Direito Divino).

A referência à relação entre Direito e Religião não é apenas um fenómeno abstrato.

Quando Cristo formula princípios básicos, como por exemplo, “Não separe o Homem o que
Deus uniu”, o Cristianismo é transposto para a prática jurídica (Principio da
Indissolubilidade do Casamento).

A Bíblia é um texto que tem uma mensagem para a vida dos Cristãos. Esta visão estava
presente nos autores medievais, mas, embora esteja presente, é necessário recorrer à
interpretação.

Direito ≠ Fundamentalismo

O Direito não se limita à Bíblia

Apesar da Bíblia ter um papel importante na construção do Direito e na organização da


sociedade, ao contrário do que acontece no fundamentalismo, não tem de ser necessariamente
levada à letra. A religião cristã não é uma religião do livro, mas uma religião da interpretação do
livro. Cristo falou por palavras que carecem de ser interpretadas

O Direito Natural de origem Divina permitia que se estabelecesse uma relação entre Direito e
Religião, Ciência Jurídica e Teologia. O pensamento jurídico medieval desenvolveu-se a partir
do Direito Romano mas autonomizou-se pelo contributo dado pelo Direito Natural.

8
História do Direito Português 9
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Antecedentes do Direito Português

Período Pré-Romano, Primitivo ou Ibérico


Capítulo II
A característica básica a pôr em evidência deste período é a de que Antecedentes do
a Península estava longe de oferecer uma unidade étnica,
linguística, cultural, religiosa, política, económica ou jurídica. Em Direito Português:
todos os aspetos referidos, constituía um conjunto bastante
diversificado.

Existe uma reconstituição muito fragmentada e insegura deste ▪ Período Pré-Romano;


período, as fontes disponíveis revelam-se escassas.

Povos Anteriores à Conquista Romana ▪ Domínio Romano;

Principais Povos Autóctones


▪ Domínio Germânico;
A grande diversidade étnica dos diferentes povos presentes na
Península Ibérica era salientada, entre outros aspetos, através da ▪ Domínio Muçulmano;
cultura e do próprio desenvolvimento económico. Alguns deles
limitavam-se à produção agrícola e à pecuária, enquanto outros, ao
▪ Monarquia Leonesa e
lado de uma economia agrária próspera, tiveram atividades
industriais e mineiras. Condado Portucalense;

Parece admitir que as zonas mais prósperas correspondiam à atual


Andaluzia, à parte oriental da península Ibérica e à orla marítima
que hoje constitui a costa portuguesa. Pelo contrário, os povos
mais atrasados tenham sido os das regiões interiores, do Noroeste e
do litoral cantábrico.

Não obstante a grande variedade de raças ao tempo da conquista


romana, torna-se possível dividir os povos que habitavam a
Península Ibérica em cinco grupos principais:

▪ Tartéssios

Eram o povo mais culto e adiantado da Península. Encontravam-se


estabelecidos ao sul, aproximadamente na região delimitada pelo
rio Guadiana.

▪ Iberos

Estavam localizados na orla oriental, expandindo-se para o interior


através das atuais regiões da Catalunha e de Aragão.

▪ Celtas

Ocupavam o Noroeste e o Sudoeste (as zonas que correspondem ao


Minho e à Galiza atuais e ao sul do rio Tejo).

9
História do Direito Português 10
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

▪ Celtiberos

Trata-se de uma fusão entre os dois grupos (Celtas e Iberos), tornaram-se um dos grupos mais
importantes da Península, nele se incluíam os lusitanos.

▪ Franco-Pirenaicos

Localizaram-se no extremo Norte da Península, a que correspondem as modernas regiões de


Navarra e Vascongadas.

Colonizações Estrangeiras

Apontam-se correntemente várias viagens marítimas e contactos remotos com povos europeus e
norte-africanos. Porém, os colonizadores que mais contribuíram para o progresso cultural e
económico dos povos indígenas foram:

▪ Fenícios

Povo de comerciantes e navegadores da Ásia Menor, que conseguiu nos seculos IX e VIII a.C
alcançar a hegemonia mercantil do Mediterrâneo. Foram os interesses económicos que levaram
os Fenícios, no século IX a.C a estabelecer várias colonias e feitorias ao longo da costa africana,
dentre as quais sobressai Cartago. Esses mesmos interesses trouxeram os Fenícios até à
Península, fixaram-se na costa meridional, fundando Cádis e outras cidades.

▪ Gregos

Vieram movidos por objetivos comerciais, criaram algumas colonias na Andaluzia Oriental e
expandiram-se, depois, para o Norte, ao longo da costa.

▪ Cartagineses

Nota Conclusiva

Apesar do Direito e da História anteriores à formação da nacionalidade serem importantes, o


estudo de História do Direito Português vai ser concentrado no momento posterior à formação
da nacionalidade.

10
História do Direito Português 11
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Capítulo III
A Identidade Civilizacional da Europa Ocidental

Poderes e Crenças – Multiplicidade e Unidade

Após a Queda de Roma, a Europa entrou no período da Idade


Contexto Histórico
Média (período entre a queda do Império Romano do Ocidente –
476 - e a queda do Império Romano do Oriente – 1453). Durante
cerca de mil anos, a Europa nunca mais voltou a ter uma
▪ A Identidade Civilizacional
estabilidade política semelhante à proporcionada pelo Império
Romano. da Europa Ocidental;

Os Senhorios - Era uma terra (propriedade Fundiária pertencente ▪ Monarquia Leonesa e


a um senhor nobre ou do alto clero). Podia-se compor por terras
Condado Portucalense
aráveis, bosques e um ou mais aglomerados populacionais. O
proprietário concedia parcelas do seu terreno aos camponeses, os
quais, em troca, lhe pagavam prestações em dinheiro, alimentos
ou trabalho. Para além dos rendimentos económicos que retirava
da posse da terra, o senhor detinha também a autoridade sobre os
homens que a habitavam, tendo o direito de julgar e aplicar
penas, lançar impostos e outras taxas, recrutar homens para o
exército. Este conjunto de poderes públicos, açambarcados pelos
senhores, recebeu o nome de ban ou bannus. Este duplo poder do
senhor (domínio económico e autoridade sobre os homens) é uma
das características mais marcantes dos tempos medievais.

Ducados e Condados – Os duques e os condes constituíam os


escalões superiores da nobreza medieval. Geralmente
aparentados com a casa real, possuíam senhorios imensos, cuja
extensão muitas vezes se foi alargando; generosas doações régias
e uma hábil política de casamentos contribuíram para juntar,
numa só mão, parcelas senhoriais anteriormente separadas. Estes
senhorios englobavam terras agrícolas, aldeias, vilas, e, até,
cidades importantes. Extremamente ricos e poderosos, estes
grandes senhores chegam a afrontar o poder régio.

Os Reinos – Unidades políticas extensas que são governadas por


um rei. Devem estar subordinadas a este conceito duas condições
fundamentais:

• O reconhecimento da Superioridade de uma família


(realeza), a qual transmite o poder num regime
hereditário. O rei detém sobre todos uma autoridade
suprema, que deve utilizar para garantir o bem comum.
• A delimitação de um território sobre o qual o monarca
exerce a sua autoridade. O facto de ter nascido no reino
coloca todo o homem na dependência do rei.

A constituição de um reino corresponde a um processo de


identificação entre o rei, um território e os seus habitantes. No
ocidente da europa os reinos constituíam-se já unidades estáveis
(Portugal, Castela, Aragão, França e Inglaterra) e no oriente
europeu o processo de formação dos reinos dava os primeiros
passos.

11
História do Direito Português 12
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

O Império – A queda do Império Romano do Ocidente não apagou o ideal de uma autoridade
máxima comum. No séc. XX, o rei da Germânia Otão I aliou-se ao Papa e, da união dos
territórios Germânicos e Italianos, nasceu o Sacro Império Romano-Germânico. O sacro
Império procurava restaurar a união da Europa, perdida com o fim do Império Romano e com o
fracasso do Império de Carlos Magno (Imperador do Ocidente entre 800 e 843). Porém, a
rivalidade de poder entre o Imperador e o Papa, a par da oposição dos senhores locais, anularam
quaisquer possibilidades de sucesso do Império. A Oriente, o imperador bizantino nunca
reconheceu o Santo Império, considerando que era o único herdeiro do poder romano e que um
chefe “bárbaro” (oriundo da Germânia) nunca deveria liderar os cristãos. O Sacro Império não
era mais do que um conjunto de territórios governados por príncipes locais que escolhiam entre
si um imperador, cujo cargo, não conferia um poder efectivo.

As Comunas – Beneficiando da prosperidade económica as cidades foram as primeiras a


reivindicar a autonomia em relação ao poder dos senhores das terras. Os mercadores do Norte
de Itália criaram, no séc. XI, a comuna, associação dos habitantes da cidade que juravam
lealdade entre si e reclamavam direitos perante o senhor. As lutas comunais (movimento
comunal) expandiram-se até às cidades obterem, ora através da violência, ora de forma
negociada, a ambicionada Carta Comunal que estipulava as garantias de uma (maior ou
menor) autonomia administrativa. O termo comuna passou a designar cidade com (relativa)
autonomia. Os altos cargos administrativos, nestas cidades, eram assumidos pelos mercadores
mais ricos que controlavam a vida económica e política da comuna.

A Imprecisão de Fronteiras – Anexações, Guerras ou Acordos Políticos alteravam com


frequência a configuração dos territórios independentes. O mesmo acontecia a nível Interno: os
desmembramentos ou a junção de senhorios, as liberdades conquistadas pelas cidades e as
usurpações senhoriais traçavam delimitações efémeras, de contornos mal definidos.

O Papel Desempenhado pela Religião na Coesão Interna do Mundo Ocidental

Perante uma europa fragmentada politicamente, a religião Cristã uniu na mesma fé, sob o
mesmo chefe supremo – O Papa, bispo de Roma – toda a cristandade Latina. A evangelização
no norte e este da Europa, juntamente com o movimento de reconquista na Península Ibérica,
alargaram a área de predominância da fé Cristã. O mundo medieval Ocidental, alheio ao
ateísmo, era essencialmente cristão, com excepção dos Judeus e dos Mouros, ora tolerados mas
circunscritos territorialmente, ora abertamente perseguidos.

A afirmação da Igreja Cristã apoiou-se, em especial, no crescente poder do Bispo de Roma,


através da Reforma Gregoriana: O Papa Gregório VII (séc. XI) disciplinou a actuação dos
clérigos e proclamou a superioridade do Papa sobre a de qualquer monarca graças ao seu
Imperium Christianum (poder sobre a Cristandade). Apesar de contestada pelo imperador do
Sacro Império e pelos monarcas europeus, a Igreja conseguiu fazer valer a sua supremacia sobre
todos os cristãos, unindo-os na obediência a Roma, ao Papa, à dízima e aos clérigos, orientados
sobre o direito Canónico. Até ao final da Idade Média, as Cruzadas deram aos Cristãos uma
razão acrescida para a União, no combate contra os “inimigos da fé”.

A Igreja viu o reforço da sua autoridade e do seu poder, revelando-se, como, a instituição mais
poderosa e organizada do Ocidente:

• Tem um centro reconhecido, Roma, e um chefe supremo, o Papa;


• Exerce o seu poder sobre todo o Ocidente e todos os seus habitantes;
• Possui meios Humanos e Materiais. Um numeroso corpo de Clérigos, bem organizado,
representa-a junto dos fieis; a cobrança da dízima (um décimo de todas as colheitas) e
de outras taxas assegura-lhe riqueza, que se completa com extensas propriedades e
generosas dádivas;

12
História do Direito Português 13
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

• Rege-se por um Código de Leis Próprias – O Direito Canónico – que individualiza os


seus membros face à restante população;

A Cristandade Ocidental face ao Bizâncio

Bizâncio (ou Constantinopla) era a capital do Império Romano do Oriente. A religião


seguida era a Cristã, embora a língua corrente e litúrgica fosse o grego e não o latim. O
Império era chefiado por um patriarca, orgulhoso de ser o herdeiro do Império Romano no
Oriente. A sua recusa em aceitar submeter-se à supremacia do bispo de Roma conduziu ao
primeiro Cisma da Cristandade: criou-se, no séc. XIX, o Cristianismo Ortodoxo que
reclamava seguir a “doutrina certa”, a mais fiel ao Cristianismo primitivo. A Igreja Grega
expandiu-se para Norte, conquistando fieis nos territórios correspondentes, actualmente, às
ex-repúblicas socialistas soviéticas. A rivalidade entre as duas Igrejas nunca se extinguiu,
atingindo apogeus de violência aquando da quarta cruzada (1204), momento em que os
cruzados cristãos (cavaleiros que cosiam nas vestes uma cruz vermelha) saquearam
Constantinopla, cidade cujos habitantes partilhavam da mesma fé em Cristo.

A Cristandade Ocidental face ao Islão

Islão significa “submissão total a Deus”. A religião Islâmica ou muçulmana nasceu no


século VII, fundada por Maomé. Maomé inscreveu os cinco princípios fundamentais desta
nova religião no livro sagrado chamado Corão:

• Crença em Alá, Deus único (monoteísmo) e no profeta Maomé;


• Oração;
• Esmola;
• Jejum durante o Ramadão;
• Peregrinação a meca pelo menos uma vez na vida;

Para além destes princípios, o crente muçulmano deveria espalhar a fé, inclusive pela força das
armas (jihad – Guerra Santa).

Do séc. VIII ao séc. XII o Islamismo expandiu-se por toda a Arábia, Norte de África e parte da
Ásia. As tribos dispersas de árabes uniram-se sob a mesma fé criando, por um lado, um mundo
religioso uno – o mundo Islâmico ou Islão (conjunto de comunidades muçulmanas) e, por outro
lado, uma civilização própria, a muito níveis mais rica culturalmente do que a Cristã. Granada,
por exemplo, capital do reino Muçulmano de Al-Andaluz (na Península Ibérica), era procurada
pelos melhores artistas, sábios e poetas.

No entanto, desde o séc. XI, o movimento das Cruzadas, impulsionado pelo Papa Urbano II,
combateu o poder dos Muçulmanos. Quem morresse lutando pela fé Cristã veria os seus
pecados perdoados. A luta contra o Islão atingiu a Península Ibérica (movimento da
Reconquista), o Sul da Europa, as Rotas do Mediterrâneo. Por último, no séc. XV (1492), caía
também Granada, concluindo a Reconquista na Península Ibérica.

O Espaço Português – A Consolidação de um Reino Cristão Ibérico

A Fixação do Território

Ação do Conde D. Henrique e de D. Afonso Henriques para a Definição do Espaço


Português

A reconquista Ibérica estendeu-se entre 718 e 1492 (conquista do reino mouro de Granada).
Acorriam a estas cruzadas do ocidente, em busca de fama, de riqueza e da remissão dos pecados
prometida pelas bulas papais: os cruzados que iam a caminho da palestina, as ordens religiosas e
militares implantada na Península Ibérica; e cavaleiros oriundos de vários pontos da Europa.

13
História do Direito Português 14
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Neste ultimo caso se integra a vinda de Henrique de borgonha para a península Ibérica. Numa
época em que apenas o primogénito era herdeiro, os filhos segundos, como o futuro conde D.
Henrique, viam nas expedições militares uma forma de conquistar riqueza. Esta foi alcançada
em 1096, quando Afonso VI de Leão e Castela recompensou a sua ação militar concedendo-lhe
o governo do Condado Portucalense, território entre o Minho e o Mondego, e a mão da sua filha
bastarda, D. Teresa, em casamento.

Como qualquer senhor feudal, D. Henrique cumpriu as suas funções de vassalo, não deixando,
no entanto, de lutar pela expansão e autonomia do seu território: estendeu os limites do condado
até ao rio Tejo e apoiou o bispo de Braga nas suas pretensões de libertar a diocese do controlo
de Santiago de Compostela.

D. Afonso Henriques, filho de D. Henrique e de D. Teresa, conseguiu ir mais longe que o seu
pai, alcançando a independência do território e tornando-se o primeiro rei de Portugal.
Conseguiu definir um espaço para Portugal através de uma luta em 3 frentes:

▪ Contra a própria mãe – depois da morte do conde D. Henrique (1112), a sua esposa,
D. Teresa, sucedeu-lhe na direção do condado. Inicia-se, então, a ação política do seu
filho, D. Afonso Henriques: opondo-se à união da mãe com o nobre galego Fernão
Peres de Trava, o futuro rei de Portugal derrota os partidários de D. Teresa na
Batalha de S. Mamede (1128);
▪ Contra Afonso VII de Leão e Castela – Afonso VI de Leão e Castela, avô de Afonso
Henriques, havia casado a sua filha legítima, D. Urraca, com Raimundo de Borgonha,
concedendo ao genro o governo da Galiza. O seu filho, Afonso Raimundes, rei da
Galiza e primo de Afonso Henriques, viria, também, a ser Afonso VII de Leão e
Castela. Uma vez que os laços de vassalidade tinham carácter hereditário, Afonso
Henriques deveria ser fiel às suas obrigações (de segurança, auxílio militar e
conselho) para com o seu primo Afonso VII. Porém tal não aconteceu:
• Em 1137, o Acordo de Tui relembra a Afonso Henriques os deveres
para com o seu suserano;
• Em 1140, Afonso Henriques invade a Galiza, sofrendo a retaliação de
Afonso VII;
• Em 1142, Afonso Henriques considera-se vassalo lígio da Santa Sé,
tentando sobrepor as obrigações para com o Papa à vassalidade que
devia a Afonso VII;
• Em 1143, na Conferência de Zamora, Afonso Henriques é
reconhecido como rei pelo seu primo e alcança o título de rex (rei) que
já usava desde 1139, mas mantém-se vassalo do seu primo;
• Em 1179, a Papa Alexandre III, através da Bula Manifestis Probatum,
concede a Afonso Henriques o domínio do reino de Portugal com
inteiras honras de reino e a dignidade que aos reis pertence,
comprometendo-se o rei a entregar dois marcos de oiro anualmente ao
Arcebispo de
Braga;
▪ Contra os Muçulmanos –
Reconquistando os territórios de
Lisboa, Alcácer do Sal e Évora;
Definição do Espaço Português no
Contexto da Reconquista

Afonso Henriques instalou a capital do


condado em Coimbra em 1131, de modo a
ficar mais próximo da fronteira com o
inimigo muçulmano. Durante o seu

14
História do Direito Português 15
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

reinado, D. Afonso Henriques conquistou Lisboa com a ajuda dos cruzados do Norte da Europa
(1147), Alcácer do Sal (1158) e Évora (1165).

Os Avanços da Reconquista e o seu Termo

▪ D. Sancho I (1185 – 1211) – Com este rei a reconquista avançou até o Algarve, mas
perderam-se, para os almóadas, todas as praças conquistadas a Sul do Tejo, excepto
Évora;
▪ D. Afonso II (1211 – 1223) – mais ocupado com a administração do território, este rei
descurou a acção militar, abstendo-se de intervir pessoalmente na batalha de Navas de
Tolosa, ação conjunta de monarcas cristãos contra os mouros (1212) e de conquista de
posições no Alentejo;
▪ D. Sancho II (1223 – 1245) – avançou na reconquista da Alentejo e chegou ao Algarve
oriental entre 1234 e 1238. D. Sancho II foi deposto pelo papa em 1245, sucedendo-lhe
o seu irmão D. Afonso III;
▪ D. Afonso III (1248 – 1279) – Concluiu a Conquista do Algarve, terminando a
reconquista Portuguesa.
As Condições do estabelecimento Definitivo das fronteiras em Portugal

O final da reconquista portuguesa (1249) não coincidiu com o estabelecimento definitivo das
fronteiras de Portugal. É que, se o combate contra os Muçulmanos estava ganho, o mesmo não
se podia dizer dos confrontos com Leão e Castela. Já em 1179, a bula do Papa Alexandre III
defendia a posse, por Afonso Henriques, dos lugares conquistados aos “sarracenos” “nos quais
não podem reivindicar direitos os vizinhos príncipes Cristãos”

Porém, a posse de zonas limítrofes, despertou, muitas vezes, litígios. Foi o caso do reino do
Algarve, cuja conquista foi dificultada pela forte concentração urbana e pela defesa organizada
pelos Muçulmanos:

▪ Em 1252, Afonso X de Leão e Castela e suserano do rei mouro de Granada, reivindicou


o ex-reino algarvio de Niebla;
▪ Em 1253, no tratado de paz, o papa Inocêncio IV consegue que Afonso X se torne sogro
de Afonso III, renunciado este às pretensões sobre o Algarve;
▪ Em 1263-24, Afonso X transfere para o seu neto, D. Dinis, as obrigações de
vassalagem;
▪ Em 1267, Afonso X transfere para o seu neto, D. Dinis, os direitos sobre o Algarve;
▪ Finalmente, em 1297, pelo Tratado de Alcanizes, celebrado já entre D. Dinis e
Fernando IV de Castela, fixaram-se os limites territoriais dos dois reinos;
Portugal é, assim, o país da Europa que apresenta as fronteiras mais antigas e estáveis.

As Linhas de Avanço da Reconquista

A reconquista Peninsular tomou, essencialmente, dois sentidos:

➢ Do Ocidente para o Oriente ao longo dos Rios, por um lado, e da fachada atlântica,
menos ocupada pelos Muçulmanos, logo, mais fácil de conquistar, por outro lado;
➢ De Norte para Sul (no entanto, havia, por vezes, desvios a esta orientação);
O Caráter da Reconquista

O movimento da reconquista significa, por um lado, a efectiva reconquista (recuperação), a


partir do reino das Astúrias, do território político que os invasores muçulmanos haviam ocupado
desde a invasão do séc. VIII (711) e, por outro lado, uma guerra santa contra os Muçulmanos
vindos do norte de África para a Península Ibérica nos séculos XI e XII. Estes dois aspectos –
político e religioso – caracterizaram todo o desenvolvimento histórico da reconquista.

15
História do Direito Português 16
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Tratado de Badajoz (1267)

Quando D. Afonso III terminou a campanha do Algarve, viu-se confrontado com a


reivindicação, por parte de AfonsoX rei de Castela, da posse das terras acabadas de conquistar
sob o argumento de que o emir do reino muçulmano de Niebla se tinha feito seu vassalo,
cedendo-lhe a soberania sobre as suas terras. Defendia o rei Castelhano que a ação de conquista
empreendida por D. Afonso III era ilegítima, porquanto as terras algarvias já integravam um
reino Cristão.

Contra-argumentou o rei de Portugal, defendendo que as terras algarvias continuavam povoadas


por infiéis e localizavam-se a sul das fronteiras portuguesas, por conseguinte, numa área cujo
direito de reconquista lhe era reconhecido, em consequência de um acordo, segundo o qual cada
soberano considerava como áreas privadas de conquista as terras situadas a sul das respectivas
fronteiras.

Entre 1252 e 1253, os dois monarcas chegaram a confrontar-se militarmente, tendo o conflito
terminado com a intermediação da Santa Sé e o Contrato de Casamento de D. Afonso III com
D. Beatriz, filha ilegítima de D. Afonso X. O monarca castelhano passava a reconhecer a posse
das terras algarvias pelo rei de Portugal, seu genro, mas na condição de vassalo, situação que
não satisfez plenamente os interesses de D. Afonso III.

Em 1267, o litígio resolveu-se definitivamente com a cedência, por parte de D. Afonso X, de


todos os direitos sobre as terras algarvias ao descendente varão de D. Afonso III e seu neto, D.
Dinis, aclamado rei em 1279.

Tratado de Alcanizes (1297)

Trinta anos mais tarde, aproveitando uma crise política originada na sucessão de D. Sancho IV,
de Castela, D. Dinis intervém como mediador, aproveitando para expandir a sua ação de
conquista a algumas praças do interior castelhano.

O rei de castelã denuncia a ilegitimidade das ações militares de D. Dinis e dá início a um


contencioso diplomático que resolveu numa cimeira realizada na povoação espanhola de
Alcañices, em 1297. O rei português prescindiu de conquistas que dificilmente poderia sustentar
e preferiu impor, em troca, a fixação definitiva das fronteiras do reino. Com a celebração do
tratado de Alcanizes ficavam, efectivamente, definidas as fronteiras entre os reinos de Portugal
e de Leão e Castela, num traçado que se veio a revelar como o mais estável e antigo da Europa.

O Povoamento e a organização do Território

Se D. Afonso Henriques foi cognominado de o Conquistador, seu filho, D. Sancho I, apesar de


ter dado continuidade às conquistas do pai, já foi cognominado de o Povoador. Com efeito, não
chegava a posse das terras e a definição das fronteiras para se poder falar de um novo país
devidamente estruturado. Era necessário fixar novos moradores, fortalecer as povoações,
proteger as fronteiras, estimular o desenvolvimento económico e organizar o poder político e
administrativo. Por conseguinte, à medida que as fronteiras se iam estendendo para sul, o
povoamento e a organização social, política e económica do reino cedo passaram a constituir
outra grande preocupação dos conquistadores. No povoamento e organização do reino,
distingue-se:

➢ Um País predominantemente Rural e Senhorial – Constituído por antigos senhorios da


nobreza e do clero, no Norte Atlântico, e por novos senhorios predominantemente
eclesiásticos, constituídos à medida em que a reconquista avançava em direção ao sul;
➢ Um País Urbano e Concelhio – Organizado como alternativa ao país rural e senhorial,
predominante nas terras situadas a sul do Mondego e no Norte beirão e transmontano;

16
História do Direito Português 17
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

O País Rural e Senhorial

Por país rural e senhorial entende-se um país de forte tradição rural constituído por senhorios, à
semelhança do que ocorria por toda a Europa. Por senhorio deve entender-se uma propriedade
fundiária, normalmente de grande extensão, que podia ser localizada numa única área
geográfica ou dispersa por vários espaços e onde uma entidade eclesiástica ou um titular nobre
exerciam poder sobre a terra e sobre os homens.

O Processo de Formação do País Senhorial

Os senhorios (território onde o senhor exercia poder sobre a terra e sobre os homens) formaram-
se através da presúria, isto é, da ocupação, pelos Cristãos, de terras conquistadas aos
Muçulmanos, logo terras sem dono. Os senhorios distinguiam-se pela origem social do seu
proprietário:

▪ Reguengos – as terras eram do Rei, a que cabiam as terras sem dono por direito de
conquista (normalmente, a maior parte);
▪ Honras – as terras eram honradas pela presença do senhor nobre, que nelas exercia
poderes públicos;
▪ Coutos – Senhorios que pertenciam à Igreja e gozavam de isenção fiscal, judicial e
militar graças a terem recebido uma carta de couto;
O Poder Senhorial

Empenhados no alargamento das fronteiras pela reconquista das terras ocupadas pelos
muçulmanos, os monarcas, ao reconheceram as honras e instituírem-se os coutos,
responsabilizavam os respectivos titulares pelo seu povoamento, desenvolvimento económico e
defesa. Ora, essa responsabilização implicava que os primeiros reis, umas vezes de modo
implícito, outras de modo claramente expresso, se fossem demitindo de um certo número ao até
na totalidade dos seus poderes militares, judiciais e fiscais sobre essas terras e fossem aceitando
a sua condição de imunidade.

➢ Imunidade dos Senhorios – Uma vez que, nos senhorios, os respectivos senhores
detinham o poder público, os funcionários régios ficavam impedidos de neles exercer as
funções militares, judiciais e fiscais que competiam ao monarca, na sua qualidade de
senhor supremo do reino. Este privilégio chamava-se de imunidade do senhorio e
conduziu a uma considerável perda de poderes por parte da realeza. A Concessão da
imunidade aos senhores fez-se através: de uma carta de Couto, pelo que a expressão
território coutado equivalia a território imune; da atribuição do poder público a um
nobre, que se considerava honrado por o monarca nele delegar a administração de
territórios ou castelo. Na prática esta imunidade, traduzia-se em três grandes privilégios:
▪ Isenção de encargos a pagar à Coroa por todos os seus moradores. Uma terra
honrada ou coutada era aquela cujos moradores ficavam isentos de obrigações
devidas ao rei;
▪ O Direito ao Exercício dos Poderes Senhoriais: o poder de comando, o poder de
punição e o poder de coacção;
▪ Proibição da livre entrada dos funcionários régios nos domínios senhoriais e da
interferência no exercício dos poderes senhoriais;
➢ O Poder Sobre os Homens. Por conseguinte dentro de uma área senhorial, o senhor
substituía-se ao rei no exercício de alguns poderes soberanos, este poderes públicos
eram denominados de poder banal (bannus):
▪ O Poder de Comando – Tratava-se de uma forma de poder político. O senhor
podia convocar exército privado e com ele organizar novas expedições
ofensivas e controlar fortificações; rodear-se de funcionários especiais para o
exército da sua autoridade; conceder forais e outras cartas de privilégio,
constituindo novas dependências relativamente ao seu senhorio;

17
História do Direito Português 18
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

▪ O Poder de Punição – Tratava-se de uma forma de poder Judicial. No seu


senhorio, o senhor ministrava a justiça por si próprio ou mediante juízes por si
diretamente nomeados. Era ele quem determinava as penas a aplicar;
▪ O Poder de Coação – Tratava-se de uma forma de poder Fiscal. O senhor exigia
e cobrava tributos e prestações de vária ordem, quer na forma de bens materiais
(rendas) quer de serviços (trabalhos agrícolas ou serviços na construção ou
manutenção de instalações);
O Poder sobre a Terra. Este país senhorial é também um país rural. Escravos e servos, nas
terras do senhor, ou colonos livres, em terras arrendadas ou nas suas propriedades alodiais
(livres de encargos), garantiam, mediante a prática de uma agricultura de subsistência, não só a
sua própria sobrevivência, como a dos seus senhores. Pesadas eram as exigências fiscais
associadas ao usufruto da terra senhorial, como o dever de receber e alimentar o senhor e seu
séquito, quando ele visitava as suas terras, a obrigação de utilizar o moinho, o lagar, o forno, a
prensa, os caminhos e as pontes senhoriais mediante o pagamento de novos tributos. Eram as
chamadas banalidades (direitos banais), outra importante manifestação do poder senhorial sobre
as terras integrantes do seu domínio, a que nenhum residente podia subtrair.

18
História do Direito Português 19
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Parte II
Período da Individualização do Direito
Português

19
História do Direito Português 20
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

A Justiça

A Idade Média não teorizou o Direito como um complexo Parte II


Capítulo I
autónomo. Concebeu-o, antes, enquanto função da justiça.

Atualmente, o estudo do Direito inicia pela explicação da Ciência


Jurídica como um fenómeno autónomo. A justiça é o fim do A Justiça e o Direito
Direito, não se identifica com ele. Há uma separação entre Direito,
Moral, Justiça e Direito Natural.
Suprapositivo

Quando se lê textos medievais ficamos com uma perceção diferente


em relação ao fenómeno do pensamento jurídico, para os homens ▪ A Justiça;
dessa época a justiça era o fundamento da vida social e tudo o
que existe e há na sociedade tem, em primeiro lugar, uma
origem divina. Acima do mundo dos Homens está o mundo de
▪ O Direito;
Deus, a forma como esses mundos se organizam assenta na
primazia da religião em relação ao Direito. A própria Ciência ▪ O Direito Suprapositivo e
do Direito é construída através da Teologia. o Direito Humano;
A ordem social representava, numa palavra, a projeção comunitária
da condição dos seus membros. Sendo os Homens justos, justa seria
a sociedade. O cumprimento da justiça correspondia ao acatamento
pelo Homem da lei divina e da lei natural. Justiça não seria mais do
que “o hábito bom orientado para a ação”.

A ideia de Homem justo como Homem perfeito conduziu à


conceção da justiça enquanto virtude universal ou síntese de todas
as virtudes.

A justiça revela-se, aqui, como o elemento sem o qual nenhuma


sociedade nenhuma ordem jurídica pode subsistir.

A Justiça Particular

A ideia de justiça, complexo de todas as virtudes, coexistiu com a


conceção de justiça como virtude especifica.

A justiça particular separa-se da justiça universal, enquanto esta


considera sobretudo o mundo intra-subjetivo a justiça particular
considera sobretudo o campo das relações inter-subjetivas.

O conceito de justiça vai ser teorizado por vários autores, desde


Aristóteles, a Santo Agostinho. Uma das definições mais
conhecidas foi, sem duvida, a de Ulpiano, ao dizer que “a justiça é
a constante e perpétua vontade de dar a cada um o seu direito”
(justiça particular), isto é, a vontade de cada um ter um mínimo
indispensável para satisfazer as suas necessidades básicas, numa
perspetiva de que cada um receba, à luz da lei divina, uma

20
História do Direito Português 21
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

recompensa por aquilo que lutou, correspondendo esta recompensa à salvação da alma.

A Justiça Particular – Determinação do Seu

A definição dada de justiça precisa de ser reportada à determinação do seu.

Este foi uma das falhas apontada pela escola do pensamento moderno. Para a escola medieval a
noção de uma justiça representa uma ideia abstrata e, como tal, inservível para determinar o
Direito ou conteúdos concretos da ordem jurídica.

A justiça pressupunha, para a determinação do seu conteúdo, um ato deliberativo: “A Justiça é


dar a cada um o que lhe pertence, depois de feito um juízo reto” (Santo António).

O “Seu” era considerado como ordenado aos fins de alguém. O “seu” deve pensar-se em função
da adaptação não só de cada ente ao competente fim, mas também da existência de múltiplas
pessoas com interesses próprios, individual ou coletivamente consideradas. Tudo o que é útil a
alguém só lhe é devido enquanto não prejudica os demais individualmente ou coletivamente
considerados.

As Modalidades de Justiça

A partir da definição já referida, torna-se possível ordenar várias classes de justiça:

▪ Justiça Espiritual – Traduzida na atribuição a Deus de quanto lhe é devido pelo


Homem;
▪ Justiça Contenciosa – Aquela que se aplica aos pleitos (processo judicial/ litígios);
▪ Justiça Política – Atribuição pela comunidade aos respetivos membros de quanto lhes
cabe e por estes àquela;
▪ Justiça Comutativa – Diz respeito às relações entre iguais, requere absoluta igualdade
entre o que se dá e quanto se recebe, justiça, nesta perspetiva, significa igualdade;
▪ Justiça Distributiva – Relação da comunidade com os seus membros/ relação do
conjunto politico com as pessoas individualmente consideradas, ela impõe que os
representantes da comunidade repartam os encargos segundo a capacidade de
resistência de cada membro e os bens públicos e prémios de acordo com a respetiva
dignidade e mérito. D. Fernando deixou esta ideia muito clara quando procurou mostrar
que foi Deus que fez tudo o que existe, e ao fazer o Homem não o fez igual, portanto,
justiça não tem de ser traduzida em igualdade. Um rei justo será aquele que atribuir a
cada um o que é seu segundo a própria ordem que foi criada e organizada por Deus.
Tratar igualmente o desigual traduzir-se-ia numa desigualdade. Requer contudo que a
relação entre o mérito e a recompensa, a capacidade e o encargo, seja a mesma e igual
para todos;
▪ Justiça Subjetiva – que é fruto direto da natureza humana e, por isso, é alterável. Tem
a ver com o comportamento padrão do próprio sujeito, correspondendo esse
comportamento padrão do próprio sujeito ao dum homem médio, designado “Bonnus
Pater Familia”, acessível ao comum dos mortais. Álvaro Pais apresentou 5
modalidades de justiça subjetiva:
• Látria – Justiça para com Deus;
• Dulia – Justiça para com os merecedores de honra e de consideração;
• Obediência – Justiça e respeito para com os superiores;

21
História do Direito Português 22
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

• Disciplina – Justiça e respeito para com os inferiores;


• Equidade – justiça para com os iguais.

Justiça Objetiva

Pode ainda falar-se numa justiça em sentido objetivo, como forma de retidão plena e normativa
(modelo de conduta).

A Justiça, na sua forma pura, identificava-se com o próprio Deus, assim como com ele se
identificava o Direito Natural. Ora, sendo Deus o modelo dos homens, feitos à sua imagem e
semelhança, seguia-se, naturalmente, a consequência de uma justiça humana também objetiva,
embora não perfeita, e apenas reflexo da justiça divina.

É esta a conceção adotada por muitos autores, entre eles Santo Agostinho, onde se menciona
“Cristo como o sol e fonte de toda a justiça”.

Pela própria índole da justiça objetiva esta difere da subjetiva no tocante à respetiva constância.
Enquanto a justiça subjetiva permite em si mesma variações, a justiça objetiva há de entender-se
como inalterada e inalterável, postulante sempre das mesmas condutas.

Sob influencia da ideia romana de Bonus Pater Familias, a jurisprudência medieval determinou
o conteúdo da justiça humana objetiva com recurso à ideia de homem médio. Este, na
racionalidade do seu atuar, constitui o exemplo a seguir, e é, portanto, normativo.

Justiça e Direito

O pensamento medieval concebeu a justiça como a causa do Direito. A Idade Média figurou,
frequentemente, a justiça como fonte do curso de água com que representou o Direito. Imagem
também da época foi a da filiação: o direito está para a justiça como o filho para a mãe. De tais
figurações decorria a consequência da justiça e Direito possuírem a mesma natureza.

Entre justiça e direito, a diferença residia no facto de este traduzir aquela mediante preceitos
autoritariamente fixados. O Direito era assim apenas um instrumento de revelação da justiça. E
aí se apresenta a lei como demonstração simultânea do Direito e da justiça.

Para a conceção medieval não seria Direito a lei injusta, e o cumprimento desta não obriga ao
súbdito e deve ser por ele repudiado como um dever.

22
História do Direito Português 23
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

O Direito

Ramos do Direito Pressupõem um Tronco

Hoje a visão positivista do Direito, separa-o das outras árvores do


conhecimento, cada ramo tem a sua própria ciência que se separam umas
das outras

A perceção na Idade Média era diferente, havia uma árvore do


conhecimento que tinha como tronco comum às demais ciências a
Teologia. Há uma relação entre Direito e Teologia, da mesma forma em
que existe uma relação entre Teologia e Conhecimento. Para os grandes
pensadores medievais, a justiça não se separa do Direito

Rei Tem de ser visto, em primeiro lugar, como um justo juiz. Os Governantes devem
exercer todos o poder à imagem de Cristo, não é apenas uma imagem ou um
retrato do Direito

O mundo foi criado por Deus, Deus imprimiu no mundo uma certa imagem. Deus
pode tudo como ser poderoso que é, mas Deus não quer tudo.

▪ A ideia que Deus pode tudo foi trazida do paganismo Romano;


▪ Esta visão vai ser parcialmente alterada com S. Tomás de Aquino, Deus
pode tudo mas, enquanto Deus justo, não quer tudo – Racionalidade de
Deus.

Esta conceção tem subjacente uma ideia de ordem, o Direito deve ser construído
como uma ideia racional – Direito Divino/Lei Divina

Há a governar as relações humanas uma Ordem Divina, à imagem de um Deus


Racional, não há contradição.

▪ Deus não pode querer o casamento e simultaneamente o divórcio.

Existe um Direito Divino que é conhecido através da bíblia. A bíblia torna-se um


texto jurídico. Direito funda-se no texto mas assenta na necessidade de
interpretação. Cristo falou por parábolas, pode haver mais do que uma
interpretação, a bíblia não é um código legislativo em sentido moderno, Cristo
não foi um legislador, texto sagrado precisa de um mediador que consiga retirar
consequências práticas do texto

Na idade média o domínio da cultura está ao alcance de poucos, os poucos livros que
sobrevivem à queda do Império Romano do Ocidente estão maioritariamente e de uma forma
quase exclusiva nas mãos da Igreja. Surgem muitas falsificações nesta altura, como os textos
corriam em versões manuscritas os copistas podiam ou copiar mal (ambiguidade linguística) ou
intencionalmente deturpar o significado original dos documentos introduzindo alterações que
favorecessem a posição por eles seguida (interpolação).

23
História do Direito Português 24
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Por estarem nas mãos dos clérigos, o Direito não se separa da religião. Estes autores vão utilizar
um conceito do Direito Romano mas com um significado diferente.

Direito Natural – Deus criou o mundo, criou o Homem à sua imagem, deu uma ordem à
sociedade e comunicou o seu pensamento através da bíblia. Agora era necessário retirar esse
conhecimento da Bíblia (Conhecimento Revelado). É necessário interpretar e retirar
conclusões. O Direito Natural decorre do Direito Divino mas vai para além dele.

O Direito Natural não é uma mera ideia, tem um conteúdo. Nesta teorização, S. Tomás de
Aquino e outros autores inspiraram-se em Aristóteles (Auctoritas – Autoridade fundamental) –
Aristotelismo medieval – modo como Aristóteles foi recebido pelos autores.

Para além do Direito Divino e do Direito Natural, as situações de vida necessitam de um Direito
Positivo.
Necessidade de leis positivas e de autoridades positivas (reis,
▪ Direito Divino;
juízes,..), aqui se encontra uma grande distinção entre o
▪ Direito Natural; fundamentalismo islâmico e o cristianismo.

𝑶𝒓𝒅𝒆𝒎 𝑱𝒖𝒓í𝒅𝒊𝒄𝒂 = 𝑫𝒊𝒓𝒆𝒊𝒕𝒐 𝑫𝒊𝒗𝒊𝒏𝒐 + 𝑫𝒊𝒓𝒆𝒊𝒕𝒐 𝑵𝒂𝒕𝒖𝒓𝒂𝒍 + 𝑫𝒊𝒓𝒆𝒊𝒕𝒐 𝑷𝒐𝒔𝒊𝒕𝒊𝒗𝒐

Existe uma
hierarquia Direito Natural Direito Positivo não
decorre do Direito pode ser contrário ao
Divino Direito Natural

Autoridades positivas não podem ser as mesmas que as


autoridades divinas. “A César o que é de César, a Deus o que
é de Deus”, separação entre o divino e o político como
exigência da lei Natural e da Lei Divina.

Justiça Comutativa ≠ Justiça Distributiva

(Contrato) (Impostos)

Balança da Justiça tem de estar equilibrada, o equilíbrio resulta da própria natureza das coisas

Contrato – Para o Direito Medieval o contrato que não fosse equitativo era nulo, alguém se iria
beneficiar de terceiros. A partir do século XIX as coisas começam a ser vistas de forma
diferente, a liberdade das pessoas contratarem (Autonomia Privada) permitia a existência de
contratos desequilibrados.

24
História do Direito Português 25
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Juros -Proibidos na legislação medieval por violação do Direito Natural relativamente ao


equilíbrio das prestações, a justificação não é económica, é moral, os juros imorais
juridicamente não podem existir.

Todos estes temas vão ser repensados a partir do séc. XVI no mundo protestante e mais tarde
com o desenvolvimento do capitalismo.

Guerra Justa – Foi um dos temas centrais do Direito Medieval: “Na guerra morre-se e mata-
se”. É necessário ponderar a natureza moral da guerra levada a cabo pelos teólogos. O que tem
de estar em causa na declaração da Guerra é a justiça.

▪ Obediência – Regra Normal;


▪ Assumia-se juridicamente válido o Direito de Resistência no caso da Guerra Injusta

Impostos Injustos:

▪ Impostos não utilizáveis para um fim de interesse comum;


▪ Impostos excessivos, não suportáveis.

O rei que não governa para a justiça não é um verdadeiro rei. “Rei serás se o justo fizeres, se
não o fizeres não o serás”. D. Sancho II foi afastado do trono por esta razão.

Direito Suprapositivo E O Direito Humano

O Direito Divino

Do que já foi dito sobre a justiça, decorre que, para o Homem Medieval, existe uma pluralidade
normativa, uma normatividade complexa.

O Direito situa-se, de facto, no plano humano, mas decorre mesmo, em última análise, da
realidade que ultrapassa o Homem – Deus. O Direito Divino representa o escalão ultimo do
jurídico.

O Direito positivo era o Direito produzido pelo Homem. O Direito Suprapositivo resulta de
alguém que o produz e está acima do homem.

No período pluralista os ordenamentos que tinham supremacia sobre o Direito positivo e


portanto estavam acime deste eram o Direito Divino e o Direito Natural.

Da Lei Eterna ao Direito Natural

Os séculos XII e XIII foram muito marcados pelo pensamento de S. Tomás de Aquino, cuja
construção, assentava em 4 leis, designadamente, a lei eterna, da qual derivavam a lei natural e
a lei divina, as quais, por sua vez, serviam de base à lei humana:

▪ Lei Eterna – É a razão e vontade de Deus que manda conservar que manda conservar a
ordem natural e proíbe que ela seja perturbada, é a lei que governa o mundo, não era
escrita e tinha que ver com algo transcendente; A lei eterna é a própria razão de Deus,
governadora e ordenadora de todas as coisas. Dela procedem a lei natural e a lei divina

25
História do Direito Português 26
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

▪ Lei Natural – Foi inscrita por Deus no coração do Homem, resulta da participação da
lei eterna no Homem, que lhe permite distinguir o bem do mal, o que é e não é devido.
O Homem necessitava de um ser superior para o orientar;
▪ Lei Divina – Deriva da participação da lei eterna e corresponde à revelação da palavra
de Deus ao Homem, através da Sagrada Escritura (Velho e Novo Testamento),
revelando o que se deve ou não deve fazer. Foi por Deus expressamente revelada para
que o Homem pudesse sem vacilações nem dúvidas ordenar-se em reação ao seu fim
sobrenatural, que é a bem-aventurança eterna.
▪ Lei Humana – Resulta da confluência harmoniosa das anteriores leis.

Pluralidade de Entendimentos Quanto Ao Direito Natural

O Direito Natural, já na época medieval tinha várias conceções, dado que não era e continua a
não ser um conceito unívoco, tendo, no entanto, uma ideia convergente, a de que é algo
inerente ao Homem.

O Homem é um ser social e, como tal necessita de obedecer a princípios que lhe são anteriores e
regem a vivência em sociedade. Esses princípios correspondem ao Direito Natural.

A grande discussão nas conceções do Direito Natural do período pluralista, começou com a
interpretação das versões de Gaio e Ulpiano.

▪ Para Gaio, o Direito Natural era eminentemente racional;


▪ Segundo Ulpiano, o Direito Natural teria como base o instinto, comum a seres
racionais e irracionais.

Surgiu ainda uma dupla conceção:

▪ A Profana que defendia que o Direito Natural era a razão que se encontrava no próprio
homem, que é fruto da natureza de Deus; Direito Natural provém da realidade das
coisas, do mundo físico; a Natureza é o agente primário e Deus apenas a causa remota –
Como nome representativo pode-se indicar Alain de Lille;
▪ A Sacral que defendia que era no Direito Natural que se encontrava a resposta para
alguém que se revia em Deus; Para esta corrente a lei natural condensa-se, confunde-se
com o próprio Evangelho e até com a lei mosaica, contida no Antigo Testamento; O
Direito vem de Deus para o Homem, o Direito Natural tem como agente e causa
eficiente Deus – Esta corrente foi defendida, entre outros autores, por Santo
Agostinho).

Todos os princípios, valores e regras subjacentes ao Direito Natural e ao Direito Divino tem um
papel preponderante durante a época medieval pois condicionam todo o setor jurídico e político.

O que importa do prisma do historiador é salientar o facto de, no período medieval, se poder
discutir o que fosse o direito ou a lei divina, mas não a existência dessa ordem jurídica. A
necessidade de ela ser respeitada pelos governantes representava mesmo um dado
axiomático e indiscutível. Os governantes não estavam, aliás, apenas subordinados à lei
divina, mas também à lei natural.

O Direito Natural configura-se como algo transcendente em relação aos titulares do poder e
como verdadeira ordem normativa, obrigatória ou vinculatória. Tratava-se de um setor

26
História do Direito Português 27
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

jurídico que se sobrepunha à vontade dos governantes e dos súbditos, de todo e qualquer
membro de uma comunidade (da Igreja ao Império, do Império aos Reinos, …) por
anterior ao próprio poder político e à coletividade.

Era, aliás, da necessidade de sujeição da ordem jurídica humana ao Direito anterior ao


governante que resultava a inviolabilidade do direito subjetivo para quantos entendiam o
príncipe como fonte única e exclusiva da ordem positiva.

Para muitos autores, o príncipe estava acima da lei positiva e abaixo da lei natural.

De tudo decorre como requisito e pressuposto fundamental do direito humano a


imprescindibilidade da sua adequação ou conformação com as ordens jurídicas superiores e com
a justiça. Estas serão, consequentemente, o critério da própria legislação dos príncipes e o
aferidor da sua atividade política.

Valor Jurídico Dos Atos Contra A Lei Divina E Natural

Uma norma de direito humano que não respeite o preceito divino ou natural não possui qualquer
valor. O ordenamento positivo, incluindo não apenas as leis humanas, mas também o costume,
só pode mesmo, em verdade, subsistir e obter o nome de Direito desde que articulado com a
regra divina e natural. Lei humana que contrarie a lei de Deus ou a lei Natural não pode ser
classificado como verdadeiro Direito.

A partir daqui coloca-se, inevitavelmente, um problema de acatamento ou não acatamento e


entra-se já no campo das relações entre o devedor de obediência e o direito de resistência. Sem
grandes vacilações, e seja qual for a tese que neste campo concretamente houvessem adotado, os
teóricos medievais entendiam que não se estava obrigado a observar, nem se devia observar,
quanto fosse determinado em desconformidade com as normas últimas.

Principio Da Imutabilidade E De Inderrogabilidade Do Direito Divino e Do Direito


Natural

No estudo do Direito Natural e do Direito Divino há que ter em conta dois princípios,
nomeadamente, o principio da imutabilidade e da inderrogabilidade, que têm a ver com o
grau de valoração dos conteúdos, sustentando-se que historicamente tais conteúdos não
sofreram, e não devem admitir alterações, conduzindo a uma petrificação ou estagnamento.

Porém, na realidade, a evolução histórica levou a que tanto o Direito Natural como o Direito
Divino se atualizem, embora os princípios básicos não tenham sofrido alterações (direito à vida,
…).

Enquanto os teólogos estabeleciam, a respeito do Direito Divino, uma destrinça entre preceitos
móveis e imóveis (aqueles com diversas possibilidades de modificação, consoante a sua
natureza), os canonistas distinguiam, relativamente às normas jusnaturalistas, entre as que
preceituam ou ditam, as que proíbem ou interdizem e as que demonstram, aconselham e
permitem. Apenas a norma imperativa que ordena ou impede, seria intocável.

Outras separação tinha lugar, quanto ao Direito Natural, em preceitos primários e secundários
(S. Tomás de Aquino):

27
História do Direito Português 28
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

▪ Preceitos Primários – Autoevidentes, de fácil perceção, que não comportam, em


momento algum, qualquer possibilidade de alteração, por exemplo, o direito à vida);
▪ Preceitos Secundários – Exigem um esforço de raciocínio, por parte do Homem
comum, para os perceber, e, como tal, admitem a possibilidade de alteração, por
exemplo, o usucapião).

No Direito Divino, só os preceitos móveis (preceitos secundários do Direito Natural) admitiam


a mudança, pelo que os preceitos imóveis (preceitos primários), não admitiam alterações, pois
tratavam-se de princípios de Deus que impunham proibições ou comportamentos.

Seja como for, interessa é considerar que historicamente se admitiu a variabilidade de uma parte
do Direito Natural, embora meramente superficial, o que permite compreender e justifica a
possibilidade de determinada ação ser considerada num momento conforme e noutro contrária
àquele direito. O espirito dele devia, porém, permanecer intacto.

Um último aspeto que tem relevância destacar está relacionado com a dispensa desses direitos, o
que era competência exclusiva do Papa, como representante da vontade de Deus.

Com efeito, só o Papa, perante um determinado caso concreto que lhe fosse apresentado,
poderia dispensar alguém da observância de uma norma de direito natural ou de direito divino, e
fazer aplicar outra.

Porém, esse alguém não era qualquer cidadão, pois, apenas o monarca, em certas situações que
não pusessem em causa o bem comum, poderia pedir a dispensa das leis de direito natural ou
direito divino. A dispensa da lei poderia revestir duas formas: através da Magna Causa/Justa
Causa ou através da Causa Probabilis.

Há, no entanto, autores que defendem que o monarca, no uso de poderes concedidos pelo Papa,
também poderia dispensar os seus súbditos da observância da lei.

Direito Suprapositivo/ “Ius Gentium”

O estudo histórico do Direito implica a consideração de uma ordem jurídica que ultrapassa os
governantes, de uma ordem suprapositiva que se estende a todos. Por isso mesmo, não faltou
quem qualificasse o Direito Natural como Direito Comum.

Há ainda que ter em consideração a existência de preceitos que, sendo de origem humana, se
situam para lá do espaço nacional ou do espaço politico concreto – Direito Supra regna.

O Direito Natural era concebido como direito costumeiro, posterior ao Direito Natural e anterior
a toda e qualquer lei escrita.

Se o direito natural existe desde os primórdios do género humano, o direito das gentes aparece
depois do pecado original e em consequência dele.

História da Ciência Jurídica

As universidades tiveram um papel crucial e representaram um grande contributo para o


pensamento jurídico.

28
História do Direito Português 29
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Universidades A primeira Universidade Historicamente conhecida foi a de


. Bolonha

Bolonha vai ser o embrião de um movimento de grande importância. O modelo Bolonhês vai
influenciar todas as restantes universidades.

A universidade é, inicialmente entendida como um género de corporação, uma comunidade de


estudantes e de professores. Esta comunidade rodeava-se em torno da ideia de um grande
mestre.

Na época medieval os textos são raros e muito caros, encontrando-se, grande parte, na posse da
Igreja.

Esta comunidade de alunos e professores tem como objeto de estudo os livros.

A partir do modelo Bolonhês, por toda a Europa, um conjunto de matérias vão ser tidas como
fundamentais e vão caracterizar a universalidade do saber.

Da ideia medieval retirava-se que tinham de estar presentes um conjuntos de saberes essenciais
para a formação académica.

A primeira universidade portuguesa, o Estudo Geral, fundada em Lisboa, consagrava esta


mesma ideia, eram lecionadas um conjuntos de matérias e conhecimentos que, para a altura,
eram a base das profissões que os estudantes viriam a desempenhar futuramente.

O primeiro curso e que estaria necessariamente presente, excetuando o caso português, era a
Teologia, pode ainda falar-se na Medicina, Curso da Lei (Curso de Direito Romano) e Curso
de Direito Canónico. Só no século XIX é que se vai criar a faculdade de Direito por junção das
faculdades de Leis e de Cânones

Renascimento do Direito Romano

Uma das etapas fundamentais foi dada pela fundação das universidades. Um pouco por toda a
Europa ocidental dá-se este fenómeno.

Estuda-se:

▪ Medicina;
▪ Teologia (no Estudo Geral não se estudava);
▪ Direito Canónico;
▪ Direito Romano (Curso de Leis)
▪ Direito Justinianeu:
➢ Instituições Justinianas;
➢ Digesto ou Pandectas;
➢ Código (Codex);
➢ Novellas
➢ Porquê que não se estudava o Direito Local até ao século XVIII (reforma
pombalina)?

29
História do Direito Português 30
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Só se começou a estudar Direito português nas universidades com a reforma criada pelo
Marquês de Pombal (1772). Durante longos séculos, na Europa, não se estudou o Direito local.
O Direito Romano é a base dos Direitos Europeus.

▪ Saber erudito, grande prestigio, cultura clássica;


▪ O próprio exercício de profissões vai ter como base a aprendizagem que era feita
nas universidades europeias.

O Direito Romano vai ser aplicado em toda a Europa desde a Idade Média e vai ser fonte
subsidiária até à codificação do Direito. É estudado nas universidades e é aplicado na prática.

No caso português, o Direito Romano é fonte aplicável nos tribunais até à publicação do Código
de Seabra (1867).

A proximidade e a semelhança do Direito Europeu tem como uma das justificações o facto do
Direito Romano ter sido Direito estudado e praticado em todos os países de tradição Romano-
germânica. Ficaram de fora a Europa Ocidental (Igreja Ortodoxa) e o Direito Inglês. Inglaterra
(Oxford e Cambridge) não fundou o aprendizado jurídico semelhante ao Europeu.

Em Suma…

▪ O Direito Romano é estudado nas universidades;


▪ Será Direito aplicável até ao século XIX (Código Civil de 1867).

Porém, mesmo na época de Seabra, se não era aplicado como Fonte Mediata de Direito, o
espirito do Direito Romano continuava presente a inspirar os civilistas (não como Direito
aplicado mas como ciência que explica a quase totalidade dos conceitos utilizados pelos juristas
no exercício da profissão e na resolução de problemas.

Para haver diálogo entre pessoas de países diferentes, é imprescindível o cultivo de uma ciência
jurídica que tenha algo em comum:

▪ Se forem utilizados conceitos iguais (contrato, negócio jurídico, personalidade jurídica,


…) o diálogo torna-se possível. O Direito Romano vai permitir que isso aconteça.

O estudo do Direito Romano, inicialmente, era baseado na leitura e explicação do próprio texto.
A autoridade do texto romano é fundamental para se conseguir explicar este fenómeno. O
Direito Romano é um exemplo do ponto de vista jurídico e cultural. É a expressão de uma
cultura superior.

Muitos destes textos da cultura antiga/clássica tinham desaparecido depois da queda de Roma,
das invasões e das guerras que marcam o inicio da Idade Média.

Ao longo dos séculos XI e XII dá-se um reencontro com esses textos e começam a ser ensinados
nas Universidades Antigas.

O Digesto era o livro por excelência da cultura jurídica romana. Em todas as universidades se
estudam os mesmos textos e de acordo com o mesmo método.

➢ Escolástica – Método Utilizado nas escolas antigas, comum a todas as faculdades.

30
História do Direito Português 31
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

▪ Escola dos Glosadores – Inicialmente, começa por ser um mero apontamento


colocado no livro de Direito Romano (Glosa). As glosas são anotações onde são
explicadas palavras, expressões ou o conteúdo de determinado texto. O latim
utilizado no texto original era um latim clássico de difícil compreensão.
▪ Escola dos Comentadores.

A circulação do saber era comum a todos os reinos cristãos:

▪ Mesmo Método;
▪ Estudo das mesmas áreas de conhecimento;
▪ Mesma língua;

Em torno da ciência jurídica surge um Direito que também é comum em todos os países da
Europa – Ius Communem.

Este Direito Comum não vai ser construído como um projeto politico mas como um projeto
cultural levado a cabo e impulsionado pelas universidades – Unificação do Direito – A
metodologia de ensino baseava-se na autoridade do texto (Direito Romano).

Um grande contributo deu o professor Acúrsio que recolheu, num único trabalho, todas as
Glosas feitas ao Corpus Iuris Civilis (Obra Magna Glosa).

Este fenómeno não era só importante num ponto de vista teórico como, também, de um ponto
de vista prático. A opinião da Glosa foi seguida nos tribunais portugueses até ao séc. XVIII.

Um segundo grande jurista foi Bártolo. Publicou muitas obras, que consistiam em textos
escritos em torno de um dado instituto (compra e venda, por exemplo), onde eram feitos
comentários às questões tratadas.

Também foram aplicados em tribunais como Fonte de Direito.

▪ São utilizados para o estudo e para a aprendizagem;


▪ São aplicados no tribunal como fonte de Direito;

A cultura jurídica portuguesa foi muito marcada, numa primeira linha, pelos textos de Direito
Romano, e, também, por estes grandes juristas que não são portugueses mas cujas obras são
aplicadas como fonte imediata de Direito (esclareciam o sentido que devia ser dado à
interpretação).

Ciência Jurídica Europeia

Associado às universidades:
Do ponto de vista histórico, com a queda do Império Romano,
▪ Direito Romano; houve uma rutura com o Direito Romano. Mais tarde, com a
▪ Direito Canónico grande ajuda dada pelas universidades dá-se um fenómeno de
renascimento.

31
História do Direito Português 32
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

As universidades utilizam como base de aprendizagem os textos do Direito Romano, não num
sentido de fidelidade mas de adaptação aos problemas da época medieval. O Direito nasce a
partir de grandes obras académicas que vão, até mesmo, ser utilizadas como Fonte de Direito.

O modo de criação do Direito Português tem de ser correlacionado com a experiencia política.
A independência política não alterou nada do ponto de vista jurídico:

▪ Mesmas leis de Leão;


▪ Mesmos Forais de Leão;
▪ Costumes Antigos, alguns do tempo dos visigodos;

Independência Nacional não criou um Direito Português imediato. A ideia de Direito era um
pouco diferente da que existe atualmente, o reino estava dividido em senhorios, não existiam
vias de comunicação tão rápidas como as da atualidade, as fronteiras eram imprecisas, a própria
aplicação do Direito dependia muito e variava de região para região.

Por estas razões, as populações viviam necessariamente muito sobre si mesmas, consigo tinham
de contar e por si próprias haviam que resolver a maior parte dos problemas. Não havia, como
agora, a possibilidade de autoridades que providenciassem a todo o momento para qualquer
parte.

A sociedade que estes homens formavam estava acentuadamente hierarquizada, correspondendo


a cada individuo a uma classe, com os seus direitos, deveres e funções próprias.

Fundamentalmente, havia que distinguir entre os homens livre ou ingénuos e os servos


(individuo que não é sujeito de direito, não tem capacidade jurídica, está equiparado aos
animais, é uma coisa e, como tal, só pode ser objeto de direitos, a origem primária da escravidão
é a guerra mas podem juntar-se outras fontes como a herança, a falta de pagamento de dividas
ou a condição penal). Nos homens livres terão de se distinguir as três classes dos clérigos, dos
nobres e dos populares ou vilãos.

A historia da Europa é uma história complexa, as suas fronteiras vão sofrer muitas variações
durante a Idade Média, Portugal vai ficar à margem destes conflitos do ponto de vista
geográfico.

A Idade Média fica, então, marcada:

▪ Pelo nascimento de novas monarquias;


▪ Pela indefinição de fronteiras.

Apesar desta fragmentação e divisão, havia um elemento de coesão e de unidade, não do ponto
de vista politico mas do ponto de vista religioso. Havia uma ideia de unidade dos povos cristãos,
uma comunidade de povos obedientes a Roma, uma República Cristã. Esta unidade dos povos
cristãos foi teorizada à luz da ideia de Direito Natural. Um Direito que era Comum (Ius
Comunem):

▪ Direito Romano;
▪ Direito Canónico.

32
História do Direito Português 33
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

O Papa começa a legislar para toda a comunidade Cristã, deixa de ser apenas o bispo de Roma,
as leis canónicas (Decreto Graciano) são para todo o mundo Cristão.

O Direito Comum era, por isso, o Direito Romano-Canonico.

Politicamente predominavam as monarquias. Estava presente a ideia de Paternalismo Político,


ou seja, os grandes autores vão opor a ideia de Rei à de Tirano. Um rei utiliza o poder para o
Bem comum, um Tirano utiliza o poder para o Bem próprio.

A visão medieval é a de que os reis têm fins a exercer e que têm de garantir o bem estar da
nação, o rei não podia ser encarado como o proprietário do Reino e dos seus membros.

Constitucionalismo Medieval

(Os monarcas têm limites materiais ao exercício do poder)

▪ Distinção entre poder e propriedade;


▪ Os fins do poder: a justiça e o bem comum;
▪ O cumprimento pelo Rei da lei que o faz Rei: Reino e Coroa, o rei não pode altera a
forma de sucessão, regras não podem ser alteradas pelos reis, estão juridicamente
vinculados

Constituição Material

(Não é Formal, não está escrita)

Paternalismo Político ≠ Estado de Direito Formal

Pessoas tratadas como filhos e não como cidadãos, Formalismo Jurídico


rei encarado como Governante e Pai dos súbditos, – Exige Cidadania –
não só legislava e punia como também premiava – Regras Iguais para
Pode perdoar crimes. Depois da lei criminal ser todos
aplicada pelo tribunal, o rei podia conceder a
amnistia ou o índole.

O rei era considerado acima da lei e, por isso,


podia perdoar uma pena de prisão, pessoas não
são iguais perante a lei.

O Direito Medieval assentava no Privilégio, estava muito longe da ideia de generalidade e


abstração da lei e de igualdade na sua aplicação. A sociedade estava dividida em ordens, cada
uma com os seus privilégios próprios. O Estado de Direito vem, mais tarde, procurar combater
esta ideia, os governantes passam a estar submetidos à lei.

O Direito Medieval tem de ser encarado tendo sempre como referência esta ideia. A sociedade
era complexa, formada por diferentes costumes e diferentes ordens sociais, o Direito não
assentava, nem podia assentar na generalidade e abstração:

▪ Reis podiam aprovar forais (documentos para uma determinada cidade);


▪ Leis podiam ser particulares:

33
História do Direito Português 34
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

• Direcionada para determinada ordem social;


• Direcionada para determinada localidade.

Pode-se falar na existência de um Direito Português, mas não se pode falar num Direito Geral
para toda a sociedade portuguesa.

Rei acima da Lei

O Direito Romano e os textos de grande prestigio continham um catálogo de ideias que foram
aplicadas pelos reis. O Direito Justinianeu foi aprovado por um Imperador, a visão presente
nestes textos ia ao encontro da dinâmica de construção do poder real, nenhuma instituição
vinculava o rei (Cortes, tribunais,…)

34
História do Direito Português 35
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Direito Romano Justinianeu


Capítulo II
A revitalização do Direito romano é um fenómeno que se inicia em Período do Direito
Itália no século XI. Este novo interesse teórico e prático pelas
coletâneas do Corpus Iuris Civilis transformou-se num verdadeiro Português de Inspiração
fenómeno dos Estados da Europa Ocidental, que ficou conhecido Romano-Canónica
como o Renascimento do Direito Romano.
▪ Direito Romano
Pré-Renascimento do Direito Romano no século XI Justinianeu;
Não existiu apenas um fator que determinasse este fenómeno. O
Renascimento do Direito Romano pode ser explicado por um conjunto ▪ Renascimento do
de causas que despontaram a necessidade do estudo do Direito Direito Romano;
Justinianeu.

• Desde logo, a restauração do Império do Ocidente, o chamado ▪ Importância das


Sacro Imperio Romano-Germânico, que aí encontrava o seu Universidades;
sistema jurídico. Sob a égide da Igreja, operou-se, não só essa
renovação politica, mas também a aplicação do Direito das ▪ Escola dos Glosadores;
coletâneas justinianeias às matérias temporais. A seguir à
morte de Carlos Magno, todavia, agudizaram-se as relações
▪ Escola dos
entre o papado e o Império;
• Está presente, nesta altura, o universalismo decorrente da fé e
Comentadores;
do espirito de cruzada que unifica os homens acima das
fronteiras da raça e da história; ▪ Direito Canónico;
• O aumento da população, o êxodo do campo, as
potencialidades da nascente economia citadina, a sua ▪ Movimento Renovador
industria, o sue comércio. Todos estes fatores colocavam do Direito Canónico;
problemas de maior complexidade ao Direito;
• Nos finais do seculo XI há um processo de descoberta do
código justiniano, são descobertas novas partes da obra;
▪ Direito Comum;
• O desenvolvimento da estrutura eclesial e do direito canónico,
que encontrará na ordem jurídica romano-justinianeia rico ▪ Fontes de Direito
manancial técnico e conceptual de que podia abastecer-se. Canónico ;

Em síntese, motivos de ordem política, religiosa, cultural e económica


apontavam para o incremento do estudo do Direito romano
justinianeu. Formou-se uma dinâmica que se aceleraria no séc. XII
com os juristas bolonheses, mas existem mais sinais notórios que
precederam a sua ação especifica. Nessa medida se alude a um pré-
renascimento.

Todos esses factos são importantes mas a verdadeira causa, a


essência do fenómeno é universitária.

Poder politico aproveitou-se do trabalho dos prudentes medievais,


estas circunstancias identificadas reverteram a favor do estudo e

35
História do Direito Português 36
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

permitiram que todas elas jugassem a favor do próprio poder poder politico e circunstâncias
económicas

Renascimento do Direito Romano

Escola de Bolonha ou dos Glosadores

O verdadeiro renascimento do direito romano, quer dizer, o estudo sistemático e a divulgação,


em larga escala, da obra jurídica justinianeia inicia-se nos séculos XI/XII, com a escola de
bolonha.

Na base desta escola encontra-se Irnério, a quem se confere o grande feito de conferir
autonomia ao ensino do Direito (anteriormente encontrava-se ligado ao estudo da lógica e da
ética)e de estudar os textos justinianeus numa versão completa e originária. O estudo que se
fazia de áreas ligadas ao direito não era muito baseada ao texto, a partir daqui começaram a criar
novas soluções, para casos concretos ligados texto.

A escola de Bolonha não nasceu logo como uma universidade, limitou-se a constituir ao estilo
do tempo, um pequeno centro de ensino, o seu prestigio foi aumentando e acabou por transpor
os limites de Itália. A pequena escola tornou-se numa universidade, que era o polo Europeu de
irradiação de Ciência Jurídica.

Também de grande destaque, para esta escola, foi Acúrsio, que elaborou uma coletânea em que
sistematiza a obra dos autores precedentes.

Métodos de Trabalho

A Glosa

O principal instrumento de trabalho dos juristas pertencentes a esta escola foi a Glosa. Consistia
num processo de comentário textual. Cifrava-se, de inicio, numa simples palavra ou expressão,
com o objetivo de tornar inteligível algum passo considerado obscuro ou de interpretação
duvidosa. Eram notas muito breves que e inseriam entre as linhas dos manuscritos que
continham os preceitos analisados. Mais tarde, as interpretações tornaram-se mais completas e
extensas. Passaram a referir-se, também, não apenas a um trecho ou um preceito mas a um
titulo.

O Corpus Iuris Civilis foi estudado com uma finalidade essencialmente prática: a de esclarecer
as respetivas normas de forma a poderem aplica-las às situações concretas.

Os Glosadores encararam o Corpus Iuris Civilis como uma espécie de texto revelado e,
portanto, intangível. Deslumbrava-os a perfeição técnica dos preceitos da coletânea justinianeia,
que consideravam a ultima palavra em matéria legislativa. O papel dos juristas, nesta perspetiva,
deveria reduzir-se ao esclarecimento de tais preceitos com vista à solução das hipóteses
concretas de vida. Não se procurava elaborar doutrina que superasse e muito menos contrariasse
as estatuições aí contidas.

A Glosa não é mais que uma simplificação do texto. O que os glosadores fizeram numa primeira
foi o trabalho de decomposição e simplificação do texto. Trabalho de enorme importância para a
compreensão do texto.

36
História do Direito Português 37
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

A Magna Glosa

A partir de um certo momento, já não se estudava diretamente o texto da lei justinianeia, mas a
glosa respetiva. Faziam-se glosas de glosas, cada autor acrescentava a sua glosa às anteriores.

No século XIII, Acúrsio, ordenou esse enorme material caótico. Procedeu a uma seleção das
glosas anteriores relativas a todas as partes do Corpus Iuris Civilis, conciliando ou
apresentando criticamente as opiniões discordantes mais credenciadas. A Magna Glosa encerra
o legado cientifico acumulado por gerações sucessivas de juristas.

A importância que a Glosa de Acúrsio alcançou reflete-se no facto de ser aplicada nos tribunais
dos países do Ocidente europeu ao lado das disposições do Corpus Iuris Civilis.

Difusão do Direito Romano Justinianeu e da Obra dos Glosadores

Este fenómeno de renascimento do Direito Romano, apesar de ter começado na Itália, expandiu-
se por toda a Europa e tornou-se decisivo o processo de formação e construção do Direito
Romano-Germânico. Duas grandes causas justificam a difusão deste fenómeno:

▪ Estudantes Estrangeiros em Bolonha - A fama de Irnério e dos seus continuadores


expandiu-se rapidamente. Bolonha tornou-se, em poucas décadas, o centro para onde
convergia um número avultado de estudantes. Muitas das vezes, esses estudantes eram
pessoas já com alguma cultura jurídica que procuravam juntos dos mestres famosos
uma especialização que lhes assegurava, quando de volta às terras de origem, posições
destacadas no campo do ensino ou da vida pública. De qualquer modo, trariam consigo
a nova ordem jurídica, de que se tornaram mensageiros. A introdução do direito romano
renascido verificou-se, nos vários países europeus, mais do que como resultado de
imposições dos poder públicos, sobretudo através da atuação concreta dos juristas de
formação universitária.
▪ Fundação de Universidades – Assiste-se, durante os séculos XII e XIII, à criação
progressiva de universidades, onde se cultivavam s ramos do saber que então
constituíam o ensino superior. A designação de universidade não tinha na época o
significado que assumiu posteriormente de conjunto de escolas superiores, mas o de
corporação de mestres e escolares. As universidades tiveram origens diversificadas:
• As primeiras universidades surgiram espontaneamente, a partir da evolução
de pequenas escolas monásticas, diocesanas ou municipais. Assim sucedia
sempre que um mestre local se notabilizava pelo seu ensino e criava
discípulos numa certa área cientifica;
• Outras vezes a instituição universitária resultou do desmembramento ou
separação de uma outra;
• Resta apontar uma terceira linha, trata-se de universidades criadas por
iniciativa de um soberano. Por não terem uma tradição firmada, só através da
confirmação pontifícia tais universidades eram elevadas ao plano das outras e
os respetivos graus académicos adquiriam valor universal.

Fatores de Penetração do Direito Romano Renascido na Esfera Jurídica Hispânica e


Portuguesa

37
História do Direito Português 38
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

A receção do direito romano renascido foi um movimento progressivo e moroso. Sem duvida,
mais rápido e eficaz nos meios próximos da Corte e dos centros de cultura eclesiástica do que
nos pequenos núcleos populacionais desses distanciados.

Os Estados peninsulares foram influenciados pelo direito romano renascido a partir de alguns
fatores:

▪ Estudantes Peninsulares em Escolas Jurídicas Italianas e Francesas

Alguns dos juristas peninsulares atingiram grande notoriedade. Estes juristas de formação
Bolonhesa regressavam normalmente ao país, logo após a conclusão dos seus estudos. Tais
letrados, como então se lhes chamava, ascendiam a postos cimeiros, na carreira eclesiástica, e
tornavam-se, sem dúvida, mensageiros importantes da difusão do direito novo.

▪ Jurisconsultos Estrangeiros na Península

Resultado análogo decorria do movimento da vinda de jurisconsultos estrangeiros para a


península, desempenhavam funções importantes junto dos monarcas, como chanceleres ou
conselheiros, ou até mesmo a docência universitária.

▪ Difusão do “Corpus Iuris Civilis” e da Glosa

Multiplicam-se os textos do Corpus Iuris Civilis com a respetiva Glosa.

A divulgação e citação destes, a um ritmo crescente, assumiram um relevo histórico


inquestionável, para o incremento do Direito Comum.

▪ Ensino do Direito Romano nas Universidades

O surto universitário de inspiração Bolonhesa não tardou a chegar à Península. No caso


especifico de Portugal, sabe-se que foi no tempo de D.Dinis que surgiu o Estudo Geral (1288-
1290). A bula de confirmação do Papa Nicolau IV faz referencia expressa à obtenção dos graus
de licenciado em Direito Canónico e Direito Civil, podendo esses diplomados ensinar em toda a
Cristandade, sem exigência de novo exame (“Ius Ubique Docendi”).

▪ Legislação e Prática Jurídica de Inspiração Romanística

A influencia do Direito Comum também se revelou nas leis e noutras fontes jurídicas nacionais.
A prática jurídica e aplicação do Direito revelaram absorver parte do fenómeno do renascimento
do Direito Romano.

▪ Obras Doutrinais e Legislativas de Conteúdo Romano

Assiste-se, nesta época, à elaboração de algumas obras jurídicas, escritas originalmente em


castelhano. Tais obras mostram uma grande influencia do Direito Comum, quando não
constituem mesmo resumos ou sínteses dos seus princípios (por exemplo, Flores de Derecho, da
autoria de Jacobo).

Escola dos Comentadores/ Escola Escolástica

Durante o século XIV desenvolveu-se uma nova metodologia jurídica. Corresponde à escola dos
Glosadores, assim chamada porque os seus representantes utilizavam o comentário como

38
História do Direito Português 39
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

instrumento de trabalho característico, à semelhança do que aconteceu com os Glosadores a


respeito da Glosa.

O método das Glosas não foi suficiente para transformar o sistema romano num direito
atualizado, capaz de corresponder às exigências evolutivas da época.

Os novos esquemas de exegese dos textos legais são agora acompanhados de um esforço de
sistematização das normas e dos institutos jurídicos muito mais perfeito do que os Glosadores.

A atitude dos comentadores foi de grande pragmatismo, voltaram-se para uma dogmática
dirigida à solução de problemas concretos e desprenderam.se, progressivamente, da coletânea
justinianeia. Ao lado do Corpus Iuris Civilis e das Glosas existentes, socorreram-se de outros
elementos, designadamente dos costumes locais, dos direitos estatutários e do direito canónico.
Chegaram, assim, à criação de novos institutos e de novos ramos do Direito.

Um grande nome desta escola foi o de Bártolo, quer pela sua extensiva produtividade, quer pela
influencia que exerceu. Os comentários de Bártolo adquiriram prestigio generalizado. Inclusive,
tornaram-se fonte subsidiária do ordenamento jurídico de vários países europeus. Em Portugal,
por exemplo, as Ordenações determinaram a sua aplicação supletiva ao lado da Glosa de
Acúrsio.

O afastamento da estrita letra dos textos justinianeus, interpretados ou superados de maneira


desenvolta, a utilização de um sistema heterogéneo de fontes de direito e o acentuado
pragmatismo das soluções marcaram determinantemente esta escola. Tudo isto, produziu um
avanço da ciência jurídica e a sua maior conformidade às exigências práticas da época.

Através dos seus comentários, pareceres e monografias, os juristas desta escola criaram uma
literatura jurídica cujo prestigio se difundiu pela Europa adiante. Deu-se um passo nítido na
evolução da Ciência do Direito.

O Direito Canónico e a Sua Importância

O Direito Canónico teve um significado muito valioso no quadro do sistema jurídico português
e, o mesmo, ocorreu para outros países de formação cristã.

Entende-se por Direito Canónico o conjunto de normas que disciplinam as matérias da


competência da Igreja Católica. Desde de cedo se utilizou a palavra cânones para abranger as
regras de direito canónico.

Em paralelo, designam-se decretos ou cartas decretais as epístolas pontifícias, ou seja, as


normas jurídico-canónicas da iniciativa direta dos Papas.

Quanto às fontes de direito Canónico, atendendo à origem ou ao modo de formação de normas,


estabelece-se uma distinção entre as fontes de direito divino e as fontes de direito humano.

As fontes de direito divino são constituídas pelas Sagradas Escrituras (Antigo e Novo
Testamento) e pela Tradição, neste caso, a Igreja apenas interpreta. A Tradição envolve as obras
dos Santos Padres, que foram os teólogos dos tempos iniciais da Igreja Católica.

Quanto às fontes de direito humano pode ser referido o costume, e as normas jurídico-
canónicas, em que se destacam:

39
História do Direito Português 40
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

▪ Decretos ou decretais dos pontífices (bulas, por exemplo);


▪ As leis ou cânones dos concílios ecuménicos;
▪ Os diplomas emanados de autoridades eclesiásticas infra-ordenadas (bispos, superiores
de ordens religiosas, concílios particulares);
▪ Concórdias ou Concordatas (acordos entre a Santa Sé e os vários Estados);
▪ A Doutrina e a jurisprudência, integradas, respectivamente, pela obra científica dos
canonistas;
▪ Normas jurídicas “canonizadas”, isto é, que a Igreja reconhecia nos seus Tribunais.

Evolução do Direito Canónico

Qualifica-se o período de direito romano antigo (ius vetus) aquele que decorre desde o seu
aparecimento até meadosa do séc. XII.

Uma primeira fase é marcada pela quase exclusividade das fontes de direito divino,
posteriormente, seguiu-se o processo do costume e de outras fontes de direito de direito
humano.

Estas fontes tornaram-se cada vez mais complexas e passaram a regular cada vez mais aspectos,
sentindo-se, por isso, a necessidade de colectâneas que reunissem e sistematizassem essas
normas.

O desenvolvimento do direito canónico postulava uma crescente necessidade do seu estudo. A


elaboração das respectivas normas e colectâneas reflecte os progressos sucessivos da doutrina
canonística. Apesar destes avanços não se pode dizer que tenha havido até aos meados do séc.
XI uma ciência do direito canónico demarcada da teologia e do direito romano.

Movimento Renovador do Direito Canónico

A partir do século XII em diante verifica-se, uma grande renovação na esfera do direito
canónico.

Não se considera, contudo, que tenha existido um renascimento, porque ao contrário do que
aconteceu com o direito romano nunca existiu um momento de rutura, nunca houve uma quebra
de continuidade na evolução jurídico-canónica. O direito da Igreja sempre conheceu uma linha
de progresso.

Nesta época, apenas ocorre um impulso de transformação normativa e dogmática que, ao lado
do direito romano justinianeu, teve os seus pressupostos no séc. XI.

Dois aspectos principais explicam este fenómeno:

▪ Organização de Coletâneas de Direito Canónico

Ao aparecimento de novas colectâneas não foi estranha a tendência para uniformização e


centralização deste sistema jurídico. Pelos fins do séc. XI inicia-se um esforço pontifício de
unificação normativa da Igreja, contrário aos particularismos nacionais ou regionais e que
atribuía principalmente à Santa Sé a criação dos preceitos jurídico-canónicos.

O Decreto de Graciano (1140) foi um grande marco na evolução do direito canónico. Foi
elaborado por João Graciano, monge e professor em Bolonha, que procurou fazer uma síntese e

40
História do Direito Português 41
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

compilação dos princípios e normas vigentes. O seu autor tinha como objetivo coordenar,
harmonizar e esclarecer preceitos de diversas proveniências, agrupando-os de forma sistemática
e não de forma cronológica ou geográfica. Esta colectânea, difundiu-se como lei geral da Igreja,
sob o nome de decreto.

Seguiram-se as Decretais de Gregório IX, que são uma obra (dividida em 5 livros) de
colectânea de normas pontifícias posteriores à obra de Graciano.

O decreto e as decretais completavam-se, numa lógica semelhante entre o Digesto e o Código.


O Decreto condensava o Direito Antigo da Igreja e as Decretais o Direito Novo.

Pode ainda falar-se no Livro Sexto ou Sexto de Bonifácio (complementaridade relativamente às


Decretais), na colectânea Clementinas (Papa Clemente V) que determinou a compilação dos
cânones resultantes do Concilio de Viena. Fala-se por fim de duas colectâneas: Extravagantes
de João XXII e de Extravagates Comuns (textos fora das colecções autênticas).

As referidas colectâneas de Direito Canónico, no seu conjunto, vieram a integrar o Corpus Iuris
Canonici.

▪ Renovação da Ciência do Direito

As colectâneas de Direito canónico demonstram uma extraordinária actividade legislativa da


Igreja, muito superior à dos monarcas.

Confrontam-se dois textos de direito comum: um deles assente nesses textos e outro baseado
nos preceitos romanísticos.

O movimento de renovação do direito canónico encontra-se em ligação intima com o estudo do


direito romano. Orientou-se essencialmente pelos mesmos caminhos científicos. A construção
do direito canónico teve lugar mediante o emprego sucessivo da metodologia dos Glosadores e
dos Comentadores, estes processos utilizados tipicamente na análise de textos romanos foram
transpostos para o Direito Canónico (Decretos e Decretais).

Penetração do Direito Canónico na Península Ibérica

A renovação do direito canónico não tardou a chegar à Península.

Através dos estudantes que se deslocavam para as grandes universidades na Europa e se


dedicavam ao seu estudo, entre os quais se pode destacar, João de Deus.

Também se operou uma divulgação considerável dos textos de direito canónico, através de
numerosas cópias, realizadas ou não na Península, e até de traduções.

Deverá, ainda, ser referido o ensino do Direito Canónico nas universidades peninsulares, não
terá sido comparável a Bolonha, tomada como modelo, porém, a adoção de métodos idênticos,
géneros de literatura jurídica e sistemas pedagógicos nunca deixaria de produzir alguns
resultados positivos.

41
História do Direito Português 42
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Aplicação Judicial do Direito Canónico

Este sistema jurídico aplicava-se, quer nos tribunais eclesiásticos, quer nos tribunais civis ou
seculares. Existia, com efeito, uma organização judiciária da Igreja, ao lado da organização
Judiciária do Estado.

Aplicação nos Tribunais Eclesiásticos

Apresentava-se, antes de tudo, como o ordenamento jurídico próprio dos tribunais eclesiásticos.
A competência destes fundava-se em função da matéria (por exemplo, o matrimónio) e da
pessoa (certas pessoas só podiam ser julgadas pelos tribunais da Igreja, por exemplo, os
clérigos).

Aplicação nos Tribunais Civis

Apesar de não haver certezas, parte da doutrina pensa que o Direito Canónico tenha sido
utilizado, maioritariamente, como fonte subsidiária, portanto, que só intervinha na ausência de
direito pátrio.

O Direito Comum

Designa-se Direito Comum (“Ius Commune”) o sistema normativo de fundo romano que se
consolidou com os Comentadores e constituiu, embora não uniformemente, a base da
experiência jurídica europeia.

Alude-se ainda a direito comum romano-canónico.

Assim, a expressão tanto se encontra usada, restritivamente, para abranger apenas o sistema
romanístico, como, num sentido amplo, que compreende também outros segmentos
integradores, muito em especial o canónico.

Ao direito comum contrapõem os direitos próprios ou particulares que se distinguem devido às


circunstâncias politicas e económicas, formados por normas legislativas e consuetudinárias.

De um modo geral, durante os séculos XII e XII, o direito comum sobrepôs-se às fontes com ele
concorrentes, seguiu-se um período de equilíbrio e, posteriormente, os direitos próprios foram-
se afirmando como fontes primaciais dos respectivos ordenamentos e o direito comum tendeu a
passar ao simples posto de fonte jurídica subsidiária. O termo desse ciclo, em começos do séc.
CVI, dá-se com a independência plena do “ius proprium”, que se torna exclusiva fonte
normativa imediata, assumindo o “ius commune” o papel de fonte subsidiária apenas mercê da
autoridade ou legitimidade conferida pelo soberano, que personificava o Estado.

Direito Positivo “Supra Regna” (Ruy e Martim Albuquerque)

O direito positivo é um direito que se pode designar de direito supra-estadual, ou seja algo que
se encontra num plano superior ao dos reinos ou áreas politicas diferenciadas então existentes.

Existem duas razoes para se dizer que um direito é supra-estadual:

▪ A primeira tem que ver com a ideia de ser superior ao Estado (ainda se estava longe da
figura jurídico-política de Estado);

42
História do Direito Português 43
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

▪ A segunda tem a ver com a ideia de não se aplicar a uma só nação.

O estudo do direito positivo “supra regna” incide sobre o Direito Romano e o Direito Canónico.

O Direito Canónico é o que merce maior destaque.

O Direito Canónico regula as relações da comunidade de crentes com Deus e também a


orgânica de funcionamento da igreja. As leis de Direito Canónico designavam-se por Canones,
os quais podiam ser decretos pontífices ou estatutos dos concílios (assembleias eclesiásticas).

Fontes de Direito Canónico

As fontes de direito canónico podem dividir-se segundo os modos de formação (causas


eficientes e origem e autoria das normas- fontes essendi) e segundo os modos de revelação
(textos ou documentos onde se regista o direito – fontes cognoscendi).

As causas eficientes do Direito Canónico são: Deus, os Apóstolos, as Assembleias Conciliares,


o Papa, o Clero, a consciência colectiva dos fieis e as autoridades leigas.

Classificando os assentos relativamente de onde provêem é natural enumerar-se a Sagrada


Escritura, a tradição (princípios estabelecidos por Cristo e pelos apóstolos), os Cânones
Conciliares, os princípios sancionados nas constituições pelos Papas e o costume (princípios
derivados directamente da consciência colectiva dos crentes.

Uma outra classificação atende à territorialidade: ao direito universal, geral ou comum,


aplicável em todo o território cristão, que compreende além das estatuições de direito divino, os
atos pontifícios de carácter geral, a tradição e o costume universal, as regras de institutos
regulares com essa vocação, contrapõe-se o direito particular, vigente apenas numa ou mais
circunscrições determinadas, onde se incluem as constituições papais de âmbito não universal,
os cânones dos concílios nacionais, provinciais, diocesanos, os sínodos arciprestais, os costumes
eclesiais locais, as concórdias e as concordatas.

Fontes Essendi

Sagradas Escrituras

Abrangem o Antigo e o Novo Testamento.

No Antigo Testamento existiam 3 tipos de normas: as cerimoniais (dizem respeito ao culto), as


judiciais (dizem respeito à aplicação da justiça) e as morais (referem-se aos aspectos éticos).

No Novo Testamento existiam 3 preceitos: o direito divino (expressões direitas da vontade de


Deus), direito divino apostólico (normas de direito divino que advém da acção dos apóstolos) e
direito apostólico (normas ditadas pelos próprios apóstolos).

As disposições de cristo valem para sempre. O Antigo Testamento só obriga quando a elas
conforme, seja direta, seja tacitamente. Os evangelhos constituem a lei fundamental da Igreja.

Tradição

Corresponde ao conhecimento translatício, oral ou escrito, que se transmite através das


gerações. A tradição pode ser classificada de 3 formas: inhesiva (está escrita explicitamente nas

43
História do Direito Português 44
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

sagradas escrituras), declarativa/interpretativa (está escrita implicitamente nas sagradas


escrituras) e a constitutiva (não está referida nas sagradas escrituras porque apareceu depois).

Costume

Corresponde aos usos próprios da comunidade eclesiástica, acompanhados da convicção de


obrigatoriedade.

O costume canónico, para ser considerado como tal, tinha de ser antigo, racional e
consensual.

Os grandes problemas do costume vão aparecer, sobretudo, depois do renascimento do Direito


Romano, é então que se porá a questão de articulação do costume com a lei, debate que incidirá
principalmente no costume contra legem.

O costume foi uma fonte de direito canónico muito importante porque preencheu algumas
lacunas.

Decretos e Decretais

A necessidade de completar a Revelação com normas adaptadas aos tempos e às circunstâncias


da Igreja, levou naturalmente ao recurso à autoridade do sucessor de Pedro, a que Cristo confiou
a Igreja, o papa, para prover conforme os casos.

Segundo Graciano, como nem sempre os concílios estavam de acordo com o Papa, os decretos
(decreta) eram actos do Papa para formalizar a oposição aos estatutos conciliares, quando estes
não eram coincidentes com as suas ideias.

Graciano distingue decretos de decretais, alegando que os primeiros são normas que o Papa
determina por conselhos de cardeais sem que qualquer questão lhe tenha sido colocada, para se
opor aos estatutos conciliares discordantes, enquanto que os segundos (decretais) são normas
que o Papa determina sozinho ou com os cardeais para uma questão que lhe tenha sido
colocada, destinada à generalidade dos fieis (Decretal Geral) ou a um círculo limitado de fieis
(Decretal especial).

Cânones

Pode-se considerar os Cânones:

▪ Num sentido amplo, como qualquer regra ou norma jurídica;


▪ Num sentido restrito, como qualquer norma jurídica ou canónica;
▪ Num sentido ainda mais restrito, como normas que resultam dos concílios (assembleias
eclesiásticas, reuniões do clero).

Concilium designa toda e qualquer assembleia deliberativa ou consultiva, politica, eclesiástica


ou mista. Distinguem-se os concílios em ecuménicos (universais), nacionais, provinciais e
diocesanos. Os concílios ecuménicos são de convocatória pontifícia, os membros do concílio
são os bispos, os cardeais, os gerais das ordens religiosas e os abades isentos. Os bispos
assumem funções de juízes e de legisladores.

44
História do Direito Português 45
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Doutrina

Corresponde à actividade cientifica dos juristas, cuja importância foi enorme principalmente
depois da aliança entre a lei secular e a lei canónica. É no âmbito desta aliança que surge o
Utrumque Ius, que constitui o produto da superação da concorrência ou da rivalidade das duas
grandes ordens jurídicas medievais, representa como que uma simbiose.

Os doutores canonistas dividem-se em dois grandes grupos: os decretistas (escrevem sobre o


decreto de Graciano) e os decretalistas (escrevem sobre as decretais).

A partir da aliança entre o Direito Canónico e o Direito Romano, que se vai traduzir no direito
comum, os grandes canonistas são, também, em regra, grandes civilistas.

Concórdias e Concordatas

As Concórdias distinguem-se das concordatas porque as primeiras são acordos celebrados entre
o Rei e o Clero nacionais, enquanto que as segundas são acordos entre o Rei e a Santa Sé,
representada pelo Papa, ou seja, acordos de carácter internacional, que tinham como objetivo
principal, o de estabelecer os direitos e as obrigações de cada uma das partes envolvidas

Fontes Cognoscendi

A proliferação de normas explica-se por vários factores.

Em primeiro lugar, a dimensão do povo cristão. Em segundo, o facto da Igreja ter realizado a
respectiva centralização muito tarde. Em terceiro, o facto de, consolidado o poder pontifício, a
actividade papal ter rido que se desdobrar pelos diversos aspectos da vida da época, sendo
chamada a intervir nas mais diversas matérias, Por fim é ainda necessário referir o
desenvolvimento de novas ordens regulares, a prática de reservas, dispensas da lei,
excomunhões, indulgências,…

A obtenção da certeza do direito ditou um prolongado esforço, traduzido na organização de


colectâneas de textos, que culminariam em movimentos de codificação.

O direito canónico tem várias colecções divididas em direito velho e em direito novo.

O direito velho (séc. VI), entre outras obras, é composto:

▪ Coletânea de Dionísio, o exíguo (colectânea de Cânones e decretais do séc. VI);


▪ Coleção Hispana (conjunto de leis elaboradas entre o séc. VI e VII);

O direito novo é composto pelas seguintes obras:

▪ Decretum de Graciano;

O Decreto do Papa Graciano, datado de 1140, que procurou harmonizar os textos e normas
discordantes até aí existentes e constituiu o inicio de uma nova fase do direito canónico (ius
novum), esses critérios para harmonização eram:

• Aplicação da lei especial e afastamento da lei geral;


• Lei posterior derroga lei anterior;

45
História do Direito Português 46
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

• Entre outros;
▪ Decretais de Gregório IX;

Obra datada de 1234, dividida em cinco livros compostos pelos decretos pontifícios do séc XII e
XIII que foram reunidos pelo pontifício Gregório IX.

▪ O Sexto;

Livro assim designado por ter sido o sexto livro de decretais, reunidos no pontificado do Papa
Bonifácio VIII.

▪ Clementinas;

Obra datada do ano de 1313, que contem os decretais reunidos no pontificado do papa Clemente
V, também designado pelo Sétimo Livro dos Decretais.

▪ Extravagantes e Extravagantes Comuns;

As primeiras integram as duas colecções de decretos realizadas pelo papa João XXII, e as
segundas reúnem decretais posteriores a 1313.

No séc. XVI, todas estas obras foram integradas numa única obra designada por Corpus Iuris
Canonici.

A Penetração do Direito Canónico na Península

A penetração do direito canónico era tal nas cortes cúria alargada de 1211 houve necessidade de
hierarquiza-lo em relação ao direito do rei. A ordenação estabeleceu-se segundo o entendimento
geral, com prevalência daquele. Está-se face a um reconhecimento da supremacia eclesiástica,
traduzida aqui na superioridade das normas jurídicas da Igreja sobre os vários monarcas. O
governo temporal quando constituído permanece servil da Ordem Eclesiástica. É um meio ou
instrumento da finalidade especifica eterna da Igreja. Por esta razão todas as leis humanas
encontram os seus limites e esferas de competência circunscritas pela ordem espiritual.

Com efeito, o direito canónico foi, até ao séc. XIII, muito importante no ordenamento do direito
português. Só no século XIV é que passou a ser um direito subsidiário, concorrendo, nesta nova
posição, com o direito romano.

Aplicação do Direito Canónico nos Tribunais

O direito canónico foi aplicado em Portugal, não só nos tribunais eclesiásticos, mas também nos
tribunais civis ou seculares.

De facto, paralelamente com a organização judiciária civil existiu uma organização judiciária
eclesiástica, ou seja, tribunais da Igreja.

Os tribunais eclesiásticos julgavam segundo dois critérios:

▪ Em função da matéria – caso esta fosse de carácter espiritual, como por exemplo, o
casamento ou as sucessões;

46
História do Direito Português 47
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

▪ Em função da pessoa – entendia-se que certas pessoas, pelo seu especial estatuto,
deveriam ser julgados nesses tribunais, casos do clero, docentes universitários, órfãos e
viúvas.

O costume gradualmente desenvolvido de que o clero não podia ser levado perante um tribunal
civil foi reconhecido oficialmente pelo Imperador Justiniano, que o consagrou como privilégio.

Este ficou designado como o privilégio do foro, que se traduzia no privilégio que os membros
do clero tinham de ser julgados unicamente nos tribunais eclesiásticos. Porém, este privilégio
não poderia ser usado em caso de ofensa ao Rei, de usucapião e usura.

Aplicação nos Tribunais Civis

Nos tribunais civis o Direito Canónico aplicou-se, também, primeiramente, como direito
preferencial. Seria o próprio monarca que assim o determinaria. Com efeito, na cúria de
Coimbra de 1211, Afonso II decidiu que as suas leis não valessem se feitas ou estabelecidas
contra os direitos da Santa Igreja de Roma.

Mais tarde, o direito canónico foi relegado para a oposição de direito subsidiário, isto é, apenas
aplicável quando faltasse o direito nacional. Aqui iria, aliás, entrar em concorrência com o
direito romano ou imperial. O critério de ordenação relativa do ordenamento canónico e do
cesáreo seria o critério do pecado. A prevalência do primeiro sobre o segundo dependeria de se
tratar ou não de matéria de pecado.

Em suma, a partir do séc. XIV foi aplicado predominantemente o direito da pátria e como
direito subsidiário (lacunas do direito nacional) o direito romano ou o direito canónico,
consoante a natureza da matéria. Se fosse matéria de natureza material ou temporal aplicava-se
o direito romano, se fosse matéria de natureza espiritual ou temporal aplicava-se o direito
canónico.

Passada a época da reconquista, os reis organizaram o poder politico, chamando a si,


progressivamente, o exercício do poder legislativo com o propósito de diminuir a influência do
direito canónico.

Restrições à Receção do Direito Canónico

A penetração do Direito Canónico não se processou, contudo, sem resistência. Esta evidencia-se
à medida em que o poder dos monarcas aumenta pela consolidação.

▪ Beneplácito Régio

Criado por D. Pedro I, instituído que as regras apostólicas só seriam publicadas se fossem
aprovadas pelo Rei. Face à contestação do clero, D. Pedro I iludiu-os, argumentando que
beneplácito régio se destinava a garantir a autenticidade dos textos canónicos e a evitar a
entrada de letras apostólicas falsas.

▪ Anticlericalismo da População

Os clérigos abusavam de certas situações, através da coação exercida sobre doentes terminais,
para obter os bens destes.

47
História do Direito Português 48
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

▪ A Existência de Numerosas Heresias em relação ao credo religioso, constituiu um


obstáculo de relevo
• Doutrina Franciscana – que professava a pobreza e lutava contra o
enriquecimento da igreja à custa da população;
• Averroismo – que professava uma heresia radical, que defendia que toda a
humanidade tinha sido enganada pelos Deuses.
▪ Abolição do Juramento dos Contratos;
▪ Criação de leis que obrigavam os clérigos a responder nos tribunais civis em
matéria criminal;
▪ Lutas entre o clero e a realeza;
▪ As próprias manifestações culturais, nomeadamente, a poesia trovadoresca
destacavam esta polémica, sobretudo depois do episodio que ocorreu com D. Sancho II.
Os poetas tomaram decididamente posição pela fação nobiliárquica apoiante do rei e
contra o clero e a Igreja de Roma.

Em parte, a resistência à penetração do Direito canónico é, na verdade, um aspeto da resistência


ao próprio clero e às suas pretensões de imunidade e hegemonia.

48
História do Direito Português 49
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Capítulo III
Processo de Formação do Direito Português

Durante os primeiros séculos da Idade Média existiam um conjunto


de factores que eram comuns aos reinos europeus: Ius Regni
▪ Forma de Pensar;
Direito Legislado
▪ Direito (importância da Religião e da Teologia);
▪ Processo de Formação do
▪ Ciência Jurídica nasce nas universidades em torno do
Direito Canónico e do Direito Romano; Direito Português

▪ Ordenamentos
Direito Comum Europeus (“Ius Commune” marcado pelo estudo e
Anteriores à Fundação da
aplicação do direito romano justinianeu e do direito canónico). Este
fenómeno não foi diferente em Portugal, só se começa a estudar
Nacionalidade;
Direito Português nas universidades com a reforma feita por
Marquês de Pombal no ensino superior (1772). Porém, desde a ▪ Direito Visigótico;
fundação da nacionalidade está em formação um “Direito
Português”. Este Direito foi sendo criado a partir de uma matriz ▪ Leis de Leão;
comum, o Direito Comum. A Independência foi, acima de tudo,
um fenómeno politico, não provocou uma rutura cultural com o
▪ Legislação Nacional;
que se vivia anteriormente.

No inicio da Nacionalidade as fronteiras não estão, de todo, ▪ Aplicação da Lei;


definidas:

▪ Estava a decorrer o processo de reconquista cristã com o ▪ Interpretação da Lei;


objetivo de avançar para sul, expulsando os mouros da
península ibérica;
▪ As fronteiras com Espanha só ficaram definidas no reinado
de D. Dinis.

Apesar desta inicial imprecisão de fronteiras, a história mostra que


Portugal é o país Europeu com fronteiras mais estáveis e duradouras,
para além disso, existe uma unidade e coesão cultural que não se
encontra presente em nenhum outro pais do velho continente (uma
única língua, por exemplo), este fenómeno foi resultado da história e
foi sendo construído e definido com o decorrer dos anos.

Início da Monarquia:

▪ Principal Fonte de Direito e o Costume, essencialmente o


costume local. Durante muitos séculos, o costume não foi
entendido pela generalidade e abstracção, na idade média os
costumes são essencialmente locais;

49
História do Direito Português 50
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

▪ Fala-se, ainda, de um Direito que não é aplicado a todos de igual forma. O Direito
Medieval assenta na ideia de privilégios, era muito diverso e dependia da condição
social, cada grupo social tem os seus próprios costumes e as suas próprias regras.

Direito não é geral e abstracto, a sociedade medieval não assenta em costumes gerais e
abstractos, assenta em costumes locais e privilégios sociais assentes nesses costumes.

A grande rutura só ocorreu com o liberalismo. Esta sociedade medieval era uma “Sociedade de
sociedades”, não há uma sociedade igualitária, mesmo no seio dos grupos sociais existe
desigualdade:

▪ Grandes titulares da nobreza têm privilégios que os elementos da baixa nobreza não
têm, por exemplo, só os grandes senhores, condes, podiam participar nas cortes;
▪ No seio do Clero existe uma grande diferença entre os Bispos, muito próximos dos reis,
e os frades que não tem privilégios na matéria política.

Até ao Liberalismo o Direito é fragmentário, não há costume geral. No inicio da


monarquia não há propriamente uma ciência jurídica, surge com as universidades.

Costume Prática Reiterada Antiga

Por ser antiga, torna-se obrigatória

Com a ciência jurídica a desenvolver-se que nem todo o costume deve ser válido, o costume
deve respeitar certos requisitos. Sobretudo, a partir do reinado de D. Afonso III exige-se a
Racionalidade

Afastamento dos maus costumes, costumes errados ou irracionais devem ser afastados. Os
costumes vão ser analisados pelos reis. Aquando do momento em que D. Sancho II é afastado
uma das causas invocadas foi a de que ele não reprovava os maus costumes.

Os reis portugueses não só vão assumir a tarefa de proibir os maus costumes como a dos
substituir por outros.

▪ Por exemplo, no ocidente europeu havia a prática das provas ordálias (juízo de Deus),
um tipo de prova judiciária usado para determinar a culpa ou a inocência do acusado
por meio da participação de elementos da natureza e cujo resultado é interpretado como
um juízo divino. Assentava na ideia de que deus não iria deixar que um inocente fosse
condenado. Uma das provas típicas era a prova do ferro em brasa. Depois de uma
acusação feita a alguém ele tinha de demonstrar a sua inocência (ao contrário do que
acontece atualmente, todos são inocentes até prova em contrário – Principio da
Presunção da Inocência). Era queimada a mão com um ferro e cobrido com trapos,
dias mais tarde a comunidade voltava a reunir, se a ferida estivesse sarada teria sido um
sinal divino e a pessoa a ser julgada seria inocente.

50
História do Direito Português 51
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

A respeito desta prova, a Igreja dirá que é contrária ao principio da invocação do nome de Deus
em vão.

Não basta acabar com um mau costume, é preciso que ele seja substituído:

▪ Provas;
▪ Testemunhas; Substituição dos maus costumes por novas regras
▪ Documentos Escritos; baseadas no Direito Romano e Canónico
▪ Prova Testemunhal.

No reinado de D. Afonso IV um dos costumes e privilégios da nobreza era a vingança privada.


Os nobres não deviam ser submetidos aos tribunais comuns devido à sua condição social, podia
ser feita justiça pelas próprias mãos, não existiam qualquer tipo de regras, a vingança era
desproporcionada:

▪ Ideia de proporcionalidade e de culpa não existiam na sociedade medieval.

Os reis vão procurar impor limites a este costume irracional. No reinado de D. Afonso IV é
proibida a vingança privada e é substituída por um conjunto de novos institutos, nomeadamente,
os juízes de fora.

Surge a ideia de que a justiça é um monopólio do monarca, só ele, como titular do poder, pode
fazer justiça.

Aos poucos os costumes vão sendo reprovados, porém, nem sempre a observância das leis que
reprovam estes costumes se vai verificar, especialmente se se dirigirem contra os privilégios do
clero e da nobreza.

No inicio da monarquia a ideia de Direito é o resultado de um Consenso, ou seja, de um


costume (prática reiterada).

À medida que se avança na historia, o costume vai sendo substituído pela lei e
sucessivamente desvalorizado.

Atualmente, o costume é muito desvalorizado pelos códigos, não há como saber se o costume
enquanto prática reiterada é ou não injusto, deve ou não ter vigência. Por haver consenso e
observância não tem de haver necessariamente justiça, o Direito veio sendo moldado e alterado
com o decorrer dos tempos.

Costume irracional e injusto vai sendo reprovado e substituído por novas regras. Um dos
factores de racionalidade era a lei.

A lei era encarada como o elemento racional que permitia o avanço no ponto de vista
civilizacional, é preciso a existência de leis para proibir práticas aceites e praticadas que se
revelam injustas e irracionais.

Os monarcas deviam ter como inspiração o Direito Romano e o Direito Canónico.

A relação entre costume e lei vai ser muito complicada em toda a história de Portugal. Na idade
média uma lei podia revogar um costume, mas o desuso de uma lei (através do costume)
também podia ter um efeito obrigatório e vinculativo.

51
História do Direito Português 52
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Só com o Marquês de Pombal é que o costume deixa de poder revogar a lei, anteriormente, a
doutrina aceitava que o costume, através do desuso, podia revogar a lei.

A grande maioria das leis, na Idade Média, eram concretas, aplicavam-se a uma localidade, a
uma comunidade ou a uma família. A lei não tinha de ser necessariamente geral e abstracta.
Como já referido, o Direito Medieval assenta na Ideia de Privilégio.

Ius Regni

Direito Legislado

O Direito legislado é aquele que é produto da vontade humana e está positivado, isto é, escrito.
O direito legislado é o direito elaborado pelo poder político.

Com efeito, no período pluralista, o conhecimento da lei era efeutado oralmente pelos
procuradores do rei. Os procuradores liam as leis habitualmente aos domingos, sendo que a
frequência das leituras tinham a ver com a importância da lei.´

Quanto à interpretação da lei, imperava a interpretação autêntica, ou seja, efectuada pelo próprio
rei.

Em regra, a lei não era retroactiva, porem existem muitos exemplos de aplicação retroactiva das
leis no período pluralista.

Quanto à aplicação da lei no espaço, a lei era essencialmente local.

Inicialmente, a lei boa tinha de estar em conformidade com o Direito Natural e o Direito Divino.
O monarca começou por não afrontar o Direito Canónico e a colocar, no corpo da lei, regras
consuetudinárias.

O Direito, assim como a história, não é um fenómeno isolado, é necessário conseguir perceber o
contexto do seu desenvolvimento. Nesse sentido, é fundamental ter conhecimento daqueles que
foram os povos e as comunidades que habitaram a Península Ibérica no período anterior à
fundação da nacionalidade.

De um prisma cronológico a primeira referência deve ir para os povos primitivos (Iberos,


Tartéssios, Lusitanos,…) mas das suas instituições jurídicas pouco se sabe. Sobrelevam, pela
importância que tiveram para o direito português, o direito romano e os impropriamente
chamados direitos germânicos.

Aos Visigodos, povo que dominou a Península durante séculos e cujo Império apenas terminou
com as invasões muçulmanas, ficaram a dever-se alguns dos mais famosos monumentos
jurídicos.

Existem testemunhos de vigência do Código Visigótico no inicio da monarquia portuguesa, mas


que se vão progressivamente esbatendo. Continua a ser citado em alguns documentos
portugueses do séc. XII, nos mesmo termos em que vinha sendo anteriormente nos documentos
leoneses (sob a forma de uma vaga reminiscência, mantida apenas rotineiramente em
formulários notariais). Mas, no séc. XIII, estas citações desaparecem e o próprio fenómeno do
renascimento do Código Visigótico operado em Castela através da sua tradução para romance já
não tem repercussões visíveis em Portugal.

52
História do Direito Português 53
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

É sabido que as populações cristãs sob o domínio muçulmano continuaram-se a reger pelo
Código Visigótico nos séculos da reconquista antecedentes da fundação da nacionalidade
portuguesa; por outro lado, conhecem-se numerosos documentos do séc. XII respeitantes ao
território português em que o Código Visigótico continua sendo invocado, o que demonstra uma
linha de continuidade.

Só a partir do século XII, e em concomitância com o progressivo crescimento da legislação


nacional e com a “redescoberta” do direito justinianeu, as menções ao código visigótico
principiam a desaparecer.

Em suma, antes da fundação da nacionalidade, vigoraram as leis contidas no Código Visigótico


e as Leis de Leão, Coiança e Oviedo, surgidas das assembleias de Leão, de Coiança e de
Oviedo, as quais se classificam em Cúrias e concílios.

• Reinado de Afonso V de Leão (1057) – Leis de Leão;


• Reinado de Fernando I (1050) - Leis de Coiança;
• Reinado de Urraca (1115) – Leis de Oviedo;

As leis de Oviedo foram juradas pela condessa-rainha D.Teresa e pelo nosso primeiro monarca.
Destas circunstancias e ainda do facto de o Capítulo VIII das leis de Coiança referir a sua
aplicabilidade ao território português, tem-se retirado uma presunção de vigência de tais normas
em Portugal.

Por outro lado surgem duvidas em relação à classificação do próprio órgão que aprovou as leis.

▪ Nas Cúrias os elementos presentes eram laicos e tratavam de matérias de natureza civil,
determinando as sanções que delas provinham;
▪ Nos concílios os elementos presentes eram eclesiásticos e as matérias tratadas eram de
natureza eclesiástica, sendo as sanções espirituais;

Daí que se diga Cúria de Leão e Concílios de Coiança e de Oviedo.

Na opinião dos professores Albuquerque, esta distinção afirma ser artificial, pois quer os
concílios contavam com a colaboração de laicos, quer as cúrias com a intervenção de membros
do clero, a isto acresce que uma e outras assembleias legislavam em ambas as matérias.

Leis Gerais Portuguesas

No quadro das fontes de direito relativas ao primeiro período estudado, as leis gerais começam
por ocupar um papel modesto. Conhecem-se, de facto poucos diplomas contendo normas gerais
e abstractas de imposição coativa. É necessário perceber que a principal preocupação dos reis
portugueses foi, sem duvida, a luta pela expansão territorial e a expulsão dos muçulmanos de
território peninsular.

Aos poucos, todavia, foi-se processando crescente actividade legislativa dos monarcas. Inicia-se
a marcha lenta, mas segura, para a monopolização do direito positivo pelo principe. Decerto que
ela será também exercida nas cortes ou na curia (conselho régio) juntamente com o rei

É também certo que o poder legislativo dos reis está subordinado aos preceitos das outras
ordens jurídicas, a começar pelo direito divino e pelo direito natural.

53
História do Direito Português 54
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

De qualquer forma, porém, torna-se cada vez mais acentuada a propensão para referir o monarca
como centro legislativo por excelência, Por outro lado, este, na sua luta pela supremacia e pela
superioridade jurídico-politica da Coroa, vai assumindo e reclamando para si o monopólio
legislativo e o papel de árbitro entre as diversas ordens jurídicas em presença. Torna-se, em
suma, a fonte do poder e do direito.

O progressivo crescendo da legislação régia corresponde ao fortalecimento sempre


constante do poder real, para o que não pouco contribuíram os juristas educados na
tradição e no culto do direito romano justinianeu.

Até ao reinado de D. Afonso II, só se conheciam duas leis portuguesas, nomeadamente a lei do
reinado de D. Afonso Henriques sobre as Barregãs (grávidas) e a Lei do reinado de D.
Sancho I sobre a isenção do serviço militar.

Com efeito, as leis feitas pelos reis portugueses só surgiram, em numero considerado
significativo, a partir do reinado de D. Afonso II (Cúria de Coimbra de 1221).

Neste período as leis portuguesas foram proliferando e acabaram por ser compiladas em duas
grandes obras, nomeadamente:

▪ Livro das Leis e Posturas

Agrupa, sem qualquer critério de sistematização, as leis elaboradas entre os reinados de D.


Afonso II e D. Afonso IV.

▪ Ordenações de D. Duarte

Esta obra é mais complexa e perfeita que a anterior, já que organiza leis por reinados e, dentro
destes, sistematiza-as por matérias.

No período pluralista, com a formação e consolidação dos Estados, a lei foi-se gradualmente
afirmando como uma fonte de direito cada vez mais importante.

Fundamento da Força Vinculante da Lei

Para se imporem e se fazerem respeitar pelos cidadãos da comunidade, as leis eram


normalmente elaboradas em cumprimento de determinados requisitos, argumentando-se até que
resultavam da verificação de todos ou de parte deles, nomeadamente:

▪ Vontade Régia

Invocava-se que a lei era resultado de uma vontade régia.

▪ Conselho

Invocava-se que os conselheiros do rei, sábios as matérias a legislar, tinham sido ouvidos.

▪ Cortes

Invocavam-se que resultavam de deliberações das cortes, o que as tornava também de


cumprimento obrigatório.

54
História do Direito Português 55
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

▪ Racionalidade

Invocava-se que as leis eram elaboradas de acordo com a razão;

▪ Antiguidade

Invocava-se que a lei correspondia a uma prática reiterada, antiga e que tinha apresentado boas
soluções.

Assim, a lei tinha força vinculativa, ou seja, nenhum cidadão podia alegar a ignorância da lei
pois estas eram registadas no livro da Chancelaria e lidas na missa amiúde ou muito amiúde,
conforma a sua complexidade e grau de importância.

Geralmente a publicação das leis e de quaisquer atos do soberano estavam a cargo dos tabeliães
que, depois de as registarem nos seus livros, as deviam ler no tribunal do concelho,
ordinariamente uma vez em cada semana. Na maior parte dos casos a leitura publica das leis era,
em geral, feita todas as semanas, todavia, a própria lei estabelecia periodicidade diversa para a
realização de tal solenidade.

Aplicação e Interpretação da Lei

Relativamente à aplicação da lei no tempo, deve ser considerado que nem todas são de âmbito
geral. Ao lado das normas aplicáveis à escala do país e dimanadas do poder central (rei ou
cortes), outras existiam igualmente dele oriundas, mas de aplicação geográfica restrita.

Para além destas, existiam ainda preceitos estatuídos pelas comunidades inferiores (como por
exemplo, os concelhos). Destacam-se as posturas, regras de aplicação local, regras jurídicas dos
municípios, com natureza policial.

Quanto à interpretação da lei no espaço, em principio, só entrava em vigor depois de ser


conhecida e não era retroactiva apesar de terem existido alguns casos em que a retroactividade
ocorreu.

Porém, a partir do século XIV algumas leis começaram mesmo a declarar que só seriam
aplicadas em casos futuros, havendo, por isso, quem entenda que foi a partir desta altura que se
começou a consagrar verdadeiramente o principio da não retroactividade da lei.

Quanto à interpretação da lei, quando surgiam problemas, falava-se na interpretação autêntica,


ou seja, o monarca elaborava uma segunda lei, que esclarecia o sentido da primeira.

Monumentos Jurídicos Castelhanos

Na Idade Média foram traduzidos para a nossa língua vários textos de direito castelhano:

▪ “Flores Del Derecho”

Tratado de direito processual do séc. XIII, que estava integrado numa colectânea vulgarmente
designada por Caderno dos Foros da Guarda e por isso se diz que era aplicada na região da
Guarda.

▪ “Tempo dos Preitos” ou “Nove Tempos do Juízo”

55
História do Direito Português 56
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Obra de direito processual, também designada por 9 Tempos do Juízo, que divide o processo
judicial em 9 fases, estando integrada nos Foros da Guarda.

▪ Fuero Real

Criado entre 1252 e 1255, tem um caracter eminentemente localista e foi aplicado a todas as
cidades que não tinham um foral, ou para integrar lacunas do direito local, tendo, portanto, um
carácter subsidiário.

▪ Partidas

Criadas no séc. XIII por um grupo de juristas da corte de Afonso X de Castela, e crê-se que
foram aplicadas oficialmente em Portugal, pois existem partes copiadas desta obra nas
Ordenações Afonsinas.

56
História do Direito Português 57
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Direito Outorgado e Pactuado


Capítulo IV
O direito outorgado corresponde à concessão de algo, de norma. O direito Direito Outorgado e
pactuado pressupõe um acordo entre as partes, um encontro de vontades,
estabelecendo-se um pacto jurídico entre quem elabora as normas ou
Pactuado
regras e quem as recebe para fazer aplicar.
▪ Cartas de Privilégio
Portanto, o direito outorgado é aquele que resulta da outorga da
concessão ou outorga de algo através de um acto oficial, enquanto que o ▪ Cartas de Povoação;
direito pactuado corresponde à celebração de um pacto jurídico entre duas
partes, do qual resulta direitos e deveres para ambas.
▪ Foros, Costumes, ou
Cartas de Privilégio Estatutos Municipais;

Em sentido lato, cartas de privilegio eram documentos que atribuíam


prerrogativas, liberdades, franquias e isenções de qualquer ordem. Em
sentido estrito, embora de índole muito diversa, têm como denominador
comum a circunstancia de traçarem um regime jurídico especifico para
certo território ou certa comunidade, isto é, uma disciplina própria e
diferenciada. As cartas de privilégio consubstanciavam um regime
próprio para uma comunidade especifica e delimitada, não eram gerais e
abstractas.

Consoante os autores, as cartas de privilégio englobavam, entre outras, as


cartas de povoação, cartas de foral, foros, forais, cartas de doação,
cartas de doação de terras, cartas de liberdade, cartas de franquia.

Cartas de Povoação

A carta de povoação visava atrair habitantes para certas zonas,


escassamente povoadas ou despovoadas. O monarca, um senhor ou a
entidade que exercia a autoridade sobre o território nessas condições
fixava na carta de povoação um conjunto de normas definindo o estatuto
dos futuros colonos, especialmente quanto às condições de exploração da
terra. Aí se estabeleciam quais as pretensões patrimoniais ou pessoais a
que os povoadores ficavam obrigados, e os modos de detenção e ligação à
terra.

Forais ou Cartas de Foral

Para Alexandre Herculano, o foral era uma carta constitutiva de um


município porque estava relacionada com o conceito de autonomia
territorial.

Os forais eram cartas de privilégio outorgadas pelo monarca, pelo senhor


eclesiástico ou pelo senhor feudal. Os forais eram cartas de privilégio
mais extensas e completas que as cartas de povoação, pois englobavam
mais matérias, tais como as normas de direito administrativo, penal, fiscal
e militar.

57
História do Direito Português 58
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Os forais surgiam da necessidade de criar normas de direito publico, com o fim de regular as
relações entre o Estado e os particulares.

No que respeita à relação entre as normas do monarca e as normas específicas dos forais, há que
referir que a norma do foral prevalecia à do monarca, tendo esta, no foral, um carácter
subsidiário, já que só se aplicava em caos de lacuna no ordenamento do foral.

Os forais podem classificar-se de acordo com quatro critérios:

1. Quanto à Entidade Outorgante:


▪ Régios (outorgados pelo rei, com a confirmação da rainha e dos filhos);
▪ Particulares (Outorgados por senhores eclesiásticos);
2. Em função do Molde ou Matriz
▪ Havendo a salientar as famílias de forais, designando-se dessa forma porque
tinham um texto base comum, destacando-se as famílias de forais de
Lisboa/Santarém, de Évora/Ávila e da Salamanca.
3. Quanto ao Grau de Complexidade das Instituições Municipais
▪ Rudimentares;
▪ Imperfeitos;
▪ Perfeitos;
4. Quanto ao Grau de Originalidade
▪ Originários (criados especificamente para uma determinada comunidade);
▪ Ampliativos (criados com base na estrutura de outros forais, aos quais se
acrescentam normas especificas);
▪ Confirmativos (confirmados pelo monarca);

Foros, Costumes ou Estatutos Municipais

Estas cartas de privilégio, também designadas de estatutos ou costumes municipais, eram mais
desenvolvidas que os forais porque além de normas de direito publico, continham também
normas de direito privado.

Os foros eram geralmente da iniciativa dos habitantes do município, que formavam escritos,
designados por cadernos de foros, onde criavam ou alteravam as normas existentes no
município, de acordo com o conhecimento que tinham das leis e dos costumes locais. Os foros
eram, portanto, cartas de privilégio mais relacionadas com o Direito Pactuado.

Os foros surgiram no sec. XIII e XIV e correspondiam a documentos extensos e complexos que
continham diversas matérias sobre a revelação da vida jurídica local, incluindo as de direito
privado. Os foros correspondiam assim à revelação dos costumes dos forais através de normas.

Nos foros podem-se encontrar várias fontes jurídicas, nomeadamente:

▪ Normas de Base Costumeira;


▪ Normas de Base Visigótica;
▪ Normas de Base Muçulmana;
▪ Normas de Base Canónica;
▪ Normas de Base Romana;

58
História do Direito Português 59
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Capítulo V
Costume e Direito Judicial

O conceito de costume na idade média e no período pluralista era


diferente do conceito atual de costume, dado que era entendido como Costume e Direito Judicial
sendo direito não escrito e um direito por oposição ao direito escrito
(direito foraleiro, direito romano, direito visigótico, direito canónico e ▪ Costume Medieval;
direito castelhano).
▪ Prestigio do Costume;
O costume era entendido como um setor do ordenamento que se situa
originariamente fora da esfera de ação criativa do poder.
▪ Valor Jurídico do
O costume abrange o direito de criação não intencional e ou o direito Costume;
não escrito.

O costume, no período pluralista, foi indiscutivelmente a fonte ▪ Direito Costumeiro e


principal de direito. Na idade média, isto é, no período pluralista o Direito Judicial;
bom costume era o costume antigamente usado.
▪ Estilo;
Durante o período de formação da nacionalidade e nos tempos
diretamente subsequentes, o costume era a fonte jurídica por
excelência. ▪ Façanhas;

O costume é, portanto, um elemento crucial e, até, fundamental destes


▪ Alvidros;
primeiros tempos da nacionalidade. A principal preocupação dos reis
na altura era a expansão, a fixação de barreiras, só depois e, isso, fica
saliente com a curia de coimbra o objetivo passa a ser a produção
legislativa. À medida que ação do legislativa dos reis vai aumentando
o espaço de ação do costume vai diminuindo.

É que, além do mais, ele resulta de uma prática confirmada e criada


espontaneamente pelos membros da comunidade, obrigando-os a
auto-ordenarem-se.

O costume é na origem, pelo mesmo carácter espontâneo que o


caracteriza, um processo de formação jurídica oral, por isso, era
preciso prova-lo.

A Vindicta privada (vingança, justiça privada, justiça feita pelas


próprias mãos) era uma prática comum e considerada normal no
período pluralista, porém não era aceite pelo monarca, o qual, no sec.
XIII, para a abolir e assim ganhar o controlo judicial, passou a definir
o bom costume como sendo aquele que a ela se contrapunha,
substituindo-a por práticas ou normas de bom costume, por ele
próprio definido.

O costume, à medida que vai sendo acolhido noutras fontes (leis,


forais,..), perde o carácter especifico para assumir, total ou
parcialmente, a feição destas quanto à obrigatoriedade, vai também,
adquirindo generalização crescente.

59
História do Direito Português 60
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

O costume, para ser considerado bom, tinha de obedecer a alguns requisitos, nomeadamente:

▪ Antiguidade: O costume tinha de ser plural e antigo, o que lhe dava o carácter de
prática reiterada, repetida e com convicção de obrigatoriedade. A antiguidade deveria
ser relacionada com o conceito de prescrição, o que implicava o decurso de um
determinado período (10 anos se invocado contra pessoas presentes e 20 anos se
invocado contra pessoas ausentes)
▪ Racionalidade: O costume tinha de ser racional, isto é, estar conforme com a “direita
razão”, com o direito natural
▪ Consensualidade: O costume tinha de ter o consenso da comunidade e do legislador,
que, à época, era uma e a mesma pessoa, na medida em que era a comunidade quem
introduzia o costume, logo, o costume tinha de estar de acordo com vontade da maioria
da comunidade. Alguns autores identificam, também, neste âmbito o conhecimento do
costume e aprovação voluntária, exceto se o costume for legalmente prescrito.
▪ Conformidade com o direito divino: O costume tinha de estar em conformidade com
a lei divina, a qual ajustava a ideia de direito natural à utilidade pública, que, na época
medieval, correspondia à salvação da alma.

Não obedecendo a estes requisitos, o costume não era julgado como bom costume.

Quanto ao valor jurídico do costume, importa referir que, na época medieval, na falta de lei, o
costume aplicava-se como lei, além disso funcionava também como intérprete da lei.

O costume podia também ser integrado nas lacunas dos foros, corrigi-los ou mesmo revogá-los.

Quanto à aplicação do costume nos tribunais, isto é, ao denominado direito judicial, há a


salientar que a “jurisprudência” (na altura, não designada com esse nome) da época
correspondia ao costume judiciário, isto é, às decisões que mais eram utilizadas na aplicação dos
casos.

Conhecem-se três formas de direito judicial, os estilos, as façanhas e os alvidros.

▪ Estilo

É uma espécie de direito não escrito, pois corresponde à prática de um tribunal que cria um
estilo de decisão, uma norma consuetudinária de direito processual, passando assim a ser o
costume o orientador da forma como se iria processar.

O estilo difere do costume consagrado pela generalidade das pessoas porque resulta do de
determinado pretório (juiz). O estilo também é designado pelo costume em casa del rei na cúria
régia. Os requisitos do estilo são a racionalidade, a conformidade ao direito suprapositivo
(direito natural) e a pluralidade

• Façanhas

Eram decisões de tal forma complexas que entendia-se que deveriam passar a funcionar como
um padrão de referência para o futuro (regra do precedente britânico). José Anastácio de
Figueiredo defende que as façanhas são sempre de natureza régia, na medida em que a sua
exemplaridade advém duma personalidade superior que, na época, só poderia ser o monarca.
Defende também este autor que as façanhas só se aplicavam a casos duvidosos ou omissos na

60
História do Direito Português 61
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

legislação pátria, querendo isto dizer que apenas poderiam resultar da resposta a casos que não
tinham sequer tutela na legislação geral.

• Alvidros ou Juízes Alvedrios

A palavra façanha designa vulgarmente uma ação heroica, singular, assinalada, fora do comum
ou do normal.

Os alvidros, também designados por juízes alvedrios, eram decisões dos tribunais arbitrais,
sendo os juízes alvedrios escolhidos livremente pelas partes, para resolver questões céleres,
normalmente relativas à actividade mercantil ou marítima. As decisões dos juízes alvedrios
sustentavam-se no costume e poderiam ser aplicadas futuramente por outros juízes, já que os
juízes alvedrios eram pessoas com grandes conhecimentos nas áreas para as quais eram
chamados a proferir decisões. Das decisões dos alvidros cabia recurso para os trinunais
superiores.

Os alvedrios correspondiam à faculdade da justiça (juíz) integrar uma lacuna ou criar uma
norma para suprir o defeito de um estatuto, não significando, a possibilidade ilimitada de
atuação mas decisão por outros valores, como o costume e a equidade.

Os alvidros eram juízes livremente escolhidos pelas partes, os quais deviam julgar nos termos
dos poderes por elas conferidos.

61
História do Direito Português 62
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Capítulo VI
Direito Prudencial

O direito prudencial juntamente com o costume representa um setor


do ordenamento jurídico que se situa originariamente fora da esfera Direito Prudencial
de ação do Estado.
▪ Direito Romano
O direito jurisprudencial chega mesma a sobrepor-se ao espirito e
letra da lei mediante uma clara função criadora de normas jurídicas e ▪ Glosadores
um papel interpretativo e integrador da lei.

Trata-se de uma ordem normativa criada pelos prudentes, ou seja, ▪ Comentadores


pelos que conhecem o direito, o justo e o injusto; por aqueles cuja
autoridade lhes permita declarar a verdade jurídica dos casos ▪ Ars Inveniendi
concretos.

A jurisprudência (iuris prudentia), baseia-se, pois, na autoridade, na ▪ Leges


auctoritas, no saber socialmente reconhecido, mas desprovido de
poder. Distingue-se, assim, da lei que repousa sobre a potestas. ▪ Rationes
Cai debaixo da designação de jurisprudência a atividade de todos os
que constroem o direito em termos científicos e independentemente ▪ Auctoritates
de qualquer ligação ou dependência especifica do poder.

Nesta aceção fica afastado do direito prudencial o que hoje se designa


de jurisprudência (decisão dos tribunais).

O direito prudencial vai assistir a um grande progresso e


desenvolvimento durante a Idade Média, é fácil perceber devido à
deficiência do direito existente e o caracter fragmentário e localista
do costume. Era preciso colmatar as lacunas de um ordenamento
jurídico escasso. Mais do que isso, era indispensável construir um
sistema jurídico que respondesse às exigências de uma sociedade em
desenvolvimento, politico, social e económico, em suma, uma
sociedade em mutação e de crescente complexidade.

O direito prudencial é fundamentalmente um direito criado nas


universidades que embora não tenha surgido com o poder politico, o
ajudou a consolidar.

O direito prudencial foi aceite porque ajudou a consolidar o poder


politico e porque foi produzido sob duas qualidades que eram
reconhecidas aos prudentes: Inventio (capacidade de criar, de
descobrir novas soluções mais justas para os casos concretos) e a
Auctóritas (saber socialmente reconhecido).

Todavia, na base do surgimento do direito prudencial estão causas de


natureza politica, religiosa, económica e cultural.

Este assunto já foi abordado num momento anterior.

62
História do Direito Português 63
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

O fenómeno do renascimento do direito romano constitui, de um ponto de vista dos agentes da


sua elaboração, um processo essencialmente universitário.

Metodologia das Escolas Jurisprudenciais na Idade Média

Iura própria - direitos locais. Direito foraleiro, costume local,… São direitos próprios das
comunidades politicas, localmente, surgem diversos direitos que vão começar a concorrer com o
direito romano. As comunidades mesmo sabendo que há um direito superior, não deixam de
formar um direito próprio.

A grande diferença entre os comentadores e glosadores é a valorização dos iura própria, os


comentadores confrontam-se com essa vertente prática.

Os comentadores vão conjugar o direito romano com o direito local, pode-se dizer, com a
devida prudência e cuidado, que os glosadores têm um trabalho mais teórico (sec. XII - nesta
altura a função legislativa ainda não é uma atividade residual para o monarca - ainda não existe
produção legislativa).

Os comentadores tiveram de integrar os direitos locais. Por exemplo, a primeira reunião em que
dizemos que o monarca assume a função legislativa é em 1211 – Curia de Coimbra.

É necessário, por isso, conseguir enquadrar estas ideias no contexto histórico, obviamente que o
trabalho dos comentadores foi mais prático, tendo em conta que era necessário dar resposta a
novos problemas e a novas realidade, como foi o surgimento do direito local.

À medida que quem está nas universidade começa a estudar o direito romano começa a integrar
o direito romano com o direito local, com o direito das comunidades politicas.

À medida que o legislador assume função legislativa o direito romano vai ficando para trás.
Com uma particularidade, a prática do direito romano era mais fácil de atenuar, ou seja, de
colocar em segundo plano, o legislador estava morto.

Os reis encontravam-se dependentes da igreja (bula manifestis probatum), rei não podia afastar
completamente a igreja porque quando começa a expansão oceânica quem financia grande parte
das viagens é a igreja e num momento inicial o reino de Portugal também se encontra muito
próximo do papado, apresentando-se os reis como vassalos de herdeiro do trono de S.Pedro.

O direito canónico torna-se mais difícil de afastar e de lhe retirar força e preponderância, o seu
legislador está vivo e é o detentor de um grande centro de poder. A religião afetou de forma
muito marcante durante toda a idade média, ainda que com diferentes níveis de intensidade, e,
até nos nossos dias e num estado laico como é o de Portugual o Direito continua a ser, ainda que
de forma muito ténue, influenciado pela religião.

Quando os principais autores recorrem ao direito romano, a ideia é trabalhar o direito. Era
necessário estudar o direito que de alguma forma tinha ajudado a formar as principais
comunidades politicas, a língua comum dos povos era o latim. O direito romano surgiu como
um direito intelectualmente superior, a ideia de um direito que era aplicada pelas comunidades
intelectualmente evoluídas, representava a autoridade de um poder.

63
História do Direito Português 64
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

No sec. XII a realidade politica era diferente, a ideia da republica cristiana começava a
apresentar as primeis brechas, as comunidades localmente começavam a desenvolver o direito
próprio.

É importante reter que o método de trabalho dos glosadores e dos comentadores vai ser o
mesmo (analítico-problemático)

Ars Inveniendi - Arte de inventar.

No trabalho de criação do direito, os prudentes utilizaram uma metodologia analítico-


problemática, designada por Ars inveniendi, isto é, arte de inventar.

▪ Analítica porque, na época, o jurista procurava, para cada caso, um preceito legal que
lhe permitisse encontrar a solução ideal, não se preocupando tanto com a consideração
sistemática, isto é, com o enquadramento no sistema jurídico, procurando
primeiramente na norma a solução que mais lhe convinha, e só depois a considerava no
ordenamento jurídico.
O jurista olhava para a lei ou para a norma em causa e via nela algo de imediato,
dotado de individualidade, a apreender em si mesmo. Ou seja, o dado a priori
para o jurista medieval não é sistema jurídico, é a norma concreta.
▪ Problemática porque o jurista obtinha uma solução para o caso concreto, depois de
discutir a questão, recolher os argumentos pró e contra, ponderar as várias soluções
possíveis, optando normalmente pela solução que, para ele, lhe parecesse mais
razoável.
Para o jurista medieval a solução não se obtia através da subsunção do facto À
norma legal, mas pela ponderação das soluções possíveis. Em função destas era
achada a norma aplicável, determinado o seu âmbito, estabelecida a interpetação
competente. A aplicação das leis tinha de ser controlada em função das respectivas
consequências face a critérios de justiça de direito natural e de conveniência ou
utilidade.

Enquanto o aspeto analítico antes referido por conexo, pelo menos num primeiro momento, ao
texto legislativo parte de uma consideração gramatical deste, a vertente problemática do
pensamento jurídico arranca de um conflito de interesses, senão real e explicito, pelo menos
figurado ou pressuposto, para o qual se busca a solução.

Com efeito, como o código de justiniano não continha uma lógica sistemática, isto é, com uma
harmonização de leis, pelo que os prudentes medievais, conscientes desse facto, analisavam as
leis nele contidas isoladamente e ao pormenor (analítica) e abordavam-nas com um ponto de
vista crítico, criando Direito a partir desse ponto de vista

Assim, com base nesta metodologia, a primeira preocupação do prudente medieval era analisar
o caso concreto e a segunda a de encontrar uma solução para o mesmo, ponderando todas as
soluções possíveis, sendo certo que a aplicação da lei tinha de ser controlada em função das
respectivas consequências, face a critérios de justiça de direito natural e de conveniência ou
utilidade.

64
História do Direito Português 65
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Elementos da Ars Invendi

A arte de inventar, isto é a ars inveniendi dos jurisprudentes continha três elementos,
nomeadamente Leges, Rationes eAuctoritates

Leges

Corresponde à ciência jurídica medieval que se diz ser uma ciência de textos. Os preceitos
jurídicos eram analisados enquanto elementos de um texto, obedecendo a uma gramática
especulativa. A Leges era vista como uma técnica de interpretação.

A gramática é a arte pelo qual o espirito se exprime.

Rationes

São definidas por Lombardi como sendo os argumentos de equidade, e também, numa segunda
perspectiva complementar, como argumentos de direito natural, de oportunidade e de lógica.

As rationes correspondiam à arte de criar argumentos para dar resposta a um caso concreto.

A rationes podiam constituir uma decisão alegal, construída em sede exclusiva de justiça,
utilidade ou racionalidade; noutras situações é através delas que se censura o preceito textual
sobre o qual incide o juízo de desfavor e se justifica, portanto, um ditame contra legem.

Podem ainda conceber-se como elementos de interpretação da lei.

As rationes funcionavam assim como instrumentos interpretativos da lei, sendo que quando
esta se mostra insuficiente, há que lhe juntar argumentos extralegais, baseados em critérios de
direito natural, oportunidade e lógica.

O conhecimento alcançado pela utilização das rationes não é entendido como o único e
necessário, mas sempre visto como um conhecimento provável.

Os argumentos criados pelos prudentes medievais, apesar de partirem dos textos legais
(código justinianeu), iam para além deles, buscando apoio na equidade, no direito natural,
na oportunidade e na lógica, e não num qualquer texto de lei humana ou divina.

Pode assim dizer-se que na Idade Média, para além do necessariamente verdadeiro e do
necessariamente falso, se aceitou a categoria intermédia da verdade provável (susceptível de
prova), daí a necessidade dos argumentos.

De apoio à construção argumentativa, isto é, à interpretação dos textos e mesmo, para além
desta, à criação de direito, os prudentes recorreram a 4 instrumentos ou ciências,
nomeadamente:

• Dialéctica

Consiste na arte da discussão. Tem uma função de contraposição de argumentos, na base dum
debate controversístico e discursivo.

• Retórica

65
História do Direito Português 66
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Corresponde à arte de persuadir e de convencer, entendendo-se que o jurista para além de


conhecer, tem de saber convencer. Formalmente reveste a forma de discurso, susceptível de
longos encadeados de conclusões, incorporante de elementos de natureza psicológica.

• Lógica

Enquanto disciplina de pensar sem contradições.

• Tópica Jurídica

Consiste em observar um problema de todos os seus ângulos e recolher o maior número possível
de argumentos em busca de uma solução. Do uso da tópica jurídica resultam os chamados
depósitos de argumentos que são conjuntos conseguidos pela observação de um caso nas suas
diversas perspectivas, podendo esses argumentos depositados ser a resposta a um determinado
problema. São argumentos possíveis os de semelhança, de diferença, de causalidade, de efeito,
de antecedência, etc.

A maneira como se vê o problema depende da posição de onde se vê. O réu não vê o tema do
processoa da forma pela qual o vê o autor. Cada um aduz tópicos diferentes de solução.

A tópica é como um armário com muitas gavetas, é a mesma coisa aplicada aos princípios
do direito, a nossa mente vai buscar ao armário do direito diferentes conceitos que se
relacionem com o problema, a tópica é um reservatório de argumentos.

O jurista medieval utiliza no seu operar essencialmente rationes que consubstanciam não
postulados racionais mas apenas razoáveis.

Auctoritates

A aceitação como premissas de asserções que em si mesmas não consentem a demonstração da


respectiva verdade ou falsidade e cuja legitimidade provém unicamente da sua probabilidade,
coloca o problema de qual o critério para julgar a credibilidade por elas merecida.

É definido como o saber socialmente reconhecido. A aceitação de uma solução concreta passava
muitas vezes pela autoridade de quem a defendia. Sabendo-se que a verdade jurídica era
sempre meramente provável, tornava-se particularmente importante o modo como ela se
fundamentava e a sabedoria de quem a defendia.

A opinião traduzia o ensinamento de um douto (daquele que era perito numa arte e cujo
testemunho de vivência e experiência respectiva se aduzia para dar credibilidade a uma asserção
insusceptível de demonstração em termos de verdade ou falsidade, de si impeditivos de
qualquer discussão. O pensamento de opiniões traduz, assim, e em ultima análise um
pensamento de peritos (doutores). Mais uma vez, é necessário reforçar que não havia uma
resposta absoluta e imutavelmente acertada, os próprios doutores garantiam respostas e
proposições apenas prováveis, sendo prováveis podia haver lugar para divergência,
tornando-se, por isso, necessário averiguar o processo de conciliação entre as diferentes
formulações.

Alguns problemas suscitaram uma pluralidade de opiniões e, nesses casos, era necessário
distinguir qual delas merecia maior credibilidade. A este propósito surgiu o conceito de opinião

66
História do Direito Português 67
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

comum dos doutores, entendida como aquela que era defendida por um conjunto de juristas
com auctoritas.

A communis opinio traduz a ideia de que se deve seguir o parecer que tiver por si maior
numero de doutores, que recolher um sufrágio ou consenso mais amplo. A opinião comum é
uma simples operação quantitativa, reconduzindo-a à opinião que fosse sufragada por mais
doutores, com alheamento de qualquer aspeto qualitativo, ou seja, prescindindo de toda a
hierarquização de depoimentos.

Este elemento não deve ser entendido como critério único, porque se em parte ele é verdade não
deve ser entendido de uma maneira exclusiva. Os próprios juristas também se distinguiam uns
dos outros e as opiniões de nomes como o de Bártolo acabavam por ter mais peso. Entram aqui
as características individuais dos juristas, o seu curriculum e a sua obra.

Ao longo do tempo, três critérios de fixação da opinião foram estabelecidos: o quantitativo (que
estabelecia que a melhor opinião era a defendida pelo maior número de juristas), o qualitativo
(que estabelecia que a melhor opinião era a defendida pelos juristas de maior prestígio) e o
misto (que conjugava os dois critérios anteriores e portanto era o mais exigente). Supõe-se que o
critério quantitativo puro nunca terá sido usado, porque ele implicaria uma mera contagem de
opiniões.

O critério misto foi geralmente o preferido, já que fixava como opinião comum a mais
defendida entre os melhores. A solução que tivesse a seu favor a opinião comum dos doutores
saia naturalmente reforçada e impunha-se relativamente às outras.

Os juristas deveriam ser entendidos apenas como peritos da “ars”, ou seja, a opinião de cada
doutor não era tida como necessária, mas apenas provável e, portanto, sujeita ao contraste com
as dos demais doutores.

Perante a multiplicidade de normas aplicáveis a cada caso (concurso normativo) a escolha da


efectivamente aplicada foi o fruto das justificações dos doutores.

O Direito Romano teve uma grande importância neste período inicial, constituiu um módulo da
ciência do direito através da interpretação dos prudentes (interpretativo prudentium) e não do
poder da lei (potestas legislativa).

É sempre importante ter bem presente a circunstancia do Corpus justinianeu representar a


ordem normativa de um imperador, falecido havia cerca de seis séculos, cujo poder se não
exercera sobre a generalidade dos países que constituem a maior parte da Europa Ocidental.

A iurisdictio imperii, porém, encontrou pela frente as afirmações de autonomia e


independência dos vários príncipes.

Assim, se o Direito Romano se apresenta como Direito Comum (ius commune) ao longo
dos séculos que decorrem de Irnério até ao fim da idade média, reulta isso não do poder
Imperial, mas do trabalho cientifico dos prudentes. São estes que o impõem como lei geral
a todos.

O Direito Romano era aplicado, por isso, não pela razão do Império mas pelo Império da
Razão.

67
História do Direito Português 68
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

É precisamente pela influencia dos doutores que o Direito romano justinianeu será
reelaborado em termos de adequação às necessidades medievais, de tal modo que adquire
novo sentido. Os juristas manejá-lo-ão em concomitância com o direito canónico e com os
direitos locais (iura própria) para obterem um ordenamento eficaz em termos de
realidade.

Alguns autores consideram que o ius commune é uma “fusão” entre direito canónico e
direito romano. Porém, na opinião dos professores Albuquerque e de grande parte da
doutrina, consideram que o Direito Romano e o Direito Canónico atuaram
reciprocamente um sobre o outro, em relação de concorrência e em relação de conjugação,
consoante as épocas, as próprias relações entre os poderes e as ideologias. Houve dialética
e simbiose, mas não fusão. Trata-se de direitos diversos (untrumque ius), e não de um
direito (unum ius). O direito romano é direito comum modificado, ampliado,
transformado pela interpretativo doctorum, mas direito romano.

Ius commune designa, assim, em regra, o direito romano e distingue-se do untrumque ius.

O uso desta metodologia, baseada no estudo dos textos romanos e adaptada às necessidades da
Europa medieval, acabaria por dar origem a um ordenamento de criação prudencial a que se
chamou “ius commune”, ou seja, o direito comum que é, portanto, direito romano estudado,
modificado e adaptado pela interpretação dos juristas ás necessidades dos direitos nacionais da
época. A base desse direito é o direito romano justinianeu.

Géneros Jurídico-literários

No desenvolvimento do seu trabalho, seguindo a metodologia analítico-problemática (Ars


Inveniendi), os prudentes medievais adoptaram diversos géneros jurídicos e literários, dos quais
importa apenas destacar os seguintes:

Glosas

Correspondem a pequenos comentários clarificadores duma pequena passagem do conteúdo do


texto, isto é, correspondem a uma explicação sumária de uma palavra ou expressão de um texto
jurídico de Direito Romano, sendo certo que podem ser interlineares ou marginais, consoante
fossem escritas entre as linhas ou à margem do texto jurídico. Podem ser também de natureza
histórica (quando esclarecem assuntos ligados ás circunstâncias históricas referidas no texto),
filológica (quando explicassem aspectos ligados à origem das palavras), técnico-jurídica
(quando explicam conceitos de direito) ou retórico- dialécticas (quando explicam argumentos
contidos no texto).

Distinctiones

É um género promovido ou consagrado nas glosas e corresponde à técnica de distinção, ou seja,


pegando numa norma geral vai-se estabelecendo divisões e subdivisões.

Commentarius

Caracterizam-se pela sua forma discursiva, ultrapassando a mera interpretação do texto, já que
consistiam em longas dissertações sobre um tema, assumindo uma especial importância por
terem sido utilizados pelos juristas na adaptação dos textos romanos aos direitos da época, os

68
História do Direito Português 69
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

chamados direitos locais (iura própria). Contrariamente às glosas, os comentários continham


posturas criticas aos textos romanos, sendo por isso que se diz que são géneros literários
superiores, nos quais os prudentes se afirmavam na sua plenitude.

Bártolo, um dos principais juristas da escola dos comentadores, defendia que o jurista, ao
analisar um texto, deveria primeiramente saber qual era a solução correcta e só depois é que
deveria procurar um texto legal para fundamentar e basear essa solução.

Consilia

Os Consilia são géneros literários que correspondem ao que hoje designamos por pareceres
jurídicos, consistindo na opinião de um jurista sobre uma consulta que lhe é feita, distinguindo-
se, no entanto, dos pareceres actuais nas formalidades e no grau de compromisso assumido pelo
autor.

Os consilia eram elaborados com o fim de serem utilizados na resolução de uma situação
concreta, tinham, portanto, uma dimensão prática.

Muitas vezes e para terem mais força, os consilia eram elaborados e jurados em nome de Deus
e da Virgem perante o evangelho e eram selados, na presença de testemunhas, pelos notários das
universidades a que os autores pertenciam.

Lectura

A lectura corresponde ao que hoje é uma lição universitária, mas numa lógica em que o
professor se limita a ler os textos e não pode ser questionado, uma vez que é alguém que é
considerado como sendo superior.

Quaestio

A Quaestio é um género complexo, sob a forma dialogada, que corresponde à aplicação do


princípio do contradictio como forma de apurar a verdade, podendo reportar- se a uma questão
de facto (quaestio facti) ou a uma questão de direito (quaestio iuris).

A Quaestio era muito utilizada nas aulas, onde o docente levava os alunos a aceitarem os seus
argumentos.

A Quaestio, no fundo, tratava-se da resolução de uma questão contrapondo argumentos, a favor


e contra, para cada solução possível.

Quanto ao esquema formal da quaestio, esta compreendida quatro fases, primeiramente fazia-se
a enunciação dos factos (quaestio), depois enunciava-se o problema a resolver, depois
discutiam-se os argumentos negativos e positivos (debate) e finalmente passava-se à resolução
(solutio ou determinatia).

69
História do Direito Português 70
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Direito Prudencial

Especificação do Caso Português


Capítulo VII
Direito Prudencial
A recepção do Direito Prudencial em Portugal teve três momentos de
intensidade: Caso Português
 Num primeiro momento significa o conhecimento e situa-se no ▪ Fases da Receção do
sec. XII. Direito Romano;
 Num segundo momento significa a influência sobre a
legislação portuguesa e pode situar-se no reinado de D. Afonso
▪ Resistência à Penetração
II.
 Num terceiro momento significa a sua receção na ordem do Direito Romano;
interna do direito português, podendo situar-se esta no reinado
de D. Dinis.

A primeira prova do conhecimento das obras de Justiniano em


Portugal data de 1185, altura em que o bispo do Porto, aquando da sua
morte, doou em testamento à Igreja do Porto, entre vária obras, o
Digesto, as Instituições e as Novelas. É seguro dizer que nos finais do
séc. XII o direito justinianeu era conhecido pelo menos ao nível de
uma camada mais erudita da população.

O fenómeno da recepção do direito romano foi um processo


essencialmente académico. Antes do poder político ter assumido esse
direito e o ter utilizado, foram os juristas, que em muitos casos eram
mestres na universidade, que estudaram e divulgaram o direito
justinianeu. Muitos deles tinham estudado em universidades
estrangeiras, sobretudo em Bolonha, e já se tinham apercebido da sua
importância.

A criação do estudo geral em Portugal (universidades) é datada de


1288/1290, e constituiu uma aceleração decisiva no processo de
receção do direito romano.

Até aí o ensino estava circunscrito às escolas das catedrais e dos


mosteiros que ministravam as disciplinas componentes do trivium
(retórica, dialéctica, gramática) e o quadrivium (aritmética, álgebra,
astronomia e musica).

A universidade começou sob o signo do próprio direito romano. Ele


passou a ser ensinado na Faculdade de Leis e durante cinco séculos foi
o direito que os juristas portugueses aprenderam. Só no séc. XVIII se
introduziu uma cadeira de direito pátrio. Até aí, a formação dos
juristas portugueses era romanista, e isso influenciou todo o trabalho
autónomo ou integrado na esfera do poder. A par deste direito,
ensinava-se direito canónico na Faculdade dos Cânones.

Estes tópicos foram desenvolvidos anteriormente.

70
História do Direito Português 71
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Resistência à Penetração do Direito Romano

A receção do direito comum não se fez sem resistência:

 Nuns caso por simples motivos fácticos, por exemplo, o escasso número de juízes
letrados e conhecedores do latim;
 Noutros casos por choque ou oposição com os ordenamentos jurídicos preexistentes.
Em especial o costume ofereceu pertinaz resistência à receção do direito romano,
sobretudo quando o costume respeitava aos grupos sociais, como aconteceu com os
privilégios da nobreza em tempo de Afonso IV. Com fundamento no direito comum
pretendeu o monarca extinguir o direito de vindicta privada, sem recurso aos tribunais
no caso de morte ou desonra de parentes, mas não sem protesto da nobreza.

71
História do Direito Português 72
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Direito Puramente Consentido

Direito Judaico
Capítulo VIII
O Direito Puramente
O direito judaico esteve vigente na comunidade hebraica inserida no Consentido
território correspondente ao reino e, em certa medida, aplicável nas
relações dos membros dela com os demais. ▪ Direito Judaico;

Trata-se de um direito transcendente relativamente a esse grupo social,


de caráter pessoal e confessional, mas cujo titulo de aplicação se
▪ Direito Islâmico;
identifica com a benevolência régia, que permite a respectiva receção,
enquanto privilégio.

Como em relação ao direito romano, a oposição de religiões levou a


circunscrever-lhe a influencia e a impedir que fosse de outra maneira ao
sucedido no tocante aos direito canónico e romano, em relação aos
quais houve o sentimento mais ou menos genérico de obrigatoriedade.

Como referido, o direito judaico é:

 Pessoal – permite-lhe vigência tendencialmente universal,


seguindo o sujeito de direito para além de quaisquer fronteiras;
 Confessional – liga-o à religião, não só enquanto explicável a
partir de uma crença, mas também por dela não se diferenciar
de forma clara, ao menos nas origens. Falta-lhe, assim, a
autonomia e a especialidade das funções que se encontra no
direito romano.

Direito Muçulmano

O Direito muçulmano é:

▪ Um Direito revelado;
▪ Um Direito de origem Divina;
▪ Destinado a regular a vida e uma comunidade de crentes;
▪ Não diferenciado em relação À religião dessa comunidade e,
como tal, imutável;
▪ De caráter pessoal e não territorial, mantendo-se unitário no
espaço e sem caráter estadual.

A assinalada uniformidade do direito muçulmano decorre da ausência


de órgãos políticos na criação do direito. Jamais o Califado ou qualquer
outro chefe politico atuou como órgão de criação do direito. Provindo
este de Deus, tal conduta constituiria uma transgressão. Pela
mesma razão a comunidade, tomada em sentido politico-civil,
também não intervém na criação do direito, produzindo regras
gerais abstractas correspondentes ao conceito de lei no nosso
Direito. Por isso, nunca lhes foi atribuída a natureza de fonte de
Direito.

72
História do Direito Português 73
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Conjugação das Fontes Normativas e dos Elementos Formativos


do Direito Português
Capítulo IX
Conjugação das Fontes
Referidas aquelas que foram as principais fontes de Direito do Normativas e dos
período pluralista, cabe, agora, expor a sua articulação.
Elementos Fundadores do
Direito Canónico e Direito Civil Direito Português
No tocante à articulação do Direito Canónico com a ordem jurídica
nacional fez-se, numa primeira fase, de acordo com a teoria da ▪ Direito Canónico e
supremacia pontifícia relativamente aos poderes laicos. Direito Civil;
Um exemplo concreto da situação ocorreu em 1211, no reinado de
D.Afonso II quando o monarca determinou não valerem as suas ▪ Direito Régio, Foros e
próprias leis se “fectas ou estabelecidas” contra os “deycretos” da Posturas;
Igreja. Assim como o poder secular se sujeita ao poder espiritual,
assim devem as leis temporais estar sujeitas às leis espirituais. ▪ Direito Régio, Façanhas e
Desde logo, também, com a fundação da nacionalidade, o rei Estilos;
D.Afonso Henriques havia prestado juramento de vassalagem ao
Papa, encomendando a terra portuguesa a S. Pedro e à Igreja romana ▪ Direito Régio e Costume;
e obtido o reconhecimento da sua dignidade real pela bula
manifestis probatum. ▪ Direito Romano e Direito
Da própria posição atribuída à fonte de onde emanava, decorria a Nacional;
prioridade da norma canónica face a qualquer outra norma positiva, ▪
mas essa prioridade só era indiscriminada nas doutrinas ▪ Direito Régio, Direito
hierocráticas máximas. Hebraico e Direito
Porém, ainda que de forma lenta e muitas vezes enfrentando severa Muçulmano;
oposição por parte do Papado e do clero, os reis português, à medida
que iam legislando e vendo o direito pátrio ampliando, foram ▪ Articulação Geral.
limitando a esfera de atuação do próprio direito canónico.

Chegaram a ocorrer disputas entre os nossos monarcas e a Igreja que


andaram sobretudo em torno de contestações de privilégios que o
clero declarava titulados ou legitimados por cânones. Alguns
exemplos são a isenção de impostos ou isenção dos clérigos e
sacerdotes da obrigação de combaterem.

De todo o modo, o que é certo é que houve uma grande evolução


desde 1211 para a frente e, com o decorrer dos tempos, o futuro
atestará a progressiva sobreposição do direito régio ao canónico, ou,
pelo menos, a definição por aquele do âmbito de aplicação deste.

Direito Régio, Foros e Posturas

Dentro do próprio direito da comunidade politicamente organizada


existiram fenómenos de complexidade, neste caso de base territorial.

73
História do Direito Português 74
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Igualmente ao ocorrido com o direito canónico, a tendência é para a progressiva afirmação da


lei régia face às restantes. São numerosas, já no séc. XIV, as cartas régias declarando sobrepor-
se a injunção nelas afirmadas a quaisquer foros que porventura lhes fossem contrários.

Direito Régio, Façanhas e Estilos

Também aqui o poder politico reservava para si a possibilidade de definir quando prevalecerá o
seu próprio direito, ou seja, quais as causas ou circunstâncias justificativas da infirmação da
força normativa de factos jurídicos de diversa proveniência.

Direito Régio e Costume

Muitos textos salientam a reverência dos monarcas pelo costume e até a sua obrigação de o
respeitar.

O rei, sabia perfeitamente, que o costume iria ter uma vigência prática dada a sua prática
reiterada e, também sabia, que estando tao enraizado na população e não havendo os meios
suficientemente eficazes para o seu controlo que muitas vezes seria difícil abolir um costume.

Como sucedeu em relação aos demais factos normativos, os monarcas delimitaram-no em face
ao próprio conteúdo da norma consuetudinária, podendo mesmo afirmar-se ter sido a
fiscalização desta tao reiteradamente exercida que se há de entender como correspondendo a
uma prerrogativa.

Os reis tinham a obrigação de reprovar o mau costume, tendo de fazer uma avaliação e respeitar
e reconhecer o bom costume (antigo) e reprovar e expulsar o mau costume. Por exemplo,
D.Afonso III obrigou-se, no juramento de Paris, a suprir todos os maus costumes; em 1211
D.Afonso II determinou, na Cúria, que o mau costume antigo não valia.

De tudo decorre dever conformar-se o costume com a lei de Deus e o direito natural, o bem
comum do reino, as liberdades eclesiásticas, a razão e o direito comum, domínios este ultimo,
no qual os monarcas possuíam larga discricionariedade, explicável pelo facto de a haverem
também directamente a respeito do direito romano.

No direito canónico exigia-se como requisito do costume a racionalidade (termo de vasta


extensão e susceptível de consentir diversas valorações do costume) e a respectiva aprovação e
aceitação por parte dos governantes

Direito Romano e Direito Nacional

Relativamente ao direito imperial, a falta de iurisdictio imperii deixava o monarca livre para o
receber ou não.

O direito prudencial, por destituído de um aparelho politico e baseado somente na racionalidade,


também não era cogente para além desta.

Direito Régio, Direito Hebraico e Direito Muçulmano

Relativamente aos direitos confessionais não cristãos assentavam na transigência ou concessão


régia. Por isso, os monarcas consideravam-se juridicamente livres para lhes delimitarem a

74
História do Direito Português 75
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

respectiva aplicação, atendendo, no reconhecimento ou receção que de tais ordens jurídicas


faziam, apenas a razões de conveniência politica ou a naturais sentimentos de justiça.

Por exemplo, quando ao direito romano atesta-o suficientemente disposto nas cartas de
privilégio nas quais se garantia as liberdades aos mouros e o direito de usarem a sua lei.

Articulação Geral

As leis canónicas, as leis imperiais, as normas consuetudinárias, como todas as restantes,


vigoraram enquanto factos autónomos e a título específico. A sua obrigatoriedade encontrava-se
ligada ao processo histórico da respectiva aceitação no meio social, originando-se directamente
na competência normativa reconhecida à fonte de que provinham.

Era como se a Coroa fosse legislativamente bifronte:

▪ Por um lado, correspondeu-lhe a promulgação de direito próprio.


▪ Por outro lado, a legitimação politica de um direito não promulgado, relativamente ao
qual a doutrina operava de forma criativa.

A liberdade dos monarcas em afastar normas cuja autoria não lhes pertencia revela apenas que
todo o direito tem uma causa ou função. Daqui não ser ele aplicável quando as circunstâncias se
não apresentassem de molde à realização do fim objetivo do preceito, cumprindo ao detentor do
poder atuar de forma a evitar que surgisse uma injustiça ou uma solução contrária às demais
virtudes cívicas.

Todas as vezes que houvesse uma justa causa, pela especialidade da hipótese em relação à ratio
do comando, este careceria de valor vinculativo, podendo, assim, afasta os demais complexos
normativos (direito canónico, direito imperial, direito natural,…).

Poder-se ia traduzir tal teorização qualificando-a como exceção. O preceito mantinha a sua
validade e vigência inalteradas, mas não era aplicado. Assim resultava da consideração da
justiça como causa do Direito e deste como instrumento daquela e, simultaneamente, da
preocupação casuística da mentalidade coeva, fortalecida pela adoção do método dialético.

Assiste-se, neste período, a uma concorrência entre os diferentes extractos ou sistemas


normativos que disputam a aplicação contra a própria lei nacional quando estes têm por
destinatários os mesmo sujeitos e as mesmas situações que visam regular. Daqui a eficiência do
pluralismo jurídico como limitação do poder.

75
História do Direito Português 76
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Organização Politica da “Respublica Christiana” Capítulo X


Portugal e o Papado Organização Política da
“Respublica Christiana”
No período pluralista, o elemento fundamental que congregava os
vários Estados era a fé cristã, pelo que, na Idade Média, a instituição
papal esteve sempre virada para o problema da origem do poder. ▪ Direito Canónico e
Direito Civil;
Entendia-se, já desde S. Paulo, que não havia poder que não viesse de
Deus, pelo que a Igreja tinha muita relevância no reconhecimento da
▪ Direito Régio, Foros e
autoridade régia.
Posturas;
Aceite a ideia de que todo o poder tinha uma origem divina, a grande
questão que se colocava era saber de que forma essa origem do poder ▪ Direito Régio, Façanhas e
se transferia para o rei, isto é, se era directa ou indirectamente, por
Estilos;
meio de intermediários.

Sobre esta questão, surgiram três correntes de pensamento, que se ▪ Direito Régio e Costume;
distinguem no seguinte:

❖ Teses Hierocráticas ▪ Direito Romano e Direito


Nacional;
Surgiram nos fins do séc. XII e inícios do sec. XIII, pelos senhores da

Igreja, apoiantes do Papa, os quais constataram da necessidade que
▪ Direito Régio, Direito
havia da Igreja vincar o seu poder face à criação de vários Estados na
Europa e, por isso, defenderam que o Papa deveria ser considerado Hebraico e Direito
um mediador entre Deus e os homens, recebendo o poder de Deus e Muçulmano;
delegando depois parte dele aos governantes (monarcas), delegava o
poder temporal, desta forma continuava a haver a divisão entre poder ▪ Articulação Geral.
temporal e espiritual sem prejuízo de ser o papa a delegar o poder
temporal.

Esta tese colocava a Igreja numa posição de supremacia em relação à


comunidade internacional, defendendo que o Pontífice era
considerado o sucessor de Pedro e o vigário geral do cristianismo na
terra, e que por isso recebia directamente de Deus uma missa que
incluía os poderes espiritual e temporal, delegando o segundo ao
monarca. Porém, caso a actuação do monarca fosse desconforme ao
juramento régio prestado ao Pontífice, este poderia retirar-lhe o poder
temporal, a chamada avocação.

Para sustentar as teses hierocráticas, os defensores da mesma


invocaram dois argumentos: a doação de Constantino e a Doutrina do
verus imperator.

 A doação de Constantino consiste no facto deste


imperador, que foi o primeiro imperador cristão, para
curar uma doença, ter feito uma doação ao Papa, no
âmbito da qual lhe concedeu grande parte da soberania
que detinha sobre a Itália e o Ocidente em geral,

76
História do Direito Português 77
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

ficando assim o Papa com poderes temporais sobre essa região do mundo. Com
base nesse facto, os teóricos das teses hierocráticas argumentaram que não se
trata de uma doação mas sim de uma restituição, já que o imperador procurou o
Papa precisamente porque reconhecia que aquele tinha poder sobre ele e era
originalmente o detentor do poder.
Os defensores das teses anti-hierocáticas argumentam o contrário, isto é, que o
imperador era alguém superior que doou o seu poder a alguém que lhe era inferior,
e como tal se tinha poder para dar, também teria o poder para lho retirar.

 A teoria do verus imperator baseava-se na ideia de que tendo o Papa recebido de


Deus a totalidade do poder para depois o delegar como entendesse, o papa seria o
verdadeiro imperador, argumentando ainda que as bulas papais eram um exemplo
disso mesmo, isto é, de que o Papa era o imperador do mundo e que eram os
continuadores dos imperadores romanos, na medida em que detinham também o
poder temporal e eram adorados como Deuses.

❖ Teses Anti-hierocráticas

Surgiram nos fins do sec. XIII e desenvolveram-se no sec. XIV, em oposição às teses
hierocráticas, colocando o Imperador (em vez do Papa) como autoridade máxima na
comunidade internacional.

Defendiam que Deus distribuía o poder espiritual aos Pontífices e o poder temporal aos
governantes (Imperador ou Rei), não havendo intermediários nessas concessões. Deus teria
entregue directamente o poder temporal aos monarcas.

Portanto, para as correntes anti-hierocráticas, o poder temporal ia directamente de Deus para o


monarca.

❖ Naturalismo Politico

É uma corrente das teses anti-herócráticas e também se opõe à supremacia do Papado, todavia,
distingue-se das duas teses anteriores, por defender uma estrutura de poder ascendente, isto é,
Deus depositava o poder temporal na comunidade e era esta que o delegava aos governantes
(monarcas). Assim, segundo os defensores desta teoria, o monarca era escolhido com uma
inspiração divina, já que recebia o poder temporal da comunidade, que, por sua vez, o recebia
directamente de Deus.

O poder espiritual era concedido por Deus directamente ao Pontífice.

❖ Média via tomista

É uma corrente criada na linha de pensamento de São Tomas de Aquino, a qual corresponde a
uma posição intermédia entre as teses hierocráticas e as anti-herócráticas, defendendo que os
poderes espiritual e temporal têm uma base, uma origem e funcionam de formas diferentes,
porém, não obstante esse facto, a sociedade civil tinha uma dependência da sociedade
eclesiástica, na medida em que o monarca para governar bem não podia tomar medidas
contrárias ao que o homem medieval considerava como sendo o bem comum, entenda-se a
salvação da alma.

77
História do Direito Português 78
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Assim sendo, teria de se aceitar uma dependência do poder temporal em relação ao poder
espiritual, permitindo-se ao Pontífice a possibilidade de destituir o monarca em situação de
legitima defesa, ou seja, quando o monarca governasse de forma contrária ao bem comum e às
finalidades da Igreja.

De salientar que esta corrente aceitava também que certas matérias do poder temporal, tais
como pecado, usura e usucapião, ficassem sob a tutela do Papa.

Quanto à influência das teses em Portugal, salienta-se que inicialmente, logo após a fundação da
nacionalidade, aceitaram-se as teses hierocráticas, para que a nação não ficasse sujeita ao sacro
império romano-germânico, que intitulava herdeiro do império romano.

São exemplos da dependência de Portugal da Santa Sé:

▪ A vassalagem ou enfeudamento de D. Afonso Henriques à Santa Sé.


▪ A bula “manifestus Probatum”, em que o Papa reconheceu Afonso Henriques como
primeiro rei de Portugal.
▪ O reconhecimento de Portugal dos poderes da Santa Sé em matéria de organização
eclesiástica, como nomeação de bispos e cardeais e constituição de tribunais
eclesiásticos.
▪ O afastamento do Pontífice do rei S. Sancho II, por considerar que este não estava a
governar de uma forma justa, substituindo-o pelo filho, Afonso III.

78
História do Direito Português 79
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Fontes de Direito Português Desde os Meados do Século XIII até Capítulo XI


às Ordenações Afonsinas Fontes de Direito
O período tratado neste momento situa-se entre a fundação da Português (séc. XIII-XV)
nacionalidade as Ordenações do Reino.
▪ Legislação Geral;
A Legislação Geral Transformada em Expressão da vontade do
Monarca
▪ Resoluções Régias;
Uma análise das fontes de direito evidencia que a partir do reinado
de D.Afonso III está patente uma supremacia das leis gerais. A lei, ▪ Costume;
conhecida também como decreto, degredo, ordenação, carta e
postura, passou a ter o predomínio entre os modos de criação de
▪ Foros ou Forais;
preceitos novos.

O surto legislativo resultou do reforço de autoridade régia. Inicia-se ▪ Concórdias ou


o caminho de centralização politica e da relacionada unificação do Concordatas;
sistema jurídico.

A lei passa a considerar-se, não só um produto da vontade do ▪ Direito Subsidiário;


soberano, mas ainda uma actividade normal.

A partir do reinado de D.Afonso III a lei deixa de constituir uma ▪ Coletâneas Privadas de
fonte esporádica e transforma-se no modo corrente de criação do Leis Gerais Anteriores às
Direito. Além disso, ao contrário do que acontecia na monarquia Ordenações;
leonesa e nos primeiros anos da monarquia nacional, é elaborada
sem necessidade do suporte politico das Cortes. Em contrapartida, ▪ Evolução das Instituições;
patenteia-se o progressivo recurso do monarca ao apoio técnico
de juristas de formação romanística e canonística.

Visto que não existia imprensa as leis eram manuscritas e


reproduzidas através de cópias.

Existem inúmeros exemplos em que o monarca, nos próprios


diplomas, lhes impunha o encargo de registá-los, nos seus livros e a
obrigação da respectiva leitura pública. Consoante a importância da
lei assim variavam o prazo e a periodicidade desta proclamação. Via
de regra, estabelecia-se um ano, ao ritmo de uma leitura em cada
semana, nalguns casos com referência ao domingo. Mas, não raro, se
determinava uma leitura “amiúde” ou “muito amiúde”, ou mensal,
ou, inclusive, uma vez por ano.

Também o regime da vigência da lei não obedecia a um regime


uniforme. Prática corrente terá sido a da aplicação imediata. Porem,
existiram outros casos em que fora fixados um período de vactio
legis.

Mas, dados os condicionalismos da época, não faltariam incertezas,


arbitrariedades e soluções casuísticas.

79
História do Direito Português 80
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Resoluções Régias

Ao lado das providências legislativas do monarca, havia outras, por ele tomadas, em Cortes,
perante solicitações ou queixas que lhe apresentavam. Eram resoluções régias.

Decadência do Costume como Fonte de Direito

O costume continuou a ser um vasto sector do sistema jurídico vigente. Contudo, diminuiu
significativamente como fonte de criação de direito novo, plano em que cedeu primazia à lei.

Só a lei pode ter esta função inovadora e criadora, tendo em conta que o costume é uma prática
reiterada.

Os jurisconsultos, entretanto, passaram a considerar os preceitos consuetudinários, não já,


apenas, na perspectiva de uma manifestação tácita do consenso do povo, mas, também, como
expressão da vontade do monarca.

Forais, Foros ou Costumes

A importância dos forais manteve-se. Ainda se conhecem bastantes de D. Afonso II e de D.


Dinis. Em todo o caso, a partir de D. Afonso IV, praticamente, deixaram de outorgar-se novos
forais.

Assume, nesta época, grande relevo uma outra fonte de Direito local: foros, costumes ou
também designados por alguns autores, os estatutos municipais. Eram certas compilações
medievais concedidas aos municípios ou simplesmente organizadas por iniciativa destes.

Trata-se de codificações que estiveram na base da vida jurídica do concelho, são, na verdade,
fontes com amplitude e alcance muito mais vastos do que os forais, cujos dispositivos
frequentemente transcrevem.

Concórdias e Concordatas

A tensão 2ntre o clero e a nobreza sempre foi muito sentida mas aumentou a partir do reinado de
D.Afonso III. Daí que lhe aumentassem os acordos que lhe punham termo, quer celebrados com
as autoridades eclesiásticas do Reino, quer directamente com o Papado.

Um ponto de atrito foi o beneplácito régio, que se reconduzia à exigência de ratificação das
determinações da Igreja, respeitantes ao nosso país.

Direito Subsidiário

Apesar das diferentes fontes de direito referidas, existiam vários casos omissos, isto é, situações
que careciam de regulação pelo sistem jurídico nacional. Só mais tarde, com as Ordenações
Afonsinas, o legislador estabeleceu uma regulamentação completa sobre o preenchimento das
lacunas. Até então, o problema foi deixado, basicamente, ao critério dos juristas e dos tribunais.

Quando as fontes portuguesas não forneciam solução para as hipóteses concretas, recorria-se
com frequência ao direito romano e ao direito canónico, assim como ao direito castelhano.

A aplicação supletiva das referidas obras de direito castelhano apenas derivava da autoridade
intrínseca do conteúdo romano-canónico que lhes servia de alicerce.

80
História do Direito Português 81
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Coletâneas Privadas de Leis Gerais Anteriores às Ordenações Afonsinas

O progressivo acréscimo de diplomas avulsos tornava necessária a sua compilação. E, de facto,


vários documentos da época revelam a existência de colectâneas de leis do reno, anteriores às
ordenações.

Todas essas colectâneas apresentam o traço comum de não terem sido objecto de uma
promulgação legislativa.

Apenas chegaram até nós: o Livro das Leis e Posturas e as Ordenações de D.Duarte.

 Livro das leis e Posturas (XIV-XV)

Nesta obra se encontram preceitos de D. Afonso II, D. Afonso III, D. Dinis e D. Afonso IV.

Não houve, nesta obra, o propósito de coordenar a legislação, mas apenas de coligi-la.

 Ordenações de D. Duarte

Não constituem as Ordenações de D. Duarte uma codificação oficial devida a esse monarca.
Trata-se de uma colectânea privada que deriva do nome por que é conhecida do simples facto de
ter pertencido à biblioteca de D. Duarte.

Esta compilação já é mais sistemática que a anterior. Os diplomas encontram-se divididos e


dispostos por reinados e, dentro de cada um deles, agrupam-se os respeitantes à mesma matéria.

Evolução das Instituições

Revelou-se bastante importante a influencia do direito romano e do direito canónico em matéria


de direito publico, sobretudo no que toca ao desenvolvimento do poder real.

A defesa da ordem jurídica torna-se, gradualmente, encargo exclusivo do Estado em oposição a


todas as manifestações de justiça privada.

Registam-se alterações ao nível do direito processual, direito criminal e do próprio direito


privado.

Salientam-se mudanças e uma evolução profunda nas instituições familiares e sucessórias.

Num balanço de conjunto, poderá admitir-se que as influências romanísticas tenham sido
predominantes. Setores houve, todavia, onde prevaleceram orientações de direito canónico, por
exemplo, a família, a posse, a usucapião e o direito e processo criminais.

81
História do Direito Português 82
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Parte III
Monismo Jurídico

82
História do Direito Português 83
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Época Moderna
Capítulo I
Do ponto de vista da História do Direito, a época moderna introduziu Apontamentos das Aulas
momentos de rutura, nomeadamente, com o nascimento do Estado
Moderno.
Teóricas

O séc. XVI foi o século do humanismo mas foi também, ▪ Época Moderna;
simultaneamente, o século de resistência o humanismo.

Há um conjunto de autores que vão procurar situar o Direito no ▪ Pensamento Jurídico;


domínio da razão. Para tentarem criar uma forma de comunicação entre
as diferentes religiões, o foco vai ser a razão.

A razão passará a ser a única coisa que os povos têm de comum. Até
aqui o elemento religioso unia toda a Europa, porém, começam a surgir
as primeiras ruturas com o papado e a respublica cristiana fica um
pouco abalada.

Depois de sangrentas guerras religiosas o diálogo só foi possível pelo


domínio da razão.

Quem fundasse o direito na religião não veria qualquer futuro para a


Europa e para o mundo. Porque razão um principe católico deveria
confiar num principe protestante.

A questão de Deis é posta entre parênteses, existe uma necessidade de


dissociar a questão religiosa para tornar possível o diálogo entre as
diferentes religiões e tornar possível a Ciência Moderna.

Surge então esta nova questão. Até este momento toda a historia do
direito português e da própria nacionalidade estiveram muito ligadas
com a religião (Bula Manifestis Probatum, escolha divina de D.Afonso
Henriques na batalha de Ourique; fundação de Lisboa por Ulisses).

A ciência moderna passou a ter de se confrontar com estas novas


realidades.

As correntes jusrcionalistas que defendiam que o Direito e que a


ciência do direito se fundava na razão, passaram a ter grande
amplitude.

Importante ter em mente que no século XVI não se aplicava só o


Direito Local mas também o Direito Romano.

Estes grandes autores passaram a encarar o Direito romano de uma


perspectiva crítica. O direito romano deveria ser utilizado só
quando fosse racional. – USUS MODERNUS PANDECTORUM –
uso moderno do direito romano.

Grandes contributos também são dados por autores como Maquiavel ou


Bodin, que fundam conceitos como o de Estado Moderno. Este

83
História do Direito Português 84
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

conceito diz respeito a uma realidade distinta da Idade Média, as regras sobre o funcionamento
do Estado moderno não podem ser todas baseadas no Direito Romano. O império romano é um
império antigo, a idade moderna apresenta novas exigências, é necessário que haja uma
adaptação. Existe uma razão por de trás do Estado Moderno.

O direito publico começa-se a afastar cada vez mais do direito romano, é uma realidade muito
diferente do império romano. A religião deixa de ser um elemento proporcionador de coesão.

Este domínio da razão está presente em Portugal em duas grandes reformas:

• Lei da Boa razão;


• Reforma da Universidade de Coimbra.

Está patente, também, um ideal muito iluminista. A fundação de um Direito Natural de base
racional. O Direito deixa de ter como fundamento a teleologia e passa a ser fundado na Ciência.

O próprio Direito é encarado como uma Ciência.

O Direito pode ser baseado:

• Nas leis;
• No Direito romano;
• Na teleologia;
• No Direito Público.

Sucessivamente, a ideia de que o Direito se funda na teleologia começa a desaparecer, não se


fundando na religião, o Direito pode constituir uma ciência.

Ao longo da Idade Moderna, vê-se ocorrer uma transformação no plano das instituições mas
essas transformações não são tao evidentes do ponto de vista social.

Permanece uma visão tripartida da sociedade e, mesmo dentro de cada ordem social há uma
profunda desigualdade. A Fonte de Direito que explica esta questão é o privilégio (costume). Só
termina com o liberalismo. Até se chegar ao constitucionalismo liberal há uma profunda
desigualdade não só no âmbito pessoal como no âmbito espacial (forais – diferenças
estatutárias), o Direito impõe essa diferença.

Com as revoluções liberais, com a luta pela igualdade perante a lei surge a exigência de
Generalidade e Abstração. Antes do liberalismo ter-se-ia que admitir a existência de leis
individuais e concretas.

Ao longo da época moderna a lei, como fonte de Direito, vai ganhando muita importância,
passa, até mesmo, a ser a base do Estado.

O rei tem o primeiro papel na criação da lei, muitas delas são leis-medida (aplicam-se para uma
situação em particular, para um grupo social determinado).

Ao longo da segunda Dinastia alguns dos monarcas portugueses dão ordem para que se
procedam a compilações de leis.

84
História do Direito Português 85
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

A primeira compilação iniciou-se no reinado de D.João I, continuou no reinado de D.Duarte,


D.Afonso V e D.Pedro.

As ordenações afonsinas não são uma obra inovadora, o intuito foi sistematizador e não
propriamente inovador. Foi dividido em 5 livros:

1) Cargos Públicos;
2) Privilégios do Clero e da Nobreza;
3) Direito Processual (funcionamento dos tribunais em matérias civis);
4) Contratos;
5) Direito Penal e Direito Processual Penal.

Surge aqui uma diferença entre absolutismo e despotismo. As leis do reino passam a ser
impostas ao próprio rei. “um rei pode tudo menos alterar a lei que o fez rei.

Por exemplo, o rei não pode alterar as leis de sucessão da Coroa, as leis da monarquia.

Pensamento Jurídico

Na historia geral utiliza-se como grande marco para o começo da Idade Moderna a queda de
Constantinopla. Para a historia do direito tem um grande simbolismo a data de 1415 (expansão
portuguesa).

Os descobrimentos são um acontecimento que obrigam a repensar o Direito:

• Revolução tecnológica, evolução da imprensa;


• Reforma Protestante, ao longo do séc XVI e, sobretudo, no centro da Europa viveram-se
violentas guerras. Não foi só uma guerra do ponto de vista da religião mas também do
ponto de vista politico.

A base dos povos europeus, a religião, deixou de ser uma base comum, obriga a repensar o
pensamento jurídico.

Grócius, o fundador do direito internacional, alerta para o facto do mundo não estar dividido
exclusivamente entre católicos e protestantes, descobriram-se povos na América.

A descoberta destes povos pôs em causa algumas das ideias adquiridas desde S.Tomás.

Estes povos vivem de acordo com a natureza, não há leis escritas. Instituições de direito natural
(contrato, propriedade,…), provavelmente, não o seriam verdadeiramente.

Os grandes Estados Europeus tornaram-se Impérios.

Os autores da segunda escolástica vão adaptar as ideias de S.Agostinho às novas necessidade,


há que justificar a presença dos povos europeus nas colónias.

Com a reforma protestante surgiu, também, a necessidade e justificar a existência de um direito


internacional. A rutura religiosa significou o fim das autoridades comuns. Tendo todo o Direito
uma base religiosa não faria sentido um compromisso e a existência de relações entre católicos e
protestantes.

85
História do Direito Português 86
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Grócio veio dizer que estas relações eram possíveis, o Direito Natural é aquele que existiria
mesmo que Deus não existisse (visão racionalista do Direito Natural).

Os descobrimentos são encarados, muitas vezes, mas foram muito mais do que isso, os
descobrimentos foram o resultado de uma organização e de conhecimento cientifico da
realidade. Agora, sim, surge verdadeiramente e ideia de Estado.

Nasceram novas realidades politicas.

O conceito de Estado associado à noção de soberania de Jean Bodin põe em causa o poder dos
grandes senhores. Porque, verdadeiramente, só são sujeitos de direito internacional os estados
soberanos. Estas relações são diplomáticas.

86
História do Direito Português 87
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Fontes de Direito

Entre o período de 1415 e 1820, em relação às fontes de direito, a lei


Capítulo II
Fontes de Direito
ganha uma preponderância imensa e crescente.

A partir d reinado de D.Afonso II a lei começa a ter um papel central ▪ Fontes de Direito
e a actividade legislativa começa a ser uma actividade normal para o
monarca. De tal maneira se torna uma actividade normal que com o
▪ A Lei
decorrer dos tempos, a lei impõe-se perante as demais fontes de
direito.
▪ Espécies de Leis
O facto assinalado está de acordo com o alargamento da esfera do
poder régio e com o fortalecimento do poder do principe. ▪ Compilações
O conceito de Estado, desenvolvido e introduzido por Maquiavel,
aparece agora e muito associado ao conceito de soberania (Jean
Bodin).

Deste modo, a fragmentação politica medieval principia a ser


substituída por uma tendência convergente do poder, também o
pluralismo jurídico da Meia-Idade cede passo a uma linha unitária, de
que a predominância da lei é expressão.

As fronteiras dos Estados começam a consolidar-se e, com o rescaldo


da expansão ultramarina, começam a estabelecer-se novos contactos,
começando, também, como referido a falar-se nas teses sobre os
conceitos de Estado e Soberania.

Neste período, começam a surgir, também, movimentos eclesiásticos


de combate à estrutura da própria Igreja, designadamente os livros da
reforma e da contra-reforma.

O Estado assume a soberania em termos de fontes, chamando a si o


poder legislativo.

A lei passará a ser definida essencialmente como preceito autoritário,


ou seja, como norma ou regra obrigatória imposta pela vontade
superior, esta vontade superior será o poder soberano, seja um
imperador, um rei ou um príncipe.

Esta identificação entre lei e vontade do principe, que vai ser


concebido como membro principal do Estado, não deve levar à
conclusão de que a lei, como emanação da vontade do governante é
um ato arbitrário.

Por um lado, obsta isso à sua necessidade de conformação a conjuntos


normativos superiores de direito positivo (direito divino e direito
natural).

87
História do Direito Português 88
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Por outro lado, a ideia de que o poder do príncipe se deve orientar para o bem comum.

A lei para ser válida e eficaz deveria obedecer a certos requisitos.

Estava patente a ideia de que certas leis constituem o cerne da sociedade e do aparelho político
pelo que não podem ser derrogadas ou alteradas. Assim se chega à noção de lei fundamental,
verdadeiro precedente da lei constitucional.

A lei começa a ser, cada vez mais, o produto da vontade do Rei. Todavia, não era vista como
arbitrária, pois continuou a ter algumas limitações, nomeadamente a competência das Cortes
nalgumas matérias e o conceito de lei fundamental, que surgiu no sec. XIX, como um
antecedente da norma constitucional.

É também no período monista que se dá a divisão entre Direito Público e Direito Privado,
regulando o primeiro as relações entre o Estado e o particular e o segundo as relações entre os
particulares, isto é, entre os sujeitos colocados ao mesmo nível.

Sob a designação de lei caem, ou podem cair, preceitos jurídicos de diversa espécie.

A vontade imperativa do superior assume-se pela origem (leis fundamentais), pela matéria
(nem todas as matérias eram reguladas de uma forma geral e abstracta e pela forma de
redacção.

Quanto à forma há que distinguir:

❖ Lei ou Carta de Lei, era uma norma de duração ilimitada (normalmente, mais de um
ano), formalmente iniciada pelo nome próprio do Rei;
❖ Alvará, era norma, em regra, com uma duração limitada ao período de 1 ano,
formalmente iniciada pela expressão “Eu, el rei”;
❖ Provisões, são normas expedidas pelos tribunais que serviam para alargar, a todo o
território, medidas tomadas pontualmente através de decretos ou resoluções;
❖ Decretos, serviam em regra para dispor singularmente acerca de um bem ou de uma
pessoa. Era a forma geralmente usada para emitir comandos personalizados;
❖ Cartas Régias, principiavam pelo nome do seu destinatário e seguiam um formulário
distintivo, de acordo com a importância ou estatuto da pessoa a quem se dirigiam;
❖ Resoluções Régias, eram as respostas dadas pelo Rei a uma consulta formulada pelo
tribunal. Em face de um caso não previsto nas várias fontes de direito hierarquizadas
nas Ordenações, perguntava-se ao rei como decidir;
❖ Avisos e Portarias, ambas são ordens dos secretários de Estado, expedidos em nome
do rei. As portarias dirigiam-se a uma instituição enquanto que os avisos a tribunais,
magistrados ou corporações.

Processo de Elaboração da Lei

A iniciativa legislativa cabia normalmente ao rei, e, por vezes, na sequência de uma deliberação
das cortes.

A lei para ser valida devia obedecer a um determinado número de requisitos. Alguns autores
enumeraram esses requisitos, defendendo que a lei tinha de ser honesta, justa, possível,

88
História do Direito Português 89
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

conforme à natureza, conforme aos costumes da Pátria, conveniente ao tempo e ao lugar,


necessária, útil e manifesta.

De um modo geral, embora com variantes de autor para autor, os requisitos da lei concentram-se
no problema da justiça.

A lei para ser considerada justa, teria de ser vista quanto a quatro aspectos:

❖ Quanto à matéria (não podendo, em caso algum, levar ao pecado, ou seja, não deve
proibir a virtude ou preceituar o vício),
❖ Quanto à forma (devia impor um sacrifício na proporção do que é suportável pelo
súbdito),
❖ Quanto à autoridade ou agente (tinha de provir de legislador competente);
❖ Quanto ao fim (devia ser feita em harmonia com o bem comum).

Se a lei preceituasse pecado, isto é, se fosse injusta quanto à matéria (contrária ao direito divino
e ao direito natural), não só não obrigava como de modo algum devia ser guardada.

Se fosse injusta quanto ao fim, ao agente ou à forma, considerava-se que devia ser cumprida
caso a sua não observância resultasse num prejuízo maior para a comunidade do que a sua
obediência. Porém, no caso da lei injusta quanto à autoridade ou agente havia ainda a considerar
e distinguir duas situações:

 A lei feita por um monarca tirano “quoad titulum” (quanto ao título), aquele
que usurpou o poder ilegitimamente e, por isso e não tem sequer legitimidade para
governar;
 A lei feita por um monarca tirano “quoad regimen” (quanto ao exercício, à
administração, ao regime), aquele que chegou ao poder por forma lícita mas
ultrapassou os limites da sua autoridade, deixou de governar para o bem comum e
passou a governar para proveito próprio.

As leis feitas pelo tirano quanto ao título não deviam, em princípio, ser obedecidas;

As leis feitas por um tirano quanto ao exercício, deviam ser obedecidas se fossem justas quanto
aos outros aspectos (fim, matéria, forma).

Além da questão da justiça da lei, são também requisitos fundamentais, e mesmo fases do
processo legislativo, a publicação e a entrada em vigor.

A publicação da lei era feita através do registo nos livros de chancelaria e da notificação às
autoridades locais, porém exemplos há que nem sempre assim sucedia.

Os tribunais superiores também tinham livros de registo, nomeadamente a Casa da Suplicação


tinha o Livro das Posses e a Casa do Cível tinha os denominados Livros das Esferas.

No período monista começou-se a estabelecer regras quanto ao inicio da vigência das leis. Num
alvará de 1518, estabeleceu-se como prazo de “vacatio legis” o decurso de 3 meses após a
publicação na Chancelaria. As ordenações manuelinas estabeleceram dois prazos distintos: 8
dias para o Tribunal da Corte e 3 meses para o resto do país.

89
História do Direito Português 90
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Aceitava-se a ideia de que sendo a lei a vontade do príncipe, ele podia também isentar algumas
pessoas do seu cumprimento, atribuindo uma dispensa da lei.

A doutrina mais radical entendia que não devia haver dispensa da lei em caso algum, porém as
teses mais moderadas aceitavam a dispensa com algumas condições, nomeadamente a existência
de uma justa causa e a não lesão de interesses de terceiros.

A dispensa da lei podia ser atacada por duas formas: a subrepção (a atribuição de uma dispensa
podia ser contestada se ela tivesse sido atribuída por falsos motivos) e a obrepção (dispensa
contestada se tivesse sido atribuída na omissão de factos importantes).

Compilações de Leis

A mais antiga compilação de leis gerais portuguesas é o Livro de Leis e Posturas que reúne
leis dos primeiros reinados e não tem um critério de sistematização. As leis foram reunidas
para mais fácil consulta e para impedir que se perdessem.

A segunda compilação de leis é composta pelas Ordenações de D. Duarte, que data do séc. XV
e foi organizada por reinados. Tem esta designação por ter sido encontrada na biblioteca privada
do rei D. Duarte, o qual lhe juntou um índice e um discurso inicial que define um bom juiz.

Há mesmo quem sustente que tanto o livro de leis e posturas como as ordenações de D. Duarte
constituem trabalhos preparatórios relativamente às ordenações Afonsinas.

Foi D- João I que atendendo às queixas dos povos contra o estádio caótico da legislação, já
bastante considerável, em vigor no seu tempo, decidiu que se procedesse a uma sistematização
legislativa. Esta prolongou-se, contudo, por vários reinados.

O Regimento Quatrocentista da Casa da Suplicação

O Regimento Quatrocentista da Casa da Suplicação é um documento importante, posterior a


1433e anterior às Ordenações Afonsinas, que pode ter sido elaborado por D. Duarte e, entre
várias hipóteses, os historiadores tendem a considerá-lo um documento oficial.

O seu valor para o conhecimento histórico-jurídico da época é fundamental.

O Regimento Quatrocentista da Casa da Suplicação encontra-se dividido em duas partes:

▪ Competência orgânica e funcionamento interno da Casa da Suplicação;


▪ Alegações gerais para julgar, em que o rei dá orientações aos juízes, sobre o modo
como deviam fundamentar as suas sentenças, mandando atender ao Corpus Iuris Civilis,
às glosas de Acúrsio e aos escritos de Bártolo (escola dos comentadores).

90
História do Direito Português 91
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Ordenações do Reino

As ordenações são compilações ou colectâneas das leis do reino e Capítulo II


surgiram no sec. XV. Com o objectivo de acentuar a prevalência da lei Ordenações do Reino
sobre outras fontes de direito. Com o decorrer dos tempos, com a
consolidação das fronteiras e com o fim da reconquista os monarcas
passaram a fazer da legislação uma actividade normal, chegando, nesta ▪ Ordenações Afonsinas;
altura, a existir inúmeras leis.
▪ Ordenações Manuelinas;
As primeiras foram as Ordenações Afonsinas, seguiram-se as
Ordenações Manuelinas (sec. XVI) e, por último as Ordenações
▪ Ordenações Filipinas;
Filipinas (fins do sec. XVI e sec.XVII) .

As ordenações não obedeciam a qualquer lógica sistemática de ▪ Outras Fontes do Período


arrumação, e chegavam mesmo a ter leis contraditórias, pelo que não Monista;
podem ser consideradas códigos.

As Ordenações estavam divididas em (5) cinco Livros e estes, em


Títulos que, por sua vez, se dividem em Parágrafos, apresentando os
livros a seguinte estrutura:

Livro Conteúdo
1 Tratava dos regimes dos cargos públicos, tanto régios como
municipais, compreendendo o Governo, a Justiça, a fazenda e
o exército.
2 Regulava os bens e privilégios da Igreja, os direitos do rei e a
sua cobrança, a jurisdição dos donatários e as prorrogativas
da nobreza, o estatuto dos Judeus e dos Mouros;
3 Tratava do Processo Civil
4 Tratava do Direito Civil
5 Tratado de Direito Penal, sendo por isso designado de Livro
Vermelho ou Livro de Sangue

O Livro I das Ordenações Afonsinas foi escrito num estilo


decretório, enquanto que os restantes livros destas Ordenações foram
escritos num estilo compilatórios. Todos os livros das Ordenações
Manuelinas e Filipinas, foram escritos num estilo decretório.

Ordenações Afonsinas

Foi D. João I quem tomou a iniciativa de elaborar uma compilação


oficial de leis, entregando esta tarefa ao corregedor da corte João
Mendes, o qual, por ter entretanto falecido, não chegou a concluir o
trabalho. O corregedor falecido foi substituído pelo Dr. Rui Fernandes.
que acabou por concluir a compilação em 28 de Julho de 1446. Todavia,
como as ordenações só entraram em vigor em Agosto de 1447, portanto
já no reinado de D. Afonso V, foram designadas por Ordenações
Afonsinas.

91
História do Direito Português 92
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Após a morte de D. Duarte, o Infante D. Pedro, regente de menoridade de D. Afonso V,


assegurou-se da continuidade do projecto compilatório.

Os elementos essenciais relativos à historia das Ordenaçoes Afonsinas encontram-se no proémio


do Livro I. aí se referem aos pedidos insistentes, formulados em Cortes, no sentido de ser
elaborada uma colectânea do direito vigente que evitasse as incertezas derivadas da grande
dispersão e confusão das normas, com graves prejuízos para a vida jurídica e a administração
publica.

Estas Ordenações sistematizavam-se em cinco livros (provavelmente por inspiração das


Decretais de Gregório IX), divididos por títulos e estes divididos em parágrafos.

 O Livro I ocupava-se dos regimentos dos cargos públicos, tanto régios como
municipais, compreendendo o governo, a justiça, a fazenda e o exército;
 O Livro II disciplinava os bens e privilégios da Igreja, os direitos do rei e a sua
cobrança, a jurisdição dos donatários e as prorrogativas da nobreza, o estatuto dos
Judeus e dos Mouros;
 O Livro III tratava do Processo Civil, incluindo o executivo;
 O Livro IV tratava do Direito Civil substantivo;
 O Livro V tratava do Processo Criminal.

O primeiro Livro das Ordenações Afonsinas, ainda redigido por João Mendes, foi escrito num
estilo directo e decretório, também designado por legislativo, que consiste numa forma de
redigir a lei como se estivesse a ser criada naquele momento, sendo um estilo mais perfeito do
ponto de vista técnico.

O estilo utilizado nos restantes livros das Ordenações Afonsinas foi o compilatório, que
consiste na transcrição da norma jurídica, incluindo todas as versões anteriores da mesma, bem
como todos os comentários e anotações que se fizeram sobre ela., sendo um estilo mais perfeito
do ponto de vista histórico.

As Ordenações Afonsinas ocupam na galeria das fonte de Direito português um lugar


importantíssimo não tanto pela sua vigência efectiva mas pelo significado que revestiu a
tentativa de reduzir o direito pátrio a um corpo devidamente sistematizado do ordenado. Aí
reside, em verdade, parte do seu grande valor, apesar dos defeitos de estrutura e de simplicidade
do método compilatório que consistiu em reunir e transcrever normas anteriores. Como já
referido não era o método mais perfeito do ponto de vista da técnica legislativa mas foi o estilo
mais perfeito do ponto de vista histórico, com uma importância capital. Permitiu que se
conhecesse o direito anterior.

As principais críticas feitas às Ordenações Afonsinas, referem-se ao critério de sistematização e


à dúvida de saber se estas tiveram ou não uma vigência efectiva.

Quanto ao primeiro aspecto, a doutrina dominante defende que o estilo compilatório utilizado
na escrita dos 4 últimos livros dificulta e confunde a tarefa de aplicação do direito.

A sua vigência é um aspeto que ainda levanta duvidas, há que considerar, por um lado, a
resistência suscitada em torno de tudo o que se ligasse ao Infante D.Pedro e, por outro lado, a
dificuldade de reprodução múltipla e disseminação de tao extensa obra, numa época em que não

92
História do Direito Português 93
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

existia ainda imprensa. Nesse sentido pode-se questionar quando começou a vigência das
ordenações afonsinas e até se chegaram a ter aplicabilidade.

“Mais difícil se mostra a determinação da data da sua entrada em vigor. Deve salientar-se, a
este propósito, que não havia na época uma regra prática definida sobre o modo de dar
publicidade aos diplomas legais e o inicio da sua vigência. Além disso, ainda não se utilizava a
imprensa, pelo que levaria considerável tempo a tirarem-se as cópias manuscritas, laboriosas e
dispendiosas, necessárias à difusão do texto das Ordenações em todo o País, fora da
chancelaria régia e dos tribunais superiores. Acresce que se verificaram grandes desníveis de
preparação técnica entre os magistrados e demais intervenientes na vida jurídica dos centros
urbanos e das localidades delas afastadas. Por ultimo, é importante ter em conta, também, a
hostilidade manifestada a tudo o que se ligava ao Infante D. Pedro.”

Apesar de tudo isto, a maioria da doutrina tende hoje a aceitar, em função do número de
exemplares encontrados em todo o território, que as ordenações foram suficientemente
divulgadas e entraram de facto em vigor, tendo sido aplicadas ao nível dos tribunais superiores
do reino, designadamente na Casa da Suplicação.

Os exemplares encontrados mostram que houve uma efectiva generalização. Facilitava tal
difusão o facto de as ordenações não apresentarem inovações profundas enquanto utilizaram,
numa larga escala, fontes anteriores. Realizaram, por assim dizer, uma consolidação do direito
precedente, posto que, em muitos aspectos, se observem alterações expressivas.

Fontes Utilizadas e Técnica Legislativa (Almeida Costa)

Com as Ordenações Afonsinas procurou-se, essencialmente, sistematizar e actualizar o Direito


Vigente. Assim utilizaram-se na sua elaboração:

 Leis Gerais;
 Resoluções Régias;
 Concórdias e Concordatas;
 Bulas;
 Inquirições;
 Costumes Gerais e Locais;
 Estilos da Corte e dos Tribunais Superiores;
 Leis Imperiais/Direito Romano;
 Santos Canônes/Direito Canónico.

Quanto à técnica legislativa empregou-se, via da regra, o estilo compilatório. Quer dizer,
transcrevem-se, na integra, as fontes anteriores, declarando-se, depois, os termos em que esses
preceitos eram confirmados, alterados ou afastados.

Contudo, nem sempre se adotou este sistema. Designadamente, em quase todo o livro I,
utilizou-se o estilo decretório ou legislativo, que consiste na formulação direta das normas sem
referência às suas eventuais fontes precedentes.

Essa diferença de estilo tem sido explicada com a atribuição da autoria do livro I a João Mendes
e a dos restantes a Rui Fernandes, ou pelo facto de aquele texto conter matéria original, não
contemplada em fontes nacionais anteriores.

93
História do Direito Português 94
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Importância da Obra

As ordenações afonsinas assumem uma posição destacada na historia do direito português.


Constituem a síntese do trajeto que, desde a fundação da nacionalidade, ou, mais
aceleradamente, a partir de D. Afonso III, afirmou e consolidou a autonomia do sistema jurídico
nacional no conjunto peninsular. Alem disso, representam o suporte da evolução subsequente do
direito português. As ordenações posteriores, pouco mais fizeram do que actualizar as
ordenações afonsinas.

Embora não apresente uma estrutura orgânica comparável à de um código moderno e se


encontre longe de oferecer uma disciplina jurídica unitária tendencialmente completa, trata-se
de uma obra meritória quando vista na sua época.

A publicação das Ordenações Afonsinas liga-se ao fenómeno geral da luta pela centralização.
Acentua a independência do direito próprio do reino em face do direito comum, subalternizado
no posto de fonte subsidiária por mera legitimação da vontade do monarca.

Fonte Subsidiárias

Apesar de ser já considerável o número de leis contidas nas Ordenações Afonsinas, elas ainda
não cobriam a totalidade das questões que eram necessário solucionar. Por isso, além das fontes
principais do direito, estabeleceu-se um sistema de fontes subsidiárias, isto é, uma hierarquia de
fontes do direito para recorrer na falta de direito pátrio, para deste modo se preencherem lacunas
do ordenamento nacional.

A partir de D.João I o sistema de fontes subsidiárias vai sofrer, porém, todo um processo de
redefinição.

As Ordenações versam o problema das fontes de Direito , incluindo o Direito subsidiário, no


livro II (relação entre a Igreja e o Estado), título VIIII, sob a epígrafe: “Quando a ley contradiz
a Degretal , qual dellas se deve guardar”.

Assumem-se como fontes “imediatas”/principais:

 A Lei do Reino (as próprias ordenações);


 O Costume “antigamente utilizado no nosso reino”, desta maneira, o próprio
costume ficava no poder do monarca, tendo em conta que ele próprio é que definia o
que era ou não antigo;
 Estilo da Corte (Corte- Tribunal Supremo do Reino);

Se estas não tivessem solução para um determinado caso, recorria-se às fontes subsidiárias que
eram:

1. O Direito Romano (para questões temporais, exceto se, contrariando o direito


canónico, fizesse incorrer em pecado);
2. O Direito Canónico (para questões espirituais e temporais de pecado- ex: usucapião de
má fé, permitido no Direito Romano e ainda para questões que não tivessem regulação
pelo Direito Romano);
3. A glosa de Acúrsio;
4. A opinião de Bártolo;

94
História do Direito Português 95
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

5. A resolução régia.

O que as ordenações começam por estabelecer é que na omissão do direito nacional (“quando o
caso, de que se trauta, nom for determinado por ley do Regno”,)se decida conjuntamente com
o Direito Romano e o Direito Canónico (“mandamos que seja julgado, e findo pelas Leyx
Imperiaaes, e pelos Santos Canones”). Este preceito base, alicerça-se na unidade e na
complementaridade das duas ordens jurídicas. Remete-se, em suma, para o Utrumque ius.

Dentro da previsão cabem:

a) Todos os casos que as duas ordens jurídicas resolviam identicamente;


b) Todos os casos que uma ordem jurídica resolvia e a outra não.

Mas, o legislador nacional, não ignorou a diversidade e a alteridade possível de soluções entre
os dois ordenamentos. Por isso, logo de seguida, prevendo a contradição das soluções entre os
dois ordenamentos (“E, acontecendo, que acerca de tal caso as Leys Imperiaaes sejam
contrairas aos Canones”) define as áreas relativas a cada um deles conforme a lição de Bártolo.

De acordo com essas áreas conceder-se-ia preferência a um ou outro ordenamento e, só depois,


manda que se “guardem as glosas dÁcursio” e “quando pelas ditas glosas o caso não for
determinado (…) se guarde a opiniom de Bartholo”.

Por tudo isto, se conclui que o Direito Romano era fonte subsidiária antes das glosas e dos
comentários.

“Onde a lei do reino dispõe cessam todas as outras leis”, por outras palavras, o que o monarca
quer dizer é que existem fontes com primazia, o direito pátrio tem primazia sobre o direito
subsidiário. Só se irá recorrer ao direito subsidiário quando não haja solução no direito pátrio

Não havendo regulação da matéria nas fontes imediatas, a matéria é regulada pelo direito
romano caso seja temporal e pelo direito canónico no caso de ser espiritual. Com uma exceção,
matéria temporal também é regulada pelo direito canónico quando a aplicação do direito
romano cause pecado.

Logo, o direito canónico regula matéria espiritual e matéria temporal de pecado. Fala-se neste
âmbito no critério do pecado.

O legislador pressupunha que o legislador conhecia os dois direitos, o que se dava por fontes
subsidiárias já havia sido, em tempos, fontes principais.

A matéria não deixa de ser temporal, não é por ser regulada pelo direito canónico que passa a
ser espiritual.

Aplica-se o Direito Romano pelo Império da Razão e não pelo razão do Império.

O cenário neste momento é totalmente diferente do ocorrido nas cúrias de 1211, neste momento,
já existe direito pátrio. No sec.XII, a atividade legislativa era uma atividade pontual, neste
momento em questão, passa a ser uma atividade normal, o monarca passa a ter uma enorme
variedade de leis, podendo revelar, por isso, independência face às antigas fontes primárias,
agora subsidiárias.

95
História do Direito Português 96
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Contudo, esta independência não foi total. Por um lado, porque apesar de já existir uma
amplitude de leis, ainda não existia em suficiente numero para regular todas as situações a ser
julgadas e, por outro lado, porque ainda é de notar uma influencia muito grande do papado
(financiamento da expansão).

A doutrina diverge em relação à preponderância ou não da opinião de Bártolo e da glosa de


Acúrsio sobre o Direito Canónico (considerando a opinião e a glosa, também, direito romano).

Porém, as glosas e os comentários não são verdadeiramente direito romano, partindo deste,
evoluíram e adaptaram-no.

Ordenações Manuelinas

Tem-se conjeturado sobre os motivos que levariam o monarca a determinar tal reforma.
Encontra-se em primeira condicionante na introdução da imprensa (finais do séc.XV, uma vez
que se impunha levar à tipografia a coletanêa jurídica básica do país, para a facilidade da sua
difusão, convinha que a mesma constituísse, objecto de um trabalho prévio de revisão e
actualização.

Ainda se menciona outo aspeto, o de que não seria indiferente a D. Manuel, que assistiu a
pontos altos dos descobrimentos, ligar o seu nome a uma reforma legislativa de vulto. A
suposição alicerça-se em vários testemunhos, inclusive na importância atribuída pelo rei ao
direito e à realização da justiça

Importa, antes de mais, salientar que há autores que defendem que estas ordenações já
avançaram mais no sentido da sistematização, na medida em que todos os livros foram escritos
num mesmo estilo, o decretório ou legislativo, porém, em termos de estrutura, manteve-se a
lógica das Afonsinas (livros, títulos e parágrafos).

Em 1512 e 1513 imprimiram-se os livros 1 e 2 destas ordenações que ficariam conhecidas por
Ordenações Manuelinas, em 1514 os restantes 3 livros e fez-se uma reimpressão dos primeiros.

Nos anos seguintes, produziu-se alguma legislação avulsa, o que levou D. Manuel a decidir
fazer uma nova versão das ordenações, que ficou pronta em 1521, integrando já a legislação
avulsa entretanto criada. Para evitar confusões na aplicação da lei, o rei mandou destruir todos
os exemplares que restavam das edições anteriores.

Os compiladores das ordenações manuelinas foram os juristas Rui Boto, Rui da Grã e Cristóvão
Esteves.

As Ordenações Manuelinas sistematizam-se também em cinco livros e estes em parágrafos e


títulos (sistematização interna é idêntica), todavia, como já referido anteriormente, todos os
livros foram escritos no estilo decretório ou legislativo.

Quanto às matérias, mantém-se, no essencial, a distribuição das Ordenações Afonsina. Houve


alterações no tríplice sentido de eliminações, acrescentos e mudanças. Dos cortes ou dos mais
relevantes é o que respeita às normas concernentes aos judeus, o que compreende dada a sua
expulsão, verificada ainda no séc.XV.

96
História do Direito Português 97
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

As Ordenações Manuelinas, até pelo estilo em que estão redigidas, constituem uma compilação
mais apurada. Alguns autores falam já dum código, entendido obviamente de acordo com o
conceito da época. Por isso, as ordenações manuelinas representam progresso no ângulo de
técnica jurídica, um passo em frente.

As Ordenações Manuelinas mantiveram o elenco de fontes principais e fontes subsidiárias das


Ordenações Afonsinas, porém, ao nível das segundas, introduziram também, como fonte de
direito subsidiária, a opinião comum dos doutores como critério filtro de utilização e de tutela
da glosa de Acúrsio e da Opinião de Bártolo.

Com efeito, a glosa de Acursio só seria utilizada como fonte subsidiária se não fosse contrariada
pela opinião comum dos doutores. (“E, se o caso de que se trata não for determinado pela Lei
do Reino, ou estilo, ou costume, ou Leis Imperiais, ou Santos Canones, então mandamos que
se guardem as glosas de Acúrsio, quando por comum opinião dos doutores não forem
reprovadas…”).

No que respeita à opinião de Bártolo, esta só poderia ser utilizada como fonte subsidiária se não
pudesse ser contrariada pela opinião comum dos doutores proferida em momento posterior à
opinião de Bártolo (“e, quando por ditas glosas o caso não for determinado, mandamos que se
guarde a opinião de Bártolo, exceto se a opinião de alguns autores, que depois dele
escreveram, for contrária, porque a sua opinião é comumente mais conforme à razão”).

Esta consagração da opinião comum dos doutores foi entendida por alguns autores como uma
cedência às ideias do humanismo, que criticava as escolas medievais e particularmente as suas
maiores figuras. Outros autores explicam duma outra forma esta opção das Ordenações
Manuelinas, defendendo que Bártolo não foi posto em causa porque a opinião comum dos
doutores foi produto da sua escola e, além disso era preciso deixar em aberto a possibilidade dos
juristas posteriores terem opiniões mais válidas e actualizadas do que ele. Estes autores fazem
aliás notar que a prevalência da opinião comum dos doutores só funciona em relação a juristas
futuros, nunca se contestando a autoridade de Bártolo em relação aos juristas anteriores ou do
seu tempo.

A adoção da opinião comum como critério retor subsidiário se representava uma limitação da
opinião de Bértolo, representava também a vénia devida à escola de que ele era cabeça e figura
principal, pois traduzia um pensamento ou tradução dessa mesma escola. Em bom rigor, a
limitação representava-se menor do que se poderia julgar prima facie.

O que foi feito a partir daqui foi fechar o passado em beneficio de Bártolo mas sem se fechar a
porta ao futuro. Ou seja, com exclusão da glosa, fez-se tábua rasa de tudo o que ficava para trás
de Bártolo, admitindo-se contra ele apenas a opinião comum dos juristas posteriores, ou seja,
dos pósteros.

Sistematização e Conteúdo (Almeida Costa)

Mantem-se a estrutura básica de cinco livros, integrados por títulos e parágrafos. Conserva-se a
distribuição das matérias. As principais alterações foram:

• Supressão dos preceitos aplicáveis a Judeus e a Mouros, que, entretanto, tinham sido
expulsos do País;

97
História do Direito Português 98
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

• A inclusão da disciplina da interpretação vinculativa da lei, através dos assentos da Casa


da Suplicação;
• Alterações em Matéria de Direito Subsidiário;

Do ponto de vista material não houve uma transformação radical ou profunda do direito
português. Foi, acima de tudo, uma actualização e um ajustamento.

Do ponto de vista formal, a obra marca um progresso de técnica legislativa, que se traduz,
sobretudo, no facto, de os preceitos se apresentarem sistematicamente redigidos em estilo
decretório, ou seja, como se de normas novas sempre se tratasse. A esta vantagem corresponde a
contrapartida de um interesse menor para a reconstituição do direito precedente.

Edição

Enquanto estiveram em vigor, as Ordenações Manuelinas foram objecto de várias edições, que
levantam algumas dificuldades bibliográficas. As ordenações Manuelinas conheceram ainda
uma nova edição universitária de 1797, destinada a facilitar a investigação histórica.

Legislação Extravagante

O aparecimento das compilações ou sistematizações oficiais de fontes de direito não impedia,


nem impediu que se continuasse a legislar. Às grandes leis que não ficaram incluídas nos
grandes corpos legais se deu o nome de extravagantes (permaneciam mas fora da compilação).

Coleção de Leis Extravagantes de Duarte Nunes de Lião

Uma dinâmica legislativa acelerada, característica da época, teve como efeito que as
Ordenações Manuelinas se vissem rodeadas por inúmeros diplomas avulsos. Estes não só
revogavam, alteravam e esclareciam muitos dos seus preceitos, mas também dispunham sobre
matérias inovadoras. Acrescia a multiplicidade de assentos da Casa da Suplicação.

Tornava-se imperiosa a elaboração, pelo menos, de uma coletânea que constituísse um


complemento sistematizado das Ordenações, permitindo a certeza e a segurança do Direito.

Coube a iniciativa ao cardeal D.Henrique, regente na menoridade de D. Sebastião, que


encarregou Duarte Nunes de Lião de organizar um repositório de Direito extravagante, ou seja,
que vigorava fora das Ordenações Manuelinas.

Na compilação que obteve força vinculativa, em vez de uma transcrição de leis e de assentos
anteriores, procedeu-se, com o objetivo de a tornar menos volumosa ao resumo ou excerto da
essência de diversos preceitos. Este resumo ou excerto, reduzia a lei e os assentos ao seu
essencial mas foi-lhe conferida força de lei.

Na permanência de duvidas pela consulta deste texto a solução passaria pela consulta dos
documentos originais.

A coletânea é composta por seis partes que dispõem, respetivamente:

• Ofícios e oficiais régios;


• Jurisdições e privilégios;
• As Causas;

98
História do Direito Português 99
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

• Os Delitos;
• A Fazenda Real;
• Matéria Diversa;

Ordenações Filipinas

No tempo de D. Filipe I desenvolveu-se consideravelmente a actividade legislativa, o que fez


como que houvesse a revisão das Ordenações Manuelinas.

Com efeito, para esse trabalho foram encarregados três juristas, nomeadamente, Jorge Cabedo,
Afonso Vaz Tenreiro e Duarte Nunes de Leão.

As Ordenações Filipinas ficaram prontas em 1595 e entraram em vigor em 1603, incorporando


muita legislação avulsa ou organizada em coleções que se tinha produzido desde 1521
(Ordenações Manuelinas).

As ordenações filipinas mandavam cessar a vigência de todas as leis extravagantes com


exceção:

• Das Ordenações da Fazenda;


• Dos Artigos das Sisas;
• Das que se encontrassem transcritas em um livro da Casa da Suplicação.

O preceito expresso da revogação não obstou, porém, que se considerassem em vigor muitas
outras disposições.

No que respeita à estrutura e sistematização desta ordenações, apenas há a salientar que a


matéria relativa ao direito processual, onde se incluem das fontes subsidiárias, passou para o
livro terceiro. A explicação para esta mudança está no facto da aplicação do direito ter deixado
de ser uma questão de conflito de poderes entre o Estado e a Igreja, para ser vista como uma
mera questão de processo. Encontrar o direito aplicável era já no séc. XVII um problema de
direito processual.

As ordenações filipinas apresentam-se, por isso, como uma cópia atualizada e retocada, nem
sempre o resultado foi o mais feliz, visto o trabalho dos compiladores haver sido, por vezes,
pouco claro e não raro isento de contradições. Estes defeitos ficaram conhecidos por filipismos.

Fontes Subsidiárias

As ordenações filipinas conservaram na integra o sistema de fontes de direito subsidiário


estabelecido nas Ordenações anteriores.

Foi mudada a sua localização, passou do livro II (relações entre o Estado e a Igreja e privilégios
eclesiásticos) para a parte do direito processual.

Só agora, em começo do séc XVII, se rompeu a ultima amarra que prendia o problema do
direito subsidiário à ideia inicial de um conflito de jurisdição entre o poder temporal,
simbolizado pelo Direito Romano, e o poder espiritual/eclesiástico, simbolizado pelo
Direito Canónico. Só com a reforma filipina, o legislador tomou consciência da

99
História do Direito Português 100
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

necessidade de cortar esse cordão umbilical, dando ao titulo em causa um enquadramento


formal inteiramente diverso.

Apesar da delimitação da autoridade de Bártolo pela opinião comum dos doutores, que persiste
nas Ordenações Filipinas, pode dizer-se que o bartolismo atinge no período da História do
Direito Português que se inicia com aquela codificação jurídica um dos momentos senão o
momento de maior intensidade, imperará em tribunais, no foro e na jurisprudência e até com
prejuízo da opinião comum, como também no ensino.

As fontes principais e fontes subsidiárias mantiveram-se, porém foram introduzidos alguns


conceitos mas específicos, tais como:

• O estilo da corte passou a ter correspondência com o costume judiciário, ou seja, uma
prática repetida nos tribunais superiores que se transformava numa norma a ser seguida
pelos tribunais inferiores. Passou mesmo a consignar-se que o estilo da corte tinha de
ser plural (usado por mais de um tribunal), antigo (com pelo menos 10 anos) e conforme
à razão.
• O Costume, para ser aceite como fonte principal, passou a ter de ser plural, antigo (com
pelos menos 100 anos), conforme a razão e conforme a lei.

As fontes subsidiárias mantêm a mesma hierarquia das ordenações anteriores, mas a


opinião de Bártolo ficou mais reforçada, o que foi consequência da valorização das
opiniões deste jurista na prática judiciária, ocorrida durante o séc. XVII. É nesta época
que alguns autores falam de uma fase bartolista do direito português.

Foram encontrados diversos erros e contradições nas Ordenações Filipinas, as quais passaram a
ser conhecidas por filipismos.

Elaboração (Almeida Costa)

A coleção de leis extravagantes não passou de uma simples obra intercalar. Impunha-se uma
reforma profunda nas Ordenações Manuelinas, cada vez mais urgente. Até porque estas não
realizaram a transformação jurídica que o seu tempo reclamava.

A elaboração das Ordenações constituiu um facto natural que Filipe I, em cujo reinado, se
tomaram outras decisões relevantes na esfera do Direito. Esta reforma permitiu a Filipe I
demonstrar pleno respeito pelas instituições portuguesas e empenho em actualizá-las dentro da
tradição jurídica do país.

As novas Ordenações ficaram concluídas em 1595 e receberam aprovação por Lei de 5 de Junho
desse mesmo ano mas que não chegou a produzir efeito. Só no reinado de Filipe II (1603),
iniciaram a sua vigência – a mais duradoura que um monumento jurídico conseguiu em
Portugal.

Sistematização e Conteúdo (Almeida Costa)

As Ordenações Filipinas continuam o sistema tradicional de 5 livros, subdivididos em títulos e


parágrafos. Do mesmo modo, não se verificaram diferenças fundamentais em relação ao
conteúdo dos vários livros.

100
História do Direito Português 101
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Procurou-se realizar uma revisão atualizadora das Ordenações Manuelinas. A inspiração de


algumas normas de preceitos castelhanos não retira o caráter português das Ordenações
Filipinas. Apenas se procedeu à reunião, num único corpo legislativo, dos dispositivos
manuelinos e de muitos preceitos subsequentes que se mantinham em vigor.

Introduziram-se, contudo, certas alterações. Merece destaque um aspeto respeitante ao direito


subsidiário. Nenhuma modificação intrínseca se produziu nos critérios de preenchimento de
lacunas na lei consagradas pelas Ordenações Manuelinas. Todavia, a matéria que se encontrava
regulada no livro II, passa para o livro III, relativa ao processo.

Tal mudança revela uma perspetivação bem diversa do preenchimento de lacunas.

Ao lado de outras modificações sistemáticas detetam-se outras de conteúdo, muito relevantes.

Por exemplo, pela primeira vez nas ordenações filipinas se inclui um conjunto de preceitos
sobre o Direito da Nacionalidade.

O diploma de aprovação das Ordenações Filipinas declarou revogadas todas as normas legais
não incluídas na compilação, apenas com ressalva das transcritas em livro conservado na Casa
da Suplicação, das Ordenações da Fazenda e dos Artigos das Sisas.

Confirmação por D. João IV

As ordenações Filipinas sobreviveram à Revolução de 1640. Em Lei de 28 de Janeiro de 1643,


procedeu-se à expressa confirmação e revalidação das Ordenações.

Os Filipismos

Os compiladores filipinos tiveram, sobretudo, a preocupação de rever e coordenar o direito


vigente, reduzindo-se ao mínimo de inovações.

Intentou-se uma simples atualização das Ordenações Manuelinas, só que o trabalho não foi feito
mediante uma reformulação adequada dos vários preceitos, mas apenas aditando o novo ao
antigo. Daí subsistirem normas revogadas ou caídas em desuso, verificarem-se frequentes faltas
de clareza e, até, contradições resultantes da inclusão de disposições opostas a outras que não se
eliminaram.

A ausência de originalidade e os restantes defeitos mencionados receberam o nome de


“filipismos”.

Edições

As ordenações filipinas tiveram múltiplas edições, o que não admira dado a longa vigência quer
em Portugal quer no Brasil. A primeira edição é datada de 1603.

Legislação Extravagante. Publicação e Inicio da Vigência da Lei

Aos diplomas que as Ordenações Filipinas não eliminaram ou que, abusivamente, continuaram
a ser aplicados, outros se foram acrescentando. A coletânea filipina ver-se-ia, sem demora,
alterada ou complementada por um núcleo importante e extenso de diplomas legais avulsos
(legislação extravagante).

101
História do Direito Português 102
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Utiliza-se, aqui, o conceito de lei num sentido muito mais amplo que aquele que lhe
corresponde no direito moderno. Ainda se ignorava o principio da separação de poderes, que
decorria da diferenciação das esferas legislativa, administrativa e judicial. Ao tempo,
qualificava-se como lei, de um modo geral, toda e qualquer manifestação da vontade soberana
destinada a introduzir alterações na ordem jurídica estabelecida.

Espécies de Diplomas

Continuava a centralizar-se no monarca a criação do direito. Todavia, a sua vontade legislativa


manifestava-se de formas diversas. Daí que, paralelamente, se distinguissem vários tipos de
diplomas:

• Cartas de Lei -disposições destinadas a vigorar mais do que um ano;


• Alvarás – disposições que tivessem vigência inferior a um ano;
• Decretos – introdução de determinações respeitantes a casos particulares;
• Cartas Régias – constituíam verdadeiras cartas, destinadas a pessoas determinadas;
• Resoluções – diplomas em que o rei respondia às consultas que os tribunais lhe
apresentavam, normalmente acompanhadas de pareceres;
• Provisões – diplomas que os tribunais expediam em nome e por determinação do
monarca;
• Portarias e Avisos – ordens expedidas pelos secretários de Estado em nome do
monarca, as portarias eram diplomas de aplicação geral e os avisos destinavam-se a um
tribunal, a um magistrado, a uma corporação ou até a um simples particular.

Publicação e Inicio da Vigência da Lei

Pelos finais de 1518 providenciou-se acerca do inicio da vigência das leis: estas teriam
eficácia, em todo o País, decorridos 3 meses sobre a sua publicação na chancelaria e
independentemente de serem publicadas nas comarcas. O preceito transitou para as
Ordenações Manuelinas, mas reduzindo-se o prazo para oito dias quanto à Corte. A vigência
dos outros diplomas, dos não submetidos à chancelaria, começava na data de publicação. As
ordenações filipinas conservaram os prazos indicados.

Interpretação da Lei Através dos Assentos

Surgindo duvidas aos desembargadores da Casa da Suplicação sobre o entendimento de algum


preceito, tais duvidas deveriam ser levadas ao regedor do mesmo tribunal. Este convocaria os
desembargadores que entendesse e com estes fixava a interpretação que considerasse mais
adequada.

As soluções definidas ficavam registadas no Livro dos Assentos e tinham força imperativa para
futuros casos idênticos. Surgem, deste modo, os assentos da Casa da Suplicação como
jurisprudência obrigatória. Trata-se do antecedente histórico dos assentos dos tribunais que
estão na cúpula da organização judiciária, máxime do Supremo Tribunal de Justiça.

A Casa da Suplicação era o Tribunal superior do reino que acabaria por se fixar em Lisboa. Na
mesma cidade funcionava a Casa do Cível, que constituía uma segunda instância, competente
para conhecer de todos os recursos das causas cíveis de todo o país, ressalvada as sentenças

102
História do Direito Português 103
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

proferidas no local onde se encontrasse a Corte e cinco léguas em redor, cuja apelação iria ao
tribunal da Corte.

Com o objetivo de descentralizar os Tribunais do recurso e indo ao encontro de solicitações


anteriores, Filipe I, (1582) deslocou a casa Cível para o Porto, transformando-a na relação do
Porto. A nova Casa da relação do Porto funcionava como tribunal de segunda a ultima instância,
quanto às comarcas do Norte, em matéria de crime e o mesmo acontecia em matéria cível,
exceto se o valor da causa ultrapassasse determinado montante, hipótese em que existiria a
possibilidade de recurso para a Casa da Suplicação.

Mantinha-se, assim, alguma subalternidade da relação do Porto perante a Casa da Suplicação.


De qualquer modo, este Tribunal ficou com grande autonomia em face das comarcas do Norte,
pelo que, mesmo não existindo nenhum documento que outorgasse semelhante faculdade, os
desembargadores da Relação do Porto arrogaram o direito de proferir também assentos
normativos. Daí resultaram confusões e contradições interpretativas.

Entretanto as Relações criadas no Ultramar (Goa , Baía e Rio de Janeiro) passaram também a
tirar assentos interpretativos. Apenas com a lei da Boa Razão, de 18 de Agosto de 1769, se
determinou que só os assentos da Casa da Suplicação teriam eficácia interpretativa.

Estilos da Corte

As ordenações indicam como fonte de direito nacional, ao lado da lei, o estilo da Corte e o
Costume.

Tanto o estilo como o costume têm uma natureza não legislativa, pois alicerçavam-se no uso.

Para certos autores, o costume resultava da conduta da coletividade, ao passo que o estilo seria
introduzido pela prática de entidades publicas, em especial de órgãos judiciais.

De acordo com a opinião dominante, exigia-se que o estilo obedecesse a um conjunto de


requisitos:

▪ Não se apresentasse contrário à lei;


▪ Tivesse prescrito, ou seja, possuísse uma antiguidade de dez anos ou mais;
▪ Fosse introduzido, pelo menos, através de dois atos conformes do Tribunal Superior.

Costume

O costume constitui a fonte predominante do sistema jurídico dos começos da nacionalidade,


mas que principiou a ceder essa posição à lei, desde meados do séc. XIII. O direito novo passa a
criar-se, em regra, por via legislativa.

Contudo, as Ordenações mandam a observância do costume a par da lei e dos estilos, ou seja, o
costume mantinha a eficácia de fonte de direito tanto se fosse conforma à lei (secundum legem),
ou para além desta (praeter legem) como se a contrariasse (contra legem).

As Ordenações Afonsinas limitam-se a consagrar a vigência do costume do Reino antigamente


usado. Já as Ordenações Manuelinas estabelecem alguma especificação: por um lado, salienta-
se a validade dos costumes locais no mesmo plano dos costumes gerais, por outro lado,

103
História do Direito Português 104
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

restringe-se a observância do costume, geral ou local como fonte de direito imediata, aos casos
em que a doutrina romanística e canonistica admitisse a sua vigência.

O legislador, a este respeito, apela à fundamentação e aos requisitos da validade do costume,


dotado da mesma força de lei que resultava da harmonização da sua génese (consenso coletivo
exteriorizado numa certa conduta reiterada) com o principio de que a vontade do monarca
representava a fonte básica ou única da criação do direito positivo.

O legislador só mais tarde viria a fixar os requisitos de força vinculativa do costume mas o
direito canónico aceitava a validade do costume contra lei, desde que ressalvados os preceitos
de ordem publica.

Duas questões se destacavam no âmbito dos requisitos do costume:

▪ A da Antiguidade (exigia-se, em regra, um período de duração igual ou superior a 10


anos, exceto se fosse contrário à lei, apontando, aqui, os canonistas, para um prazo de
40 anos);
▪ Numero de casos necessários à demonstração da sua existência (as opiniões variavam
entre 10 atos ou 2 de natureza judicial).

Direito Subsidiário

Apesar da grande importância das Ordenações Afonsinas, estas, apontaram-se incompletas em


muitos planos. O mesmo aconteceu com as que se seguiram. Daí que se levantasse, com
frequência, o problema da interpretação das lacunas da lei, ou seja, do direito a aplicar
subsidiariamente.

O Problema do Direito Subsidiário

Entende-se por direito subsidiário um sistema de normas jurídicas chamado a colmatar as


lacunas de outro sistema.

A imperfeição ou insuficiência dos ordenamentos jurídicos nacionais ou insuficiências dos


sistema jurídicos nacionais ou dos ordenamentos jurídicos positivos em geral era reconhecida
simultaneamente com a ideia de que o juiz, mediante recurso a um direito subsidiário, a um
qualquer direito pressuposto ou a uma outra fonte formal de direito, sempre disporia de um
direito dado a que pudesse ater-se, não se lhe exigindo, portanto, em principio, o seu contributo
para a constituição do direito por via integrativa.

A questão e a problemática do direito subsidiário crescem à medida que se recua no tempo,


conhecendo as épocas em que a escassez e a imperfeição das fontes nacionais impunham um
amplo recurso a ordenamentos jurídicos estrangeiros. Este facto desempenhou um enorme papel
como elemento de aproximação jurídica e cultural dos povos.

Fontes de Direito Subsidiário Segundo as Ordenações Afonsinas

Somente com as Ordenações Afonsinas se estabeleceu um quadro sistemático das fontes de


Direito. A matéria consta do livro II, título 9. Aí se mencionam, em primeiro lugar, as fontes de
direito nacional. Colocam-se no mesmo plano as leis do Reino, os estilos da corte e o costume
antigamente usado.

104
História do Direito Português 105
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Eram estas as fontes imediatas. O legislador afonsino salienta expressamente a sua


imperatividade e prevalência. Apenas quando não se pudesse decidir o caso com base nelas se
tornava licito o recurso ao direito subsidiário. Também as respectivas fontes de direito
subsidiário se encontravam taxativamente previstas e hierarquizadas. Nomeadamente:

1. Direito Romano e Direito Canónico

Na falta de direito nacional caberia utilizar, antes de mais, o direito romano e o direito canónico
(“leis imperiais” e “santos cânones”).

• Em questões jurídicas de natureza temporal, a prioridade pertencia ao direito romano,


exceto se da sua aplicação resultasse pecado;
• O direito canónico prevalecia sobre o direito romano nas ordens de matéria espiritual e
nas temporais em que na observância deste ultimo conduzisse o pecado (“ratio
peccati”), quer dizer, se mostrasse contrário à moral cristã.

A supremacia do direito canónico sobre o direito romano em matéria pecado representava a


doutrina corrente.

Exemplificam as Ordenações Afonsinas com a usucapião admitida pelo direito romano, ao fim
de 30 anos, em beneficio do possuidor de má fé, mas que o direito canónico rejeitava.

2. Glosa se Acúrsio e Opinião de Bártolo

Se o caso omisso não fosse decidido directamente pelos textos de direito romano ou de direito
canónico devia atender-se à Glosa de Acúrsio e, em seguida, à opinião de Bártolo, ainda que
outros doutores se pronunciassem de modo diverso. O legislador justifica a prevalência de
Bártolo dada a maior racionalidade reconhecida a este jurista, assim como o desejo de evitar
incertezas e contradições jurisprudenciais.

3. Resolução do Monarca

Sempre que, através dos sucessivos elementos indicados, não se conseguisse disciplina para
o caso omisso, impunha-se a consulta do rei, cuja estatuição valeria, de futuro, para todos
os efeitos semelhantes.

Determinava-se o mesmo procedimento quando a hipótese considerada, não envolvendo


matéria de pecado, nem sendo disciplinada pelos textos de direito romano, tivesse soluções
diversas no direito canónico e nas glosas e doutores das leis. Nestes casos, “seja remetida à
nossa Corte, e guarde sobre ele a nossa decisão”.

Alterações Introduzidas pelas Ordenações Manuelinas e pela Ordenações Filipinas

Os preceitos sobre o direito subsidiário passaram para as ordenações que se seguiram. Contudo,
sofreram ampla remodelação. Das Ordenações Manuelinas para as Filipinas verificam-se meros
retoques formais.

Fala-se a este respeito da rutura com a ultima amarra que ligava a questão do direito subsidiário
à ideia anterior de um conflito de jurisdições entre o poder temporal e o poder eclesiástico,
simbolizados pelo direito romano e pelo direito canónico. Tornou-se um puro problema técnico-
jurídico.

105
História do Direito Português 106
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Aparece justificado nas ordenações manuelinas a vigência do direito romano como fonte de
direito subsidiária. Aplica-se devido à sua autoridade intrínseca e não mercê de qualquer
subordinação do Reino português ao Império.

Algumas alterações são introduzidas:

 Quanto à aplicação dos textos de direito romano e de direito canónico, deixa-se de


referir a distinção entre problemas jurídicos temporais e espirituais. Apenas se consagra
o critério do pecado, que fornecia o único limite à prevalência subsidiária do direito
romano sobre o direito canónico, qualquer que fosse a natureza do caso omisso (“e
sendo matéria que não traga pecado, mandamos que seja julgado pelas Leis
Imperiais (…) as quais Leis Imperiais mandamos somente guardar pela boa razão em
que sejam fundadas”).
 A respeito da glosa de Acúrsio e da opinião de Bártolo, cuja ordem de precedência se
conserva, estabelece-se o requisito da “comum opinião dos doutores” não contrariar
essas fontes (“quando por comum opinião dos Doutores não forem reprováveis”),
relativamente a Bártolo, a restrição seria definida tão-só pelos autores que tivessem
escrito depois dele (“porque a sua opinião era comumente mais conforme com a
razão”). A respeito de Acúrsio não fala de antes ou depois.

O facto de a letra da lei colocar a “communis opinio” como filtro da Glosa de Acúrsio e da
opinião de Bártolo levou à interpretação, posto que não pacífica, de que aquela constituía, em si
mesma, uma fonte subsidiária. Por outras palavras, na falta de direito nacional, de direito
romano e de direito canónico, caberia recorrer à opinião comum, antes da Glosa e da Opinião.

Utilização das Fontes Subsidiárias

O legislador pretendeu ser claro e estabelecer a hierarquia de uma forma imperativa.

No entanto, persistiu margem para algumas duvidas. Não raro, o direito pátrio era preterido pelo
direito romano. Abusava-se da opinião comum. Chegou-se, inclusive, à aplicação do direito
castelhano, que se encontrava fora do quadro das fontes de direito subsidiárias

Outras Fontes do Período Monista (Professores Albuquerque)

Assentos

Além do poder para legislar, os Reis detinham também o direito de interpretar as suas leis.
Aliás, as próprias ordenações esclareciam que as duvidas de interpretação da lei deveriam ser
remetidas para monarca.

No período pluralista, faziam-no pessoalmente através de leis aclaratórias, porém durante o


período monista passaram também a fazê-lo através dos tribunais superiores, nomeadamente da
Casa da Suplicação e da Casa do Cível.

Em 1518, D. Manuel delegou na Casa da Suplicação o poder de resolver os casos duvidosos


através de assentos com autoridade legal.

De acordo com esta lei, o valor dos assentos restringia-se ao processo em que a dúvida se
tivesse suscitado e não poderia ser utilizada como regra para outros casos.

106
História do Direito Português 107
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Porém as Ordenações Manuelinas ampliaram este valor, atribuindo a alguns assentos valor
genérico.

Em 1582, a Casa do Cível foi extinta e foi criada a Relação do Porto, que também passou a
poder emitir assentos. A mesma faculdade veio a caber às Relações Ultramarinas (duas no
Brasil e uma no Oriente).

Com a Lei da Boa Razão de 1769, atribuiu-se-lhes valor interpretativo e portanto não
constituíam forma de integração de casos omissos, ou seja, tendo uma função meramente
interpretativa não constituíam via adequada para resolução de casos omissos, que deviam ser
levados ao conhecimento do soberano, para este os integrar.

Das diferenças de regime entre os vários assentos resultou a distinção entre:

 Assentos de autos (com valor restrito ao processo em causa);


 Assentos económicos (relativos à disciplina interna do tribunal de que emanavam);
 Assentos legais (com força genérica e equiparados à lei);

Estilo

O estilo era uma fonte principal de direito no período monista, embora estivesse sujeito a
requisitos de validade.

Nesta época, o estilo da corte não podia contrariar a lei, tinha de ser plural (não bastava um ato
judicial para ser tratado como estilo) e tinha de ser prescrito (com mais de 10 anos).

De acordo com a disciplina das ordenações, os estilos valiam como lei e deviam ser aprovados
por assento.

O estilo tratava-se de um costume de origem judiciária, isto é, aparecido em tribunal.

Em 1605 determinou-se que só seriam válidos os estilos aprovados por assento da Mesa Grande
da Casa da Suplicação

E, depois de 20 de Dezembro de 1757, exigiu-se que fosse conforme à boa razão.

Costume

O costume foi fonte principal de direito nas ordenações, apesar de em termos práticos ter sido
sujeito a requisitos sucessivamente mais exigentes.

No estudo doutrinário prestava-se atenção a alguns requisitos que deviam ser cumpridos para
que a invocação do costume pudesse ser vinculativa.

 Por um lado, a necessidade de um período de 10 anos de vigência para o uso adquirir a


natureza de costume, quanto ao costume contra legem, apontavam-se 40 anos;
 Com grande divergência, aceitava-se um mínimo de 2 atos para a conduta poder ser
entendida como juridicamente vinculante.

As ordenações não apontavam directamente quais os requisitos.

107
História do Direito Português 108
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Outro ponto merece destaque, as Ordenações Manuelinas referem a comum opinião dos
doutores, como fonte subsidiária. Se, por um lado, se explica a sua validade como exigência
racional, por outro, se dirá que a opinião comum vinculava porque tinha a força de costume.

Para além da pluralidade e da racionalidade (conformidade com a razão) sempre exigidas, no


séc. XVIII, o costume passou só era válido se tivesse pelo menos 100 anos, se fosse conforme à
boa razão e não se opusesse à lei.

A Lei da Boa Razão de 1769 veio a proibir o costume “contra legem”.

Com efeito, a doutrina tem alguma dificuldade em explicar o facto de no período monista, em
que a vontade suprema era a do rei, se tivesse dado algum valor à chamada “voluntas populi”,
na qual se traduzia o costume.

Identificado como a vontade populi, o costume representava a força natural e dinâmica que
enforma o sentimento jurídico das comunidades em que não se exacerbaram os individualismos
dominadores.

A lei, como visto, tornou-se um elemento que permitiu a própria centralização de poderes no
monarca. Havia agora que conciliar duas realidades que, aparentemente se excluíam, de um lado
a situação de facto decorrente da tradição consuetudinária, do outro a vontade do rei, houve
necessidade de conciliar inteligivelmente a simultânea vigência dos dois. A explicação foi então
tentada através da presunção da vontade régia em querer ver tal fonte aplicada.

Por isso, dir-se-ia também que o costume tinha força de lei, considerando-o a manifestação da
vontade tácita do monarca.

Em suma, nesta época, a própria estruturação do poder político não dava grande relevo à
expressão da vontade popular. Por isso, e em face da resistência do costume, os teóricos da
época vieram dizer que o costume era a vontade tácita do Rei, pelo que valeria não por ser
originário na vontade popular, mas porque era uma manifestação indirecta da vontade do
próprio Rei.

Ainda hoje o costume é fonte de direito, embora, só em casos muito restritos e permitidos pela
própria lei, ele constitua fonte criadora de normas.

Reforma dos Forais

Os forais, para as comunidades que os possuíam, correspondiam a símbolos de autonomia.

Passados cinco séculos sobre o inicio da concessão de forais, encontravam-se, estes, desfasados
da realidade do seu século. Uma parte do seu conteúdo encontrava-se revogada por legislação
geral, designadamente os preceitos respeitantes à administração, ao direito e ao processo civil e
ao direito penal. Mesmo quanto às normas ainda vigentes, relativas aos encargos e isenções
tributárias, era manifesto o seu caráter obsoleto (referiam-se pesos, medidas e moedas em
desuso), tudo isto gerava incertezas e arbitrariedades. Muitos deles, além disso, apresentavam-se
num grande estado de deterioração ou não ofereciam garantias de inteira autenticidade. O
progressivo robustecimento do poder do rei e a uniformização jurídica, alcançada através da
legislação geral, iam determinando o declínio das instituições concelhias. Daí que os forais

108
História do Direito Português 109
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

perdessem o seu alcance anterior e se transformassem em meros registos dos tributos dos
municípios.

No período pluralista, os forais foram uma fonte de direito essencial, porém, no período
monista, foram perdendo a sua importância e foram-se, a pouco e pouco, desactualizando, ao
ponto de justificarem protestos e pedidos de reforma, que se tornaram particularmente
insistentes no séc. XV. Os pedidos de recolha, revisão e correcção chegavam à Corte, sob pena
de serem mais gravosos do que uteis na função a que se destinavam.

Nessa altura, as cartas de foral e os foros continham menções, atributos, moedas, pesos e
medidas que já não correspondiam aos de uso corrente, justificava-se, por isso, uma reforma dos
forais, a qual começou em 1497 com a recolha dessas cartas de privilégio e findou por volta de
1520, portanto já no período das Ordenações Manuelinas.

D. Manuel mandou recolher à Corte todos os forais e demais documentação onde estivessem
consignados direitos reais, cometendo o acervo documental a um conjunto de juristas,
encarregando-os de proceder à sua reforma.

Fez-se ainda acompanhar o trabalho de reforma, da elaboração de dois diplomas de grande


importância destinados a facilitar o trabalho de unificação: a Ordenação e Regimento dos
Pesos e o Regimento dos Oficiais das Cidades, Vilas e Lugares destes Reinos.

Nas reformas dos forais trabalharam muitos juristas, entre eles, Rui Boto e Rui da Grã, também
compiladores das referidas ordenações.

Resultou então uma classificação de forais velhos (os anteriores à reforma), forais novos (os
actualizados ou reformados) e forais novíssimos (os atribuídos depois da reforma).

O conteúdo dos forais passou a restringir-se às prestações e serviços das populações e à matéria
relativa à lei de vizinhança (definição dos requisitos da condição de vizinho - habitante da
mesma vila). As matérias de índole geral foram retiradas dos forais porque estavam já reguladas
nas ordenações.

Apesar de limitados a matérias de interesse local, os forais vigoraram ainda até ao séc. XIX e só
foram extintos no âmbito de uma reforma administrativa, pelo chamado Decreto 23 de
Mouzinho da Silveira.

Direito Canónico

A posição do direito canónico perante a ordem jurídica civil portuguesa esteve sempre
relacionada com as questões de poder entre a Igreja e o Rei.

No período pluralista a supremacia da Igreja foi aceite e as teses hierocráticas dominaram em


Portugal.

Se é certo que a linha hierocrática ou teocrática em que tal facto se integra foi sofrendo erosão à
medida que se caminha da Idade Média para os tempos modernos, não é menos certo, também,
que por parte dos nossos monarcas continuou subsistindo interesse na manutenção do papado
como autoridade internacional, devido à expansão portuguesa. De facto, os direitos de Portugal
sobre os mares e terras descobertas, além de outros fundamentos eram sustentados em bulas

109
História do Direito Português 110
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

pontifícias, cuja força provinha da autoridade política internacionalmente reconhecida ao Sumo


Pontífice.

No período monista, apesar do direito canónico ter sofrido uma grande evolução e de, em
termos teóricos, a supremacia da Igreja não ter sido posta em causa, o facto é que, na prática,
essa supremacia foi contrariada, já que a lei pátria tinha supremacia sobre as outras.

Uma das medidas instituídas durante o pluralismo e que persistiu nos séculos do período
monista foi o beneplácito régio, limitador da aplicação do direito canónico.

O Beneplácio Régio, instituto jurídico de autorização de publicação das letras apostólicas no


reino, em vigor desde o reinado de D. Pedro I, suscitou da parte da Igreja múltiplas diligências
tendentes a uma revogação pelos monarcas portugueses. Estes resistiram a todas as tentativas.
Apenas com D.João II foi consentida e desejada a revogação. A carta revogatória não expõe
directamente os motivos, mas atendendo ao contexto da politica interna e internacional
portuguesa no período em causa enxerta-se num conjunto de circunstancias que interessavam ao
Papado e Portugal em uma optimização de relações. Nomeadamente, e pelo que toca ao nosso
país, estava em causa a consolidação interna da realeza e toda a política de expansão.

Esta revogação foi apenas temporária entre 1487 e 1495 com D. João II e foi depois reposto em
vigor, permanecendo até aos tempos do constitucionalismo.

Porém, o alinhamento político de Portugal com as nações que desencadearam a contra- reforma
e a tradicional obediência a Roma dos nossos monarcas, aliado ao tradicional cariz religioso da
população em geral, originou uma atitude de acatamento de parte do ordenamento católico,
nomeadamente a constituída pelos Decretos do Concílio de Trento. (aberto em 1545 e encerrado
em 1563).

E, 3 de Julho de 1564, através da Bula Papal “Benedictus Deus”, a Santa Sé apelava aos
monarcas a colaboração no cumprimento das normas aprovadas pelo Concilio de Trento, o que
foi aceite pelo Rei português, através de um alvará régio datado de 12 de Setembro de 1564, que
foi posteriormente regulamentado, condicionando a aplicação das sentenças do Concilio de
Trento à certeza de que o Processo Canónico tinha decorrido de forma justa.

O passo seguinte na limitação imposta ao direito canónico veio a ser dado com a Lei da Boa
Razão, em 1769, quando se dispôs que o direito canónico só poderia, a partir daí, ser utilizado
nos tribunais civis em quatro situações possíveis:

▪ Nos casos em que a própria lei civil o mandasse aplicar;


▪ Nos casos em que os seus preceitos fossem utilizados pelas nações civilizadas da
Europa, como forma de correcção às normas do direito romano;
▪ Nos casos em que fosse impossível o recurso a qualquer outra legislação;
▪ Nos casos em que se devesse tomar conhecimento da norma canónica para impedir os
excessos e a opressão praticada pelos Juízes Eclesiásticos, isto é, para evitar os abusos
desses Juízes.

Fora destas situações, o direito canónico não devia aplicar-se nos tribunais civis.

A lei da boa razão, recorrendo às palavras dos professore Albuquerque, veio vibrar o golpe
mortal no sistema vigente. Esclareceu definitivamente que: “aos meus ministros seculares não

110
História do Direito Português 111
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

toca o conhecimento de pecados; mas sim, e tão somente dos delitos; e ordenando, como
ordeno, que o referido conflito fundado naquela errada suposição cesse inteiramente;
deixando-se os referidos textos de Direito Canónico para os Ministros, e Consistorios
Eclesiásticos o observarem (…) seguindo somente os meus Tribunais, e Magistrados Seculares
nas matérias temporaes da sua competência as leis Pátrias, e subsidiárias, e os louváveis
costumes, e estilos legitimamente estabelecidos.”.

Direito Prudencial

No período monista o Direito Prudencial foi uma fonte subsidiária do direito português,
nomeadamente nas ordenações.

Com efeito, o Direito Prudencial teve uma relevância nas ordenações do reino, quer pelo
trabalho dos juristas, que eram chamados a analisar e estudar o direito romano que também era
subsidiário das ordenações, quer pelas obras dos juristas Acúrsio e Bártolo, quer ainda pela
opinião comum dos doutores.

O objectivo e resultado do trabalho dos juristas era o desenvolvimento da ciência jurídica, e


nesta época, ela progrediu essencialmente através dos estudos e pareceres formulados pelos
prudentes, muitas vezes concluídos pela formulação de uma opinião comum.

Neste período o critério preferido de fixação da opinião comum foi o qualitativo (que constava
que o peso da opinião de alguns juristas que devia prevalecer). Antes do séc. XV e nos sécs.
XVII e XVIII, usava-se o critério misto ou de maioria qualificada. Contrapondo estes dois
critérios existe também o critério quantitativo, onde pesa o maior número de opiniões iguais.

A cultura jurídica no período que vai das ordenações ao liberalismo desenvolveu-se quer por
impulso de factores internos quer externos. Entre os factores externos, considera-se os
movimentos ou correntes do pensamento jurídico que divulgados na Europa tiveram, com maior
ou menor intensidade, influência em Portugal.

A Universidade, criada em data incerta entre 1288 e 1290 por D. Dinis, com a designação de
Estudo Geral, foi a instituição fundamental para o desenvolvimento da ciência do direito ao
longo dos séculos.

Depois de mudanças sucessivas entre Lisboa e Coimbra, fixou-se em Coimbra em 1537 com D.
João III. A reforma Joanina da Universidade não atingiu significativamente quer o método quer
o curriculum das matérias leccionadas. Continuava a seguir-se o método escolástico, em
Direito continuava a usar-se o método casuístico e não havia ainda qualquer cadeira dedicada ao
ensino do direito pátrio. Depois de D. João III e deste período de maior actividade nos estudos
universitários, voltou-se a um período de estagnação.

Em 1591 foram elaborados os Estatutos Filipinos da Universidade, revistos e repostos em vigor


em 1598 e mais tarde conhecidos por Estatutos Velhos por oposição aos Pombalinos.

A primeira corrente do pensamento jurídico divulgada na Europa a partir do séc. XV foi o


humanismo jurídico, também conhecido por Mos Gallicus. O Mos Gallicus contrapõem-se à
expressão de Mos Italicus.

111
História do Direito Português 112
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

A escola de Mos Gallicus traduziu-se pela contestação e critica da metodologia dos prudentes
medievais, e particularmente a dos seus maiores juristas.

Seguiram-se-lhes outras correntes de pensamento, designadamente no sec. XVII a Usus


Modernus Pandectorum e no sec. XVIII o Racionalismo jurídico, criticando todas o trabalho dos
prudentes.

Ensino do Direito (Almeida Costa)

1) Antes de D. João III

O ensino jurídico, em Portugal, recua à fundação do Estudo Geral Dionisiano. Os domínios de


ensino universitário português com mais longa tradição são em direito canónico e direito
romano.

Tanto D. João II como D. Manuel I procuraram melhorar o nível dos nosso estudos superiores,
chamando às universidades alguns professores estrangeiros e proporcionando subsídios
pecuniários a estudantes que pretendessem deslocar-se aos centros culturais além-fronteiras.

Em texto de 1431 aparecem já expressos os graus universitários de bacharel, de licenciado e de


doutor.

Os textos e os métodos adotados no ensino foram, sem duvida, os mesmos que, sob inspiração
italiana, por toda a parte, serviram de base aos estudos romanísticos e canonisticos medievais.
Não admirará que a escola nacional estivesse muito longe de poder rivalizar com o prestigio do
ensino jurídico de certas Universidades estrangeiras que continuaram a atrair numerosos
estudantes portugueses.

2) Instalação da Universidade em Coimbra

A sede da Universidade oscilou entre Lisboa e Coimbra desde a sua criação até D. João III. Foi
este rei que a fixou definitivamente em Coimbra, no ano de 1537. A razão decisiva terá sido a
de realizar uma reforma profunda no ensino niversitário.

Impunha-se organizar um ensino digno dos tempos renascentistas. Foram convidados vários
mestres trazidos do estrangeiro.

Por outro lado, confiaram-se algumas cátedras a portugueses que tinham estudado no
estrangeiro e quer aí se notabilizaram.

3) Organização dos Estudos Jurídicos Segundo os “Estatutos Velhos”

Ate bastante tarde, a legislação universitária não esteve sistematizada numa única carta
orgânica. Os estatutos manuelinos representaram o primeiro diploma completo de regulamentos
sobre os vários aspectos da vida interna à Universidade.

D. João III introduziu-lhe algumas alterações, às quais sucederam outras reformas dos reinados
de D. Sebastião e de D. Filipe I.

Finalmente, os Estatutos Filipinos de 1598, conhecidos como Sétimos Estatutos, depois de


revistos e confirmados por D. Filipe II e por D. João IV mantiveram-se em vigor até à reforma

112
História do Direito Português 113
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

pombalina. Recebem o nome de “Estatutos Velhos”, em contraposição com os chamados


“Estatutos Novos” de 1772.

Com base nestes Estatutos, existiam, em suma, duas Faculdades Jurídicas:

▪ A Faculdade de Cânones (estudo do Corpus Iuris Canonici);


▪ Faculdade de Leis (Estudo do Corpus Iuris Civilis);

O esquema do ensino, de raiz escolástica, era fundamentalmente o mesmo nas duas Faculdades:
o professor lia os passos do Corpus Iuris Canonici ou do Corpus Iuris Civilis e, em seguida,
comentava-os, expondo as opiniões e os argumentos considerados falsos e os considerados
verdadeiros, refutando as razoes contrárias, sempre estabelecendo confronto com outros textos e
concluindo pela interpretação tida como mais razoável.

Verificou-se, no período posterior à instalação da Universidade em Coimbra, uma certa abertura


às ideias do humanismo jurídico, que eram adversas ao predomínio da autoridade.

Pouco tempo depois retomou-se os métodos bartolistas retornaram. A língua das aulas era o
latim.

Movimentos Do Pensamento Jurídico

A partir do sec. XV, quando se intensificou a produção legislativa do Estado (ordenações e


extravagantes), surgiram vários movimentos do pensamento, dos quais se destacam três, que
vieram a incidir as suas teorias no estudo das ordenações.

Esses movimentos são o Humanismo Jurídico (fins do sec. XV), o Usus Modernus Pandectorum
(sec. XVII) e o Racionalismo jurídico (sec. XVIII).

Humanismo Jurídico

Este movimento surgiu nos fins do sec. XV e desenvolveu-se no sec. XVI, por oposição ao
Direito Prudencial, numa lógica de que o conhecimento só seria verdadeiro se pudesse ser
demonstrado.

Este movimento defendia o Mos Gallicus, por oposição ao Mos Italicus que era o conhecimento
do Direito Prudencial.

Para fazer vingar as suas teorias e, em clara oposição aos prudentes, os humanistas jurídicos
elencaram uma série de criticas ao trabalho dos mesmos, nomeadamente:

▪ Acusaram-nos de se terem limitado ao estudo do código justinianeu quando este não


continha certamente o melhor do direito romano. Por outro lado esse estudo era
incompleto porque não sabiam grego e o código justinianeu tinha uma estrutura
histórica grega.
▪ Acusaram-nos de não se ter preocupado com a veracidade das fontes jurídicas e não
jurídicas dos trabalhos que produziram, e, portanto de terem efectuado um trabalho com
base em fontes erradas, já que eles (humanistas jurídicos) tinham constatado que as
fontes do código justianianeu estavam erradas.

113
História do Direito Português 114
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

▪ Acusaram-nos de não terem técnicas de raciocínio jurídico, tais como a filologia, e de,
para ultrapassar tal defeito, se terem baseado na autoridade dos doutores, quando o que
se deve promover é a liberdade de pensamento.

Com efeito, os humanistas jurídicos defendiam que no estudo dos textos romanos, deveria-se
confirmar a autenticidade das fontes, fazer um estudo filológico dos textos e substituir a
autoridade pela liberdade de pensamento.

Usus Modernus Pandectorum

Este movimento surgiu no sec. XVII e, seguindo a linha do pensamento humanista, também
criticou o trabalho dos prudentes, adiantando, porém, uma nova ideia, precisamente a da
necessidade de actualização do Direito Romano.

Os defensores desta corrente de pensamento defendiam que o direito romano era subsidiário ao
direito régio, mas mesmo assim, só se deveria aplicar se estivesse actualizado.

Esta escola de pensamento baseava-se na ideia de que o direito romano deveria ser aproveitado
naquilo que tivesse de essencial à luz do direito natural e de válido relativamente aos direitos
nacionais. O direito das Pandectas deveria ser filtrado pelo critério da razão e dele aproveitado
apenas o que tivesse de actual.

Deveria distinguir-se o direito romano caduco daquele que fosse ainda susceptível de aplicação
moderna.

Racionalismo Jurídico

Este movimento surgiu no sec. XVIII e corresponde à manifestação jurídica do iluminismo,


realçando a importância da razão, mas uma razão humana diferente da que era considerada no
sec. XII.

A razão que deveria ser considerada era a recta razão, iluminada pelo conhecimento humano e
não pelo divino.

As principais manifestações desta razão encontravam-se descritas numa obra de Luís António
Verney, onde o mesmo critica a opinião de Bártolo e a metodologia dos prudentes, adiantando
ainda que os prudentes não tinham aprofundado a história do Direito Romano, escondendo essa
falha grave com a imposição da sua autoridade.

Os racionalistas do Direito Natural defendiam a existência de um direito natural eterno e


imutável assente na razão humana, a que chamava “recta ratio”.

Outras manifestações racionalistas foram encontradas no sec. XVIII, nomeadamente na


elaboração da Lei da Boa Razão, na Reforma dos Estatutos da Universidade de Coimbra e nos
movimentos da codificação.

Em suma, o racionalismo jurídico é uma corrente de pensamento profundamente nacionalista,


que pretende afastar o Direito Romano e substitui-lo pelo Direito Nacional.

114
História do Direito Português 115
Daniel Vieira Lourenço – Turma B

Humanitarismo Jurídico

Este movimento surgiu nos fins do sec XVIII e desenvolveu-se no sec. XIX, na sequência do
Iluminismo, caracterizando-se por defender uma atenuação das penas cruéis e das penas
infamantes.

Com efeito, em Portugal, no sec. XIX, o Direito Penal era o que estava contido no Livro V das
Ordenações do Reino, sendo certo que era um direito de aplicação desproporcional e, na prática,
retroactivo.

O Humanitarismo Jurídico defendia um Direito Penal que consagrasse o princípio da legalidade,


o princípio da humanidade e o princípio da proporcionalidade na aplicação das penas,
condenando as penas cruéis e infamantes dos Ordenamentos anteriores, bem como a pena de
morte.

115

Você também pode gostar