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HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANTIGA

OS PRÉ-SOCRÁTICOS

Como já mencionado, o gênio helênico dá origem à investigação filosófica. Nesse sentido,


surgem na região da Jônia alguns pensadores interessados em entender melhor a realidade
utilizando-se da razão. Não é necessário mencionar que esse interesse se espalha por tudo
aquilo que chamamos de Grécia Antiga. Quais são as características desses pensadores em
particular?
Ora, tais pensadores preocuparam-se em entender de que é feita a realidade última de tudo o
que existe. Visto de outro modo, esses filósofos estavam se perguntando de que é feito tudo o
que existe. E de uma terceira maneira, estavam buscando o elemento que dá origem a tudo o
que existe. Este elemento é chamado de arché (em grego antigo: ἀρχή). A melhor tradução
para a palavra arché, no entanto, é princípio. Esse princípio pode ser entendido como
elemento primordial, princípio primordial de todas as coisas.
Dito isso, a pergunta que nos vem imediatamente é a seguinte: onde esses filósofos
investigam a resposta para a pergunta acima? Como não iriam mais recorrer aos mitos,
embora esses não fossem completamente abandonados pelos gregos, os filósofos
pré-socráticos iriam buscar suas respostas no mundo ao seu redor, ou seja, no mundo material
ao seu entorno. Esse mundo material que os circundava era chamado pelos gregos de phýsis
(em grego Φύσις), que pode ser traduzido pela palavra natureza. Natureza aqui não é apenas
o verde das florestas, os rios, as matas, os campos e as flores. Natureza para os gregos é tudo
aquilo que pertence ao mundo físico (entendido em sentido contemporâneo como mundo
material; daí, por exemplo, temos a disciplina da Física ocupando-se do mundo material). A
phýsis é composta, portanto, por tudo aquilo que é material, a saber: meu corpo, minhas
roupas, uma folha de papel, etc.
Aliada à utilização da racionalidade, podemos concluir que o que caracteriza os filósofos
pré-socráticos é a busca pelo elemento primordial de todas as coisas, investigando a natureza,
o mundo físico, ao seu redor.
Cabe aqui uma rápida observação. Esses pensadores, também chamados de físicos ou
naturalistas (por investigarem a phýsis, como foi dito), desenvolveram uma metodologia, que
apesar de suas respostas já era um avanço significativo se comparamos às respostas dadas
pelas perspectivas míticas. Podemos dizer, inclusive, que os pré-socráticos faziam uma
cosmologia e os poetas míticos uma cosmogonia. Aqueles buscavam uma resposta racional
que se aplicasse ao que propunham quanto a origem das coisas, enquanto estes (os poetas
míticos) interessavam-se simplesmente pela origem por meio de uma narrativa (lembremos
que mito em grego é narrativa). O avanço acima mencionado é de cunho qualitativo,
obviamente. Nesse sentido, em termos qualitativos, sob certo aspecto, a metodologia utilizada
pelos atuais físicos é semelhante àquela utilizada pelos físicos antigos, isto é, a observação da
natureza de modo a perguntá-la de que é feita. Assim, olhando para a realidade em seu
entorno, os físicos atuais buscam suas respostas, método já utilizado pelos pré-socráticos.

OS JÔNIOS
Surge na região da Jônia, por ser, talvez, uma região fronteiriça em termos culturais com o
oriente próximo, alguns pensadores que tentaram responder à questão da origem de todas as
coisas, questionando-se sobre a causa última de tudo. Dentre esses filósofos podemos
destacar, inicialmente, Tales de Mileto, Anaximandro de Mileto e Anaxímenes de Mileto.
Infelizmente, para muitos casos, não podemos chegar com uma boa base de certeza na
maneira exata de como esses filósofos responderam acerca do elemento primordial de todas
as coisas. Para entendermos as respostas dadas por tais pensadores, podemos criar,
imaginativamente (como se fosse uma hipótese nossa), o caminho possível feito por eles e
tentarmos ver o mesmo objeto e chegar aos mesmos princípios.

TALES DE MILETO
Tales de Mileto (624/623 a.C. - 548/546 a.C.) vai iniciar, na história da filosofia, o interesse
pelo elemento primordial de todas as coisas. Ao olhar a realidade ao seu redor (a phýsis),
Tales percebeu que tudo ao seu redor se molda de algum modo. Percebeu também que, aonde
quer que ele fosse, haveria vida (nem que fosse a dele mesmo). A partir dessas duas
percepções, e utilizando a sua capacidade racional, chegou à conclusão de que o elemento
que compõe todas as coisas que existem é a água. Como ele chega a essa conclusão só com
as duas percepções citadas? A água é um elemento que possui a capacidade de se moldar,
assim como tudo o que é material ao seu redor. Além disso, com a segunda percepção, viu
que onde quer que encontre vida há água e onde não existe água não há vida. Assim, a água
seria uma excelente resposta para aquilo que criou todas as coisas, pois está em todas das
coisas – gerando, inclusive, a vida – e moldando-se para criar as diferentes coisas da
realidade. Notemos que sua resposta é, de fato e como dito, um salto qualitativo em relação
às respostas dadas pelos mitos anteriores a ele.

ANAXIMANDRO DE MILETO
Anaximandro de Mileto (610 a.C. - 546 a.C.), seguindo os passos de Tales, irá perceber que o
elemento primordial de todas as coisas não pode ser a água, pelo simples fato de ela ser ainda
algo muito denso (aqui usamos o conceito de densidade como algo muito evidente e
possuidor de uma característica macro, já composta de algo). Para ser o elemento primordial
de tudo, Anaximandro dirá que esse princípio tem que ser mais sutil do que a água. Para ele
esse elemento tem que ser tão sutil, mas tão sutil, que não conseguiríamos determiná-lo e,
portanto, Anaximandro chamá-lo-ia de indeterminado. Ilimitado e indefinido também
seriam outros nomes para esse indeterminado, que em grego é o ápeiron (ἄπειρον). A
pergunta que podemos nos fazer agora (para vermos que, de fato, houve um salto de
qualidade) é se a resposta de Anaximandro pode ser considerada atual. A resposta, sob certo
aspecto, é um sim. A razão para essa resposta positiva é bem simples. Cerca de duzentos anos
atrás, John Dalton “ressuscitava” a teoria atômica (que já era pré-socrática, como veremos).
Tal teoria, em linhas gerais, considerava o elemento primordial de que era feito tudo o que
existia como algo indivisível (o átomo). A questão é que com o desenvolvimento desta
ciência da natureza na modernidade, foi-se percebendo que o átomo, com os posteriores
modelos, por exemplo, de Rutherford e Bohr, possuía mais subdivisões. Nesse modelo, temos
o núcleo com os prótons e nêutrons e, ao redor destes, os elétrons, na eletrosfera. Ou seja, o
elemento já está mais sutil (seriam os prótons, nêutrons e elétrons). Se observarmos o
desenvolvimento da ciência durante o século XX até os dias atuais e perguntarmos a um
cientista qual o elemento primordial de tudo, provavelmente ele dirá que “parece ser algo que
não conseguimos determinar”, visto que os prótons, elétrons e nêutrons podem se subdividir
em “elementos” ainda menores como os quarks, léptons, mésons, bósons, múons e por aí vai.
Se não conseguimos determinar, o elemento é indeterminado, donde se conclui, como dito,
que, sob certo aspecto, a resposta de Anaximandro é atual.

ANAXÍMENES DE MILETO
O último jônio mencionado aqui é Anaxímenes de Mileto (588 a.C. - 524 a.C.). O que ele
fará (utilizando nosso método de reconstituição imaginativa) é unir o que Tales propôs ao que
Anaximandro disse. Anaxímenes seria uma espécie de interseção entre Tales e Anaximandro.
Como se dá isso? Raciocinemos. Tales disse que o elemento primordial é a água, que é algo
determinado. O importante aqui é o fato da água ser determinada. Por outro lado,
Anaximandro propôs que o elemento fosse algo mais sutil do que a água. O mais importante
dessa vez é o fato de ser sutil. E aí nos questionamos: o que é mais sutil do que a água e, no
entanto, conseguimos determinar? A resposta de Anaxímenes foi o ar, em grego Pneuma
(πνεῦμα), que também pode ser traduzido por vento ou sopro. Assim, uma folha de papel
seria ar em sua forma mais condensada por exemplo. Ao nosso redor, o ar estaria em sua
forma mais pura e menos densa do que na folha de papel. O ar estaria em todas as coisas de
modo mais ou menos denso, dependendo do que se considera.

HERÁCLITO DE ÉFESO

Ainda na região da Jônia, mas em outra cidade, aparece a figura de Heráclito de Éfeso, que
colocará mais detalhes na resposta acerca do elemento primordial de todas as coisas.
Seguindo nosso método, através do qual reconstituímos imaginativamente o itinerário de tais
pensadores, poderemos entender como nosso pensador de Éfeso chega às suas conclusões.

Primeiramente, imaginemos uma barra de ferro a nossa frente. Podemos nos perguntar se esta
barra ficará intacta, a mesma, imutável, no decorrer de, por exemplo, 30 anos. Qualquer um
que tenha bom senso e razoabilidade de vida responderá que não, pois ela irá no mínimo
enferrujar. É claro que nos dias atuais sabemos que, por meio de um processo de oxirredução,
o elemento químico ferro cede elétrons ao oxigênio do ar e, portanto, se oxida. Como
Heráclito não conhecia a moderna teoria atômica, mas tinha sua razão e a natureza ao seu
redor, não se intimidou e tentou responder o porquê do ferro mudar.

Outra experiência que nos ajudaria a entender o pensamento de Heráclito é imaginarmos uma
maçã cortada ao meio. A mesma pergunta acima pode ser feita. Será que ela ficará intacta,
imutável, no decorrer de 30 anos? Não é necessário, neste caso, esperar 30 anos. Este número
em minutos basta (30 minutos) para percebermos que a maçã já possuirá um escurecimento
encaminhando-se para sua degradação.

Com essa segunda experiência, podemos perceber que umas coisas mudam mais rapidamente
(ferro) e outras mais lentamente (maçã). Apesar de existir diferença na velocidade das
mudanças, não podemos negar algo que é evidente: HÁ A MUDANÇA. Heráclito,
percebendo a mudança em todas as coisas ao seu redor, enunciará sua famosa proposição
“Tudo flui” (em grego πάντα ῥεῖ), que também pode ser traduzida por “Tudo muda”, “Tudo
passa”, ou seja, tudo o que existe segue a regra da mudança, do devir, do vir a ser, do
tornar-se.

Como Heráclito era conhecido como “O Obscuro”, por ter sentenças nas quais só ele seria o
critério de interpretação, há uma destas que explicita melhor o sentido do movimento nas
coisas da realidade: “um homem não entra duas vezes no mesmo rio”. Aqui, entendemos que
se o homem entrar no rio, certas águas passarão por ele. Se ele sair e entrar novamente, outras
águas o banharão. Se são outras águas, é outro rio. Isso significa que o homem não pode
entrar no mesmo rio. Apesar de percebermos que o rio mudou de modo mais fácil, Heráclito
que nos fazer entender que o homem também mudou e não apenas o rio. Para verificarmos
isso podemos olhar para a nossa existência individual. Será que somos exatamente o mesmo
de cinco anos atrás? Será que somos os mesmos de um ano atrás? Será que somos os mesmos
de um dia atrás? De uma hora? De um minuto? De um segundo? A resposta é um não, não
somos. Isso está, inclusive, de acordo com a moderna biologia.

Imagine que quando comemos um pãozinho francês, que é rico em carboidrato, estamos
absorvendo os açúcares (glicose, por exemplo) que ali estão. Essa glicose não penetra em
nossas células por um “esforço próprio”. Elas precisam da insulina produzida pelo pâncreas
para adentrarem no citoplasma. Já dentro da célula, a glicose será metabolizada pela
mitocôndria de modo a produzir ATP (Trifosfato de Adenosina). Ou seja, aquilo que era um
pãozinho, agora somos nós em forma de energia. Como esse processo ocorre sem cessar,
podemos dizer juntamente a Heráclito que o homem também muda. Assim, realmente, o
homem não pode se banhar duas vezes no mesmo rio.

Percebendo, então, que tudo muda, o filósofo de Éfeso ainda tentará responder qual o
elemento primordial de todas as coisas. Para tanto, ele partirá desta observação de que tudo se
move. Ora, ao perguntar o porquê do movimento, Heráclito entenderá que é a constituição
última de todas as coisas que é aquilo que provoca o devir em tudo. Para tanto, chega à
conclusão que é o fogo o elemento que provoca a mudança nas coisas. Na verdade, podemos
dizer que é pelo fato de as coisas serem feitas de fogo que elas mudam. Este fogo constitutivo
de todas as realidades é que provocaria o fluir incessante em tudo o que existe.

Para Heráclito, no entanto, esse fogo não “queima” as coisas de modo aleatório e
descontrolado. Esse fogo é um logos (em grego, λόγος). Como sabemos que logos é razão,
sentido, podemos entender que o movimento, a mudança, nas coisas segue um rumo, um
sentido, uma lógica. Verificamos isso na realidade em nosso entorno. Se soltarmos uma
caneta de certa altura, sabemos de antemão que ela não ficará flutuando, pois irá cair. Isso
significa que a realidade funciona segundo um logos, um sentido, uma lógica. A realidade
não funciona de maneira aleatória descoordenada. Se assim o fosse, não poderíamos sequer
tentar conhecer as coisas, pois o que conheceríamos agora não teria validade no instante
seguinte, o que tornaria, como mencionado, o conhecimento do mundo algo impossível.
Ainda nesse sentido, podemos verificar que o que Heráclito nos propôs possui validade no
mundo da física relativamente atual. Quando um físico nos diz que a altura do corpo
dependerá do tempo que ele leva entre ser largado e o ponto de chegada segundo a seguinte
equação (onde h= altura; g= aceleração da gravidade; t= tempo), está admitindo que existe
uma racionalidade na realidade que permite ser compreendida, já que essa equação indica que
o movimento de queda do corpo não é algo aleatório, mas segue uma lei lógica.

Como conclusão, podemos dizer que Heráclito viu de modo bem evidente que as coisas da
realidade mudam segundo uma racionalidade e esta racionalidade é um fogo que provoca o
devir em tudo o que existe.

OS ELEATAS

PARMÊNIDES DE ELEIA

Diferentemente de Heráclito, que percebeu que há movimento em todas as coisas,


Parmênides, em uma cidade distante de Éfeso, proporá a ausência de movimento na
realidade. Como ele chega a essa conclusão é o que iremos ver agora.

Chegaram até nós alguns fragmentos de um poema atribuído a Parmênides com o título
“Sobre a Natureza”. Neste poema, ele apresenta a distinção entre ser e não ser. Ali ele afirma
que “O ser é e o não ser não é”.

Vamos, vou dizer-te – e tu escutas e fixa o relato que ouviste –


quais os únicos caminhos de investigação que há para pensar:
um que é, que não é para não ser;
é caminho de confiança (pois acompanha a verdade);
(5) o outro que não é, que tem de não ser,
esse te indico ser caminho em tudo ignoto,
pois não poderás conhecer o que não é, não é consumável,
nem mostrá-lo [...]
[1]
... pois o mesmo é pensar e ser .
Em sua filosofia podemos extrair algumas noções acerca do ser. O ser é aquilo que existe.
Ora, o que existe só pode sê-lo na medida em que possui uma organização lógica, ou seja, o
ser é lógico. Como sabemos que o logos é aquilo que possui racionalidade, sentido e pode ser
verbalizado, entendemos o que ele quer dizer com “o mesmo é pensar e ser”. O não ser, por
outro lado, não existe, é o nada, é o contraditório. Segue exemplo do que foi dito.

Quando afirmamos que “O quadro é branco”, entendemos que esta afirmação está no nível do
possível e, portanto, é. Quando afirmamos que “Este objeto é um círculo”, também
entendemos que esta afirmação está no nível do que é, já que é possível. Podemos até dizer
que “O quadro é negro de uma brancura”. Porém, esta afirmação não está nem no nível da
possibilidade, pois esta afirmação é contraditória, visto que ou o quadro é branco ou ele é
negro, negro de uma brancura não é algo. Isso significa que negro de uma brancura está no
âmbito do não ser, é nada. Outro exemplo está relacionado à afirmação “este objeto é um
círculo-quadrado”. Podemos até dizer isso, mas não representa nada, é contraditório na
medida em que nem pode ser pensado. Está aí o sentido da afirmação “pensar é ser”. Além
dessas afirmações, Parmênides chega a outras conclusões.

A primeira delas é a segundo a qual o ser é eterno. Partindo do pressuposto de que o eterno
possui a propriedade de não ter tido início (vem desde sempre, sempre foi), é neste momento,
e sempre será (vai para sempre), podemos nos perguntar: a) o que é hoje, veio ontem do
nada? A resposta é um retumbante não. b) o que foi ontem veio anteontem do nada? Também
não. A razão é simples para esses “nãos”. Podemos nos perguntar se o que não é pode dar
origem ao que é. Isso é uma impossibilidade lógica. Como que não é é nada, o nada não pode
originar o que existe. Podemos pensar em uma criança que não tem um filho. Pergunta-se:
este filho que não é pode, neste momento, dar origem a seu próprio filho. Sabemos que não
pode. Conclusão parcial: o não ser não origina o ser. Logo, o ser sempre foi. Que o ser é neste
momento é evidência. Cabe-nos perguntar: tudo o que é hoje irá amanhã para o nada?
Sabemos que não. Depois de amanhã o ser continuará e assim sucessivamente. O ser vai para
sempre. Se o ser sempre foi, é e sempre será, concluímos que ele possui a propriedade da
eternidade.

Outra conclusão a que se pode chegar, e aqui está a grande diferença entre Parmênides e
Heráclito, é a de que o movimento não existe. Como podemos compreender essa afirmação?
Se considerarmos, num primeiro momento, movimento como a passagem do ser para o não
ser e vice-versa, perguntamo-nos: se o ser sempre foi, é e sempre será, não houve em nenhum
momento a passagem do não ser ao ser nem o contrário, o que nos permite concluir que, não
havendo tais passagens, o movimento inexistiria.

COMPARAÇÕES ENTRE HERÁCLITO E PARMÊNIDES

Algumas comparações podem ser feitas entre as proposições dos dois filósofos. No fundo, o
que podemos fazer é penetrar no universo filosófico de um para criticar o outro.

Imaginemos que somos discípulos de Parmênides ávidos por criticar Heráclito. Poderíamos
arguí-lo que se “Tudo muda” até essa frase estaria sujeita ao movimento e mudaria. Uma das
possibilidades de mudança seria “Tudo não muda”. Ora, mudamos de “Tudo muda” para
“Tudo não muda”. Porém, dizer que “Tudo não muda” é o mesmo que dizer “Nada muda”.
Assim, se “Nada muda”, o movimento não existiria e Heráclito estaria, de fato, errado.

Outra observação, ainda nesse sentido, que podemos fazer é a relacionada à impossibilidade
do movimento caso tudo se movesse. Não seríamos capazes sequer de perceber o movimento
se tudo mudasse o tempo todo, como propõe Heráclito. Isso se explica quando entendemos
que se uma pessoa, por exemplo, sai de um lugar e vai para outro, o que garante que se pode
perceber o movimento é a permanência do que é a pessoa, pois se o que sai de um ponto é
uma pessoa e o que chega ao outro é outra pessoa, como podemos dizer que a pessoa inicial
mudou de lugar? A partir disso, percebemos que nem tudo pode mudar. Em meio à mudança,
algo tem que permanecer.

Realizando a tarefa contrária, imaginemos que somos discípulos de Heráclito e critiquemos


Parmênides. Podemos, num primeiro momento, analisar o fato de que o movimento não
existe implicar em que “Nada muda”. Porém, se o nada é o não ser, podemos dizer que “Não
ser muda”. Ora, dizer que o “Não ser muda” é afirmar que há a passagem do “Não ser para o
ser”, o que é afirmar a existência do movimento.

Outro modo de se perceber isso é observando que Parmênides nem sempre soube que das
coisas que afirmou. Se ele passou do não saber para o saber, deve ter que admitir que algo
mudou (neste caso, seu conhecimento da realidade) e que o movimento, portanto, existe.

ZENÃO DE ELEIA

Famoso por seus paradoxos, Zenão, por ser um eleata, irá tentar demonstrar que no
movimento deveria acontecer algo, mas acontece o oposto, sendo, portanto, um paradoxo.
Enunciaremos aqui apenas o paradoxo de Aquiles e a Tartaruga.
Há vários modos de exposição deste que é uma das mais famosas passagens da história da
filosofia. Primeiramente, entendamos do que se trata o paradoxo no geral. A questão é se
Aquiles, que é um herói extremamente veloz, em uma corrida com uma tartaruga, animal
extremamente lento, der uma pequena vantagem para a tartaruga, jamais irá chegar nesse
animal. Vejamos o porquê disso. Para que Aquiles chegue até a posição da tartaruga, deverá
antes percorrer, por exemplo, a metade da distância que o separa do pequeno animal. Porém,
antes de percorrer esta distância, deverá, por sua vez, percorrer metade desta nova distância.
Antes desta, ainda, deverá percorrer metade desta nova distância. Segundo o raciocínio
proposto por Zenão, isso seguiria infinitamente. Conclui-se que Aquiles sempre terá que
percorrer metade da distância que o separa da tartaruga. Ora, percorrer sempre metade da
distância é nunca percorrer a distância inteira, donde se conclui que ele nunca chegará ao
lerdo animal. Em Zenão isso significará que há um paradoxo entre aquilo que vemos e aquilo
que deveríamos ver. Podemos até mesmo especular dizendo que é aqui que se inicia, de modo
embrionário, a diferença entre ser e dever ser.

OUTROS PRÉ-SOCRÁTICOS

PITÁGORAS DE SAMOS

Para este filósofo o elemento primordial de todas as coisas é o número. Em uma entrevista,
Mário Ferreira dos Santos afirma:

Naturalmente, se alguém considera que o número é apenas o da


matemática vulgar, o da extensão, da quantidade, ou o esquema da
participação quantitativa, é lógico que a definição pitagórica de que
as coisas são números passa a ter um sentido demasiadamente
brutal e inaceitável. Mas no momento que se compreender que
número não é apenas isso, mas todo o esquema de participação de
qualquer espécie de unidade, porque é a manifestação da unidade
sob todos os seus aspectos e, portanto, sob todas as formas
manifestativas em que se exija o numeroso e, portanto, participado,
participante e logos da participação e que, segundo o logos,
existem tantos números quantos logos de participação, já muda
completamente o sentido e então poder-se-á compreender que,
segundo todos os possíveis aspectos em que se possa tomar a
unidade, podemos construir matemáticas. A ciência moderna,
graças à penetração da Matemática, de início na parte quantitativa e
depois no qualitativo -- como se viu nas graduações -- e nos
relacionais -- como se vê nos funtores -- caminha hoje,
inevitavelmente, para uma penetração cada vez maior no caminho
[2]
que já fora percorrido pelos antigos pitagóricos .
LEUCIPO DE ABDERA E DEMÓCRITO DE ABDERA

Afirmaram ser o átomo (aquilo que não se divide) o elemento primordial de todas as coisas.
Estes filósofos afirmam a existência do vazio. Onde não houvesse vazio encontrar-se-ia uma
partícula que não se dividiria, inteira e sem vazio internamente, à qual chamaram átomo.
Estes átomos seriam invisíveis por conta de serem muito pequenos. Um fragmento da
antiguidade nos diz: “Átomos (i. e., não-cortáveis), maciços (i. e., unidades), grande vazio,
seção, ritmo (i. e., forma), contato, direção, entrelaçamento, turbilhão (termos encontrados
num papiro restaurado, em que Demócrito é acusado de plagiar A Grande Ordem do Mundo
[3]
de Leucipo).”

EMPÉDOCLES DE AGRIGENTO

Para tal filósofo são quatro os elementos que originam todas as coisas, a saber: terra, fogo, ar
e água. Todas as coisas seriam a partir do fato de tais elementos estarem agregados ou
desagregados. Para ele, a força que permite o agregar dos elementos é o amor. A força que os
desagrega é o ódio. Faz-se aqui a observação de que apesar dos elementos serem
participantes da natureza (a physis, para os gregos), estes dois últimos princípios não o são,
ou seja, aqui já teríamos também um esboço de algo em nível metafísico.

[1]
Parmênides. Da Natureza. Tradução do Professor Dr. José Gabriel Trindade Santos. Modificada pelo tradutor. Primeira

edição, Loyola, São Paulo, Brasil, 2002. Original em grego, conforme o texto estabelecido por J. Burnet. Disponível em
<http://charlezine.com.br/wp-content/uploads/Da-Natureza-Parme%CC%82nides.pdf>. Acesso em 26 de março de 2019.
[2]
Disponível em <http://www.tirodeletra.com.br/ensaios/MarioF.Santos-Entrevista.htm>. Acesso em 02 de
abril de 2019.
[3]
OS PRÉ-SOCRÁTICOS. Coleção Os Pensadores. Trad. José Cavalcante de Souza et ali. São
Paulo: Abril Cultural , 1973. p. 269.

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