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The struggle for housing in Teresina in the 1980s: formation of the Tancredo
and Risoleta Neves villages
DOI:10.34117/bjdv6n7-377
RESUMO
O presente artigo propõe discutir sobre a luta por moradia do movimento sem-teto em Teresina e sua
relação com o Estado e a formação das Vilas Tancredo e Risoleta Neves. A construção do trabalho
se deu a partir de pesquisa bibliográfica e, principalmente, através de entrevistas realizadas com as
principais lideranças do movimento sem-teto, que participaram da ocupação das Vilas Tancredo e
Risoleta Neves. Este artigo tem como referências teóricas os postulados de E. P. Thompson e o
conceito de experiência, além de vários outros livros que discutem o movimento sem-teto em
Teresina.
ABSTRACT
This article proposes to discuss the struggle for housing of the homeless movement in Teresina and
its relationship with the State and the formation of Tancredo and Risoleta Neves Villages. The
construction of the work was based on bibliographic research and, mainly, through interviews with
the main leaders of the homeless movement, who participated in the occupation of the Tancredo and
Risoleta Neves villages. This article has as theoretical references the postulates of E. P. Thompson
and the concept of experience, in addition to several other books that discuss the homeless movement
in Teresina.
1 INTRODUÇÃO
O movimento sem-teto na cidade de Teresina - PI, principalmente na década de 1980, foi e
continua sendo objeto de estudo de vários pesquisadores, contudo há ainda muito o quê ser explorado.
Foi nesse período, final da ditadura militar1, que segundo Sader (1988) “os novos personagens passam
a entrar em cena”. No caso teresinense (PI), segundo Viana (1999) é a época em que “os sem-teto
teresinense passam a tecer a cidade”. Este artigo tem relevância, pois, contribui para o debate sobre
movimentos sociais na cidade de Teresina, e tem a importante função de dar voz àqueles que por
muito tempo estiveram à margem da história da cidade.
Os anos 1980 do século passado representam nas memórias de parte da classe trabalhadora,
anos de lutas e efervescência política. Em Teresina, esse período foi marcado pela luta por moradia
e por enfrentamentos com o Estado, especificamente, na figura da polícia militar. Foi na experiência2
vivida por esses indivíduos sem-teto e na sua luta por moradia que homens e mulheres redefiniram
seu lugar na sociedade. Thompson afirma que “A classe constitui-seno seu fazer-se, num movimento
ativo que articula ação humana e condicionamentos sociais” (THOMPSON apud: MARTINS, 2006,
p.119). Logo, foi na experiência coletiva do movimento, no ato de ocupar, na resistência e
solidariedade dos ocupantes na época de acampamento, nas orações diárias, entre outras praticas
políticas e culturais, que se formou a consciência dos sem-teto em Teresina.
A experiência se apresenta de forma diversa na vida dos trabalhadores e transforma o
“mundo” à sua volta, e, a partir de então, os indivíduos passam a entender a realidade de outra
maneira. A experiência para Thompson pode muitas vezes possibilitar mudanças na consciência,
irrompendo inclusive uma consciência de classe e modo de vida, que o grupo social (trabalhadores)
deseja manter, ao mesmo tempo possibilita rupturas sociais com a ordem vigente (AGUIAR, 2018).
É a partir dessa perspectiva thompsiana (1987, 2012), que procuramos com esse artigo,
analisar o movimento sem-teto em Teresina na década de 1980. Desse modo, é adotando como
referencias as experiências e memórias daqueles indivíduos que construíram as vilas Tancredo Neves
e Risoleta Neves, que tentamos entender como se formavam as vilas e favelas, na cidade de Teresina.
Também nos propomos conhecer os sujeitos participantes desse processo, como se formavam as redes
1
Período que durou 21 anos (1964-1985), tendo início com a deposição do até então presidente João Goulart, e sendo
finalizada com a sida do ultimo presidente militar João Figueiredo, esse período também conhecidos com anos de chumbo,
marcado pelo autoritarismo e violência contra os grupos de oposição e movimentos sociais.
2
A experiência para E. P. Thompson está ligada aos fenômenos sociais ou não que fazem parte do processo de formação
de homens e mulheres, que a partir das relações sociais podem se transformar em agentes de mudança da realidade que
estão inseridos.
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de solidariedade, os mecanismos de resistência e as dificuldades enfrentadas por aqueles que lutavam
por um lugar para morar.
É importante ressaltar, que o surgimento de vilas e favelas dentro do sistema capitalista, se
constitui como elemento intrínseco do mesmo. As leis de utilização social da terra, dentro das cidades,
obedecem a uma regra pautada no processo de acumulação de propriedades urbanas, por uma minoria,
em detrimento ao direito à moradia de uma significativa parcela da população (VIANA, 1999). As
ocupações de terras urbanas realizadas pelos sem-teto na década de 1980, mesmo que quase de forma
espontânea, transformaram o espaço urbano da cidade, possibilitando a construção de memórias
coletivas3, na perspectiva de Halbwachs (2003), referenciadas no movimento de luta por moradia.
2 METODOLOGIA
O materialismo-histórico-dialético, enquanto método de pesquisa pensado por Marx e Engels,
fundamenta as bases metodológicas dessa proposta de trabalho. Este método nos possibilitará
compreender não só a sociedade, como também as categorias e conceitos a serem aqui apresentados,
a partir da compreensão que nada foge aos movimentos do processo histórico; pautados na
materialidade das vivências humanas, construindo dialeticamente as constantes transformações na
sociedade. Esse pensamento converge com o que pensava Thompson, sobre o fazer-se dialeticamente
dentro de contextos históricos a partir das experiências materiais no seio de uma classe ou grupo
social (THOMPSON, 1987).
Uma das estratégias utilizadas para o desenvolvimento dessa pesquisa deu-se a partir da
pesquisa bibliográfica (estudo e fichamento de obras pertinentes ao tema pesquisado). A Pesquisa
bibliográfica apreendida como um importante procedimento metodológico para definir objetos de
estudos e subsidiando a análise dos dados obtidos, constituindo-se numa ferramenta importante na
construção do conhecimento científico (LIMA e MIOTO, 2007).
Realizamos, ainda, pesquisa documental junto aos acervos das Secretarias de Planejamento e
Habitação do município de Teresina e na Superintendência de Desenvolvimento Urbano da zona
Norte, o que nos possibilitou analisar censos, projetos e planos diretores. Além disso, também tivemos
acesso a documentos fornecidos pela Federação das associações de Moradores e Conselhos
Comunitários do Piauí (FAMCC).
3
O conceito de memória coletiva apresentado por Maurice Halbwachs (2003) nos possibilita entender que as memórias
são construídas coletivamente mesmo o ato de lembrar sendo individual, as lembranças estariam inseridas em quadros de
referências que se constroem nos grupos, e muitas vezes são lembradas a partir dos outros membros do grupo (Aguiar,
2018).
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O arquivo público de Teresina nos proporcionou um levantamento de todas as edições do
principal jornal escrito da época, o Jornal O DIA4. Analisamos os arquivos no período de 1980-1989,
entendendo como as ideias e informações eram construídas pelos meios de comunicações
hegemônicos. Isto nos possibilitou compreender o papel do poder público municipal diante a
problemática da moradia em Teresina.
Por último, realizamos entrevistas semiestruturadas com 08 integrantes do movimento sem-
teto, que participaram do processo de ocupação urbana das vilas Tancredo e Risoleta Neves. Por meio
dessas entrevistas pudemos, por meio da história oral, produzir testemunhos históricos que
contribuem para a construção de uma memória e consciência, tanto individuais como coletiva.
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Com a execução da pesquisa observamos que a problemática da moradia faz parte da realidade
teresinense, praticamente desde sua fundação. Entretanto, é com os grandes fluxos migratórios a partir
da segunda metade do século XX que essa questão vai tornando-se mais visível. O movimento sem-
teto a partir da década de 1970, e principalmente1980, torna-se um grande símbolo de luta na cidade,
e passa a fazer parte do processo desconstrução e reconfiguração do espaço urbano teresinense
(LIMA, 1996).
Nesse sentido, a cidade de Teresina não se mostra diferente de outras tantas capitais, do Brasil
e do mundo, que, sem um plano diretor e planejamento eficaz de desenvolvimento urbano, não
conseguiu organizar de forma democrática o acesso às terras urbanas. Como aponta Façanha (1998),
Teresina só teve seu primeiro Plano Diretor Local Integrado (PDLI) no final da década de 1960, e
que embora apresente números interessantes sobre a ocupação do espaço urbano da cidade, pouco
discute o acesso democrático às terras urbanas (FAÇANHA, 1998).
Contudo, analisando historicamente o processo de crescimento urbano desordenado,
observamos que, em sua maior parte, esse crescimento desordenado ocasionou o acirramento das
lutas entre os setores que lutavam e ainda lutam pelo acesso à cidade; as camadas de trabalhadores
imigrantes passaram a ocupar as regiões mais inóspitas da cidade, como regiões ribeirinhas e
alagadiças, ou seja, a favelização em Teresina se tornava uma realidade marcante nas décadas de
1970 e 1980 em na cidade que outrora tinha o titulo de primeira cidade planejada do país.
4
Um dos mais importantes jornais escrito do estado de Teresina na época, fundado em 1951 e existente até os dias atuais,
ligado um importante empresário da cidade.
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sobretudo, a inexistência de uma rede de drenagem, saneamento e infra-estrutura [...]
(SILVA, 1989, p. 52).
Contudo, mesmo com os problemas apresentados acima, o poder publico mantinha uma
política de reprodução capitalista do espaço urbano, fazendo da lei de função social da terra, uma
mera formalidade. Além disso, segundo Gonçalves; Silva (2020) essa atuação dos governos tendem
a excluir os grupos menos abastados do direito a cidade, ao mesmo tempo em que garante aos grupos
imobiliários lucros com a especulação imobiliária.
Diante de tal realidade, o Estado apresenta-se como mantenedor do status quo, assumindo
uma postura antidemocrática com relação aos movimentos sociais que lutavam por moradia na
cidade. Nesse sentido, o Estado se aproxima ao que afirma Karl Marx como sendo um instrumento
de dominação de classes, que dentro da sociedade capitalista obedece aqueles que detêm o capital
(MARX apud: CARNOY, 2003).
Segundo os documentos e bibliografias que pesquisamos, o Estado apresentava como única
alternativa para as ocupações urbanas, o despejo das famílias. No caso dos moradores que ocupavam
a região que posteriormente recebeu o nome de Vilas Tancredo e Risoleta Neves, o medo do despejo
era algo que passou a fazer parte de seu dia a dia. As tentativas de expulsão dos sem-teto da terra
ocupada aconteceram durante meses, e em sua maioria com utilização de violência.
De acordo com as entrevistas colhidas, as ações do poder publico para desocupação da área,
eram realizadas pela policia militar e como afirmamos entrevistados que vivenciaram aquele período,
eram ações carregadas de força e violência excessiva. Como afirma Dona Cecília de Sousa:
A polícia chegou aqui, no momento do almoço que nós tava almoçando largaram os pés nas
comidas, teve o soldado Viturino que na época se irritou e puxou o facão pra própria polícia,
foi até, assim uma coisa engraçada, ehhh, um rapaz que hoje é falecido,seu Valdir, ele
também foi preso na época, que foi né, de encontro com a polícia e a Dona Zenaide, esposa
dele, desmaiou e, foi uma zorra total (SOUSA, ENTREVISTA, 2008).
Notamos com o relato acima como a polícia, enquanto aparelho repressivo do Estado atuava
diante das pessoas que formavam o movimento dos sem-teto na cidade. Com o levantamento feito
pela analise de varias edições do Jornal O DIA, observamos que o mesmo se reportava aos sem-teto
de forma negativa, essas ideias construíam um discurso que legitimava a ação do Estado diante o
movimento.
Esse discurso estava a serviço da classe dominante, e possibilitava a construção de uma
memória coletiva da cidade, que excluía o movimento sem-teto do processo de reconfiguração do
espaço urbano teresinense. Contudo, mesmo diante das adversidades, a luta do movimento sem-teto
A forte tendência à clandestinidade das sociedades de auxilio mútuo e a sua opacidade diante
do escrutínio das classes superiores são uma prova autêntica do desenvolvimento de uma
cultura e de instituições independentes da classe operaria (THOMPSON, 2012, p. 395).
4 CONCLUSÕES
Logo, é a partir da análise de como se constituiu as vilas Tancredo e Risoleta Neves, que
compreendemos parte do processo da luta por moradia em Teresina na década de1980. E é através
dessas experiências descortinadas das mais diversas formas que conhecemos as batalhas travadas
pelos sem-teto na busca do sonho da casa própria, da mesma forma que observamos as estratégias de
organização social e cultural desenvolvidas na luta e na organização da classe trabalhadora.
Deste modo, recorremos ao seu Domingos Rosa (entrevistado, 2008), quando o mesmo diz:
“Rapaz, a moradia hoje é muito difícil, uma pessoa que tenha seu terreno ou sua casinha providencie
de ficar”. Isso mostra como a questão habitacional permanece presente e assustando aqueles que
conquistaram a “duras penas” um lugar na cidade.
Dessa maneira, por meio das memórias coletivas construídas pelo movimento dos sem-teto,
essa pesquisa nos possibilitou entender como o Estado se apresentava como mediador da luta de
classes no interior da cidade de Teresina, e como o mesmo faz uso dos seus aparelhos ideológico e
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repressivo, diante dos movimentos sociais que atuam na cidade. Mostrando, assim, que o Estado não
representa igualmente o interesse de todos, mas predominantemente, os interesses daqueles que
detém o capital.
Além disso, nos mostra que, a construção do movimento dos sem-teto, e em especial da luta
daqueles que formaram as vilas Tancredo e Risoleta Neves, conhecidos pelo enfrentamento e
resistência frente a um Estado opressor, representou um marco na consolidação dos movimentos de
ocupações de terras urbanas em Teresina.
REFERÊNCIAS
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MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Martin Claret, 2010.
______. A formação da classe operária: A maldição de Adão. Tradução Renato Busatto Neto e
Claudia Rocha de Almeida. 2° ed. São Paulo: Paz e Terra, 2012.
VIANA, Masilene Rocha. E os sem-teto também tecem a cidade: as ocupações urbanas de Teresina
(1985-1990). 1999. Dissertação Mestrado. PUC, São Paulo – SP.