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Alfabetização como processo

discursivo
Autor: Ana Luiza Bustamante Smolka,

Instituição: Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP /


Faculdade de Educação,

O modo de conceber a alfabetização como processo discursivo surgiu em


meados da década de 1980, a partir de interlocuções com autores no
campo da Psicologia, da Educação e dos Estudos da Linguagem, e de um
concomitante trabalho de atuação e investigação com crianças pré-
escolares e nos primeiros anos de escolarização.

Um argumento central nessa perspectiva é o da natureza social, ou da


sociogênese do desenvolvimento humano. Isto significa que os modos de
agir, pensar, falar, sentir das crianças vão se constituindo e adquirindo
sentido nas relações sociais. Destaca-se, assim, a fundamental
importância da mediação e da participação de outros na construção do
conhecimento pela criança, bem como a concepção de linguagem como
produção histórica e cultural, constitutiva dos sujeitos, da subjetividade e
do conhecimento. Ou seja, a forma verbal de linguagem como modo de
interação – como produção e produto humanos – afeta, constitui e
transforma o desenvolvimento e o funcionamento mental dos sujeitos.

Ancorada prioritariamente nas contribuições de Vigotski e Bakhtin, essa


perspectiva considera a atividade mental da criança não apenas em seu
aspecto cognitivo, mas em seu aspecto discursivo. Ou seja, a linguagem,
a palavra – oral ou escrita – é, ou pode ser, ao mesmo tempo, meio/modo
de interação, meio/modo de (inter e intra)regulação das ações, e objeto
de conhecimento. A ênfase na relação social e na prática dialógica
caracteriza a dimensão discursiva.

Esse modo de conceber o desenvolvimento humano e a linguagem traz


implicações importantes para o trabalho docente e as relações de ensino,
uma vez que os modos de ensinar dos professores e os modos de
aprender das crianças são vistos como intrinsecamente relacionados, e
encontram-se entretecidos às práticas historicamente construídas – que
se transformam continuamente.

Imersa, portanto, em um mundo letrado, permeado pela escrita, e


participando de diversas formas dessa prática social, a criança opera com
e sobre a linguagem e aprende (sobre) a escrita – suas características,
peculiaridades, funções e formas de funcionamento – em diálogo com
outros e consigo mesma.

Como interlocutor privilegiado na relação de ensino no espaço escolar, o


professor organiza o trabalho pedagógico de maneira a ampliar o universo
das crianças e disponibilizar as mais diversas formas, fontes e suportes
de escrita. Usando os mais variados instrumentos e recursos, criando
condições de vivenciar os muitos sentidos e possibilidades da forma
escrita de linguagem, do registro do cotidiano ao texto literário, do bilhete
ao livro, do lápis ao computador, o professor lê e escreve, aponta, informa,
pergunta, relaciona, nomeia, explicita, convida e convoca as crianças a
participarem, na e pela linguagem, da produção (de conhecimento sobre
a) escrita.

Aprender a ler e a escrever se orienta e se redimensiona, então, pela


seguinte pergunta: para quem se escreve o que se escreve, como e por
quê? Do jogo simbólico e do desenho à incorporação dos papéis de leitor
e escritor; da leitura e escrita imitativas à elaboração da escrita de acordo
com as normas da convenção, a alfabetização das crianças se constitui
em um laborioso trabalho simbólico, dialógico, que se realiza em
condições concretas de enunciação.

Verbetes associados: Discurso, Efeitos de sentido, Enunciação /


enunciado, Interação, Interação verbal, Sentido, significado e significação

Referências bibliográficas:
Bakhtin, M. (Volochinov). Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo:
Hucitec, 1981.
Goulart, C. M. A.; Wilson, V. (orgs.). Aprender a escrita, aprender com a
escrita. São Paulo: Summus, 2013.
Smolka, A.L.B. A criança na fase inicial da escrita: alfabetização como
processo discursivo. São Paulo: Cortez, 2013.
Vigotski, L.S. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1984.

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