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Considerações sobre a capacidade de um homem ensinar a outro homem no De Magistro

de Sto. Agostinho, e sobre a lei natural em Sto. Tomás de Aquino

Renato E. de Escobar1

17/06/2022

Questão 1-Segundo o De Magistro de Agostinho de Hipona, “Um homem não é capaz de


ensinar outro homem”.

Agostinho de Hipona era do tipo “escritor chato” (definição minha)... na prática é o mesmo que
dizer “escritor primoroso”. Significa que sua obra, de fato não é fácil de ser lida para o leitor de
hoje. Sorte nossa, alunos da UFFS, que temos o Prof. Thiago, para nos iluminar com seu facho
mais agudo que a ponta de uma agulha. Bom, além de filósofo, Agostinho escrevia em Latim, o
que parece complicar ainda mais. Mas é inevitável a constatação de que uma obra escrita no
século IV tenha ainda tamanha aplicação nos tempos atuais.

De fato Agostinho, em sua procura da verdade, escreveu milhões de palavras. Poder-se-ia


pensar que, com tamanha prolixidade, era inevitável que de tanta coisa, algo tinha que,
forçosamente se manter atualizado após milênios... Mas não é assim. Agostinho de Hipona
podia escrever muito, mas não prolixamente. (Até por que, se alguém se aventurar a seguir
nessa conceituação, certamente receberá merecidos xingamentos do Prof. Thiago...hehe).

Mas vamos à sua frase “Um homem não é capaz de ensinar outro homem”. O De Magistro foi
escrito no final do séc.IV, e tematiza o problema da linguagem no ensino, e aponta que isso
exige uma capacidade de produzir sentido e não apenas uma simples descrição de uma
explicação qualquer. O De Magistro utiliza-se da interlocução pai e filho (Adeodato), ao
examinar a fala como ação significante, como finalidade de linguagem, a força interior e não
apenas a palavra em sua dimensão interior.

Agostinho usa a dialética ao longo das perguntas e respostas sobre o falar, o ensinar ou o
aprender, e o De Magistro questiona se as pretensões da linguagem, os sinais linguísticos podem
ensinar algo sobre as coisas. Se com as palavras só se aprendem palavras, como seria possível
chegar à realidade das coisas? A solução de Agostinho ao problema proposto é aquela tecla que
o Prof. Thiago tanto bateu: a metafísica da interioridade, cujas características são:

as palavras são sinais exteriores do conhecimento que é dado sempre pelo Mestre interior,
identificado com Cristo.

O De Magistro coloca esse problema filosófico como questão central, referente à educação:
“Como é possível a educação?” ou : “é efetivamente possível a educação?” E, sendo assim, a
relação entre mestre e aluno, que consiste no ensinar por parte do mestre e no aprender por parte
do aluno tem fundamento? Ou, ao contrário, não passaria de pura e simples ilusão?

Segundo Agostinho, A linguagem é um instrumento prático através da qual estamos em grau de


ensinar e de dar informações, de chamar à memória fatos ou conceitos e recordá-los aos outros:
ela expressa a vontade de quem fala. O pensamento de Agostinho parece expressar diretamente

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Aluno do Curso de Filosofia da Universidade Federal da Frtonteira Sul – UFFS / Campus de Erechim,
na disciplina de Filosofia Medieval-I, ministrada pelo Prof. Dr. Thiago Soares.

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o problema da pedagogia, partindo de um equacionamento entre a educação e a própria
linguagem.

Mas a ideia de que toda instrução deva, necessariamente, ser linguagem, parece ser irrefutável,
visto que sem falar e sem exprimir-se, de um ou de outro modo, nenhum mestre consegue
passar um ensinamento. Nesse sentido, o equacionamento já mencionado volta-se, ou para a
linguagem, ou para a instrução, e a discussão verificada no De Magistro parece adotar o
conceito clássico da instrução, que se verifica até hoje, e que sempre teve enorme importância
na pedagogia ao longo dos séculos, pois, em última análise, é o conceito mais simples e, pode-
se dizer, “popular”. O mestre fala, o discípulo ouve e, pela linguagem, a ciência passa de um ao
outro. Isto parece simples e maravilhoso, mas a pergunta que fica é: “A transmissão do
pensamento é possível?” É tão simples assim como parece? E é aí que surgem, não só as
dificuldades, mas também o problema filosófico da educação, sob a ótica de Agostinho.

Esta é no meu entender a problemática proposta pela frase da questão. E é onde Agostinho
começa a enveredar pela senda da “iluminação”, proveniente de Deus e apenas de Deus, para
que o homem receba o conhecimento e aprenda. Portanto, quando um homem recebe um
ensinamento, na realidade ele está recebendo de Deus. (segundo Sto. Agostinho).

Ou seja, não é um homem que ensina um homem. É Deus que ilumina um homem, que é usado
como um instrumento para ensinar outro. (Mas acho que deve ter mais coisa, que o prof. deve
ter dado em aula).

Questão 2- o fundamento da lei natural segundo o texto de Suma Theologica-II, q.94 a 2,


de Tomás de Aquino

A lei natural é um dos conceitos mais trabalhados ao longo da história da filosofia, podendo ser
encontrados seus princípios desde o pensamento grego, romano, indo até o medieval com
autores como Agostinho, Tomás de Aquino, e chega-se ao mundo moderno e contemporâneo
com as mais diversas interpretações, que passeiam por cunhos ético, político e jurídico da teoria
do direito natural. A questão proposta pretende apresentar uma síntese desse conceito (lei
natural) à luz de Tomás de Aquino. Bom... Tomás de Aquino tem a alcunha de “Dr. Angélico”,
tamanha é a insistência de suas argumentações inspiradas à luz da revelação divina em seus
escritos. Na q.94 de sua Suma Teológica, o Dr. Angélico trata do conceito de lei natural, em sua
articulação com as demais questões que compõe o chamado Tratado da Lei (q.90 a q.108).
Nesse conjunto de questões, Tomás mostra, além da originalidade sempre presente em sua
filosofia, uma forte síntese de princípios encontrados em Aristóteles e Agostinho e
reinterpretados sob a luz da Revelação Cristã. Em resumo, na q.94 do Tratado da Lei temos a lei
natural constituída por meio da natureza humana (q.94).

A lei em sentido geral é definida por Tomás como uma regra, de acordo com a qual o homem
deve agir, e que tem como primeiro princípio “ fazer o bem e se afastar do mal: a lei visa
principalmente à ordenação ao bem comum, e é promulgada por aquele que cuida da
comunidade. No caso da lei natural, ela é promulgada, segundo Tomás, pelo próprio Deus no
intelecto humano, que não podendo conhecer a lei eterna em si, conhece seus princípios comuns
presentes na lei natural. Fora isso, a razão reconhece a força coercitiva dessa lei, que ordena a
natureza humana a seu fim último. Em síntese, para Tomás, a lei é uma regra para os atos

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humanos, em vista de um fim: a vida em comunidade e, em última instância, a comunhão com
Deus. Diante disso inevitavelmente surgem alguns questionamentos sobre o tema:

Em primeiro lugar, ao falar de uma lei natural, logo nos vem à mente um princípio que deveria
estar essencialmente na natureza humana, ou seja, algo que se produz no próprio homem, no
entanto o que temos em Tomás é um princípio que depende de Deus, o que leva a concluir que a
lei natural não carrega em si seus princípios. Porém, essa afirmação entra em contradição com a
definição comum do termo ‘ natural.

Em segundo lugar, a lei natural, tendo como seu princípio uma causa metafísica poderia ser
considerada uma lei moral válida para todos os homens?

A Suma Teológica é considerada a obra da maturidade de Tomás de Aquino e foi por esse
dividida em 3 partes: A primeira parte é dedicada ao estudo de Deus em Si mesmo, Uno e
Trino. A segunda parte, destina-se ao estudo da criação e do caminho das criaturas para seu Fim
, ou seja, Deus; enquanto que na terceira parte encontramos o Tratado de Deus como fim de
todas as coisas e os meios que dispõe as criaturas para alcançá-lo.

O Tratado da Lei se encontra na prima-secunda parte, dedicado ao movimento da criatura


racional para Deus. Ou seja, a lei é apresentada dentro de um contexto teológico, sendo
vistacomo norma diretora de vida, com a finalidade de conduzir os homens a bem-aventurança
final.

E como a lei é vista como diretiva dos atos humanos, o tratado da lei está enquadrado
justamente dentro dos atos humanos, tendo como função imprimir-lhe caráter moral.

Os atos humanos apresentam princípios ou causas, que tanto podem ser exteriores como
interiores. Os princípios interiores são o entendimento e a vontade. Os princípios exteriores são
a lei e a graça.

Os princípio interiores de nossos atos, ou seja a inteligência e a vontade, são movidos


externamente por Deus, que pela lei instrui o entendimento, e pela graça, movimenta a vontade.
E como em sua obra mestra tudo tem seu lugar racionalmente estabelecido, inicialmente se
estuda a lei, e posteriormente a graça.

Em plena Idade Média, Santo Tomás destaca em sua obra a primazia da razão. Porém, não
desconsidera a influência da vontade na produção da lei.

A razão se constitui no primeiro princípio da atividade humana, e consequentemente, a lei que


regula os atos humanos é regulada pela razão. Os atos serão bons ou maus, se estiverem
conforme a razão divina e humana, fonte de sua e perfeição e bondade.

Daí chegamos ao conceito geral de lei apresentado pelo Santo Doutor, representante máximo da
Escolástica, quaedam rationes ordinatio ad bonum commune, ab eo Qui curam communitates
habet promulgata ( I-II, q.90, 4) ou seja “ ordem ou prescrição da razão para o bem comum,
promulgado por quem tem a seu cargo o cuidado da comunidade”.

Enquanto o homem participa da razão eterna de maneira intelectual e racional, o mesmo não
passa com a criatura irracional. Por esse motivo, essa participação no homem, chama-se com
propriedade lei, enquanto que nas demais criaturas só por uma certa analogia poderá considerar-
se lei.

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Princípios: Se a lei natural é concebida enquanto algo essencialmente natural, com enunciados
universais da razão prática, necessariamente deverá haver uma adaptação a natureza e a modo
como atua. Assim, a semelhança do que passa com o conhecimento especulativo, no
conhecimento prático, nos encontramos com um processo que parte de princípios evidentes até
os mais distantes. Primeiramente encontramos a sindérese, que se constitui nos princípios
universalíssimos que nos inclinam a fazer o bem e evitar o mal. Desse princípio se deduzem os
demais.

REFERÊNCIAS

AGOSTINHO , Sto. De Magistro. In Os Pensadores. Ed. Vitor Civita .Trad. Angelo Ricci. São
Paulo, 1979.

AQUINO, Sto Tomás de. Suma Teológica – Vol.II . Edições Loyola, SP. 2002.ç

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