GUIA DE ESTUDOS

O NASCIMENTO DA FILOSOFIA
ANGELA ZAMORA GUIMARÃES CILENTO
 GUIA DE ESTUDOS

O NASCIMENTO DA FILOSOFIA
ANGELA ZAMORA GUIMARÃES CILENTO
 SUMÁRIO
© 2017 Universidade Presbiteriana Mackenzie
Todos os direitos reservados à Universidade Presbiteriana Mackenzie. Nenhuma parte desta publicação
poderá ser substituída por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização.

Intodução ao estudo do tema................................................................................................................. 7

Capítulo 1 Para que Filosofia?............................................................................................................. 8
Capítulo 2 Conceito de cultura e seus componentes essenciais....................................................... 23
Capítulo 3 Formação da cultura grega .............................................................................................. 37
Capítulo 4 Mitologia grega e religião pública .................................................................................... 52

G943 Guia de estudos [livro eletrônico] : O nascimento da filosofia / Universidade

Presbiteriana Mackenzie e Angela Zamora Guimarães Cilento. São Paulo : Editora
Mackenzie, 2017.

2.416 KB ; PDF.

Inclui bibliografia.

ISBN 978-85-67981-19-2

1. Nascimento da filosofia. 2. Filosofia. 3. Cultura grega. 4. Mitologia grega. 5.

Religião pública. 6. Cultura. I. Título. II. Cilento, Angela Zamora Guimarães. III.
Universidade Presbiteriana Mackenzie.

CDD 100.1

Universidade Presbiteriana Mackenzie

Rua da Consolação, 930
São Paulo | SP | CEP 01302-907
Tel.: (11) 2114-8000
www.mackenzie.br
 SUMÁRIO CAPÍTULO
1
O nascimento da Filosofia Angela Zamora Guimarães Cilento

INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO TEMA

A opção por este curso, diferentemente do que acontece com tantos outros,
geralmente, não se justifica unicamente pelas oportunidades no mercado de
trabalho, tampouco é movida pela insistência familiar. Antes, ocorre por uma
motivação pessoal – algo trouxe você até aqui.

Mesmo que você já tenha tido algum contato com a Filosofia, cabe nesse
momento maior aprofundamento no tema. Se não teve ainda, mas está encantado
com a possibilidade dessa descoberta, fique tranquilo, pois agora apresentamos
algumas pistas que o levarão a compreender o sentido e a finalidade da Filosofia.

Ao abrir um dicionário de filosofia, é possível perceber que a própria definição

já é um curso! Cabe, portanto, estabelecer algumas diretrizes e esclarecimentos,
sobretudo a respeito daquilo que não faz parte dela. Ficou curioso(a)? Então,
vamos em frente!

Vamos tratar o conceito de cultura, que serve de subsídio teórico, pois cada
povo tem o próprio modo de ser e o expressa em hábitos, usos e costumes
muitas vezes diferentes dos nossos. Até mesmo o comportamento dos homens
varia de acordo com o tempo, se analisarmos a mesma cultura. Esse estudo é
importante, pois precisamos nos despir de alguns pré-juízos e preconceitos a fim
de filosofarmos no pleno sentido do termo, identificando suas origens, já que
incorporamos o modo de ser da nossa própria cultura.

Em um terceiro momento desse guia de estudo, vamos estudar sobre a

formação do povo grego que remonta ao século XX a.C. até o nascimento da
Filosofia, que ocorreu por volta do século VI a.C., na cidade de Mileto.

Por último, vamos aprofundar as relações entre a mitologia grega, que se

configura como a religião pública, e o modo de ser da antiguidade greco-romana.
Vamos fazer também alguns apontamentos sobre a permanência, a necessidade
e a atualidade dos mitos.

6 7
 SUMÁRIO
O nascimento da Filosofia
CAPÍTULO 1
Para que Filosofia?
Este capítulo discorre, em primeiro lugar, sobre o esboço do nosso objeto de
estudo: o que é a Filosofia. Não podemos prosseguir em qualquer outra coisa
que seja sem tal delimitação. Claro que tudo pode servir de matéria-prima
para o pensar filosófico, mas antes é preciso nos apropriarmos de suas áreas de
conhecimento, seu método e suas diferenças em relação ao pensamento científico
e à religião, apesar de ter grandes afinidades com elas.
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
1 CONCEITUAIS
Definir o conceito de Filosofia.
Identificar algumas ideias importantes a respeito da Filosofia.
Conhecer as áreas da Filosofia.
Apreender os principais elementos componentes da cultura.
Distinguir periodização da cultura grega, assinalando suas principais
características.
2 PROCEDIMENTAIS E HABILIDADES
Entender a importância da Filosofia para a vida.
Aplicar os conceitos aprendidos como pressupostos teóricos para a sua
formação.
Compreender a inserção da cultura grega na história do pensamento
ocidental.
3 ATITUDINAIS E VALORES
Sensibilizar-se quanto aos valores constituintes da Filosofia ocidental.
Comportar-se de acordo com a conduta considerada imprescindível para o
exercício da cidadania e do respeito à alteridade.
8 9
CAPÍTULO
1
Para que Filosofia?
EXPLORANDO CONCEITOS
Para que Filosofia?
Geralmente as pessoas perguntam “O que é filosofia?”
E para que ela serve?
Somos capazes de dar inúmeras respostas, mas podemos calcá-las em dois
argumentos: 1) a Filosofia serve para a vida, nos torna mais fortes para os
momentos de tempestade e nos faz companhia na solidão e 2) enriquece todos
os que desfrutam de sua companhia.
Como vimos, a Filosofia é importante, em primeiro lugar, para a vida e
depois para a formação; isso implica na explicitação da “ideia de ‘formação’”
(Bildung), no sentido “iluminista” de preparação do cidadão para a “República”
(FABBRINI, 2005).
Ora, isso significa que a ideia de formação corresponde não ao enriquecimento
pessoal que a Filosofia pode trazer, mas à consciência e à atuação, como cidadãos,
na construção da nossa sociedade.
ILUMINISMO
Para falarmos do conceito de formação, temos que, necessariamente, nos
reportarmos às ideias iluministas. O iluminismo foi um movimento francês
do século XVIII que sustentava a ideia de que o homem, até aquele período,
viveu na minoridade, como disse Kant (1724-1804), iluminista alemão,
devendo, portanto, libertar-se dos preconceitos e das falsas opiniões sobre as
coisas, valendo-se da razão e da nascente ciência para explicar os fenômenos.
Seus principais expoentes foram John Locke (1632-1704), um dos grandes
precursores, Voltaire (1694-1778), Jean-Jacques Rousseau (1712-1778),
Montesquieu (1689-1755), Denis Diderot (1713-1784) e Jean Le Rond
d’Alembert (1717-1783). Eles são os organizadores da enciclopédia que
reunia conhecimentos e pensamentos filosóficos da época. Vários deles
serão estudados no decorrer deste curso.
 SUMÁRIO CAPÍTULO
1
O nascimento da Filosofia Para que Filosofia?

Quando surgiu a Filosofia? Ela nasceu na Grécia, por volta do século VI Por que os homens fazem Filosofia?
a.C., na cidade de Mileto e depois estendeu-se para as outras cidades-estado até
a Itália. No século V a.C., em Atenas, são importantes as ideias de Sócrates (c. Para os gregos, o homem tem uma curiosidade natural, isto é, existe um espanto
469-399 a.C.), Platão (c. de 427-347 a.C.) e Aristóteles (384-322 a.C.), que diante da vida, das coisas, uma admiração perante o mundo que o faz filosofar,
constituem os pilares da Filosofia e o diálogo estabelecido por toda a tradição pois poderia não haver absolutamente nada. O homem não sabe, mas anseia
entre pensadores posteriores, que remetem direta ou indiretamente às suas ideias. saber. Desde criança já faz Filosofia quando se pergunta: Por que chove? Por que
Atenção! nasci? Na verdade, a vontade de saber pode ser alimentada ou não, dependendo
A palavra “filosofia” POR QUE A CORUJA É O SÍMBOLO DA FILOSOFIA? da educação que a criança recebe. Saiba mais!
etimologicamente comporta Para complementar
dois radicais: sofia A coruja é um dos símbolos da Filosofia porque é uma animal que enxerga Opondo-se a essa ideia, Deleuze (1925-1995), pensador contemporâneo, um pouco mais essa
(sabedoria) e philos (amor no escuro. afirma que o homem não tem nenhuma vontade de saber nem curiosidade ideia, assista ao vídeo
de amigo). Os gregos têm natural. Para ele, o homem só reflete “quando algo o faz pensar”, quando um signo “ERRO – Na Íntegra:
grafias diferentes para a Coruja, em grego, gláuks, (alguma coisa) lhe rouba a paz. Isso significa que o homem teria uma tendência Franklin Leopoldo e

palavra “amor”, que são:
éros (paixão), philos (amor
de amigo) e ágape (amor a
Deus).
Fonte: Istockphoto.
significa “brilhante”, “cinti- a ser acomodado quanto às questões de seu tempo: prefere viver sem refletir, sem Silva – Espanto” (2010).
lante”, porque enxerga nas pensar, simplesmente porque isso “dá trabalho”. O homem se vê obrigado a pensar, Disponível em:
trevas; em latim, noctua, “ave pois a vida o impele a fazê-lo. <http://moodle.
da noite”, era consagrada a mackenzie.br/link/a5>.
Atená [...] é o símbolo do A Filosofia pode proporcionar subsídios sólidos para a compreensão dos
conhecimento racional com fenômenos e das questões que são e serão colocadas a fim de “[...] o seu mundo
a percepção da luz lunar para se ler nele”, como afirma o professor de Filosofia Joaquim Antônio Severino Fonte: Istockphoto.

por reflexo, opondo-se ao (2010, p. 57). Ainda seguindo as pegadas de Deleuze, podemos
conhecimento intuitivo com a afirmar que se a Filosofia, em primeira instância, refere-se a esse amor
percepção direta da luz solar. pela sabedoria, também podemos compreender que, no geral, diz
Explica-se talvez, assim, o fato respeito a um aprendizado temporal. Isso significa que exige tempo e
de ser a coruja um atributo dedicação, afinal, ninguém se torna sábio do dia para a noite.
dos mantéis, dos adivinhos,
simbolizando-lhes o dom da Cada objeto de nossa atenção e de nosso interesse é como um
clarividência, mas através de signo, um mistério, uma incógnita ou uma charada a ser decifrada
sinais que os mesmos interpretam. [...] É uma excelente conhecedora por nós. Para conhecermos alguma coisa ou alguém, devemos ter total
dos segredos da noite. Enquanto os homens dormem, ela fica de olhos atenção a certos detalhes que se revelam, em um trabalho paciente e
abertos, [...] sabe tudo o que se passa. (BRANDÃO, 1987, p. 32) de minuciosa observação, assim como exemplifica Deleuze com uma
analogia sobre um egiptólogo que pretende decifrar um mistério: os
hieróglifos.

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 SUMÁRIO
O nascimento da Filosofia
Aprender é, de início, considerar uma matéria, um objeto, um ser, como
se emitissem signos a serem decifrados, interpretados. Não existe aprendiz
que não seja “egiptólogo” de alguma coisa. Alguém só se torna marceneiro
tornando-se sensível aos signos da madeira, e médico tornando-se sensível aos
signos da doença. [...] Tudo o que nos ensina alguma coisa emite signos, todo
ato de aprender é uma interpretação de signos ou hieróglifos. (DELEUZE,
1987, p. 4)
Refletindo
Você já se considerou um “egiptólogo” de alguma coisa
(ou de alguém quando se apaixonou)?
Descreva em poucas linhas essa experiência. Depois relacione essa ideia à
aprendizagem de Filosofia.
Mas, se já somos filósofos e a vida já nos convidou a isso, o que então diferencia
o nosso pensamento do deles? A resposta é simples: cada pensador aprofundou
um pouco ou muito mais o seu conhecimento sobre certos assuntos do que nós,
eles dedicaram a vida a isso. Alguns fizeram, literalmente, muito mais do que
isso: morreram, foram presos, torturados e exilados por causa de suas ideias.
Ideias que merecem ser conhecidas por sua profundidade e valor, e que discutem
temas que vão desde a questão existencial (por que estou aqui? para fazer o quê?)
até as questões que surgem a partir de nosso cotidiano e nos convidam à reflexão.
Não é nossa intenção neste momento apresentar todas as definições de
Filosofia, mas cabe salientar que a capacidade de se admirar com a vida (se
12
CAPÍTULO
1
Para que Filosofia?
espantar, e tudo aquilo que nos dá o que pensar – e é tudo mesmo!) já é fazer
Filosofia. E fazer Filosofia significa buscar a sabedoria, porque ela é, mais do que
nunca, fundamental para todos nós, diante de um mundo que se apresenta hoje
tão complexo, com tantas opções e estilos de vida, com valores tão antagônicos
e contraditórios que torna complicado saber exatamente qual caminho tomar.
Tanto numa posição quanto na outra, podemos observar que, no final das
contas, todos somos filósofos em certa medida. O filósofo não é aquele que sabe
tudo, mas aquele que antes se coloca na posição de aprendiz. Ele não detém a
sabedoria, mas se torna seu amigo, seu companheiro, alguém que anseia por ela,
mas não é seu proprietário. E é nessa condição que devemos encarar a vida. A
Filosofia pode proporcionar subsídios sólidos para a compreensão dos fenômenos
e das questões que são e serão colocadas, a fim de “[...] ler o seu mundo para se
ler nele” (SEVERINO, 2010, p. 57).
Refletindo
Segundo sua opinião, a Filosofia pode ajudá-lo em quê?
A Filosofia poderá ajudá-lo em sua formação. Formação significa dar forma
a, ou seja, aquilo que somos pode ser lapidado, forjado como o metal nas mãos
do ourives, de tal modo que acabamos com uma forma digna de ser apreciada
e admirada, como uma bela joia. A formação é um momento crucial na vida
de cada um de nós, pois nossos valores e atitudes externam aquilo que somos.
A formação também pode ser comparada a uma lente (ou aos óculos) pela qual
olhamos o mundo.
13
 SUMÁRIO
O nascimento da Filosofia
Nesse aspecto, a leitura cuidadosa e sistemática de textos, método próprio
da Filosofia, permite uma apreensão não só do sentido literal – que abrange o
levantamento do vocabulário, a construção gramatical etc., que também são
contemplados pelo ensino de língua portuguesa –, mas da percepção do sentido
não literal – de coisas que não foram ditas, mas são sugeridas e permitem reflexão.
Esse é um grande diferencial.
Hoje em dia, no Brasil, a formação dos jovens, em muitos aspectos, é
deficitária. É comum ouvir a expressão “analfabeto funcional”, que se refere a
pessoas que sabem ler, mas não conseguem interpretar um texto. Uma das causas
desse problema é a desvalorização da educação.
Outra talvez esteja relacionada ao ritmo acelerado do mundo contemporâneo,
em que há um volume interminável de informações que não são digeridas,
assimiladas e refletidas. Ora, quando não se saber ler, torna-se impossível
compreender a realidade e até mesmo modificá-la, tanto no recorte individual
quanto no social.
O ensino de Filosofia objetiva essa capacidade de interpretação, não só no
sentido literal, mas também no treinamento do nosso olhar para aquilo que não
está dito. Isto é, pretende detectar o que está por baixo e além de um texto ou de
um discurso: quais são os valores apresentados e por qual lente ou pressupostos
Fonte: Thinkstock.
alguém interpreta o mundo?
O que nos torna diferentes da massa é o fato de a Filosofia se abrir como
uma possibilidade de interpretação de mundo, válida, mas não única. Hoje,
observando que a ciência anda a passos largos, há uma tendência a considerá-
la como a única capaz de dar respostas, visto que ela comporta os critérios
de objetividade, imparcialidade e neutralidade, e traz embutidas as ideias de
progresso, tendo alcançado um estatuto de verdade quase inquestionável. Logo,
a ciência pode e merece ser repensada, pois há outros saberes. Não estamos
desconsiderando, em momento algum, os seus méritos, mas podemos afirmar
que a ciência é limitada, e sempre será, para explicar a vida de modo integral.
14
CAPÍTULO
1
Para que Filosofia?
Os conhecimentos sobre filosofia, religião e ciência são imprescindíveis e podem
coexistir para a compreensão do homem como ser no mundo.
Massa ou senso comum: esse conceito adquire várias interpretações
diferenciadas ao longo da história e é utilizado em muitas áreas, por exemplo,
na física e até na culinária. Na Filosofia, empregamos a palavra “massa” para
identificar as pessoas que são apáticas, que não se interessam pelas questões
políticas da sociedade a qual pertencem, que pensam de modo uniforme,
isto é, que são levadas pelos outros sem questionarem os fundamentos das
ideias que adotaram como suas. Ouvimos também a expressão “cultura de
massa”, que se refere a valores e padrões de comportamento adotados pelas
pessoas por influência da mídia.
Tal consideração sobre a Filosofia como um viés importante para a
compreensão do mundo é algo a ser construído paulatinamente, isto é, para
a apropriação de certos conteúdos e conceitos que permitem a reflexão, é
necessário “perder tempo”, como comenta a professora Jeanne-Marie Gagnebin
(2006). Tal afirmação implica dizer que esse enriquecimento de que falamos
anteriormente precisa de um tempo de maturação, não traz resultados imediatos
e se opõe, necessariamente, ao discurso que se ouve, de que só é bom aquilo que
traz resultados imediatos.
A Filosofia, diferentemente do que acontece no setor de produção das fábricas,
regidas pela ideia de que “tempo é dinheiro”, caminha na contramão desses
valores: teme “perder tempo” com as respostas imediatas ou com as opiniões Saiba mais!
irrefletidas, muitas vezes baseadas no que os outros pensam. Além disso, a As ideias “perder tempo”
Filosofia não está preocupada em “estar na moda”, pois qualquer assunto, do e o fato de que a Filosofia
presente ou do passado, pode nos fazer pensar. A Filosofia também se vale do não está preocupada com
passado para compreender melhor o mundo e o próprio homem, pois ela trata o “estar na moda” podem
da vida. ser melhor elucidadas
com a leitura do texto
Nesse início, talvez as mudanças que começam a se processar em nós sejam “O método desviante”
imperceptíveis, mas o resultado – que nunca se acaba, porque à medida que (GAGNEBIN, 2006).
crescemos, mais temos sobre o que refletir – é surpreendente.
15
 SUMÁRIO CAPÍTULO
1
O nascimento da Filosofia Para que Filosofia?

O filósofo é aquele cuja tarefa consiste, em primeiro lugar, em elucidar, Refletindo

não só para si mesmo (o que constituiria sua figura apenas como mera Em sua opinião, o professor, em especial o de Filosofia, tem uma função social?
erudição), mas, também, agir pedagógica e politicamente para a construção
de uma sociedade mais justa e igualitária. Em outras palavras: o filósofo tem
uma função social. (SILVA, 1995)

Isso só é possível pelo esclarecimento dos valores que devem nortear o homem
– em princípios e ações que caminhem nessa direção. Além do que, o filósofo,
enquanto “guardião da cidade”, ao interrogar sobre qual é o sentido que as coisas
nos nossos dias vêm tomando, deve desmascarar aquilo que “está por baixo”,
ou seja, não permitir que qualquer coisa que fuja de um parâmetro que prime
pelo bem, ou de qualquer coisa que tenha apenas sua aparência, se intensifique Explique o que você compreendeu sobre esse questionamento. Você está pronto
e tome forma. para não apenas se formar em Licenciatura em Filosofia, mas a ajudar os outros
a saírem da “massa”?
O filósofo adquire um olhar aguçado para perceber “os lobos que se travestem
de cordeiros”. Ele não tem as respostas prontas, mas procura por elas e sofre, como
todos os homens, os efeitos da história naquilo que ela comporta de imprevisível
e com o cuidado que, como cidadãos, devemos tomar na construção de um
mundo melhor.

O que a Filosofia não é?

1. Não é religião. A religião está calcada em dogmas que são, por definição,
inquestionáveis. Embora exista uma afinidade entre Filosofia e religião, a primeira
baseia-se na dúvida e no questionamento sobre todas as coisas, enquanto a
segunda aceita os princípios adotados. É importante observar que de todas as
interpretações válidas que o homem concebeu, a religião é a mais profunda e
mais antiga de todas. A segunda é a Filosofia e a terceira, a ciência.

16 17

O nascimento da Filosofia
Atenção!
Esses conceitos serão retomados
mais adiante quando
tratarmos sobre filosofia da
ciência. Todavia, para melhor
compreensão deste tópico,
sugerimos a leitura do capítulo
7 – terceira parte – do livro
Temas de filosofia, de Aranha e
Martins.
18
SUMÁRIO
Procure no dicionário e, em especial, em um dicionário de Filosofia, o significado
de “dogma”. A seguir, estabeleça um paralelo entre as ideias de dogma e
questionamento.
2. Não é ciência. Hoje em dia, graças ao avanço das ciências, cada uma tem
sua própria especificidade, cada uma possui seus métodos de investigação que
progridem sistematicamente. Vamos perceber que a Filosofia é mãe de todas as
ciências, pois, até meados do século XVII, todos os filósofos se envolviam com
as diversas áreas do conhecimento. Depois da elaboração do método científico,
as ciências gradativamente se afastaram umas das outras. Cabe à Filosofia
a promoção dessa integração, assim como de sua avaliação, isto é, perceber e
criticar em qual direção ela caminha.
Apesar de a ciência andar a passos largos, há uma tendência a considerá-la
como única, visto que comporta os critérios de objetividade, imparcialidade e
neutralidade e traz embutidas as ideias de progresso. Assim, a ciência alcançou
um estatuto de verdade quase inquestionável.
Conhecendo alguns filósofos da atualidade
Este espaço se destina à sua crescente familiarização com os grandes comentadores
e professores de Filosofia renomados nacional e internacionalmente que serão
citados ao longo de seu estudo.
Giles Deleuze, filósofo francês (1925-1995), foi professor da Université
Paris-Sorbonne e da Université de Lyon. Escreveu vários livros importantes para
a Filosofia contemporânea.
CAPÍTULO
1
Para que Filosofia?
Ricardo Nascimento Fabbrini é professor da Universidade de São Paulo (USP)
e tem formação na área de Filosofia, com ênfase em História da Filosofia. Atua
principalmente nos seguintes temas: arte, vanguarda, pintura, pós-modernidade,
contemporaneidade e ensino de Filosofia.
Jeanne Marie Gagnebin, filósofa e escritora suíça, residente no Brasil desde
1978, é professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e
da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Deixou a Suíça aos 18 anos
para estudar em Tübingen, na Alemanha, onde participou de uma experiência
educativa libertária, dedicando-se principalmente aos estudos sobre Walter
Benjamin.
Joaquim Antônio Severino é professor titular aposentado de Filosofia da
Educação na Faculdade de Educação da USP. Licenciou-se em Filosofia pela
Universidade Católica de Louvain (UCL), Bélgica, em 1962. Dedica-se à
Filosofia da Educação, epistemologia e cultura brasileira.
Franklin Leopoldo e Silva é professor titular do departamento de Filosofia da
USP. Seus estudos se concentram na história da Filosofia Contemporânea.
SÍNTESE
Neste capítulo, que trata das considerações mais importantes sobre o que é
Filosofia, vimos que todos os homens desde os primórdios filosofavam sem
se darem conta disso, fosse por uma curiosidade natural ou por determinadas
situações que os afligiam. A Filosofia nasceu, por volta do século VI a.C., na
Grécia, devido ao questionamento sobre a existência das coisas e do mundo.
A palavra “filosofia” significa “amor à sabedoria” e, apesar de grandes afinidades
com a religião e com a ciência, elas não se confundem. Sua importância consiste
em promover nossa capacidade de interpretação e reflexão, referendando a sua
formação. Mas antes a Filosofia é fundamental para a vida, pois dá clareza a
nossa “lente” para ler o mundo.
19
 SUMÁRIO
O nascimento da Filosofia
Aprendemos também que a Filosofia tem uma função social, pois de nada
adianta um conhecimento apenas para si próprio: é preciso socializá-lo para que
formemos valores capazes de promover uma sociedade mais justa e igualitária.
De todas as ideias que compõem este capítulo, quais foram as mais significativas
para você? Enumere e justifique cada uma delas.
APLICANDO CONCEITOS
Agora que você ampliou os seus conhecimentos sobre o que é Filosofia, sua
importância e função, aprendeu sobre as áreas de conhecimento, do que tratam
e, sobretudo, entendeu que funciona como uma forma diferenciada de ver o
mundo a partir da ideia de lente, é importante retomar os conceitos aprendidos
como forma de organizar o seu aprendizado. Mãos à obra!
SUGESTÃO DE ATIVIDADE
A banda Legião Urbana surgiu em meados dos anos 1990, em Brasília. Seus
integrantes foram Renato Russo, Dado Villa-Lobos, Marcelo Bonfá, Ico Ouro
Fonte: FDR.
Preto, Eduardo Paraná e Renato Rocha. Foram consagrados como uma das
melhores bandas de rock nacional e suas músicas são tocadas até hoje nas
rádios com vários outros intérpretes. Uma das músicas mais contundentes
é “Geração Coca-Cola”.
Ouça a música “Geração Coca-Cola” (1984), da banda Legião Urbana,
e analise a letra. Depois, disserte sobre a importância da filosofia como
um modo privilegiado de pensar e ler o mundo à luz das críticas presentes
na música.
20
CAPÍTULO
1
Para que Filosofia?
REFERÊNCIAS
ARANHA, M. L.; MARTINS, M. H. P. Temas de filosofia. São Paulo:
Moderna, 1992.
BRANDÃO, J. S. Mitologia grega e latina. Petrópolis: Vozes, 1987. 3 v.
DELEUZE, G. Proust e os signos. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1987.
FABBRINI, R. O ensino de Filosofia: a leitura e o acontecimento. Revista
Trans/Form/Ação, São Paulo, v. 28, n. 1, p. 7-27, 2005.
GAGNEBIN, J. M. O método desviante. Trópico, São Paulo, 2006. Disponível
em: <http://moodle.mackenzie.br/link/a2>. Acesso em: 10 set. 2012.
HUSSERL, E. A filosofia como ciência de rigor. Coimbra: Atlântica, 1965.
RUSSO, R. Geração Coca-Cola. Brasília: EMI, 1984. Disponível em: <http://
moodle.mackenzie.br/link/a1>. Acesso em: 11 nov. 2014.
SEVERINO, A. J. Formação política do adolescente no ensino médio: a
contribuição da Filosofia. Pro-Posições, Campinas, v. 21, n. 1, p. 57-74, jan./
abr. 2010.
Bibliografia básica
CARLI, R. Antropologia filosófica. Curitiba: IBPEX, 2009. (Biblioteca Virtual
Universitária 3.0)
Bibliografia adicional
BREHIER, E. História da Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1971.
21
 SUMÁRIO
O nascimento da Filosofia
CHAUI, M. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2000.
CILENTO, A. Z. A necessidade da filosofia: educação e prática docente. São
Paulo: Pleiade, 2009. (Coleção Licenciaturas em Debate, v. 1).
GIANNOTTI, J. A. Lições de filosofia primeira. São Paulo: Companhia das
Letras, 2011.
HUSSERL, E. A filosofia como ciência de rigor. Coimbra: Atlântica, 1965.
SILVA, F. L. Função social do filósofo. In: ARANTES, P.; SILVA, F. L.;
FAVARETTO, C.; FABRINI, R. MUCHAIL, S. T. (Org.). A filosofia e seu
ensino. Petrópolis: Vozes; São Paulo: Educ, 1995. p. 9-22.
22
CAPÍTULO
2
Conceito de cultura e seus componentes essenciais
CAPÍTULO 2
Conceito de cultura e seus componentes essenciais
Já delimitamos um pouco mais o conceito de filosofia, suas principais áreas e
especificidades, ou seja, que ela não é ciência nem religião, agora vamos tratar
de um conceito que vai nos servir de subsídio teórico a fim de nos situarmos
no tempo e no espaço: o de cultura, cuja abrangência possibilita a abertura e
a compreensão necessárias para o nosso modo de ser, tanto individual quanto
coletivamente, bem como o de outros homens pertencentes a culturas diferentes.
Nesta segunda parte, esclarecemos o conceito de cultura, estabelecendo
as diferenças qualitativas entre o homem e os animais. Vamos analisar casos
de crianças que foram encontradas vivendo com animais, como nos clássicos
da literatura Tarzan e Mogli, e que estão no “limiar”: não são consideradas
totalmente seres humanos, pois não são portadoras de cultura, nem animais,
uma vez que possuem a fisiologia humana. Essas situações são compartilhadas
pelas reflexões da antropologia, sociologia e psicologia.
Em seguida, abordamos uma questão crucial que se faz presente até os nossos
dias: o etnocentrismo, ou seja, quando um povo, de modo tirânico, pretende se
impor sobre todos os outros. Voltemos no tempo a fim de verificar como esse
conceito está entrelaçado à própria formação da cultura ocidental e suas nefastas
ressonâncias até os dias atuais.
Por último, apresentamos os elementos componentes da cultura, pois,
independentemente de onde estivermos, encontraremos o mito como narrativa
sagrada, isto é, a religião dos povos primitivos ou antigos, o problema do
conhecimento e a arte. A questão do desenvolvimento das sociedades civilizadas
e da preservação das comunidades indígenas e do meio ambiente também é
tratada. No Brasil, o conflito é acirrado e devemos nos posicionar a esse respeito.
23
 SUMÁRIO CAPÍTULO
2
O nascimento da Filosofia Conceito de cultura e seus componentes essenciais

A fim de nos apropriarmos de uma “lente”, como vimos anteriormente, que
dê conta de um pensar filosófico rigoroso, é preciso, antes de adentrarmos na
formação do povo grego, compreendermos o conceito de cultura, bem como seus
elementos essenciais: o mito, a questão do conhecimento e a arte. Discutiremos
também sobre o conflito entre desenvolvimento e preservação do meio ambiente
e sobre as origens e ressonâncias do etnocentrismo.
EXPLORANDO CONCEITOS
Observe a foto que retrata os povos africanos que vivem próximos ao rio Omo.
Eles estão fadados a desaparecer em poucos anos, assim que a usina hidroelétrica
ficar pronta. Para entender melhor essa situação, realize uma pesquisa sobre “As
tribos do Vale do Omo” na internet.

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM Sobre a preservação do meio ambiente e da cultura desses povos e o

desenvolvimento econômico, que altera a natureza e a sobrevivência desses

1 CONCEITUAIS povos, coloque sua opinião a respeito.

Delimitar o conceito de cultura.

Conhecer os principais elementos componentes desse conceito.
Discutir os problemas referentes ao etnocentrismo, ao desenvolvimento e à
preservação do meio ambiente.

2 PROCEDIMENTAIS E HABILIDADES

Aplicar os conceitos aprendidos como pressupostos teóricos para a sua

formação.
Relacionar as implicações do desenvolvimento das sociedades civilizadas e
seus impactos no planeta e na cultura de outras comunidades.

3 ATITUDINAIS E VALORES

Comportar-se de acordo com a conduta considerada imprescindível para o

exercício da cidadania e do respeito à alteridade.
Expor, mas também respeitar, as posições filosóficas construídas
historicamente e as dos indivíduos que interagirão com ele nesse processo.

Fonte: Istockphoto.

24 25
 SUMÁRIO
O nascimento da Filosofia
De modo sintético, cultura é o modo de ser de um povo, com seus hábitos,
costumes e valores. Segundo a antropologia filosófica, o homem é um ser carente,
que precisa ir ao encontro de respostas que deem sentido à sua existência. As
respostas encontradas desde o início dos tempos são dadas pela religião, como
a primeira forma de interpretação válida, e as outras são a filosofia e a ciência.
No entanto, a constituição ontológica do homem – sua constituição enquanto
ser e ser no mundo – não está fechada para uma única resposta, mas se configura
como mil possibilidades de ser, e várias delas são manifestas na cultura. Isso,
porém, não significa que as manifestações que observamos na nossa cultura e
em outras esgotem as possibilidades. Na verdade, é preciso olhar para as outras
culturas, a fim de revermos os valores presentes na nossa: ora completamente
perdidos ou deformados, ora orientados pelas possibilidades, ainda inéditas, que
podem ser criadas na busca por respeito, preservação e dignidade humanas.
Para tanto, nos valeremos das interfaces das ciências humanas — antropologia,
sociologia, psicologia e história —, que promovem maior compreensão da
filosofia.
Quando o Projeto Genoma (1995) promoveu a decifração do código genético,
tivemos um abalo no que concerne às concepções tradicionais: pensava-se
que as diferenças entre o homem e o animal seriam dadas e completamente
inquestionáveis. Todavia o homem é composto do mesmo material genético
de outras espécies de animais. Isso significa que tudo adveio do mesmo lugar
– alguns dizem que procede das mãos de Deus, outros recorrem à teoria da
evolução e, mais contemporaneamente, à ideia do design inteligente.
Fonte: Istockphoto.
A teoria do design inteligente surgiu recentemente nos Estados Unidos,
quando, em 1987, foi publicado um livro destinado ao ensino médio de biologia
que contemplava todas as teorias referentes à criação. Depois disso, esse termo
passou a demonstrar posição contrária à ciência biológica convencional, que
incorpora as ideias de mutação e seleção natural, e defende que a vida na Terra
existe devido a um ou mais agentes inteligentes.
26
CAPÍTULO
2
Conceito de cultura e seus componentes essenciais
Entretanto, qualquer que seja a nossa posição a esse respeito, é inegável que Saiba mais!
existam diferenças qualitativas entre o homem e os animais mais próximos, Para saber mais sobre
como os primatas, segundo a classificação zoológica. Eles têm mãos perfeitas, essas diferenças, leia o
pés apreensores, face nua, mamas peitorais e sistema dentário completo, são livro Habitus, de Roque
inteligentes e sociáveis, mas continuam sendo macacos. A seguir, podemos de Barros Laraia.
observar o quadro de evolução do homem, segundo a ciência biológica.
Independentemente da classificação biológica, todos os seres vivos, sem
exceção, são portadores de reflexos e instintos. Os primeiros são tidos como
reações imediatas que todos os seres têm frente a estímulos exteriores; os
segundos são, costumeiramente, registrados como as ações de manutenção de
sua sobrevivência.
Constituição ontológica do homem
Todos nós também somos compostos por reflexos e instintos. Devido à nossa
composição orgânica, entretanto, desenvolvemos a faculdade da razão, que tem
sido aprimorada desde os tempos primeiros, tanto para resolver os problemas
práticos referentes às dificuldades do dia a dia quanto para investigar e contemplar
a beleza da vida.
Entretanto, foram encontradas, em diversos lugares do mundo, crianças
convivendo com animais. Elas estão no “limiar” – não em lugar nenhum, pois Dica
apresentam o comportamento animal daqueles que as adotaram, mas possuem Assista ao filme Greystoke:
a anatomia humana. Não são integralmente nem um, nem outro, pois o que a lenda de Tarzan, o rei
nos torna seres humanos não é somente nascer humanos, mas receber o convite da selva (1984) e reflita
para sermos como os outros são, aprendendo os hábitos, usos, costumes da sobre o que foi visto até
comunidade em que estamos inseridos. As crianças encontradas não podem ser aqui.
consideradas na sua plenitude como seres humanos, pois não são portadoras de
cultura.
Outro conceito importante está na ideia de determinismo geográfico.
27
 SUMÁRIO
O nascimento da Filosofia
Este conceito defende que as condições e os recursos determinam a ação
humana em certo espaço geográfico. Isto é, os homens seriam submissos e
completamente dependentes das matérias-primas de certo local e criariam o
próprio modo de vida a partir disso. Também, posteriormente, serviu como uma
justificativa científica de dominação dos países temperados e tropicais.
Podemos observar que povos vizinhos que desfrutam do mesmo meio
ambiente apresentam comportamentos e hábitos opostos, o que significa que
não há determinismo geográfico e isso é visto no modo de vida dos lapões e
esquimós e dos menomini e iroqueses. Assim, temos a explicação sobre modos
de vida completamente opostos, apesar de dividirem o mesmo meio ambiente, o
que, no final das contas, resulta em um equilíbrio harmonioso com a natureza.
Vejamos: no polo Norte vivem os esquimós e os lapões, cujas condições de
sobrevivência, devido ao frio intenso, são complicadas. O que é interessante é
que, embora habitem a mesma região, eles vivem de modo bastante diferenciado.
Os lapões, além de criarem renas, constroem tendas com a pele desses animais,
e toda vez que sentem a necessidade de mudar de local, desmontam-nas. No
entanto, os esquimós não criam renas, mas as caçam, e são construtores de iglus.
Eles se mantêm aquecidos com as peles de animais caçados e com uma fogueira
acesa. Lévi-Strauss (1908-2009), um dos grandes antropólogos contemporâneos,
apresentou essa mesma analogia entre os menomini e iroqueses.
Conheceram-se populações de coletores de grãos selvagens (os menomini na região
dos Grandes Lagos), perfeitamente a par das técnicas agrícolas de seus vizinhos (os
iroqueses, no caso), mas recusando-se a aplicá-las à produção de seu alimento
de base (o arroz selvagem), entretanto, muito próprio para o cultivo: isto porque
lhes era proibido “ferir sua mãe”. Nestes casos, trata-se bem de uma prioridade de
princípio atribuída à natureza sobre a cultura. (LÉVI-STRAUSS, 1993, p. 323)
28
CAPÍTULO
2
Conceito de cultura e seus componentes essenciais
Etnocentrismo
Quando o rei Pirro entrou na Itália e verificou a formação de combate do exército
romano, disse: “Não sei que espécie de bárbaros são estes (pois os gregos assim
chamavam a todas as nações estrangeiras), mas a formação de combate, que os
vejo realizar, nada tem de bárbaro” (MONTAIGNE, 1991, p. 98). Esta citação
de Montaigne, pensador do século XVII, denota a ideia de que tudo aquilo que
não pertencesse à cultura grega era considerado bárbaro.
A extensão e continuidade desse conceito percorre toda a nossa história:
compreende tanto as culturas antigas com as quais se defrontaram os gregos,
quanto todos os povos selvagens da América, Ásia, África, Oceania e ilhas,
também denominados primitivos ou selvagens.
Somente no século XVIII, com os pensadores, principalmente do
Iluminismo, surgiu uma preocupação e uma reflexão mais profunda sobre esses
povos ditos primitivos. Somos herdeiros da cultura grega e permanecemos com
uma tendência a esse “olhar” etnocêntrico que os gregos tinham sobre todos os
demais povos. Segundo Everardo Rocha
é [...] uma visão de mundo onde o nosso próprio grupo é tomado como
centro de tudo e todos os outros são pensados e sentidos através de nossos
valores, nossos modelos, nossas definições do que é a existência. No plano
intelectual, pode ser visto como a dificuldade de pensarmos a diferença;
no plano afetivo, como sentimentos de estranheza, medo, hostilidade etc.
(ROCHA , 1985, p. 7)
Componentes da cultura
A definição de cultura é tão complexa e abrangente quanto os conceitos de “ser”
e de “filosofia”. Mas o fato é que os homens, desde os primórdios, reúnem-se
por necessidade, e também para se livrarem do tédio: gostam da companhia uns
dos outros.
29

O nascimento da Filosofia
Saiba mais!
Assista ao filme Os
deuses devem estar
loucos, comédia dos anos
1980, em que é possível
ter uma bela aula de
antropologia. Procure
observar a comparação
realizada nos primeiros 20
minutos do filme e como
o personagem principal,
Xi, vê o mundo.
30
SUMÁRIO
Cada agrupamento humano tem suas características próprias que podem ser
decompostas em alguns elementos essenciais:
Mito
Podemos chamar de mito as religiões dos povos primitivos (também denominados
“selvagens” – os índios, espalhados por todo o globo). Vale ressaltar que os
chamamos assim, simplesmente, por não possuírem um sistema de escrita,
enquanto “civilizado” é o termo para os grupos que a possuem. Na antropologia,
são chamadas de sociedades frias e quentes, respectivamente, posto que estas se
desenvolvem economicamente.
EXERCÍCIO
Se você conseguiu assistir ao filme Os deuses devem estar loucos, para
solidificar seus conhecimentos, elabore um quadro comparativo entre os
povos considerados primitivos e civilizados, valendo-se de todo texto lido
até aqui.
Mito é uma narrativa, uma história de caráter sagrado que visa à compreensão
do homem quanto à vida e aos fenômenos dela decorrentes, criando um sentido
para a existência. Os mitos são divididos em: a) cosmogônicos — narrativas que
retratam a criação do universo e b) de origem — que contam sobre a criação de
alguma coisa em especial (um rio, um lago, uma montanha, uma estrela, uma
flor e até mesmo sobre a criação do homem). O mito é considerado uma história
sagrada, porque os personagens principais são deuses e entes sobrenaturais.
O mito não pode ser questionado, assim como toda religião. Uma coisa tem
origem porque foi criada, isto é, porque um poder se manifestou claramente
no mundo, porque um acontecimento se verificou. A origem de uma coisa
corresponde à sua criação. Não se pode começar nenhuma coisa a menos que
se conheça sua origem – que se saiba como ela veio à existência pela primeira
vez. Os rituais servem para reintegrar o momento em que determinada coisa foi
criada, até a recuperação do tempo forte, sagrado, por meio de uma “ técnica de
CAPÍTULO
2
Conceito de cultura e seus componentes essenciais
voltar atrás” — rituais e práticas que simbolizam o retorno ao mundo por meio
de seu estado inicial.
Para o homem, o que dá sentido a algo está em sua origem, só ela poderia
explicar o porquê das coisas da vida, por que são deste e não de outro modo. Em
vários momentos importantes, como nas comemorações de ano-novo, quando
alguém está doente ou quando nasce uma criança, primeiro recitam-se os pontos
essenciais da criação do mundo para, em seguida, contar os mitos de origem e
ainda a genealogia da família real ou a história tribal ou a história da origem das
enfermidades e dos remédios.
Conhecimento Saiba mais!
Para se apropriar desse
Ao contrário do que é comum pensar, os povos primitivos possuem conhecimento assunto, recomendamos a
detalhado sobre o meio ambiente que os cerca: plantas, animais e insetos em leitura dos três primeiros
classificações diferentes da nossa; isto é, eles têm outra lógica. Seus remédios capítulos do livro Mito
naturais denotam a longa experiência sedimentada em milênios de existência. e realidade (ELIADE,
Embora o relato a seguir possa “soar estranho”, vale lembrar que o próprio 1972).
homem não teria sobrevivido sem esse conhecimento e que a ciência, tal qual a
conhecemos hoje, ainda não tem 400 anos!
Os produtos naturais usados pelos povos siberianos para fins medicinais
ilustram, por sua definição precisa e pelo valor específico que lhes é dado,
o cuidado, a engenhosidade, a atenção ao detalhe e a preocupação com
as diferenças que devem ter empregado os observadores e teóricos nesse
tipo de sociedade: aranhas e vermes brancos engolidos (itelmene e iakute
– esterilidade); gordura de escaravelho negro (ossete – hidrofobia); barata
esmigalhada, fel de galinha (russos de Surgut – abcessos e hérnia); vermes
vermelhos macerados (iakute – reumatismo); fel de solha (buriate – doenças
dos olhos); cadoz, caranguejo de água doce, engolidos vivos (russos da
Sibéria – epilepsia e todas as doenças); toque com um bico de picanço,
sangue de picanço, insuflação nasal de pó de picanço mumificado, ovo
do pássaro kouchka sorvido (iakute – contra dor de dentes, escrófulas,
31
 SUMÁRIO CAPÍTULO
2
O nascimento da Filosofia Conceito de cultura e seus componentes essenciais

doenças dos cavalos e tuberculose, respectivamente); sangue de perdiz, suor
de cavalo (oirote – hérnias e verrugas); caldo de pombo (buriate – tosse);
pó das patas do pássaro tilégous moídas (kazak – mordida de cão raivoso);
morcego seco pendurado no pescoço (russos do Altai – febre); instilação
da água proveniente do gelo suspenso do ninho do pássaro remiz (oirote
– doenças dos olhos). Somente entre os buriates e limitando-se ao urso, a
APLICANDO CONCEITOS
A fim de reforçarmos a aprendizagem, defina com suas palavras o conceito de
cultura e depois compare as imagens a seguir. Anote as suas reflexões a respeito
delas, considerando os conceitos de cultura e etnocentrismo.

Fonte: Pinterest.

Fonte: Thinkstock.
carne deste possui sete virtudes terapêuticas diferentes; o sangue, cinco; a
gordura, nove; o cérebro, 12; a bile, 17; e o pêlo, duas. Também os kalar
recolhem os excrementos empedrados do urso no fim da hibernação para
curar prisão de ventre (Zelenine 1952, 47-59). Pode-se encontrar num
estudo de Loeb um repertório igualmente rico para uma tribo africana.
De tais exemplos, que se poderiam retirar de todas as regiões do mundo,
concluir-se-ia, de bom grado, que as espécies animais e vegetais não são
conhecidas porque são úteis; elas são consideradas úteis ou interessantes
porque são primeiro conhecidas. (LÉVI-STRAUSS, 2008, p. 23-24)

Menina Hindu com tatuagens, pertencente a um Mulher com tatuagens.

grupo de ferreiros que ainda vivem de maneira
Saiba mais! tradicional, o Lohar Gaduliya, na Índia.
Para saber mais sobre

Fonte: Thinkstock.
Foto: Domingos Leitão.

os recursos naturais
utilizados por outros Saiba mais!
povos, leia o primeiro Para saber mais a
capítulo do livro O SÍNTESE respeito, consulte o
pensamento selvagem, de artigo publicado no site
Lévi-Strauss. Já para saber Se retornarmos ao início do capítulo, veremos que os povos do rio Omo estão do Greenpeace: “Tapajós
sobre os índios brasileiros, praticamente condenados ao desaparecimento devido ao desenvolvimento livre: não à construção de
leia Araweté: os deuses econômico. Isso também está acontecendo no Brasil. hidrelétricas na Amazônia”
Picanço: Observe como o bico do passarinho O urso e suas propriedades curativas são
canibais, de Castro.
se assemelha ao dente. fundamentais para os buriates.
Recentemente, assistimos à manifestação dos índios Munduruku, na (2014).
Amazônia, que se associaram ao Greenpeace na luta pela não construção de uma
usina hidrelétrica que afetaria o seu modo de vida, e causaria a invasão das terras
demarcadas devido aos avanços do agronegócio. A seguir, selecionamos um
artigo a respeito do assunto. Leia a reportagem e, em seguida, faça uma análise.

32 33
 SUMÁRIO
O nascimento da Filosofia
SUGESTÃO DE ATIVIDADE
Índios são mortos em região de conflito no sul da Bahia
Assim como em outras partes do Brasil, no sul da Bahia, Ilhéus, há uma área de
disputa entre produtores rurais e indígenas. Mesmo sendo uma área protegida,
produtores rurais afirmam ser donos legítimos daquelas terras, por outro lado, os
índios tupinambás adquiriram a delimitação por parte da Funai da área e agora
cobram do Ministério da Justiça o reconhecimento como território indígena.
Apesar de o governo federal ter enviado tropas da Força Nacional de segurança
em agosto, a disputa acabou em três mortes dos índios da aldeia do Mamão, em
novembro de 2013. Políticos reuniram-se com líderes indígenas e proprietários
rurais para mediar o conflito, porém nada foi resolvido até o momento.
Adaptado de: CARVALHO, 2013.
Diante dos conceitos expostos, analise a reportagem.
REFERÊNCIAS
CARVALHO, D. Índios são mortos em região de conflito no sul da Bahia,
Folha de S.Paulo, 9 nov. 2013. Disponível em: <http://moodle.mackenzie.
br/link/16m>. Acesso em: 15 jul. 2016.
CASTRO, A. V. Araweté: os deuses canibais. Rio de Janeiro: Zahar, 1986.
34
CAPÍTULO
2
Conceito de cultura e seus componentes essenciais
COELHO, M. Exposição: O vale do Rio Omo. Folha de S.Paulo, São Paulo,
27 maio 2013. Disponível em: <http://moodle.mackenzie.br/link/cg>.
Acesso em: 1° ago. 2014.
ELIADE, M. Mito e realidade. São Paulo: Perspectiva, 1972. Disponível em:
<http://moodle.mackenzie.br/link/b4>. Acesso em: 10 ago. 2014.
LARAIA, R. B. Da ciência biológica à social: a trajetória da antropologia no
século XX. Habitus, Goiânia, v. 3, n. 2, p. 321-345, jul./dez. 2005. Disponível
em: <http://moodle.mackenzie.br/link/16n>. Acesso em: 10 nov. 2014.
LÉVI-STRAUSS, C. As descontinuidades culturais e o desenvolvimento econô-
mico. In: ______. Antropologia estrutural II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1993.
______. A ciência do concreto. In:______. O pensamento selvagem. 8. ed.
Campinas: Papirus, 2005.
MONTAIGNE, M. E. Dos costumes e da inconveniência de mudar sem
maiores cuidados as leis em vigor. In: Ensaios. São Paulo: Abril Cultural,
1991. (Coleção Os Pensadores).
ROCHA, E. O que é etnocentrismo. São Paulo: Brasiliense, 1985. (Coleção
Primeiros Passos).
TAPAJÓS livre: não à construção de hidrelétricas na Amazônia. Greenpeace
Brasil, 27 nov. 2014. Disponível em: <http://moodle.mackenzie.br/link/av>.
Acesso em: 10 nov. 2014.
TRIBOS do vale do Omo, As. Survival, 2014. Disponível em: <http://
moodle.mackenzie.br/link/az>. Acesso em: 10 nov. 2014.
35
 SUMÁRIO
O nascimento da Filosofia
Bibliografia básica
CARLI, R. Antropologia filosófica. Curitiba: IBPEX, 2009. (Biblioteca
Virtual Universitária 3.0).
Bibliografia adicional
FOUCAULT, M. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 2004.
LARAIA, R. B. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.
RODRIGUES, J. C. O tabu do corpo. 7. ed. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2006.
Filmes
DEUSES devem estar loucos, Os. Direção: Jamie Uys. África do Sul: Cat
Filmes; Mimosa Films, 1980.
ENIGMA, de Kaspar Houser, O. Direção: Werner Herzog. Alemanha:
Filmverlag der Autoren: Werner Herzog Filmproduktion: Zweites Deutsches
Fernsehen (ZDF), 1974.
GRÉCIA: a era de Alexandre. Construindo um império. Estados Unidos:
History Channel, 2006.
GREYSTOKE – A lenda de Tarzan, rei da selva. Direção: Hugh Hudson.
Estados Unidos: Warner Bros, Edgar Rice Burroughs Inc. e WEA Records,
1984. 1 DVD (135 min).
NELL. Direção: Michel Apted. Estados Unidos: Egg Pictures: PolyGram Filmed
Entertainment: Twentieth Century Fox Film Corporation, 1994.
36
CAPÍTULO
3
Formação da cultura grega
CAPÍTULO 3
Formação da cultura grega
Neste capítulo, você será capaz de compreender o trajeto histórico da formação da
nossa cultura ocidental: origens, elementos formadores e valores que herdamos.
Para tanto, nos deteremos na periodização da cultura grega, elucidando as
principais características de cada uma, pois isso será de fundamental importância
para prosseguirmos nossos estudos em filosofia e para que compreendamos o
nosso modo de ser.
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
1 CONCEITUAIS
Apresentar a trajetória de formação da cultura ocidental.
Ilustrar a periodização da cultura grega.
Discutir a importância da filosofia grega para a cultura ocidental.
Expor os elementos da cultura ocidental.
2 PROCEDIMENTAIS E HABILIDADES
Estabelecer parâmetros comparativos sobre as discussões realizadas a
respeito do nascimento da filosofia – milagre grego ou orientalismo.
Ser capaz de identificar os períodos da formação do povo grego.
Comparar os valores dos antigos e as mudanças ocorridas ao longo do
tempo.
3 ATITUDINAIS E VALORES
Sensibilizar-se quanto aos valores dos antigos.
Respeitar as diferentes culturas, em detrimento de um olhar etnocêntrico.
37

O nascimento da Filosofia
Atenção!
A Guerra de Troia é um
marco muito importante na
história, tanto que encontramos
referências em filmes, livros,
charges etc. Pesquise mais a
respeito.
38
SUMÁRIO CAPÍTULO
3
Formação da cultura grega
EXPLORANDO CONCEITOS SUGESTÃO DE ATIVIDADE Saiba mais!
Observe as duas imagens a seguir. É difícil não percebermos a semelhança, Para compreender um
não é? Será que ainda somos gregos? E o que isso significa? Vamos conhecer um pouco mais sobre a
pouco mais sobre as nossas origens. geografia da Grécia e
seus lugares paradisíacos,
leia o artigo “Sete ilhas
Fonte: Thinkstock.
Fonte: Thinkstock.
gregas que vão inspirar sua
Localize, no mapa, a Grécia e todos os países que conseguir encontrar. próxima viagem” (DINIZ,
2014). Disponível
em: <http://moodle.
mackenzie.br/link/16f>.
Na primeira imagem, vemos uma ânfora grega que conta sobre a despedida
de Ulisses de sua esposa Penélope para ir lutar na Guerra de Troia. Você conhece
essa história?
Na segunda, um casal se abraça da mesma maneira que há milhares de anos.
Será que algumas coisas não mudaram?
Na verdade, podemos dizer que sim, que temos ainda hoje muitas influências
de nosso passado histórico. A cultura ocidental é formada por três grandes
elementos: a teologia judaico-cristã, a filosofia grega e o direito romano. Enquanto
o primeiro trata do círculo cultural semita, os dois restantes pertencem ao círculo
cultural indo-europeu. Começaremos, pois, didaticamente, pelo círculo indo-
-europeu.
Retomando a primeira imagem, a de Ulisses se despedindo de Penélope para
participar da Guerra de Troia, assunto que você acabou de pesquisar, aproveite
para recordar o que você já aprendeu sobre filosofia e história antiga.
Escreva no espaço a seguir:
39

O nascimento da Filosofia
Atenção!
Isto significa que, para eles,
a história se desenrolava “em
círculos”, da mesma forma
como temos a alternância
das estações do ano. Não há,
portanto, um verdadeiro começo
para a história, assim como
também não há um fim. O que
encontramos frequentemente são
referências a mundos que surgem
e desaparecem, numa alternância
entre nascimento e morte
(GAARDER, 2012, p. 169).
40
SUMÁRIO
É importante saber que a filosofia, como já vimos anteriormente, nasceu
na Grécia – afinal, é nosso principal objeto de estudo, por isso recordamos
um pouco daquilo que já aprendemos. Entretanto, a filosofia grega é um dos
elementos formadores da nossa cultura ocidental, por isso, vejamos mais a fundo
a formação do Ocidente.
FORMAÇÃO DO OCIDENTE
A. Círculo cultural indo-europeu
Há povos que, mesmo geograficamente distantes, apresentam ideias semelhantes.
Talvez isso se deva ao fato de os indo-europeus, que viviam entre o mar Negro
e Cáspio, há cerca de 4 mil anos, terem se dividido e se espalhado em várias
direções.
Eles acabaram se misturando às populações locais, chamadas de populações
pré-indo-europeias. Um grupo seguiu para o sudeste – Irã e Índia –, outro
para o noroeste – leste europeu e Rússia – e o último ainda para a Europa –
Itália, Grécia e Espanha, mais especificamente. Apesar de terem se espalhado
pelo velho continente e tido contato com outros povos, tanto a língua quanto
a religião prevaleceram sobre as dos outros povos. Os indo-europeus eram
politeístas: acreditavam em vários deuses e, portanto, os gregos, por serem seus
descendentes, também seguiam essa crença.
Outro fator, conforme comenta Gaarder (2012), que pode ser observado
entre gregos, germânicos, iranianos e indianos, é a visão, que se torna o mais
importante dos sentidos, diferentemente dos semitas, para os quais a audição
é o mais importante. E, ainda, eles possuem uma concepção cíclica da história.
Em várias culturas, tanto no Ocidente quanto no Oriente, encontramos os
ideais ascéticos. Nessas culturas, pregava-se que era possível a união mística com
os deuses, se os homens levassem uma vida em que o corpo e seus prazeres fossem
CAPÍTULO
3
Formação da cultura grega
desprezados diante de outra vida, considerada a verdadeira, correta, elevada.
No caso da Grécia, esses ideais aparecem posteriormente, conforme veremos
mais adiante, com os órficos e pitagóricos. Jean-Pierre Vernant, importante
historiador e filósofo francês, pontua cuidadosamente o processo de formação
do povo grego.
Civilização Micênica – Compreende os séculos XX a XII a.C. Micenas é uma
importante cidade e o território já era ocupado pela cultura egípcia e cretense,
até a invasão dos indo-europeus, que, divididos em tribos, foram penetrando
sucessivamente.
Mais recentemente, muitos estudiosos têm publicado trabalhos científicos
sobre o continente africano, entre eles o professor de História da África Deivison
Nkosi, que afirma que esse continente contribuiu efetivamente para a história
universal, em especial para a cultura egípcia, nas áreas da matemática, geometria,
engenharia e técnicas de irrigação, que foram assimiladas pelos gregos e depois
pelos romanos.
Assim, para a formação do povo grego, os primeiros grupos, por volta do
século XII a.C., são os aqueus ou micênicos que falam um grego arcaico,
detêm machados de guerra, fabricam bronze, utilizam utensílios e cerâmica e
já haviam domesticado o cavalo, utilizado principalmente para fins militares.
Os micênicos foram influenciados pelos cretenses e, mais tarde, estabeleceram
o Reino Micênico, onde o palácio abrigava tanto o anáx, chefe religioso,
quanto todos os objetos de valor. Enfim, toda vida econômica e religiosa era
concentrada no palácio. Chegaram, então, os jônios, eólios e dóricos, que
formaram o povo grego.
Período Homérico – Compreendem os séculos XII a VIII a.C., em
homenagem ao suposto autor das obras Ilíada (2011a) e Odisseia (2011b).
Nesse momento, surgiu o sistema escravista e a classe aristocrática.
41

O nascimento da Filosofia
Saiba mais!
Aproveite este momento
para ler Ilíada (2011a)
e Odisseia (2011b), de
Homero.
42
SUMÁRIO
Fonte: Thinkstock.
O famoso Cavalo de Troia, estratagema elaborado por Ulisses
durante a Guerra de Troia que resultou na vitória dos gregos.
Período Arcaico – Compreende os séculos VIII ao VI a.C. É o período de
formação das cidades-estado (pólis), importante na medida em que há uma
expansão da colonização grega e o desenvolvimento do comércio, o que acarretou
grandes mudanças sociais e políticas, tendo como maiores expoentes as cidades-
-estado Esparta e Atenas.
Período Clássico – No período clássico (séculos V e IV a.C.), em Atenas,
com a instalação do regime democrático, houve uma transposição da vida
comum e familiar para a ágora – a praça pública da cidade. Exigia-se o domínio
da retórica, a arte de falar bem (o cidadão deve ser capaz de demonstrar, analisar
e argumentar), pois a ágora se estabelece como ponto de encontro de ideias e
debates. Não só a palavra, mas também a escrita passam a fazer parte da vida dos
cidadãos, o que resulta em uma explosão intelectual. Época do nascimento da
filosofia, com Sócrates, Platão e Aristóteles.
Período Helenístico – Compreende do século IV ao II a.C. Caracteriza-se
pela invasão macedônica por Felipe. Seu filho, Alexandre Magno, foi discípulo
de Aristóteles no Liceu e se viu imbuído de uma missão: civilizar todos os
povos da Terra. Ele queria, em outras palavras, impor ao mundo a cultura
grega. Mas como Alexandre morreu prematuramente, seu reino foi dividido e a
Alexandria passou a ser a capital cultural do mundo helenizado. Posteriormente,
os gregos foram dominados pelos romanos e seus territórios foram anexados
definitivamente em 146 a.C.
CAPÍTULO
3
Formação da cultura grega
Vale a pena assistir ao filme Alexandre (2004), do diretor Oliver Stone. Aos
25 anos, Alexandre já havia conquistado boa parte do mundo e liderava seu
exército em busca de novas terras – o Império Persa e o Egito, até um grande
combate na Índia. Durante o filme, aproveite para observar o método de
aprendizagem de Alexandre: o peripatético, adotado por Aristóteles, que
foi seu professor. Outro item importante a ser percebido no filme concerne
aos ideais do guerreiro e à maneira que a vida é encarada nesse período
histórico. Outra questão a ser percebida é o projeto de Alexandre de civilizar
o mundo inteiro. Anote essas ideias.
B. Direito Romano
Por que será que falaremos de Direito? Como será que o Direito se estabeleceu
entre nós? Do que ele trata?
Ora, o Direito é um sistema de normas jurídicas que regulamentam as ações
de determinada sociedade, a fim de que a convivência se torne possível e de que
se estabeleça o que realmente pertence a cada um, de modo a efetivar-se a justiça.
Há muitas áreas no direito, porém no que se refere ao direito romano em seus
princípios, podemos remontar às reformas concebidas pelo imperador Augusto (27 Atenção!
a.C.-14 d.C.), que pretendeu “latinizar o helenismo”. Pesquise sobre os imperadores
romanos, em especial sobre
Vejamos a seguir algumas reformas efetuadas por esse imperador. Augusto.
REFORÇANDO IDEIAS
O Século de Augusto é o momento do apogeu de Roma. O imperador
institui a Pax Romana ou Pax Augusta em todos os territórios conquistados,
dando aos chefes e governantes locais os títulos de “amigos de Roma”;
reforma tributação e impostos, satisfazendo os pequenos proprietários de
terra e os homens livres e ricos da plebe urbana; cria incentivos para a
agricultura e distribui terras aos generais aposentados para mantê-los longe
43
 SUMÁRIO
O nascimento da Filosofia
de Roma e das conspirações políticas; centraliza a coleta de impostos e taxas,
controlando todo o dinheiro público; centraliza e uniformiza os tribunais
de justiça, sistematiza o Direito romano, agora dividido em jus civile (as
leis do Estado) e jus gentium (o direito privado), promulga leis sobre a
propriedade privada (contratos, usufruto, usucapião, divórcio, casamento
perfeito, adultério, prole, sistematizando os problemas envolvidos com as
heranças) e se torna enquanto chefe do Estado, Dominus, isto é, senhor
e proprietário de todas as terras de Roma ou do dominium romanum,
podendo cedê-las, por contrato, a terceiros, seja como propriedade privada,
seja como posse. (CHAUI, 2010)
Até hoje, o Direito romano trata de questões referentes ao direito privado,
assim como a posse do território nacional, que, em última instância, pertence
ao Estado – que está acima da propriedade privada –, além do princípio da
autoridade que versa que nenhuma nova lei pode vigorar se não houver um
fundamento. A noção de fundamento repousa nos costumes que são os pilares
de uma sociedade, como já vimos, que são as ordenações e os mandamentos
divinos que os legitimam.
Isso significa, em outras palavras, que é necessário um fundamento para tudo
o que acontece no presente. No início, as leis que estão em vigor foram ditadas
pelos deuses e se tornaram as regras de convivência entre todos os homens de
determinada sociedade – os costumes, como já vimos. No Direito romano,
nenhuma lei pode ser apresentada se não tiver embasamento no passado histórico.
C. Círculo cultural semita
O que há de diferente entre o círculo cultural semita e o indo-europeu? Quais
são as características que herdamos do círculo cultural semita?
A teologia judaico-cristã e o islamismo advêm desse círculo cultural que
tem por principal característica o monoteísmo, ou seja, eles acreditam em
um único Deus. Ao contrário dos gregos, por exemplo, eles não são afeitos às
44
CAPÍTULO
3
Formação da cultura grega
representações pictóricas, por isso, dos cinco sentidos, a audição (o ouvir) é
muito mais importante do que a visão (o ver).
Apresentando ainda uma contraposição importante aos indo-europeus, os
semitas têm uma visão linear da história, ou seja, é compreendida como uma
linha que vai desde a criação até seu término, com o juízo final: momento
de julgar todos, os mortos e os vivos. Tal concepção revela que a vontade de
Deus predomina, pois os acontecimentos não são meramente casuais, mas
determinações da Sua vontade.
Podemos ressaltar, em primeiro lugar, que os valores da cultura judaico-cristã
se referem aos dez mandamentos, recebidos por Moisés no monte Sinai, e que
regem as regras de convivência e os costumes daquela sociedade. Entretanto,
especificamente falando do cristianismo, como nos aponta Gaarder (2012),
é importante lembrar que o novo testamento foi escrito em grego e quando
ocorreu a reformulação da teologia cristã, houve a influência tanto da língua
latina quanto da filosofia do período helenístico.
O cristianismo exalta ainda os valores do amor incondicional a Deus e ao
próximo. Esse amor incondicional é expresso pela própria vida de Jesus, agregados
à caridade. O cristianismo, portanto, comporta, em primeiro lugar, uma mudança
interna e uma reconstrução de valores que se expressam não apenas na fé, mas,
sobretudo, nas ações. Valores que descartam o egoísmo e o materialismo, pois o
que interessa verdadeiramente é a busca pela virtude e pela piedade.
45
 SUMÁRIO CAPÍTULO
3
O nascimento da Filosofia Formação da cultura grega

O Direito romano estabelece as regras do direito que trata da vida privada

(particular de cada indivíduo). O ciclo cultural semita, nosso terceiro elemento,
será tratado também com maior cuidado depois. Por ora, basta saber que o
cristianismo transformou os valores da cultura ocidental.

A fim de fixar as principais características dos três elementos formadores da

cultura ocidental, elenque em seus respectivos quadros a seguir as características
de cada um.

1. Localização geográfica.
2. Período histórico.
3. Características para os círculos culturais:
a) Tipo de religião: quais foram as religiões que derivaram desse círculo?
b) Concepção de história.
c) Órgão do sentido privilegiado.
SÍNTESE 4. O que é Direito romano?
5. Características do Direito romano.
Retomando o que foi estudado, compreendemos que a cultura ocidental é 6. Quem foi Augusto? Qual sua importância para a filosofia do Direito?
formada por três grandes elementos: o círculo cultural indo-europeu, o direito
romano e o círculo cultural semita. Todos eles têm características próprias. Círculo indo-europeu Direito romano Círculo cultural semita

Dentro do ciclo cultural indo-europeu está a periodização da cultura grega que

abrange cinco períodos: pré-homérico, homérico, arcaico, clássico e helenístico.
O primeiro trata da chegada das migrações dos indo-europeus – aqueus, jônios,
eólios e dóricos. No período homérico, encontramos as narrativas de Homero:
a Ilíada (2011a) e a Odisseia (2011b). No arcaico, a formação das cidades-
-estado, com destaque para Mileto, a cidade que é um dos grandes portos da
antiguidade, berço da filosofia que denominamos pré-socrática. No período
clássico, com a instalação da democracia em Atenas, surgem os sofistas e os APLICANDO CONCEITOS
grandes pensadores – Sócrates, Platão e Aristóteles. O período helenístico refere-
-se à invasão macedônica, com Felipe e de seu filho Alexandre, que foi aluno de Podemos verificar que vários fatores externos contribuíram para o nascimento da
Aristóteles. filosofia, por volta do século VI a.C., na cidade de Mileto:

46 47

O nascimento da Filosofia
Saiba mais!
Pesquise como esses
fatores externos
contribuíram para o
nascimento da filosofia.
Isso o ajudará a
compreender a questão
que se coloca abaixo.
48
SUMÁRIO
a) Invenção da moeda – A moeda já tinha sido inventada na Lídia, mas sua
inserção na Grécia, por volta do século VIII a.C., incrementa a vida comercial.
Na Grécia, a moeda passa a ser emitida e garantida pelo Estado.
b) Escrita – Se houve algum traço de escrita antes do século XII a.C., este
desapareceu com a invasão dórica que tudo destruiu. A escrita só foi inserida
novamente no final do século IX ou VIII a.C. por influência dos fenícios. A
escrita, de certa forma, revoluciona o modo de vida das pessoas, proporcionando
uma possibilidade de abstração.
c) Calendário – Com a adoção do calendário, o homem adquiriu uma nova
concepção de tempo, percebendo que certas coisas importantes acontecem
repetidamente.
d) Invenção da política – A palavra “política” vem de pólis (cidade-estado).
Ora, o cidadão é aquele que, em primeiro lugar, não apenas nasce naquela
cidade, mas participa ativamente na construção dela, e pode colocar-se, dar a
própria opinião, de modo que a cidade é resultado da coletividade. Para que
esse convívio seja possível, é preciso que as leis que são promulgadas reflitam a
vontade desses cidadãos, e não mais a sujeição de um homem ou de um grupo
de homens que exerciam seu poder por meio da tradição, sem, muitas vezes,
atender às solicitações dos membros de sua comunidade.
CAPÍTULO
3
Formação da cultura grega
SUGESTÃO DE ATIVIDADE
Uma das grandes questões que se coloca quanto ao nascimento da filosofia
consiste na ideia de que o povo grego seria privilegiado, ou seja, diferente dos
demais. No entanto, muitos estudiosos afirmam a influência dos povos do
Oriente para o nascimento da filosofia. Leia o texto a seguir e reflita sobre as
questões seguintes.
A filosofia é algo propriamente grego ou se deve a heranças recebidas de
outras culturas, isto é, dos “bárbaros”?
Renomados historiadores da filosofia destacam que não há no início da ciência
e da filosofia gregas uma separação nítida entre Ocidente e Oriente, na medida
em que podemos notar vários pontos de contato e afinidades. Dos babilônios, os
gregos aprenderam a usar o quadrante solar, as doze partes do dia; dos caldeus,
egípcios e fenícios, a astronomia, a geometria, a aritmética. Ainda dos egípcios,
valiosas contribuições na área médica. Podemos mencionar também a talvez
recíproca influência do Extremo Oriente: a Índia no que diz respeito à arte e no
domínio intelectual.
Mas, então, por que atribuímos o nascimento da filosofia aos gregos? Essa
questão merece um esclarecimento. Não poderíamos chamar de filosofia também
o modo de pensamento dos outros povos? Falando de modo rigoroso, não. Os
caldeus, apesar de todos os registros e estudos, limitavam-se à astrologia; à geometria
egípcia – para um fim utilitário – à agrimensura, à medicina, à matemática para
fins religiosos. Assim, podemos por um lado afirmar que, de certa forma, os
gregos aprenderam e assimilaram muitos conhecimentos que já existiam nesses
povos, porém, por outro, somente eles se debruçaram sobre toda a vastidão desses
conhecimentos que estavam espalhados e fundidos com a religião. Precisaram,
portanto, criar critérios, selecionar tudo aquilo que chegava às suas mãos.
Assim, a filosofia não é nem fruto de um “milagre”, como tradicionalmente se
diz, nem está presa ao orientalismo. Na verdade, o que aconteceu é que os gregos
49
 SUMÁRIO CAPÍTULO
3
O nascimento da Filosofia Formação da cultura grega

se valeram desses conhecimentos que estavam disseminados nos outros povos,
mas os reelaboraram de maneira nova.
A filosofia não pode ser inteiramente desvinculada da vida espiritual, dos
sentimentos, mas não pode prender-se a eles, assim como também não se configura
como ciência, pois se caracteriza, como diz Brehier (1977), em numa incessante
busca pela razão, na compreensão de tudo. O que nos cabe considerar, portanto, é
que podemos dizer que apesar da influência venerável destes outros povos:
[...] não há filosofia senão quando há um pensamento racional, isto é, um
pensamento capaz de autocrítica e de esforço para justificar-se mediante
razões [...] Suficiente para distinguir a filosofia da crença religiosa, esse traço a
diferencia também das ciências positivas, porque a história das ciências positivas
é completamente inseparável da história das técnicas, de onde surgiram e que elas
aperfeiçoam. [...] a filosofia é pura especulação, mero esforço para compreender,
sem outra preocupação. (BREHIER, 1977, p. 12)
1) A filosofia é algo propriamente grego ou se deve a heranças recebidas deoutras
culturas, como os “bárbaros”?
REFERÊNCIAS
BREHIER, E. História da filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1977. 1 v.
CHAUI, M. Introdução à história da filosofia. São Paulo: Companhia das
Letras, 2010. 2 v.
DINIZ, M. Sete ilhas gregas que vão inspirar sua próxima viagem. Catraca
livre, São Paulo, 16 jul. 2014. Disponível em: <http://moodle.mackenzie.
br/link/cb>. Acesso em: 10 out. 2014.
GAARDER, J. O mundo de Sofia. Tradução: Leonard Pinto da Silva. São
Paulo: Companhia das Letras, 2012.
HOMERO. Ilíada. Tradução Carlos Alberto Nunes. São Paulo: Saraiva,
2011a.
______. Odisseia. Tradução Carlos Alberto Nunes. São Paulo: Saraiva,
2011b.

Filmes

ALEXANDRE. Direção: Oliver Stone. Estados Unidos: Warner Bros.,

Intermedia Films e Pacifica Film, 2004. 1 DVD (175 min).
2) Explique a expressão “milagre grego”.
ULISSES. Direção: Mario Camerini. Itália: Lux Film, 1954. 1 DVD (117
min).

3) Apresente as duas posições: “milagre grego” e “orientalismo”.

50 51
 SUMÁRIO
O nascimento da Filosofia
Vídeos
ODISSEIA (Homero), A. Produção: Karen Thomas. Direção: Dale Minor.
Tradução Xara. Estados Unidos: Discovery Communications, 1996.
Disponível em: <http://moodle.mackenzie.br/link/c9>. Acesso em: 10 set.
2014.
Bibliografia básica
CARLI, R. Antropologia filosófica. Curitiba: IBPEX, 2009. (Biblioteca
Virtual Universitária 3.0)
Bibliografia complementar
LÉVI-STRAUSS, C. As descontinuidades culturais e o desenvolvimento
econômico. In: ______. Antropologia Estrutural II. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1993.
VERNANT, J. P. Mito e pensamento entre os gregos: estudos de psicologia
histórica. São Paulo: Difusão Europeia do Livro: Edusp, 1973.
______. As origens do pensamento grego. São Paulo: Bertrand, 1992.
52
CAPÍTULO
4
Mitologia grega e religião pública
CAPÍTULO 4
Mitologia grega e religião pública
Neste último capítulo, vamos compreender a importância da religião pública,
tanto para os gregos quanto para os romanos, que tem por base os deuses. Dados
históricos podem nos ajudar na elaboração do percurso da formação da cultura
ocidental, pois é imprescindível termos essa clareza visto que qualquer pensador
que estudarmos não está desvinculado do momento histórico ao qual pertence.
Gregos e romanos prestavam culto a esses deuses e acreditavam neles. Entretanto,
depois da morte de Jesus, alguns apóstolos que estavam na Judeia migraram para
a Grécia e iniciaram a evangelização.
Esse momento merece certo cuidado, pois podemos observar que, 500 anos
antes de Jesus nascer, na Grécia se praticava a religião dos mistérios – que pregava
a imortalidade da alma e sua origem divina, diferente da origem do corpo, ideias
muito próximas às do cristianismo. Eram seitas apenas para os iniciados, de
modo que não temos noção de quantas pessoas atingiam.
Ora, se o trabalho dos apóstolos não foi em vão, isso se deve a duas coisas:
adoção da religião dos mistérios, que estudaremos adiante, e crescimento do
número de cristãos, crescimento esse colaborado pelo imperador Constantino
que proclamou, em 313 d.C., o édito de Milão – lei que permitia a liberdade de
culto a qualquer deus. Pouco tempo depois, o cristianismo se tornou a religião
oficial do Império Romano, em 380 d.C. pelo decreto de Teodósio I. Durante
os primeiros séculos, portanto, os cristãos eram considerados subversivos e
perseguidos por todos os outros imperadores romanos, principalmente por Nero.
Nosso objetivo aqui é apenas estruturar o recorte histórico desse momento, ou
seja, apresentar a religião pública e a dos mistérios, pois você terá os fundamentos
necessários para compreender os períodos posteriores.
53
 SUMÁRIO CAPÍTULO
4
O nascimento da Filosofia Mitologia grega e religião pública

PRODUÇÃO DE PESQUISA OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

Aproveite este momento para fazer um quadro cronológico dos momentos

mais importantes da Grécia e do Império Romano, dos séculos VI a.C. a IV
1 CONCEITUAIS

d.C , isso o ajudará a solidificar seus conhecimentos. Apresentar a trajetória de formação da cultura ocidental.
Ilustrar o mito cosmogônico e o da origem dos gregos.
Neste capítulo, retomaremos o conceito de mito para introduzirmos a Identificar os valores desse período.
narrativa cosmogônica e alguns dos principais mitos de origem do povo grego. Discutir o modelo de homem na religião pública.

2
Isto é, o mito narra uma história sagrada, cujos personagens principais são sempre
os deuses. São narrativas de criação, tanto do universo como de todas as outras PROCEDIMENTAIS E HABILIDADES
coisas existentes, as que contam a origem de rios, mares, lagos, montanhas,
estrelas, flores etc., assim como da própria espécie humana. Estabelecer parâmetros comparativos entre os valores da antiguidade
clássica e os atuais.
Os mitos objetivam contar de maneira simbólica a origem das coisas. Nesse Comparar os valores da antiguidade clássica e as mudanças ocorridas ao
sentido, todos os povos têm suas respectivas narrativas que pertencem à sua longo do tempo.
religião. Os gregos não são diferentes, pois eles também, de modo especial,
explicam como tudo apareceu. Entretanto, os deuses da mitologia grega
são portadores de características humanas: são tomados por sentimentos
3 ATITUDINAIS E VALORES

avassaladores, como paixões que pertencem ao mundo dos homens. Todavia, Sensibilizar-se quanto aos valores da antiguidade clássica.
a sua narrativa cosmogônica parte de pressupostos diferentes, como veremos Respeitar as diferentes culturas, apesar de termos recebido um olhar
adiante. Assim, neste capítulo conheceremos um pouco mais sobre eles, para etnocêntrico.
discutirmos os valores derivados dessa concepção e de sua importância para o
estudo em filosofia.
Fonte: Thinkstock.

54 55
 SUMÁRIO CAPÍTULO
4
O nascimento da Filosofia Mitologia grega e religião pública

EXPLORANDO CONCEITOS Mitologia e religião pública

Ultimamente, há muitos livros, filmes e jogos que têm como base os deuses
gregos.Vários deles você já conhece ou, pelo menos, deve ter ouvido falar.
Entretanto, nem todos são fiéis à narrativa original, de modo que cabe
estudá-los profundamente.
Como surgiu o céu e a Terra segundo os gregos? Você sabe? A genealogia é um
pouco complexa. O que sempre existiu foi o Caos, uma massa informe, que
abrigava todos os elementos em si.
Caos, então, traz consigo a ideia de desordem, em oposição a Logos (ordem).
Em certo momento, do Caos surgiram Gaia ou Geia (que é a Terra), Tártaro
(a escuridão – aquela que você vê nas fotos sobre o universo) e Éros (o amor),
compreendido como força de atração primordial.

Geia gera Urano (Céu). Urano cresce e depois se casa com Geia – em um
hierógamo –, um casamento sagrado entre o Céu e a Terra. Desse casamento,
nasceram os Titãs (Oceano, Ceos, Crio, Hipérion, Japeto e Cronos), as Titânidas
(Teia, Reia, Éos, Themis e Mnemosine), os Ciclopes (Urânios, Siciliano e
Polifemo), os Hecatonquiros (Coto, Briareu, Égeon e Gias) e Montes e Pontos
(as montanhas e os mares).

Hércules, um dos mais famosos
heróis da mitologia grega, em
recente estreia nos cinemas.
(HÉRCULES, 2014)
Percy Jackson é o protagonista
da série Percy Jackson e os
Olimpianos, escrita por Rick
Riordan. (RIORDAN, 2008)
Neste jogo, os homens ainda não
existiam e os titãs lutavam entre Como surgiram os titãs e os deuses? Como nasceram Afrodite e as ninfas? É
si. (GOD OF WAR, 2005)
o que veremos a seguir. A história continua...

Atenção!
Ao assistir a estes filmes,
procure perceber as diferenças
do que foi retratado em
comparação ao estudo da
mitologia.
Vamos adentrar o universo dos deuses gregos? Antes, porém, será necessário
compreender que os gregos partiram de um outro pressuposto, isto é, de outra
base: enquanto, para outras culturas, o que sempre existiu foi Deus, para os
gregos, sempre foi o Caos, que é uma massa informe na qual todos os elementos
já são preexistentes. Essa ideia é muito similar às noções da biologia e da física
contemporânea, como a da sopa de elementos, ou seja, os elementos sempre
existiram, porém estavam desorganizados.
Urano, com medo de perder o seu poder, obriga Geia a devolver para seu
próprio ventre todos os filhos que gerou. Então, não suportando mais carregá-
-los, Geia pede que se libertem do pai, porém todos o temem e não tentam
desafiá-lo. No entanto, o caçula dos titãs, Cronos, odeia o próprio pai e resolve
pôr fim à situação. Ele ganha uma foice de presente da mãe e, certa noite, quando
Urano se deita sobre Geia, ele castra o pai. Do sangue de Urano que caiu nas
montanhas nasceram as ninfas, do sêmen que caiu nas espumas do mar nasceu
Afrodite.

56 57
 SUMÁRIO
O nascimento da Filosofia
Cronos se casa com Reia e eles têm vários filhos: Héstia, Hera, Deméter,
Hades, Poseidon e Zeus. Cronos acaba sendo um pai muito mais tirano e cruel
que Urano, pois devora cada filho que tem com Reia, com exceção do caçula,
Zeus. Para salvar seu filho, Reia, quando percebe que terá a criança, foge e, para
enganar Cronos, embrulha pedras em lençóis de linho. Cronos engole as pedras,
acreditando ser seu filho.
Zeus então é criado pelas ninfas e alimentado por uma cabra sagrada,
chamada Almateia. Quando maduro, ele recebe de Afrodite uma poção que faz
com que Cronos vomite seus irmãos. Eles se aliam e ocorre a famosa Guerra dos
Titãs, que perdurará por dez anos. Cronos e os titãs contra Zeus, seus irmãos
e os Hecatônquiros (três gigantes – Briareu, Coto e Giges – que possuíam cem
mãos e cinquenta cabeças).
No final, Zeus e seus aliados vencem. Os titãs são atirados no Tártaro, de
onde nunca mais saíram, e Zeus sorteou a divisão do universo com seus irmãos.
Poseidon ficou com os mares, Hades, com o mundo dos mortos e Zeus, no
Olimpo, com todos os outros deuses.
Zeus se casa com Hera e tem quatro filhos: Hebe (juventude eterna), Ilitia
(a deusa dos partos), Ares (deus da guerra) e Hefesto (o deus da metalurgia).
58
CAPÍTULO
4
Mitologia grega e religião pública
Agora que você está a par da genealogia dos deuses, pelo menos da
principal, faça um esquema, que facilite seu entendimento. Procure obras
de arte grega para ilustrar o seu esquema, mas também as dos pintores
do Renascimento, pois, como veremos, esse período pretende restabelecer
alguns valores greco-romanos.
Será que já acabamos? Certamente não e poderíamos ver mais detalhes
se quiséssemos aprofundar nossos estudos. Toda essa investigação tem sua
importância à medida que o acervo cultural do Ocidente em grande medida
está associado a essas narrativas – tanto no que tange aos estudos realizados
pela psicologia, como os de Jung (1875-1961), psiquiatra suíço fundador da
psicologia analítica, que se vale desses mitos para traçar a personalidade do
homem, quanto na própria produção artística, que estabelece suas releituras de
acordo com o momento histórico. Por exemplo, já vimos inúmeras obras de
pintores do renascimento, mas esses temas se estendem por toda a história da
arte.
Em linhas gerais, assistimos à apresentação das três gerações divinas —
do Caos a Cronos; de Cronos e Reia; Zeus e o Panteão Olímpico — mas é
importante saber que cada um deles tem seus próprios filhos, o que nos leva a uma
multidão de seres sobrenaturais. Em segundo lugar, os gregos são extremamente
religiosos, porém os romanos dominaram o mundo na Antiguidade e, como
não tinham uma religião forte, acabaram adotando a religião grega para si. A
esse fenômeno damos o nome de sincretismo religioso. Como os romanos não
falavam grego, mas latim, todos os deuses e entes sobrenaturais recebem uma
dupla nomenclatura.
59
 SUMÁRIO
O nascimento da Filosofia
E os heróis também são deuses? Você consegue identificá-los?
Por que então o mito se torna tão importante? Qual é a diferença entre uma
narrativa qualquer e um mito? O mito é entendido como uma narrativa sagrada,
pois conta como o seu deus (ou deuses, se forem politeístas) criou (ou criaram) o
universo, todas as coisas que existem no mundo e também o homem. É sagrado
porque nada poderia ter surgido, para a maioria dos povos, sem a intervenção
de um deus ou de deuses. Isso significa que, para cada povo, seus mitos são
verdadeiros, e não simplesmente uma lenda, como muitos de nós imaginamos.
O mito revela que nada pode surgir do nada, isto é, do nada, nada se cria.
Logo, devemos inferir que sempre deve ter existido alguma coisa: ou Deus ou
Caos, como acabamos de ver. A maioria das culturas adota o conceito de Deus,
partindo da ideia de que Ele sempre existiu, tanto nas culturas monoteístas
quanto politeístas, pois dele foram gerados todos os outros deuses. Cada cultura
acredita na sua própria narrativa cosmogônica, tomando-a por verdadeira,
sagrada e inquestionável. Por isso é importante respeitarmos a cultura dos outros,
mesmo que não seja a nossa.
É sagrada porque os personagens principais são os deuses ou os entes
sobrenaturais. Torna-se importante à medida que a ciência, por meio exclusivo
da razão, não consegue explicitar todas as esferas da vida. Há coisas que a ciência
não é capaz de explicar.
Outro ponto importante a ser abordado é que o mito tem como função
explicitar modelos exemplares, ou seja, todas as atividades que compreendem a
vida do homem – o nascimento, a passagem da infância para a vida adulta, os
rituais de cura, de plantação, de morte, assim como rituais para o casamento,
nascimento dos filhos etc. foram ensinados pelos deuses e devem ser repetidos,
pois é daquela maneira que seus deuses e ancestrais procederam nos tempos
fabulosos do início. São dessas ordens e ensinamentos recebidos dos deuses que
nascem os costumes.
60
CAPÍTULO
4
Mitologia grega e religião pública
Além das narrativas cosmogônicas, como vimos, há também as de origem,
que nos revelam como cada coisa surgiu, por exemplo as flores, as constelações
etc. Ainda na da narrativa sobre as gerações divinas, podemos
acrescentar os relacionamentos de Zeus com deusas e
mortais, gerando outros deuses e heróis, como Perseu, filho
de Dânae, e Hércules, filho de Alcmena. Ambas são apenas
de “família real”, de modo que, para ter direito a morar no
Olimpo, todo herói, já que é em parte mortal, deve passar por
algumas tarefas difíceis, o que implica, no sentido psíquico,
na busca que todos nós devemos empreender para atingir a
elevação espiritual. Fonte: Thinkstock.
Cosmogonia é a narrativa de criação do universo.
Cosmologia é o estudo que os pré-socráticos fizeram sobre a origem do
universo, ou seja, buscavam pela Arkhé, que é o princípio gerador de todas
as coisas.
Mito de origem são as narrativas que explicitam como cada coisa surgiu –
rios, lagos, montanhas, animais, flores, estrelas etc.
PRODUÇÃO DE PESQUISA
• Vamos então procurar todos esses titãs, deuses, deusas e heróis da
mitologia grega? Podemos apresentar o mito correspondente de cada um
deles e as diversas interpretações ilustrativas, como quadros e esculturas dos
grandes artistas da nossa história.
Em uma breve recapitulação, percebemos então que o que existe primeiro,
antes de tudo, é o Caos. Depois aparecem os titãs e, posteriormente, os
deuses. Diferentemente do que vemos nos atributos de Deus da cultura
judaico-cristã, os deuses olímpicos gregos são um espelho do próprio
61

O nascimento da Filosofia
Você sabia?
O mito não morreu; ele
continua vivo entre nós.
Saiba mais!
Leia os livros de Roland
Barthes e Umberto Eco,
pois ambos fazem um
levantamento dos mitos
contemporâneos que
aparecem no cinema,
nas propagandas e na
mídia em geral, sempre
atrelados a ideologias. Em
Barthes, encontramos os
mitos relativos aos sabões
em pó, detergentes,
cremes faciais, plásticos,
brinquedos, astrologia,
bife com batatas fritas e
outros. Eco, em especial,
trabalha com os super-
heróis, como o Superman
e sua dupla identidade.
62
SUMÁRIO CAPÍTULO
4
Mitologia grega e religião pública
homem – são tomados de sentimentos e de atitudes que acabam por nos Assim, os chamados filósofos pré-socráticos buscavam encontrar um motivo
contar um pouco mais sobre nós. Sobre a condição humana, podemos nos racional pelo qual o universo teria nascido, sem tomar por base as narrativas
reportar às narrativas de Homero e Hesíodo. religiosas; entretanto, para eles, o universo continha algo de divino em seu
conjunto. Ou seja, esses filósofos admitiam que algo divino e racional promovia
• Pesquise os mitos de origem grega, como os de Narciso, Jacinto, das a harmonia do universo. Nesse sentido, quando escolhiam um elemento da
rosas vermelhas, das constelações etc. natureza para fundamentar essas explicações, esse elemento era considerado
divino.
É difícil não imaginar: o que será que os gregos pensavam quando
contemplavam aquele céu maravilhoso, estrelado, naquelas praias inundadas Os gregos se espantavam, como diriam os filósofos clássicos, com a existência
de tons de azuis e verdes indescritíveis? (Aliás, como são até hoje!) Como do universo, de haver o “tudo” ao invés do “nada”. Esses primeiros filósofos foram
alguém que, deitando-se naquela areia clara, não se sentiu pertencendo ao também chamados por Aristóteles de físicos, pois, em grego, physis significa
universo inteiro? Como alguém observando a lua clara refletida no mar não “natureza”. Ressaltamos que, embora esses pensadores tenham promovido uma
se emocionou consigo mesmo e não se sentiu grato por estar vivo? ruptura com o mito, para a maioria da população, sua religião permanecia
praticamente intacta, isto é, havia o prevalecimento da cosmogonia.
Na verdade, podemos imaginar que sempre foi assim, que dificilmente o
homem, quando se depara com uma situação dessas, não se sente elevado A seguir, trataremos dos filósofos
e pressente o divino. No entanto, historicamente, mudanças aconteceram pré-socráticos mais conhecidos, e
para que houvesse a passagem do pensamento mítico, que chamamos de ressaltamos que as datas de nascimento
Cosmogonia (a criação do universo pelos deuses), para a Cosmologia, e morte são aproximadas, pois há
que busca explicações racionais para a organização do mundo. Nas duas, muita divergência mesmo entre os
a grande indagação que se apresenta é como do Caos surgiu um mundo estudiosos mais renomados.
ordenado, o Kosmos, ou ordem – Logos.
Antes de encerrarmos, cabe fazer
A proximidade geográfica da Grécia permitiu contato com as velhas culturas uma menção sobre a religião dos
do Oriente, e em Mileto, por volta do século VI a.C., proporcionou uma condição mistérios, pois apesar de os gregos
especial para o nascimento da Filosofia. Mileto era uma cidade portuária da manterem durante toda a antiguidade a
Grécia, tão importante como os portos de Santos, Rio de Janeiro ou de Manaus religião pública, encontramos algumas
para nós brasileiros. Então iam para Mileto mercadores de várias culturas “seitas” derivadas do pensamento órfico
diferentes, assírios, egípcios, sumérios, babilônios que, por conseguinte, levavam e pitagórico que, posteriormente,
suas diferentes religiões. Ficavam vários dias por lá até venderem ou trocarem também influenciaram o pensamento
suas mercadorias. Inevitavelmente, a discussão sobre como e quem teria criado o platônico.
Orfeu rodeado de animais. Piso de mosaico romano, século III d.C.,
universo acabava acontecendo, de tal modo que os primeiros pensadores, devido Palermo, Museo Arqueológico Regional. Disponível em: <http://moodle.
mackenzie.br/link/16l>.
a essa coexistência de religiões e de culturas, passaram a buscar pela Arkhé – o
princípio gerador de todas as coisas.
63

O nascimento da Filosofia
Saiba mais!
Leia sobre esse tema
no livro História da
filosofia (REALE;
ANTISERI, 2003),
mais especificamente na
primeira e segunda partes
da obra.
64
SUMÁRIO
Inicialmente pode-se remontar esse conjunto de crenças ao mito de
Orfeu, que se caracteriza pela ideia de que a alma deve passar por sucessivas
reencarnações, incluindo a metempsicose (a transmigração da alma para outros
corpos, incluindo o de animais), por conta de sua má conduta neste mundo.
Então seria necessário purgar os malfeitos, pois a alma humana teria uma origem
divina e estaria aprisionada no corpo, e a melhor forma para evitar isso estaria
na prática de uma vida ascética: desprezando os prazeres do corpo e voltando-se
para a espiritualidade. Completando essas doutrinas, temos a influência dos
pitagóricos.
Pitágoras teria nascido na ilha de Samos, entre 570 e 490 a.C.
aproximadamente. Fundou uma sociedade filosófico-religiosa em Crotona,
no sul da Itália. Teria sido aluno de Anaximandro e feito várias peregrinações,
inclusive ao Egito e à Babilônia, onde teve acesso ao pensamento de várias
religiões do Oriente e conhecido Zoroastro ou Zaratustra, um profeta que
reformulou os princípios morais das tribos de seus antepassados indo-iranianos.
Essa região hoje se encontra no Irã.
As características mais marcantes do pensamento de Pitágoras consistem
em relacionar que, em primeiro lugar, na natureza (physis) tudo é número
(arithmós). Toda a realidade que existe poderia ser traduzida em expressões
numéricas e em proporções. O número exprime a própria essência das coisas,
o que reflete o Kosmos (ordem). A segunda, que a alma é imortal e existe antes
e depois do corpo, e é superior a este, pois sua natureza é divina. Dessa forma,
o homem não deve viver em função dos prazeres do corpo. Esta é a terceira
característica: a busca por uma vida virtuosa, pois a alma deve purificar-se,
levando uma vida contemplativa, o que implica em uma série de prescrições
morais. O legado da escola pitagórica pode ser vislumbrado em várias áreas do
conhecimento: matemática, música e astronomia. Os adeptos mais conhecidos
da escola pitagórica são: Filolau, Arquitas e Alcmeón.
CAPÍTULO
4
Mitologia grega e religião pública
SÍNTESE
Vimos que a primeira grande interpretação de mundo é realizada por meio
da religião, que os povos primitivos e antigos chamavam de mito. Preferimos,
entretanto, em respeito às diversas culturas existentes no mundo, chamá-lo de
narrativa cosmogônica. No geral, conforme também vimos, as culturas partem
do pressuposto de que seu(s) deus(es) existe(m) desde sempre e é a partir dele(s)
que o universo inteiro foi criado.
Todavia, os gregos partem de outro pressuposto: a ideia de Caos, de uma
massa informe, e que dele emanaram Gaia (ou Geia), Éros e Tártaro. Foi
importante diferenciar as origens dessas narrativas, pois precisaremos dela em
muitos momentos do nosso curso, especialmente para os estudos de Nietzsche,
pensador alemão do século XIX. Cabe também, nesse momento, salientar que
os mitos perfaziam a religião pública na Grécia, as pessoas prestavam culto e
acreditavam nesses deuses, mas, posteriormente, apareceram as seitas e a religião
dos mistérios que influenciaram vários filósofos, especialmente Platão.
Outro tópico a ser referenciado diz respeito à atualidade do mito, com os
estudos contemporâneos realizados por Umberto Eco, Roland Barthes, entre
outros.
APLICANDO CONCEITOS
Depois de todos esses estudos, identifique os deuses e outros seres da mitologia
grega representados nas obras de arte a seguir relacionadas, ainda que não
conheça mais detalhes, tais como o período histórico, pintores ou o movimento
artístico em que foram produzidas.
65
 SUMÁRIO CAPÍTULO
4
O nascimento da Filosofia Mitologia grega e religião pública

Vamos tentar? Isso o ajudará a fixar os conteúdos aprendidos. SUGESTÃO DE ATIVIDADE

A atualidade do mito não pode ser contestada, mas adquiriu uma nova roupagem.
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Entretanto, o homem ainda sente uma grande necessidade no que diz respeito
à existência dos heróis. Há uma gama de estudiosos e livros a esse respeito. A
seguir destacamos um trecho do livro Os super-heróis e a Filosofia: verdade,
Justiça e o caminho socrático (MORRIS; MORRIS, 2009).

As identidades secretas funcionam de duas maneiras. Quando o Homem-Aranha

está ocupado tecendo teias e combatendo o crime, não quer que as pessoas saibam
que ele é o jovem Peter Parker. E quando Peter Parker está na escola, não pode
permitir que seus colegas saibam que ele é o super-herói combatente do crime, o
Homem-Aranha. Às vezes, ele gostaria que soubessem, para que o respeitassem
um pouco mais. Mas ele entende que a revelação de sua identidade alternativa,
combatente ao crime, poderia comprometê-lo. [...] As mentiras em que os
super-heróis se envolvem ao criar e preservar sua identidade secreta também são
moralmente justificadas, e talvez possam ser até dignas de louvor, desde que
julgadas necessárias para proteger pessoas inocentes de algum mal, incluindo
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aquelas com as quais os super-heróis têm obrigações especiais, como membros
da família, bons amigos, colegas civis e outros indivíduos importantes para eles.
(MORRIS; MORRIS, 2009, p. 241-242)

1) Em sua opinião, por que os super-heróis são necessários ainda nos dias de
hoje?

2) Há ainda uma temática que pode ser alocada ao mito, que é a luta entre o Bem
e o Mal. Como podemos relacionar esse tema à citação mencionada? Explique.

66 67
 SUMÁRIO
O nascimento da Filosofia
REFERÊNCIAS
GOD of war. Produção: Shannon Studstill. Santa Monica: SCE Santa
Monica Studio, 2005.
HÉRCULES. Direção: Brett Ratner. Estados Unidos: Paramount Pictures;
Metro-Goldwyn-Mayer Pictures; Flynn Picture Company, 2014. 1 DVD
(98 min).
MORRIS, M.; MORRIS, T. Super-heróis e a Filosofia: verdade, justiça e
caminho socrático. São Paulo: Madras, 2009.
REALE, G.; ANTISERI, D. História da filosofia: filosofia pagã antiga. 3. ed.
São Paulo: Paulus, 2007.
RIORDAN, R. O ladrão de raios. Tradução Ricardo Gouveia. Rio de Janeiro:
Intrínseca, 2008. (Série Percy Jackson e os Olimpianos, v. 1).
Bibliografia básica
CARLI, R. Antropologia filosófica. Curitiba: IBPEX, 2009. (Biblioteca
Virtual Universitária 3.0)
Bibliografia adicional
VERNANT, J. P. Mito e pensamento entre os gregos: estudos de psicologia
histórica. São Paulo: Difusão Europeia do Livro: Edusp, 1973.
______. As origens do pensamento grego. São Paulo: Bertrand, 1992.
Bibliografia complementar
ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1982.
68
CAPÍTULO
4
Mitologia grega e religião pública
BARTHES, R. Mitologias. São Paulo: Difel, 1980.
BRANDÃO, J. S. Mitologia grega e latina. Petrópolis: Vozes, 1987.
BREHIER, E. História da Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1977. 1 v.
CASORETTI, A. M. A origem da alma: do orfismo a Platão. 2010. Trabalho
de Conclusão de Curso (Graduação em filosofia) – Universidade Presbiteriana
Mackenzie.
CHATELET, F. História da Filosofia. Rio de Janeiro: Zahar, 1973. 1 v.
CHAUI, M. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2000.
ECO, U. Apocalípticos e integrados. São Paulo: Perspectiva, 1970.
ÉSQUILO. Prometeu acorrentado. São Paulo: Ediouro, 1989.
GAARDER, J. O mundo de Sofia. São Paulo: Companhia das Letras,
1996.
GIANNOTTI, J. A. Lições de filosofia primeira. São Paulo: Companhia das
Letras, 2011.
HOMERO. Odisséia. São Paulo: Abril Cultural, 1978.
MONDOLFO, R. O pensamento antigo. São Paulo: Mestre Jou, 1971.
NIETZSCHE, F. A filosofia na idade trágica dos gregos. Lisboa: Edições 70,
2009.
PLATÃO. Diálogos. São Paulo: Cultrix, 1978.
69
 SUMÁRIO

O nascimento da Filosofia

RAGACHE, C. C. A criação do mundo. 7. ed. São Paulo: Ática, 2007.

(Coleção Mitos e Lendas).

WERNER, C. La Philosophie Grecque. Paris: Payot, 1972.

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