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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS E LINGUÍSTICA

Referência SEVERO, Cristine Gorski. Por uma Perspectiva social dialógica da linguagem:
repensando a noção de indivíduo. Tese de doutorado (Programa de Pós-Graduação em
Linguística). Universidade Federal de Santa Catarina:2007
Resumo:
Palavras-chave:

FICHAMENTO

Página 30 - Wilhem von Humboldt nasceu em Potsdam, em 1767, e morreu em 1835.


Estudou direito, dedicou sua vida aos estudos (pois era rico e não precisava trabalhar) e
atuou em várias áreas, tais como: Lingüística, Filosofia, Educação e Política. Vivenciou
os acontecimentos referentes à Revolução Francesa, tendo representado a Prússia no
Congresso de Viena (onde houve a definição das fronteiras da Europa após Napoleão
Bonaparte) e também fundou a Universidade de Berlim (1810), a partir de um ideal
humanista de educação. Era irmão do famoso explorador e naturalista Alexander von
Humboldt, que o ajudou nas pesquisas lingüísticas fornecendo-lhe dados sobre diversas
línguas e dialetos com os quais entrava em contato em suas viagens. Foi a partir de 1819
que Humboldt se dedicou mais intensamente aos estudos lingüísticos, uma vez que as
frustrações no campo político o afastaram da vida pública. (HUMBOLDT, 2004;
SEUREN, 1998)

Página 33 – para que o indivíduo possa se desenvolver é necessário que ele esteja
inserido num meio propício, contudo, seu desenvolvimento depende “de sua própria
natureza mais íntima e [é] para o seu próprio benefício” (ibid., p. 148). Humboldt
estipula o princípio que localiza a relação razão vs. liberdade como base de todo sistema
político:
A razão não pode desejar para o homem outra condição além daquela
em que cada indivíduo não apenas desfrute da mais absoluta liberdade
para desenvolver a si mesmo a partir de suas próprias energias, em sua
perfeita individualidade, mas na qual a própria natureza externa seja
deixada informe por qualquer intervenção humana, recebendo apenas
a impressão a ser deixada por cada indivíduo e por seu próprio
livrearbítrio, de acordo com a medida de seus desejos e carecimentos,
restrito assim apenas pelos limites de seus poderes e de seus direitos
(ibid., p. 151).

Página 33 - toda a teoria de Humboldt se organiza em torno do desenvolvimento


intelectual (espiritual) do indivíduo,

Página 34 - Humboldt concebe a língua como mediadora entre o mundo real e o mundo
da consciência; com isso, ela é, ao mesmo tempo, material e espiritual.

Página 34 - Nesse sentido – como capacidade e atributo da mente humana – a


linguagem é universal, diferente das línguas que, ao serem passíveis de alteração de
acordo com o meio, moldam e modificam a percepção do mundo

Página 34 - assim, línguas diferentes oferecem diferentes olhares sobre o mundo e,


portanto, diferentes respostas à vida (STEINER, 2005).

Página 34 - o interesse principal de Humboldt teria sido a relação dinâmica existente


entre língua, cultura e pensamento

Página 34 - contexto cultural nacionalista em que vivia

Página 35 - Na concepção de Humboldt, as complexidades intelectual e lingüística se


justapõem, não sendo possível falar em indivíduo/ser humano sem recorrer à linguagem
já que esta é o que o define.

Página 35-36 - “a sociedade é a condição necessária da língua que, de outra maneira,


não se formaria, e, assim, a língua emerge em suas particularidades também de todas as
leis que dirigem a formação da sociedade humana” (HUMBOLDT, trad. BRAGANÇA
Jr., 2006, p. 175).

Página 35 - os aspectos semântico-gramaticais são também específicos de cada idioma,


por conta das peculiaridades da nação

Página 36-37 - No que diz respeito ao estudo da linguagem, Humboldt contempla dois
aspectos que devem estar interligados: a forma e a substância. O autor alerta para o fato
de que, na investigação minuciosa da forma de cada língua, se deve levar em conta as
dificuldades em delimitar as fronteiras do que seria uma língua específica e o fato de
que a língua, na sua natureza, permanece constantemente em evolução. Salienta ainda
que a análise da forma não visa identificar e classificar as diversas partes da linguagem,
uma vez que “a quebra em palavras e regras nada mais é do que obra malfeita e morta,
produzida pela prática desmembradora da ciência” (HUMBOLDT, trad. VOLOBUEF,
2006, p. 101). Essa preocupação com o esmiuçamento da forma também é evidente no
seguinte trecho: “mesmo o falar da nação mais rudimentar é uma obra natural nobre
demais para ser desfigurada em partes tão casuísticas e ser examinada de forma tão
fragmentária” (HUMBOLDT, trad. MONTEZ, 2006, p. 43). Já o estudo da substância
da língua envolve “de um lado, o som propriamente dito, de outro, a totalidade das
impressões sensoriais e dos movimentos autônomos do espírito que antecedem a
construção dos conceitos com o auxílio da língua” (HUMBOLDT, trad. VOLOBUEF,
2006, p. 112-3). É na interligação de forma e substância que se revela o caminho da
expressão do pensamento: “por meio da representação da forma deve-se reconhecer o
caminho específico pelo qual a língua, e com ela a nação à qual pertence, chega à
expressão do pensamento” (ibid., p. 115). Percebe-se que para Humboldt a língua deve
ser estudada como constituída, simultaneamente, de forma e substância. Não se trata de
dicotomizar esses dois aspectos para favorecer um estudo científico da língua; trata-se,
sim, de ver no fenômeno lingüístico as regras e leis que constituem seu funcionamento,
bem como o aspecto semântico (mental) da linguagem.

Página 48 Em oposição à noção de indivíduo e independente dela, o sociólogo considera


a existência de uma consciência coletiva38 ou comum, que forma um sistema com vida
própria, caracterizado por ser um “conjunto de crenças e dos sentimentos comuns à
média dos membros de uma mesma sociedade” (ibid, p. 342). Tal consciência é a
mesma em diferentes locais, diferentes profissões e diferentes épocas (ligando as
gerações entre si) e ela se realiza nos indivíduos, mas é diferente da consciência
particular de cada um. Exemplificando: um ato seria considerado criminoso se ferisse a
consciência comum, e não a consciência particular.
Página 45 - Durkheim acredita que o maior desafio que o estudo da sociologia enfrenta
é a resistência dos indivíduos em renunciar ao poder (antropocêntrico) sobre a ordem
social, de forma a admitir o poder das forças sociais e a ele se submeter.

Página 49 - Os fatos sociais para serem observados, uma vez que são objetos de estudo
da sociologia, devem ser considerados como coisas, ou seja, eles são dados à
observação do cientista: “o que nos é dado não é a idéia que os homens têm do valor,
visto que ela é inacessível; são os valores que se tocam realmente no decurso das
relações econômicas” (ibid. p. 402).

Página 50 - A língua, parte essencial da linguagem, é considerada “um produto social da


faculdade da linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo
social para permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos” (p. 17).

Página 51 - A linguagem engloba duas partes, uma mais essencial – a língua, cuja
natureza é social –, e outra secundária – a fala, que é individual e psico-física.

Página 51 - Saussure concebe a linguagem como o somatório de duas partes: langue e


parole.

Página 53 - Para Saussure a perspectiva sincrônica oferece maior possibilidade


científica de estudo da língua, pois permite lidar com as unidades concretas (sem
mudança) do sistema

Página 54 - não há como negar a vinculação existente entre a opção teórica do


pesquisador e a sua atitude política frente à realidade social e aos indivíduos falantes.

Página 55 - as forças sociais. Evidentemente, tais forças, para Saussure, não se referem
a fenômenos como diferenças sócio-econômicas, aspectos políticos, ideológicos etc.

Página 56 - Nas postulações de Saussure percebe-se que, apesar de considerar a língua


como social em sua natureza, ele não está preocupado com uma teoria sociológica da
linguagem, que envolva, por exemplo, questões relacionadas ao poder/ideologia.
Página 56 - influência do papel político/ideológico (poder) sobre a língua

Página 59 - A partir do século XVII, sob os auspícios do movimento da Reforma, o


indivíduo passou a ganhar importância nas reflexões religiosas, filosóficas e mesmo
econômicas. Esse período, marcado pelo liberalismo – cuja característica principal foi o
respeito ao individualismo –, foi inspirado no protestantismo no que se refere ao
respeito à liberdade concedida aos indivíduos em seu relacionamento com Deus e com a
religião. Ao liberalismo importava o direito livre sobre a propriedade e acreditava-se
que os homens poderiam ascender social e economicamente se assim o quisessem. Em
decorrência disso, as tradições medievais de governo e a autoridade da Igreja católica
passaram e ser questionadas, possibilitando, cada vez mais, a liberdade dos homens
tanto no campo econômico quanto no filosófico. No campo da filosofia, o princípio do
individualismo era basicamente racionalista, sendo que, a partir do século XIX, o
individualismo também se voltou para as paixões, com o movimento dos românticos,
conduzindo, descaracterizando aquilo que seria o liberalismo. (ABBAGNANO, 2000;
WEBER, 2004)

Página 62 - Preocupações com o bem-estar social a partir da premissa de que “o melhor


estado que podemos alcançar é aquele em que o saldo do prazer sobre a dor seja o maior
possível” (ibid., p. 379) marcaram o movimento dos utilitaristas. Tal teoria, cujo
princípio norteador era o de mais felicidade para um número maior de pessoas, foi
apropriada pelos economistas liberais que defendiam o “laisser-faire para o livre
comércio, pois assumia-se que a busca livre e sem controle, por parte de cada homem,
do seu maior prazer, produziria a maior felicidade à sociedade, graças à jurisprudência”
(RUSSELL, 2002, p. 381). Dentre os utilitaristas, Jeremy Benhtam (séc. XVIII/XIX) –
o mesmo que inventou um dispositivo de controle dos indivíduos, o Panóptico, baseado
na vigilância constante, substituindo as grades, as correntes e as fechaduras
(FOUCAULT, 1999a) – se destacou na defesa de reformas sociais e da educação e nas
críticas à Igreja e à autoridade da classe dominante, especialmente quanto à moral do
sacrifício imposta aos trabalhadores.

Página 63 - Contemporâneo a Benhtam, Ricardo (1772-1823), em seu tratado sobre


economia política e tributação, discorreu a respeito de uma teoria sobre o valor do
trabalho. Também na mesma direção de pensamento, Robert Owen criticou a
exploração humana para a obtenção de lucro, tendo ele influenciado a elaboração das
primeiras leis relativas às fábricas. Embora não tenha elaborado nenhuma teoria ou
filosofia socialista, em “1827, os seguidores de Owen são referidos pela primeira vez
como socialistas” (RUSSELL, 2002, p. 388). Segundo Russell, “foi Marx quem
propiciou ao socialismo uma teoria filosófica. Para tanto, baseou-se na teoria de valor
de Ricardo, para a sua concepção econômica, e na dialética hegeliana como instrumento
de discussão filosófica” (ibid, p. 388).

Página 73 - A perspectiva materialista da Lingüística soviética se inspirou, inicialmente,


na perspectiva sociológica dos franceses, especialmente em Saussure, definindo a
Lingüística como uma ciência sociológica (língua é um fato social). Contudo,
Iakubinskii, em seus estudos, confronta as seguintes noções da abordagem saussuriana:
(i) o caráter simultâneo de imutabilidade e mutabilidade do signo – o teórico russo
argumenta que se a língua fosse, como afirma Saussure, inatingível pelo indivíduo ou
pela comunidade, nenhuma política lingüística (atuação consciente sobre a língua) seria
possível; (ii) a natureza arbitrária do signo – o lingüista soviético defende que as
relações entre os signos ocorre não apenas dentro do sistema lingüístico, mas na
sociedade, em uso pelos falantes; o signo lingüístico estaria diretamente vinculado ao
desenvolvimento da sociedade; (iii) a imensa complexidade do sistema, que é ignorada
pela massa de falantes – Iakubinskii acredita que, apesar de os falantes não pensarem
sobre a língua como um todo, eles possuem consciência dela, em suas vidas práticas;
falantes que variam em suas pronúncias, gramáticas ou vocabulários possuem
consciência do que escutam, o que faz com que esses indivíduos possam refletir sobre
sua própria língua e, até mesmo, muda-la; (iv) inércia coletiva em relação à inovação –
o teórico russo defende que a sociedade não pode ser vista como uma massa
homogênea, uma vez que ela é dividida em classes que são tanto inertes como ativas.
(LÄHTEENMÄKÏ, 2005; REZNICK, 2001)

Página 80 - Kuhn salienta que em um campo de saber os alunos são geralmente


expostos ao mesmo instrumento de leitura que oferece uma determina a visão e
explicação do objeto respaldadas por um certo paradigma (de aceitação geral) do
campo. No caso da Lingüística, o quanto, nas disciplinas sobre Lingüística Geral, por
exemplo, as reflexões sobre o estudo da linguagem se iniciam com Saussure, como se
ele fosse o primeiro e grande nome da Lingüística? Há uma grande diferença entre a
leitura dos trabalhos dele como “se nada de tão importante existisse antes” e sua leitura
a partir das condições e das abordagens teóricas que lhe possibilitaram dizer o que disse.

Página 80 - olhar para a língua como se ela existisse na estratosfera ou no indivíduo?

Página 88 - o sujeito totalmente inconsciente das mudanças sociais, apático, passivo e


impotente em relação às contradições que o cercam; (iv) o sujeito como fonte da
linguagem e (v) o sujeito submetido à lógica econômica de funcionamento da
sociedade. Sobre este último aspecto, trata-se de ver o indivíduo/sujeito como inscrito e
operante na trama social das relações de poder.

Página 93 - formalismo russo, que centra a análise literária na relação dos elementos da
obra entre si sem qualquer preocupação com questões ideológicas ou sociais, mas, não
por acaso, rompeu com essa corrente justamente devido à falta de reflexão filosófica
dessa perspectiva, embora, vale ressaltar, não tenha rompido com a estética romântica
de onde, paradoxalmente, os formalistas se originaram.

perspectiva totalizante do fenômeno da linguagem

Página 94 - Humboldt foi filósofo, lingüista, educador, escritor, tradutor e diplomata,


tendo estudado direito e ocupado o cargo de secretário da educação (HUMBOLDT,
2004).

Página 95 - conhecida e mais amplamente lida, ele certamente seria colocado ao lado de
Saussure como um dos fundadores do pensamento lingüístico moderno” (ROBINS,
1983, p. 140).

o sujeito se constitui na sua relação com os outros

Os indivíduos, nesse contexto, são vistos como capazes de monitoramento reflexivo de


seus atos e dos atos de outros, de racionalização e verbalização das condições sociais e
dos motivos de seus atos, e de motivação para a ação.
Os discursos e saberes são produzidos mediante relações de poder que não são,
necessariamente, relações econômicas;

O divórcio, na noção de linguagem, entre o que seria a langue (sistema de signos) e a


parole (a fala dos indivíduos); sendo a linguagem (ou língua) de natureza social e,
constitutiva/fundante, ao mesmo tempo, dos indivíduos/sujeitos e da sociedade, não faz
sentido um corte na definição de linguagem que reflita uma dicotomia entre o individual
e o social ou entre o caráter heterogêneo e homogêneo da língua;

Uma definição de linguagem/língua que envolva indivíduo (identidade) e


sociedade/mundo real (práticas sociais);

a concepção de que a língua-discurso falada por nós carrega, necessariamente, acentos


de valor; trata-se, portanto, de um fenômeno ideológico;

a vinculação entre as dimensões cognitiva (científicas), estética (emoções) e ética –


vínculo entre o mundo da cultura e o mundo da vida – através de uma atitude
responsável, que inclui uma compreensão ativa (estar impelido a responder) e a
consideração da alteridade;

um compromisso responsavelmente ético do pesquisador com seu objeto de estudo,


propiciando aos sujeitos/falantes condições de reflexão e de expressão em um espaço de
liberdade e não de submissão velada;

um compromisso político do pesquisador com suas teorias e pesquisa, uma vez que elas
promovem ações no mundo; por exemplo, elas podem gerar mudanças nas crenças e
atitudes dos falantes em relação à língua e, conseqüentemente, aos usos que fazem da
linguagem;

trabalho final nunca é concluso, mas uma resposta a um outro enunciado e uma
antecipação de outras respostas: todo encontro dialógico (diálogo de sentidos) produz
alterações, por menores que sejam;
a promoção de um diálogo inter e transdisciplinar com áreas afins que tratam da questão
da identidade, linguagem e sociedade, como a filosofia, a sociologia e a psicologia.

Essas são as bases que, mesmo sendo algumas delas de caráter geral, considero
fundamentais para se pensar um teoria social dialógica da linguagem, que articule
indivíduos/sujeitos, linguagem e sociedade. As idéias expostas aqui não são conclusivas
e definitivas; elas, por um lado, respondem à demanda da tese de se buscar um olhar
dialógico/crítico sobre a abordagem social dos estudos da linguagem, a partir de uma
reflexão sobre a noção de indivíduos e da relação desses com a língua e a dinâmica
social; por outro lado, essas idéias dialogam com outras tantas que emergem do
processo de compreensão ativa e criadora da leitura deste texto.

os acontecimentos sociais, econômicos, culturais e políticos e o interesse científico


passaram a priorizar a dimensão social ao invés da individual como objeto de interesse

crença na objetificação

A língua, para Humboldt, é o órgão formador do pensamento (das bildende Organ des
Gedanken1 ). E a linguagem, desta perspectiva, não é considerada como o meio para
falar da realidade, do mundo preexistente, mas é ela que constrói a realidade do mundo

Ao mesmo tempo, a linguagem é tomada como expressão do espírito coletivo e este


espírito coletivo é o espírito do povo (Volksgeist2

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